Você está na página 1de 33

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

ATUALIZAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE O AUTISMO: ETIOLOGIA E TRABALHO


CLÍNICO

MARINA DE MEDEIROS FERREIRA DA COSTA

JOÃO PESSOA
2022
MARINA DE MEDEIROS FERREIRA DA COSTA

ATUALIZAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE O AUTISMO: ETIOLOGIA E TRABALHO


CLÍNICO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Federal da


Paraíba, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em
Psicologia.
Orientadora: Prof. Dra. Ieda Fraken Rodrigues

JOÃO PESSOA
2022
ATUALIZAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE O AUTISMO: ETIOLOGIA E TRABALHO
CLÍNICO

Marina de Medeiros Ferreira da Costa

Aprovado em 29/11/2022

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Ieda Franken Rodrigues (Orientadora)


Universidade Federal da Paraíba

Prof. Dr. Adriano de Léon


Universidade Federal da Paraíba

Prof. Dr. Hélida Paiva Magalhães


Universidade Federal da Paraíba
Resumo

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) constituium transtorno do Neurodesenvolvimento

caracterizado por comprometimentos na área da comunicação, interação social e no

comportamento, cujos sintomas se manifestam desde período precoce do desenvolvimento.A

estimativa é de que 70 milhões de pessoas ao redor do mundo possuam o diagnóstico de TEA,

segundo dados da Organização Mundial de Saúde no ano de 2021. Diante disso, o presente

Trabalho de Conclusão de Curso teve como objetivo responder a seguinte pergunta norteadora

“Quais as hipóteses etiológicas e métodos de trabalho clínico tem sido descritos pela Psicanálise

para o atendimento de pessoas enquadradas no diagnóstico de TEA?”. Para tanto, utilizou-se como

método a Revisão Integrativa da Literatura e foi realizada uma busca nas bases de dados SciElo e

Lilacs com os descritores “autismo” e “psicanálise” acompanhados do operador booleano “and”.

Foram encontrados 142 artigos, dos quais 16 foram selecionados para a análise final, conforme os

seguintes critérios de inclusão: artigos científicos, publicados em português, entre os anos de 2012 e

2022, que não fossem revisão da literatura ou relatos autobiográficos. A análise dos artigosindicoua

prevalência das teorias psicanalíticas de autores lacanianos como Marie Christine Laznik, Alfredo

Jerusalinsky, Rosine e Robert Lefort e ÂngelaVorcaro e os principais métodos clínicos utilizados

foram: manejo dos objetos autísticos, grupos terapêuticos, música, tratamento dos familiares,

supervisão,construção do caso clínico,“prática entre vários” e o desenho. Concluiu-se que o escopo

de artigos que atenderam aos critérios de inclusão foi relativamente extenso, considerando a

especificidade do tema ea relação primária com o Outro foi o tema principal discutido sobre as

hipóteses etiológicas. A prevalência de modalidades clínicas que não se referem necessariamente à

prática centrada na dupla terapeuta-paciente também foi um dado presente nos artigos, o queindicou

que o trabalho clínico com pessoas com TEA expande os muros do setting clássico.

Palavras-chave: Autismo, psicanálise, intervenção


Abstract

Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmentaldisordercharacterizedbyimpairments in

the areaof communication, social interactionandbehaviorwhichsymptoms are

manifestedfromanearlyperiodofdevelopment. It isestimatedthat 50 millionpeopleworldwide are

diagnosedwith ASD, according to data from the World Health Organization. Therefore,

thisUndergraduateThesisaimed to answer the followingguidingquestion

"WhatetiologicalhypothesesandclinicalworkmethodshavebeendescribedbyPsychoanalysis for the

careofpeopleframed in the diagnosisof ASD?". For thispurpose, the Integrative Review wasused as

a methodand a searchwascarried out in the SciEloandLilacsdatabaseswith the descriptors “autism”

and “psychoanalysis”, accompaniedby the Booleanoperator “and”. A total of 140 articleswerefound,

ofwhich 16 wereselected for the final analysis, according to the followinginclusioncriteria:

scientificarticles, published in Portuguese, between the years 2012 and 2022, thatwerenotliterature

review orautobiographicalreports. The analysisof the articlesindicated the

prevalenceofpsychoanalytictheoriesofLacanianauthorssuch as Marie Christine Laznik, Alfredo

Jerusalinsky, Rosine and Robert Lefort and Ângela Vorcaro. The mainclinicalmethodsusedwere:

handlingofautisticobjects, therapeuticgroups, music, treatmentoffamilymembers, supervision,

constructionofclinical cases, the practicalbetweenseveralanddrawing. It wasconcludedthat the

scopeof the articlesthatmet the inclusioncriteriawasrelativelyextensive, considering the specificityof

the topic. The primaryrelationshipwith the Other was the

maintopicdiscussedonetiologicalhypotheses. The prevalenceofclinical models that do

notnecessarilyrefer to the practicecenteredon the therapist-patientrelationshipwasalsopresentamong

the articles, whichindicatesthat the clinicalworkwithpeoplewith ASD breaks down the wallsof the

classicalpsychoanalytic setting.

Key words:Autism, psychoanalysis, intervention


6

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................................... 10
METODOLOGIA................................................................................................................... 13
RESULTADOS ....................................................................................................................... 16
Caracterização das publicações............................................................................................. 19
Psicanalistas referidos ........................................................................................................... 20
Hipótese etiológica do TEA .................................................................................................. 21
Técnicas de intervenção utilizados na clínica psicanalítica de pessoas com TEA ............... 22
DISCUSSÃO ........................................................................................................................... 24
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 28
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 29
7

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) constitui, segundo a 5° edição do Manual

Diagnóstico dos Transtornos Mentais (DSM-5),um transtorno do Neurodesenvolvimento

caracterizado por comprometimentos na área da comunicação, interação social e no

comportamento, cujos sintomas se manifestam desde período precoce do desenvolvimento. O

grupo de pessoas que integra o espectro é fenotipicamente heterogêneo e os níveis de suporte

podem ser definidos como leve, moderado ou grave (APA, 2014).

