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A INTEGRAÇÃO À EMPRESA DE
FRUTICULTURA COMO VIA DE INSERÇÃO
NO MERCADO GLOBAL:
o caso do assentamento hipólito (Mossoró/RN)

Francisco das Chagas Silva Souza


Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA-UERN);
professor no CEFET-RN, Mossoró.

Aécio Cândido de Sousa


Ph.D. em Sociologia (Université Laval, Québec, Canadá); professor do Programa Regional de
Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA-UERN).

INTRODUÇÃO
A noção de sustentabilidade, na sua dimensão econômica, aponta para duas direções: a
primeira está diretamente ligada ao sujeito da ação econômica; a segunda refere-se à permanência da
ação no tempo. No primeiro caso, trata-se de saber se a ação econômica é capaz de gerar o sustento
de quem a empreendeu; no segundo, a questão é saber se a ação se repetirá, seja porque é
economicamente compensador repeti-la, seja pelo fato de ela não ser autofágica, isto é, não se
consumir a si própria no esgotamento de suas bases.
Essa noção tem pautado o debate sobre os novos rumos do desenvolvimento rural. Sua
compreensão, no entanto, não é algo plenamente estabelecido. Tonneau (2004, p.86) aponta para
algumas dificuldades:
“O desenvolvimento sustentável traduz uma tensão: a procura de um equilíbrio
entre objetivos diversos e, algumas vezes, contraditórios entre o econômico, o
social e o ambiental, entre o curto e o longo prazo, entre o individual e o coletivo,
entre o local e o global [...]”.

O esforço de construir alguns conjuntos de indicadores e de identificar variáveis que possam


tornar mais objetiva a análise da sustentabilidade, a exemplo do Índice de Sustentabilidade Ambiental
– ESI-2002 (Veiga, 2005, p.175), é uma resposta às dificuldades que recobrem o campo. O objetivo do
desenvolvimento sustentável é a redução das desigualdades sociais por meio de novos mecanismos
de geração de emprego e renda, reorientação na aplicação dos gastos públicos e maximização das
potencialidades locais. Como chegar a ele, porém? Ou, mais modestamente, como saber se estamos
ou não nos aproximando dele? Sabendo-se que o conceito não se reduz à análise do econômico, essa
dimensão pode ser, e talvez deva ser, o ponto de partida.
Duque (2004, p.77), na introdução a um conjunto de artigos sobre o tema “desenvolvimento
rural e sustentabilidade”, acusa a perspectiva da equipe que elaborou o Relatório Brundtland de
permanecer circunscrita aos aspectos econômicos do desenvolvimento, quando deveria conceber a
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economia como uma “alavanca do desenvolvimento”. Para a referida equipe, segundo a autora em
questão, “a luta contra a pobreza é entendida apenas como um problema de renda a ser resolvido via
atividades econômicas e mercado”.
Ora, a pobreza não é superada, certamente, apenas com a posse de dinheiro, como previne
Franco (2002), mas ela é, em princípio, carência de renda, embora renda e dinheiro não sejam a
mesma coisa. Dinheiro pode ser relacionado a doação, repasse, o que se distancia da idéia de renda.
Assim sendo, não se presta como solução para o problema da pobreza: quem não foi capaz de gerar
riqueza dificilmente será capaz de usufruir racionalmente dela, isto é, de imprimir ao seu uso uma
racionalidade econômica. Ademais, a economia é, sim, a alavanca do desenvolvimento – como já
assinalaram Marx e Engels em A ideologia alemã (1984) – pelo simples fato de que os homens, como
seres biológicos, carecem de comer, beber, proteger-se do frio ou do calor, e desde muito deixaram
de encontrar no âmbito estrito da natureza respostas para as necessidades daí derivadas. Se o
desenvolvimento não se restringe à economia, esta não deixa de ser sua alavanca, sua força
propulsora num tempo inicial. Não é ocioso lembrarmos aqui as cinco dimensões da sustentabilidade
definidas por Sachs (1993, p.24-27): a social, a econômica, a ecológica, a espacial e a cultural. Embora
o conceito não hierarquize essas dimensões e lhes atribua, em sua modelização, uma simultaneidade,
é difícil escapar a uma certa prevalência da dimensão econômica.
É no âmbito dessa prevalência que este trabalho se insere. Ele tem por objetivo analisar a
forma como tem ocorrido a integração de pequenos agricultores familiares assentados pela reforma
agrária no município de Mossoró-RN ao mercado externo, via associação às grandes empresas, bem
como os efeitos advindos desses acordos. Mais conhecida na região como “terceirização”, assim
nomeada pelo lado da empresa, a relação é apreendida na literatura especializada sob o conceito de
integração. Esta
“[...] consiste numa relação que se estabelece entre as agroindústrias e os
pequenos produtores, na qual, mediante um contrato formal ou verbal, o pequeno
produtor passa a produzir determinado produto vendendo-o exclusivamente para
a empresa com a qual tem contrato. Esta, por sua vez, encarrega-se da assistência
técnica, do fornecimento de insumos e, às vezes, do financiamento de instalações
necessárias (estes últimos pagos pelo produtor) e, ao final de cada safra ou lote
criado de animais, da compra da produção” (Iório, 1994, p.142).

