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Conhecimentos específicos

“Camuflar um erro seu é


anular a busca pelo
conhecimento. Aprenda
com eles e faça novamente
de forma correta.”
Nara Nubia Alencar
CARACTERÍSTICAS, FUNÇÕES, LIMITES E PROCEDIMENTOS NO COTI-
DIANO ESCOLAR

Características, Funções, Limites e Procedimentos no Cotidiano Escolar

Há uma história que sempre desperta o interesse de pais e educadores porque é ao mesmo tempo
muito bem-humorada e realista:

Dois meninos de cinco anos estão numa espaçosa área de lazer. Não há brinquedos por perto. Um
deles é magro e alto. O outro é gordo e baixo. Naturalmente, resolvem brincar.

O magro propõe:

“É pega-pega, e você é o pegador!”

E já sai em tal disparada que o gordo, com seus passos lentos e pesados, tem dificuldades de acom-
panhar. Quando este percebe a distância entre os dois aumentando cada vez mais, toma consciência
de que não conseguirá alcançar o outro tão cedo. Então pára, estica o braço e, apontando com o
indicador, grita:

“Aí não vale!”

O magro imediatamente pára, mesmo sabendo que não tinha sido combinado que ali não valeria.

Nesse momento da palestra, pergunto ao público:

“Por que o magro parou?”

Percebo que cada uma busca dentro de si uma boa resposta. Para facilitar, eu mesmo respondo:

“Para continuar brincando! Se o magro continuar correndo, a brincadeira acaba, não é?”

O magro volta até o gordo com os ombros meio caídos, pois sabe que agora é a vez daquele propor
outra brincadeira. O gordo, vendo o magro bem próximo, diz:

“É luta livre!”

E já avança no magro, dá-lhe uma “gravata”, derruba-o e aperta o pescoço do menino, que, à beira do
desmaio, dá umas palmadinhas no braço do gordo em sinal de que está se rendendo.

Nesse momento, pergunto de novo ao público:

“Por que o gordo pára de enforcar o magro?”

“Para continuar a brincadeira!”, responde o público.

E eu arremato:

“E também porque com morto não se brinca!”

Após a gargalhada geral, volto ao tema: as crianças sabem, intuitivamente, que a brincadeira é um tipo
de relacionamento em que um depende do outro. Para continuar a brincar é necessário que aceitem,
nessa experiência de sociedade que elas mesmas criaram uma série de regras:

Cada criança escolhe a brincadeira na qual tem melhor desempenho, pois sempre quer ganhar.

Cada criança dá o máximo de si e, se alguém faz “corpo mole”, isso significa que não está levando a
brincadeira a sério.

Uma criança não pode exigir da outra mais que esta pode fazer; portanto, o limite é estabelecido por
aquele que menos habilidades têm para determinada brincadeira.

Quando uma criança diz que não agüenta mais, a outra é obrigada a parar, por mais que queira conti-
nuar brincando.

Se um escolhe uma primeira brincadeira, o outro tem direito a escolher a segunda.

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O que não aparece na história, mas pode acontecer, é que, quando uma criança desrespeita o limite
da outra, esta geralmente solta um grunhido (“Ah, é assim?”) e parte para briga. Portanto, toda brinca-
deira pode rapidamente transformar-se em conflito, e os adultos terão muitas dificuldades para identi-
ficar quem começou a briga.

Se as crianças aceitam os limites intrínsecos à convivência em uma brincadeira, é porque sabem que
não podem brincar fazendo tudo o que têm vontade. Precisam aceitar uma composição, uma sociedade
com o outro.

As crianças aprendem a comportar-se em sociedade ao conviver com outras pessoas, principalmente


com os próprios pais. A maioria dos comportamentos infantis é aprendida por meio de imitação, da
experimentação e da invenção.

Quando os pais permitem que os filhos, por menores que sejam, façam tudo o que desejam, não estão
lhes ensinando noções do que podem ou não podem fazer. Os pais usam diversos argumentos para
isso: “eles não sabem o que estão fazendo”; “são muito pequenos para aprender”; “vamos ensinar
quando forem maiores”; “sabemos que não devemos deixar... mas é tão engraçadinho” etc.

É preciso lembrar que uma criança, quando faz algo pela primeira vez, sempre olha em volta para ver
se agradou alguém. Se agradou, repete o comportamento, pois entende que agrado é aprovação, e ela
não tem condições de avaliar a adequação do seu gesto.

Portanto, cada vez que os pais aceitam uma contrariedade, um desrespeito, uma quebra de limites,
estão fazendo com que seus filhos não compreendam, e rompam o limite natural para seu comporta-
mento em família e em sociedade. Deixar que as situações transcorram sem uma intervenção clara é
como se, na brincadeira entre o gordo e o magro, o filho, mesmo ouvindo “aí não vale!”, continuasse
correndo; ou como se os pais pedissem para o filho parar, mas este continuasse a enforcá-los. Apesar
de ser fisicamente mais fortes, os pais que não reagem à quebra de limites dos filhos acabam permi-
tindo que estes, muito mais fracos, os maltratem, invertendo a ordem natural de que o mais fraco deve
respeitar o mais forte.

A força dos pais está em transmitir aos filhos a diferença entre o que é aceitável ou não, adequado ou
não, entre o que é essencial e supérfluo, e assim por diante. Pedir um brinquedo é aceitável, mas
quebrar o brinquedo meia hora depois de ganha-lo e pedir outro é inaceitável. É importante estabelecer
limites bem cedo e de maneira bastante clara porque, mais tarde, será preciso dizer ao adolescente de
quinze anos que sair para dar uma volta com o carro do pai não é permitido, e ponto final.

O estudo é essencial; portanto, os filhos têm obrigação de estudar. Caso não o façam, terão sempre
que arcar com as conseqüências de sua indisciplina, que deverão ser previamente estabelecidas pelos
pais. Só poderão brincar depois de estudar, por exemplo. No que é essencial, os pais deverão dedicar
mais tempo para acompanhar de perto se o combinado está sendo levado em consideração. Os filhos
precisam entender que têm a responsabilidade de estudar e que seus pais os estão ajudando a cumprir
um dever que faz parte da “brincadeira” da vida.

Hoje, os grandes responsáveis pela educação dos jovens – na família e na escola – não estão sabendo
cumprir bem seu papel. É a falência da autoridade dos pais em casa, do professor em sala de aula, do
orientador na escola. Discussões homéricas surgem nas famílias por causa de indisciplina, dificultando
bastante a convivência entre as partes. Mães ficam mal-humoradas porque as crianças bagunçam o
quarto e pais se exasperam porque os filhos os filhos se esquecem de apagar a luz. Porém o pior ocorre
quando um filho responde mal. Isso lhes estraga o dia.

Muitos alunos também não respeitam seus professores, e essa indisciplina prejudica o ensino e a
aprendizagem. Professores e orientadores têm dificuldade em estabelecer limites na sala de aula e não
sabem até que ponto devem intervir em comportamentos inadequados que ocorrem nos pátios escola-
res.

Onde foi que os educadores se perderam? Antes de responder a qualquer pergunta, é preciso levar
em conta que essa geração viveu a questão da disciplina de um modo peculiar e sofrido. Para facilitar
a compreensão, seguirei a seqüência: primeira, a geração dos avós; segunda, a geração dos pais e
professores; terceira, a geração dos jovens.

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Pois bem, a primeira geração educou seus filhos de maneira patriarcal, com autoridade vertical – o pai
no ápice e os filhos na base. Esta era obrigada a cumprir tudo o que o ápice determinava. Com isso, a
segunda geração foi massacrada pelo autoritarismo dos pais, e decidiu refutar esse sistema educacio-
nal na educação dos próprios filhos. Na tentativa de proporcionar a eles o que nunca tiveram, os pais
da segunda geração acabaram caindo no extremo oposto da primeira: a permissividade.

A Psicologia contribuiu muito para isso ao divulgar frases como: “Não reprima seu filho’, “Seja amigo
de seus filhos”, “Liberdade sem medo”“. Boa parte dos adultos quis aderir ao modelo horizontal, em
que pais e filhos têm os mesmos direitos, evitando neuroticamente o uso da autoridade, por confundi-
la com autoritarismo.

As intensas mudanças vividas de maneira muito rápida pela segunda geração tiveram um custo na
educação da terceira, cujo preço, provavelmente alto, ainda não podemos estimar. Esses jovens fica-
ram sem noção de padrões de comportamento e limites, formando uma geração de “príncipes” e “prin-
cesas” com mais direitos que deveres, mais liberdade que responsabilidade, mais “receber” que “dar”
ou “retribuir”.

Tais “príncipes domésticos” querem ser também, “príncipes sociais”, mas acabam frustrados, pois as
regras da sociedade são outras, muito diferentes das válidas na família. As instituições de ensino, cuja
tarefa é introduzir as crianças nas normas da sociedade, muitas vezes se omitem. O professor também
perdeu a autoridade inerente à sua função. Quanto maior a perda, mais anárquica tornou-se a aula. Ao
admitir um “príncipe escolar”, em vez de ajudar o aluno a viver em sociedade, o professor acaba por
prejudicar seu crescimento.

É preciso recuperar a autoridade fisiológica, o que não significa ser autoritário, cheio de desmandos,
injustiças e inadequações. Autoridade é algo natural e que deve existir sem descargas de adrenalina,
seja para se impor, seja para se submeter, pois é reconhecida espontaneamente por ambas as partes.
Desse modo, o relacionamento desenvolve-se sem atropelos. O autoritarismo, ao contrário, é uma im-
posição que não respeita as características alheias, provocando submissão e mal-estar tanto na adre-
nalina daquele que impõe quanto na depressão daquele que se submete.

É essencial à educação saber estabelecer limites e valorizar a disciplina. E para isso é necessária a
presença de uma autoridade saudável. O segredo que difere autoritarismo do comportamento de auto-
ridade adotado para que a outra pessoa (no caso, filhos ou alunos) torne-se mais educada ou discipli-
nada está no respeito à auto-estima.

Este livro pretende ajuda-lo a exercer sua autoridade – sem culpas, com segurança e bom senso. Filhos
precisam de pais para ser educados; alunos, de professores para ser ensinados. Estes até podem ser
amigos, porém não mais amigos do que pais; não mais amigos do que professores.

Você, pai ou professor, é o educador, e não pode se esquivar da tarefa de apontar, na medida certa,
os limites para que os jovens se desenvolvam bem e consigam situar-se no mundo.

O leite alimenta o corpo. O afeto, a alma. Criança sem alimento fica desnutrida. Criança sem afeto entra
em depressão.

Liberdade é poder material e psicológico, mas só tem valor quando associada à responsabilidade. Li-
berdade absoluta não existe, pois está sempre relacionada a algo.

A criança não sabe o que é liberdade pessoal. Simplesmente faz o que tem vontade de fazer.

Os seres humanos têm inteligência para sofisticar a saciedade dos seus instintos e superar as dificul-
dades, solucionando conflitos para atingir a felicidade. Uma criança naturalmente quer fazer apenas o
que tem vontade.

Uma educação severa, em que o erro é castigado e o acerto nem sempre é premiado, gera pessoas
tímidas. Portanto, a timidez é uma criação dos homens.

A timidez paralisa, preenche a cabeça com pensamentos de baixa estima e insucesso. Tímidos têm
baixa apreciação sobre si mesmos porque seus pais, excessivamente críticos, não lhes deram a segu-
rança de ser amados, mas aprovados ou não.

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O sacrifício de um ser humano não pode estar baseado no comportamento folgado de outro. A verda-
deira felicidade deve ser boa para os dois.

Os pais precisam encontrar um jeito, seja como for, de dar atenção para o filho no momento em que
ele pedir. Não adianta enche-lo de atenções quando ele não quer.

Um dos problemas mais sérios no relacionamento entre irmãos é que o primeiro perde o reino quando
nasce o segundo, pois a casa passa a funcionar no ritmo da criança menor.

Uma criança satisfeita dá liberdade para os pais. Estando insatisfeita, exige atenção o tempo inteiro.

Em geral, a mulher é muito mais mãe que fêmea. Assim como o homem é muito mais macho que pai.

Os filhos sentem-se amados pelo interesse que os pais demonstram mesmo não estando com eles o
dia inteiro. E seguros quando os pais tomam atitudes repreensivas ou aprovativas, porque nelas en-
contram referências.

Os pais precisam estar atentos à questão da convivência. Devem observar que os filhos não exigem
ação dos pais o tempo todo. Mas exigem, a cada tempo, um pouco. Por isso, vale a pena atender na
hora em que o filho solicita.

De pouco adianta determinar e controlar o horário de estudo do jovem em casa. Ele que estude quando
e como puder. O mais importante é que aprenda e demonstre que aprendeu.

O professor é o cozinheiro, que vai preparar a informação de forma que o aluno possa consumi-la
durante a aula, o momento da refeição.

A digestão da informação não depende do cozinheiro, da mãe ou do professor. Depende exclusiva-


mente do aluno.

O grande ácido que digere essa comida é a imaginação, a nossa capacidade de criar imagens mentais.
É como se estivéssemos vendo o que já foi dito. O conhecimento integra-se muito facilmente quando
associado à imagem. Prova disso é que registramos mais as situações vividas que as simplesmente
lidas.

Evite que seu filho estude na poltrona ou no sofá, pois a posição que esses confortáveis móveis exigem
mais favorece o descanso que o estudo.

Mesmo que não tenha lição de casa para fazer, a criança deve repassar as matérias dadas naquele
dia. Mas não basta ler com os olhos, precisa ler em voz alta, fazer resumo.

A criança tem de ser educada para saber o que deve e pode comer, como e quando; a que horas deve
dormir e acordar etc. O mesmo deve ocorrer com as demais atividades.

Para viver em sociedade, o ser humano não necessita apenas de inteligência. Precisa viver segundo a
ética, participando ativamente das regras de convivência e encarando o egoísmo, por exemplo, como
uma deficiência funcional social.

COMPORTAMENTO ESTILO VEGETAL. O ser humano funciona basicamente como a planta, que pre-
cisa ser cuidada por terceiros. Sua força concentra-se na sobrevivência. Ex: o recém-nascido, pacien-
tes em coma etc.

COMPORTAMENTO ESTILO ANIMAL. É quando o ser humano busca somente saciar seus instintos
ou quando se deixa guiar apenas por um condicionamento, sem criticá-lo ou repensa-lo dentro dos
parâmetros da ética, da lei etc. É o caso da voracidade mórbida que leva as pessoas a comer demais,
a buscar poder acima de tudo, a lançar-se compulsivamente à compra de bens materiais, a consumir
drogas, a cometer crimes como o estupro etc.

COMPORTAMENTO ESTILO HUMANO. Neste caso, o indivíduo utiliza sua inteligência para superar
as dificuldades naturais da vida, a fim de resolver os conflitos de convivência, de buscar a felicidade e
não somente a saciedade que o estilo animal procura. Entram aqui valores como cidadania, ética e
religiosidade, incluindo virtudes como respeito ao próximo, disciplina, gratidão etc. Elaborei uma teoria
na qual enfoco o conceito da saúde social, que pode ser encontrada nos livros da coleção.

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“Integração Relacional”, da Editora Gente. O leitor encontrará nessas obras mais detalhes sobre esse
tema atualíssimo.

Acredito que quanto mais o ser humano aprende, mais deseja aprender. O ignorante julga que já sabe
o suficiente e não se interessa em procurar novos conhecimentos.

O Desafio Dos Professores

A disciplina escolar é um conjunto de regras que devem ser obedecidas tanto pelos professores quanto
pelos alunos para que o aprendizado escolar tenha êxito. Portanto, é uma qualidade de relacionamento
humano entre o corpo docente e os alunos em uma sala de aula e, conseqüentemente, na escola.

Como em qualquer relacionamento humano, na disciplina é preciso levar em consideração as caracte-


rísticas de cada um dos envolvidos no caso: professor e aluno, além das características do ambiente.

O professor e essencial para a socialização comunitária e tem, basicamente, quatro funções:

1. PROFESSOR PROPRIAMENTE DITO. Para poder ensinar, é necessário saber o que se ensina.
Isso se aprende no círculo profissional. Saber como ensinar: o professor precisa conseguir transmitir o
que sabe. Pode ser um comunicador nato ou vir a desenvolver essa qualidade por meio da própria
experiência.

2. COORDENADOR DO GRUPO DE ALUNOS. Esta função não é habitualmente ensinada no currículo,


pois exige um conhecimento mínimo de dinâmica de grupo, bem como noções básicas de psicologia
para manter a autoridade de coordenador. Sala de aula não é consultório; escola não é clínica. Por-
tanto, na função de coordenador de alunos, o professor tem que identificar as dificuldades existentes
na classe para poder dar um bom andamento à aula.

3. MEMBRO DO CORPO DOCENTE. Um professor pode ouvir a reclamação de um aluno sobre outro
professor e fazer com que chegue ao envolvido para que este possa tomar alguma providência no
sentido de responder adequadamente à reclamação. Seria falta de lealdade ficar sabotando os colegas
perante os alunos. Os professores devem ajudar-se mutuamente, como fazem os estudantes. Se mui-
tos alunos queixam-se de um único professor, é sinal de que algo está errado. A única forma de solu-
cionar um problema é identificar o erro. Como todo o ser humano, o professor também pode estar
errado. O fato de ser professor não é garantia de estar sempre certo.

4. EMPREGADO DE UMA INSTITUIÇÃO. Como todo empregado, o professor tem direitos e obriga-
ções. Eventuais insatisfações ou desavenças empregatícias devem ser resolvidas por meio dos canais
competentes. Não podem (nem devem!) ser descarregadas nos alunos, que não têm a ver com o pro-
blema. Os alunos correm o risco de ser manipulados pelo professor em virtude da própria posição de
poder que ele exerce na classe.

A maior força do professor, ao representar a instituição escolar, está em seu desempenho na sala de
aula. Portanto, ele não deve simplesmente fazer o que bem entender, sobretudo perante as indiscipli-
nas dos alunos. Numa escola em que cada professor atua como bem entende, haverá, como toda a
certeza, discórdias dentro do corpo docente e os alunos saberão aproveitar-se dessas desavenças,
jogando um professor contra outro.

Por isso é importante que os professores adotem um padrão básico de atitudes perante as indisciplinas

Mais comuns, como se todos vestissem o mesmo uniforme comportamental. Esse uniforme protege a
individualidade do professor. Quando um aluno ultrapassa os limites, não está simplesmente desres-
peitando um professor em particular, mas as normas da escola. Sobre esse tema, a propósito, sugiro
a leitura do meu livro Ensinar Aprendendo.

O aluno também é peça-chave para disciplina escolar e o sucesso do aprendizado. Atualmente, a maior
dificuldade que encontra para estudar é a falta de motivação. Estudar para quê? Para passar de ano?
Para ganhar presente? Para ter sabedoria? Pra os pais não “pegarem no pé”? Entretanto, quando estão
interessados em algum assunto em particular (computação, música, esportes, coleções etc...), são as
pessoas mais animadas, empreendedoras e... disciplinadas.

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O ensino fundamental e médio tende a ser aprovativo, o que estimula (no passado mais ainda) o estudo
suficiente apenas para passar de ano, com conhecimentos, muitas vezes, descartáveis após a prova.
Já o vestibular para a faculdade é um sistema competitivo e depende da sabedoria; portanto, a motiva-
ção para estudar é acumular saber, bem diferente de atingir uma média 5 para não repetir de ano.

No vestibular, o fator sorte é mais decisivo quanto menor for o conhecimento. Trata-se de um fator
imponderável, que pode fazer “cair na prova” o que o vestibulando mais estudou e “não cair” justamente
o que estudou. Portanto, quanto mais estudar, isto é, quanto mais conhecimento tiver, menos ele de-
penderá da sorte, afinal, mais preparado estará.

Os melhores alunos são os que acabam aprendendo mais, e os piores, menos. Em termos de sabedo-
ria, quanto mais se sabe, mais se quer aprender. Em termos de ignorância, quanto menos se sabe,
mais se pensa que não é preciso saber mais...

O ambiente também interfere na disciplina. Classes muito barulhentas, nas quais ninguém ouve nin-
guém; salas muito quentes, escuras, alagadas ou sem condições de acomodar todos os estudantes
são locais pouco prováveis de conseguir uma boa disciplina.

No entanto, a condição ambiental mais prejudicial é o estado psicológico do grupo. Uma escola em
crise, que esteja passando por greves e os conseqüentes conflitos entre grevistas e fura-greves, bem
como brigas entre classe e professor, e aulas ministradas durante grandes eventos populares são si-
tuações que dificultam o aprendizado.

Um professor que trabalha numa instituição que sempre protege o aluno, o cliente, independentemente
do fato de este estar ou não com a razão, não tem o respaldo da instituição quando precisa. Quem
pode trabalhar bem nessas condições?

Características De Uma Classe De Alunos

O agrupamento de estudantes numa sala de aula apresenta algumas características importantes, tais
como:

Apresenta alunos com idades cronológicas semelhantes, embora nem sempre o desenvolvimento emo-
cional acompanhe a idade cronológica.

Estudantes de sexos diferentes, da mesma idade cronológica, têm desenvolvimentos emocionais dis-
tintos.

Cada aluno traz dentro de si sua própria dinâmica familiar, isto é, seus próprios valores (em relação a
comportamento, disciplina, limites, autoridade etc.).

Cada um tem suas características psicológicas pessoais.

Alunos transferidos de outras escolas podem ter históricos escolares bem diferentes dos históricos de
seus novos colegas.

Para muitos estudantes, o lema é: “A escola é boa, o que atrapalha são as aulas”. Esse lema é válido
principalmente para os alunos “problemáticos”.

O professor é analisado por todos os alunos.

O professor pode ser um canhão, mas cada aluno é um revólver...

O que o professor faz em uma determinada classe rapidamente torna-se do conhecimento de todos os
alunos, sobretudo por intermédio daqueles que desejam “fulminar” o tal professor.

Os “maus” alunos especializam-se na arte de “assassinar aulas”, ou seja, tirar o professor de sua função
de dar matérias que caem em provas. É um vale-tudo: suscitar debates políticos e econômicos dentro
da sala, levantar problemas psicológicos ou da administração da escola, jogar um professor contra
outro, brincar de brigar entre os colegas...

Nem todos da classe são “inimigos” do professor. Os alunos saudáveis (chamemos assim), em geral,
são a maioria. Só que estes não chamam a atenção exatamente por não dar trabalho aos professores.

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Entre esses bons alunos há sempre aqueles que têm um sentimento positivo em relação ao professor.
Tais alunos podem funcionar como pontos de referência da aula. O relacionamento do professor com
esses alunos funciona como fios invisíveis que sustentam um objetivo. Ás vezes acontece de o profes-
sor ser avisado, ao chegar à classe, por meio desses “fios invisíveis”, de que tem alguém passando
mal ou aprontando alguma coisa. Não chega a se uma delação ou denúncia, mas um “recado entre
amigos”.

Quanto maior for o número de “fios invisíveis” tecidos entre o professor e os alunos, maior será a inte-
gração dele com a classe. Não estou me referindo aos conhecidos “puxa-sacos”, aos bajuladores. Para
estes, basta mudar o interesse que rapidamente trocam de “sacos a puxar”...

Para “tecer” esses “fios invisíveis”, o professor pode valer-se de, basicamente, três fatores estimulan-
tes: 1. aspectos pessoais (simpatia, higiene pessoal, elegância, educação, costumes etc.); 2. capaci-
dade de comunicação; 3. conhecimento da matéria.

Do lado dos alunos, os “fios invisíveis” podem ser “tecidos” com base no desejo de aprender, na facili-
dade de compreender e no fato de sentirem-se bem durante a aula.

As relevantes modificações sofridas por nossa sociedade no decorrer do tempo, dentre elas o desen-
volvimento tecnológico e o aprimoramento de novas maneiras de pensamento sobre o saber e sobre o
processo pedagógico, têm refletido principalmente nas ações dos alunos no contexto escolar, o que
tem se tornado ponto de dificuldade e insegurança entre professores e agentes escolares resultando
em forma de comprometimento do processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, faz-se necessário à
busca de uma nova reflexão no processo educativo, onde o agente escolar passe a vivenciar essas
transformações de forma a beneficiar suas ações podendo buscar novas formas didáticas e metodoló-
gicas de promoção do processo ensino-aprendizagem com seu aluno, sem com isso ser colocado como
mero expectador dos avanços estruturais de nossa sociedade, mas um instrumento de enfoque moti-
vador desse processo. A sociedade atual se vê confrontada com o desenvolvimento acelerado que
ocorre a sua volta, onde o desenvolvimento e as descobertas ocorrem em frações de segundos, oca-
sionando um certo desgaste e comprometimento das ações voltadas para o aprimoramento do ensino,
colocando a sala de aula como um ambiente de pouca relevância para a consolidação do conheci-
mento, enfatizando a vivência social o requisito primordial para a busca de aprendizado. Diante do
exposto, é facilmente observado que a busca pelo conhecimento não tem sido o foco de interesse
principal da sociedade, pois a atualização das informações tem ocorrido de forma acessível a todos os
segmentos satisfazendo de uma forma geral aos interesses daqueles que as buscam. Dessa forma, a
escola nesse contexto tem alternativa rever suas ações e o seu papel no aprimoramento da sua prática
educativa, sendo que, uma análise sobre seus conceitos didático-metodológicos precisa ser feita, de
forma a adequar sua postura pedagógica ao momento atual e principalmente colocar-se na posição de
organização principal e mais importante na evolução dos princípios fundamentais de uma sociedade,
cumprindo assim sua função transformadora e idealizadora de conhecimentos científicos-filosóficos
pautando o resultado de suas ações em saber concreto.

A Prática Pedagógica Da Atualidade

O processo educacional sempre foi alvo de constantes discussões e apontamentos que motivaram sua
evolução em vários aspectos, principalmente no que tange a condução de metodologias de ensino por
nossos educadores e a valorização do contexto escolar formador para nossos alunos. Nesse aspecto
GADOTTI (2000:4), pesquisador desse processo afirma que,

Enraizada na sociedade de classes escravista da Idade Antiga, destinada a uma pequena minoria, a
educação tradicional iniciou seu declínio já no movimento renascentista, mas ela sobrevive até hoje,
apesar da extensão média da escolaridade trazida pela educação burguesa. A educação nova, que
surge de forma mais clara a partir da obra de Rousseau, desenvolveu-se nesses últimos dois séculos
e trouxe consigo numerosas conquistas, sobretudo no campo das ciências da educação e das meto-
dologias de ensino. O conceito de “aprender fazendo” de John Dewey e as técnicas Freinet, por exem-
plo, são aquisições definitivas na história da pedagogia. Tanto a concepção tradicional de educação
quanto a nova, amplamente consolidadas, terão um lugar garantido na educação do futuro. (GADOTTI,
M. Perspectivas atuais da educação, 2000)

Diante de enumeras transformações sociais, onde informações e descobertas acontecem em frações


de segundo, o processo de desenvolvimento da escola entra na pauta como um dos mais importantes

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aspectos a serem discutidos neste processo, pois é nela que são promovidas as mais importantes
formulações teóricas sobre o desenvolvimento cultural e social de todas as nações, dessa forma, a
pesquisa educacional acaba tomando um lugar central na busca de perspectivas que possibilitem uma
nova prática educacional, envolvendo principalmente os agentes que conduzem o ambiente escolar,
transformando o ensino em parte integrante ou principal na motivação dessas transformações.
Com as constantes modificações sofridas por nossa sociedade no decorrer do tempo, dentre elas o
desenvolvimento de tecnologias e o aprimoramento de um modo de pensar menos autoritário e menos
regrado, os agentes educacionais e a escola de uma maneira geral, vêm vivenciando um processo de
mudança que tem refletido principalmente nas ações de seus alunos e na materialização destas no
contexto escolar, fato que tem se tornado ponto de dificuldade e insegurança entre professores e agen-
tes escolares de forma geral, configurando em forma de comprometimento do processo ensino-apren-
dizagem, sobre isso, GADOTTI (2000:6) afirma que,

Neste começo de um novo milênio, a educação apresenta- se numa dupla encruzilhada: de um lado, o
desempenho do sistema escolar não tem dado conta da universalização da educação básica de quali-
dade; de outro, as novas matrizes teóricas não apresentam ainda a consistência global necessária para
indicar caminhos realmente seguros numa época de profundas e rápidas transformações.(GADOTTI,
M. Perspectivas atuais da educação, 2000)

A escola contemporânea sofre com o desenvolvimento acelerado que ocorre a sua volta, onde as in-
formações são atualizadas em frações de segundos, ocasionando de certa forma, o desgaste e o com-
prometimento das ações voltadas para o aprimoramento do ensino, fazendo com que a sala de aula se
torne um ambiente de pouca relevância para a consolidação do conhecimento, tornando a vivência
social o requisito primordial para a busca de aprendizado, sobre essa escola, AMÉLIA HAMZE (2004:1)
afirma em seu artigo “O Professor e o Mundo Contemporâneo”, que

Como educadores não devemos identificar o termo informação como conhecimento, pois, embora an-
dem juntos, não são palavras sinônimas. Informações são fatos, expressão, opinião, que chegam as
pessoas por ilimitados meios sem que se saiba os efeitos que acarretam. Conhecimento é a compre-
ensão da procedência da informação, da sua dinâmica própria, e das conseqüências que dela advem,
exigindo para isso um certo grau de racionalidade. A apropriação do conhecimento, é feita através da
construção de conceitos, que possibilitam a leitura critica da informação, processo necessário para
absorção da liberdade e autonomia mental.(HAMZE, A .O professor e o mundo contemporâneo, 2004)

É perceptível que o saber cientifico e a busca pelo conhecimento, tem fugido do interesse da sociedade
em geral, pois a atualização das informações tem ocorrido de forma acessível a todos os segmentos
satisfazendo de uma forma geral aos interesses daqueles que as buscam. A escola nesse contexto tem
por opção repensar suas ações e o seu papel no aprimoramento do saber, e para isso, uma reflexão
sobre seus conceitos didático-metodológicos precisa ser feita, de forma a adequar-se ao momento atual
e principalmente colocar-se na postura de organização principal e mais importante na evolução dos
princípios fundamentais de uma sociedade, DOWBOR (1998:259), sobre essa temática diz que, ...será
preciso trabalhar em dois tempos: o tempo do passado e o tempo do futuro. Fazer tudo hoje para
superar as condições do atraso e, ao mesmo tempo, criar as condições para aproveitar amanhã as
possibilidades das novas tecnologias.(DOWBOR, L. A Reprodução Social, 1998)

GADOTTI (2000:8), sobre o assunto afirma que seja qual for à perspectiva que a educação contempo-
rânea tomar, uma educação voltada para o futuro será sempre uma educação contestadora, supera-
dora dos limites impostos pelo Estado e pelo mercado, portanto, uma educação muito mais voltada
para a transformação social do que para a transmissão cultural.

