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GOVERNANÇA

CORPORATIVA

Giancarlo Giacomelli
G721 Governança Corporativa [recurso eletrônico] / Giancarlo
Giacomelli... [et al.] ; [revisão técnica: Gisele Lozada]. –
Porto Alegre : SAGAH, 2017.

Editado também como livro impresso em 2017.


ISBN 978-85-9502-169-3

1. Governança. 2. Administração pública. I. Giacomelli,


Giancarlo.

CDU 336.773

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147


A empresa como sistema
e seu ambiente
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar as características da organização que justificam seu enten-


dimento como um sistema integrado.
„„ Avaliar como a gestão por processos pode colaborar para o controle
e a tomada de decisões mais assertiva.
„„ Reconhecer os principais mecanismos de controle interno, suas con-
tribuições para a gestão e a governança corporativa.

Introdução
Organizações são arranjos humanos complexos em busca de objetivos e
resultados. Porém, nem sempre os objetivos são compartilhados ou en-
tendidos de maneira similar entre todas as partes que compõem o sistema
organizacional. Algumas lideranças podem ter objetivos conflitantes com
os da organização e utilizar os recursos da organização em busca destes
objetivos. A governança se apresenta como uma poderosa ferramenta
para assegurar que os objetivos das principais partes interessadas – sócios
e investidores – não sejam preteridos frente a objetivos de curto prazo.
Neste texto você vai estudar a empresa como um sistema e suas
inter-relações com o ambiente, identificando como os controles podem
ser úteis para a dinâmica organizacional e servir como uma fonte de
informação crucial para as práticas de governança.
58 A empresa como sistema e seu ambiente

A empresa como um sistema integrado

A origem dos processos


A economia, no período pré-Revolução Industrial, era basicamente agrária
e artesanal. A produção dos escassos bens manufaturados, como roupas e
calçados, era feita quase manualmente, por um único indivíduo, ou contando
com os membros da família e poucos aprendizes. Esse modelo de produção,
no qual uma pessoa era responsável por todo o processo, era demasiadamente
lento e improdutivo: um artesão podia levar mais de um dia na produção de
um único par de sapatos. Isso tornava os produtos extremamente caros, de
forma que apenas a nobreza possuía acesso à maioria dos bens manufaturados.
Com o advento da Revolução Industrial, essa dinâmica de produção come-
çou a mudar. Os artesãos perceberam que, se dividissem o trabalho em partes
menores, poderiam delegar essas tarefas aos aprendizes, que, ao se especiali-
zarem numa atividade, aprimoravam o seu fazer, conseguindo realizá-la cada
vez com mais qualidade e rapidez. Assim, uma pessoa se especializava em
cortar o couro, outra em pregar a sola, outra em dar o acabamento, e assim
por diante.
Essa especialização nas atividades trouxe à tona um grande potencial de
produtividade até então oculto. De repente, um artesão que produzia 1 ou 2
sapatos por dia tinha agora um atelier produzindo 20 ou 30 sapatos, com o
apoio de 3 ou 4 aprendizes.
Adam Smith foi um dos primeiros autores a perceber, na década de 1750,
o que ocorria na incipiente sociedade de mercado há algumas décadas: “[...]
a divisão do trabalho, reduzindo a atividade de cada pessoa a alguma ope-
ração simples e fazendo dela o único emprego de sua vida, necessariamente
aumenta muito a destreza do operário” (SMITH, 2006). Com a publicação
do clássico “A riqueza das nações”, na década de 1770, Smith contribuiu para
a disseminação e o entendimento do potencial gerador de prosperidade da
economia de mercado.
A empresa não era mais um arranjo de um homem só; ela passou a ter
especializações dentro de todas as suas atividades. O mesmo conceito de
divisão do trabalho utilizado nas linhas de montagem passou a ser integrado
às atividades administrativas.
Henry Fayol, um dos principais autores da teoria clássica da administração,
consolidou o conceito de departamentalização no final do século XIX. A
teoria clássica defendia que a criação de setores especializados – financeiro,
A empresa como sistema e seu ambiente 59