O DSM-5 define como critérios diagnósticos déficits na reciprocidade socioemocional

e na comunicação não verbal, bem como dificuldades para ajustar o comportamento a

diferentes contextos sociais. No que tange ao diagnóstico diferencial, por sua vez, esses

sintomas não são melhores explicados por atraso do desenvolvimento global ou por

deficiência intelectual (APA 2014).

Sadock, Sadock& Ruiz (2016) citam o trabalho de Henry Maudsley (1887) com

observação de crianças com comportamento atípico como uma das primeiras descrições do

TEA na literatura. Entretanto, o estudo realizado pelo médico austríaco Leo Kanner,

publicado em 1943, denominado “Perturbações autistas do contato afetivo”que relatou o caso

de 11 crianças com comportamento atípico em suas relações sociais, introduziu

detalhadamente a síndrome do autismo na infância pela primeira vez, sendo considerado um

marco sobre o assunto.

Apesar disso, adescrição do TEA enquanto síndrome psicopatológicafoi marcada por

uma tentativa de produzir um diagnóstico diferencial com a psicose. Até os anos 1980, os

quadros com sintomas de autismo ainda eram predominantemente descritos como

“esquizofrenia infantil”, até que em 1986 foi publicada a 3° edição do DSM em que o autismo

foi reconhecido como uma condição específica e incluído na classe de Transtornos Invasivos

do Desenvolvimento (TID). Demarcando, assim, a diferença entre TEA e esquizofrenia, ainda


8

que hoje seja de conhecimento que crianças com autismo possam desenvolver transtorno

esquizofrênico comórbido (Sadock, Sadock& Ruiz, 2016).

Gonçalves et. Al. (2017) situam o caso Dick descrito por Melanie Klein em 1930,

como o primeiro registro da relação entre psicanálise e autismo que seguiu sendo amplamente

explorada pela literatura. Em torno das dificuldades de se caracterizar o autismo,uma vez que

este se diferencia das estruturas psicanalíticas tradicionais, – neurose, psicose e perversão –

diferentes estudiosos propuseram compreensões etiológicas focalizadas na relação mãe-bebê,

dentre os quais pode-se citar: Bruno Bettelhim, Margareth Mahler, Donald Meltzer, Serge

Lebovici e Frances Tustin.

As hipóteses desses psicanalistas podem ser enquadradas como hipóteses “não-

organicistas” visto que o autismo era caracterizado por eles como uma síndrome causada por

um cuidado parental falho, devido à uma falha externa e não inata ao bebê. Entretanto, neste

mesmo período, em meados do século XX, as discussões em torno do tema ainda tiveram

como protagonistas outras duas hipóteses, são elas: a organicista, na qual o autismo seria uma

síndrome neurológica e a orgânico ambientalista na qual uma falha parental acentuaria o

quadro de um filho já deficiente(Schmidt, 2014)

O embate entre essas diferentes pressuposições etiológicas permanece no atual cenário

em que o número de diagnósticos de TEA vem aumentando consideravelmente. Entretanto, o

espaço da psicanálise como disciplina teórico-prática-científica que obteve, inclusive, o

pioneirismo no que se refere os estudos do TEA, vem sido deslegitimado como nos aponta

Laurent (2014) sob o argumento de ausência de evidências científicas e a defesa do

determinismo neurobiológico do TEA.

Dessa forma, compreende-se a necessidade de estudos que possam discorrer sobre o

tema, inclusive aqueles de natureza bibliográfica, como o excepcional realizado por

Gonçalvez et Al. (2017). É imprescindível realizar revisões que possam além de mapear as
9

hipóteses etiológicas, sistematizar as metodologias clínicas utilizadas a fim de contribuir para

o atendimento multiprofissional a pessoas com TEA que constitui um direito dessa população

segundo a Lei Berenice Piana (12.764/2012).

.
10

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O termo autismo foi inicialmente descrito por Eugene Bleuler em 1911 para explicar

sintomas negativos da esquizofrenia. Bleuler se baseou no conceito de autoerotismo de Freud

do qual retirou a referência à paixão (eros), para explicar um investimento do sujeito sobre si

que não partia da ordem da libido ou sexualidade, mas que resultava em um interesse maior

pela vida interior em detrimento da vida exterior(Barroso, 2019).

A psicoterapeuta britânica Frances Tustin, em suas primeiras obras (1951-1972),

caracterizou o autismo como uma fase normal do desenvolvimento descrita como “autismo da

infância primitiva” em que o bebê se encontraria em um estado de não-diferenciação com sua

mãe. O autismo enquanto síndrome, por outro lado, segundo a autora, corresponderia na

parada do desenvolvimento dessa fase ou uma regressão a esta, em decorrência de um trauma

da separação materna que levaria a um colapso depressivo(Tustin, 1975).

Segundo Lucero e Vorcaro (2015) o trabalho de Tustin priorizou a intervenção

baseada nos objetos autísticos. Para Tustin, crianças com autismo elegem objetos que

funcionam como uma extensão de si mesmo, em uma operação auto-erótica. Os objetos

autísticos assumem o papel de objeto de desejo e aliviam sentimentos de frustração, na

tentativa por parte do sujeito de se distanciar de tudo aquilo que se refere ao não-eu. Para a

autora, o uso compulsivo desses objetos seria responsável por prejudicar a capacidade

simbólicade modo que a retirada desses objetos foi uma das técnicas de intervenção adotadas

pela psicanalista, na tentativa de tornar seus pacientes mais suscetíveis à influência externa

(Lucero& Vorcaro, 2015).

Bruno Bettelheim (1967), autor da obra “A fortaleza vazia”,descreveu como agente

precipitador do quadro de autismo o desejo por parte de um dos pais que seu filho não

existisse. Em uma perspectiva de culpabilização materna, Bettelhim afirmou que a

incapacidade antecipatória das mães frente às demandas da criança–decorrente de seus traços


11

narcisistas –eram vivenciadas pelas crianças como sentimentos de rejeição o que fazia com

que elas se refugiassem em uma “fortaleza vazia” como mecanismo de defesa.