Desse modo, procuramos aqui avaliar essa estratégia produtiva, tendo como preocupação
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identificar quais as possibilidades e os limites trazidos para uma melhoria na qualidade de vida das
famílias integradas. Em outros termos, questionamos: a integração tem gerado, para as famílias, renda
suficiente para constituir-se como elemento propulsor de desenvolvimento rural? Ela se apresenta
como uma estratégia recomendável para a sustentabilidade econômica de áreas de assentamento?
Para o alcance desses objetivos, procedemos a um estudo de caso no Assentamento Hipólito,
o qual está localizado às margens da BR 304, a uma distância de 28 km de Mossoró e a 242 km de
Natal. Sendo um dos primeiros criados no Rio Grande do Norte, em 1987, com uma área de 4.864 ha,
distribuída entre 137 famílias, esse assentamento produziu melão para o mercado externo durante
nove anos, sempre através de contratos estabelecidos com empresas de fruticultura da região. Assim,
seus anos de existência e a experiência de quase uma década de produção integrada do melão fazem
com que essa área se preste, talvez como nenhuma outra área de assentamento da região, à análise
dessa estratégia produtiva como fator de sustentabilidade econômica.
A pesquisa de campo, realizada em 2002 e complementada em 2003 e 2004, constou de
entrevistas com 20% das famílias assentadas, envolvendo famílias integradas e não-integradas.
Também forneceram informações gestores da Nolem, empresa integradora, um técnico agrícola que
durante algum tempo acompanhou o projeto e várias lideranças comunitárias.

INTEGRAÇÃO COMO SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA POSSÍVEL


“O projeto é uma salvação!”
(líder comunitário)

Para uma melhor compreensão das idéias que desenvolveremos a seguir, faz-se necessário
uma caracterização socioeconômica do Assentamento Hipólito.
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Apesar de os assentados se representarem em melhores condições no Hipólito do que
quando viviam como meeiros, sobretudo aqueles que experimentaram a integração, os sinais de
precariedade econômica são ainda fortemente visíveis. A agricultura de sequeiro, desenvolvida nos
lotes individuais, com marcas mais evidentes de agricultura familiar e sujeita aos riscos da natureza, é a
forma predominante de agricultura. É assim que os assentados tentam garantir a sobrevivência,
plantando feijão, milho, batata doce, entre outras culturas comuns na região. Nos quintais das casas,
com água garantida pela adutora da Barragem do Açu, eles têm instalados pomares e hortas, além de
ser comum a criação de aves. A criação de grandes e médios animais não é expressiva.
O extrativismo vegetal é uma fonte de renda importante para muitos. A extração de lenha
destinava-se tanto ao consumo doméstico como também à venda para as panificadoras de Mossoró e
às cerâmicas de Açu. Francelino (2000) assegura que o Hipólito é o assentamento do semi-árido
norte-rio-grandense com o maior processo de degradação da cobertura florestal. A previdência
social é outra fonte de renda importante, sobretudo entre os não-integrados – 2/3 dos não-integrados
têm aposentados na família, isto é, compondo a renda familiar, contra 1/3 dos integrados. O dado
permite uma inferência: a renda segura parece desestimular a busca de outras alternativas, como a
integração. A presença de assalariados agrícolas é pouco importante, embora a pluriatividade, exercida
em atividades não-agrícolas, tenha seu peso na composição da renda do assentamento.
Quanto à escolaridade, o quadro é desolador: raras são as pessoas com o nível fundamental
completo. A gravidade da situação se intensifica quando separamos a escolaridade dos pais da do
restante da família. Nesse caso, o percentual de analfabetos e semi-analfabetos chega a 49%,
praticamente a metade dos chefes de família.
É significativo o número de famílias, principalmente entre as integradas, que possuem
geladeira, televisão e antena parabólica. É, porém, corrente a afirmação de que esses bens de
consumo foram adquiridos com mais facilidade nos primeiros anos do projeto, quando o
assentamento recebeu mais investimentos e o melão era mais remunerador. Os poucos carros (dois)
e motocicletas (quatro) existentes são propriedade de algumas famílias integradas e que contam
também com fontes de renda não-agrícolas.
Se a situação, após mais de dez anos, apresenta-se como foi descrita nos parágrafos
anteriores, podemos imaginar como seria nos momentos iniciais da implantação do projeto. Sem
dúvida, de modo semelhante ao que ocorreu em outros projetos de reforma agrária, a conquista da