comercial, suprimentos, produção, recursos humanos – daria mais eficiência


para a organização. Este arranjo é efetivo e persiste ainda hoje na prática.
Podemos fazer um paralelo entre o artesão pré-Revolução Industrial e um
microempreendedor atual. Suponha que este microempreendedor trabalhe
sozinho. Então, além de produzir os seus produtos, é ele o responsável por
realizar os serviços bancários, comprar as matérias-primas, comprar as em-
balagens, limpar a sua loja ou espaço de trabalho, embalar e despachar seus
produtos – caso venda pela internet –, recolher os impostos, e mais uma série
de atribuições. Como o tempo é limitado – o dia seguirá tendo 24 horas para
o empreendedor –, o potencial de crescimento de seu negócio será também
limitado, e chegará um ponto em que ele não conseguirá crescer mais sem a
contratação de novos colaboradores.

Quanto mais o seu negócio cresce, maior a necessidade de pessoas. Um bom exemplo
disso é o Walmart, uma rede de varejo com atuação em diversos países do mundo.
O Walmart é reconhecido por sua eficiência logística e seus preços baixos: oferece
produtos dos mais diversos tipos, de alimentos a roupas e materiais de escritório,
para milhões de pessoas, gerando praticidade e tornando a vida dessas pessoas mais
agradável. Para isso, em 2016, o Walmart contava com 2 milhões e 100 mil colaboradores
diretos, sem contar fornecedores e parceiros. É praticamente quatro vezes a população
de Miami, por exemplo.

Como organizar todas as pessoas em um mesmo propósito e equalizar os


diferentes interesses? Foi para resolver esse desafio que as empresas começaram
a se organizar como um sistema, formado por diversas partes – departamentos,
pessoas e processos – que precisam atuar de forma integrada, trabalhando em
prol de um objetivo comum e maior. Foram criados áreas e departamentos,
para os quais foram delegadas funções, atribuídas tanto aos grupos como para
cada indivíduo deles integrante. Com isso, uma grande rede de relacionamen-
tos foi se formando, incluindo tanto o ambiente interno como o externo das
organizações. Esta rede envolve colaboradores, gestores, fornecedores, clientes
e muitos outros agentes, cada um deles possuindo interesses específicos e
desempenhando um determinado papel no cenário.
60 A empresa como sistema e seu ambiente

Dessa forma, cada pessoa dentro da empresa passa a ter uma função que
vai além do seu cargo: é fundamentalmente uma razão de estarem ali, todos
eles; desde o funcionário que foi recém contratado para uma tarefa simples e
manual (como um repositor de prateleiras, no exemplo de um supermercado),
até o executivo chefe (CEO). Todos recebem atribuições e metas, que precisam
ser previstas e monitoradas. Afinal, essas tarefas representam interesses e ob-
jetivos que necessitam estar alinhados, garantindo a prevalência do interesse da
organização ao invés dos objetivos individuais das pessoas ou departamentos.
Como resultado, o avanço nas práticas de departamentalização e controle
administrativos levaram ao surgimento do gerenciamento de processos.

Gerenciamento de processos
Inicialmente é importante estabelecer a diferença entre gestão de processos e
gestão por processos, conforme as definições de Ferreira (2013):

Gestão de processos: “[...] conjunto de ações sistemáticas, baseadas em mé-


todos, técnicas e ferramentas de análise, modelação e controle, que permitem
manter estável a rotina e implantar melhorias na qualidade dos processos.
[...] esforço de estabelecer sistemas de trabalho submetidos a descrições,
mensurações e controles das atividades em função do que foi planejado.”
(FERREIRA, 2013, p. 18, 21). Ou seja, conforme o autor, a gestão de pro-
cessos consiste em monitorar os processos para manter a conformidade e os
resultados pretendidos.
Gestão por processos: é “[...] gerir a organização considerando a interação
entre os processos e entre esses e o ambiente.” (FERREIRA, 2013, p. 22). Para
tanto, as organizações passaram a ser orientadas (ou estruturadas) por pro-
cessos, sendo as estruturas organizacionais pensadas, desenhadas e aplicadas
com base nos processos estratégicos das empresas. Ainda conforme Ferreira
(2013, p. 20), “a lógica é a dinâmica da organização em prol de resultados
efetivos e não mais a visão compartimentada de uma abordagem funcional.”, na
qual as organizações constituem unidades funcionais verticalizadas, isoladas
e organizadas de forma hierárquica, operando com pouquíssima interação.