Dessa Forma, a prática pedagógica dos agentes educacionais no momento atual, bem como a condu-
ção do processo ensino-aprendizagem na sociedade contemporânea, precisa ter como primícia a ne-
cessidade de uma reformulação pedagógica que priorize uma prática formadora para o desenvolvi-
mento, onde a escola deixe de ser vista como uma obrigação a ser cumprida pelo aluno, e se torne
uma fonte de efetivação de seu conhecimento intelectual que o motivará a participar do processo de
desenvolvimento social, não como mero receptor de informações, mas como idealizador de práticas
que favoreçam esse processo,

Na sociedade da informação, a escola deve servir de bússola para navegar nesse mar do conheci-
mento, superando a visão utilitarista de só oferecer informações “úteis” para a competitividade, para

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CARACTERÍSTICAS, FUNÇÕES, LIMITES E PROCEDIMENTOS NO COTI-
DIANO ESCOLAR

obter resultados. Deve oferecer uma formação geral na direção de uma educação integral. O que sig-
nifica servir de bússola? Significa orientar criticamente, sobretudo as crianças e jovens, na busca de
uma informação que os faça crescer e não embrutecer. (GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educa-
ção, 2000).

Segundo Ladislau Dowbor (1998:259), a escola deixará de ser “lecionadora” para ser “gestora do co-
nhecimento”. Prossegue dizendo que pela primeira vez a educação tem a possibilidade de ser deter-
minante sobre o desenvolvimento. A educação tornou-se estratégica para o desenvolvimento, mas,
para isso, não basta “modernizá-la”, como querem alguns. Será preciso transformá-la profundamente.

O professor nesse contexto deve ter em mente a necessidade de se colocar em uma postura norteadora
do processo ensino-aprendizagem, levando em consideração que sua prática pedagógica em sala de
aula tem papel fundamental no desenvolvimento intelectual de seu aluno, podendo ele ser o foco de
crescimento ou de introspecção do mesmo quando da sua aplicação metodológica na condução da
aprendizagem. Sobre essa prática, GADOTTI (2000:9) afirma que “nesse contexto, o educador é um
mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação. Ele precisa cons-
truir conhecimento a partir do que faz e, para isso, também precisa ser curioso, buscar sentido para o
que faz e apontar novos sentidos para o que fazer dos seus alunos”.

Ele afirma ainda que, os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a informação em
conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas. Diante dos falsos pregadores
da palavra, dos marketeiros, eles são os verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos de que nos
falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber (não o dado, a informação e o puro conhecimento), porque
constroem sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e buscam, juntos, um mundo mais
justo, mas produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles são imprescindíveis. (GADOTTI, M.
Perspectivas atuais da educação, 2000)

HAMZE (2004:1) em seu artigo “O Professor e o Mundo Contemporâneo” considera que


Os novos tempos exigem um padrão educacional que esteja voltado para o desenvolvimento de um
conjunto de competências e de habilidades essenciais, a fim de que os alunos possam fundamental-
mente compreender e refletir sobre a realidade, participando e agindo no contexto de uma sociedade
comprometida com o futuro. (HAMZE, A . O professor e o mundo contemporâneo, 2004)

Assim, faz-se necessário à busca de uma nova reflexão no processo educativo, onde o agente escolar
passe a vivenciar essas transformações de forma a beneficiar suas ações podendo buscar novas for-
mas didáticas e metodológicas de promoção do processo ensino-aprendizagem com seu aluno, sem
com isso ser colocado como mero expectador dos avanços estruturais de nossa sociedade, mas um
instrumento de enfoque motivador desse processo.

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INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO

Interdisciplinaridade no Ensino

A interdisciplinaridade começou a ser abordada no brasil a partir da lei nº 5.692/71. Desde então, sua
presença no cenário educacional brasileiro tem se tornado mais presente e, recentemente, mais ain-
da, com a nova lei de diretrizes e bases nº 9.394/96 e com os parâmetros. Além da sua grande in-
fluência na legislação e nas propostas curriculares, a interdisciplinaridade tornou-se cada vez mais
presente no discurso e na prática de professores.

A utilização da interdisciplinaridade como forma de desenvolver um trabalho de integração dos conte-


údos de uma disciplina com outras áreas de conhecimento é uma das propostas apresentadas pelos
pcn`s que contribui para o aprendizadodo aluno. Apesar disso, estudos têm revelado que a interdisci-
plinaridade ainda é pouco conhecida.

É possível a interação entre disciplinas aparentemente distintas. Esta interação é uma maneira com-
plementar ou suplementar que possibilita a formulação de um saber crítico-reflexivo, saber esse que
deve ser valorizado cada vez no processo de ensino-aprendizado. É através dessa perspectiva que
ela surge como uma forma de superar a fragmentação entre as disciplinas. Proporcionando um diálo-
go entre estas, relacionando-as entre si para a compreensão da realidade. A interdisciplinaridade
busca relacionar as disciplinas no momento de enfrentar temas de estudo.

Segundo libâneo (1994), o processo de ensino se caracteriza pela combinação de atividades do pro-
fessor e dos alunos, ou seja, o professor dirige o estudo das matérias e assim, os alunos atingem
progressivamente o desenvolvimento de suas capacidades mentais. É importante ressaltar que o
direcionamento do processo de ensino necessita do conhecimento dos princípios e diretrizes, méto-
dos, procedimentos e outras formas organizativas.

Ela implica na articulação de ações disciplinarares que buscam um interesse em comum. Dessa for-
ma, a interdisciplinaridade só será eficaz se for uma maneira eficiente de se atingir metas educacio-
nais previamente estabelecidas e compartilhadas pelos atores da unidade escolar.

A interdisciplinaridade oferece uma nova postura diante do conhecimento, uma mudança de atitude
em busca do contexto do conhecimento, em busca do ser como pessoa integral. A interdisciplinarida-
de visa garantir a construção de um conhecimento globalizante, rompendo com os limites das disci-
plinas.

Trabalhar nessa perspectiva exige uma postura do professor que vai além do que está descrito nos
pcns, pois é necessário que ele assuma uma atitude endógena e que faço uso de metodologias didá-
ticas adequadas para essa perspectiva. É através do ensino interdisciplinar, dentro do aspecto histó-
rico-crítico, que os professores possibilitarão aos seus alunos uma aprendizagem eficaz na compre-
ensão da realidade em sua complexidade.

Interdisciplinar no ensino médio integral

O primeiro aspecto que precisamos destacar é que a interdisciplinaridade é possível em qualquer


modelo de ensino, isto é, no ensino regular, na educação de jovens e adultos, no ensino fundamental,
no superior e nas pós-graduações; entretanto, queremos acenar para a peculiaridade do proemi, mo-
delo instituído em algumas escolas do estado do rio de janeiro. Esse modelo, como já acenamos,
funciona no período matutino e vespertino, e essa extensão do tempo, ou seja, uma presença maior
do discente dentro da escola, é um fator concreto que indica a possibilidade da interdisciplinaridade.
Outro é a motivação para trabalhar com projetos, o que traz certa autonomia dos docentes para ela-
borar aulas diversificadas e não só a partir do currículo ou de sua característica de atuação, mas
também acolhendo expectativas dos alunos e de temáticas pertinentes que envolvem a vida contem-
porânea.

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INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO

Ocorre ainda uma reunião pedagógica semanal, na qual os docentes articulam caminhos e procedi-
mentos para exercer suas ações pedagógicas; em muitos momentos, emergem condições objetivas
para serem exercidas ações conjuntas. Certamente, muitas possibilidades de ação interdisciplinar
brotam de acordo com a afinidade, o interesse e a conexão dos docentes e das disciplinas frente a
determinado tema ou situação que exige uma reflexão mais intensa, pelos vários campos do saber.
Dadas essas breves observações, vamos destacar, resumidamente, algumas ações de caráter inter-
disciplinar que já ocorreram efetivamente e algumas outras ideias que estão sendo pensadas como
realizáveis, o que demonstra que não é utópica a oportunidade de atuarmos de forma conjunta no
ensino médio integral.

Uma das primeiras atividades realizadas foi a caminhada histórica. Nela, um importante historiador da
cidade de nova friburgo, docente e pesquisador já aposentado, caminhou junto com alunos e docen-
tes do proemi e professores e alunos de outras escolas pelo centro da cidade. Visitaram-se pontos
que contêm significado histórico não só para nova friburgo como para o estado do rio de janeiro e o
brasil. A ação, no espaço livre, provocou a curiosidade e a participação de pessoas que passavam
pela rua e pelo menos naquele momento, mesmo que em pequena escala, os conhecimentos escolar
e formal se expandiram para além dos muros escolares.

Foi uma forma de retirar os alunos do contexto restrito da escola e ajudá-los a perceber que o conhe-
cimento está no mundo; por detrás de praças, monumentos, vegetações, pessoas, existem funda-
mentos históricos de que muitas vezes não nos damos conta e muitos deles foram fundamentais para
a formação de uma cidade. Após a atividade, professores de todas as disciplinas foram convocados a
realizar, a partir de sua área específica, atividades que envolvessem a caminhada histórica. Na aula
de sociologia, procurei explorar a relação entre fatos históricos, os monumentos que contêm uma vida
subjacente a eles e a construção da cultura friburguense. Os discentes deveriam debater e relatar por
escrito a proximidade entre fatos históricos e relações sociais.

A semana de física foi outra atividade interdisciplinar que ocorreu no colégio estadual canadá em
2015. As atividades se desenvolveram entre as disciplinas filosofia e física, e um dos objetivos foi
demonstrar a importância dessas duas áreas na origem do pensamento, da cultura e da ciência oci-
dentais. A visão astronômica de mundo iniciada pelos filósofos pré-socráticos mostrava uma concep-
ção de mundo que relacionava pensamento e existência.

Para facilitar esse entendimento, a professora de física demonstrou, do ponto de vista de sua discipli-
na, os primórdios da ciência; em seguida, professores de filosofia explicitaram como se deu a organi-
zação do pensamento, desde a narrativa mítica, evidenciando que não havia uma separação radical
entre a forma como se pensa a realidade e a manifestação física da vida. Ou seja, filosofia e física
vieram a ser radicalmente separados só muito posteriormente, e esse fato se deu junto com uma
visão mais desagregadora da existência e que teve como ponto alto a disciplinarização no campo da
ciência e da educação, o que acabou incidindo sobre o modo de viver dos seres humanos.

Surgiram outras ideias que ainda não foram realizadas, mas são potencializadas para ocorrer e de-
monstram a possibilidade da interdisciplinaridade. Emergiu a proposta de que os docentes apresen-
tassem o currículo mínimo de suas disciplinas para que pudessem ser realizadas “aulas casadas”, ou
seja, um exercício disciplinar; para isso, era necessário que docentes de todas as áreas pudessem
analisar assuntos comuns que poderiam ser tratados de forma integrada em algum momento. Nessa
preocupação estava presente o enfrentamento do tratamento isolado de questões que podem e de-
vem ser abordadas por pontos de vista diversificados e que ajudam no trabalho colaborativo entre os
professores. Colabora, ainda, para que os discentes vão se desvinculando, pelo menos preliminar-
mente, de uma visão dividida dos saberes.

Outra importante proposta foi que, dentro de uma atividade que envolveria as várias disciplinas, cada
professor trabalhasse fatos de sua área ocorridos dentro de determinado século. O objetivo é gerar
uma visão linear e didática sobre os acontecimentos e destacar como eles ainda incidem em nossas

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INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO

vidas. Pensamos no século xx e a sugestão de uma das professoras de língua portuguesa era que se
trabalhasse o papel da mulher nesse período. O tema geral seria “o protagonismo feminino no século
xx”, e algumas disciplinas procurariam evidenciar tais fatos, pedir pesquisas aos alunos, promover
palestras; a atividade deveria ocorrer durante uma semana. No caso específico da filosofia, uma área
do conhecimento historicamente e ainda com presença predominantemente masculina, pensou-se
em trabalhar a presença feminina na formação do pensamento ocidental, apresentando pensadoras
como rosa luxemburgo, hannah arendt, simone de beauvoir, marilena chauí, viviane mosé, márcia
tiburi e outras importantes mulheres que dignificam o debate filosófico com sua reflexão. O mesmo
pode ocorrer com mulheres na literatura, nas artes, na ciência e em todos os outros campos.

Estas breves citações de possibilidades de ações no ensino médio integral de forma interdisciplinar,
das quais algumas foram realizadas e outras têm potencialidade de se efetivar, não foram as únicas
que ocorreram; muitas ações foram pensadas e não foram aqui citadas. Quisemos mostrar apenas
ações que são exequíveis neste modelo de ensino e, como indicamos, esta é uma peculiaridade de
qualquer modalidade, mas no proemi, devido às suas características, a interdisciplinaridade é prati-
camente uma “exigência” pedagógica.

Há três anos, um apagão obrigou a população a racionar energia e o brasil a buscar alternativas. A
crise, mostrada à exaustão nos noticiários, passou a ser o centro das discussões nas salas de aula.
Seis professoras do colégio santa maria, de são paulo, foram além e se reuniram em torno de um
projeto interdisciplinar. Desde então, os alunos estudam fontes alternativas de energia, produzem
aquecedores solares e ensinam a população a utilizá-los. O sucesso do projeto se explica principal-
mente porque os conteúdos de ciências, matemática, geografia, língua portuguesa, história e ensino
religioso foram colocados a serviço da resolução de um problema real, de forma integrada.

Um ambiente de aprendizagem como o que se formou no santa maria também pode nascer em sua
escola. Essa abordagem interdisciplinar só acontece quando os conteúdos das disciplinas se relacio-
nam para a ampla compreensão de um tema estudado. "a relação entre as matérias é a base de tu-
do", afirma luís carlos de menezes, professor da universidade de são paulo. Muita gente acha, porém,
que basta falar sobre o mesmo assunto para trabalhar de forma interdisciplinar. "isso é apenas multi-
disciplinaridade", esclarece o consultor em educação ruy berger, de brasília (ver quadro). Ao utilizar
os conhecimentos de outras áreas que não são de seu domínio, você pode encontrar dificuldades.
Mas aprender com os colegas é uma das grandes vantagens dessa prática, que estimula a pesquisa,
a curiosidade e a vontade de ir aos detalhes para entender que o mundo não é disciplinar.

A realidade é um banco de idéias

O caminho mais seguro para fazer a relação entre as disciplinas é se basear em uma situação real.
Os transportes ou as condições sanitárias do bairro, por exemplo, são temas que rendem desdobra-
mentos em várias áreas. Isso não significa carga de trabalho além da prevista no currículo. A aborda-
gem interdisciplinar permite que conteúdos que você daria de forma convencional, seguindo o livro
didático, sejam ensinados e aplicados na prática? O que dá sentido ao estudo. Para que a dinâmica
dê certo, planejamento e sistematização são fundamentais. Ainda mais se muitos professores vão
participar. É preciso tempo para reuniões, em que se decide quando os conteúdos previstos serão
dados para que uma disciplina auxilie a outra. Por exemplo: você leciona ciências e vai falar sobre
consumo de energia. Para realizar algumas atividades, é imprescindível as crianças conhecerem
porcentagem, que será ensinada pelo professor de matemática. Quando as disciplinas são usadas
para a compreensão dos detalhes, os alunos percebem sua natureza e utilidade.

Projetos interdisciplinares também pedem temas bem delimitados. Em vez de estudar a poluição, é
preferível enfocar o rio que corta o bairro e recebe esgoto. A questão possibilita enfocar aspectos
históricos, analisar a água e descobrir a verba municipal destinada ao saneamento. Quantas discipli-
nas podem ser exploradas? É possível que um caso assim seja trazido pela garotada. Convém não
desperdiçar a oportunidade mesmo que você não se sinta à vontade para tratar do assunto. Não pre-

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INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO

cisa se envergonhar por não saber muito sobre o tema. Mostre à classe como é interessante buscar o
conhecimento. "a formação continuada do professor não se resume a realizar um curso atrás do ou-
tro, mas também ler diariamente sobre assuntos gerais", complementa berger. Dessa maneira, ele
aprende a aproveitar motes que surgem em sala e que tendem a ser produtivos se abordados de
forma ampla.

No livro globalização e interdisciplinaridade, o educador espanhol jurjo torres santomé, da universida-


de de la coruña, afirma que a interdisciplinaridade dá significado ao conteúdo escolar. Ela rompe a
divisão hermética das disciplinas. Se a sua escola não trabalha dessa maneira, experimente lançar a
discussão em reuniões. Outra opção é deixar seu planejamento à disposição para que os colegas
saibam que matéria você dará e em que momento. Assim, os interessados podem se organizar para
agir em conjunto. A coordenação tem um papel mediador, sugerindo parcerias e provocando o diálo-
go. Esse tipo de trabalho pode até ser feito por apenas um professor. Mas, nesse caso, a equipe es-
taria perdendo uma ótima oportunidade de obter resultados mais significativos.

Nesta reportagem, apresentamos três exemplos de projetos interdisciplinares. Além da experiência


em grupo do colégio santa maria, de são paulo, você vai conhecer uma dupla de goiânia que só tinha
a hora do cafezinho para planejar um projeto conjunto e uma professora de ribeirão pires (sp) que,
sozinha, recorreu aos conteúdos de outra disciplina para aumentar o interesse pelas aulas.

Um grupo de mãos dadas para ensinar

Quando o apagão de 2001 forçou milhões de brasileiros a reduzir o consumo de energia elétrica, a
professora de ciências maria lúcia sanches callegari, do colégio santa maria, em são paulo, fez uma
proposta às 5ªs séries: construir um aquecedor solar (veja modelo didático). Logo a idéia despertou o
interesse de outras cinco professoras. Todas se envolveram e, utilizando o horário reservado para o
trabalho coletivo, montaram um projeto conjunto, que vem se repetindo anualmente. Para conciliar
tantas disciplinas, o planejamento é feito logo no início das aulas. Dessa forma, os professores abor-
dam conteúdos de seu currículo de acordo com as etapas da construção e da instalação do aquece-
dor.

A professora de geografia trabalhou o clima brasileiro e conceitos de orientação utilizando a bússola,


para que todos localizassem o norte, direção para onde a placa do aquecedor deveria estar voltada
ao ser instalada sobre as casas. A de matemática pediu uma pesquisa sobre o consumo de energia
dos eletrodomésticos e explorou conceitos de proporção ao calcular com a garotada o tamanho das
placas solares de acordo com o volume das caixas d'água.

Em história, foram resgatados os motivos econômicos que causaram a degradação do meio ambiente
brasileiro. Nas aulas de ciências, os estudantes pesquisaram as fontes de energia no país e quais
alternativas apresentam menos impacto ambiental. Com a professora de língua portuguesa, eles bo-
laram questionários para entrevistar as famílias que receberiam o equipamento. O objetivo das aulas
de ensino religioso foi orientar os estudantes no contato com a comunidade, para que eles compre-
endessem as razões das diferenças entre a realidade deles e a dos moradores de bairros carentes.
"a idéia de doar os aparelhos para a população foi das próprias crianças", lembra a orientadora da 5ª
série ivani anauate ghattas.

As avaliações também são formuladas de maneira interdisciplinar. Em história, por exemplo, os estu-
dantes são desafiados a discorrer sobre o extrativismo predatório ocorrido no brasil colônia. Além
disso, o objetivo é levá-los a associar os prejuízos ao meio ambiente que hoje ameaçam a qualidade
de vida, conteúdos que, na teoria, fariam parte do programa de ciências. Além de confirmarem que a
fórmula tem sido vitoriosa no que se refere à aprendizagem da turma, as seis professoras contabili-
zam ganhos pessoais. "temos aprendido sempre para colocar nosso conhecimento a serviço dos
estudantes", afirma maria lúcia.

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INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO

Sem tempo, dupla se reúne na hora do café

Um dos conteúdos de ciências é o sistema respiratório. Nas 7ªs séries do colégio estadual juvenal
josé pedroso, em goiânia, os esquemas mostrando o pulmão, a faringe e o nariz não estavam sendo
suficientes para chamar a atenção dos alunos da professora cleusa silva ribeiro. Uma parceria suge-
rida pela professora de língua portuguesa, paula rodrigues garcia ramos, deu um novo enfoque ao
tema e às aulas. Na escola onde as duas lecionam, a interdisciplinaridade não é prática, até por falta
de tempo. Cleusa e paula dão aulas em mais de um período. "o jeito foi nos encontrarmos nos inter-
valos, nos corredores, na hora do café ou dar uma fugidinha de vez em quando até a sala da outra",
conta cleusa. A dupla sugeriu aos adolescentes que fizessem histórias em quadrinhos sobre o que
estavam estudando nas aulas de ciências. O pulmão e a laringe ganharam braços, pernas, olhos e
bocas e tornaram-se personagens. "trabalhamos as figuras de linguagem e estudamos estruturas de
diálogo. Para elaborar o texto, eles tinham que dominar bem o conteúdo de ciências. Deu certo", ava-
lia paula.

O projeto tomou mais consistência quando os estudantes sugeriram abordar nos quadrinhos temas
como os malefícios do cigarro ou da poluição. Para dar conta do recado, as professoras começaram
a estudar com as turmas. Paula admite que pouco sabia sobre o assunto e acabou adquirindo conhe-
cimentos importantes para ajudar nas tarefas. Para cleusa, a experiência foi ainda mais positiva.
"alertei meu aluno sobre um erro de ortografia. Ele argumentou que a aula não era de língua portu-
guesa. Respondi que para um bom trabalho, de qualquer área, é preciso escrever corretamente." com
esse projeto a turma aprendeu como a língua está relacionada a ciências. "trabalhar assim é compre-
ender um século de avanço na educação", defende menezes.

Sozinha, professora une artes e química

O interesse pela química entre as classes do ensino médio da escola estadual joão roncon, em ribei-
rão pires (sp), era muito pequeno. Muitos jovens tinham dificuldades de interpretação e precisavam
desenvolver o raciocínio lógico para acompanhar as aulas. "para reverter a situação, fui buscar uma
forma mais estimulante de ensinar", explica a professora maria clara maia ceolin. E foi na interdisci-
plinaridade que ela encontrou uma saída. "pensei em algo lúdico e que envolvesse expressão. Nada
melhor que a arte", diz maria clara.

Seu objetivo era mostrar como a química está presente nos materiais utilizados pelos artistas. Antes
de dar início ao projeto, a professora tentou parcerias com professores de outras disciplinas. Nem as
respostas negativas nem a falta de estrutura da escola fez com que ela desanimasse. Sem laborató-
rio, ela e os alunos buscavam água de balde e levavam para a classe. "não desisti e decidi fazer tudo
sozinha."

o planejamento incluía trabalhar com vários tipos de pigmento e estudar a evolução dos materiais. "no
início, só usamos sulfite e vários tipos de carvão para desenhar", conta. Os jovens estudaram a com-
posição do material e mais adiante a professora pediu uma pesquisa sobre a história da arte. Em uma
linha do tempo, mostraram os pintores de diferentes movimentos e as técnicas e materiais utilizados
desde a antigüidade. A próxima etapa envolveu a releitura de obras utilizando tintas feitas pelos pró-
prios adolescentes.

Maria clara consultou livros, fez pesquisas na internet, conseguiu gravuras de quadros famosos e
lançou mão de disciplinas como história e geografia para dar suas aulas. Além de assimilar o conteú-
do previsto no planejamento de química, os estudantes se envolveram nas aulas e ainda se descobri-
ram artistas talentosos. Tudo isso entrou na avaliação.

O sucesso foi tão grande que maria clara repetiu a experiência com as turmas de ensino fundamental
e de suplência e deu oficinas na diretoria de ensino de mauá (sp) para professores de química. Com
materiais simples e baratos e boa vontade, maria clara atingiu seu objetivo. "acredito que abordar os

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INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO

conteúdos da minha disciplina com o apoio de outra área deu mais significado às aulas. O ideal seria
os professores entenderem que projetos assim funcionam melhor se feitos em parceria."

Multi, inter e transdisciplinaridade

A multidisciplinaridade acontece quando um tema é abordado por diversas disciplinas sem uma rela-
ção direta entre elas. Se o objeto de estudo for o cristo redentor, por exemplo, a geografia trabalhará
a localização; as ciências tratarão da vegetação local; as artes mostrarão por quem a escultura foi
feita e por que está ali. Mas as abordagens são específicas de cada disciplina e não há interligação.

Na interdisciplinaridade, duas ou mais disciplinas relacionam seus conteúdos para aprofundar o co-
nhecimento. Dessa forma, o professor de geografia, ao falar da localização do cristo, poderia utilizar
um texto poético, assim como o de ciências analisaria a história da ocupação da cidade para enten-
der os impactos ambientais no entorno.

A transdisciplinaridade é uma abordagem mais complexa, em que a divisão por disciplinas, hoje im-
plantada nas escolas, deixa de existir. Essa prática somente será viável quando não houver mais a
fragmentação do conhecimento.

Promovendo a interdisciplinaridade na escola

A abordagem interdisciplinar na escola.

A interdisciplinaridade surgiu no final do século passado a partir da necessidade de justificar a frag-


mentação causada por uma epistemologia de cunho positivista. As ciências foram divididas em mui-
tas disciplinas e a interdisciplinaridade restabelecia, pelo menos, um diálogo entre elas. Considerada
pela ciência da educação como uma relação interna da disciplina “matriz” e a disciplinada “aplicada”,
a interdisciplinaridade passou a ser um termo aceito na educação por ser vista como uma forma de
pensamento.

Segundo piaget, a interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar à transdisciplinaridade, etapa


que não ficaria na interação e reciprocidade entre as ciências, mas alcançaria um estágio onde não
haveria mais fronteiras entre as disciplinas.

Pois bem, atualmente a interdisciplinaridade tem sido abraçada por grande parte dos educadores,
visto que tal postura garante a construção do conhecimento de maneira global, rompendo com as
fronteiras das disciplinas, pois apenas a integração dos conteúdos não seria satisfatório. Geralmente
aplicada já nas séries iniciais do ensino fundamental, os professores devem incentivar os alunos a
construírem relações entre os diferentes conteúdos presentes nas diversas disciplinas do currículo.

É de suma importância levar em conta no momento da avaliação de um projeto didático, as aprendi-


zagens realizadas pelos alunos durante a realização desse. Um projeto é definido como satisfatório
com base nas aprendizagens que proporciona aos seus alunos, não pela qualidade pontual de seu
produto final.

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FORMAÇÃO DOCENTE

Formação Continua e Obrigatoriedade De Competências Na Profissão De Professor

Philippe Perrenoud

Os quatro capítulos deste texto retomam quatro artigos complementares publicados em l´educateur
(perrenoud, 1966 a, b, c e d). O primeiro propõe orientar mais explicitamente a formação contínua
para a construção de competências profissionais coerentes com a evolução da profissão de professor
e do sistema educativo. O segundo situa a avaliação dos professores entre uma impossível obrigato-
riedade de resultados e uma estéril obrigatoriedade de procedimentos, e propõe uma obrigatoriedade
de competência. O terceiro capítulo analisa ambivalências e reticências dos interessados, que fazem
da avaliação dos professores uma avaliação à procura de atores. O último capítulo sugere alguns dis-
positivos gerais e específicos de profissionalização, de observação formativa e de controle.

Formação Contínua e Desenvolvimento de Competências Profissionais

A partir do ano letivo 1996-97, no ensino primário de genebra, grande parte da formação profissional
contínua passa a ser organizada em dez áreas prioritárias, cada uma compreendendo várias compe-
tências básicas. A área " trabalho em equipe ", por exemplo, recobre cinco competências básicas, en-
tre as quais " gerir crises ou conflitos entre pessoas ". Embora tal referencial de competências (que
será detalhado no quadro anexo apresentado ao final) devesse ser inteligível e talvez útil em si
mesmo, é preferível situá-lo num contexto e relembrar sua origem.

Esse referencial representa uma etapa de um projeto conduzido pela comissão de formação, comis-
são paritária instituída no ensino primário de genebra, composta por seis representantes da adminis-
tração escolar (direção, inspeção e serviços) e por seis representantes da sociedade pedagógica de
genebra (professores e formadores), a fim de debater, em conjunto, problemas de formação.

Aos trabalhos da comissão estão associados dois professores da faculdade de psicologia e de ciên-
cias da educação, já que, desde 1996, a formação inicial dos professores primários de genebra está
inteiramente confiada à universidade. Esta vem assumindo, desde os anos 30, um terço dessa ativi-
dade, contribuindo também, aliás há muito tempo, para a formação contínua dos professores. É
nesse sentido que tentarei apresentar uma abordagem por competências que se aplica tanto à forma-
ção inicial quanto à formação contínua.

Das Reciclagens a Formação Contínua

A formação contínua dos professores encontra-se em vias de institucionalização, mas está ainda à
procura de seu lugar. Nos cantões romanches, ela tem assumido muitas vezes uma dupla face:

Reciclagens articuladas a mudanças importantes, tais como reformas de estruturas, ou introdução de


novos programas, de novos meios de ensino e de novas tecnologias; nesses casos, a autoridade es-
colar provoca uma atualização, que consiste ao mesmo tempo em informação, explicação e forma-
ção, e que se dirige a todos, sob a forma de reciclagens obrigatórias ou fortemente recomendadas;

Um aperfeiçoamento que propõe, à la carte, todo tipo de conteúdo, desde o artesanato ou o proces-
samento de texto até a didática de uma disciplina ou a avaliação formativa, passando pelas relações
com os pais ou a acolhida a alunos imigrantes.

As reciclagens obrigatórias estão sendo progressivamente abandonadas. Não mais fazem parte do
esprit du temps. Não se pode apostar na profissionalização, nos projetos da escola, na responsabili-
zação e, ao mesmo tempo, convocar os professores através de medidas autoritárias; não se pode so-
licitar que sejam consideradas as diferenças entre alunos e, ao mesmo tempo, ignorar as diferenças
entre os professores; as reciclagens-padrão são, enfim, por demais elementares para alguns e clara-
mente insuficientes para outros.

Quanto ao aperfeiçoamento, ele respeita a liberdade de escolha de cada um, mas, em contrapartida,
deixa o sistema educativo bastante desprovido da articulação necessária entre política educacional e
formação contínua. Além disso, a livre escolha produz em todo lugar um fenômeno, agora conhecido,
que podemos caricaturar assim: 25% dos professores, os mais ativos do corpo docente, consomem
75% da formação, enquanto que os 50% menos envolvidos praticamente não participam dela.

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FORMAÇÃO DOCENTE

Os sistemas educativos, portanto, estão à procura de um meio-termo entre o autoritarismo e a livre


opção, isto é, buscam uma política de formação contínua incentivadora e orientada por objetivos a
longo prazo, sem ser coercitiva.

Isso passa por vários avanços:

Integração da formação contínua à legislação e à tarefa docente, sob dupla forma:

Entendimento da jornada de trabalho como mais ampla que as horas de presença em classe, inclu-
indo para todos um tempo de formação contínua, em modalidades diversas;

Adoção de um mecanismo de liberação dos alunos ou de substituição dos professores titulares das
classes, que permita que parte do tempo de formação contínua seja tomado das horas escolares.

