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Lawrence Kohlberg (Nova York, 25 de Outubro de 1927 - Boston, 19 de Janeiro de

1987), foi um psicólogo estadunidense nascido em Bronxville, Nova Iorque.

Biografia
Kohlberg foi professor na Universidade de Chicago, bem como na Universidade
Harvard. Especializou-se na investigação sobre educação e argumentação moral, sendo
mais conhecido pela sua teoria dos níveis de desenvolvimento moral. Muito
influenciado pela teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget, o trabalho de
Kohlberg refletiu e desenvolveu as ideias de seu predecessor, ao mesmo tempo criando
um novo campo na psicologia: "desenvolvimento moral".

Ainda em 1971, contraiu um parasita tropical em Belize enquanto fazia um trabalho


transcultural. Como resultado disso, ele lutou contra a dor física e a depressão pelo resto
de sua vida. Em 19 de janeiro de 1987 ele pediu um dia de alta do hospital de
Massachusetts onde fazia tratamento, dirigiu até o Harbor de Boston, estacionou seu
carro em uma rua sem saída, e mergulhou no mar. Tendo aparentemente cometido
suicídio, faleceu aos 59 anos de idade.[1]

Em um estudo empírico realizado por Haggbloom et al. utilizando seis critérios, tais
como citações e reconhecimento, Kohlberg foi considerado o trigésimo psicólogo mais
famoso do século XX.[2]

Dentre os seus principais sucessores, estão James Rest e Elliot Turiel, que deram
prosseguimentos às pesquisas de Kohlberg com contribuições relevantes.

Teoria do Desenvolvimento Moral


A teoria do desenvolvimento moral é a mais conhecida de Kohlberg. Sua teoria, assim
como a de Piaget, é universalista. Não afirma a universalidade das normas, mas a das
estruturas que permitem a aplicação das normas em contextos precisos e proporcionam
critérios para o juízo moral. Acredita que através de um processo maturacional e
interativo, todos os seres humanos têm a capacidade de chegar à plena competência
moral, medida pelo paradigma da moralidade autônoma, ou, como prefere Kohlberg,
pela da moralidade pós-convencional.[3]

Os seis estágios de Kohlberg podem ser, generalizadamente, agrupados em três níveis


de dois estágios cada: pré-convencional, convencional, e pós-convencional.[4][5][6]

Seguindo as exigências construcionistas de Piaget de um modelo de estágios, como


exposto em sua teoria do desenvolvimento cognitivo, é extremamente raro regredir em
estágios – perder o uso de capacidades de estágios mais altos. Não se pode pular
estágios, cada um fornece uma nova e necessária perspectiva, mais abrangente e
diferenciada de seu predecessores, mas integradas com eles.[7][8] Os estágios não
avançam em "bloco", podendo a pessoa estar em determinado estágio em uma área, e
em outro estágio em outra área.[9] Sua teoria é dinâmica, e não apenas estática.
Potencialmente, todo indivíduo é capaz de transcender os valores da cultura em que foi
socializado, ele não apenas os incorpora passivamente. Com isso, a própria cultura pode
ser modificada.
Podemos esquematizar a teoria de Kohlberg da seguinte maneira:

Nível 1 (Pré-Convencional)

1. Orientação "punição obediência"

(Como eu posso evitar a punição?)

2. Orientação auto-interesse (ou "hedonismo instrumental")

(O que eu ganho com isso?)