Apesar das diferenças entre os conceitos de gestão de processos e ges-


tão por processos, o autor evidencia a existência de um forte vínculo entre
os mesmos, uma vez que “a organização orientada por processos precisa,
necessariamente, de processos bem monitorados, caso contrário inviabiliza
a possibilidade de tê-los funcionando eficientemente em rede ou de forma
sistêmica” (FERREIRA, 2013, p. 22).
A empresa como sistema e seu ambiente 61

Os processos são os componentes da operação de uma empresa. A pers-


pectiva de processos é uma forma de olhar a organização de maneira sistêmica
e de enxergar o negócio da empresa como um todo, incluindo aí processos
administrativos e de gestão, e traduzir este todo em etapas que possam ser
verificáveis, para avaliação e melhoria. Dessa forma, a empresa é vista como
um sistema. Segundo Slack et al. (2013), “[...] uma perspectiva de processos
significa entender as empresas em todos os seus processos individuais. É apenas
uma maneira de modelar organizações, mas que é particularmente útil [...]”.
Se uma empresa adota uma perspectiva de processo, ela entende que todas
as partes do negócio podem ser vistas como processos e que todos os processos
podem ser gerenciados usando os princípios de gerenciamento de operações.
É importante entender que a perspectiva de processo não é a única forma
de descrever os negócios ou qualquer tipo de organização. Uma organização
poderia ser representada como uma estrutura organizacional convencional,
que mostra as relações equilibradas entre vários departamentos ou grupos de
recursos. Mas até mesmo uma pequena experiência em qualquer organização
mostra que raramente a estrutura organizacional representa completamente
a organização.
De forma alternativa, uma organização poderia ser descrita pelo modo como
toma decisões – como equilibra critérios conflitantes, compara riscos, decide
as ações e aprende com seus erros. Também é possível concentrar-se em sua
cultura – os valores compartilhados, a ideologia, o padrão de pensamento e
os rituais diários – ou em suas relações de poder – como é governada, como
busca consensos (ou pelo menos reconciliação), e assim por diante.
Mesmo com tantas características e possibilidades de análise, a organi-
zação corresponde a um conjunto de processos interconectados que devem
contribuir para o atingimento das metas estratégicas da empresa. Assim, a
perspectiva de processos analisa as empresas como um conjunto de processos
relacionados. Muitos destes processos estarão dentro da função de operações e
contribuirão diretamente para a produção de seus produtos e serviços. Outros
estarão nas funções de suporte ao negócio, mas ainda será necessário gerenciá-
los, usando princípios semelhantes aos que pertencem à função de operações.
Assim, a visão por processos interpreta a empresa como um sistema in-
tegrado, no qual todas as atividades estão inter-relacionadas. Quando essas
atividades são cumpridas, a empresa interage de forma orgânica com o seu
ambiente, seja ele interno, compreendendo, por exemplo, as relações entre áreas
e departamentos, ou externo, abrangendo clientes, fornecedores, parceiros e
demais partes interessadas.
62 A empresa como sistema e seu ambiente

Dentre as diferentes metodologias empregadas no gerenciamento de processos,


destaca-se o BPM – Business Process Management, abordagem que corresponde a
uma das principais referências no gerenciamento de projetos. Leia o livro “Guia para o
gerenciamento de processos de negócio corpo comum de conhecimento ABPMP BPM
CBOK v. 3.0” (ASSOCIATION OF BUSINESS PROCESS MANAGEMENT PROFESSIONALS,
2013).