ParaLucero e Vorcaro (2015), Bettelheim (1967) discordou da visão perniciosa de

Tustin acerca dos objetos de interesse da criança com TEA e defendeu a sua permanência e

uso destes no tratamento infantil, por acreditar na função protetora destes. De modo que

passou a defender uma intervenção com apoio desses objetos a fim de facilitar o

desenvolvimento da relação com a criança.

Em seu seminário 10, denominado “A angústia”, Lacan (2006), faz menção ao “gozo

autístico” para falar de uma relação de sujeito com objeto de desejo que não passa pelo

Grande Outro, de maneira a desconsiderar o simbólico e, consequentemente, a linguagem.

Muitos psicanalistas lacanianos foram influenciados por essa proposição e escreveram teorias

a fim de caracterizar o autismo, dentre os quais podemos citar a de Laznik (1997). Segundo a

autora, reconhecida pela defesa do tratamento precoce, o autismo seria caracterizado por um

não fechamento do circuito pulsional. De modo que o sujeito não conseguiria se colocar

ativamente como objeto de desejo do outro, não passando, portanto, pelo processo de

alienação na linguagem.

Na contramão da maioria dos psicanalistas, Donald Woods Winnicott(1997) pediatra

britânico, discordava que o autismo seria uma categoria diagnóstica distinta da esquizofrenia

o que fez com que ele chegasse a afirmar que a doença do autismo não existiria.Ainda assim,

propôs que aqueles que apresentavam os sintomas conhecidos por “autismo” não teriam

recebido, durante a fase de dependência absoluta, a provisão ambiental necessária, o que

suscitaria uma angústia impensável e mobilizaria defesas altamente sofisticadas responsáveis

pelo quadro sintomático (Winnicott, 1997).

Segundo Winnicott (1982), pacientes cuja análise precisa incidir sobre os primeiros

estágios do desenvolvimento emocional teria como foco o estabelecimento do setting e o


12

manejo clínico. Nesse sentido, Januário (2012) afirma que a prática clínica com crianças

autistas, baseada na abordagem winnicottiana, deve priorizara construção da relação analítica

com esses pacientes em detrimento da interpretação por meio de dispositivos clínicos como o

holding e o brincar. A construção desta relação analítica tem como objetivo prover um espaço

potencial para que a análise atue como um processo de constituição psíquica e retomada do

desenvolvimento emocional.

Uma grande contribuição de Winnicott foi sua discussão sobre importância do brincar

para o desenvolvimento subjetivo. O brincar acompanha o desenvolvimento dos sujeitos e é

capaz de refletir perturbações na estrutura psíquica de bebês. Em crianças autistas, o brincar é

defensivo e caracterizado pela concretude, sensorialidade e ensimesmamento. O analista

capaz de estimular o brincar no setting promove a constituição subjetiva da criança e permite

a passagem das fases de dependência absoluta rumo a independência que se refletem e um

brincar simbólico (Kollar, 2017; Tavares, 2016).

Estima-se que a cada 370 crianças uma é autista, tendo aproximadamente 40.000

crianças e adolescentes com o diagnóstico apenas no Estado de São Paulo e 70 milhões ao

redor do mundo segundo a Organização Mundial de Saúde (Duarte et Al., 2016). Diante desse

alto índice de diagnósticos, o presente Trabalho de Conclusão de Curso teve como objetivo

pesquisar estudos publicados nos últimos 10 anos desde a vigência da Lei Berenice Piana

(12.764/2012) que abordem sobre a etiologia do autismo na perspectiva psicanalítica e os

tipos de intervenção que estão sendo propostos pela mesma abordagem.


13

METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de caráter exploratório e descritivo que utilizou a metodologia

deRevisão Integrativa da Literatura. Esse tipo de revisão permite a síntese do conhecimento

de estudos com diferentes tipos de metodologias (Sousa, 2017).O presente estudo pretendeu

responder a seguinte pergunta norteadora “Quais as hipóteses etiológicas e métodos de

trabalho clínico tem sido descritos pela Psicanálise para a clínica com pessoas enquadradas no

diagnóstico de TEA?”. Diante disso, foram elaboradas três hipóteses A) A Psicanálise

Lacaniana é majoritária nos estudos referentes à clínica do autismo; B) A Psicanálise se

mostra pouco integrada a outros campos do saber como a neurociência, centralizando as

hipóteses etiológicas dentro dos conceitos do próprio campo psicanalítico e psicodinâmico; C)

As intervenções são focadas em atividades lúdicas.

Foram selecionados artigos científicos de livre acesso,disponíveis em português,

publicados nos últimos dez anos (2012-2022), desde a vigência da Lei Berenice Piana

(12.764/2012)que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da pessoa com TEA

nas basesde dados SciElo e LILACS. Para tanto, foram utilizados os descritoresAutismo e

Psicanálise, com o operador booleano „AND‟ entre ostermos, sendo o critério de inclusão ter

a clínica psicanalítica com pessoas enquadradas no diagnóstico de TEA como tema dos

artigos e critério de exclusão relatos autobiográficos e artigos com metodologia de revisão da

literatura.A análise dos estudos teve como base quatro variáveis: A)Caracterização das

publicações (autores, ano, revista, lugar de publicação e metodologia); B) Psicanalistas

referidos; C) Hipótese etiológica sustentada para o TEA; D) Técnicas de intervenção

utilizadas na clínica psicanalítica de pessoas com TEA.

Em uma busca preliminar nas bases de dados foram encontrados 142 artigos, sendo

que 28 destes foram encontrados na base de dados SciElo e 114 na base de dados

LILACS.Estes tiveram seus títulos e resumos submetidos a uma triagem de acordo com os

critérios de inclusão e exclusão. Foram excluídos 102 artigos e os 40 restantes foram


14

selecionadospara leitura integral. Após a leitura integral dos 40 selecionados, 6 foram

excluídos por falta de acesso gratuito e 18 por não mencionarem hipóteses etiológicas do TEA

ou técnicas de intervenção, o que foi qualificado como tangenciamento do tema. Restando,

assim, 16 artigos para análise.