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terra pelos assentados do Hipólito logo revelou os muitos obstáculos a superar. O maior deles era a
viabilidade econômica do assentamento, e esta, dada a amplitude da modernização agrícola na região,
estava associada à adoção de processos modernos de produção, concebidos como a única maneira
possível de não ficar “para trás”. Assim, a chegada ao mercado passou a ser vista por aquelas famílias e
pelos técnicos do INCRA como um imperativo para a superação da pobreza.
Cinco anos depois de criado o assentamento, em 1993, nele foi implantado um projeto de
irrigação, após a perfuração do poço e a aquisição do material necessário para a agricultura irrigada.
Com tal infra-estrutura, teve-se a iniciativa de produzir melão. A idéia partiu, principalmente, dos
técnicos agrícolas e agrônomos do INCRA e da EMATER, os quais anteviam a perspectiva de bons
negócios, devido às demandas do mercado consumidor externo. A melhoria de vida para aquelas
famílias era uma certeza. Com base nesse pressuposto, assinou-se um contrato com a Mossoró
Agroindustrial Ltda. – MAISA. Mais tarde, com a falência dessa empresa, tais acordos passaram a ser
realizados com a Nolem Comercial Importadora e Exportadora Ltda., a maior exportadora de frutos
do Brasil, sediada em Mossoró.
O contrato estabelece o volume da compra, o preço mínimo garantido, o prazo de
pagamento, a variedade dos melões, e as obrigações da empresa perante o vendedor e as deste
perante aquela. Nele ficam bastante explícitas as interdições e os deveres das famílias que se
integram. Não é permitido, por exemplo, a venda de melão a terceiros. Além disso, os integrados
devem, entre outras coisas, oferecer à Nolem as condições indispensáveis para a embalagem do
produto e acatar, sem restrições, a seleção dos frutos feita pela empresa.
Porém uma questão nos parece fundamental: por que aqueles agricultores buscaram a
integração?
Concretamente, uma série de razões justifica a associação de assentados do Hipólito com
empresas agrícolas de grande porte, para a produção de melão. Como um primeiro estímulo, pode-
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se considerar a crise pela qual passava o assentamento após o fracasso de alguns projetos ali
desenvolvidos quando da sua instalação e, como contraposição, a segurança comunicada pelo
discurso dos técnicos caso se passasse a investir na cultura de melão. Daí sua incorporação pelos
assentados: “é o melão que vai tirar a gente do prego” – diziam. Seria a adição dessa cultura que lhes
daria o sustento, uma vez que “o que mata a necessidade dos trabalhadores são as culturas que não
dependem da chuva enviada por Deus”.
Todavia, por que e como fixar-se num comércio tão amplo, além das fronteiras nacionais? Ora,
na cultura camponesa tradicional, o mercado era uma instituição simples. Restringia-se, em grande
medida, a uma relação local, direta, face a face, entre atores de uma mesma cultura, logo de um
mesmo padrão de gosto e concepções. Contudo, hoje, esta é uma descrição do passado.
A conquista de espaços de comercialização torna-se cada vez mais uma necessidade crucial
para a produção da agricultura familiar, uma vez que a quebra do isolamento da cultura camponesa a
coloca sob a influência do gosto e das expectativas dos grupos cujo poder simbólico é hegemônico. O
horizonte do consumo se alargou vertiginosamente, e o que o jovem assentado, por exemplo, deseja,
e na sua escala de valores aparece como um bem essencial, pouco difere dos desejos de consumo de
jovens urbanos de classe média. Como uma cultura da escassez, do viver e satisfazer-se com pouco, é
coisa do passado, e como o autoconsumo é incapaz de produzir a diversidade de produtos hoje
requerida pelas expectativas de satisfação, a economia camponesa precisa monetarizar-se. Daí seu
apelo ao mercado, não ao local, considerado pouco compensador, mas ao nacional e ao internacional.
Entretanto, não é demais lembrar que, no atual contexto da globalização, o mercado exige
mais qualidade nos produtos, acirrando a competição entre as empresas. A complexidade desse
mercado torna-o um desconhecido para o pequeno produtor, haja vista que é intermediado por um
conjunto de equipamentos, do fax ao e-mail, do site de vendas ao pregão das bolsas de mercadoria,
que ele não domina, e do qual se vê excluído. Portanto os riscos não são poucos e a competitividade
exacerbada exclui pessoas e territórios do alcance de oportunidades econômicas e sociais. Esse
produtor precisa escorar-se em quem conhece os meandros desse mercado, sua lógica de
funcionamento, e dispõe dos equipamentos (transporte, escritórios de representação, etc.)
necessários à circulação em seu meio.
Dessa maneira, a integração, ou terceirização, como é mais conhecida, apresenta-se como
uma estratégia utilizada pelos pequenos e médios agricultores do pólo de fruticultura Açu-Mossoró
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na busca por uma oportunidade além do espaço local. Integrar-se às grandes empresas fruticultoras,
possuidoras de selos de certificação, passa a representar uma saída para as suas limitações, pois
produzir e perder a produção por falta de mercado tem um efeito pior do que estar fora dele por falta
de produção.
Nesse aspecto é importante destacar a análise de Paulilo (1990, p.175):
“Numa atividade em que a produção tem de ser planejada com antecedência, a
presença constante de riscos é um fator de grande preocupação. O agricultor já se
defronta, com freqüência, com imprevistos 'naturais' (secas, pragas, epidemias,
etc.) e com os de mercado (perda de preço do produto, encarecimento dos
transportes e outros). A estes se somam as mudanças constantes na prática
governamental. [...] O agricultor investe na sua produção: usa financiamentos
bancários, constrói benfeitorias, corrige a terra, compra máquinas e paga
trabalhadores, sem esses investimentos, ele não consegue acompanhar a
tecnificação que houve no meio rural. E, o que é mais importante, ele tem que
investir antes de saber se o clima vai ser favorável e qual será a situação do mercado
por ocasião da safra. Segurança, portanto, é fundamental” (grifo nosso).