A gestão por processos como facilitadora do


controle e da tomada de decisão
Este formato empresarial com muitos funcionários e processos, que predominou
por décadas, exigia grandes estruturas administrativas de apoio, promovendo
movimentos de departamentalização das organizações. Foram criadas as áreas
administrativas para tratar de todos os processos burocráticos e gerenciais
da organização, a área financeira para a gestão dos custos, os gerentes de
operação para manter a produção de acordo com a demanda, o departamento
comercial para realizar as vendas, e assim por diante.
Contudo, esta departamentalização, em muitos casos, tornou-se excessiva,
inchando a estrutura e dificultando o controle e a operação do negócio. Com o
passar do tempo e o amadurecimento das práticas de gestão, essas estruturas
começaram a passar por uma nova transformação, tornando-se menores, ou
mais eficientes. Ou seja, a mesma estrutura adquiriu a capacidade de gerenciar
uma operação muito maior.
Mais recentemente, com o avanço nas tecnologias digitais e a consolidação
de relações políticas de comércio internacional mais amigáveis, transparentes
e explícitas, surgiu também uma tendência de expansão dos negócios, gerando
novos desafios de governança. Isso promoveu o distanciamento dos sócios ou
acionistas da operação do negócio, que passou a ser gerido por profissionais
contratados para esse fim. Como reflexo, surgiu a necessidade da criação
de instrumentos que lhes permitissem determinado grau de compreensão e
interferência no negócio.
A empresa como sistema e seu ambiente 63

Como constatou Avalos (2009),

o distanciamento gradual ocorrido entre a propriedade das empresas e sua


gestão, cria questões adicionais a serem consideradas, uma vez que os pro-
prietários perdem parcialmente o acesso às informações que teriam se par-
ticipassem diretamente desta gestão. A estrutura organizacional deve ser
adequada constantemente a estes câmbios que ocorrem, de tal forma a suprir
os usuários, das informações que eles precisam, de forma fiel e imediata, tal
que permitam em tempo a tomada de decisões de investimento adequadas.
A partir do momento em que as empresas passam do estágio de controle
apenas no âmbito contábil (“quando a estrutura organizacional da empresa
se caracterizava pela coincidência entre propriedade e administração, era
apenas necessária a implementação de sistema de controle interno no âmbito
contábil com o objetivo de proteger os ativos de perdas derivadas de erros
intencionados” AICPA, 1973), para operações de maior complexidade, foi
necessário a introdução de novas técnicas de direção e implementação de
sistemas de controle interno com o objetivo principal de proteger os ativos
contra perdas derivadas de erros, intencionais ou não, no processamento das
transações e a utilização dos ativos correspondentes. Neste ponto, surge a
necessidade de implementar um sistema de controle interno que, além do
âmbito financeiro-contábil, abrangesse também a gestão e a direção de tal
forma que permita “proporcionar uma segurança razoável, na obtenção dos
objetivos específicos da entidade” (AICPA, 1988).

Os novos arranjos organizacionais trouxeram novos desafios de gestão, que


levaram as organizações a buscar instrumentos que permitissem o crescimento
do negócio sem a perda do seu controle.
Assim, Avalos (2009) conclui que

[...] os problemas de controle interno encontram-se, na empresa moderna,


em todos os seus segmentos: vendas, fabricação, desenvolvimento, compras,
tesouraria e recursos humanos, etc. O exercício de um adequado controle
sobre cada uma dessas áreas assume fundamental importância para que se
atinjam os resultados mais favoráveis com menores desperdícios. É impossível
conceber uma empresa que não disponha de controles que possam garantir a
continuidade do fluxo de suas operações e informações proposto.
64 A empresa como sistema e seu ambiente