15

Figura 1
Fluxograma de busca

Período das buscas


Abril de 2022
Ide
nti
fic
açã
o
Busca preliminar nas bases de dados
(n = 142)

Artigos excluídos por título, resumo


e repetição
(n = 102)
Tri
ag Artigos selecionados para leitura
em integral
(n = 40)

Artigos excluídos por falta de acesso


(n = 6)

Ele
gib Artigos lidos integralmente
ilid (n = 34)
ad
e
Artigos excluídos por
tangenciamento do tema
(n = 18)
Inc
luí Artigos incluídos na revisão
do
s (n = 16)
16

RESULTADOS

Tabela1
Artigos incluídos na Revisão da literatura

Artigo Autores e ano Revista Metodologia Psicanalistas


referidos
1 Calzavara& Psicologia, Estudo teórico Jacques Lacan,
Calazans (2022) ciência e profissão Sigmund Freud,
Jaques Allain
Miller, Jean
Claude Maleval,
ÉricLaurent
2 Lucero, Vivés& Psicologia em Relato de pesquisa Jacques Lacan,
Rosi (2021) estudo AngelaVorcaro,
Alfredo
Jerusalinsky,
Marie Christine
Laznik
3 Lucero et Al. Psicologia USP Relato de pesquisa Jacques Lacan,
(2021) Marie Christine
Laznik, Frances
Tustin, Jean
Claude Maleval,
Sigmund Freud
4 Viana, Furtado & Revista Estudo teórico Jacques Lacan
Vieira (2020) Latinoamericana
de Psicopatologia
Fundamental
5 Lucero& Vorcaro Fractal Estudo teórico Frances Tustin,
(2015) Bruno
Betelhin,Jacques
Lacan, Eric
Laurent e Jean-
Claude Maleval
6 Souza (2021) Gerais (Revista Estudo teórico Jacques Lacan
Interinstitucional
de Psicologia)
7 Santos (2021) Estilos da Clínica Estudo teórico Jacques Lacan,
17

Rosine e Robert
Lefort,
AngelaVorcaro,
Jean Claude
Maleval,
8 Barroso (2019) Psicologia em Estudo teórico Jacques Lacan
Revista
9 Marfinati e Estilos da clínica Estudo Jacques Lacan,
Abrão (2019) historiográfico Marie Christine
Laznik, Maria
Christina
Kupfer,Donald
Winnicott
10 Almeida e Neves Estilos da clínica Relato de caso Winnicott, Maud
(2017) Manoni, Marie
Christine
Laznik,Ângela
Vorcaro e Alfredo
Jersualinsky
11 Lavrador e Estilos da clínica Relato de Jacques Lacan,
Merletti (2017) experiência Maud Manoni,
Sigmund Freud,
Marie Christine
Laznik. Maria
Christina Kupfer
12 Gonçalves (2017) Estilos da clínica Estudo de caso Jacques Lacan,
Sigmund Freud,
Françoise
DoltoAlfredo
Jerusalinksy,
13 Vorcaro (2016) Estilos da clínica Estudo teórico Jacques Lacan.
Sigmund Freud,
Donald Winnicott.
14 Silva (2014) Jornal de Relato de Donald
Psicanálise experiência Winnicott,,Donald
Meltzer, Wifred
Bion
15 Leiras e Batistelli Estilos da clínica Relato de caso Sigmund Freud,
(2014) Donald Winnicott,
16 Wajntal (2013) Estilos da clínica Estudo teórico Donald Winnicott,
18

Jacques Lacan
19

Caracterização das publicações


Dentre os 16 artigos que passaram pelo critério de inclusão, 6 foram publicados em

revistas de Psicologia (1,2,3,5,6,8), 1 em revista de psicopatologia (4), 1 em revista de

psicanálise (14) e 8 artigos em uma mesma revista de Psicologia Clínica com ênfase em

problemas da infância (7, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16) a Estilos da Clínica da Universidade de

São Paulo.As publicações ficaram concentradas no eixo Sul-Sudeste, com prevalência do

estado de São Paulo, em que 11 artigos foram publicados em revistasdeste estado (3, 4, 7, 9,

10, 11, 12, 13, 14, 15, 16). Além disso,2 artigos foram publicados em revista do estado de

Minas Gerais (6,8), 1 em revista do Paraná (2), 1 em Brasília-DF (1) e 1 no Rio de Janeiro (5).

Ainda sobre as revistas, eleitas para a publicação dos 16 artigos examinados, a maioria

delas é vinculada a departamentos e institutos de Psicologia de Universidade Federais,

Estaduais e Particulares (2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16), com exceção da revista

Jornal de Psicanálise que é vinculadaà Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

(SBPSP);a revista Psicologia, Ciência e Profissão que é vinculada ao Conselho Federal de

Psicologia (CFP) e o periódico Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental

vinculado à Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental.

Dos 16 artigos, 8 constituíram estudos teóricos (1,4,5,6,7,8,13,16) sendo que a maioria

apresentou vinhetas clínicas para ilustrar os conceitos que estavam sendo discutidos.Os 8

restantes se dividiram em relatos de pesquisa, estudo de caso 1, relato de experiência, estudo

historiográfico e relato de caso2 (2, 3, 9, 10, 11, 12, 14, 15).

Em relação ao local em que foram realizadas as experiências e pesquisas relatadas pelos

artigos, 2artigos(12,10) relataram experiências em clínicas-escola de Psicologia, 3 em Centros

I
Segundo Freitas e Jabbour (2011) o estudo de caso reúne informações detalhadas e sistemáticas sobre um
fenômeno.
II
Segundo Yoshida (2007)o relato de caso é uma metodologia que não é considerada uma fonte científica de alto
nível, mas é uma importante fonte de informação que é usada na área da saúde e pode fornecer subsídios para o
melhor tratamento dos pacientes com a descrição do caso.
20

de Atenção Psicossocial (2, 3, 11),2 em clínica particular (14, 15) e 1 em um centro de

educação terapêutica(11).

Em relação aos autores, Ariana Lucero teve autoria em três artigos (2, 3, 5) e Ângela

Vorcaro em dois (13, 5) sendo que um dos artigos em questão foi de autoria conjunta das

autoras. Enquanto que os demais autores não se repetiram ao longo das publicações. Quanto

aos anos de publicação, nenhum artigo selecionado foi publicado no ano de 2012,8 artigos

foram publicados no intervalo de 2013 a 2017 e 8 do intervalo de 2018 a 2022.