É inegável que a integração apresenta-se para o pequeno agricultor como um mecanismo


eficiente de redução dos riscos impostos pelo mercado capitalista globalizado, no interior do qual ele
se vê em relação com setores altamente competitivos. É o que aparece explícito em suas falas, seja
como resultado de suas próprias observações, seja como efeito da capacidade de significação de
técnicos e de outros agentes econômicos do Estado. Nesse sentido, é exemplar a explicação de um
líder comunitário:
“Na primeira experiência nós procuramos e começamos a comercializar com a
Maisa, mesmo sabendo que estava com um atravessador. Porque nós sabemos
produzir, mas não temos como comercializar. A gente tem medo de enfrentar o
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carro – que nem temos –, e botar a mercadoria em cima e ir vender em São Paulo.
Vender melão em São Paulo, pra quem não tem comércio certo, pode ser um
grande prejuízo. Já pensou se nós fosse pra São Paulo e virasse a carrada ou
roubassem o dinheiro? Ou se nós chegasse lá e ficasse perguntando: 'quem quer
comprar o melão do Hipólito?' A gente tem medo! Medo, não de produzir, nós tem
medo é de não vender!”

Um outro líder comunitário resume as vantagens dos acordos firmados com a Nolem, que
substituiu, na relação com eles, a Maisa, após a falência desta:
“Com o melão, prejuízo a gente não tem. Pode não ter muito lucro. Com a Nolem
já faz oito anos que temos o contrato. Ela nunca falhou com nós. Ela oferece o
adubo, as sementes e está contribuindo com quase todo nosso trabalho. Ela nunca
falhou com o contrato e paga até antes do dia marcado. Ela não faz o contrato para
dizer assim: 'é só isso!', não. Ela faz o contrato e só se tem o perigo de subir o preço,
de baixar nada. Outra coisa boa é que, com ela, nós compra os insumos mais
barato”.