Gestão paritária da formação contínua pela administração escolar e pelas associações profissionais,
ou pelo menos o estabelecimento de alguns acordos sobre as grandes linhas de orientação.

Desenvolvimento da formação contínua na própria escola, em articulação com um projeto (de pes-
quisa-ação, de inovação ou de formação).

Criação de um corpo de formadores e de serviços que garantam a oferta regular de formação contí-
nua em temas que não estejam distantes demais das práticas profissionais, dos programas, dos mo-
dos de funcionamentos específicos da escola.

Articulação com a formação inicial, ou seja, a formação contínua deve implicar numa forma de conti-
nuidade e de acompanhamento da primeira, cada uma delas se adaptando à evolução da outra e do
sistema.

O cantão de genebra, a grosso modo, atravessou essas etapas à sua maneira, pelo menos no que
diz respeito ao ensino primário. Hoje, ele passa por um novo momento, que prioriza a articulação
mais forte da formação contínua a um referencial de competências e a uma política educacional.

Formação e Competências

O desafio é, primeiramente, o de colocar explicitamente a formação contínua a serviço do desenvolvi-


mento das competências profissionais. Parece óbvio? Não necessariamente. Algumas modalidades
de reciclagem ou de aperfeiçoamento ampliam a cultura, a informação ou os talentos artesanais ou
técnicos dos professores. Pode-se esperar que isso desenvolva também suas competências profissi-
onais, mas caberá ao interessado inscrever esses aportes em uma perspectiva pedagógica e didá-
tica.

Uma competência é um saber-mobilizar. Não se trata de uma técnica ou de mais um saber, mas de
uma capacidade de mobilizar um conjunto de recursos - conhecimentos, know-how, esquemas de
avaliação e de ação, ferramentas, atitudes - a fim de enfrentar com eficácia situações complexas e
inéditas.

Não basta, portanto, enriquecer a gama de recursos do professor para que as competências se vejam
automaticamente aumentadas, pois seu desenvolvimento passa pela integração e pela aplicação si-
nérgica desses recursos nas situações, e isso deve ser aprendido.

Conhecer um processador de texto, alguns softwares didáticos e um pouco de informática é uma con-
dição necessária para integrar o computador a uma prática em sala de aula, mas se a formação con-
tínua não trabalhar visando a essa integração, que é o objetivo-obstáculo maior, o recurso continuará
virtual e, se não for mobilizado, vai se tornar inútil. A mesma coisa acontecerá com a avaliação forma-
tiva, a tipologia de textos ou o conselho de classe!

Não se pode dizer, portanto, que qualquer formação contínua participe direta e intensivamente da
construção de competências. Muitos cursos de aperfeiçoamento se limitam a oferecer só ingredientes
para essa construção, abordando apenas marginalmente as práticas, o que, aliás, se pode compreen-
der: é relativamente fácil trazer alguma novidade idéias, tecnologia, ferramentas, mas é muito mais
difícil integrar esses aportes a uma gestão de classe e a um sistema didático.

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A menos que se deixe essa integração aos cuidados de cada um, ela passa, na formação contínua,
pela análise das práticas e das situações de sala de aula, o que supõe que os professores joguem o
jogo, que os formadores estejam à altura desse jogo e que as condições de trabalho (local, tempo,
confiança) se prestem a isso. A formação inicial tem meios de ser " intrusiva " o estudante pode ser
observado em aula, e seu trabalho pode ser analisado com o uso do vídeo ou por um monitor de es-
tágio (ou instrutor de campo).

Além disso, ele pode ser mobilizado longamente em termos de tarefas de análise ou de escrita. Em
formação contínua, os formadores " pisam em ovos ", pois deverão formar seus iguais. Eles não en-
tram facilmente nas classes, por isso hesitam tanto em se engajar em uma análise de práticas. Os
professores em formação contínua parecem dizer aos formadores: " dêem-nos ferramentas e não se
metam com o que se passa em nossas aulas ", dando a entender que isso é problema só deles.

Para dizer as coisas de forma esquemática: o desenvolvimento de competências, se ele advém, pro-
duz-se quase sempre para além da formação contínua, no foro íntimo dos professores, e, eventual-
mente, no de uma equipe pedagógica.

Orientar a formação contínua para as competências, portanto, é ampliar o campo de trabalho e dar às
práticas reais mais espaços que aos modelos prescritivos e aos instrumentos. Uma parte da oferta de
formação contínua, seguramente, já se configura nesse sentido, mas essa ainda não parece ser a
concepção comum, nem a regra do jogo ou, se preferirem, o contrato didático básico, em formação
contínua.

A realização da formação na própria escola é um grande passo nesse sentido, não somente porque
ela constitui um coletivo de formação, mas também porque a formação acontece no local de trabalho
do professor, ficando menos facilmente separada das práticas. Isso, todavia, é apenas uma vantagem
virtual: pode-se imaginar formações realizadas em escolas, mas que se passam numa sala fechada,
em horários fixos, com o formador tendo também pouco acesso às aulas, como se estivesse rece-
bendo os professores num centro afastado…

Formação e Política Educacional

O segundo desafio é dizer quais as competências que a formação contínua deve desenvolver priorita-
riamente. Em genebra, três orientações constituem essas balizas:

A definição negociada da tarefa docente, no sentido da profissionalização e de uma prática responsá-


vel e refletida;

A ligação integral da formação inicial à universidade e sua reconstrução no sentido de uma forte arti-
culação entre teoria e prática;

Uma renovação do ensino primário, a partir de três eixos: individualização dos percursos de forma-
ção, trabalho em equipe e centralização da atenção no aluno e no sentido do trabalho escolar.

O conjunto dessas orientações foi negociado entre a associação profissional de professores e a dire-
ção do ensino primário, e com a universidade no que diz respeito à formação inicial, no seio da co-
missão de formação e em outras instâncias (grupo-tarefa sobre a formação inicial, grupo de coorde-
nação da renovação e comissões diversas). Tudo isso ocorreu no âmbito de uma política de conjunto
para as escolas de Genebra.

É importante insistir nisso, pois o modo de elaboração desses dispositivos de formação ou de inova-
ção é tão importante quanto seu conteúdo. Na verdade, eles foram elaborados em comum, as inevitá-
veis divergências foram postas na mesa e trabalhadas e, assim, chegou-se a dispositivos aos quais o
conjunto dos parceiros implicados aderiu, estabilizados em contratos, na definição dos encargos dos
professores e em outros textos de referência.

A abordagem por competências aqui apresentada é apenas uma parte dos trabalhos da comissão de
formação, que prossegue atualmente sua reflexão, de um lado sobre as estruturas e os serviços nos
quais se apóiam as ofertas de formação contínua e, de outro, sobre as relações entre competências e
controle da qualidade do ensino.

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Apesar de esta reflexão não estar concluída, parece possível enumerar as orientações temáticas que
se esboçam.

Trata-se globalmente de uma luta contra o fracasso escolar e as desigualdades, com ênfase na reno-
vação didática e no sentido do trabalho escolar, luta esta que também, indissociavelmente, objetiva o
desenvolvimento da cooperação profissional no âmbito dos projetos de escola e dos contratos entre
escolas e direção. Tudo isso, assim, explica a tônica colocada em dez grandes áreas de competên-
cias:

Organizar e animar situações de aprendizagem

Gerir a progressão da aprendizagem

Conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação

Envolver os alunos em sua aprendizagem e seu trabalho

Trabalhar em equipe

Participar da gestão da escola

Informar e envolver os pais

Servir-se das novas tecnologias

Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão

Gerir sua própria formação contínua.

Fala-se de áreas de competências porque cada uma delas abrange várias competências complemen-
tares. A cada entrada dessa lista foram, portanto, associados alguns exemplos de competências-
chave. Esse referencial de duas entradas (ver o quadro anexo no final) tornou-se, no início do ano le-
tivo de 1996-97, uma referência comum, que figura no documento intitulado " formação contínua. Pro-
grama de cursos 1996-97 " (genebra, ensino primário, serviço de aperfeiçoamento, 1996).

Além disso, os serviços e os formadores foram convidados a inserir suas sugestões no sentido de in-
cluir no referencial em questão uma ou várias competências. Todas as ofertas de formação que pude-
ram levá-lo em consideração estão situadas geograficamente em relação às dez grandes famílias de-
finidas. Por exemplo: o curso 101 " geografia: espaço vivido e representação " (de um dia) está situ-
ado como se segue:

O disco colorido em negro indica a família de competências trabalhada com prioridade (4. Envolver os
alunos em sua aprendizagem e seu trabalho). O disco colorido em cinza escuro indica uma prioridade
média (1. Organizar e animar situações de aprendizagem), e os discos coloridos em cinza claro, uma
prioridade menor (2. Gerir a progressão da aprendizagem, 3. Conceber e fazer evoluir dispositivos de
diferenciação e 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.). Os discos não-coloridos
correspondem às famílias de competências não-envolvidas. Cada curso define, desta forma, seu per-
fil de competências.

Um quadro global de dupla entrada põe em relação as temáticas dos cursos (em linhas) e as famílias
de competências (em colunas), podendo-se entrar pelas linhas ou pelas colunas na busca de uma
formação contínua.

Uma parte das ofertas de formação foi codificada de certo modo sem ter podido ser concebida ou de-
senvolvida a partir do referencial, já que ele só foi estabelecido definitivamente no final do ano letivo

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1995-96. Seria precipitado, também, dizer que o referencial foi lido, compreendido e aceito da mesma
forma por todos. Para uns, ele recorta categorias familiares, enquanto que outros se sentem mais à
vontade dentro de uma lógica de conteúdos, as competências caindo " no vazio ". No campo da didá-
tica, as ofertas são em geral mais dirigidas para disciplina e tipos de atividades a serem propostas
aos alunos que para as competências dos professores. Pode-se, então, estimar que, como todo refe-
rencial, o instrumento pode:

Permanecer como um código de superfície que apenas os leitores externos à instituição levarão real-
mente à sério;

Ou tornar-se o organizador maior das ofertas e das demandas de formação contínua.

A bola está no campo dos formadores, dos serviços, da coordenação, tanto quanto no dos professo-
res: essas áras de competências pedem para ser habitadas, elas são ainda apenas quadros vazios,
nos quais o que importa é que os atores invistam representações mais precisas, ao preço de um tra-
balho e de debates.

Evidentemente, cada palavra e cada idéia podem suscitar uma controvérsia obstinada sobre a peda-
gogia, as teorias de aprendizagem, as finalidades da escola ou da profissão subjacentes. Esse de-
bate é mais importante que um consenso sobre detalhes, que seria mais preocupante. Através da dis-
cussão sobre os conteúdos, se perfila uma forma nova de se pensar a formação, mais fecunda, em
suma, que o sentido exato que se dá a cada formulação. Uma idéia como " conceber e fazer evoluir
dispositivos de diferenciação " só pode conduzir a uma interrogação aberta sobre as pedagogias dife-
renciadas. A abordagem por competências é um desafio mais importante que o referencial, que é
apenas uma linguagem comum, destinada a por um pouco de ordem na complexidade.

Do Lado Dos Professores

Se o referencial é, num primeiro momento, um modo de estruturar as ofertas, a médio prazo a forma-
ção contínua será fortemente influenciada por seus utilizadores. Se os professores não se apropria-
rem do referencial para pensar suas próprias competências e suas necessidades de formação, ele
acabará tornando-se letra morta. Defrontamo-nos aqui com um primeiro risco: a noção de competên-
cia deriva do senso comum, mas essa familiaridade é, ao mesmo tempo, uma vantagem e uma des-
vantagem. Uma vantagem porque ninguém pode negar que sejam necessárias competências para
ensinar de forma eficaz, e uma desvantagem porque, quando se penetra numa porta já aberta, pa-
rece supérfluo comentar explicitamente " o que todo mundo sabe e sabe fazer ". Como muitas inova-
ções, essa concepção refinada de formação contínua deve navegar entre vários perigos:

Alguns dirão " nada de novo sob o sol! " ou " já fazemos isso! ", ridicularizando um referencial que
tenta exprimir sabiamente algumas banalidades simples;

Outros ficarão estupefatos, pensando que lhes é proposto desenvolver competências que consideram
já adquiridas, porque elementares no exercício da profissão;

Outros ainda considerarão que essas competências correspondem a utopias e que não se lhes pode
pedir tanto.

Essas reações são perfeitamente compreensíveis, considerando o nível de abstração de todo refe-
rencial. Admitamos que se proponha a alguns médicos, como formação contínua, uma área de com-
petências enunciada como " realizar e verificar um diagnóstico ". Seria fácil para eles ironizar essa
formulação e dizer: " e eu que acreditava que isso fizesse parte da formação inicial básica! " ou
" grande novidade, os médicos terem de realizar um diagnóstico! " no entanto, lembrem-se: quando
se está realmente doente e os sintomas não são imediatamente reconhecíveis, somos tomados pela
angústia: e se o médico não conseguir compreender o que eu tenho para me tratar a tempo? Realizar
um diagnóstico é uma competência básica da profissão médica, logo, todos os médicos devem pos-
suí-la. No entanto, ela nunca termina e deve ser renovada constantemente, em função dos avanços
das pesquisas, da tecnologia e também das patologias.

Todos os professores são chamados a " oganizar e animar situações de aprendizagem ". Se não tive-
rem nenhuma competência nessa área, pode-se perguntar por que escolheram essa profissão e
como obtiveram o direito de ensinar. No entanto, quem poderia se vangloriar de ter adquirido um total
domínio dessa área de competência?

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E, sobretudo, quem poderia ignorar que a própria concepção do ensino, das situações de aprendiza-
gem e do papel do professor evoluiu profundamente nos últimos vinte anos, com o impulso da pes-
quisa em didática das disciplinas e da experiência das escolas ativas, da escola nova, do movimento
freinet, das pedagogias de projeto, etc.? Hoje, parece claro que ensinar não consiste mais em dar
boas lições, mas em fazer aprender, colocando os alunos em situação que os mobilizem e os estimu-
lem em sua zona de desenvolvimento proximal, permitindo-lhes dar um sentido ao trabalho e ao sa-
ber. Quem poderia pretender, hoje, dominar conceitualmente e, mais ainda, praticamente, a arte de
organizar e animar situações de aprendizagem? Competência elementar em seu nível mais baixo e
estrela inacessível em seu nível mais aprimorado, essa competência é o canteiro de uma obra longe
ainda de estar concluída.

Para se dar conta disso, o importante seria não julgar o referencial como tal, mas entrar nele e con-
frontar as representações de uns e de outros, fazer o balanço dos ganhos que ele representa, identifi-
car os problemas que ele coloca e as próximas etapas que ele anuncia. Isso representa um trabalho
formador em si mesmo. É preciso, portanto, desejar que o debate se inicie, que esse referencial seja
progressivamente " habitado " e, portanto, desenvolvido, nuançado, e até notavelmente reformulado
com o passar do tempo. Esse trabalho pode ocorrer em diversos âmbitos. É importante que ele acon-
teça nos próprios cursos e atividades de formação, e que se considere a identificação das competên-
cias visadas como parte integrante da formação, sem limitar o uso do referencial à descrição dos cur-
sos. Assim, no exemplo dado acima, seria formador explicitar em que o conteúdo e os procedimentos
propostos têm a ver com as competências mencionadas.

Do Lado Dos Inspetores

O referencial em questão se impõe aos formadores e propõe aos professores uma chave de leitura
das ofertas de formação. Em que isso diz respeito aos inspetores.

Eles podem ser e, evidentemente, estão convidados a se servir do referencial como de uma lingua-
gem que, progressivamente, vai se tornar comum no diálogo com os professores e as equipes. O
grupo que acompanha as escolas que desenvolvem projetos de inovação no âmbito da renovação do
ensino primário em genebra (grupo de pesquisa e de inovação, gri), pode evidentemente fazer o
mesmo.

Os inspetores podem, sem dúvida, incentivar os professores a fazer seu próprio balanço de

Pode-se desconfiar que o problema é por demais complexo para ser resolvido no papel. Mas, talvez,
a abordagem por competências dê uma chance de se conciliar a lógica da profissionalização, que in-
siste na responsabilidade e na autonomia, e a lógica do serviço público.

A avaliação dos professores: entre uma impossível obrigatoriedade de resultados e uma estéril obri-
gatoriedade de procedimentos

Se é verdade que todos os sistemas educativos estão à procura de um " controle inteligente " das
práticas de ensino, antes de se perguntar " de quem isso é incumbência? " talvez seja necessário de-
ter-se numa questão prévia: a avaliação e o controle devem ser feitos em relação a quê?

Ninguém trabalha "por conta própria" numa organização escolar. Todos, portanto, têm contas a pres-
tar: todos são remunerados por um trabalho, que compreende obrigações. Quando se paga a um en-
canador para consertar um encanamento, a obrigação dele é fazê-lo corretamente, com um custo e
um prazo razoáveis, fixados às vezes em um orçamento. Se o profissional não conseguir cumprir a
tarefa, deverá demonstrar que a instalação não tem conserto ou que aquele serviço ultrapassa o al-
cance da técnica que utiliza.

Em princípio, um professor está ligado, em troca de seu salário, a uma obrigação análoga: educar e
instruir os alunos que lhe foram confiados, em conformidade com os programas e com as tarefas que
lhe cabem. Entretanto, parece difícil avaliar a educação e a instrução de seres humanos da mesma
forma com que se avalia o rendimento de uma ação material, nem que fosse apenas pelo fato de que
os alunos, as classes e as escolas são diferentes e que não se poderia impor uma obrigatoriedade de
resultados que desprezasse isso.

Meirieu (1989) concluiu daí que é preciso renunciar a uma " obrigatoriedade de resultados ", definidos
em termos de aprendizagens calibradas, isto é, as mesmas para todos. Ele não propõe, contudo, que

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se subtraiam dos professores todas as obrigações. Propõe que se substitua a obrigatoriedade de re-
sultados por uma " obrigatoriedade de meios ". Vou continuar aqui nesse mesmo sentido, tentando,
todavia, vencer a ambiguidade da expressão " obrigatoriedade de meios ". Pode-se, de fato, entendê-
la de duas formas diametralmente opostas, que vou distinguir utilizando duas novas expressões:
" obrigatoriedade de procedimento " (ou de método) e " obrigatoriedade de competência ".

Chamarei de:

Obrigatoriedade de procedimentos a obrigatoriedade de utilizar meios de ensino definidos e de res-


peitar estritamente formas de ensino codificadas pela organização escolar;

Obrigatoriedade de competência a obrigatoriedade de ter ou de " obter os meios " para enfrentar as
situações educativas complexas, sem se limitar a observar os procedimentos definidos, exceto algu-
mas regras administrativas e deontológicas elementares.

Lembrar as razões pelas quais uma obrigatoriedade de resultados não é verdadeiramente praticável
no ensino;

Mostrar em que uma obrigatoriedade de procedimentos dá as costas à profissionalização do trabalho


do professor e à eficácia pedagógica e didática;

Defender a obrigatoriedade de competências como única via de futuro, sem esconder que se trata de
uma via estreita, improvável, que supõe uma mudança de representações e um outro funcionamento
do sistema educativo.

Uma Impossível Obrigatoriedade De Resultados

Há áreas do trabalho humano nas quais é possível e legítimo exigir resultados. Para isso é preciso
reunir ao menos quatro condições:

Que o problema a ser resolvido seja puramente técnico, ou seja, que as finalidades da ação sejam
perfeitamente claras e que os profissionais não tenham outra tarefa que não a de buscar os melhores
meios de atingir objetivos inequívocos.

Que a ação dos profissionais dependa apenas marginalmente da cooperação ou da mobilização de


pessoas ou de grupos independentes da organização que os comanda.

Que o estado dos saberes teóricos e profissionais torne possível uma ação eficaz na maior parte das
situações encontradas.

Que as situações com as quais os profissionais de mesmo nível de qualificação se confrontam sejam,
senão idênticas, ao menos relativamente comparáveis.

Essas condições não estão reunidas no ensino. Vejamos por quê.

Uma Ação Não Técnica

Nenhuma ação humana é inteiramente técnica, e cada agente de uma organização conserva uma
margem de interpretação dos objetivos que lhe são atribuídos. De uma profissão a outra, entretanto,
a extensão dessa margem difere.

A ação educativa nunca se inscreve completamente no interior de finalidades perfeitamente claras e


determinadas de fora.

Logo, ela não é redutível à questão da escolha dos meios mais eficazes para atingir objetivos unívo-
cos. O ensino, com outras áreas, portanto, é sempre, e ao mesmo tempo, definição dos fins e busca
dos meios.

Primeiro, porque os objetivos da educação escolar são muito numerosos e ambiciosos para que se
possa perseguí-los todos. É possível, no papel, não renunciar a nada e sobrecarregar os programas
acrescentando aqui e ali uma frase, cuja transposição didática vai exigir muitas horas de trabalho com
os alunos. Não se pode, dentro do espaço e do tempo reais de uma aula, querer atingir os mesmos
objetivos com todos os alunos.

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Cada professor é, portanto, levado, quer queira quer não, a fazer o que os autores do programa não
souberam ou não quiseram fazer. Conscientemente ou não, ele adota certas prioridades, conside-
rando os alunos que tem diante de si, as expectativas e atitudes dos pais, suas convicções e compe-
tências pessoais ou, ainda, as concepções pedagógicas que prevalecem entre seus colegas.

Mesmo se os objetivos da educação escolar fossem todos realizáveis no tempo e no espaço, eles se
prestariam a interpretações. Os objetivos cognitivos aparentemente os mais límpidos, tais como domi-
nar a subtração ou usar corretamente o futuro do pretérito, abrem a porta, de fato, para diversas inter-
pretações.

Não se ensinam esses saberes e estes tipos de saber-fazer da mesma forma, conforme se queira
atingir um desempenho superficial ou uma verdadeira compreensão, uma integração desses conheci-
mentos a estruturas mais complexas - operações matemáticas ou atos da linguagem - ou um trata-
mento isolado deles, conforme, enfim, eles sejam considerados como componentes de competências
mais amplas - resolução de problemas ou capacidade de comunicação - ou sejam considerados em
si-mesmos.

A essas dimensões cognitivas, função de uma teoria mais ou menos construtivista da aprendizagem
ou da ação, se acrescentam todas as diferenças ligadas à cultura e aos valores pessoais do profes-
sor. Como alguém que adora viajar e vive percorrendo o planeta poderia ensinar a mesma geografia
que alguém que todo ano passa suas férias no mesmo chalé? Como alguém que gosta de escrever e
facilmente compõe textos em todas as áreas de sua vida pessoal e profissional poderia ensinar reda-
ção da mesma forma que um professor que não tem prática nem gosto pela escrita.?

Em suma, não se pode atribuir a cada professor as mesmas intenções educativas, nem, mesmo
quando estas se assemelham, a mesma energia e a mesma determinação para realizá-las. Essas va-
riações de objetivos são ao mesmo tempo inevitáveis e desejáveis, quando seres humanos trabalham
com outros seres humanos…

Uma Ação Que Depende Do Outro

Todos os profissionais enfrentam resistências. Se tudo fosse fácil não haveria necessidade de se re-
correr a pessoas qualificadas. Mas, há resistências e resistências… as que opõem a natureza e a
matéria à ação humana têm como consequências, em geral, a ultrapassagem de prazos e de recur-
sos financeiros, sem que se comprometa, no entanto, o próprio empreendimento. Em outras palavras,
chega-se ao fim da tarefa, trata-se de uma questão de paciência e de tempo. Com as resistências hu-
manas não se pode agir de forma tão simples, a não ser que se pratique a violência. E mesmo assim,
as ditaduras que recorrem à repressão e à tortura só vencem as resistências provisoriamente, e a um
preço muito alto!

Uma ação educativa que respeite as pessoas e que vise a desenvolver sua autonomia se recusa a
utilizar a violência física. Mesmo quando a escola tinha menos escrúpulos e não hesitava em utilizar a
palmatória (" pequeno pedaço de madeira ou de couro com o qual se batia na mão dos alunos em
falta ") ou o chicote, e se permitia outros atentados à integridade corporal dos alunos, com esses re-
cursos os professores só conseguiam controlar o comportamento ou, no melhor dos casos, levar os
alunos a uma aprendizagem muito superficial.

Subsiste hoje uma " violência simbólica " (bourdieu e passeron, 1970), ou seja, uma pressão moral
(" é para o seu bem! ", miller, 1968), uma chantagem afetiva, e até ameaças de sanções, que fazem
com que a instrução não resulte de uma livre escolha, especialmente quando ela é legalmente obriga-
tória ou imposta pela autoridade paterna. Todavia, já há várias gerações, a legitimidade dos meios de
pressão simbólica vem se enfraquecendo, e a capacidade de resistência dos alunos aumentando.
Trata-se de um paradoxo, pois nenhuma sociedade aderiu tão fortemente, com todas as suas classes
sociais, ao princípio da salvação pela instrução.

Mas, justamente, isso dá direitos e gera esperanças que, quando frustrados, provocam reações
amargas ou agressivas. Pelo menos nos países democráticos e desenvolvidos, nunca os professores
foram tão confrontados com resistências individuais ou coletivas de crianças e adolescentes como
hoje, ao mesmo tempo em que a escola passou gradualmente a se privar dos meios de repressão ou-
trora comuns, hoje considerados bárbaros.

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A eficácia pedagógica, portanto, é função da cooperação dos alunos e de suas famílias. Certamente,
a competência profissional consiste, em parte, em criar, manter e desenvolver essa cooperação, mas
isso apenas desloca o centro do problema: para dar aos alunos vontade de aprender, de estudar ou
simplesmente de ir à escola, é preciso agir sobre valores e atitudes, o que não é mais fácil que ins-
truir, além de parecer menos legítimo e, por isso, encontrar outros tipos de resistência.

Não se pode, assim, julgar o professor contabilizando os resultados de sua ação sem considerar a
atitude e as condutas de seus parceiros, que se comportam, às vezes, como seus " adversários " na
relação educativa. A cooperação e a resistência que encontramos numa sala de aula dependem de
um grande número de fatores, alguns sendo previsíveis em função do nível, da origem social ou do
passado escolar dos alunos, ou do ambiente social e cultural da escola, e outros, imputáveis a uma
dinâmica de grupo e a uma relação pedagógica constituídas por histórias singulares, das quais o pro-
fessor é um ator, não o " deus ex machina ".

Ele deve, por isso, resistir à tentação de onipotência, lembrando-se de que a pedagogia começa pelo
reconhecimento da resistência do outro como sinal de sua identidade enquanto sujeito (cifali, 1994;
meirieu, 1995). Romper essa resistência através de qualquer meio seria negar o outro enquanto indi-
víduo, portanto, minar o próprio sentido do empreendimento educativo. Cada educador carrega em si
a tentação de frankenstein (meirieu, 1996) e, para combatê-la, deve muitas vezes optar por ser me-
nos eficaz e mais respeitador das pessoas e de seu ofício. Esse dilema ético bastaria, por si só, para
condenar o princípio da obrigatoriedade de resultados.

Uma Ação Incerta

Para exigir resultados, seria preciso demonstrar que, posto diante do mesmo problema, qualquer pro-
fissional qualificado encontraria uma solução eficaz, sem para tanto dar provas de genialidade, nem
mesmo de grande criatividade, simplesmente mobilizando o estado da arte de sua área e conheci-
mentos profissionais e teóricos reconhecidos. Para uma parte das situações profissionais com que se
deparam, o médico ou o engenheiro se encontram no caso descrito: ninguém lhes pede que inventem
conhecimentos novos, criem métodos, mas que apliquem um capital coletivo. Tudo se passa, então,
como se esse capital garantisse uma ação eficaz, e a única responsabilidade do profissional fosse
conhecê-lo e investi-lo com discernimento.

Em educação, as situações desse gênero não são abundantes. Tem-se, ao contrário, uma profusão
de situações diante das quais a maior parte dos profissionais estaria bem desarmado e hesitante. Re-
sumindo, o fracasso da ação educativa remete muitas vezes a uma incompetência coletiva mais que
a uma incompetência individual. Os conhecimentos profissionais e os saberes teóricos não estão tão
avançados e estabilizados para que se possa esperar de um profissional que ele seja eficaz pelo sim-
ples fato de ele ser bem formado e informado. A pedagogia está, sob vários pontos de vista, na situa-
ção em que se encontravam a medicina ou a engenharia há dois ou três séculos: algumas proezas
tecnológicas ou terapêuticas hoje correntes, antes tinham a ver com a ficção científica, pois os conhe-
cimentos da época não davam nenhum indício sobre um grande número de fenômenos.

Em relação a uma parte de seu trabalho, o professor se encontra na situação de um médico ao qual
se pedisse para curar uma doença infecciosa cujos mecanismos básicos ainda fossem desconheci-
dos e até mesmo insuspeitados; ou na de um engenheiro de quem se esperasse uma realização que
ultrapassasse as teorias e as tecnologias conhecidas em sua época.

Como, em suma, poderíamos exigir resultados de nível definido, quando nenhum outro profissional,
por mais qualificado que seja, poderia garanti-los?

Uma Ação Singular

À idéia de avaliar os resultados obtidos pelos professores em termos das aquisições de seus alunos,
opõe-se facilmente um argumento clássico: seria impossível comparar as classes em razão da diver-
sidade dos contextos, do número e do nível dos alunos ao entrar na escola e em uma determinada
classe, da composição social e étnica do público, do número e da natureza dos casos particulares.

Essa singularidade, às vezes, é um álibi. Parece-me que nesse ponto defrontamo-nos com várias difi-
culdades distintas:

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Algumas comparações são possíveis, mas as bases estatísticas e os métodos que as permitem não
são compreensíveis e, portanto, são pouco utilizáveis fora da pesquisa;

Essas comparações têm limites em razão da complexidade dos fatores em jogo;

Finalmente, não se pode julgar o professor como responsável por todos os parâmetros, mesmo
quando eles dizem respeito de perto a ele.

Comparações herméticas: as técnicas estatísticas ligadas à " análise da variância " permitem contro-
lar um conjunto de outros determinantes do êxito na escola e, portanto, isolar " o efeito-mestre ". É,
simplesmente, pouco provável que comparações fundadas em métodos tão sofisticados, dos quais o
comum dos mortais nem alcança as bases matemáticas, possam ser utilizadas fora do contexto da
pesquisa. Poder-se-ia, entretanto, imaginar métodos mais intuitivos, fundados, por exemplo, numa
ponderação de diversos fatores.

A menor das cadeias comerciais sabe que não pode esperar de cada uma de suas filiais o mesmo
faturamento, que vai variar em função do bairro, da concorrência, do tempo de implantação da loja e
de seu sucesso maior ou menor, de seu ambiente e outras variáveis sobre as quais o gerente não
tem poder algum.

Isso não impede uma avaliação, em função de comparações razoáveis. Os professores não poderão
pretender indefinidamente que sua situação não seja comparável a nenhuma outra: todas as classes
não são comparáveis, mas podem ser formados sub-conjuntos mais homogêneos no interior dos
quais as comparações fazem certo sentido.