É neste ponto que se encontram a gestão por processos e a melhoria organi-


zacional, já que a simples existência de controles internos não é uma garantia
do bom desempenho da empresa. Os ganhos apenas serão alcançados quando
o monitoramento dos indicadores de processos for traduzido em informações
úteis para a tomada de decisão. Por meio desses indicadores, os gestores
podem avaliar se determinada atividade – e até mesmo determinado setor da
empresa – tornou-se obsoleta, ou pode ser otimizada, e identificar quais as
contribuições que cada departamento dá aos objetivos centrais do negócio.
Além da drástica redução de desperdícios, a gestão por processos, combi-
nada com a utilização de indicadores claros, torna a tomada de decisões mais
assertiva, reduzindo o grau de subjetividade presente nas principais discussões
do negócio. Com isso, a gestão por processos, apoiada pelos controles internos,
exerce um papel fundamental na preservação dos objetivos estratégicos da
organização. Por meio de processos claramente definidos, é possível implantar
indicadores de desempenho; estes indicadores serão uma das principais
fontes de informação para os diretores e o conselho de administração. Com
isso, estabelece-se uma relação de retroalimentação entre a estratégia e a
operação do negócio.
Dessa forma, a gestão por processos e os controles internos colaboram
para o alinhamento de objetivos e a preservação dos interesses da organiza-
ção, fazendo com que as decisões sejam tomadas pensando na empresa em
primeiro lugar, permitindo seu melhor desempenho. A gestão por processos
lida com o eventual distanciamento entre os objetivos individuais e globais,
de certa forma natural nas organizações departamentalizadas, e também com
o distanciamento entre propriedade e gestão, de onde deriva o potencial risco
de concorrência de interesses.
A implantação sistemática desse modelo de gestão e tomada de decisões
acaba consolidando uma cultura de assertividade que permeia toda a or-
ganização, desde o nível estratégico até o operacional. A estrutura passa a
demandar informações sólidas para a tomada de decisões embasadas, o que
torna a ação da governança mais necessária, consistente e coerente com os
objetivos do negócio.
A empresa como sistema e seu ambiente 65

Conflito de agentes
Fatores como a crescente internacionalização das atividades empresariais têm pro-
movido uma maior dispersão da propriedade e, portanto, uma nítida separação desta
com a direção da empresa.
Essa contraposição de interesses cria o chamado “conflito de agentes”, definido pela
disparidade de acesso às informações do negócio existente entre os proprietários,
dispersos e, por isso, débeis, e os administradores, possuidores de total acesso a
informações privilegiadas. Essa situação transforma o proprietário na parte fraca e o
administrador na parte forte do negócio.
Enquanto os administradores estão mais preocupados em maximizar os resultados
das avaliações de gestão dos períodos correspondentes à sua atuação, os investidores
acionistas estão preocupados com o longo prazo e desejam que as condições de
benefícios sejam mantidas ao longo do tempo (AVALOS, 2009).

Os principais mecanismos de controle interno


O manual de boas práticas de governança corporativa do IBGC – Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa – aborda a importância dos controles
internos no seu capítulo “Gerenciamento de riscos, controles internos e con-
formidade (compliance)”. De acordo com o Intituto Brasileiro de Governança
Corporativa (2015):

Os agentes de governança têm responsabilidade em assegurar que toda a or-


ganização esteja em conformidade com os seus princípios e valores, refletidos
em políticas, procedimentos e normas internas, e com as leis e os dispositivos
regulatórios a que esteja submetida. A efetividade desse processo constitui o
sistema de conformidade (compliance) da organização.
66 A empresa como sistema e seu ambiente

O que significa compliance? O termo “compliance” tem origem no verbo em inglês


to comply, que significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um
comando ou um pedido, ou seja, estar em compliance é estar em conformidade com
leis e regulamentos externos e internos. Portanto, manter a empresa em conformidade
significa atender às normas dos órgãos reguladores, de acordo com as atividades
desenvolvidas pela sua empresa, bem como obedecer aos regulamentos internos,
principalmente aqueles inerentes ao seu controle interno. Saiba mais sobre compliance
lendo o artigo “O que é compliance e como o profissional da área deve atuar?” (LIRA,
2013).