Nível 2 (Convencional)

3. Acordo interpessoal e conformidade

(Normas sociais)

(Orientação "bom moço"/"boa moça")

4. Orientação "manutenção da ordem social e da autoridade"

(Moralidade "Lei e Ordem")

Nível 3 (Pós-Convencional)

5. Orientação "Contrato Social"

6. Princípios éticos universais

(Consciência principiada)

Nível pré-convencional

O nível pré-convencional de argumentação moral é particularmente comum em


crianças, embora adultos também possam exibir esse nível de argumentação. Nesse
nível, o juízo da moralidade da ação é feito com base em suas consequências diretas. O
nível pré-convencional consiste apenas do primeiro e segundo estágios de
desenvolvimento moral, e está preocupado apenas com o próprio ser de uma maneira
egocêntrica. Alguém com uma moral pré-convencional ainda não adotou ou internalizou
as convenções da sociedade sobre o que é certo ou errado, mas, em vez disso, foca-se
grandemente em consequências externas que certas ações possam ter.[4][5][6]

O estágio 1 é o do castigo e obediência. Nesse estágio, a moralidade para a criança


consiste em observar literalmente as regras, obedecer à autoridade e evitar o castigo. Por
exemplo, uma ação é vista como errada apenas porque aquele que a cometeu foi punido.
"Da última vez que fiz tal coisa, apanhei, então não farei de novo". Quanto pior a
punição, pior é visto o ato.[10] O ponto de vista é egocêntrico, o ator não distingue entre
seus interesses e os dos outros, que o ponto de vista dos outros pode ser diferente do
seu. Há uma deferência para aqueles vistos como de maior poder ou prestígio.[11]
O estágio 2 é aquele em que a pessoa é movida apenas pelos próprios interesses. O
comportamento moral consiste em seguir regras quando forem do interesse imediato do
ator, e em reconhecer que os outros também têm seus próprios interesses, o que pode
justificar uma troca entre atores, integrando interesses recíprocos, mas apenas até o
ponto em que isso serve aos interesses do próprio ator. O ponto de vista inclui, portanto,
o de outros indivíduos, numa base instrumental, ocorrendo uma certa descentração,
embora mínima. O respeito pelos outros não está baseado em lealdade ou respeito
mútuo, mas no sentido de "uma mão lava a outra". A falta de perspectiva do estágio 2
também não pode ser confundida com o estágio 5, pois aqui todas as ações têm o
propósito de servir os próprios interesses ou necessidades do próprio indivíduo.[12]

Nível convencional

O nível convencional de argumentação moral é típico de adolescentes e adultos.


Aqueles que argumentam de uma maneira convencional julgam a moralidade das ações
comparando-as com as visões do mundo e expectativas da sociedade. A moralidade
convencional é caracterizada por uma aceitação das convenções sociais a respeito do
certo e do errado. Nesse nível um indivíduo obedece regras e segue as normas da
sociedade mesmo quando não há consequências pela obediência ou desobediência.
Aderência a regras e convenções é de algum modo rígida, entretanto, a adequação da
aplicação de uma regra ou a justiça dela é por vezes (poucas) questionada.[4][5][6]

O estágio 3 é o das expectativas interpessoais mútuas, e do conformismo, em que o ser


entra na sociedade preenchendo papéis sociais (identidade dos papéis). O correto é
atender às expectativas das pessoas de referência, ser um "bom moço", no papel de
filho, irmão ou amigo, tendo sido ensinado que há um valor inerente a tal
comportamento. O ponto de vista inclui as perspectivas dos outros e sentimentos
compartilhados, que têm precedência sobre os interesses individuais. A argumentação
do estágio 3 pode julgar a moralidade de uma ação valorando as suas consequências em
termos dos relacionamentos de uma pessoa, a qual agora começa a incluir coisas como
respeito, gratidão, e a "regra de ouro". Desejo de manter as regras e autoridade existe
apenas para manter esses papéis sociais. As intenções das ações desempenham um papel
mais significante na argumentação neste estágio; "eles têm boas intenções…".[12]

O estágio 4 é aquele em que a pessoa se move com base na obediência a autoridade e


ordem social. O correto é cumprir seu dever na sociedade, preservar a ordem social, e
manter o bem-estar da sociedade ou do grupo. O ponto de vista é o do sistema ou do
grupo social como um todo, e considera os interesses individuais dentre desse quadro de
referência mais amplo. O argumentação moral no estágio quatro está além da
necessidade de aprovação individual exibida no estágio três; a sociedade deve aprender
a transcender necessidades individuais. Um ideal (ou ideais) central frequentemente
prescreve o que é certo ou errado, como no caso do fundacionalismo. Se uma pessoa
viola uma lei, talvez todo mundo possa – portanto, há uma obrigação e um dever em
manter leis e regras. A maioria dos membros ativos da sociedade permanecem no
estágio quatro, onde a moralidade é predominantemente ditada por uma força externa.[12]