Psicanalistas referidos

Dentre os psicanalistas referidos nos artigos, observou-se que 93% referenciaram Jacques

Lacan, com exceção apenas do artigo15.Além de Lacan, observou-se a predominância na

maioria dos artigos de 5 autores de orientação lacanianaque escreveram teorias sobre o

autismo, são eles: Marie Christine Laznik, Rosine e Robert Lefort, Ângela Vorcaro e Alfredo

Jerusalinsky. Sendo os dois últimos brasileiros.Depois de Lacan, Sigmund Freud (artigos

1,3,11,13)foi o segundo autor mais citado principalmente no que concerne aos conceitos de

pulsão e autoerotismo.

Em relação aos Psicanalistas reconhecidos por seus estudos da infância apareceram nos

artigos: Frances Tustin (5,14) Donald Winnicott (artigos 10,13,14,15,16), Françoise Dolto

(artigos 12) e Bruno Bettelhin (artigo 5). Em relação a Donald Winnicott e Wifred Bion um

achado relevante é que mesmo em artigos em que os autores não foram diretamente

citados,alguns de seus conceitos(espaço potencial, brincar, continência) foram utilizados para

explicar processos de subjetivação e intervenção. Alguns autores foram citados apenas uma

vez como Maud Manoni (artigo 10), psicanalista reconhecida por seu trabalho institucional,

Donald Meltzer (Artigo 14) um psicanalista de orientação kleiniana, reconhecido também por

ter formulado uma teoria sobre o autismoe Maria Christina Kupfer (9, 11) psicanalista

lacaniana.Muitos dos psicanalistas mencionados não necessariamente escreveram uma teoria


21

para etiologia do autismo, mas seus conceitos foram citados como forma de compreender o

processo de subjetivação e tratamento.

Hipótese etiológica do TEA

Dentre os 16 artigos selecionados para a revisão apenas 8 (artigos 2, 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12)

mencionaram hipóteses etiológicas para o TEA. Desses 8, apenas 1(artigo 8) fez uma breve

menção, de maneira crítica, a outros campos do saber que também estudam a etiologia do

autismo como a genética e a neurociência. A hipótese predominante nos artigos foi a de Marie

Christine Laznik (artigos2, 3, 9, 10, 11,12) de que uma incompletude no circuito pulsional da

criança caracterizaria o quadro de autismo. Partindo de Sigmund Freud para explicar o

circuito pulsional que é organizado em três fases (ativa, reflexiva e passiva), Laznik (2004)

explica que crianças com TEA não passariam da fase reflexiva para a fase passiva em que a

criança se faz objeto de desejo do outro.Depois de Laznik, as hipóteses etiológicas mais

citadas foram as de Alfredo Jerusalinsky (2, 10, 12), Rosine e Robert Lefort (7, 8) e Ângela

Vorcaro (2, 7, 10).

Em três artigos examinados (2, 10, 12), encontramos uma referência à Jerusalinsky no que

tange à constituição subjetiva. Segundo Jerusalinsky (2012), a constituição subjetiva ocorre à

medida em que o bebê se faz presente nas fantasias da mãe. Os gestos, olhares e palavras

direcionados ao bebê antecipam um sujeito, de modo que este sujeito é convocado a advir.

Acontece que quando esta antecipação não ocorre há uma predisposição à síndrome do

autismo.

Quanto à Ângela Vorcaro a autora foi citada em 3 artigos (2, 7, 10) e também foram

encontrados artigos de sua autoria na pesquisa às bases de dados. Vorcaro (2016) recorre aos

três registros postulados por Lacan (real, simbólico e imaginário) para explicar o autismo.

Segundo a autora,à princípio o sujeito se aliena na linguagem do Outro, porém a construção

da fantasia e do desejo acontece mediante o processo de separação com o Outro que passaria a
22

ser identificado como faltoso.No autismo, entretanto, esta separação não ocorreria, de modo

que a relação entre os três registros ficaria trançada e o imaginário seria excluído da relação

com o Simbólico e o Real.

O trabalho dos autores lacanianos Rosine e Robert Lefort foi citado em 2 artigos (7, 8).

Para estes autores, um dos impasses que contribuem para o desenvolvimento do autismo é a

ausência do Outro. No autismo, o Outro não existe de maneira simbólica, uma vez que não

ocorreu a inscrição da sua falta. Com isso, uma tentativa de inscrever o real nessa falta é

empreendida.

Outras hipóteses foram citadas como a da psicoterapeuta britânica Frances Tustin,

segundo a qual o autismo consistiria em uma regressão a uma fase normal do

desenvolvimento em que o bebê estaria mais centrado em si e isto ocorreria em virtude de um

colapso depressivo devido à ausência materna (artigo 5). De outra forma, os artigos 14 e 15

utilizaram de vinhetas clínicaspara postular hipóteses etiológicas acerca dos casos

apresentados. Nesse sentido o relacionamento deficitário entre mãe e filho foi pontuado como

uma das possíveis causas, ainda que a imprecisão das próprias causas e limitação da

psicanálise para explicar por completo o desenvolvimento do transtorno tenha sido

mencionado.

Técnicas de intervenção utilizados na clínica psicanalítica de pessoas com TEA

As técnicas de intervenção mencionadas nos artigos eleitos para análise foram muito

diversas, mas de certa forma se repetiram ao longo das produções. O manejo dos objetos

autísticos dentro do setting foi mencionado em cerca de 88% dos artigos, sendo a técnica de

maior prevalência dentre os escritos. O uso da música como objeto de intervenção foi

mencionado em cerca de 38% dos artigos e os grupos terapêuticos com crianças foram

mencionados nos artigos 2, 3,4, 11 e 16. O tratamento dos familiares também foi umatécnica

de alta frequência nos artigos eleitos (1,4,9,14,16) e mesmo em artigos em que este tratamento
23

não foi necessariamente mencionado, a reunião com a família foi tida como necessária (3,10),

demonstrando a importância de situar a família como uma extensão do tratamento.