Para estabelecer esse controle interno, o Instituto Brasileiro de Governança


Corporativa (2015) propõe algumas práticas, entre elas:

„„ Ações relacionadas a gerenciamento de riscos, controles internos e


sistema de conformidade (compliance) devem estar fundamentadas no
uso de critérios éticos refletidos no código de conduta da organização.
„„ O cumprimento de leis, regulamentos e normas externas e internas deve
ser garantido por um processo de acompanhamento da conformidade
(compliance) de todas as atividades da organização.
„„ Além da identificação de riscos, a diretoria deve ser capaz de aferir a
probabilidade de sua ocorrência e a exposição financeira consolidada a
esses riscos, incluindo os aspectos intangíveis, implementando medidas
para prevenção ou mitigação dos principais riscos a que a organização
está sujeita.
„„ O comitê de auditoria, por meio do plano de trabalho da auditoria interna,
deve verificar e confirmar a aderência pela diretoria à política de riscos
e conformidade (compliance) aprovada pelo conselho.
„„ O sistema de controles internos não deve focar-se exclusivamente em
monitorar fatos passados, mas também contemplar visão prospectiva na
antecipação de riscos. A diretoria deve assegurar-se de que o sistema de
controles internos estimule os órgãos da organização a adotar atitudes
preventivas, prospectivas e proativas na minimização e antecipação
de riscos.
A empresa como sistema e seu ambiente 67

As diretrizes do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2015)


estão alinhadas com um movimento que o mundo corporativo vivenciou na
segunda metade do século XX, com a disseminação das práticas de gestão
pela qualidade. Certificações como a ISO (International Organization for
Standardization), que previam a implementação de práticas padronizadas de
gestão e processos, se popularizaram, fazendo com que as empresas se desta-
cassem pelas suas rotinas de controle, contribuindo de maneira significativa
para o amadurecimento da gestão de governança que começava a se consolidar
como modelo de gestão.

Para conhecer mais sobre as boas práticas de governança, você pode acessar a íntegra
do “Código de melhores práticas de governança corporativa” (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2015).

Isso facilitou a mudança na concepção da finalidade e aplicação dos con-


troles internos. Conforme Avalos (2009),

os novos modelos de controle interno desenvolvidos definem uma nova corrente


de pensamento que amplia os conceitos sobre as organizações, incluindo cada
vez mais uma maior participação de diretores, gerentes e pessoal em geral.
Esses modelos foram desenvolvidos para servirem de suporte para o êxito da
organização, desde que devidamente aplicados pelo pessoal envolvido. Por
isso, o pessoal deve conhecê-los cabalmente e entendê-los perfeitamente, o
que implica a correta preparação de diretores, gerentes chefes e o restante do
pessoal, assim como os auditores internos e externos.

Outro ponto importante deriva da crescente internacionalização dos


negócios, da qual surgiu a necessidade de padronização de controles por meio
de mecanismos e regulamentações internacionais que permitissem orientar
a implementação das práticas de governança em diferentes organizações.
As empresas passaram a buscar recomendações unificadas, permitindo que
seus controles estivessem adequados aos padrões internacionais de auditoria,
atendendo às demandas do cenário globalizado.
68 A empresa como sistema e seu ambiente

Neste contexto, destacam-se as recomendações oferecidas pela COSO


(Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission),
organização privada criada nos EUA em 1985 para prevenir e evitar fraudes
nos procedimentos e processos internos das empresas. Suas recomendações
dizem respeito aos controles internos, bem como seu cumprimento e obser-
vância, e são amplamente praticadas e tidas como referência no Brasil e na
maioria dos países do mundo. Essa organização emitiu o relatório COSO
(do inglês COSO report), um parecer norteador das práticas de controle, com
as principais finalidades de estabelecer uma definição comum de controle
interno que responda às necessidades das diferentes partes interessadas e de
oferecer um modelo básico para que as empresas possam avaliar seus sistemas
de controles internos independentemente de seu tamanho ou segmento.