Fatores não-analisados: além dos parâmetros mais triviais e mais controláveis, a eficácia da ação
educativa depende de fatores mais sutis, menos mensuráveis, às vezes ainda não conceitualizados.
Alguns dentre eles, também, em vez de estarem dados no início, constróem-se na interação pedagó-
gica e didática, no decorrer do tempo escolar. Entre um professor e seus alunos, a cada ano, ata-se
uma história humana original, que é bem difícil transformar em " variáveis " observáveis.

Comparações sem fundamento: seria injusto tornar o professor responsável por certas características
que, tanto quanto suas competências, influenciam sua ação educativa: o fato de ele pertencer a uma
etnia, a uma classe social, a um sexo, a uma faixa etária, a uma comunidade confessional, ou ainda,
sua história, sua cultura, seu físico, seu odor, seu modo de falar e de se mexer, seu gosto em termos
de vestimentas… tudo isso exerce uma influência sobre a comunicação e a relação pedagógicas.

Esses elementos não estão ligados à competência profissional, mas à identidade pessoal e cultural, à
maneira de estar inserido no mundo. Além disso, essas características não têm efeito unívoco, de-
pendendo da interação com as características correspondentes, as expectativas e as normas dos alu-
nos e das famílias.

A mesma professora e o mesmo professor poderão provocar atrações ou rejeições individuais ou co-
letivas conforme quem se encontrar frente a eles. Mas, sobretudo, esse julgamento deverá evoluir de
acordo com a história comum. Um defeito de pronúncia ou um excesso de peso pode ser enternece-
dor ou irritante, conforme os desafios e estratégias de uns e outros.

A Recusa da Caixa-Preta

Concluindo: a obrigatoriedade de resultados não tem sentido senão na perspectiva extremamente


simplificadora segundo a qual uma classe seria uma caixa-preta onde se identificariam os " inputs " e
os " outputs ": controlaríamos todos os inputs que não estivessem ligados à qualificação e à consciên-
cia profissionais do professor, e restaria uma relação pura entre esses últimos fatores e os resultados
dos alunos. Se as teorias e os métodos permitirem um dia esse tipo de decomposição, isso leverá
ainda muitas décadas e a posição dos problemas terá mudado. No momento, na melhor das hipóte-
ses, isso ainda é uma problemática de pesquisa.

Uma Estéril Obrigatoriedade de Procedimento

Que é que separa um ofício de executor de uma profissão qualificada? No primeiro, a parte de traba-
lho prescrita é preponderante, o que leva a exigir-se do assalariado, antes de tudo, a conformidade

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aos procedimentos decididos pelos engenheiros ou outros responsáveis pela organização do traba-
lho. Se, respeitando-se os procedimentos ao pé da letra, chegar-se a maus resultados, a responsabi-
lidade cabe aos que definiram os procedimentos. O assalariado poderá dizer: " não tenho culpa, ape-
nas apliquei a regra ".

Quanto mais avançamos em direção a profissões qualificadas, mais a organização limita o trabalho
prescrito e, bem ou mal, delega aos assalariados o cuidado de criar ou adaptar procedimentos a fim
de enfrentar a complexidade das situações.

Priorizando, no ensino, a obrigatoriedade de procedimentos, freia-se o processo de profissionaliza-


ção. Isso seria justificado se ficasse assim garantida uma verdadeira eficácia do ensino. Mas tal não
acontece. Uma estrita obrigatoriedade de procedimentos é, ao mesmo tempo, um obstáculo à profis-
sionalização e uma negação da complexidade. Faz parte, além disso, de uma visão ultrapassada de
ensino-aprendizagem. Vejamos porque.

Um Obstáculo a Profissionalização

A profissionalização de um ofício, qualquer que seja ele, define-se precisamente pela autonomia que
permite ao verdadeiro profissional escolher seus métodos e meios de ação, assumindo plenamente a
responsabilidade por suas decisões. Quanto mais o sistema educativo restringe a autonomia dos pro-
fessores quanto à escolha de métodos e meios de ensino e avaliação, mais ele limita suas responsa-
bilidades, acentuando o que se pode chamar de uma proletarização ou uma desprofissionalização de
seu trabalho, em suma, aumentando uma dependência com respeito às regras concebidas pela hie-
rarquia ou pelos especialistas (perrenoud, 1994 a, 1996 e).

A obrigatoriedade de procedimentos nega ao professor a capacidade de escolher ou de escolher ele


mesmo suas estratégias e seus métodos. Ela deixa no ar, sem a expressar claramente, uma suspeita
de incompetência ou, pelo menos, de falta de discernimento na escolha autônoma de um método.
Essa falta de confiança deveria se enfraquecer conforme o crescimento progressivo do nível de for-
mação dos professores. Paradoxalmente, ela parece se agravar, em razão, notadamente, da emer-
gência de didáticas específicas defendidas pelos especialistas, aos olhos dos quais uma parte dos
professores, se abandonados a si próprios, acabarão fazendo " qualquer coisa ".

A resistência à profissionalização pode se enraizar também, por parte das autoridades, no medo da
diversificação das práticas ou da autonomia das escolas, inelutável quando os envolvidos na prática
cooperam a fim de implantar novos dispositivos. A obrigatoriedade de procedimentos pode, portanto,
ao mesmo tempo, manter a autoridade dos responsáveis e aumentar a influência dos especialistas…

Uma Negação da Complexidade

A profissionalização não é, a meus olhos, um fim em si, mas uma resposta à complexidade das situa-
ções e das relações educativas e às expectativas crescentes das sociedades em relação ao sistema
educativo. Por razões múltiplas (mudança das relações com a escola e com os conhecimentos, mistu-
ras culturais, transformação da família, crise de valores, rápida obsolescência dos conhecimentos,
concorrência das hipermídias, crise econômica, desorganização urbana, ruptura do contrato social,
etc.), não é mais possível ensinar de forma estereotipada. Uma fração crescente das situações de en-
sino-aprendizagem, ao contrário, ao menos se se quiser lutar contra o fracasso e permitir que a maio-
ria progrida, exige estratégias originais e sob medida, partindo da análise do que foi adquirido, das
necessidades, dos recursos e das forças hic et nunc.

Enfrentar a complexidade é estar envolvido na prática com reflexão (st-arnaud, 1992; schön, 1994,
1996), dispondo de conhecimentos múltiplos, de instrumentos metodológicos, de uma capacidade de
cooperação com os colegas e, principalmente, de um saber-analisar bem experiente que possa guiar
observações, interpretações e regulações. O estrito respeito aos procedimentos prescritos é, em mui-
tas das situações complexas, uma garantia de ineficiência. Isso não significa que nenhum procedi-
mento deva ser pensado e proposto aos que executam; ninguém tem tempo nem forças para inventar
novidades todos os dias.

Em última instância, entretanto, cabe aos profissionais avaliar a pertinência dos procedimentos dispo-
níveis em cada contexto e, eventualmente, adaptá-los à situação, descartar um ponto ou outro, ou até
criar algo novo a partir deles. Para agir de forma eficaz, deve-se ao mesmo tempo poder alimentar-se

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dos métodos, regras e procedimentos pré-estabelecidos, quando forem pertinentes, e libertar-se de-
les quando a situação exigir.

Uma Visão Ultrapassada de Ensino-Aprendizagem

A obrigatoriedade de procedimentos é um freio ao surgimento de novas representações do ensino e


da aprendizagem. Há mais de um século, os militantes da escola nova e dos métodos ativos afirmam
que é fazendo que se aprende.

Construtivistas e interacionistas antes do tempo, hoje eles são confirmados em seus pontos de vista
através de múltiplos trabalhos das ciências da educação. Assiste-se a uma total inversão de perspec-
tivas. Ensinar consiste, agora, em fazer aprender, ou, em outras palavras, em construir e animar situ-
ações de aprendizagem (astolfi, 1992; develay, 1992). Coloca-se a criança " no centro do sistema
educativo ", o que significa que, longe de integrá-la a um fluxo de coisas pensado externamente a ela,
procura-se diferenciar o ensino em função das possibilidades e das formas de aprender de cada uma.

Um professor, supondo-se que ele conheça sua disciplina e que seus alunos estejam " atentos ",
pode construir e dar uma aula seguindo procedimentos. Em contrapartida, ele só pode desenvolver
sequências e situações de aprendizagem a partir da resolução de problemas e da construção de pro-
jetos, criando situações-problemas (meirieu, 1989), e envolvendo os alunos em seu aprendizado.
Para isso, ele pode se inspirar em precedentes e em modelos, pode se apropriar de procedimentos
elaborados por outros e parcialmente codificados a fim de tornarem-se comunicáveis, mas não pode
esperar chegar a resultados seguindo constantemente uma mesma metodologia já pronta.

A preocupação com a diferenciação do ensino vai no mesmo sentido. Diferenciar-se é organizar as


interações e as atividades de forma a que cada aluno seja tão frequentemente quanto possível con-
frontado com as mais fecundas situações didáticas para ele (perrenoud, 1995). Vê-se bem, então,
que o professor não pode prender-se a trilho algum, devendo, sim, perguntar-se sem cessar o que se
passa e o que ele pode propor de pertinente a cada um, em situações de identificação e de resolução
de problemas.

Em direção à obrigatoriedade de competências?

Que diferença há entre uma obrigatoriedade de procedimentos e uma obrigatoriedade de competên-


cias? A resposta já aparece implícita na análise acima. Para dizer as coisas de outra forma, vamos
nos deter um instante na noção de erro profissional. Uma obrigatoriedade se define, com efeito, pela
natureza das faltas que ela torna possíveis.

Do Desvio da Regra ao Erro de Julgamento

O que é um erro profissional? É uma decisão infeliz, em outras palavras portadora de graves conse-
quências. Não é um acidente, uma fatalidade, mas a resultante de um erro humano. Todavia, esse
erro pode tomar formas muito diferentes conforme o grau de prescrição do trabalho.

Nos ofícios de execução, sujeitos a uma obrigatoriedade de procedimentos, o erro consiste em igno-
rar ou transgredir os procedimentos. Ele é cometido por aquele que, por falta de seriedade, de con-
centração, de atenção ou por excesso de confiança, acreditou poder deixar de respeitar as normas e
os métodos prescritos: regras de segurança, código de deontologia, disposição essencial das tarefas
e procedimentos ditados pela organização do trabalho.

Nenhuma profissão autônoma e responsável está totalmente isenta de procedimentos. As obrigatorie-


dades de procedimentos se colocam, então, previamente às situações. Elas permitem que o profissio-
nal, por exemplo, não se defronte com uma situação difícil sem estar em boas condições físicas ou
mentais, sem dispor de suas ferramentas ou de seus assistentes habituais, ou sem saber tudo o que
deveria estar sabendo. É assim que um cirurgião estará cometendo uma falta se operar sem ser ca-
paz de resistir ao estresse, ou um anestesista, se não conhecer os antecedentes de seu paciente, ou
um piloto se decolar sem co-piloto, etc.

Esses erros básicos são os mais fáceis de serem identificados. Os outros, aqueles que não versam
sobre as condições da decisão, mas sobre sua legitimidade, são muito mais difíceis de serem defini-
dos e estabelecidos, porque a qualificação consiste justamente em agir na ausência da norma explí-
cita, que bastaria ser seguida para que fossemos irrepreensíveis. O que se espera de um profissional,

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e é para isso que ele é formado e pago, é que ele encontre uma estratégia de ação eficaz, principal-
mente quando não existe nenhum procedimento pré-definido à altura da situação. O erro profissional
pode então ser definido como uma reação indefensável, na situação de trabalho considerada, por
parte de um especialista consciencioso e qualificado. Uma decisão infeliz traduz, assim, uma falta de
capacidade em analisar a situação e em escolher a resposta apropriada.

Trata-se aqui, ainda, de uma questão de dosagem. Nenhuma profissão prescinde de algum nível de
julgamento e, portanto, de um risco de erro. Isso pode acontecer ao motorista que subestima a enver-
gadura de uma curva, à esteticista que queima gravemente sua cliente, à enfermeira que não detecta
o agravamento súbito do estado de um paciente, ao programador que deixa um erro grosseiro em
seu programa, ao técnico de laboratório que sabota uma cultura biológica por má compreensão da
experiência em curso, etc.

Entretanto, quanto mais caminhamos em direção a profissões mais qualificadas, mais aumenta a par-
cela de gestos profissionais ligados ao julgamento na situação. As situações são muito diversas, mó-
veis e complexas para que seja possível ditar regras ou propor procedimentos. É por isso que se de-
lega a um profissional competente o poder e a responsabilidade de saber, melhor que ninguém, o que
convém fazer, já que ele tem todos os elementos na mão, em tempo real. Seu eventual erro não será
então da ordem de uma infração a uma regra, já que não há regra, apenas princípios gerais e uma
expectativa global em relação a ele: que ele dê provas de discernimento, de " sangue-frio " e de espí-
rito de iniciativa e de decisão.

Para Além do Erros Profissionais

Os erros de julgamento dividem o campo da competência e da obrigatoriedade de competência. Essa


abordagem parecerá " pouco positiva ". Mas é só um elemento que facilitará a análise. O erro é hu-
mano e a obrigatoriedade de competências não é uma obrigatoriedade de infalibilidade. Entretanto,
em 9 entre 10, em 99 entre 100 ou em 999 entre 1000 casos, conforme os desafios e as profissões,
ela impõe que se reaja adequada e imediatamente, ao vivo, em meio a uma relativa solidão, quase
sempre na urgência e na incerteza (perrenoud, 1996 e).

Convenhamos que, provavelmente, a obrigatoriedade de competência é tão fundamental quando difí-


cil de ser verificada. Será preciso que ocorra um erro profissional grave para que se avaliem as com-
petências, ao preço de pesados processos administrativos ou penais que pouco servem à formação?
Pode-se, evidentemente, desejar que se chegue a avaliar as competências de forma mais banal e
menos dramática, na formação inicial e durante a carreira profissional. Na falta disso, seremos tenta-
dos a pensar numa impossível obrigatoriedade de resultados ou a voltar a uma estéril obrigatoriedade
de procedimentos. Como agir? E, primeiramente, quem deve agir.

A obrigatoriedade de competências:

Uma Avaliação Em Busca De Atores

Tendo definido a obrigatoriedade de competências, resta passar de uma idéia geral à sua aplicação:
uma obrigatoriedade que ninguém pode controlar não é uma obrigatoriedade.

Se as competências não são avaliáveis, ou elas o são somente após um erro profissional grave que
desencadeie um inquérito, então a instituição escolar está condenada seja a não avaliar regularmente
o trabalho de seus professores, seja a escolher entre a peste e a cólera, em outras palavras, entre
uma impraticável obrigatoriedade de resultados e uma obrigatoriedade de procedimentos que é um
obstáculo à profissionalização do ensino.

A avaliação das competências encontra dificuldades conceituais e técnicas. No entanto, não são es-
ses os obstáculos principais.

Eles só serão estudados seriamente e superados quando soubermos a quem cabe avaliar as compe-
tências dos professores.

Ora, os sistemas educativos não dão nenhuma resposta muito clara a essa questão espinhosa atual-
mente, eles oscilam entre a esperança um pouco mágica de ver o problema se resolver por si mesmo
e a hesitação dos atores em se engajar num papel visto como difícil, ingrato e de altos riscos.

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O Sonho de Se Ver Livre Do Problema

Duas esperanças vãs assombram o debate sobre a avaliação dos professores:

A esperança de que a certificação inicial possa dispensar uma avaliação rigorosa das competências
durante a carreira profissional;

A esperança de que os professores saibam e queiram se auto-avaliar ou se avaliar mutuamente, com


toda lucidez.

Sem ser absurdas, essas idéias mostram um otimismo muito grande quanto ao funcionamento das
organizações e dos seres humanos. Vejamos por que, mesmo que para isso seja preciso alterar algu-
mas imagens de epinal.

Os Limites da Certificação Inicial

Os sistemas educativos empregam, tanto quanto possível, professores que tenham uma formação
inicial certificada. Podem, assim, esperar que eles tenham as competências exigidas, pelo simples
fato de terem vencido um duplo obstáculo: 1. Obter um diploma; 2. Conseguir um emprego. Em cer-
tos sistemas, entretanto, essas duas barreiras são uma só, pois o diploma garante o emprego.
Mesmo quando existe um verdadeiro mercado de trabalho, as competências não constituem neces-
sariamente o critério dominante de seleção.

Em todos os casos, cada sistema gostaria que o certificado de formação inicial fosse garantia de
competência. Essa esperança, parcialmente fundada, choca-se, entretanto, com dois mecanismos
bastante gerais:

As falhas da certificação no final da formação inicial;

A evolução das pessoas e das condições do trabalho de ensino.

Passar entre as malhas da rede

Nenhum procedimento de avaliação certificativa é infalível. A maioria das instituições de formação ini-
cial em geral combina, a fim de decidir sobre uma certificação, provas clássicas de conhecimentos,
visitas curtas de um supervisor ou de um formador a uma aula e um relatório do " mestre de estágio ".
Seria audacioso demais pretender que se tenha assim satisfeito as condições técnicas de uma avalia-
ção rigorosa e equitativa das competências. Todavia, o principal obstáculo para uma certificação
" pura e dura " não é de ordem técnica.

Ele liga-se a uma realidade simples: o poder de avaliar é difícil de ser assumido na sociedade atual,
porque ele obriga o avaliador a dizer, a alguns avaliados, coisas difíceis de ouvir.

Enquanto que a relação pedagógica construída na escola com crianças e adolescentes autoriza os
professores a fazerem julgamentos muito duros, às vezes sem sutileza alguma, a avaliação se torna
vergonhosa em certas partes do universo adulto, notadamente na função pública. Isso começa desde
a formação inicial, que já se encontra muitas vezes imbricada no mundo do trabalho, seja porque se
trata de uma formação já no emprego, seja porque os estágios provocam uma imersão parcial nos
estabelecimentos.

Na entrada ou no começo de um curso de formação inicial, uma eventual eliminação é baseada em


critérios acadêmicos clássicos ou em atitudes. Como, contudo, se podem avaliar competências
quando o estudante está apenas começando a adquiri-las ou elaborá-las? Parece urgente esperar.

Todavia, dois anos mais tarde, quando o estudante já avançou em seu currículo, a avaliação tam-
pouco parece mais fácil, porque agora ela está ligada ao destino de alguém que investiu uma parte
de sua vida numa formação profissional, forjou para si uma identidade de futuro professor, integrou-
se a escolas, ocupou um lugar em detrimento de outros candidatos, mobilizou recursos que teriam
sido desperdiçados se a formação não chegasse a seu termo. Para interromper essa trajetória, é pre-
ciso, além de boas razões, uma verdadeira coragem.

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Os formadores a encontram quando há uma contra-indicação maior: o sistema de certificação, em fim


de percurso, barra o caminho aos estudantes manifestamente incapazes de ensinar. É preciso ainda
que eles não sejam muito numerosos, pois uma proporção muito alta colocaria em cheque o próprio
sistema de formação.

Aos estudantes que não forem radicalmente incompetentes, dá-se facilmente o benefício da dúvida,
permite-se que fiquem estudando mais um ou dois semestres, fingindo acreditar que isso vai melho-
rar seu nível, ao cabo do que recebem seu certificado, confiando na experiência e na formação contí-
nua para preencher suas lacunas…

O papel dos " mestres de estágio " (chamados às vezes de formadores de campo) e dos outros for-
madores implicados na certificação final é muito incômodo, ficando eles presos a um verdadeiro di-
lema.

A fim de impedir, ou mesmo de retardar o acesso de alguém à profissão com que sonha, talvez desde
a infância, é preciso que se tenha também um outro cuidado tão grande quanto os outros: não deixar
entrar na profissão alguém manifestamente incompetente, que faria estragos. Mas se é relativamente
fácil ser categórico nos aspectos pessoais ou relacionais que representam riscos, pode-se mais facil-
mente minimizar as incompetências pedagógicas e didáticas " compensadas " por um amor indefectí-
vel às crianças e um desejo tocante de ensinar.

Se participamos da memória coletiva de um sistema educativo, sabemos que, ao sabor das necessi-
dades e flutuações demográficas, já fomos capazes de transigir, confiando classes a pessoas forma-
das fraca ou rapidamente. Porque, então, fazer alguém infeliz, aplicando impiedosamente uma norma
que, em outras épocas, já pareceu tão elástica?

Apesar dos escrúpulos honoráveis de uns e outros, o resultado é que, deixamos passar pessoas pre-
viamente, com o pretexto, justamente, de que estão em formação, esperando que aparecerá alguém
para detê-las no dia em que sua incompetência estiver inteiramente estabelecida; e, posteriormente,
o resultado é que dizemos que não teríamos deixado avançar tanto em seu percurso estudantes que
tivessem nível tão insuficiente. De qualquer forma, em vista de seu investimento, pensa-se que não é
mais hora de eliminá-los.

Os formadores, muitas vezes, são pegos na armadilha das idéias que professam: em nome de uma
pedagogia do êxito, deixam chegar à certificação pessoas que não a praticarão jamais! A solução ele-
gante consistiria em praticar uma avaliação formativa e em construir realmente as competências que
faltam. Infelizmente, os currículos de formação raramente permitem soluções tão flexíveis e diferenci-
adas.

Seria tentador investirmo-nos de uma virtuosa indignação e afirmar que uma formação " digna desse
nome " certifica apenas os absolutamente competentes. Porém, é justamente alimentando ficções
como essas que se naufraga. Lembremo-nos que não é mais fácil exercer o poder de avaliação du-
rante a carreira profissional do que durante a formação inicial, e que os mesmos dilemas, às vezes
ainda mais graves, espreitam os que querem avaliar as competências dos profissionais em exercício!

Em início de carreira, os procedimentos de avaliação mais sérios são, em definitivo, infelizmente, os


mais duros para os interessados: engajamento num estatuto precário e estabilização se e somente se
as competências forem devidamente atestadas após um ou vários anos de prática.

A Vida Continua

Se supusermos que, no final da formação inicial, a avaliação certificativa seja rigorosa e coloque no
mercado de trabalho apenas os competentes, ainda assim o problema estaria resolvido somente pela
metade, pois durante o ciclo de vida profissional as competências não permanecem estáveis. Tanto
podem se desenvolver, quanto regredir; podem se ampliar ou se encolher (huberman, 1989 b). Dois
processos contraditórios estão em ação:

A experiência dá uma certa segurança, aumenta a rapidez e a firmeza dos gestos profissionais, am-
plia a gama de situações já conhecidas e permite capitalizar conhecimentos vindos da prática; desse
ponto de vista, a experiência reforça e fermenta as competências;

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A experiência permite que se formem rotinas, dispensa progressivamente a reflexão e o questiona-


mento, a partir do momento em que, globalmente as coisas parecem " funcionar "; ela é, então, acom-
panhada pela diminuição das competências, mascarada pela desenvoltura que o hábito nos dá.

Se a escola, seus programas, seu funcionamento e seu público não mudassem, veríamos essas duas
tendências se confrontarem e fazerem a balança pender para um dos dois lados, em função da ener-
gia, da relação com a profissão e da propensão a se fazer uma pergunta essencial: " vou morrer em
pé, diante do quadro-negro, com um pedaço de giz na mão? " (huberman, 1989 a). A evolução da es-
cola embaralha as cartas e obriga cada um a recomeçar muitas vezes, porque os alunos, as famílias,
a cultura e a sociedade estão sempre mudando.

Imaginemos um professor cuja formação inicial tenha terminado em 1976. Ele atravessou vinte anos
da vida deste século e já passou dos quarenta anos. E ainda tem diante de si muitos anos de traba-
lho. Como dar crédito a sua certificação tão longínqua? Tantas coisas aconteceram desde então,
tanto no sistema quanto em sua vida pessoal e profissional, que não podemos aprisioná-lo para sem-
pre em uma imagem de suas competências estabelecidas vinte anos atrás.

A evolução pode caminhar em dois sentidos: professores julgados muito competentes no início da
carreira podem sucumbir numa prática minimalista, frontal, pouco inventiva e ineficaz, enquanto que
iniciantes que sobreviviam na profissão com esforço, de tanto insistirem em superar suas dificuldades
acabam se tornando especialistas.

Há muitos exemplos de professores que, por diversos acidentes da história, foram contratados até
mesmo sem uma verdadeira formação inicial e acabaram figurando entre os mais competentes de
sua geração.

A certificação do início da carreira, portanto, não é inteiramente confiável, mas isso não tem conse-
quências necessariamente graves, visto que o que foi adquirido inicialmente será apenas um dos de-
terminantes das competências, principalmente dez ou vinte anos mais tarde. Existe uma tendência a
superestimar a importância da formação inicial.

Em um sistema educativo e em uma sociedade em transformação, ela é somente o ponto de partida


de uma longa história, ao sabor da qual muitos outros fatores vão influenciar as representações da
profissão, a identidade do professor, seus conhecimentos profissionais e suas competências.

Os Limites da Auto-Avaliação e Da Co-Avaliação

Entre as competências esperadas de um verdadeiro profissional, há certamente a capacidade de se


auto-avaliar e de se reciclar nos setores onde sente que suas competências são menos sólidas, e a
de avaliar seus colegas e lhes transmitir uma mensagem construtiva, incitando-os a se aperfeiçoar
ou, simplesmente, a refletir sobre sua prática. Sem colocar em dúvida a utilidade desses modos de
controle, pode-se contudo duvidar de sua generalização.

Uma Improvável Auto-Regulação

No melhor dos mundos, a competência profissional seria a garantia de si mesma, e não haveria ne-
cessidade alguma de se introduzir uma avaliação das competências. Infelizmente, não vivemos no
melhor dos mundos. Provavelmente, para uma parte dos profissionais, um sistema externo de avalia-
ção de competências poderia parecer supérfluo, na medida em que esses profissionais detêm em si
mesmos uma grande capacidade de auto-avaliação, de auto-regulação e autoformação. Não se trata,
contudo, de regra geral.

Não vamos afirmar rapidamente demais que um professor " digno desse nome " se avalie, se forme e,
portanto, não tenha necessidade alguma de que se implante um sistema de avaliação externo. Um
pouco de realismo psicossociológico não faria mal: desde a infância, todos nós aprendemos que de-
vemos parecer mais competentes do que somos, para sermos amados, felicitados e recompensados,
ou simplesmente para termos paz e uma certa liberdade.

A escola reforça esse currículo oculto, e o mundo profissional também não nos ensina outra coisa.
Todos ficariam muito felizes em se considerar competentes.

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O dilema não é esse, portanto. Como diz philippe meirieu, todos gostariam de saber, mas nem todos
estão prontos para aprender. Construir conhecimentos leva tempo e custa energia, obriga a uma con-
frontação consigo mesmo e exige uma perseverança e uma disciplina das quais nem sempre somos
capazes; desenvolver nossas competências permite um eventual benefício a longo prazo, mas nos
priva seguramente, de imediato, de nosso tempo livre e de atividades agradáveis. Pesquisar para en-
riquecer nosso vocabulário de alemão ou assistir à televisão? Fazer os exercícios de matemática ou
sair com os amigos? Quem, criança ou adolescente, nunca hesitou, e escolheu, às vezes, a facili-
dade? Será que os adultos são tão diferentes?

Vários mecanismos endógenos podem equilibrar nosso gosto pela preguiça, por exemplo:

Um superego muito forte;

Um imenso orgulho, que nos leva a querer nos superar, a estar à altura, a figurar entre os melhores;

Um prazer em aprender e a dominar a complexidade.

Felizmente, esses propulsores não são raros e levam uma parte dos professores a conservar e a de-
senvolver suas competências. Mesmo então, os efeitos podem ser muito seletivos e não garantir o
nível de competência esperado pela instituição.

A consciência moral, o orgulho ou o entusiasmo em aprender nem sempre caminham junto com a lu-
cidez. Um professor pode passar dias inteiros a se aperfeiçoar em geografia ou em gramática, porque
isso o interessa ou porque ele considera que deva ser irrepreensível, sem ver que suas falhas são de
ordem didática ou relacional. A vontade de aprender não basta, se não for guiada por uma percepção
precisa do que se sabe fazer e do que se deveria saber fazer.

Por outro lado, para uma parte dos professionais, esses propulsores nunca funcionam, ou logo en-
tram em pane: chega um momento da vida em que o sentido do dever se enfraquece, em que o pra-
zer da descoberta diminui e a energia vital também. Seria precipitado atirar a primeira pedra: certa-
mente há muitos cínicos, falsos e escroques, como em todas as profissões; mas há também profissio-
nais cuja vida particular é difícil, que têm problemas de saúde ou de dinheiro, cuja família não vai
bem, ou que, por outras razões, perderam o gosto de viver ou de aprender, fecharam-se em si mes-
mos, ou não têm mais uma identidade profissional bastante forte para que invistam no seu trabalho.

Conhecemos nossa infinita capacidade de iludirmos a nós mesmos, de nos dar razão, de não vermos
as falhas que um observador um pouco mais experimentado percebe no primeiro olhar. Não há, por-
tanto, auto-regulação automática. Somos bastante hábeis para " arranjar " a realidade de forma a que
ela seja aceitável. Em todas as profissões, então, há profissionais competentes e conscientes de sê-
lo, outros que se subestimam ou se super-avaliam, e outros, ainda, que conhecem seus limites mas,
nem por isso, têm a força, o orgulho e a coragem para se mobilizar.

Uma Avaliação Mútua Prudente

Podemos contar com os outros para reforçar nossas capacidades de auto-avaliação? Somente até
certo ponto e sob certas condições.

Entre os seres humanos, existe uma imensa cumplicidade para se reforçar mutuamente, no sentido
de que cada um esteja " à altura ". Para se isolar de um grupo unido, basta insinuar que um de seus
membros não é tão irrepreensível; logo dirão que o autor da crítica se arvora em juiz, " quem ele
pensa que é? ", quer dar lições.

Não é mais fácil tampouco colocar as próprias dúvidas ou limites, tanto assim que dizer, então, em
voz alta, numa sala de professores, que não se sabe realizar uma avaliação formativa ou diferenciar
seu ensino pode suscitar quer uma rejeição agressiva, quer uma repreensão contrariada: " fale por
você, nós não temos nada com isso. Se você quer se declarar incompetente, é problema seu ".

Dentro de uma equipe pedagógica, o contrato de cooperação pode autorizar uma avaliação mútua,
mas uma “ pisa sobre ovos " e pensa duas vezes antes de fazer um julgamento. Sabe-se, por experi-
ência, que, mesmo quando um colega nos pede para dizer " sinceramente " o que pensamos de seu
modo de agir, ele está esperando uma apreciação positiva e sabe que uma avaliação crítica será
apenas moderada. As feridas narcísicas podem destruir a relação e uma equipe pedagógica só será

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duradoura se seus membros tiverem aprendido, entre outras coisas, a ser prudentes em seus julga-
mentos mútuos.