O desenho foi mencionado em apenas dois artigos (12,15). Entretanto, em um deles

compreendeu-se o seu objetivo mais na esfera avaliativa do que necessariamente interventiva.

O desenho facilitou a comunicação e posterior interpretação do analista frente os sentimentos

da criança, mas pouco se discutiu do desenho como própria ferramenta de intervenção.

A “prática entre vários” para o tratamento de crianças com TEA foi mencionada em 4

artigos (1, 4, 8, 9). Esta prática se justifica à medida em que permite diluir a transferência

entre vários profissionais, a fim de evitar que sentimentos de intrusão suscitados na pessoa

com TEA no contato com o Outro sejam predominantes. Outras técnicas mencionadas foram

a construção do caso clínico (4, 8) e a supervisão (3, 4), dispositivos estes que expandem a

clínica predominantemente centrada na dupla paciente-terapeuta, sendo que o modelo de

atendimento mais tradicional foi citado em apenas um artigo (16).Dispositivos tecnológicos

também foram mencionados para a gravação das sessões com o objetivo de facilitar o trabalho

de supervisão (artigo 3) e acompanhamento da evolução do quadro, bem como o uso de

computadores e a robótica (artigo 1).

O principal objetivo apontado pelo tratamento analítico de pessoas com TEA foi a

emergência de um sujeito desejante(2, 3, 4, 8, 9, 10, 13) eo desenvolvimento de um novo tipo

de relação com o Outro(4, 8, 9, 10, 13), a fim de que seja possível a estes sujeitos socializar

com outras pessoas, mas que isso não seja vivenciado de maneira tão intrusiva como costuma

ser. Já o trabalho do analista foi referido (10,15) como um trabalho de intérprete em que é

necessário traduzir o que a criança está sentindo, tanto para o próprio sujeito a fim de gerar

marcas significantes, como para a própria família que em muitos momentos não compreende

o que se passa com a criança e o que motiva seus comportamentos


24

DISCUSSÃO

No que se refere às hipóteses postuladas, apenas as hipóteses A e B foram

corroboradas. A psicanálise lacaniana foi a teoria majoritária nos estudos referentes às

hipóteses etiológicas e o tratamento psicanalítico do autismo e os artigos fizeram pouca

referência a outros campos do saberque não a psicanálise quanto à perspectiva etiológica do

TEA. A hipótese C, por outro lado, que se refere às atividades lúdicas foi refutada, uma vez

que as técnicas de trabalho mais utilizadas foram o manejo dos objetos autísticos, os grupos

terapêuticos, a música e o tratamento dos familiares.

Em relação a etiologia do autismo, o interesse da psicanálise demonstrou incidir sobre a

sua dimensão enigmática e estrutural com foco na relação primordial com o Outro. A

estruturação de que trata a psicanálise não parte de parâmetros específicos de

desenvolvimento, tampouco postula fases evolutivas pelas quais os sujeitos devem passar.

Mas compreende a estruturação no autismo como um processo contínuo com a insistência de

um funcionamento sintomático que produz efeito na trançagem dos três registros (imaginário,

simbólico e real). Indicando que, quando a relação primária com o Outro não é capaz de

libidinizar o bebê, de forma a convidá-lo à relação, é possível um fechamento autístico (artigo

7).

A menção ao relacionamento deficitário entre mãe-criança como um dos elementos

que podem influenciar na gênese do autismo foi feita por apenas dois artigos, o que reflete

uma diminuição da referência ao paradigma da mãe geladeira proposto por Kanner (1943) que

foi tão influente para a discussão em torno do autismo em meados do século passado. Tal fato

reflete um movimento adotado pelos próprios psicanalistas que atualmente tendem a

apresentar uma postura mais cautelosa ao discorrer sobre maternagem e autismo (Guimarães

&Tachibana, 2021).
25

Em relação à manutenção ou retirada dos objetos autísticos no setting, a posição

majoritária dos autores foi que não se deve retirar esses objetos, devendo-se trabalhar com

eles, visto que são fonte de animação libidinal para os pacientes. Contudo, entendeu-se

também como necessário trazer outros objetos que possam se somar a estes de afeto dos

pacientes, a fim de expandir a realidade psíquica destes.Esta conclusão parece se aproximar

do posicionamento defendido por Bettelhim(1967) de que a clínica com crianças autistas deve

utilizar os objetos autísticos como apoio a fim de desenvolver uma relação com a criança.

Lucero, Vivés e Rosi (artigo 2) relatam uma experiência em um CAPsi, que parece

exemplificar um pouco disso.Uma das criançasde um grupo terapêuticoutilizava a massinha

de modelar de maneira estereotipada. As analistas do caso, então, começaram a mediar essa

brincadeira com uso de cantigas infantis que a paciente gostava. Com o tempo a criança

substituiu o uso ritualizado da massinha e começou a modelar com a massinha os personagens

das cantigas, em uma operação mais simbólica.

O que orienta o trabalho psicanalítico é um tratamento distinto da vontade de educar ou

dominar o sujeito autista. Autores como Calzavara e Calazans (2022) defendem uma clínica

baseada na “prática entre vários”, método da psicanálise aplicada ao contexto de instituições,

proposto por Jacques Allan Miller, que serve-se do múltiplo e que estabelece que todos

envolvidos no tratamento ocupam a posição de analista. Na prática entre vários, há uma

implicação conjunta dos profissionais que apostam no sujeito e colaboram em sua capacidade

de produção de discurso, objetivando a destituição subjetiva do paciente. Os profissionais

envolvidos no tratamento precisam acolher a excentricidade e respeitar as invenções possíveis

dos pacientes que não busquem necessariamente a saída do autismo, mas a saída do mundo

autístico, imutável e assegurado (artigo 1).

Este mundo assegurado parece fazer referência ao conceito de fortaleza vazia de Bettelhin

(1967) que se refere à uma defesa construída pelo sujeito em virtude de uma rejeição materna.
26

Foi consenso entre os autores que as defesas autísticas precisam ser respeitadas e que o

trabalho analítico precisa partir delas e não tentar destruí-las, a fim de tentar inserir os

pacientes na realidade, mas de maneira que respeite a sua singularidade e o seu processo

(artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 12, 14, 15)

A subjetividade do analista também foi considerada um elemento importante do setting,

de maneira que o seu desejo precisa ser levado em consideração por constituir um elemento

motor da terapia. O analista imerso em seu desejo precisa antecipar um sujeito na pessoa

autista, antes mesmo que haja um e trabalhar em conjunto com outros profissionais, pois o

analista precisa estar disponível sem invadir (artigo 2).