Até a safra de 2001-2002, o cultivo do melão, porta para a integração, apresentava-se como a
grande alternativa econômica para os assentados do Hipólito. As lavouras tradicionais perdiam
importância, como pode ser percebido na fala de um entrevistado:
“O povo lá fora diz: 'porque não planta milho?' Quem sabe somos nós! Com milho a
gente não paga as contas. A gente planta e quando colhe e vai vender, o milho não
tem valor nenhum. Que preço tem o milho? Tá certo que ele não precisa de
insumo caro, mas só as despesas da água e da energia come tudo o que rendeu e a
gente ainda coloca do bolso, às vezes. Com o melão isso não acontece”.

Essas falas explicitam a principal razão para a integração no Hipólito: a segurança da venda do
produto, acompanhada da estabilidade dos preços e do recebimento do pagamento na data marcada.
Além disso, os agricultores estariam também seguros quanto à assistência técnica, muito onerosa
para uma comunidade sem recursos. Tudo isso justifica o fato de, mesmo reconhecendo a
intermediação de um atravessador, eles defenderem com veemência a necessidade da integração.

A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO: INTEGRAÇÃO E PERMANÊNCIA NA POBREZA

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“O melão é uma coisa falsa!”
(líder comunitário)

Até o início da safra 2001-2002, por ocasião de uma de nossas pesquisas de campo, a
produção integrada do melão no Hipólito, à primeira vista, era muito bem avaliada pela maioria dos
assentados. Mesmo entre aqueles que não estavam integrados, não encontramos uma grande
rejeição aos contratos, pois, quando indagados sobre por que haviam deixado de produzir melão, as
respostas apontavam em outra direção: a baixa lucratividade, a falta de financiamento, as ocupações
no lote individual, outro emprego fora do assentamento e problemas de relacionamento com os
outros assentados.
Apesar de o plantio do melão apresentar-se, para muitos, como uma alternativa de melhoria
de vida, o prosseguimento da pesquisa de campo foi mostrando que a realidade ali era bem mais
complexa e que, não raro, ela contradizia a euforia e a positividade de alguns discursos.
Num primeiro momento, quando procurávamos melhor compreender o vínculo que se
estabelece entre os integrados e a empresa integradora, ficou evidente a hipótese de que há uma forte
dependência dos integrados com relação à empresa em todas as etapas da produção: no quanto
produzir, no fornecimento dos insumos, na orientação técnica e na venda do fruto. A segurança, razão
da busca pela integração, se converte em dependência. Assim, quando questionados sobre por que
não plantavam melão sem a participação da Nolem, ou de qualquer outra empresa da região, ouviam-
se respostas do tipo: “Se não tivesse a empresa, ficava ruim para pegar preço” (R. P. J., integrada), ou
“A gente não planta sozinho porque não tem condições. É tudo comprado à Nolem para pagar com o
apuro do melão” (J. F. S., integrada), ou, ainda: “Se não tivesse a Nolem, tinha que procurar outra. Nós
tem que ter um atravessador para comprar, porque a gente não tem como vender direto” (A. R. S.,
integrado).
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A dependência significa também submissão a um controle, perda de autonomia. Desse modo,


a participação nesse mercado distante, globalizado, via integração, coloca em xeque algumas das
características clássicas do campesinato, como a autonomia sobre todo o processo produtivo e a
liberdade em relação ao uso do tempo. Cavalcanti (1997, p.80) aponta a perda de autonomia:
“O controle externo sobre o tipo de produto que deve ir aos mercados interfere,
assim, nas decisões que orientam o processo produtivo e nas estratégias utilizadas
pelos produtores para garantir a competitividade de seus produtos”.