Nível pós-convencional

O nível pós-convencional, também conhecido como "nível principiado", consiste dos


estágios cinco e seis do desenvolvimento moral. Há uma crescente percepção de que os
indivíduos são entes separados da sociedade, e de que a perspectiva do próprio
indivíduo pode tomar precedência sobre a visão da sociedade; eles podem desobedecer
regras inconsistentes com princípios universais que possam ser justificados. Essas
pessoas vivem de acordo com seus próprios princípios abstratos sobre o certo e o errado
– princípios que tipicamente incluem direitos humanos básicos. Devido ao fato desse
nível colocar a "natureza do ser antes dos outros", o comportamento de indivíduos pós-
convencionais, especialmente daqueles no estágio seis, podem ser confundido com o
daqueles no nível pré-convencional. As pessoas que exibem uma moralidade pós-
convencional veem as regras como necessárias e como mecanismos mutáveis –
idealmente, as regras podem ajudar a manter a ordem social geral e a proteger os
direitos humanos. As regras não são ditos absolutos que devem ser obedecidos sem
questionamentos, podendo ser desobedecidas ou modificadas com base em justificativas
universais.[4][5][6]

O estágio 5 é o dos direitos pré-existentes e do contrato social ou utilidade. A visão de


mundo de quem está neste estágio é a de que no mundo existem pessoas de diferentes
opiniões, direitos, e valores. O correto é apoiar os direitos, valores e contratos jurídicos
de uma sociedade, mesmo quando estão em conflito com as normas concretas do grupo.
As leis são consideradas como contratos sociais em vez de um mandamento rígido.
Aquelas que não promovem o bem-estar geral devem ser modificadas quando
necessário para adequar-se ao "bem máximo para o maior número de pessoas". Isso é
atingido através da decisão da maioria, e do comprometimento inevitável. Muitos dos
atos de um governo democrático são baseados no estágio cinco.[5]

O estágio 6 é o dos princípios universais éticos. As leis e acordos sociais só são válidos
na medida em que derivam de tais princípios. Assim, quando a lei viola esses princípios,
é preciso agir de acordo com eles. Os princípios em questão são os da igualdade dos
seres humanos e o respeito por sua dignidade como indivíduos, considerados como fins
e não enquanto meios, como na filosofia de Immanuel Kant.[13][14][15] Existe uma
capacidade de se imaginar no lugar do outro.[16] O ponto de vista é universalista,
transcendendo grupos e sociedades particulares, e se baseia numa ética válida para
todos, da qual derivam arranjos e instituições concretas. Os direitos escritos
formalmente não são necessários, pois os contratos sociais não são essenciais para a
ação moral deôntica. O indivíduo age porque é o correto a ser feito, não porque tal ação
é instrumental, esperada, legal, ou foi previamente acordada. Para Kohlberg, raras
pessoas atingem este estágio.[8][17]

Contribuições de outros autores

Além das contribuições relevantes de James Rest e Elliot Turiel, a pesquisa de Kohlberg
ganhou também uma continuidade importante em Jürgen Habermas.

Habermas formulou um sétimo estágio de desenvolvimento no artigo "Desenvolvimento


da Moral e Identidade do Eu", publicado no livro "Para a Reconstrução do Materialismo
Histórico" (título original em alemão: "Zur Rekonstruktion des Historischen
Materialismus"). Para Habermas, é somente a nível de uma ética universal da
linguagem que se tornam objeto do discurso prático também a interpretação dos
carecimentos, ou seja, o que cada indivíduo crê que deva ser entendido e afirmado como
seus "verdadeiros" interesses.[18]
Publicações
Duska R & Whelan M 1994. O desenvolvimento moral na idade evolutiva – um guia a
Piaget e Kohlberg. São Paulo: Ed. Loyola.