Sendo a clínica com autistas majoritariamente referida ao atendimento de crianças, para

Lacan (2003), quando se fala sobre esse tipo de atendimento, a história singular infantil

precisa ser interpretada com base no desejo dos pais. Assim o trabalho clínico deve ter como

orientação a história familiar e o modo como a criança articulou: o saber, o objeto, a falta, o

gozo e o campo do Outro, de maneira que o desejo seja uma direção e a singularidade seja

respeitada (artigo 4).

Como a fala do autista não mediadora de transferência, é a recusa da fala que instaura o

vazio sobre o qual o analista se coloca a trabalho. E cabe ao analista a função de criar

soluções que permitam ao autista se implantar no campo do Outro,e de nomear os sentimentos

para a criança a fim de restituir a preocupação materna primária, (artigos 7, 10).No caso de

pacientes em que não há fala, o desenho foi descrita como uma técnica terapêutica importante

de ser utilizada, pela possibilidade de substituir a associação livre por permitir a expressão e

representação simbólica das emoções e fantasias (artigo 12).

Quando se fala sobre preocupação materna primária, existe uma clara referência à Donald

Winnicott. Ainda que os seus pressupostos sobre a importância da brincadeira para o

desenvolvimento não tenham sido mencionados, o exercício da maternagem suficientemente


27

boa foi mencionado como um dos papéis do analista no setting bem como o uso do holding

(artigos 14, 15).

A etiologia e as formas de tratamento para o autismo é um tema presente no campo

psicanalítico que,mesmo com a prevalência da teoria de Jacques Lacan, flerta com alguns

conceitos de Donald Winnicott. Gera-se questionamentos pelas poucas referências ao brincar

como propulsor do desenvolvimento subjetivo, mas o escopo dos artigos nos aponta para o

direcionamento que a Psicanálise atualmente segue para a presente discussão: é necessário um

olhar do Outro que convide o bebê e insira-o no mundo simbólico. Além disso, é necessário

desenvolver um cuidado clínico para pessoas com TEA que envolva uma equipe, que trabalhe

com as próprias defesas do autista e nomeie o mundo e suas emoções para ele, para que

dentro da sua subjetividade, aos poucos, ele possa fazer o mesmo.


28

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente Trabalho de Conclusão de Curso teve como objetivodescrever quais

hipóteses etiológicas e técnicas de intervenção do referencial psicanalítico,utilizadas com

pessoas dentro do espectro autista, tem sido descritas na literatura nos últimos 10 anos. Dessa

forma, observou-se a prevalência da Psicanálise Lacaniana como teoria base dos estudos e a

relação primária com o Outro como elemento preponderante para a compreensão etiológica

do transtorno. Osprincipais métodos clínicos utilizados foram o manejo dos objetos autísticos,

os grupos terapêuticos, a música, o tratamento dos familiares, supervisão, construção do caso

clínico, prática entre vários e o desenho. Esses métodos tiveram como principal objetivo a

aproximação do paciente com o Outro, de maneira a respeitar a sua subjetividade e suas

invenções particulares.Duas das três hipóteses postuladas foram corroboradas com exceção

apenas da que se refere às intervenções lúdicas que foram pouco mencionadas.Concluiu-se

sobre a importância de métodos clínicos que facilitem o contato menos intrusivo do paciente

com o Outro.

Dada a limitação do presente trabalho que utilizou apenas duas bases de dados e se

restringiu ao território nacional como local das publicações, reconhece a necessidade de mais

estudos que ampliem a discussão sobre a temática, principalmente estudos com metodologia

empírica, para que, aos poucos, seja possível delinear e aprimorar uma clínica ética,

preocupada com a saúde, mas principalmente que respeita a singularidade de todos aqueles

que estão dentro do espectro autista.


29

REFERÊNCIAS

Almeida, M. L., & Neves, A. S. (2017). A possibilidade clínica do ritmo: a trajetóriacom uma

criança autista. Estilos da Clínica, 22(3), 442-

454.https://www.revistas.usp.br/estic/article/view/128511.

American PsychiatricAssociation. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de

transtornos mentais. Artmed Editora.

Barroso, S. F. (2019). O autismo para a psicanálise: da concepção clássica à

contemporânea. Psicologia em Revista, 25(3), 1231-1247.

http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/22700.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. (2012). Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de

2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno

do Espectro Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de

1990. Casa Civil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2012/lei/l12764.htm

Bettelheim, B., Cavalheiro, M. E. H., & Fontes, L. M. (1987). A fortaleza vazia.

Calzavara, M. G. P., & Calazans, R. (2022). A Partir dos Muros da Universidade:

Implementação de uma Clínica Psicanalítica para Crianças Autistas. Psicologia:

Ciência e Profissão, 42.

https://www.scielo.br/j/pcp/a/Yfs7H9n9zdsPTb3rQCBngZJ/abstract/?lang=pt.

Duarte, C. P., Schwartzman, J. S., Matsumoto, M. S., &Brunoni, D. (2016). Diagnóstico e

intervenção precoce no transtorno do espectro do autismo: Relato de um

caso. Autismo: vivências e caminhos, 46-56.

Freitas, W. R., &Jabbour, C. J. (2011). Utilizando estudo de caso (s) como estratégia de

pesquisa qualitativa: boas práticas e sugestões. Revista Estudo & Debate, 18(2).

http://www.meep.univates.br/revistas/index.php/estudoedebate/article/view/560/550.
30

Gonçalves, A. P., Silva, B. D., Menezes, M., &Tonial, L. (2017). Transtornos do espectro do

autismo e psicanálise: revisitando a literatura. Tempo psicanalitico, 49(2), 152-181.

http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tpsi/v49n2/v49n2a08.pdf.