Pode-se esperar que três processos modifiquem progressivamente a situação:

O aparecimento de uma cultura profissional de avaliação, que permita ouvir comentários críticos sem
" se decompor ", dissociando progressivamente a pessoa de seus atos. O piloto, os atletas, os músi-
cos já integraram a crítica de seus pares a suas rotinas de trabalho, mesmo que nem sempre isso se
passe de forma serena. Por que os professores não conseguiriam?

A definição de contratos de cooperação profissional fixando as regras do jogo, garantindo uma forma
de reciprocidade na crítica, assim como o direito de se explicar e de pedir ao outro que nuance ou re-
vise seu julgamento. O que atemoriza, muitas vezes, não é a crítica, mas o fato de ela provocar rejei-
ção, exclusão, mal-estar ou conflito, perturbar a relação sem alterar as representações e as práticas,
justamente por não ser regulada por um contrato explícito;

A passagem a uma formação mais substancial para a auto-avaliação, para a intervisão e, mais glo-
balmente, para uma prática reflexiva, individual e coletiva.

A evolução está começada, e até avançada em alguns pontos. Mas, mesmo que se possa esperar
progressos nessas três direções, eles não dispensarão uma avaliação institucional de competências.

A quem cabe avaliar as competências?

Uma avaliação institucional de competências não equivale, ipso facto, a ume " inspeção pela hierar-
quia ". Trata-se mais de afirmar que a auto-avaliação e a co-avaliação espontâneas, por mais bem-
vindas que sejam, não bastam para regular a atualização das competências, e que é preciso, por-
tanto, que "a instituição interfira".

A instituição é, tradicionalmente, assimilada ao " poder organizador " da escola. Todavia, quanto mais
se avança em direção à profissionalização do ensino, mais a responsabilidade pela avaliação das
competências pode vir a ser o efeito de uma sinergia entre a administração escolar e representantes
da profissão.

O que importa, em todo caso, é dissociar o princípio de uma avaliação institucional de competências
de suas modalidades. A atribuição de tarefas e poderes de avaliação a atores determinados é uma
escolha crucial, que deve ser pesada cuidadosamente.

Antes de mais nada, coloquemos um postulado: a avaliação institucional só deveria intervir para su-
prir as limitações da auto-avaliação e da avaliação mútua. Se processos espontâneos de regulação
estiverem em ação, a instituição e a corporação deverão se limitar a apoiá-los. O papel de uma avali-
ação externa só se torna insubstituível quando esses processos estão ausentes ou são hesitantes de-
mais.

Quem, então, deve intervir? Três modelos conhecidos concorrem entre si:

A avaliação por um corpo de inspetores que ocupam uma posição superior na hierarquia;

-a avaliação por conselhos pedagógicos sem autoridade hierárquica;

A avaliação por colegas experimentados designados para esse fim.

Cada um desses modelos tem pontos fortes e pontos fracos.

A avaliação por um corpo de inspeção

Esse modelo, o mais clássico, tem os defeitos de suas qualidades. Pelo menos, ele está estabelecido
por escrito, sem ambiguidades; os inspetores e inspetoras têm um status de autoridade, que lhes dá
o direito de entrar nas classes, de observar, de avaliar, de dizer o que pensam e de dar diretrizes inci-
tando firmemente o professor a refinar ou a modernizar suas práticas, se necessário frequentando
cursos.

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A clareza desse papel tem uma consequência paradoxal: ao ser observados e avaliados, os professo-
res não se sentem nem um pouco obrigados à transparência, procurando então, muito normalmente,
causar boa impressão. Nos sistemas que atribuem conceitos ou notas ao professor, o desafio que a
inspeção representa para ele é o de conseguir ser " bom o bastante " a fim de não obter um conceito
ou uma nota negativa.

Nos outros sistemas, o desafio é o de não chamar atenção. Tem-se aqui o jogo clássico do gato e do
rato, que de forma alguma é um jogo de cooperação. Se o inspetor dispuser de muito tempo e de
muita perseverança, ele poderá ir além das aparências, pois é difícil enganar por mais de algumas
horas.

Em vários sistemas escolares, suas outras tarefas e a quantidade de professores pelos quais são res-
ponsáveis obrigam os inspetores a fazerem apenas visitas-relâmpago, muito espaçadas, durante as
quais conseguem detectar (ou confirmar) apenas as disfunções maiores. Mesmo quando chegam a
perceber coisas mais sutis, falta-lhes tempo para verificá-las e para compartilhar sua análise com os
interessados.

Vários fatores mais recentes tornam essa forma de avaliação ainda menos eficaz:

Muitos professores não têm grande estima por seus colegas que se tornaram inspetores, vendo-os
mais como pessoas preocupadas em fazer carreira e abandonar as salas de aula do que como profis-
sionais acima da média, habilitados para julgá-los por sua experiência e perícia: " quando ele ensi-
nava não era assim tão brilhante. Que não venha agora querer me avaliar "!, é o que se ouve por ve-
zes;

Torna-se difícil encarnar a autoridade e julgar com segurança um antigo colega, sobretudo quando
não nos sentimos tão legitimados, quando não se tem a impressão de ser tão mais bem-formado,
quando não se é muito mais velho e quando não se aprecia o conflito;

As normas estão um pouco embaralhadas, e os temas da moda - cooperação, avaliação formativa,


diferenciação, instauração da lei - criam expectativas exorbitantes; temos o direito de esperar o quê,
hoje, de um professor médio, em matéria de pedagogia diferenciada? Ninguém o sabe, realmente.

Essas constatações poderiam ter mil nuances. Há, certamente, inspetores respeitáveis, seguros de si
e de sua concepção da profissão e bastante corajosos para ousar avaliar as competências dos pro-
fessores, dizer quando há algum problema e assumir o papel ingrato e delicado de quem critica forte-
mente e envia o professor para um curso de formação. Se isso funcionasse em larga escala, o pro-
blema da obrigatoriedade de competências e de seu controle estaria resolvido.

Pode-se fazer a mesma análise em relação aos diretores, quando seu mandato lhes confere funções
de inspeção ou de avaliação dos profissionais dos quais estão encarregados. Diretor de um liceu
francês, encarregado de avaliar seus professores, michel mazeran dá seu testemunho:

Há momentos na vida de um diretor em que mesmo o indivíduo mais imbuído da importância de sua
missão pode ser vencido pela dúvida: é o período da avaliação do seu pessoal. Cada um de nós se
desdobra, então, em descobrir em si tesouros de habilidade, afim de confeccionar as fórmulas mais
vazias de sentido, ainda que seja verdade que um sentido codificado - acessível apenas aos iniciados
nessa linguagem esotérica, junto à qual a dureza é de uma limpidez inconfundível - se esconde, às
vezes, nas dobras de frases aparentemente formais.

Assim, é comum entender que " satisfatório " significa que aquele de quem se está falando é de nível
apenas médio, mas melhor, assim mesmo, do que aquele " medianamente satisfatório ", porque sob
esse rótulo, anódino em aparência, esconde-se a denúncia da incúria a mais total. De minha parte,
avisei aos professores de meu estabelecimento que não costumo escrever o que não penso, o que
não significa, eles entenderam muito bem, que aquilo que penso será sempre escrito. A cada ano
brincamos daquilo que celimena expôs tão bem no misantropo, ou seja, como " a mal-arrumada e de
pouca atração investida ", torna-se, aos olhos apaixonados, uma " beleza negligenciada ". O incapaz,
aquele a quem não se confiaria o filho por nada no mundo, torna-se, pela graça da musa da prosa ad-
ministrativa, um " professor consciencioso ".

O terrorista, cuja pedagogia está mais ligada à manutenção da ordem que à abertura para a cultura,
vira " preocupado com o desenvolvimento de seus alunos ", enquanto que os numerosos professores

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aos quais se gostaria de agradecer, com elogios sinceros, pelo trabalho notável que cumprem, rece-
berão apenas duas linhas que mais parecem com um necrológio no jornal local que expressão de
gratidão. (mazeran, 1995, p.2).

Mazeran afirma: " a cerimônia em desuso da inspeção deve ceder lugar a um diálogo frutífero, conse-
cutivo a uma visita, que clareie o que falta entre as competências já adquiridas e as outras " (ibid,
p.3). Mas, se a cerimônia existe, não seria para conjurar a dificuldade de uma avaliação formativa ins-
crita numa relação de autoridade?

A Avaliação Por Um Corpo de Conselheiros Pedagógicos

Como intervir junto a um professor que não solicitou nada? Esse é o dilema do conselheiro pedagó-
gico sem autoridade hierárquica, exatamente como acontece no québec ou no cantão de vaud.
Mesmo que a instituição lhe dê o direito e o mandato de visitar as classes, ele hesitará em se utilizar
dessa prerrogativa, se não se sentir bem-vindo. Pode-se compreender então porque um conselheiro
pedagógico é levado, durante anos, a trabalhar prioritariamente com os que o solicitam e o envolvem
em seus projetos de inovação, e cada vez menos com os que têm apenas um desejo: serem esqueci-
dos.

Aqui, mais uma vez, um conselheiro pedagógico particularmente consciencioso e temerário pode se
aventurar a entrar nas classes insistindo um pouco. Se ele for muito competente e se o professor não
estiver totalmente na defensiva, isso pode ampliar o círculo de professores que entrem num diálogo
com ele.

Pode-se duvidar que essa função permita atingir individualmente e colocar em movimento os profes-
sores que tenham mais necessidade. É por isso que ela se orienta muito frequentemente para tarefas
- também muito úteis - de desenvolvimento e de animação pedagógicos, em nível do estabelecimento
ou do sistema educativo, abandonando o terreno das visitas a classes e do diálogo singular com um
professor a respeito de suas práticas.

Tudo se passa como se os sistemas educativos, quando definem as tarefas que os professores de-
vem cumprir, dessem provas de um voluntarismo irrealista e subestimassem a extrema dificuldade de
se fazer uso de todas as prerrogativas de um papel profissional, qualquer que ele seja. As transações
entre atores, das quais depende sua coexistência pacífica, exigem, de fato, informalmente, que ne-
nhum deles queira levar sistematicamente suas vantagens tão longe quanto autorizam os textos.

A Avaliação por Colegas Experientes e Autorizados

Nesse tipo de avaliação, geralmente, é a um colega de outra escola que se vai abrir a própria classe.
Este não vem por sua própria decisão, mas em função de um mandato para o qual ele se inscreveu
voluntariamente. Esse mandato é atribuído pela instituição, mas só se tem a ganhar quando ele é de-
cidido em acordo com as associações profissionais.

Há então exterioridade do avaliador, ao mesmo tempo que igualdade de estatuto hierárquico. Isso
torna a relação mais confiante? Tudo depende dos obstáculos. Se a avaliação for puramente forma-
tiva, pode-se imaginar que uma parte dos professores aceitem a visita de um colega e seus comentá-
rios " críticos mas construtivos ", com a condição de que isso fique entre eles. Se a avaliação desem-
bocar em conclusões destinadas a serem comunicadas a outros níveis da organização escolar e prin-
cipalmente em injunções, é pouco provável que o estatatuto de colega baste para tornar aceitável o
que já não seria bem-vindo de um inspetor ou de um conselheiro pedagógico.

As dificuldades são, pois, em parte, as mesmas. Essa, entretanto, é uma das vias menos exploradas
e que merece então ser vislumbrada mesmo que não se deva esperar dela efeitos miraculosos. Se
um avaliador suscitar hostilidade, isso pode estar ligado a seu estatuto. Desse ponto de vista, um co-
lega é menos ameaçador que um superior hierárquico ou um especialista que não esteja em sala de
aula.

Isso não deve mascarar o essencial: ninguém gosta de ser observado e avaliado se sentir que isso
pode se tornar uma desvantagem, seja em setores muito concretos (conceitos, notas, estabilidade,
promoções, renda), seja num registro mais simbólico. Um ator tem dificuldade a não tratar como ad-
versário, até como inimigo, aquele que tem o poder de avaliá-lo e, se ele não corresponder às exigên-
cias, complicar sua vida e lhe inflingir uma violação ao seu narcisismo.

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O crédito que um colega considerado benevolente teria a priori pode dar lugar a uma conduta defen-
siva, a partir do momento em que ele passar a desempenhar um papel de avaliador. Pode-se até, no
momento em que as coisas acabarem mal, lamentar que se tenha de trabalhar com alguém que " não
conhece grande coisa da área ". Um professor severamente julgado por sua hierarquia, a fim de man-
ter intacta sua auto-estima, muitas vezes passa a negar qualquer competência àquele que o julgou. E
é difícil se defender contra o julgamento de um colega que goza da estima da corporação.

Chegamos a um impasse?

Estamos diante de uma missão impossível? É possível - a lucidez ordena que se encare essa possi-
bilidade - que não haja nenhuma resposta realmente satisfatória ao problema do controle das compe-
tências, no atual estado das mentalidades e das relações de força, ao menos no âmbito da função
pública. Encontramo-nos, de fato, numa situação de transição, onde o corpo docente reivindica uma
autonomia que na verdade não assume, na qual a autoridade não é mais legítima o suficiente para
encarnar a norma e mergulhar frequentemente numa prova de força, onde a profissionalização está
avançada o bastante para " deslegitimar " qualquer forma de controle externo, mas não o bastante
para que os profissionais façam eles mesmos o seu controle.

Esse pessimismo quanto à procura de uma solução convincente não impede que se trabalhe para um
progresso. Cada uma das fórmulas que passamos em revista, a despeito de seus limites, cumpre
uma parte da tarefa. Poderíamos pretender melhorá-las e completá-las. Antes de procurar um sis-
tema único, melhor seria fazer coexistir várias modalidades e várias redes de avaliação externa.

Poderíamos também tentar colocar o problema em outros termos. Até aqui, o controle das competên-
cias foi colocado implicitamente no âmbito de um encontro - às vezes um duelo - entre o avaliador e o
avaliado, como um desafio institucional, uma forma de certificação das competências em relação a
terceiros. E se, em lugar disso, concebêssemos um diálogo formativo? Ele poderia se estabelecer ao
mesmo tempo:

Entre pessoas, a partir de um contrato inspirado pela supervisão;

Entre especialistas e escolas, a partir de uma fórmula próxima da auditoria.

Isso suporia uma evolução dos modos de gestão do sistema educativo, já iniciada, mais ainda muito
frágil, e o aparecimento de funções e contratos novos. Será essa uma via promissora do ponto de
vista da obrigatoriedade de competências e de seu controle? Ou não passa de um modo novo de
" complicar deliberadamente o assunto "? Para sabê-lo, é preciso que se avance um pouco mais na
descrição dos dispositivos alternativos. Isso será tema de um próximo artigo.

iv. Prestar contas, sim, mas como e a quem?

Defendi, a partir da experiência realizada no ensino primário de genebra, uma formação contínua ex-
plicitamente orientada para o desenvolvimento de competências profissionais identificadas (capítulo
i). Teria sido possível ficar nisso, isto é, no melhor dos mundos: desde que as competências estives-
sem definidas; sugestões de cursos de formação seriam feitas a partir delas, e cada um " faria o que
tem que fazer ", sem que a instituição tivesse que se preocupar com o controle e com a avaliação das
competências.

Essa perspectiva positiva encontra, contudo, dois obstáculos:

A própria idéia de que é preciso avaliar competências ainda não foi assimilada. Hutmacher (1996)
mostra que apenas um quarto dos professores está consciente de que tem de prestar contas à insti-
tuição e à sociedade. Os outros se sentem responsáveis perante os pais (25%), perante as crianças
ou alunos (30%), os colegas (3%!) Ou perante si próprios (17%). Quando decide encarar o problema,
a escola oscila entre uma impossível obrigatoriedade de resultados e uma estéril obrigatoriedade de
procedimentos. Propus sair desse dilema caminhando para uma verdadeira obrigatoriedade de com-
petências (capítulo ii). Para isso, deve-se romper:

Com a ilusão de que se podem esperar resultados padronizados de um professor, independente-


mente de sua classe e de seu ambiente;

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Com a tentação de considerá-lo competente se ele dá conta de uma obrigatoriedade de procedimen-


tos: programas, horários, meios de ensino, modalidades formais de avaliação.

Honrar uma obrigatoriedade de competências é " fazer tudo o que é humana e profissionalmente pos-
sível ", sem estar condenado a ter êxito, mas também sem poder se proteger atrás da desculpa buro-
crática: " observei o regulamento fielmente, não podem me criticar em nada ". Uma falha de compe-
tência não é da mesma ordem que uma infração à regra. É uma resposta decepcionante a uma ex-
pectativa legítima em relação ao profissional, segundo a qual ele deve mostrar discernimento, julga-
mento, espírito de iniciativa e de decisão, eficácia na identificação e na resolução de problemas e res-
peito a um código de ética (o fim não justifica qualquer meio).

Mesmo quando se opta pela obrigatoriedade de competências, esse é um princípio mais fácil de ser
anunciado de forma abstrata que de ser aplicado. As dificuldades intrínsecas de uma avaliação de
competências (demers, 1995; mazeran, 1995; pion, 1995; tardif, 1996) se conjugam inextricavelmente
com o fato de que os professores não fazem questão de ser avaliados, e de que nenhum dos atores
do sistema é tão " suicida " a ponto de medir forças nesse assunto, nem localmente, nem na escala
da organização escolar.

A auto-avaliação e a co-avaliação, por mais desejáveis que sejam, não são praticadas espontanea-
mente por todos. Portanto, há necessidade de uma avaliação institucional; ora, essa avaliação institu-
cional está ainda à procura de atores (capítulo iii): os inspetores não têm nenhuma vontade de inspe-
cionar e sonham em se tornar administradores ou animadores; os conselheiros pedagógicos preferem
a animação global e o acompanhamento de equipes ao diálogo tenso com os professores. Já as prá-
ticas de avaliação por colegas são promissoras e merecem ser desenvolvidas, mas chocam-se tam-
bém com a resistência passiva ou ativa daqueles que têm tudo a perder com um controle regular de
competências.

A Mudança Como Desafio do Controle de Competências

Estamos diante de um impasse? Não excluo uma conclusão pessimista: nem toda prática é avaliável
corretamente hic et nunc; ela o é, sem dúvida, em termos absolutos: sempre é possível pensar em
estabelecer critérios, realizar observações, interpretá-las e concluir verificando a presença ou a au-
sência de certas competências profissionais. Todavia, nem tudo o que se pode pensar se pode prati-
car quando isso envolve pessoas, membros de uma corporação, no âmbito de um contrato e de rela-
ções de trabalho.

Uma Interação Cooperativa

A avaliação de competências supõe a cooperação ativa dos interessados e não pode ser feita em
cima de atitudes de defesa. Pode-se, eventualmente, medir o que foi adquirido pelos alunos mesmo
contra a vontade dos professores, através de exames, provas comuns ou ainda notas e trabalhos en-
tregues à autoridade escolar.

A conformidade dos professores aos procedimentos prescritos supõe uma observação em sua
classe, mas a rigor esta observação pode ser feita no âmbito de procedimentos administrativos, con-
sultando-se o diário de classe, os cadernos, os boletins, inventariando-se os meios de ensino disponí-
veis, verificando-se os horários e as faltas, avaliando-se o avanço do programa, informando-se sobre
a quantidade de deveres de casa, examinando-se algumas lições. Através disso, um inspetor experi-
ente pode apreciar a conformidade de um professor às regras em vigor.

Para avaliar as competências não basta observar por um momento apenas, é preciso instalar-se mais
longamente em uma classe e, principalmente, falar com o professor de forma não defensiva. Sua
competência não pode ser estabelecida unicamente em função do que ele faz ou da maneira como
ele faz.

É preciso compreender por que o professor faz o que faz, como ele raciocina, de que dados ele dis-
põe, o que ele tenta compreender ou realizar. Pelo fato de, durante uma manhã inteira, ele não per-
guntar nada a um aluno com dificuldades, não se pode concluir que ele não se interesse pelo aluno
em questão. Por que não pensar que talvez se trate de uma indiferença fingida, parte de uma estraté-
gia? Se o professor também não reprime os falatórios intempestivos dos alunos, isto acontece porque
ele está ficando relaxado ou porque quer construir uma relação pedagógica que não seja constante-
mente quebrada por pequenas intervenções repressivas? O fato de ele nem sempre controlar tudo

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pode ser falta de seriedade ou mostra de confiança? O sentido da ação pedagógica não se mostra de
forma simples e unívoca, pois cada acontecimento faz parte de uma história que o observador ignora,
e os gestos profissionais se inscrevem às vezes numa estratégia de longo prazo, ou frequentemente,
dentro de uma intenção e de uma tática de prazo mais curto, que não são em nenhum dos casos de-
codificadas a partir apenas de observações, mesmo agudas, de um visitante de um dia.

Por trás de toda prática, há concepções de aprendizagem, teorias didáticas, valores, uma interpreta-
ção de programas e de finalidades da escola, uma visão da relação pedagógica, uma idéia dos moti-
vos e dos modos de funcionamento dos alunos, em suma, raciocínios e escolhas que orientam e ex-
plicam a ação. Para ter acesso a essas chaves, é preciso entabular uma conversa que inspire confi-
ança, a fim de que o professor se exponha. Se ele temer que suas falas sejam recebidas segundo o
princípio " tudo o que disser poderá ser utilizado contra você ", não se pode esperar que ele ajude
quem quer que seja a compreender algo de sua prática e a julgar suas competências.

Alguns casos são tão límpidos que poderíamos concluir que o professor é incompetente após apenas
uma hora de aula, ou recolhendo alguns depoimentos. Provavelmente, isso acontece quando há total
amadorismo ou uma falta profissional maior, quase sempre num contexto mais carregado: absente-
ísmo crônico, alcoolismo, toxicomania, pedofilia, violência. Nesses casos, é muito bom que se possa
intervir mesmo sem a cooperação do professor incriminado. Mas esses casos são marginais e estão
mais ligados à medicina do trabalho ou aos costumes que à própria pedagogia. O controle das com-
petências seria bem pobre se operasse apenas em casos tão desviantes, percebidos a olho nu.

Exigências Discutíveis e Discutidas

O desafio da avaliação de competências não é somente o de detectar os professores que transgri-


dem regras elementares e, portanto, merecem sanções. Não se trata de uma questão de competên-
cia, mas de respeito aos encargos docentes, às obrigações impostas pela legislação e pelo pertenci-
mento a uma organização. O desafio maior é estabelecer um diálogo com professores honestos, sé-
rios e até conscienciosos, mas que praticam uma pedagogia rígida, muito pouco diferenciada, inutil-
mente autoritária, mal dominada, logo, pouco eficaz, pouco propícia ao desenvolvimento e à aprendi-
zagem. Esses professores não são " foras-da-lei ", simplesmente estão aquém do nível de competên-
cia esperado.

Quem decide os critérios em função dos quais se julga que um professor deixou de estar " à altura "?
Alguns professores subestimam as exigências do sistema ou as desconhecem, às vezes porque são
muito vagas, porque estão mudando ou porque são fortemente controvertidas. Outros as compreen-
dem bastante bem, mas não aderem a elas porque rejeitam as políticas educacionais, os programas
e as orientações didáticas que as fundamentam.

A complexidade do ofício e as ambiguidades das organizações escolares permitem apresentar qual-


quer problema de competência como rejeição respeitável às exigências julgadas excessivas ou ilegíti-
mas. Mesmo quando uma falta de competência provém de fontes completamente diferentes, é mais
fácil justificá-la apresentando-a como uma resistência à moda, às políticas em vigor e às reformas
" aberrantes ".

Isso complica singularmente a questão. Em algumas profissões, a incompetência não é tão facil-
mente disfarçada sob a aparência do bom senso pedagógico, da fidelidade às " tradições já consa-
gradas ", do desdém à moda ou da rejeição às " pseudo-invenções pretenciosas dos especialistas ou
dos pesquisadores ".

É possível também se defender negando a existência ou a amplitude dos problemas que exigem
competências novas; pode-se, por exemplo, minimizar a importância do fracasso escolar, dos movi-
mentos migratórios, da violência, ou isentar a escola de responsabilidade. É assim que se pode recu-
sar qualquer legitimidade às competências requeridas em matéria de diferenciação ou de instauração
de um contrato social de não-violência na escola, definindo-se o papel do professor como aquele que
ensina alunos motivados, corretamente socializados e aptos a seguir o programa, jogando-se toda a
responsabilidade sobre a família e sobre os colegas se essas condições não estiverem reunidas.

A fala de competência é sempre difícil e dolorosa de se reconhecer e qualquer pessoa que tenha difi-
culdades, em qualquer profissão, procurará, num primeiro momento, encontrar desculpas e legitimar

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sua incompetência invocando o direito à diferença ou à livre experimentação. Algumas profissões, to-
davia, parecem mais propícias que outras para isso. Não se imagina um médico justificar um erro pro-
fissional em nome de uma concepção pessoal da saúde.

Certamente, existe uma margem de apreciação pessoal em relação a tratamentos ou operações de


alto risco, por exemplo, mas que não é comparável à latitude que se considera na pedagogia. Isso
está ligado, sem dúvida, ao mesmo tempo ao desenvolvimento limitado das ciências da educação e à
relação mantida por muitos professores com os conhecimentos provindos da pesquisa ou da experi-
ência de outros. Isso não acontece tão facilmente em setores cuja profissionalização já esteja mais
avançada, nos quais os profissionais não se sentiriam livres para dizer a respeito de qualquer ques-
tão "esta é a minha opinião e eu a divido com vocês". Mas esta é a situação na qual nos encontramos
hoje.

Uma Avaliação Negociada

Que concluir disso? Que a avaliação das competências profissionais dos professores não pode seguir
facilmente os modelos propostos para profissões nas quais predomina a racionalidade técnica ou ci-
entífica, como por exemplo, os pilotos de avião. A qualquer momento de sua carreira eles são avalia-
dos por um especialista que é também um colega.

Eles não se sentem muito confortáveis com esta avaliação, principalmente porque os desafios são
maiores, com o risco de perder ou não obter a autorização para voar em determinados aparelhos ou
em determinadas linhas. No entanto, isso funciona e parece " normal ", porque está integrado ao con-
trato de trabalho e porque os critérios parecem legítimos para a maioria, mesmo quando são desfavo-
ráveis. De fato, nada é mais fácil que aderir a normas de qualidade diante das quais se é bem-suce-
dido. A legitimidade dos critérios é medida quando há conflito entre a vontade de sermos julgados fa-
voravelmente e uma exigência que nos coloca em dificuldade.

Não estou deduzindo, daí, que a avaliação das competências seja impossível, mas sim que ela deve
necessariamente:

Passar a ser um jogo cooperativo, sem o qual nada é possível;

Funcionar como um diálogo sobre a concepção da profissão e das finalidades da escola;

Favorecer mudanças de atitude e de identidade profissionais.

Este último ponto é essencial: se a avaliação não permitir a mudança, ela suscita conflito ou regres-
são.

Pode-se, a propósito das competências das pessoas, adotar-se a tese segundo a qual " a eficácia
dos estabelecimentos não pode ser medida: ela é construída, negociada, praticada e vivida " (gather
thurler, 1994).

Concretamente, que dispositivos implantar? Eu proponho que se invista:

De um lado, em dispositivos gerais de profissionalização interativa;

De outro, em dispositivos mais específicos de avaliação formativa ou de controle de competências.

Incentivar a Profissionalização Interativa

O ideal seria que cada um avaliasse suas competências como avalia seu estado de saúde, com inte-
resse, porque isso lhe parece fazer parte de uma regulação elementar do desvio entre seus projetos
e sua ação efetiva. Qualquer pessoa que aprenda uma outra língua por necessidade profissional ou
particular progride mais em alguns meses que durante anos de aulas de língua na escola. Isso é vá-
lido para qualquer aprendizado.

A diferença é que, se alguém não aprender uma língua e se vir sozinho a sofrer com ela ou a se frus-
trar por causa dela, isso é problema seu. Numa organização que gostaria que todos os seus funcio-
nários aprendessem línguas estrangeiras, o problema da direção seria: como fazer para motivá-los
para isso, em vez de lhes impor esse aprendizado.

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Através de incentivos financeiros, responde quase sempre o mundo das empresas. Transposta ao
mundo da educação, essa resposta conduz à fantasia que caracteriza algumas administrações esco-
lares de idéias curtas: o " salário por mérito ". O desejo de equidade levaria inevitavelmente a se defi-
nir e a se medir o mérito de forma tão burocrática que não se pode imaginar que essa forma de avali-
ação possa manter alguma relação com uma verdadeira avaliação de competências em termos de
eficácia pedagógica. Daí a recompensar a docilidade, a distância é muito curta. Mas não está aí o es-
sencial: é inútil acreditar que se possa, numa profissão humanista, basear a busca de eficácia no cha-
mariz dos ganhos.

A razão é tão simples quanto fundamental: quem quer que seja movido antes de tudo por esse motivo
deveria ter escolhido outra profissão. Se, assim mesmo, tornou-se professor, pode-se duvidar de sua
capacidade de se engajar numa relação pedagógica e didática fecunda, que supõe uma forma de ge-
nerosidade e de rejeição às barganhas.

Numa profissão humanista, o que leva as pessoas a se superar nem sempre é desprovido de inte-
resse. Pode-se ter uma profunda satisfação narcisista em educar e instruir, em se sentir útil e neces-
sário. O propulsor mais seguro do desenvolvimento das competências de um professor é o cresci-
mento do sentido, da identidade, do domínio e do prazer profissionais que ele espera dele. Tudo isso
pode se enraizar na satisfação do dever cumprido, na luta militante por uma boa causa ou em desa-
fios mais pessoais.

Se fosse assim com todos, cada um trabalharia espontaneamente para avaliar e desenvolver suas
competências, como um atleta ou um artista. Mas, já que este não é o caso, a questão é: como atingir
os que não estão espontaneamente prontos a refletir sobre suas práticas e a progredir, aqueles para
os quais esse não é o modo habitual de viver? Certamente, isto não ocorrerá se os submetermos a
procedimentos formais de avaliação e de classificação, mas sim se os envolvermos em diversas for-
mas de profissionalização interativa.

Monica gather thurler (1996 a) a define como um dos vértices de um triângulo:

(fora do triângulo: profissionalização interativa, competências, responsabilidade, aprendizagem cole-


tiva, engajamento, desenvolvimento individual; dentro do triângulo: desenvolver estratégias para fazer
face a problemas complexos, autonomia, capacidade deassumir riscos, liderança, ética, cultura co-
mum, reflexão contínua sobre as práticas, construção do sentido)

Como se pode ver, esse modelo ainda é bastante abstrato e não remete a um dispositivo único, mas
a um conjunto de formas de interação e de cooperação entre professores que sejam suscetíveis de
favorecer a prática refletida e a profissionalização, e de estimular sinergias entre desenvolvimento
pessoal e trabalho coletivo. Deve se pensar notadamente em sua implicação:

Num funcionamento de equipe pedagógica;

Numa rede de apoio mútuo e de intercâmbio;

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Num projeto de escola;

Numa pesquisa-ação;

Numa inovação em maior ou menor escala;

Num grupo de análise de práticas, ou num grupo balint;

Em diversas modalidades de formação contínua intensiva;

Numa atividade sindical sob suas diversas formas;

Em diversos empreendimentos coletivos a serviço da instituição: comissões de programas, criação de


meios de ensino e de avaliação, comissão de ética e grupos de trabalho de todo tipo.