Quanto ao uso do tempo, o processo produtivo tecnificado exige, como rotina, uma série de
procedimentos intimamente relacionados com a sua contabilidade. Há, portanto, a exigência de
uma administração efetiva do tempo e uma forma modelar de execução de cada tarefa, ou seja, uma
nova disciplina.
O uso da mão-de-obra da família, uma característica que persiste, apesar de todas as
mudanças, na identificação da agricultura familiar, também se vê atingido pela produção integrada.
Como esta se faz em áreas irrigadas e coletivas, somente um membro da família, no Hipólito,
participava da atividade. A mão-de-obra engajada nessa produção era, portanto, a do chefe da família,
e não a dos demais membros.
A dependência evidente no discurso dos integrados não deve ser discutida levando-se em
consideração apenas o campo restrito do Hipólito, mas como resultado de um fator bem mais amplo:
a penetração do capital na agricultura via processo de modernização agrícola.
As teses principais de Graziano da Silva expressas em A modernização dolorosa (1981) mantêm
sua atualidade e são válidas para se compreender o que se passa no Hipólito: “[...] é justamente nessa
vinculação crescente ao mercado, à circulação capitalista de mercadorias, que se materializam as
formas concretas de extração do excedente ou sobretrabalho desses camponeses” (p.127). Eles são,
para o autor, “trabalhadores para o capital”, este representado pela grande lavoura de exportação,
pela agroindústria ou pelo próprio capital comercial. O autor detalha o funcionamento dessa relação:
“[...] a apropriação de excedentes dá-se através do financiamento dos insumos e da
'assistência técnica', que cria uma dependência do pequeno proprietário e o força a
adotar um novo padrão técnico; e através da venda num mercado monopsônico da
matéria-prima industrial por ele produzida. Nessa forma de articulação da
agricultura com a indústria, a propriedade privada da terra detida pelo pequeno
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produtor e mesmo o caráter 'independente' da produção ficam bastante


descaracterizados” (Graziano da Silva, 1981, p.129, grifo nosso).

Assim, o capital intervém nas unidades camponesas como comprador de mercadorias e


fornecedor dos meios de produção de que elas necessitam. É isso que submete os produtores às
orientações da empresa mediante um contrato, restringindo a capacidade de gestão deles sobre o que
está sendo produzido. Todo esse processo era largamente sentido pelos assentados integrados: “A
empresa fiscaliza. Se não sair do jeito que ela quer, então não acontece coisa boa” (R. P. J., integrada).
“Plantei durante dois anos. Deixei porque o dono lá era a Maisa. Nós era só pra
trabalhar. Vou voltar a trabalhar para os outros? Lá era o que a Maisa dissesse. Nós
não tinha direito a dar opinião porque tudo quem dizia era a Maisa. Vem gente de lá
para saber se a gente tá fazendo direito. Tem muita gente que engole tudo calado”
(J. B. C., não integrado).

A subordinação às empresas é evidente em todos os contratos. Os produtores não têm peso


político e econômico para estabelecer preços e lhes falta mesmo capital cultural para entrar no
debate: “Só se a gente soubesse bem discutir o dólar!...” – ironiza um líder comunitário. Outro líder
assegura: “A gente faz a pesquisa de preço com as outras empresas e tudo é um preço só. Elas se
combinam. Se nós produzisse e comercializasse, eu tenho certeza que nós já era uma associação com
um grande patrimônio”. As falas repetem o mesmo diapasão: “É discutido com a empresa, mas a
Nolem é que dá o preço. A gente só dá o preço do refugo” (R. P. J., integrada); “Se a gente pudesse
controlar o preço era melhor. Só ficamos é com o trabalho, que é muito grande” (E. F., integrado).
Fica evidente que o preço do melão não é ajustado entre as partes como deveria ser; ele é
imposto pela integradora, cabendo à associação dos assentados – criada em 20 de maio de 1987 –
aceitar ou não. A fala do segundo líder comunitário enxerga a integração como um entrave ao
rompimento com a pobreza, em vez de se constituir como elemento propulsor. Num horizonte
limitado de escolhas, a terceirização é assumida como um mal necessário.
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A renda proporcionada pela integração é o resultado da divisão do montante pago pela
empresa integradora, subtraídas todas as despesas com o adiantamento dos insumos. Esse valor é
dividido, proporcionalmente, pelo número de diárias trabalhadas por cada uma das famílias. O valor
médio recebido na safra 2000-2001 foi de R$ 367,07, portanto uma renda ínfima, tomando-se por
base o número médio de diárias trabalhadas naquela safra – 56,17. A situação mostra-se mais grave
quando consideramos que os integrados trabalharam praticamente três meses, recebendo, em
média, R$ 122,35 mensais, portanto bem menos de um salário mínimo da época – R$ 151,00.
Desse modo, é grande o descontentamento com a renda advinda da cultura do melão. Das
famílias entrevistadas, 60% mostravam-se insatisfeitas com o lucro obtido na safra 2000-2001. Dos
outros 40%, uma grande parte mostrava-se não exatamente satisfeita, mas resignada, porque, dado o
volume das despesas, não podia esperar uma renda maior.
A explicação para a renda insatisfatória é atribuída pelos assentados às vantagens que a
integradora tem em negociar com eles: “A margem de lucro dela é muito grande, porque ela exporta.
Nós é que trabalhamos muito” (A. N. S.); “A empresa tem muito lucro porque compra muito barato.
Aqui a gente trabalha muito e ganha pouco” (J. P. S.); “Ela deve ter um lucro muito bom. Se não tivesse,
ela não tinha tanto interesse em procurar a gente” (A. L.); “No ano passado teve gente que vendeu
animal para pagar contas, porque o melão não deu” (J. M. S.).
Para os técnicos, isso se deve ao número de pessoas envolvidas na produção. Para um técnico
agrícola que acompanhou o cultivo, numa área de 30 ha seria suficiente a mão-de-obra de 15 ou 20
pessoas. Porém “nós temos utilizado muito mais gente devido ao problema social. Às vezes tem gente
que trabalha muito pouco, mas ganha alguma coisa porque tem necessidade de sobreviver. Então, no
proporcional, cai a renda” – diz ele.
Os baixos rendimentos devem-se ainda à natureza mesma da produção tecnificada. Ela exige
vultosas despesas, uma vez que, para produzirem de acordo com as orientações da integradora, as
famílias integradas contraem dívidas tanto com a empresa quanto com casas comerciais de insumos
agrícolas, isso porque nem sempre a integradora fornece todos os insumos necessários, tendo os
assentados que adquirir o restante no comércio local e pagar com juros, pois essas dívidas são
liquidadas em média 70 dias após a compra, quando eles fecham as contas com a empresa.
A dependência tecnológica os coloca ao sabor da variação do preço dos insumos. “Em 2001,