Milnitsky-Sapiro C 2000. Teorias em desenvolvimento sócio-moral: Piaget, Kohlberg e


Turiel – possíveis implicações para a educação médica. Rev. Bras. Ed. Med. 24(3):7-15.
Disponível em <http://www.abem-educmed.org.br/rbem/
rbem/rebem_24_numero2_2000.htm>

Biaggio A 1998. Introdução à teoria de julgamento moral de Kohlberg. In Nunes MLT


(org.). Moral & TV. Porto Alegre: Evangraf.

1. ↑ HGSE News (01 de outubro de 2000). Reconstructing Larry: Assessing the


Legacy of Lawrence Kohlberg (em português). Página visitada em 14 de
Novembro de 2009.
2. ↑ Haggbloom, S.J. et al. (2002). The 100 Most Eminent Psychologists of the
20th Century. Review of General Psychology. Vol. 6, No. 2, 139–15.
3. ↑ ROUANET, Sergio Paulo. A Coruja e o Sambódromo. In: Mal-estar na
Modernidade. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 82.
4. ↑ 4.0 4.1 4.2 4.3 Kohlberg, Lawrence (1971). From Is to Ought: How to Commit
the Naturalistic Fallacy and Get Away with It in the Study of Moral
Development. New York: Academic Press.
5. ↑ 5.0 5.1 5.2 5.3 5.4 Kohlberg, Lawrence; T. Lickona, ed. (1976). "Moral stages
and moralization: The cognitive-developmental approach". Moral Development
and Behavior: Theory, Research and Social Issues. Holt, NY: Rinehart and
Winston.
6. ↑ 6.0 6.1 6.2 6.3 Colby, Anne; Kohlberg, L. (1987). The Measurement of Moral
Judgment Vol. 2: Standard Issue Scoring Manual. Cambridge University Press.
ISBN 0-521-24447-1.
7. ↑ Walker, Lawrence, J. (February 1989). "A longitudinal study of moral
reasoning". Child Development 60 (1): 157–166. doi:10.2307/1131081.
8. ↑ 8.0 8.1 Anne Colby; Gibbs, J. Lieberman, M., and Kohlberg, L. (1983). A
Longitudinal Study of Moral Judgment: A Monograph for the Society of
Research in Child Development. The University of Chicago Press. ISBN 99932-
7-870-X.
9. ↑ Piaget, Jean. O juízo moral na criança. 4.ed. São Paulo: Summus, 1994, p. 75.
10. ↑ Shaffer, David R. (2004). Social and Personality Development (5th ed.).
Wadsworth Publishing. ISBN 0-534-60700-4.
11. ↑ Kohlberg, Lawrence (Oct, 1974). "Education, Moral Development and Faith".
Journal of Moral Education 4(1): 5–16. doi:10.1080/0305724740040102.
12. ↑ 12.0 12.1 12.2 Kohlberg, Lawrence (1973). "The Claim to Moral Adequacy of
a Highest Stage of Moral Judgment". Journal of Philosophy 70: 630–646.
doi:10.2307/2025030.
13. ↑ KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros
Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 58.
14. ↑ KANT. Idem, p. 64.
15. ↑ Kant, Immanuel (1964). Groundwork of the Metaphysic of Morals. Harper and
Row Publishers, Inc. ISBN 0-06-131159-6.
16. ↑ Rawls, John (1971). A Theory of Justice. Cambridge, MA: Belkap Press of
Harvard University Press. ISBN 0-674-01772-2.
17. ↑ ROUANET, Sergio Paulo. A Coruja e o Sambódromo. In: Mal-estar na
Modernidade. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 81.
18. ↑ HABERMAS, Jürgen Desenvolvimento da moral e identidade do Eu. In: Para
a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Perspectiva, 1983, p. 49-
75.

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