Não é necessário nem possível que cada um esteja constantemente implicado em todas essas moda-
lidades de profissionalização interativa. Resta, entretanto, sair de um círculo vicioso conhecido: a
mesma minoria ativa vai se envolver na maior parte das atividades mencionadas, enquanto que uma
grande maioria não participará de nenhuma ou de quase nenhuma delas.

Poderíamos sem dúvida pensar em integrar aos encargos de cada um não somente a preocupação
em se formar (a qual não impõe que se siga a formação contínua), mas a responsabilidade de se
comprometer fortemente com pelo menos uma das modalidades, considerando que " isso faz parte
do trabalho ", que se tem direito de escolher a modalidade, mas não o direito de não se engajar em
nenhuma modalidade de profissionalização. Poderíamos nos inspirar nessas escolas que impõem a
prática orientada e séria de um esporte ou de um instrumento musical, mas deixam toda a liberdade
quanto à escolha do esporte ou do instrumento.

Aqui, ainda, entretanto, é melhor apostar no incentivo. Essa é uma das funções importantes dos su-
periores: ajudar os bulímicos do trabalho coletivo e da militância a se proteger do burn out e encorajar
os outros a se comprometer mais intensamente. Nesse aspecto, as diferenças entre escolas ou cir-
cunscrições podem ser enormes, conforme o grau de envolvimento do responsável, que pode ir
desde um sentimento de não-responsabilidade, até a situação de não perder a oportunidade de in-
centivar os professores a se comprometerem, a assumirem as responsabilidades e o risco de se con-
frontarem com desafios e com colegas.

O tema do empowerment é muito atual nos trabalhos sobre inovação e profissionalização (gather
thurler, 1996 a). Ora, para tomar o poder, é preciso, paradoxalmente, ao menos no início, ser convi-
dado a isso dentro de um sistema que, por muito tempo, difundia o lema " cada um em seu lugar "!
Uma autoridade que teme a mudança não tem interesse algum em levar os professores a assumirem
as responsabilidades e o poder. Apenas os que desejam o progresso da escola farão a análise in-
versa e assumirão o risco de uma autoridade negociada.

Onde fica a avaliação nisso tudo? Em todo lugar e em lugar algum. Ela se torna um componente da
cooperação, da definição de projetos, da reflexão e da análise. Um ator engajado num empreendi-
mento ambicioso não pára de avaliar e de introduzir regulações, inclusive trabalhando para o desen-
volvimento de suas próprias competências. E, tendo ou não consciência disso, ele dispensa o sis-
tema de regulações mais pesadas e autoritárias.

Três dispositivos mais específicos

O incentivo à profissionalização interativa não basta. É preciso, portanto, completá-lo através de dis-
positivos mais especificamente orientados para a avaliação ou para o controle das competências.
Distinguirei aqui três tipos diferentes e complementares:

Dispositivos de supervisão e de avaliação formativa.

Dispositivos de auditoria e de acompanhamento de escolas

Um dispositivo de controle hierárquico claramente assumido pelos superiores.

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Os primeiros são plurais, e podem levar em conta uma certa diversidade, nos limites dos meios e do
tempo disponíveis. O controle hierárquico exige uma maior unicidade. Não é o dispositivo mais sim-
pático, e, no melhor dos casos, a eficácia dos dois primeiros tornaria sua intervenção quase excepcio-
nal…

Esses diversos tipos de dispositivos são institucionais, no sentido de que eles são organizados, se
possível conjuntamente, através da corporação profissional e do poder organizador, e no sentido de
que os professores não são livres para se dispensar deles. Isso significa que a participação nesses
diversos dispositivos está inscrita nos encargos docentes. Isso é óbvio - ao menos teoricamente - no
que diz respeito ao controle, mas deveria ser válido para os dois anteriores, que são considerados
quase sempre como reservados aos voluntários. Significa que a instauração de tais dispositivos é, em
si, um combate que só tem chance de ser ganho se houver uma aliança duradoura entre o poder or-
ganizador e a vanguarda da profissão, com todas as negociações pretendidas para que, uma vez ins-
taurados, os dispositivos funcionem com o apoio dos principais envolvidos. Desenvolver a avaliação
dos professores sem suas organizações ou contra elas só fará chegar a falsos resultados ou a crises.

Supervisão e Avaliação Formativa

Diversas modalidades de supervisão individual ou coletiva participam da profissionalização interativa.


Vou isolá-las aqui a fim de ligá-las mais explicitamente a um procedimento de avaliação formativa.

Neste caso, poder-se-ia tratar de impor a participação regular a uma forma ou outra de diálogo forma-
tivo com um visitante sem poder hierárquico, mas com o devido mandato para entrevistar, observar,
dizer o que vê e ouve, fazer boas perguntas, sugerir pistas. Em suma, transpor para uma relação de
adulto para adulto um procedimento de observação formativa sobre as competências e as práticas,
num clima de cooperação (st-arnaud, 1992, 1995).

O visitante poderia ser um conselheiro pedagógico ou um colega professor que desempenhe esse
papel, sem deixar de ter sua própria classe. Já frisei os limites desse dispositivo se quisermos partir
para uma avaliação certificadora, com consequências para a classificação do professor, a progressão
na carreira ou a obtenção de diversas vantagens estatutárias ou salariais. Creio, em compensação,
que a instituição ganharia ao impor a existência e a qualidade desse diálogo, sem querer controlar
seu conteúdo ou seu desenvolvimento.

No campo do trabalho social ou da educação especializada, há muito tempo que a supervisão pode
ao mesmo tempo ser imposta por contrato em seu princípio e ser realizada de um modo estritamente
confidencial, sem interferência alguma das relações de trabalho diárias, principalmente das relações
hierárquicas. Isso não é nem um pouco contraditório, mesmo que esse modo de agir seja estranho à
cultura das organizações escolares.

Isso pressupõe, evidentemente, a constituição, a formação, a animação de um corpo de visitantes. As


duas grandes variantes estatutárias possuem incidências diferentes. Pode-se adiantar, por exemplo,
a hipótese de que os conselheiros pedagógicos serão mais bem formados em ciências da educação,
se sentirão menos identificados com os professores, mais exteriores e menos ligados por uma solida-
riedade de grupo.

Os visitantes originários do corpo docente, e que continuam a fazer parte dele, terão uma maior fami-
liaridade com as filigranas da profissão, compartilharão da mesma cultura profissional, criarão uma
relação menos assimétrica. Pode-se pensar num terceiro caminho: contratar supervisores estranhos à
organização escolar exclusivamente para essa tarefa. Essa fórmula, que funciona no registro de uma
supervisão centrada na identidade e na relação, torna-se mais difícil quando se trata de competên-
cias, pois então é preciso que o supervisor seja altamente qualificado no campo da prática obser-
vada. Mas por que não pensar em mobilizar professores que não exercem mais a profissão ou outros
profissionais da educação?

Tudo dependerá, no final das contas, tanto do estatuto, quanto da trajetória pessoal dos visitantes e
do espírito no qual eles realizam seu trabalho. Por que ter-se-ia que escolher? Pode-se imaginar que
uma parte dos professores ficará mais à vontade com seus iguais, outros com conselheiros pedagógi-
cos que exerçam claramente uma outra atividade. O essencial é que o dispositivo esteja acima de
qualquer suspeita e esteja obsessivamente confinado a funções formativas, portanto a uma avaliação
a serviço exclusivo do avaliado. Assim, a confidencialidade não alimentará a complacência ou a cum-

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plicidade, muito pelo contrário. Ela autoriza até uma certa tensão, porque o único risco que o profes-
sor estará correndo é o de ver se fazer de si mesmo uma imagem que não lhe agrade e de ouvir su-
gestões que ele poderá ignorar, mas sabendo que assim estará trabalhando contra si próprio.

Disso decorre, devemos dizer, que os inspetores e os diretores não podem em nenhum caso exercer
essa supervisão, nem a esse título, nem a qualquer outro. É até mesmo desaconselhável que alguém
venha a ser conselheiro pedagógico imediatamente após ter exercido uma função de autoridade, pois
dificilmente adquirirá a credibilidade requerida.

Os sistemas educativos que, de um dia para o outro, passam os inspetores para o papel de conse-
lheiros pedagógicos não prestam nenhum serviço a uma função que deve se definir, exclusivamente,
por uma relação de ajuda, baseada na cooperação. Isso não significa que essa relação seja constan-
temente harmoniosa, mas que ela nunca perde de vista seu objetivo primeiro: ser útil ao " cliente ".

Auditoria e Acompanhamento de Escolas

A avaliação dos professores evoca, ainda hoje, a imagem de uma relação dual, de um encontro entre
um observador de passagem e um professor observado. Talvez seja tempo de romper com essa fi-
gura tradicional. No momento em que as escolas são constituídas como pessoas morais e atores co-
letivos, em que se pede para que tenham um projeto e prestem contas de seu desenvolvimento,
como não pensar nas conexões entre a avaliação de competências e o acompanhamento dos proje-
tos das escolas?

O destino de um projeto de escola depende, entre outros fatores, das competências individuais e co-
letivas dos professores nele implicados. Conceber, negociar, conduzir um projeto de escola e prestar
contas dele proporciona a cada um a oportunidade de se confrontar às práticas dos outros e de ter a
medida de suas escolhas implícitas, de seus limites e da relação entre as primeiras e os segundos.

Na medida em que o corpo docente de uma escola está solidariamente comprometido num projeto,
cada um se torna dependente dos outros e, portanto, passa a ter expectativas legítimas em termos de
disponibilidade, de força de trabalho, de atitude, mas também de competências trazidas para a tarefa
coletiva ou no âmbito de uma divisão equitativa do trabalho.

O próprio funcionamento de um projeto constitui um primeiro nível de regulação de competências,


contanto que a instituição torne a solidariedade necessária e possível, o que pressupõe provavel-
mente uma alteração do estatuto das escolas.

Um segundo nível de regulação aparece no diálogo entre a escola e um interlocutor externo, tanto no
estágio da gênese de um projeto quanto no de sua avaliação depois de um ou vários anos. Isso pres-
supõe que os projetos de escola tenham um estatuto, inscrevam-se num contrato que obrigue as par-
tes a negociar tanto recursos quanto flexibilidades, liberdades concedidas fora da aplicação da regra
comum.

O problema se coloca em termos diferentes dependendo do fato de a organização escolar prever ou


não um diretor. Se ele existir, é preferível que esteja envolvido no projeto; ele não pode ser ao
mesmo tempo seu interlocutor, mesmo que seja o interlocutor interno das equipes pedagógicas e do
corpo docente. O interlocutor de um projeto de escola pode ser o responsável administrativo por uma
zona mais ampla, mas pode-se imaginar fórmulas diferentes, por exemplo uma equipe de acompa-
nhamento ou de auditoria.

No âmbito da renovação do ensino primário em genebra, o interlocutor das escolas é um " grupo de
pesquisa e renovação " (gri) sem autoridade hierárquica, mas que garante um acompanhamento do
contrato efetuado entre as escolas e a autoridade escolar. Esse grupo é composto essencialmente
por professores que se dedicam a essa tarefa em período integral ou parcial.

Outra pista: na academia a lille, todos as escolas foram objeto de uma auditoria, no âmbito de um
procedimento experimental (demailly, 1996). Foram constituídas equipes de quatro pessoas: dois ins-
petores, um diretor e um formador. Elas se organizaram, num quadro de encargos gerais, no sentido
de preparar, conduzir, interpretar e devolver uma auditoria, com análise de documentos, visitas às
classes, entrevistas, encontros com os grupos de atores.

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Pode-se imaginar ainda outros dispositivos. No contexto da avaliação de competências, o importante


é que o feed-back não trate somente do funcionamento, do realismo de um projeto ou do desvio entre
o plano e sua realização, mas que se inscreva num balanço e numa análise dos recursos humanos e
proponha uma política de formação que faça parte do projeto da escola.

Um controle hierárquico claramente assumido pelos superiores

Em última instância, se todo o resto não bastar para assegurar um controle suave das competências,
é legítimo que a autoridade desempenhe plenamente seu papel. Para isso, é importante que os ins-
petores saiam da ambiguidade tão geral constatada pela ocde:

Quando do exame desses diferentes mecanismos, convém ressaltar o papel ambíguo dos inspetores.
Muitos deles se esforçam em combinar uma função de controle ao papel de conselheiro pedagógico.
Inspecionar é avaliar para fins de gestão e de controle. Dar conselhos é prestar um serviço que pode
não ser levado em conta. A depuração do papel dos inspetores é uma tarefa cada vez mais necessá-
ria. Sua competência técnica é um outro problema.

A maioria deles sai das fileiras dos professores mais considerados. Eles não têm necessariamente
uma visão global da educação, talvez nem entendam a maneira como ela se articula com os outros
setores da política social nem a contribuição que as pesquisas pedagógicas podem trazer. Da mesma
forma, muitas vezes, eles adotam atitudes de " amadores esclarecidos " diante da avaliação. Ora,
eles devem ter um bom domínio técnico dos diferentes modos de avaliação, o que implica na defini-
ção de critérios, na elaboração de métodos adequados de trabalho no campo, na aptidão em elaborar
relatórios que sejam utilizáveis pelos que são o objeto da avaliação, assim como pelos que são seus
destinatários (ocde, 1996, p.42).

Os diretores de escolas, conforme as tradições nacionais, vivem na mesma ambiguidade: algumas


vezes líderes e animadores pedagógicos, outras, administradores sem responsabilidades quanto aos
procedimentos didáticos dos professores, eles também estão em busca de sua identidade.

A problemática da avaliação e do controle de competências é apenas um aspecto do debate. Toda-


via, enquanto os interessados e os sistemas educativos não optarem claramente por um papel ou ou-
tro, a avaliação, ela também, permanecerá na ambiguidade.

Não se pode resolver de forma simples um problema complexo, ligado tanto à gestão dos sistemas
escolares quanto às inovações. Limito-me, aqui, a um postulado bastante simples: as organizações
escolares devem, de uma maneira ou de outra, delegar o controle das práticas e das competências
de seus assalariados a funcionários que desempenhem essa tarefa, por mais desconfortável que isso
seja. Aos que não desejam assumir esse desconforto, que a instituição proponha outras vias, sem re-
nunciar à tarefa e tendo a sabedoria de nomear pessoas que assumam a dimensão de avaliação que
ela comporta.

É desejável, mais uma vez, que tudo seja realizado para que uma relação de autoridade só interve-
nha em desespero de causa e para garantir da melhor forma o direito e a dignidade das pessoas.
Resta, para uma fração minoritária dos professores, assumir uma verdadeira tensão, ou até mesmo
um conflito aberto em torno das competências. O direito de ser incompetente num cargo não faz parte
dos direitos humanos! Esse último dispositivo, de alguma forma, é a base de todos os outros, já que
ele assegura que a ausência de regulação e de formação sempre terá consequências.

Por isso, não se pode deixar de fazer um reexame do papel dos inspetores e dos superiores, no sen-
tido de uma maior profissionalização, combinada a uma formação adequada e a uma identidade mais
clara (gather thurler, 1996 b; perrenoud, 1994, 1996 g).

Entre Statu Quo e Fórmula Mágica

Seria muito ilusório pretender ter esgotado uma questão difícil, que nos coloca o problema da norma,
do poder, da liberdade, da responsabilidade e da administração das organizações. Não estou certo
de que os dispositivos sugeridos estejam à altura do desafio. E, certamente, estes não são os únicos
possíveis. Não há fórmula mágica e todo dispositivo de avaliação de competências está no centro das
contradições do sistema educativo, e mais globalmente, da função pública e do trabalho assalariado.

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Essas dificuldades não deveriam nos dissuadir de pesquisar, por aproximações sucessivas, fórmulas
viáveis e que possam ser aperfeiçoadas. Uma coisa é certa: a manutenção do statu quo não é favorá-
vel à regulação de competências profissionais, portanto, à maior profissionalização dos professores.

v. Competências, profissionalização e prática reflexiva

As dificuldades da construção e da avaliação das competências profissionais dos professores são tais
que podem desencorajar mesmo os mais empenhados. Enfrentar as dificuldades relacionais, éticas e
técnicas de qualquer avaliação já não é fácil, e ninguém se precipita para desempenhar esse papel
ingrato numa sociedade pronta a denunciar o abuso de poder ou a tecnocracia, desde que se come-
çou a procurar analisar de perto a eficácia do trabalho humano. A esses desafios, acrescentam-se os
conflitos que circundam esta concepção, sua implantação e a regulação de qualquer dispositivo de
avaliação ou de controle.

Esses conflitos são ainda mais difíceis de superar de forma duradoura quando há ao mesmo tempo
confusão quanto ao papel da autoridade, divergência sobre as políticas educacionais e os aspectos
modernos da profissão de professor, controvérsia sobre os perfis de competência e os níveis de exi-
gência, e crise endêmica da educação escolar…

Se é preciso perseverar, não é para se criar mais um problema, mas porque a questão das compe-
tências e a impotência em formá-las e em avaliá-las convenientemente faz parte do problema. Nesse
sentido, caminhar para a identificação das competências e sua regulação faz parte de um movimento
em direção a escolas eficazes, ao aparecimento de profissionais reflexivos e de escolas autônomas,
em suma, em direção a uma maior profissionalização na educação.

Formar Professores em Contextos Sociais em Mudança Prática Reflexiva e Participação Crítica

As sociedades se transformam, fazem-se e desfazem-se. As tecnologias mudam o trabalho, a comu-


nicação, a vida cotidiana e mesmo o pensamento. As desigualdades se deslocam, agravam-se e re-
criam-se em novos territórios. Os atores estão ligados a múltiplos campos sociais, a modernidade não
permite a ninguém proteger-se das contradições do mundo.

Quais as lições que daí podem ser tiradas para a formação de professores? Certamente, convém re-
forçar sua preparação para uma prática reflexiva, para a inovação e a cooperação. Talvez importe,
sobretudo, favorecer uma relação menos temerosa e individualista com a sociedade. Se os professo-
res não chegam a ser os intelectuais, no sentido estrito do termo, são ao menos os mediadores e in-
térpretes ativos das culturas, dos valores e do saber em transformação. Se não se perceberem como
depositários da tradição ou precursores do futuro, não saberão desempenhar esse papel por si mes-
mos.

Prática reflexiva e participação crítica serão entendidas aqui como orientações prioritárias da forma-
ção de professores. Mas, antes de desenvolver essa dupla tese, questionemos, de início, a própria
idéia de que as transformações da sociedade clamam automaticamente por evoluções na escola e na
formação de profissionais.

O bom senso leva a pensar que, se a sociedade muda, a escola só pode evoluir com ela, antecipar,
até mesmo inspirar as transformações culturais. Isso significa esquecer que o sistema educativo be-
neficia-se de uma autonomia relativa (bourdieu e passeron, 1970), e que a forma escolar (vincent,
1994) é em parte construída para proteger mestres e alunos do furor do mundo.

Sem dúvida, os professores, os alunos e seus pais fazem parte do mundo do trabalho e, evidente-
mente, da sociedade civil. Assim, por meio deles, retomando a fórmula de suzanne mollo (1970), a
sociedade está dentro da escola tanto quanto o inverso. No entanto, a escola não poderia cumprir
sua missão se mudasse de finalidades a cada mudança de governo e tremesse sobre suas bases
cada vez que a sociedade fosse tomada por uma crise ou por conflitos graves. É importante que a es-
cola seja, em parte, um oásis e que ela continue a funcionar nas circunstâncias mais movimentadas,
mesmo em caso de guerra ou de grande crise econômica. Ela permanece, senão um "santuário", pelo
menos um lugar cujo estatuto "protegido" é reconhecido. Quando a violência urbana ou a repressão
policial chegam às escolas, os espíritos ficam chocados.

A escola não tem vocação para ser o instrumento de uma facção, e nem mesmo de partidos no po-
der. Ela pertence a todos. Até mesmo os regimes totalitários tentam preservar essa aparência de

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neutralidade e paz. Compete ao sistema educativo encontrar um justo equilíbrio entre uma abertura
destruidora dos conflitos e sobressaltos da sociedade e um fechamento mortífero, que o isolaria do
restante da vida coletiva.

Um outro fator intervém: a despeito das novas tecnologias, da modernização dos currículos, da reno-
vação das idéias pedagógicas, o trabalho dos professores evolui lentamente porque depende pouco
do progresso técnico, porque a relação educativa obedece a uma trama bastante estável e porque
suas condições de trabalho e sua cultura profissional instalam os professores em rotinas. É por isso
que a evolução dos problemas e dos contextos sociais não se traduz ipso facto por uma evolução das
práticas pedagógicas.

Um viajante que voltasse à vida depois de um século de hibernação veria a cidade, a indústria, os
transportes, a alimentação, a agricultura, as comunicações de massa, os costumes, a medicina e as
atividades domésticas consideravelmente mudadas. Entrando numa escola, ao acaso, encontraria
uma sala de aula, um quadro-negro e um professor dirigindo-se a um grupo de alunos. Sem dúvida, o
professor não estaria mais de "sobrecasaca" ou de avental. Os alunos não estariam mais de unifor-
mes ou de tamancos.

O professor teria descido de sua cátedra e o visitante acharia os alunos impertinentes demais. Uma
vez começada a aula, talvez ele percebesse alguns traços de uma pedagogia mais interativa e cons-
trutivista, de uma relação mais calorosa ou igualitária do que na sua época. Mas, a seus olhos, não
haveria nenhuma dúvida de que se encontrava em uma escola.

Talvez houvesse um computador na sala, conectado a uma rede. Mas o visitante observaria que ele é
usado para propor exercícios na tela e preparar conferências "surfando" em páginas da web. O triân-
gulo didático estaria no lugar, imutável e os saberes eruditos, muito pouco modernizados, ali onde te-
riam passado a matemática dos conjuntos ou a nova gramática.

A escola existe nas sociedades agrárias como nas megalópoles, sob os regimes totalitários, como na
democracia, nos bairros elegantes e nas favelas e apesar dos equipamentos desiguais, dos professo-
res mais ou menos formados, dos alunos mais ou menos cooperativos, as semelhanças saltam aos
olhos.

Por que seria preciso formar os professores de outro modo se o seu trabalho é imutável ou quase?
Muda-se o ofício de padre no ritmo que muda a sociedade? A matemática, a língua, as outras discipli-
nas, as notas, as lições de casa, as punições sobrevivem a todos os regimes e atravessam todas as
crises. Não basta continuar a formar professores que sabem um pouco mais do que os seus alunos e
mostram um pouco de método para transmitir seu saber? Sem excluir toda transformação curricular
ou tecnológica, por que diabos se mudaria de paradigma? Esse que prevalece permite escolarizar as
massas sem pagar muito caro pelos professores. Não é assim mesmo?

Que muitos jovens saiam da escola pouco instruídos, às vezes iletrados, a quem isso incomoda con-
cretamente, entre os privilegiados? A ignorância dos outros é como a fome no mundo: cada um de-
plora esses flagelos e continua a dedicar-se às suas ocupações. A "miséria do mundo" (bourdieu,
1993) não impede a terra de girar e só faz sofrer verdadeiramente aqueles que são suas vítimas dire-
tas. Alguns dos nossos contemporâneos ainda pensam, sem ousar mais dizer em voz alta: se todos
fossem instruídos, quem varreria as ruas? Outros não vêem porque dispensar a todos formações de
alto nível quando os empregos disponíveis não o exigem.

Minha argumentação não é cínica. Ela visa somente a demonstrar que a vontade de mudar a escola
para adaptá-la a contextos sociais em transformação, ou melhor, democratizar o acesso ao saber,
não é bem partilhado e que essa vontade frequentemente é frágil e se limita a discursos que não pas-
sam à ação.

Hoje, é de bom-tom preocupar-se com a eficácia, a eficiência e a qualidade da educação escolar.


Não nos enganemos: o objetivo é conservar o adquirido, gastando menos, uma vez que os estados
não têm mais os meios de desenvolver a educação como nos tempos de crescimento. Fazer melhor
com menos; tal é a divisa dos governos há alguns anos.

Quem faz absoluta questão de que o sistema educativo mantenha todas as suas promessas?
Quando a sociedade se preocupa verdadeiramente em elevar o nível cultural das gerações, em geral,
é para responder à demanda de educação dos pais das classes médias. Uma vez que obtenham o

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que querem, isto é, o acesso aos percursos escolares que permitem às suas crianças enfrentar os
estudos superiores, a escola lhes parece cumprir a sua missão. A democratização dos estudos atin-
giu, hoje, um limiar que, em numerosos países, coloca as classes médias ao lado dos favorecidos. Os
desfavorecidos são menos numerosos, mas ainda mais desfavorecidos do que antes. Sua expressão
política tem uma influência limitada, não somente porque são imigrados sem direitos políticos, mas
mais globalmente porque sua pobreza e seu escasso nível de instrução não lhes dá muitas oportuni-
dades de se fazer ouvir e nem mesmo de compreender os mecanismos que fabricam o fracasso es-
colar de suas crianças. O cúmulo da alienação, sabe-se bem, é sentir-se o único responsável por sua
situação infeliz, de vê-la como consequência "lógica" e portanto "justa" de sua própria incapacidade
de vencer.

Praticamente não existem forças sociais importantes para exigir uma escola mais eficaz. Paradoxal-
mente, são certos governos e alguns meios econômicos lúcidos que medem os riscos de uma escola
inerte e parcialmente ineficaz. Eles podem contar com o apoio ativo de certas organizações internaci-
onais, de movimentos pedagógicos, da pesquisa em educação e das "forças de esquerda".

Não é verdade que o contexto de transformação em que se encontra a escola produza mudanças au-
tomáticas. Esta transformação deve ser lida e decodificada para incitar a escola à mudança. Ora, os
professores e os pais que se apegam ao status quo não tem nenhum interesse em fazer essa leitura.
Por outras razões, todos os que acham que a escola custa caro demais e que os impostos são muito
pesados colocam-se no campo dos conservadores.

As forças que querem adaptar a escola à evolução da sociedade então são pouco numerosas e cons-
tituem uma aliança instável. Em outras palavras, a idéia de que a escola deva formar o maior número
de pessoas levando em conta a evolução da sociedade não é combatida abertamente, mas ela só é
um princípio motor para aqueles que a tomam verdadeiramente a sério e fazem disso uma prioridade.

Seria, então, absurdo sustentar que porque a sociedade muda, a escola vá mobilizar toda sua inteli-
gência e segui-la, isto é, antecipar essas mudanças. Sem dúvida, as evoluções demográficas, econô-
micas, políticas e culturais transformam os públicos escolares e as condições de escolarização e aca-
bam por obrigar a escola a mudar.

Ela se adapta, então, mas o mais tarde possível, de modo defensivo. Na ausência da adesão mas-
siva das pessoas da escola a uma política de educação visionária e audaciosa, a mudança social ad-
quire, antes de tudo, aparências de uma imposição a ser ignorada pelo maior tempo possível.

Os numerosos atores e grupos sociais que não mantêm nenhuma ambição nova com relação à es-
cola e, além disso, não têm mais a impressão de que ela fracasse em suas missões tradicionais, não
têm nenhuma razão de querer que se forme melhor, que se considere mais e que se pague melhor os
professores.

Realmente, mesmo aqueles que estão convencidos de que a escola deve se adaptar à "vida mo-
derna" e "tornar-se mais eficaz" não estão prontos para elevar o nível de formação e de profissionali-
zação dos professores. Eles mantêm novas expectativas com relação ao sistema educativo, mas re-
cusam-se a admitir que isso custe um centavo a mais. Sua ambivalência tem um duplo fundamento:

Sabem que não se pode formar professores com um nível mais alto e dar-lhes mais responsabilida-
des sem pagá-los melhor; ora, os porta-vozes da economia sempre sonharam com uma eficácia cres-
cente que não exigisse nenhum novo investimento;

Eles temem que os professores formados numa prática reflexiva, para a participação crítica e para a
cooperação, tornem-se os contestadores em potencial ou, pelo menos, interlocutores incômodos.

Para os idealistas, como eu, o progresso da escola é indissociável de uma profissionalização cres-
cente dos professores. Sejamos lúcidos o suficiente para saber que esse paradigma e os seus corolá-
rios, em termos de estatuto, de ganhos, de nível de formação, de atitude reflexiva, de empowerment,1
de mobilização coletiva, de gestão de estabelecimentos e de pensamento crítico, longe estão de ob-
ter unanimidade, mesmo entre aqueles a quem o status quo não satisfaz.

Sejamos bastante lúcidos, também, para saber que esse paradigma (profissionalização, prática refle-
xiva e participação crítica) não corresponde:

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Nem à identidade ou ao ideal da maioria dos professores em função;

Nem ao projeto ou à vocação da maioria daqueles que se dirigem para o ensino.

É claro que ninguém é indiferente aos benefícios simbólicos e materiais de uma profissionalização
crescente, e nenhum professor opõe-se a reivindicar mais autonomia, com a condição de que não te-
nha de pagar seu preço: acréscimo de responsabilidades, de cooperação, de transparência e, sem
dúvida, de trabalho...

Seria uma razão para renunciar ao paradigma do professor reflexivo e crítico? Não acredito. Mesmo
se há poucas chances de realizá-lo integralmente, a curto ou mesmo a médio prazo, pode-se contri-
buir para orientar as reformas da formação inicial, num sentido que prepare o futuro.

Esse paradigma pode parecer ainda mais irrealista nos países que nem mesmo têm os meios de re-
crutar ou formar de modo suficiente professores simplesmente qualificados. É verdade que os deba-
tes internacionais priorizam os modelos que correspondem melhor aos países industrializados. Estarí-
amos errados, então, se acreditásemos que o desenvolvimento econômico assegura a profissionali-
zação: todos os países de alto nível econômico brincam com essa idéia, mas os progressos são
muito lentos.

Ao contrário, eu diria que uma das desvantagens das sociedades desenvolvidas é que ela são hipe-
rescolarizadas. O sistema educativo é uma imensa burocracia e uma parte do corpo docente instalou-
se numa visão bastante conservadora do ofício.

Pode ser então, paradoxalmente, que os países que devem formar novos professores em grande nú-
mero, por motivos demográficos ou para desenvolver a escolarização de massa, tenham mais oportu-
nidades de romper com as tradições e consigam inscrever de saída a profissionalização na concep-
ção de base do ofício de professor.

Os desafios com que se defrontam os países em desenvolvimento reclamam uma forma de prática
reflexiva e de participação crítica, enquanto os países mais desenvolvidos parecem não esperar
grande coisa de seus professores, a não ser que dêem aula. No entanto, não sonhemos: a profissio-
nalização, a prática reflexiva e a participação crítica vão além do "saber fazer" profissional de base,
mas supõem sua aquisição prévia. Se os países em transformação estão prontos para mobilizar seus
professores na aventura do desenvolvimento, nem sempre tem os meios de formá-los...