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houve um aumento muito grande dos insumos” – comenta, preocupado, um ex-presidente da
associação. Segundo ele, o quilo da semente, que em 2000 custava R$ 750,00, em 2001 custava R$
1.180,00; o saco de adubo, que custava R$ 40,00 em 2000, em 2001 passou a ser adquirido a R$ 60,00.
Um dos defensivos utilizados era comprado em 2000 por R$ 180,00 e passou depois para R$ 240,00.
O litro do inseticida usado para combater a mosca branca custava, em 2001, R$ 500,00 e o preço
disparou depois de 2002. Alguns produtos tiveram um aumento superior a 50%. Enquanto isso, o
preço do melão não acompanhou esse índice: a caixa de 13 kg, que no ano de 2000 foi pré-fixada em
R$ 2,75, em 2001 passou para R$ 3,00; ou seja, elevou-se apenas aproximadamente 10%! O mesmo
índice se refletiu também no preço final: em 2000 chegou a R$ 3,20 e em 2001 a R$ 3,50.
Além da dívida gerada pelo fornecimento dos insumos, os assentados estão também sujeitos a
uma série de despesas menores que podem ocorrer durante a produção. A fala do secretário da
associação esclarece do que se trata:
“Por exemplo, se falta alguma coisa para o trator, nós se junta e compra. Se precisar
comprar um pneu para o trator, é nós. Pagar a energia, é nós também. A gente
desembolsa das nossas economias para manter nosso trabalho”.

O resultado, ao final da safra, é a repetição do ciclo de subsistência. Indagados sobre em que


fora utilizada a renda da safra, a resposta pouco variou: em alimentação. Raros foram aqueles que
afirmaram ter usado o dinheiro para a compra de um eletrodoméstico ou de um animal para aumentar
o rebanho. Uma certa acumulação, descontínua e artificial, só foi possível nos primeiros anos do
assentamento, quando os assentados conseguiam financiamento com bons prazos de carência. Na
época, muitos adquiriram televisão, moto e algumas reses. Porém, diz o secretário da associação:
“Como agora não existe mais a carência e os custos estão muito grande, os lucros
ficam mais para a alimentação. A gente quando tá plantando chega junto a um
fornecedor, uma bodega, e o cara, que também está visando o lucro, vende à gente
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para pagar quando recebe o saldo de lá, em 60 ou 90 dias; aí começa a repassar para
a bodega. Dificilmente dá para se investir em outra coisa”.