Controle interno segundo o relatório COSO


Conforme consta no relatório COSO, o controle interno é um processo que
envolve um conjunto de ações estruturadas e coordenadas dirigidas para a
obtenção de um fim. Ou seja, o controle nunca é um fim em si mesmo.
O controle interno, portanto, deve estar integrado a todas as operações da
empresa, sendo inadequado defini-lo como um adendo a tais operações. Esta
é a principal característica desse modelo, bem como a diferença fundamental
da antiga perspectiva, que via o controle interno como uma carga burocrá-
tica inevitável imposta pelos organismos reguladores ou por burocratas com
excesso de zelo.
Além disso, o controle interno é efetuado por pessoas, e não pelos ma-
nuais de procedimento. As pessoas em cada nível da organização detêm a
responsabilidade de realizar o controle interno. O grau de segurança dado
pelos sistemas de controle interno não pode ser total, mas relativo, tendo em
vista as limitações inerentes tanto às pessoas que os implementam quanto ao
próprio sistema implementado.
O controle interno é composto de cinco elementos interligados entre si, que
são decorrentes do estilo gerencial e estão, por isso, integrados no processo
de direção. São eles:
A empresa como sistema e seu ambiente 69

1. entorno do controle;
2. avaliação de riscos;
3. atividades de controle;
4. informação e comunicação;
5. supervisão.

Pensando na relação da empresa com seu ambiente, surge a necessidade


de dar especial atenção ao elemento do entorno do controle. Por entorno, ou
ambiente do controle, podemos entender o conjunto de atividades, circuns-
tâncias e condutas que demarcam as ações de uma entidade do ponto de vista
do controle interno. O ambiente do controle é uma consequência das atitudes
assumidas pela direção e pela gerência, que são refletidas no restante dos
empregados. Ele demonstra a importância do controle interno e sua incidência
sobre as atividades e seus resultados.
Os principais elementos que constituem o ambiente do controle são:

„„ a integridade e os valores éticos;


„„ a competência profissional;
„„ a atmosfera de confiança mútua;
„„ a filosofia e o estilo da direção;
„„ a estrutura, o plano organizacional, os regulamentos e os manuais de
procedimentos;
„„ a delegação de autoridade e designação de recursos humanos;
„„ o conselho de administração, o comitê de auditoria, etc.

Todos estes fatores, e mais alguns, dependendo do contexto e segmento da


empresa, irão influenciar os processos de controles internos e os resultados
do negócio.
Os elementos constituintes dos controles internos estão diretamente ligados
aos requisitos de governança, que permitem a criação da referida atmosfera
de confiança, apoiada pelas práticas de transparência e compliance exigidas
pelos modelos de governança.
O mesmo vale para a existência dos conselhos e das estruturas organi-
zacionais. Sem a existência de controles das atividades administrativas e
operacionais, abre-se uma lacuna de gestão que inviabiliza a implantação da
governança.
70 A empresa como sistema e seu ambiente

1. A Revolução Industrial foi um marco as estruturas organizacionais para


nos arranjos de produção, alterando melhor atender estes processos. No
drasticamente a forma como os entanto, ambas têm vínculos, como:
bens eram produzidos. Sobre este a) a organização por processos
período, é correto afirmar que: elimina a necessidade
a) foi marcado pela falta de de monitoramento das
especialização nas atividades atividades organizacionais.
– cada trabalhador produzia b) a gestão por processos
todas as etapas de um exerce impacto limitado às
produto, do início ao fim. atividades operacionais do
b) a industrialização provocou um negócio; assim, as atividades
aumento nos preços dos bens estratégicas não fazem parte
que eram ofertados à população. da gestão por processos.
c) na prática, houve pouca c) quando falamos de gestão de
alteração nas rotinas de processos, devemos ter claro
produção, sendo a principal que se trata dos processos
mudança a inserção de algumas operacionais de fabricação.
máquinas que substituíam Os demais processos, como
o trabalho manual. as atividades administrativas
d) as fábricas começaram a ser e financeiras, não podem ser
vistas como um sistema, em tratados da mesma forma.
que cada funcionário ficava d) a organização orientada
responsável por uma parte por processos precisa,
do processo, o que tornou necessariamente, de
a produção mais rápida e, processos bem monitorados,
consequentemente, mais barata. caso contrário inviabiliza
e) um traço característico a possibilidade de tê-los
foi a redução no número funcionando eficientemente
de vagas de emprego e de forma sistêmica.
tamanho das empresas. e) a gestão por processos garante
2. Existem ligeiras diferenças nas uma visão sistêmica, porém não
abordagens de “gestão de promove impactos sobre custos
processos” e “gestão por processos”. ou lucratividade da organização.
Grosso modo, poderíamos resumir 3. A evolução do mercado mundial,
que a gestão de processos tem possível por uma série de fatores,
um foco nas tarefas e atividades como ambientes políticos
executadas na organização, e a estáveis, avanço nas tecnologias
gestão por processos tem uma de informação e digitalização
visão mais sistêmica, que não olha dos processos, permite que as
só para a atividade, mas adapta empresas se tornem sistemas
A empresa como sistema e seu ambiente 71