Certamente, nenhum pensamento mágico resolverá esse problema. Se um país não tem os meios de
formar todos os seus professores, pode parecer surrealista defender uma prática reflexiva. De fato,
veremos que é menos absurdo do que parece primeiro, as competências de base.

Qualquer um que é que projetado numa situação difícil, sem formação, desenvolve uma atitude refle-
xiva por necessidade. Os professores cujas competências disciplinares, didáticas e transversais são
frágeis arriscam-se, no cotidiano, a perder o domínio de sua aula e tentam então desenvolver estraté-
gias mais eficazes, aprendendo da experiência.

Mas que desperdício! Com efeito:

Por um lado, eles descobrem por ensaio e erro, não sem sofrimento, os conhecimentos elementares
que poderiam ter construído durante sua formação profissional, por exemplo, que as crianças não são
adultos, que são todas diferentes, que têm necessidade de confiança, que elas próprias constroem
seus saberes etc.

Por outro lado, para sobreviver, desenvolvem práticas defensivas que, se não levam a aprender, lhes
permitem pelo menos conservar o controle da situação; assim sendo, alguns se fecham, permanente-
mente, aos métodos ativos e ao diálogo com outros profissionais.

É preciso, então, ancorar a prática reflexiva sobre uma base de competências profissionais. Quais?
Tentei descrever dez tipos de competências novas ligadas às transformações do ofício de professor:
1. Organizar e animar as situações de aprendizagem; 2. Gerir o progresso das aprendizagens; 3.
Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; 4. Envolver os alunos nas suas aprendiza-
gens e no seu trabalho; 5. Trabalhar em equipe; 6. Participar da gestão da escola; 7. Informar e en-

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volver os pais; 8. Servir-se de novas tecnologias; 9. Enfrentar os deveres e dilemas éticos da profis-
são; 10. Gerir sua própria formação contínua (perrenoud, 1999 a). Encontra-se, em anexo, um inven-
tário mais detalhado.

Pode-se discutir, infindavelmente, esse referencial, como qualquer outro. O importante é:

Que exista um que suscite consenso amplo ao término de um verdadeiro debate e torne-se um verda-
deiro instrumento de trabalho para os estudantes, os formadores e as pessoas do campo (executivos,
professores associados).

Que se apóie em competências e que considere os conhecimentos, sejam eles disciplinares, profissi-
onais ou advindos das ciências humanas, como recursos a serviço dessas competências mais do que
como fins em si mesmos.

Que as competências profissionais situem-se claramente para além do domínio acadêmico dos sabe-
res a ensinar, que elas abarquem sua transposição didática em classe, a organização do trabalho de
apropriação, a avaliação, a diferenciação do ensino.

Que as dimensões transversais do ofício sejam honradas para além de algumas horas de "formação
comum", de "pedagogia geral" ou de sensibilização para aspectos relacionais, que os componentes
transversais constituam o objeto de aportes teóricos e de aprofundamentos em estágio, do mesmo
modo que as didáticas das disciplinas.

Que a formação e o referencial de competências considerem toda a realidade do ofício valendo-se de


uma análise rigorosa das práticas, em sua diversidade, sem esquecer isso que jamais é dito clara-
mente, mas que pesa terrivelmente na vida cotidiana de professores e de alunos: o tédio, o medo, a
sedução, a desordem, o poder etc. (perrenoud, 1996a).

Que o referencial de competências exerça um avanço "otimizador" sobre o estado das práticas, sem
fazer dos novos professores pobres kamikazes, condenados a sofrerem com o sarcasmo ou o ostra-
cismo por parte dos professores veteranos; importa dar-lhes os meios de explorar as novas vias aber-
tas pela pesquisa em educação, por equipes inovadoras ou movimentos pedagógicos.

Que essas competências sejam susceptíveis de serem desenvolvidas desde a formação inicial, num
verdadeiro dispositivo de alternância e de articulação teórico-prática, mas que elas guiem também o
desenvolvimento profissional, seja no interior dos estabelecimentos ou no âmbito da formação contí-
nua.

Que o referencial seja um instrumento muito claro para sustentar a concepção e a gestão de planos e
dispositivos de formação tanto quanto de avaliação de competências efetivas de estudantes ou pro-
fessores formados.

Que a dimensão reflexiva seja prontamente inscrita na própria concepção das competências; que se
renuncie então às prescrições fechadas ou às receitas, para propor conhecimentos argutos sobre os
processos de ensino-aprendizagem, instrumentos de inteligibilidade de situações educativas comple-
xas e um pequeno número de princípios que orientem a ação pedagógica (construtivismo, interacio-
nismo, atenção dirigida para o sentido dos saberes, negociação e normatização do contrato didático
etc.).

Que a participação crítica e a interrogação ética sejam constantemente conduzidas de forma paralela,
a partir das próprias situações, desenvolvendo um discernimento profissional sempre situado na en-
cruzilhada da inteligência das situações e do cuidado com o outro, isto é, da solicitude da qual fala
philippe meirieu.

Vê-se, mais claramente ainda com essas últimas teses, que a prática reflexiva e a participação crítica
não poderiam se apresentar como pedaços enxertados, e nem mesmo como andares acrescidos ao
edifício das competências. São, ao contrário, fios condutores do conjunto da formação, das atitudes
que deveriam ser adotadas, visadas e desenvolvidas pelo conjunto dos formadores e das unidades
de formação, segundo diversas modalidades.

Meu propósito, aqui, não é desenvolver os dispositivos de formação (perrenoud, 1996b, 1998c).
Basta dizer que as competências profissionais só podem, na verdade, ser construídas graças a uma

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prática reflexiva e na qual haja participação que se assegure desde o início dos estudos. Em outras
palavras, esses dois componentes que foram apresentados até aqui como os objetivos da formação
são também suas maiores alavancas: é funcionando numa postura reflexiva e numa participação crí-
tica que os estudantes tirarão o melhor proveito de uma formação em alternância.

A Prática Reflexiva Como Domínio Da Complexidade

O conceito é conhecido desde as obras de schon (1983, 1987, 1991). Entretanto, apesar dos traba-
lhos mais centrados na formação de professores, persiste uma confusão entre:

Or um lado, a prática reflexiva espontânea de todo ser humano que enfrenta um obstáculo, um pro-
blema, uma decisão a tomar, um fracasso ou qualquer resistência do real ao seu pensamento ou a
sua ação;

Por outro lado, prática reflexiva metódica e coletiva que os profissionais usam durante o tempo em
que os objetivos postos não são atingidos.

Um sentimento de fracasso, de impotência, de desconforto, de sofrimento desencadeia uma reflexão


espontânea para todo ser humano e também para o profissional.

Mas esse último também reflete quando está bem, uma vez que haver-se com situações desconfortá-
veis não é seu único motor; sua reflexão é alimentada também pela vontade de fazer seu trabalho de
modo mais eficaz e ao mesmo tempo o mais próximo possível de sua ética.

Num "ofício impossível", os objetivos raramente são atingidos. É pouco frequente que todos os alunos
de uma classe ou de um estabelecimento dominem perfeitamente os saberes e as competências vi-
sados. Por isso, no ensino, a prática reflexiva sem ser permanente não poderia se limitar à resolução
das crises, de problemas ou de dilemas atrozes. É melhor imaginá-la como um funcionamento está-
vel, necessário em "velocidade de cruzeiro" e vital em casos de "turbulência".

Outra diferença muito importante: um profissional reflexivo2 aceita fazer parte do problema. Reflete
sobre sua própria relação com o saber, com as pessoas, o poder, as instituições, as tecnologias, o
tempo que passa, a cooperação, tanto quanto sobre o modo de superar as limitações ou de tornar
seus gestos técnicos mais eficazes.

Enfim, uma prática reflexiva metódica inscreve-se no tempo de trabalho, como uma rotina. Não uma
rotina sonífera; uma rotina paradoxal, um estado de alerta permanente. Por isso, ela tem necessidade
de disciplina e de métodos para observar, memorizar, escrever, analisar após compreender, escolher
opções novas.

Pode-se acrescentar que uma prática reflexiva profissional jamais é inteiramente solitária. Ela se
apóia em conversas informais, momentos organizados de profissionalização interativa (gather thurler,
1996), em práticas de feedback3 metódico, de debriefing4, de análise do trabalho, de reflexão sobre
sua qualidade, de avaliação do que se faz.

A prática reflexiva até pode ser solitária, mas ela passa também pelos grupos, apela para especialis-
tas externos, insere-se em redes, isto é, apóia-se sobre formações, oferecendo os instrumentos ou as
bases teóricas para melhor compreender os processos em jogo e melhor compreender a si mesmo.

Por que seria necessário inscrever a atitude reflexiva na identidade profissional dos professores?
Responderei inicialmente: para liberar os profissionais do trabalho prescrito, para convidá-los a cons-
truir suas próprias iniciativas, em função dos alunos, do campo, do meio ambiente, das parcerias e
cooperações possíveis, dos recursos e das limitações próprias do estabelecimento, dos obstáculos
encontrados ou previsíveis.

Admite-se, certamente, que a parte do trabalho prescrito decresce, em princípio, num processo de
profissionalização.

Resta compreender porque essa parte deveria decrescer no ofício do professor. Uma parte dos siste-
mas educativos ainda apostam numa forma de proletarização do ofício do professor (perrenoud,
1996c) classificando os professores no que a ocde chamou de "prestação de serviços"5.

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Podem-se enunciar três argumentos em favor da profissionalização:

As condições e os contextos de ensino evoluem cada vez mais depressa, fazendo com que seja im-
possível viver com as aquisições de uma formação inicial que rapidamente se torna obsoleta e que
seja mais realista imaginar que uma formação contínua bem pensada dará novas receitas quando as
antigas "não funcionarem mais"; o professor deve tornar-se alguém que concebe sua própria prática
para enfrentar eficazmente a variabilidade e a transformação de suas condições de trabalho.

Se se quer que todos alcancem os objetivos, não basta mais ensinar, é preciso fazer com que cada
um aprenda encontrando o processo apropriado. Esse ensino "sob medida" está além de todas as
prescrições.

As competências profissionais são cada vez mais coletivas no âmbito de uma equipe ou de um esta-
belecimento, o que requer sólidas competências de comunicação e de conciliação, logo, de regulação
reflexiva.

A atitude e a competência reflexivas apresentam várias facetas:

Na ação, a reflexão permite desvincular-se da planificação inicial, corrigi-la constantemente, compre-


ender o que acarreta problemas, descentralizar-se, regular o processo em curso sem se sentir ligado
a procedimentos prontos, por exemplo, para apreciar um erro ou punir uma indisciplina.

A posteriori, a reflexão permite analisar mais tranquilamente os acontecimentos, construir saberes


que cobrem situações comparáveis que podem ocorrer.

Num ofício em que os problemas são recorrentes, a reflexão se desenvolve também antes da ação,
não somente para planificar e construir os cenários, mas também para preparar o professor para aco-
lher os imprevistos (perrenoud, 1999 b) e guardar maior lucidez.

Talvez caiba sublinhar a forte independência desses diversos momentos. A "reflexão na ação"
(schon, 1983) tem claramente, por função:

Construir a memória das observações, questões e problemas que são impossíveis de serem exami-
nados em campo;

Preparar uma reflexão mais distanciada, do profissional, sobre o seu próprio sistema de ação e seu
habitus (perrenoud, 1998d, 1999d).

Sem entrar aqui na questão dos processos de formação pela prática reflexiva (estudo de caso, aná-
lise de práticas, discussões, escrita clínica, por exemplo) cabe sublinhar que ela exige vários tipos de
capitais:

De saberes metodológicos e teóricos;

De atitudes e de uma relação autêntica com o ofício e com o real;

Competências que se apóiam sobre esses saberes e atitudes, permitindo mobilizá-los em situação de
trabalho e aliá-los à intuição e à improvisação, como na própria prática pedagógica.

Os saberes metodológicos incluem a observação, a interpretação, a análise, a antecipação, mas tam-


bém a memorização, a comunicação oral e escrita e até mesmo o vídeo, uma vez que a reflexão nem
sempre se desenvolve em circuito fechado nem no imediato. Insistirei sobre os saberes teóricos: o
bom senso apoiado sobre capacidades de observação e de raciocínio permite um primeiro nível de
reflexão.

Para ir mais longe, importa sempre dispor de uma cultura em ciências humanas, tanto didática como
transversal. Em certos casos, o domínio dos saberes a ensinar é crucial, se esta falha, alguns proble-
mas não podem ser colocados.

Por exemplo, a interpretação de alguns erros de compreensão é esclarecida pela história e pela epis-
tomologia da disciplina a participação crítica como
responsabilidade da cidadania.

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Que um professor reflexivo mantenha uma relação de envolvimento com a sua própria prática é o mí-
nimo que se exige, na perspectiva da profissionalização. Aqui, trata-se de uma outra forma de envol-
vimento, de um compromisso crítico no debate social sobre as finalidades da escola e seu papel na
sociedade.

Hoje, um professor relativamente competente e eficaz em classe pode estar ausente de qualquer ou-
tra cena:

Não trabalha em equipe ou em rede;

Não participa da vida e do projeto do estabelecimento;

Mantém-se afastado das atividades sindicais e corporativas no âmbito da profissão;

Investe muito pouco na vida social, cultural, política e econômica local, regional ou nacional.

Cada professor, segundo esses quatro critérios, tem um perfil que lhe é próprio. Entre os que se en-
volvem em todos os níveis e os que se mantêm a distância de tudo, acham-se práticas diferenciadas.
Assim, pode-se trabalhar em equipe sem se preocupar com a política educacional ou pode-se ser mi-
litante sindical ou político sem se envolver com o seu estabelecimento de ensino. A participação ativa
e crítica, para a qual conviria preparar os professores, se expressaria nesses quatro níveis.

Aprender a cooperar e a atuar em rede. Atualmente, o quadro das atribuições dos professores não os
obriga a trabalhar em conjunto, mesmo se coexistem no mesmo andar e se tomam café, todos os
dias, à mesma mesa (dutercq, 1993). A formação deve ater-se ao individualismo dos professores, à
vontade de cada um de ser "o único comandante a bordo". Importa trabalhar as representações da
cooperação e forjar instrumentos para evitar seus obstáculos a ela e encontrar os usos que lhe são
mais oportunos.

Aprender a viver a escola como uma comunidade educativa. O estabelecimento escolar tende a tor-
nar-se uma pessoa moral dotada de certa autonomia. Esta última não tem sentido se o responsável
pela escola for o único a beneficiar-se dela, assumindo também sozinho os riscos e as responsabili-
dades do poder.

Se se quer que o estabelecimento se torne uma comunidade educativa relativamente democrática, é


preciso formar os professores nesse sentido, prepará-los para negociar e conduzir projetos, dar-lhe
as competências para um entendimento relativamente sereno com outros adultos, inclusive com os
pais (derouet e dutercq, 1997; gather thurler, 1998, 2000; perrenoud, 1999c).

Aprender a sentir-se membro de uma verdadeira profissão e responsável por ela. Nesse nível, a parti-
cipação não deveria limitar-se a uma atividade sindical, mas estender-se à política de uma profissão
emergente. Quando um ofício se profissionaliza no sentido anglo-saxão, que opõe ofício e profissão,
os índices mais seguros dessa evolução são um crescente controle coletivo dos profissionais sobre a
formação inicial e contínua e uma influência mais forte sobre as políticas públicas que estruturam o
seu campo de trabalho.

Aprender a dialogar com a sociedade. Isso ainda é uma outra coisa. Uma parte dos professores en-
gaja-se na vida política como cidadãos. A questão é que eles se envolvam como professores. Não,
primeiramente, como membros de um grupo profissional que defende interesses da categoria, mas
como profissionais que colocam sua especialidade a serviço do debate sobre as políticas educacio-
nais.

Nesses quatro níveis, é difícil envolver-se salvaguardando uma estrita neutralidade ideológica. Não
defendo, entretanto, uma politização extrema dos professores como aquela que existe em certos mo-
mentos da história ou em algumas sociedades.

Certamente, em caso de guerra, de ocupação ou de tomada do poder por um governo autoritário


pode-se esperar que os professores estejam do lado dos direitos humanos e participem da dissidên-
cia e da resistência. Todavia, em tempos de paz, uma participação crítica não passa necessaria-
mente por um envolvimento militante, no sentido político da expressão, nem por uma crítica sistemá-
tica das opções governamentais. Envolver-se, é em princípio, interessar-se, informar-se, participar do
debate, explicar, mostrar.

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Ora, isso não é óbvio. Faça-se a experiência: escolha um período de debate intenso sobre a escola e
tente, num estabelecimento escolar de certo porte, avaliar a proporção de professores que acompa-
nham o debate e até participam ativamente. Que os professores fizessem lobby seria preferível, no
final das contas, à grande indiferença de muitos dentre eles quanto às decisões que remodelam o sis-
tema educativo. Talvez a defesa de interesses corporativos seja um primeiro passo para uma partici-
pação crítica mais desinteressada.

Essa participação é tanto mais necessária, nesse âmbito, uma vez que as sociedades contemporâ-
neas não sabem mais muito bem quais finalidades destinar à educação escolar. Ouvem-se discursos
muito contraditórios sobre a escola.

Uns mantêm expectativas irreais e loucas esperanças: restabelecer o vínculo social, lutar contra a vi-
olência e a pobreza. Outros perderam toda a confiança e criticam violentamente o sistema educativo:
escola ineficaz, esclerosada, burocrática, arcaica, fechada... onde estão os professores nesses deba-
tes? Certamente, descobrem-se alguns nos partidos, nas mídias, alguns fazem carreira, são eleitos,
principalmente no nível local. Isto continua sendo uma influência marginal e individual. Enquanto os
médicos exercem uma forte influência sobre a concepção da saúde pública e das políticas sanitárias,
não se observa nada de equivalente entre os professores.

É seguramente uma questão de status, de poder, de relações de força. É também uma questão:

De identidade individual e coletiva;

De competências.

Sobre esses dois pontos, a formação poderia agir e incitar os futuros professores a sair de sua "passi-
vidade cívica" enquanto profissionais da educação.

Como? A operação é delicada, uma vez que não é uma questão de engajar os futuros professores
numa visão única da educação. É preciso buscar uma via equivalente a essa messagem "cívica" que
se dirige aos eleitores para dizer-lhes: "vote em quem você quiser, mas vote!"

Mais do que doutrinação, trata-se de análise, de compreensão do que está em jogo. Nesse sentido,
uma formação mínima em filosofia da educação, em economia, em história, em ciências sociais não é
um luxo, mesmo se esses saberes não são diretamente investidos na aula.

Quantos professores não viram nada chegando quando o fascismo se instalou em seu país? Muito
não tem qualquer idéia do custo real da educação e nem mesmo do seu orçamento. A maioria só co-
nhece rudimentos da história do sistema educativo ou não tem nenhuma visão clara das desigualda-
des sociais e dos mecanismos que as perpetuam.

Formar para a compreensão dos mecanismos sociais não é neutro, mesmo se se evita doutrinar.
Pode-se esperar uma formação equivalente a propósito da cooperação, das organizações e das pro-
fissões, temas ainda mais legítimos para futuros professores.

A aposta apresentada aqui é que a participação crítica tem como condições necessárias conhecimen-
tos e competências de análise, mas também de intervenção nos sistemas.

Quanto ao conflito identitário, ele é ainda mais sensível. Seria papel dos institutos de formação defen-
der uma concepção precisa do papel social do professor? Seria seu papel socializar na profissão?
Pode-se, no mínimo, exigir debates e tomadas de consciência. Segundo a fórmula de hameline,
pode-se esperar da formação que ela esclareça os futuros professores, os desembarace dessa idéia
simples de que ensinar é transmitir um saber acima de qualquer suspeita a crianças ávidas de assi-
milá-lo independentemente de sua origem social.

Lembramo-nos das resistências que o trabalho de bourdieu e passeron provocaram entre os profes-
sores francófonos nos anos 70, ao colocarem em evidência o papel da escola na reprodução das de-
sigualdades. Hoje, a expressão parece tão banal que se poderia acreditar que ela está integrada. Não
é nada disto: a maioria dos futuros professores referem-se à sua formação numa visão angelical e in-
dividualista do ofício. Nada garante que eles a abandonarão ao longo de seus estudos, a não ser
para jogá-la na rejeição e na negatividade, formadores reflexivos e críticos para formar professores
reflexivos e críticos...

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A universidade parece ser o lugar, por excelência, da reflexão e do pensamento crítico. Pode-se en-
tão ser tentado a dizer que formar os professores segundo esse paradigma é uma tarefa "natural" das
universidades.

Todavia, salvo em medicina, engenharia e administração, a universidade não está organizada para
desenvolver competências profissionais de alto nível. Mesmo nesses domínios, tardif (1996) mostra
que os saberes disciplinares superam o desenvolvimento de competências. Isso levou algumas facul-
dades de medicina a operarem uma revolução, introduzindo a aprendizagem por problemas, que co-
loca a abordagem teórica a serviço da resolução do problema clínico desde o primeiro ano.

Gillet (1987) propõe, com o mesmo espírito, dar às competências um "direito de gestão" sobre os co-
nhecimentos, mas essa perspectiva contraria a tendência mais forte das instituições de tipo escolar:
criar cursos, multiplicar os saberes reputados como indispensáveis e deixar para os estágios ou o tra-
balho de fim de curso ou a alguns trabalhos práticos o cuidado de desencadear sua integração e sua
mobilização.

Por isso é que não se pode eleger, sem uma análise, a universidade como o lugar ideal da formação
de professores. Mesmo no que concerne à prática reflexiva e à participação crítica a dúvida metódica
se impõe.

A Prática Reflexiva Não é Uma Metodologia De Pesquisa

A formação para a pesquisa, própria das carreiras universitárias de 2º e 3º ciclos, não prepara ipso
facto para a prática reflexiva. Devemos nos render à evidência: quando ensinam, os pesquisadores
podem, durante anos, entediar seus alunos, perder-se em monólogos obscuros, ir muito rapidamente,
mostrar transparências ilegíveis, organizar avaliações arcaicas e assustar os alunos pelo seu nível de
abstração ou sua pouca empatia ou senso de diálogo. Isso tanto pode sugerir um grande desprezo
pelo ensino quanto uma fraca capacidade reflexiva aplicada a esse trabalho.

Mais seriamente, mesmo se há pontos comuns (perrenoud, 1994a) pesquisa e prática reflexiva apre-
sentam também grandes diferenças:

Elas não têm o mesmo objeto; a pesquisa em educação interessa-se por todos os fatos, processos e
sistemas educativos e por todos os aspectos das práticas pedagógicas. O professor reflexivo dirige,
prioritariamente, um olhar sobre seu próprio trabalho e seu contexto imediato, no dia a dia, nas condi-
ções concretas e locais de seu exercício. Há, então, ao mesmo tempo limitação e localização do
campo de investigação.

Pesquisa e prática reflexiva não exigem a mesma atitude. A pesquisa quer descrever e explicar, exi-
bindo a sua exterioridade. A prática reflexiva quer compreender para regular, otimizar, ordenar, fazer
evoluir uma prática particular a partir do seu interior.

Pesquisa e prática reflexiva não têm a mesma função. A pesquisa visa a saberes de caráter geral, du-
ráveis, integráveis a teorias e a prática reflexiva contenta-se com conscientizações e saberes da ex-
periência úteis localmente.

Elas não possuem os mesmos critérios de validação. A pesquisa exige um método e um controle in-
tersubjetivo, o valor da prática reflexiva se julga pela qualidade das regulações que ela permite operar
e pela sua eficácia na identificação e resolução de problemas profissionais.

A universidade então não pode, só pelo fato de que ela inicia para a pesquisa, pretender formar pro-
fissionais reflexivos, além de tudo. Se quer fazê-lo, deve desenvolver dispositivos específicos: análise
de práticas, estudos de caso, vídeo-formação, escrita clínica, técnicas de auto-observação e de es-
clarecimento, treinamento para o trabalho sobre o próprio habitus e sobre seu "inconsciente profissio-
nal" (paquay et al., 1998).

Certamente, a formação para o espírito científico, para o rigor, para a atitude descentralizada de si,
constitui trunfo que a universidade pode pôr a serviço da formação de professores. Igualmente, de
acordo com a concepção de pesquisa e de método que se tenha, as divergências e convergências
com a prática reflexiva se modulam. Tomemos dois exemplos:

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Se a universidade se preocupasse mais em formar "pesquisadores reflexivos" encontrar-se-iam nu-


merosas convergências, mas a preparação metodológica é infelizmente, em geral, mais localizada no
eixo do tratamento dos dados do que sobre a negociação com o campo e a regulação de atividades e
do trabalho.

Na representação que se dá aos estudantes, a atividade concreta de pesquisa é muito mitificada e


reduzida ao método. Fala-se pouco das relações de poder, das dimensões narcísicas, da concorrên-
cia, da parte do acaso e do inconsciente, da vida concreta nos laboratórios (latour e woolgar, 1988).
Expurga-se, então, da realidade do trabalho, tudo o que exige uma reflexão tática, ética, identitária,
financeira e prática, fazendo como se os pesquisadores vivessem num mundo de idéias puras, sem
contingências materiais, nem paixões humanas. Toda consideração do trabalho real revelaria paren-
tescos entre o ofício do professor reflexivo e o do pesquisador reflexivo...

Se a universidade reconhecesse mais a importância do contexto da conceituação e da descoberta


para a construção da teoria, mais do que focalizar sobre os métodos de tratamento de dados e de va-
lidação, ela desenvolveria melhor a atitude reflexiva. Ela estimularia a imaginação sociológica (mills,
1967) mas também didática, pedagógica, psicanalítica, das quais o professor reflexivo tem necessi-
dade para "ver as crises banais e familiares de outro modo", reenquadrar os problemas, deslocá-los
mentalmente, operar "rupturas epistemológicas".

Em outras palavras, um seminário de pesquisa, de acordo com o modo pelo qual é concebido e con-
duzido, pode colocar os estudantes no coração de uma prática reflexiva ou formá-los como pequenos
soldados da ciência. Enquanto se formar os estudantes para a pesquisa fazendo-os recolher e siste-
matizar dados em função de hipóteses de pesquisa para cuja definição eles não contribuíram, se
manterá a ilusão de que se forma pesquisadores quando, na verdade, se treina técnicos.

Há aí um duplo desafio:

Ampliar a concepção de pesquisa e de formação para a pesquisa, em especial, nas ciências huma-
nas. A distância entre essa formação e o desenvolvimento de uma atitude reflexiva depende dessa
ampliação.

Criar, nos cursos universitários, dispositivos que visem, especificamente, a desenvolver a prática re-
flexiva, independentemente da pesquisa. Esses dispositivos poderiam também contribuir para formar
os pesquisadores, mas, de início, seriam postos a serviço de um profissional engajado em uma ação
complexa.

Essas duas condições não bastam. A prática reflexiva só pode tornar-se uma "segunda natureza", em
outras palavras, incorporar-se ao habitus profissional, caso esteja no centro do plano de formação e
se estiver integrada a todas as competências profissionais visadas, tornando-se o motor da articula-
ção teoria-prática. Isso tem grandes consequências para:

A organização e a natureza dos estágios;

As relações e a parceria com os professores em exercício como formadores em campo;

Os sentidos e as modalidades da alternância entre estágios e formação mais teórica;

Próprio papel de formador em campo, definido de início como um profissional reflexivo disposto a as-
sociar um estudante estagiário ao seu próprio questionamento.

Então, não se trata somente de desviar os percursos de formação que levam ao domínio das ciências
da educação, mas criar todas as etapas de novos percursos de formação que se pode perfeitamente
imaginar no quadro das faculdades, sem fazer guetos ou "escolas dentro das universidades", sem re-
nunciar a formar para a pesquisa e preparando, como em todas as carreiras acadêmicas dignas
desse nome, as transições para o terceiro ciclo e o doutorado. (perrenoud, 1996b, 1998c).

Da Crítica Radical à Participação Crítica

A universidade parece a priori o lugar privilegiado de um olhar crítico sobre a sociedade, em favor da
autonomia e da extraterritorialidade (relativas!) Atribuídas às universidades desde a idade média.
Ainda aqui algumas nuanças se impõem:

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Pode-se observar que em numerosos domínios esse estatuto alimentou um enorme desinteresse do
mundo universitário com relação aos problemas do tempo presente. Uma parte dos professores vi-
vem nesse "pequeno mundo" tão bem descrito por david lodge ou absorvem-se com pesquisas de
alto nível sem se indagar demais o que lhes vale esse privilégio. Se se concebe a universidade como
uma "torre de marfim" (huberman e gather thurler, 1991) protegida dos murmúrios do mundo para que
cada um se consagre à busca serena do saber, não se pode esperar que os estudantes sejam esti-
mulados à participação crítica.

Inversamente, a universidade, na tradição ilustrada por marcuse, abriga intelectuais engajados na crí-
tica radical da sociedade que os faz viver. Eles não se sentem, assim, responsáveis pelas políticas e
pelas práticas sociais, somente encarregados de identificar, e até de denunciar as incoerências, os
comprometimentos, a ineficácia ou as falsas aparências.

Essas duas figuras da universidade não correspondem à concepção da participação crítica desenvol-
vida acima. Não basta que a universidade seja politizada para pretender desenvolver uma participa-
ção crítica.

Por outro lado, a atitude dos professores não se transmite magicamente aos estudantes. Para que a
participação crítica se torne um componente do habitus profissional dos professores, da mesma ma-
neira que a atitude reflexiva, não basta confiar na essência da instituição, é preciso instaurar dispositi-
vos de formação precisos e desenvolver competências fundadas sobre saberes oriundos das ciências
humanas.

As Ciências Da Educação e As Práticas

No centro do debate, acha-se a concepção das relações entre as ciências humanas e as práticas
educativas. Se formar professores é um simples serviço prestado à comunidade ou até mesmo um
meio de ampliar o orçamento acadêmico para investir o excedente no terceiro ciclo e na pesquisa,
pode-se duvidar de que a universidade seja o local ideal para formar os professores.

Ao contrário, se tornar as práticas inteligíveis está no centro do programa teórico das ciências da edu-
cação, quer se trate de políticas educacionais, da gestão dos estabelecimentos escolares ou do tra-
balho em classe, então formar os professores e os técnicos e dirigentes escolares é um formidável
trunfo para a pesquisa fundamental.

Efetivamente, a formação profissional obriga a validar e a aprofundar as teorias, até que elas se tor-
nem dignas de crédito e utilizáveis. Se os trabalhos dos pesquisadores em educação frequentemente
fazem sorrir uma parte dos professores, é porque eles testemunham um desconhecimento da reali-
dade escolar no cotidiano, que torna insuportável seu discurso, quer ele seja crítico, prescritivo, idea-
lista ou teórico...