Gonçalves, R. C. (2017). A influência do desenho na clínica psicanalítica para a constituição

do sujeito: um estudo de caso sobre o autismo infantil. Estilos da Clínica, 22(2), 230-

245.https://www.revistas.usp.br/estic/article/view/125861.

Guimarães, J. B., &Tachibana, M. (2021). Conversando e Desenhando com Mães de Crianças

Autistas: Investigação Psicanalítica. Revista Subjetividades, 21(2), 05-10.

https://ojs.unifor.br/rmes/article/view/e8868.

Januário, L. M. (2012). Transferência e espaço potencial: a relação analítica com crianças em

estados autísticos e psicóticos. Universidade de Brasília (Tese de doutorado,

Universidade de Brasília). https://repositorio.unb.br/handle/10482/11468.

Kollar, R. D. F. P. (2016). A maturação do brincar com uma criança dita autísta na clínica

winnicottiana. Universidade de Brasília (Dissertação de mestrado, Universidade de

Brasília). https://repositorio.unb.br/handle/10482/22324

Lacan, J. (2003). Outros escritos (pp. 448-497). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Lacan, J., & Miller, J. A. (2006). La angustia (Vol. 10). EdicionesPaidós.

Laznik-Penot, M. C. (1997). Poderíamos pensar numa prevenção da síndrome

autística. Palavras em torno do berço, 21-35.

Lavrador, M. B., &Merletti, C. K. I. (2017). Grupos heterogêneos de Educação Terapêutica:

efeitos entre crianças e a emergência do prazer compartilhado e da interação social em

um caso de autismo. Estilos da Clinica, 22(3), 540-555.

https://www.revistas.usp.br/estic/article/view/136710.

Leiras, E. P. D. L., &Batistelli, F. M. V. (2014). Reflexões psicanalíticas sobre um caso com

transtorno do espectro autista (TEA). Estilos da Clínica, 19(2), 277-293.


31

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-

71282014000200004.

Lucero, A., Imperial, R. T., Rosi, F. S., Gonçalves, L. G., Gava, M., Bersot, M., & Santos, J.

L. G. D. (2021). O uso de objetos e filmagem no tratamento psicanalítico em grupo de

crianças autistas. Psicologia USP, 32. Disponível

em:https://www.scielo.br/j/pusp/a/GV6vqvQcJVGvV7f4gthKk4y/?lang=pt. Acesso

em: 20 de abril de 2022.

Lucero, A., Vivès, J. M., & Rosi, F. S. (2021). A função constitutiva da voz e o poder da

música no tratamento do autismo. Psicologia em Estudo, 26.

https://www.scielo.br/j/pe/a/hXssDnNZhkGFG7qnFwvP4hK/?lang=pt&format=html.

Lucero, A., & Vorcaro, A. (2015). Os objetos e o tratamento da criança autista. Fractal:

Revista de Psicologia, 27, 310-317.

https://www.scielo.br/j/fractal/a/TswjLjHZqRgBYj7yC76x8Ng/abstract/?lang=pt.

Marfinati, A. C., & Abrão, J. L. F. (2018). Reflexões sobre práticas psicanalíticas com

crianças autistas no brasil. Estilos da clínica, 23(1), 152-174.

https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-953509.

Oliveira, B. D. C. D., Feldman, C., Couto, M. C. V., & Lima, R. C. (2017). Políticas para o

autismo no Brasil: entre a atenção psicossocial e a reabilitação1. Physis: Revista de

Saúde Coletiva, 27, 707-726.

https://www.scielo.br/j/physis/a/BnZ6sVKbWM8j55qnQWskNmd/abstract/?lang=pt.

Sadock, B. J., Sadock, V. A., & Ruiz, P. (2016). Compêndio de Psiquiatria-: Ciência do

Comportamento e Psiquiatria Clínica. Artmed Editora.

Santos, D. P. (2022). Autismo: uma outra estrutura. Estilos da clínica, 23 (1), 115-128.

https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1286420.

Schmidt, C. (2014). Autismo, educação e transdisciplinaridade. Papirus Editora.


32

Silva, M. C. P. D. (2014). Três analistas e um paciente: diálogos analíticos sobre uma criança

com autismo. Jornal de Psicanálise, 47(87), 143-161.

https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/psi-62554.

De Sousa, L. M. M., Marques-Vieira, C. M. A., Severino, S. S. P., & Antunes, A. V. (2017).

A metodologia de revisão integrativa da literatura em enfermagem. Nº21 Série 2-

Novembro 2017, 17.

http://www.sinaisvitais.pt/images/stories/Rie/RIE21.pdf#page=17.

Souza, C. R. (2021). Isso o que te ofereço é" não": o autista e a transferência. Gerais: Revista

Interinstitucional de Psicologia, 14(2), 1-28.

https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1286605

Tustin, F. (1975). Autismo e psicose infantil. Rio de Janeiro: Imago..

Tavares, T. A. O brincar na clínica psicanalítica de crianças com autismo. Universidade de

São Paulo (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo).

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-10112016-151017/pt-br.php

Viana, B. A., Furtado, L. A. R., & Vieira, C. A. L. (2020). Invenção e estabilização: uma

experiência com crianças autistas em dispositivos de Saúde Mental. Revista

Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 23, 313-

336.https://www.scielo.br/j/rlpf/a/J8RFntSzd6snbVfsCZGWjGK/?lang=pt.

Vorcaro, A. M. R. (2016). Paradoxos do diagnóstico psicanalítico nos autismos. Estilos da

Clinica, 21(3), 736-755.https://www.revistas.usp.br/estic/article/view/122064.

Wajntal, M. (2013). Reflexões sobre a clínica do autismo. Estilos da Clínica, 18(3), 532-

542.https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-696744.

Winnicott, D. W. (1997). Pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artmed.

Winnicott, D. W. (1982). Variedades clínicas da transferência: 1955. In Textos selecionados:

da pediatria à psicanálise (pp. 483-89).


33

Yoshida, W. B. (2007). Redação do relato de caso. Jornal Vascular Brasileiro, 6, 112-113.

https://www.scielo.br/j/jvb/a/vnKt5ttNpdFMjf6dLcmnM4Q/?lang=pt.

Você também pode gostar