mais complexos, viabilizando um Governança Corporativa, é uma


distanciamento gradual entre das mais atuantes entidades
a propriedade das empresas e promotoras da governança no
sua gestão. Isso permite que um país. No seu manual de boas
proprietário chinês tenha uma práticas, o Instituto Brasileiro de
empresa em São Paulo na qual só Governança Corporativa (2015)
trabalhem brasileiros, por exemplo. afirma: “Os agentes de governança
Sobre os desafios de governança têm responsabilidade em assegurar
que esse modelo apresenta, qual que toda a organização esteja
das alternativas abaixo está correta? em conformidade com os seus
a) Devido à maior complexidade princípios e valores, refletidos
dos negócios, os controles em políticas, procedimentos e
internos integrantes das práticas normas internas, e com as leis e
de governança são capazes os dispositivos regulatórios a que
de promover a proteção dos esteja submetida.” Como é chamado
ativos da organização apenas o sistema constituído a partir da
contra perdas derivadas efetividade desse processo?
de ações intencionais. a) Plano de auditorias externas.
b) A contraposição de interesses b) Rol de atribuições do
entre as partes é conhecida conselho fiscal.
como conflito de agentes e c) Sistema de conformidade
se caracteriza pelas diferentes (compliance) da organização.
necessidades existentes entre d) Rol de atribuições do
a empresa e os clientes. conselho de administração.
c) Um dos benefícios centrais e) Relação de direitos dos
das práticas de governança acionistas minoritários.
é equalizar os interesses de 5. O relatório COSO consiste em um
administradores e direção parecer norteador das práticas
ou investidores acionistas. de controle interno, utilizado
d) As práticas de governança se como modelo de referência por
concentram principalmente nas organizações de diversos países
questões contábeis do negócio. com a intenção de prevenir e
e) Com o aumento no tamanho evitar fraudes nos procedimentos
das organizações e a dispersão e processos internos das empresas.
da propriedade, surgiu a Partindo de suas recomendações,
necessidade de controle interno é verdadeiro afirmar que:
além do âmbito financeiro- a) o controle interno é considerado
contábil, passando a incluir a um fim em si mesmo.
gestão do negócio. Com isso, os b) o controle interno é visto
controles internos substituíram como uma carga burocrática
de maneira satisfatória as inevitável imposta pelos
práticas de governança. organismos reguladores.
4. O IBGC, Instituto Brasileiro de c) a responsabilidade pelos
72 A empresa como sistema e seu ambiente

controles é atribuída aos controle é total e absoluto.


manuais de procedimentos que e) o controle interno é composto
orientam os controles internos. por cinco elementos interligados,
d) o grau de segurança entre os quais está o entorno
viabilizado pelo sistema de (ou ambiente) do controle.

ASSOCIATION OF BUSINESS PROCESS MANAGEMENT PROFESSIONALS. Guia para o


gerenciamento de processos de negócio corpo comum de conhecimento ABPMP BPM
CBOK v. 3.0. [S.l.]: ABPMP, 2013. Disponível em: <http://c.ymcdn.com/sites/www.abpmp.
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Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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