Além disso, como cruzamento interdisciplinar, as ciências da educação só se sustentam juntas pela
sua referência comum a um campo social, a um sistema e a práticas complexas. Para além da ambi-
ção interdisciplinar, o engajamento nas formações profissionais é a forma mais segura de fazer com
que, não somente coexistam, mas trabalhem juntos, psicólogos, historiadores, sociólogos, antropólo-
gos, psicanalistas da educação, quer seja no quadro das didáticas das disciplinas ou das abordagens
transversais.

Estou convencido de que as ciências da educação têm tudo a ganhar ao formar os profissionais da
educação e que elas podem chegar a isso sem fazer concessões teóricas ou epistemológicas. É uma
condição necessária para que a inserção da formação dos professores na universidade tenha sen-
tido. Se os universitários vivem a formação profissional como um mal necessário, um preço a pagar,
um modo de desviá-los de suas pesquisas, a formação só pode se tornar medíocre. Ela será confiada
a professores que não têm outra escolha, orientados por alguns militantes.

Então é muito importante saber por que a universidade quer formar professores. Se é por razões cla-
ramente ligadas a sua identidade e articulada à construção de saberes e se ela está disposta a con-
ceber os percursos de formação profissional superando seus hábitos e tradições didáticas, então cer-
tamente ela é o lugar apropriado.

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FORMAÇÃO DOCENTE

Se, ao contrário, a universidade quer se ocupar da formação de professores apenas para não aban-
doná-la a outras instituições ou para ampliar seu público, obter subvenções ou prestar um serviço,
então é preferível confiar a formação a institutos que não terão vergonha de formar profissionais.

Desejo vivamente, como se pode perceber, que as universidades ultrapassem esse estágio. Algumas
o têm feito há décadas, mesmo tendo de defrontar-se com o "retorno do recusado", isto é, o peso dos
saberes, as formas acadêmicas de sua transmissão e o desprezo pelas práticas.

O que seria indefensável seria pretender formar os professores sem dar-lhes os meios. É por isso que
o desenvolvimento de programas de formação de professores deveria ser objeto de parcerias sólidas
e equitativas com o sistema educativo.

Não é anormal que, para reconhecer as formações, os ministérios imponham condições quanto ao
perfil profissional e à qualidade das formações. Em contrapartida, eles devem engajar-se em facilitar
a articulação teoria-prática. Não basta, no entanto, obter o acordo das instituições. Importa que a par-
ceria estenda-se a associações representativas da profissão. Se os poderes organizadores podem
encontrar os locais de estágio e até mesmo designar autoritariamente os conselheiros pedagógicos
ou os supervisores de estágios, uma formação de qualidade só pode funcionar à base do voluntari-
ado de professores formadores em campo, de um consenso sobre a concepção de formação e de um
engajamento coletivo em favor da profissionalização do ofício.

A universidade teme tais parcerias que podem sujeitá-las à "demanda social" e restringir sua indepen-
dência. Na formação profissional, a parceria é incontornável e oferece, além disso, uma oportunidade
única de construir percursos de formação defensáveis, ao mesmo tempo acadêmicos e profissionais.

Em conclusão, eu diria que se a universidade é, potencialmente, o melhor lugar para formar os pro-
fessores para a prática reflexiva e a participação crítica, ela deve, para realizar esse potencial e pro-
var sua competência, evitar toda arrogância e se dispor a trabalhar com os atores em campo. Em
contrapartida, os ministérios, as associações, as comissões escolares, os estabelecimentos escolares
e outros poderes organizadores deveriam esforçar-se, por seu lado, para abrir e manter um diálogo
que não negue as diferenças.

Desse ponto de vista, a realidade atual oferece um vasto caleidoscópio, inclusive no interior de um só
país. Enquanto algumas universidades estão muito próximas de um modelo centrado sobre a prática
reflexiva e a participação crítica no coração das ciências da educação, outras lhe são antípodas. Se-
ria um erro, portanto, simplificar o quadro. De fato, todos os dilemas e todas as contradições, do en-
sino superior se refratam na questão do papel das universidades na formação dos professores.

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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Jogos, Brinquedos E Brincadeiras

Através dos jogos as crianças se comunicam com o mundo expressando-se, descarregando suas ener-
gias, interagindo com o meio onde vivem e com sua e cultura. É brincando que a criança exercita suas
potencialidades, provoca o funcionamento do pensamento e adquire conhecimento social e emocional.

Para queiroz e martins (2002, p.7):

Brincar implica numa proposta criativa e recreativa de caráter físico ou mental, desenvolvida esponta-
neamente, cuja evolução é definida e o final nem sempre previsto. Quando sujeito a regras estas são
simples e flexíveis e o seu maior objetivo a pratica da atividade em si. Jogar é uma forma de compor-
tamento organizado, nem sempre espontâneo, com regras que determinam duração intensidade e final
da atividade. É importante lembrar que o jogo tem sempre como resultado a vitoria, o empate ou a
derrota.

O jogo, o brinquedo e a brincadeira possuem um determinado sentido. São elementos que desenvol-
vem a coordenação motora, o raciocínio, as relações sociais, o envolvimento, bem como fortalecem
laços coletivos. As crianças ao jogar ou brincar atribuem as suas brincadeiras sentidos ligados à reali-
dade. Sendo assim, o jogo representa um fator relevante no desenvolvimento do ser humano.

O objetivo do presente trabalho é apresentar uma revisão bibliográfica apontando as definições de


alguns autores sobre jogos, brinquedos e brincadeiras e discutir suas implicações no processo de
aprendizagem das crianças, tendo como princípio norteador que a ludicidade é fator indispensável no
desenvolvimento humano e deve estar agregada às atividades no campo educacional.

Todo o embasamento teórico sobre o jogo, o brinquedo e brincadeira, enfim sobre a ludicidade para
este artigo vem de autores e livros brasileiros, pois tomamos como base que estes autores estão mais
próximos da nossa realidade e assim contextualizados com nossas praticas lúdicas.

As brincadeiras e os jogos envolvem e mobilizam o ser humano e o faz realizar atividades com maior
espontaneidade, imaginação, criatividade, percepção, emoção, tornando-as significativas.

Vários autores apontam diferenças entre o jogo, o brinquedo e a brincadeira, tendo cada um deles uma
definição específica. Conforme bertoldo (2000, p. 10):

Jogo: ação de jogar, folguedo, brinco, divertimento. Seguem-se alguns exemplos: jogo de azar, jogo de
empurra.

Brinquedo: objeto destinado a divertir uma criança.

Brincadeira: ação de brincar, divertimento, gracejo, zombaria, festinha entre os amigos e parentes. A
ambiguidade entre os termos se consolida com o uso que as pessoas fazem deles.

O jogo, o brinquedo e a brincadeira podem ser considerados como ferramentas para ler o mundo in-
fantil, pois é através deles que a criança constrói seu mundo e, muitas vezes, expressa situações fami-
liares, educacionais ou ainda situações temidas como fantasmas, monstros que acabam criando no
imaginário.

Para miranda (2001, p. 30):

O jogo pressupõe uma regra, o brinquedo é um objeto manipulável e a brincadeira, nada mais que o
ato de brincar com o brinquedo ou mesmo com o jogo... [...]. Percebe-se, pois que o jogo, brinquedo e
a brincadeira têm conceitos distintos, todavia estão imbricados ao passo que o lúdico abarca todos
eles. Com base nessas palavras fica claro que existem diferenças entre os jogos, os brinquedos e as
brincadeiras, mas que os três proporcionam divertimento e prazer às crianças.

De acordo com pereira (2001, p. 90):

Para existir o brincar precisa haver quem brinca um objeto, um tempo, um espaço e um conjunto de
mecanismos que regulam uma determinada ação [...]. Brincando, busca-se alguma coisa em si mesma
e na relação com o outro dando-se um sentido e uma intencionalidade aquilo que se faz.

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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Através da ação lúdica a criança tem diversos benefícios. Além de ser o meio mais fácil de se expressar,
faz com que desenvolva naturalmente suas habilidades motora, cognitiva e afetiva. Através do jogo e
da brincadeira, a criança satisfaz algumas de suas necessidades mais básicas, tanto no campo físico
como no psíquico e social.

A brincadeira faz parte da natureza das crianças e é o jeito mais simples de compreenderem o mundo
e a si mesmas. Por intermédio da brincadeira a criança desenvolve os sentidos, aprende a falar e expor
suas ideias e também a compartilhá-las, liberar a criatividade, soltar a imaginação, expressar sentimen-
tos e conhecer o mundo.

Através dos jogos, brinquedos e brincadeiras, enfim do ato de brincar, é possível introduzir uma série
de conhecimentos, atitudes e comportamentos.

Benjamim (1984, p. 75) nos revela que:

Pois é o jogo e nada mais, que dá a luz todo hábito. Comer, dormir, vestir-se, lavar-se, deve ser incul-
cado no pequeno irrequieto através de brincadeiras, que são acompanhadas pelo ritmo de versinhos.
Todo hábito entra na vida como brincadeira, e mesmo em suas formas enrijecidas sobre vive um resti-
nho de jogo até o final.

A criança constrói seu próprio universo, ou melhor, vai construindo e reconstruindo em si o universo
em que vive e necessita de nova colaboração nesse processo.

O jogo e a brincadeira estão presentes no decorrer da vida dos seres humanos. De alguma forma, o
lúdico se faz presente e é um ingrediente indispensável no relacionamento entre as pessoas possibili-
tando que a criatividade seja explorada.

A criança aprende enquanto brinca e aprende a viver socialmente enquanto brinca com os outros,
aprende a respeitar as regras, cumprir normas, a esperar, e interagir, a ser organizada. Cada criança
tem seu próprio ritmo para aprender, para jogar e para se socializar, pois o brincar é uma atividade livre
espontânea.

Segundo kishimoto (1996, p. 12):

O brinquedo supõe uma relação íntima como o sujeito, uma indeterminação quanto a uso, ausência de
regras. O jogo pode ser visto como sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social: um
sistema de regras, um objeto.

Todas as crianças têm necessidade de alegria e espontaneidade e devem ser compreendidas conforme
seus desejos. Isso é muito importante para o processo de aprendizagem e o jogo desempenha esse
papel muito bem por ser uma espécie de elo entre a realidade externa e interna do ser humano.

Para miranda (1980, p.98):

O jogo, não é somente um aperfeiçoamento físico, intelectual e moral. É também um valioso elemento
para observação e conhecimento metódico da psicologia da criança, suas tendências, qualidades, ap-
tidões, lacunas e defeitos.

Nos jogos as crianças se expressam, tem suas emoções, criam regras, fantasias e, de certa forma,
buscam suas necessidades de crescimento. Ainda nos tempos atuais existem crianças que não tem
possibilidade de se expressar com liberdade e espontaneidade em família ou até mesmo na escola.
Quanto maior liberdade de expressão a criança tiver mais ela se desenvolverá psiquicamente de forma
sadia. No momento em que a criança brinca, ela sente-se feliz e não se preocupa com o que está ao
seu redor, é ela mesma.

As crianças brincam para descarregar energia, porque é uma atividade prazerosa, e também, ao brin-
car, elas estão inventando seu próprio mundo através da imaginação. Existem várias maneiras das
crianças brincarem: sozinhas, de faz de conta, com outras pessoas ou em grupo. Todas essas formas
são de relevante importância para o processo de crescimento da criança, pois desenvolvem a capaci-
dade individual como também possibilitam a convivência com as demais pessoas de seu grupo social
e ensina a importância de aprender a respeitar as limitações das outras pessoas e a planejar as brin-
cadeiras em conjunto.

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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Segundo kishimoto (1993, p. 45):

Brincar é uma atividade fundamental para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. Desde


muito cedo as crianças se comunicam por gestos, sons e mais tarde a imaginação. Podemos dizer que
brincar é uma atividade natural, espontânea e necessária para sua formação.

Ao brincar de faz de conta, as crianças buscam imitar, imaginar, representar de uma forma específica
que uma coisa pode ser outra, que um personagem pode ser um objeto. Ao brincar as crianças estão
construindo a sua personalidade, pois é por meio das brincadeiras que a criança percebe e interage
com o mundo que a cerca. Para brincar é só deixar a imaginação fluir. É se expressando de modo
natural que a criança constrói sua personalidade e seu aprendizado.

Jogo se origina do vocabulário latino “iocus” e significa diversão, brincadeira. Segundo negrine (1994,
p.9):

Utilizamos a palavra jogo para nos referir ao brincar, aquela predominante na língua portuguesa quando
se trata da atividade lúdica infantil. Uma vez que pode significar desde os movimentos que a criança
realiza nos primeiros anos de vida agitando os objetos que estão ao seu alcance, até as atividades
mais ou menos complexas, como certos jogos tradicionais e/ou o desporto institucionalizado.

O jogo é uma atividade espontânea, livre desinibida e gratuita, pela qual a criança se manifesta, sem
barreiras e inibições. O jogo é a atividade, o “trabalho” próprio da criança. O jogo também tem função
de dar prazer à criança, liberar a imaginação e a criatividade, ritmo, raciocínio, memória. Cada criança,
através dos jogos, cria seu próprio êxito.

O brincar faz parte da vida do ser humano desde o momento em que ele nasce. Os movimentos que
os bebês fazem com qualquer coisa que está em seu alcance já são considerados como brincadeira,
assim a cada faixa etária eles vão aprimorando novas brincadeiras.

Como ser humano dotado de peculiaridades, a criança tem em seu modo peculiar de ser e deve crescer
livre da ideia de que jogos, brinquedos e brincadeiras são apenas “passa tempo” que não levam a nada,
pois assim estariam indo contra a natureza e o direito que elas têm de manifestar-se e agir conforme
são. No conceito de respeito pelo “ser criança” deve ser incluído o respeito pelo direito de brincar e
jogar.

Segundo claparéde (1958, p. 49):

Criança é, antes de tudo, um ser feito para brincar. O jogo, eis aí um artifício que a natureza encontrou
para levar a criança empregar uma atividade útil ao seu desenvolvimento físico e mental. Coloquemos
o ensino ao nível da criança fazendo, de seus instintos naturais, aliados e não inimigos.

O ensino do jogo deve favorecer uma participação ativa da criança no crescimento e no processo edu-
cativo e estar relacionado ao aprendizado fundamental, ou seja, o conhecimento do mundo através de
suas próprias emoções. Por meio de jogos, cada criança cria uma série de indagações a respeito da
vida. As mesmas que mais tarde, já adulta, voltará a descobrir e ordenar, fazendo uso do raciocínio.
Por isso, o lúdico não só merece como deve ser ensinado e proporcionado em todas as fases de de-
senvolvimento da criança, pois é uma das mais importantes atividades da infância e é um excelente
meio para o desenvolvimento das capacidades do ser humano, tais como: saúde física, força, coorde-
nação, ritmo, resistência, atenção e memória, raciocínio, tranquilidade e principalmente, a questão mo-
ral, que envolve o ensinamento do saber ganhar e saber perder, tudo isso intimamente ligado à reali-
dade, honestidade, respeito, colaboração e companheirismo.

A partir dos três anos a criança necessita de um grupo, a cada etapa essa necessidade aumenta até
desabrochar no convívio social do adulto. A descoberta e integração no grupo social chamam-se soci-
alização. É um processo que se desenvolve aos poucos, gradualmente. Aos poucos a criança percebe
que existem outros ao seu redor que o mundo não é só dela, que existem regras a ser respeitadas e
coisas que ela deve cumprir.

Através do jogo, podemos criar todas as situações do processo de socialização e ajudar a criança na
convivência com seu grupo de colegas. Deve ser um aprendizado suave, divertido e que lhe proporci-
ona constante alegria. É no jogo que a criança aprende a colaborar, a repartir, a respeitar regras,
aprende vencer e a perder.

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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Segundo pereira (1981, p. 11) pode-se sintetizar alguns dos valores do jogo da seguinte maneira:

É fonte sadia de realização e diversão;

É maneira de desenvolver-se fisicamente;

É estímulo ao progresso, ao desenvolvimento da personalidade;

É aprendizado para a vida em sociedade;

É descoberta de capacidades e limites;

É meio de cura para traumas e complexos;

É descoberta do valor da pessoa humana;

É respeito pelo ser da criança.

Mas, para isso acontecer ou para que o jogo alcance esses objetivos é preciso, como condição indis-
pensável, liberdade e participação total das crianças e que os adultos estimulem o máximo possível,
nunca obrigando uma criança a brincar.

Nos tempos atuais cada vez mais os adultos estão voltando a incentivar as crianças a ter uma infância,
vivenciada com bastantes jogos, brinquedos e brincadeiras, uma vez que os adultos estavam transfor-
mando as crianças em adultos em miniatura ou adultos incompletos. À medida que foi havendo uma
compreensão dinâmica do papel da infância constatou-se que há, nessa fase da vida, motivos, interes-
ses e necessidades que lhe são próprias.

Segundo lourenço (apud skonieski;teckio;rosa, 2001, p. 23):

A auto-atividade e a sociedade respondem, até certo ponto, ás tendências opostas. Compete à natu-
reza pela motivação e pela cultura, por conveniente orientação da vida social, restabelecer o equilíbrio
ou a justa proporção entre as duas concepções antagônicas.

O bebê está jogando quando se movimenta para alcançar algo que está perto e, ao pegar o objeto,
joga incessantemente no chão para que alguém o alcance novamente.

Quando a criança que está na pré-escola derruba vários objetos (brinquedos) no chão juntando-os e
prossegue sucessivamente, repetindo essas mesmas ações, considera-se que ela está jogando e com
isso está desenvolvendo seu potencial.

Segundo skonieski, teckio e rosa (2001, p.24) através do jogo, a criança:

Libera e canaliza as suas energias;

Pode transformar uma realidade difícil;

Dá vazão a fantasia, que sempre encontra no jogo, uma abertura;

Além disso, é uma grande fonte de prazer tanto para educadores quanto para o educando.

No jogo o desafio sempre existe porque não se sabe onde ele levará, nem como as coisas acontecerão.
Há sempre algo novo e a novidade é fundamental para despertar o interesse e a curiosidade infantil.
Levando isso em conta, o jogo é considerado integrador na medida em que quando a criança joga, vai
se conhecendo melhor e interagindo com seus colegas e amigos e até mesmo com os adultos, permi-
tindo a compreensão da realidade e a adaptação livre e espontânea.

Segundo skonieski, teckio e rosa (2001, p.25):

Uma criança que domina o mundo que a cerca e a criança que se esforça para agir neste mundo. Esse
processo é considerado como atividade principal por que ocorrem as mais importantes mudanças do
desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que pre-
param o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento.

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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

O brincar é natural na vida de cada criança. Basta propiciar-lhe espaço e permitir que desfrute de
movimentos de fantasias e alegrias. Caillois (1990, p.26) apresenta o jogo como:

Uma atividade livre e voluntaria, fonte de alegria e divertimento. Nele o jogador se entrega espontane-
amente, de livre vontade (...). O jogo é essencialmente, uma ocupação separada do resto da existência
e é realizada em geral dentro de limites precisos de tempo e lugar.

O jogo destaca a liberdade e esta, por sua vez, faz com que a ludicidade seja uma atividade prazerosa
e envolvente na qual as crianças passam horas brincando e se divertindo.

Huizinga (1971, p.5) aponta nas características dos jogos fatores que determinam o comportamento
dos seres humanos: “o prazer que o jogo proporciona, o caráter não sério do jogo, a liberdade, as
regras, o caráter não representativo, a limitação do jogo no tempo e no espaço e a possibilidade de
promover a formação de grupos sociais”.

Desde que nasce a criança é mergulhada em um contexto social e seu comportamento fica impregnado
por essa imersão inevitável. O jogo é resultado de relações individuais, portanto de cultura e, assim,
pressupõe uma aprendizagem social.

Quando a criança brinca, ela se distancia da vida real e entra no mundo imaginário. Todo jogo acontece
em determinado tempo e espaço, com uma sequência própria da brincadeira. O jogo sempre inclui uma
intenção lúdica do jogador.

Em estudos, almeida e duarte (apud christie, 2004, p.14) rediscutem as características do jogo infantil:

A não-literalidade → brincadeiras onde a realidade interna predomina sobre a externa. O sentido habi-
tual é substituído por um novo. São exemplos de situações em que o sentido não é literal o ursinho de
pelúcia servir como filhinho e a criança imitar o irmão que chora.

Efeito positivo → o jogo infantil é caracterizado pelos signos do prazer ou da alegria entre os quais o
sorriso, que manifesta a satisfação da criança quando ela brinca livremente. Esse processo traz efeitos
positivos aos aspectos corporal, moral e social da criança.

Flexibilidade → o brincar levam a criança a tornar-se mais flexível e a buscar novas alternativas de
ação.

Prioridade do processo brincar → enquanto a criança brinca, sua atenção está concentrada na atividade
em si e não em seus resultados ou efeitos. O jogo infantil só pode receber está designação quando o
objetivo da criança e brincar. O jogo educativo, utilizando em sala de aula, muitas vezes, desvirtua esse
conceito ao dar ao produto, à aprendizagem de noções e habilidades.

Livre escolha → o jogo infantil só pode ser jogo quando escolhido livre e espontaneamente pela criança,
caso contrário, é trabalho ou ensino.

Controle interno → no jogo infantil são os próprios jogadores que determinam o desenvolvimento dos
acontecimentos, oportunizando aos alunos liberdade e controle interno.

Huizinga (1971, p.11) caracteriza os jogos da seguinte maneira:

O fato de ser livre, de ser ele próprio, liberdade. O jogo não é vida “corrente” nem vida “real”. Pelo
contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orienta-
ção própria. Cria ordem e é ordem. O jogo lança em nós um feitiço é “fascinante”, “cativante”. Está
cheio das duas qualidades mais nobres que somos capazes de ver nas coisas o ritmo e a harmonia.

É uma atividade livre em que a criança usa sua imaginação para transformar o real de sua vida em
fantasia. No jogo existem também classificações de diferentes formas. Segundo piaget (1975, p.64) a
elaboração de uma classificação de jogos requer:

Observação e registro dos jogos praticados pelas crianças em caso, na rua e na escola relacionando-
os com o maior número possível de jogos infantis.

Análise das classificações já existentes e aplicação das já conhecidas à relação de jogos coletados.

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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Piaget (1975, p.66) verificou a existência de três tipos de estrutura que classificam os jogos que são: o
exercício, o símbolo e a regra. Sendo assim, distribui os jogos em três categorias que são:

Jogo de exercício sensório- motor

Jogo simbólico (de ficção ou imaginação e de imitação)

Jogo de regras.

Essas três classificações dos jogos correspondem às fases do desenvolvimento mental da criança.

A importância dos jogos na educação infantil

Os jogos sempre contribuíram para o desenvolvimento dos seres humanos, tanto no sentido de recrear
quanto de educar. A relação entre o jogo e a educação já é antiga, os gregos e romanos já comentavam
da importância dos jogos na educação das crianças.

As brincadeiras fazem parte da vida da criança desde quando surgiu a pré-escola, quando começaram
a fazer parte dos currículos escolares da educação infantil. Não esquecendo que o brincar é um direito
fundamental de todas as crianças, pois é na infância que se dá os primeiros passos, que são definitivos
para a futura escolarização e sociabilidade que, consequentemente, definirá suas características do
adulto como membro social.

Cada criança deve ter oportunidade educativa para satisfazer suas necessidades básicas de aprendi-
zagem e a escola deve oferecer oportunidades para a construção do conhecimento através das des-
cobertas e invenções que a criança acaba adquirindo estando em contato com os jogos infantis.

Segundo kishimoto (1993, p.21):

O jogo vincula-se ao sonho, à imaginação, ao pensamento e ao símbolo. É uma proposta para a edu-
cação de crianças (e educadores de crianças) com base no jogo e nas linguagens artísticas. O homem
como ser simbólico que se constrói coletivamente e cuja capacidade de pensar esta ligada à capaci-
dade de sonhar, imaginar e jogar com a realidade é fundamental para propor uma nova “pedagogia da
criança”.

As crianças procuram nos educadores um apoio para desenvolver suas habilidades e a confiança ne-
cessária para conhecer e ter sucesso no processo de aprendizagem e na vida em si.

Cabe à instituição escolar proporcionar aos alunos experiências diversificadas e enriquecedoras, por
meio da ação lúdica, para que a criança aproveite esses momentos para fortalecer sua auto-estima e
desenvolver suas capacidades.

Segundo negrine (1994, p. 41) podemos destacar que:

As atividades lúdicas possibilitam a “resiliência”, pois permitem a formação do auto-conceito positivo.

As atividades lúdicas possibilitam o desenvolvimento, integral da criança, já que através destas ativi-
dades a criança se desenvolve afetivamente convive socialmente e opera mental-mente.

O brinquedo e o jogo são produtos de cultura e seus usos permitem a inserção da criança na sociedade.

Brincar é uma necessidade básica assim como é a nutrição, a saúde, a habilitação e a educação.

Brincar ajuda a criança no seu desenvolvimento físico, afetivo, intelectual e social, pois, através das
atividades lúdicas, a criança forma conceitos, relaciona ideias estabelece relações lógicas, desenvolve
a expressão oral e corporal, reforça habilidades sociais, reduz a agressividade, integra-se na sociedade
e constrói seu próprio conhecimento.

São inúmeros os benefícios que a ação lúdica proporciona no desenvolvimento e na aprendizagem da


criança. Ela deve acontecer espontaneamente, pois se a criança for forcada, pode desencadear diag-
nóstico negativo. No entender de rosamilha (1979, p. 47):

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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Quando a criança esta feliz. E em grande parte no brinquedo e pelo brinquedo que a criança se prepara
para tal estado (o estado de homem). A função dos jogos e dos brinquedos não se limita ao mundo das
emoções e da sensibilidade ela aparece ativa no domínio da inteligência, assume uma função social e
desperta o crescimento físico motor e cognitivo.

A criança tem o direito e o dever de viver de acordo com sua própria natureza, ser livre para usar seu
poder. Toda criança precisa, desde cedo, aprender a se virar sozinha, pegar com suas próprias mãos,
andar com seus próprios pés, encontrar e observar com seus próprios olhos, construir suas qualidades
produtivas e criativas.

O brincar é a atividade que engloba praticamente toda a vida da criança, do acordar ao deitar e é com
ele que se descobre a vida, enfrentando através da fantasia e do faz de conta o desafio do crescimento.
O brinquedo não é para a criança um passa tempo e sim um estímulo para seu espírito.

O educador tem um papel muito importante no desenvolvimento das crianças e, assim, precisa ter uma
atitude ou uma visão ativa em relação ao jogo, ou seja, fazer observações enquanto as crianças brin-
cam, construindo um conhecimento sobre a atividade que está sendo realizada.

Para isso se faz necessária a criação de um espaço e tempo adequado para desenvolver diferentes
formas de jogos e oferecer materiais adequados e suficientes tanto em quantidade como em qualidade
a fim de que cada criança seja respeitada dentro de suas limitações.

O educador precisa valorizar sempre as atividades desenvolvidas pelas crianças interessando-se por
elas, elogiando-as pelo resultado e esforço. O maior estímulo que pode oferecer é brincando junto com
elas, acompanhando suas evoluções, suas novas aquisições, as relações com as outras crianças e
com os adultos.

Os jogos transformam o espaço escolar em um ambiente agradável e prazeroso, de forma que as


brincadeiras permitam que o aluno alcance o sucesso dentro da sala de aula e que tenha reflexos na
vida fora da instituição.

Brincar é a linguagem natural da criança e a mais importante delas. Infelizmente, ainda há instituições
que interpretam o brincar como sendo um “mal” necessário e o realizam somente quando as crianças
insistem em fazê-lo, ou ainda, utilizam o lúdico como “tapa buraco”, para que os professores tenham
tempo de descansar ou arrumar a sala de aula.

A brincadeira é uma atividade essencial na educação infantil, na qual a criança pode expressar suas
ideias, sentimentos e conflitos, mostrando ao educador e aos seus colegas como é o seu mundo e o
seu convívio no dia-a-dia.

Nas brincadeiras as crianças aprendem compartilhar ideias, objetos e brinquedos, a superar o seu
egoísmo e solucionar os conflitos que surgem. Cabe ao educador fomentar e diversificar as brincadei-
ras, como: pinturas de rosto, fantasia, máscaras e sucatas, brinquedos de faz-de-conta, etc. Também
pode-se resgatar jogos de regra e jogos tradicionais como queimada, amarelinha, cabra-cega, futebol,
pique-pega. Enfim, qualquer brincadeira ou jogo é interessante desde que seja do agrado da criança.

As crianças cada vez mais estão sendo respeitadas no seu modo peculiar de ser e as instituições
precisam apostar na ação lúdica, para melhor satisfazer as necessidades de seus alunos, uma vez que
está comprovado que a ludicidade faz com que as pessoas valorizem sua criatividade e a sensibilidade
e sejam mais afetivas.

As atividades lúdicas são extremamente importantes no aprendizado das crianças, pois são atividades
que reúnem, interessam e exigem concentração das crianças. A partir de jogos, brinquedos e brinca-
deiras, a criança consegue criar, imaginar, fazer de conta, experimentar, medir, enfim, aprender.

Através de brinquedos, jogos e brincadeiras, a criança tem a oportunidade de se desenvolver, pois


além de ter a curiosidade, a autoconfiança e a autonomia estimuladas, ainda desenvolve a linguagem,
a concentração e a atenção.

O brincar contribui para que a criança se torne um adulto eficiente e equilibrado. Além disso, as crianças
aprendem muito mais se o conteúdo for apresentado em forma de jogos ou brincadeiras.

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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Durante as brincadeiras, a criança se constrói, experimenta, pensa, aprende a dominar a angústia, a


conhecer o próprio corpo (nicoletti e filho, 2004), a compor sua personalidade e é nessa hora que ela
exprime toda a sua criatividade.

Infelizmente, muitas escolas veem as atividades lúdicas apenas como um passatempo para preencher
as horas vagas, um período de descanso ou como a hora de a criança gastar um pouco de energia, e
não levam em consideração a importância dessa hora.

Piaget (apud wajskop, 1995, p. 63) nos diz que: “os jogos fazem parte do ato de educar, num compro-
misso consciente, intencional e modificador da sociedade; educar ludicamente não é jogar lições em-
pacotadas para o educando consumir passivamente; antes disso é um ato consciente e planejado, é
tornar o indivíduo consciente, engajado e feliz no mundo”.

Por meio das atividades lúdicas, o professor estimula a imaginação das crianças, fazendo com que
ideias e questionamentos sejam despertados. É preciso que o professor fique muito atento para que
nenhuma criança seja autoritária com as outras, e que todas tenham as mesmas oportunidades na
brincadeira. O professor deve estar atento também com a competição nos jogos, e deve intervir quando
necessário, para que as crianças saibam que os jogos são coletivos e democráticos, e dão condições
de vencer a todos os jogadores.

É muito importante lembrar que as crianças têm todo o seu aprendizado baseado em imitações. Por
isso, se quisermos que nossas crianças aprendam a tolerância, o respeito pelo próximo, a justiça, a
paz, a solidariedade, a aceitação e o reconhecimento do valor das diferenças, é necessário darmos o
exemplo, sendo um modelo vivo do que queremos ensiná-los.

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