O cenário traçado por um ex-integrado é ainda mais dramático:


“Desde o dia que começam a trabalhar até a colheita não recebem nada. Só gastam.
Depois de terminada a colheita tem mais uns dias de prazo para a Nolem pagar. A
gente diz que não existe mais escravidão, mas existe, porque eles trabalham sem
receber uma moeda. É bonito lá fora a gente dizer que está plantando sem nenhum
recurso financeiro do banco. Mas não se mostra a dura realidade, que aqui tem pai
de família trabalhando e passando necessidades. Ficam comprando na bodega e
quando recebem o dinheiro, muitos não têm condições nem de pagar a conta. Aqui
a bolsa renda tem ajudado um pouco para que as pessoas não passem fome”.

Por fim, uma outra razão explicativa da baixa renda do assentamento diz respeito ao
deficiente conhecimento das técnicas agrícolas aplicadas ao cultivo do melão. Alguns assentados já
detêm um certo conhecimento quanto à pulverização e ao controle de doenças. Contudo, para o
técnico agrícola da extensão rural estatal isso não é suficiente:
“A cultura do melão precisa de um acompanhamento agronômico permanente,
principalmente no que toca ao controle de pragas e doenças, e isso eles não têm. É
um pessoal de baixo conhecimento técnico e educacional, pois grande parte deles
é analfabeto. A gente entrega o produto, anota e vai dizendo: 'você vai colocar
dessas cores, esse tipo de produto e esse tipo de vidro', porque eles não
conhecem, não sabem ler. Então separo todos os produtos e digo para eles qual é o
produto que deve ser colocado. A gente tem que fazer um controle, uma visita
permanente, porque senão alguns deles mudam. Tem caso até de alguém que quer
trocar o produto na hora de aplicar. Por exemplo, se eu oriento a aplicação de um
produto e na hora não tem, eles simplesmente não fazem a aplicação e dizem que
deu tudo certo. Se a gente não estiver constantemente observando e
acompanhando existem muitas falhas. Neste ano, a Nolem está dando um
acompanhamento: o técnico deles faz uma visita uma vez por semana para ver
como está se levando a cultura. Mas fica difícil para o colono produzir dessa
maneira. Eu acho que seria até um milagre se eles produzirem direito uma cultura
dessas, porque eu conheço eles desde 1992, e sei que existem muitas falhas e a
gente tem que estar corrigindo os defeitos que vão chegando”.
526

A análise desse técnico se revelou correta. Grande parte da safra 2001-2002 foi considerada
refugo pelo técnico da Nolem responsável pela seleção do fruto. Os melões não estavam, segundo
ele, dentro dos padrões de qualidade desejados pela empresa. Muitos estavam murchos, por falta de
irrigação, e outros não atingiram o teor de açúcar indicado pela empresa. Mesmo os frutos que
passaram pela seleção não estavam apropriados para o mercado externo e foram encaminhados para
o mercado do Sudeste do Brasil.
Assim, a referida safra deu um grande prejuízo aos assentados. Quando do seu término, em
janeiro de 2002, o sentimento coletivo no Assentamento Hipólito era de desolação. Segundo a
associação, a venda da safra ficou bem abaixo das despesas que os agricultores tiveram com os
insumos fornecidos pela integradora. Acrescentem-se, ainda, os débitos com o comércio local e com
a empresa fornecedora de energia elétrica.
Ainda sofrendo as conseqüências dessa dívida, os agricultores do Hipólito, sem outras
alternativas econômicas mais significativas, arrastam-se hoje carregando as características de um
campesinato empobrecido, tradicional, apesar das tentativas de articulação a uma globalização
portadora de largas promessas. As características econômicas da comunidade não diferem muito
daquelas visíveis em outras que passaram ao largo de experiências semelhantes: a agricultura de
sequeiro como principal atividade econômica, as aposentadorias com peso significativo na
composição da renda, o extrativismo vegetal como fonte de renda importante para muitos, a pecuária
sem maior significado de poupança.
Diante desse quadro, fica claro que, se, por um lado, os assentados, ao se integrarem às
empresas, ficam livres do risco de não terem como escoar a produção, por outro caem numa relação
de total dependência e submissão, além de experimentarem a construção de um novo risco: o da
perda da produção por falta de conhecimento técnico.
FRANCISCO DAS CHAGAS SILVA SOUZA - AÉCIO CÂNDIDO DE SOUSA
CONCLUSÃO
A renda obtida por assentados do Hipólito em anos seguidos de cultivo do melão indica que o
modelo de integração adotado compromete visivelmente a noção de sustentabilidade, em pelo
menos três de suas dimensões: a econômica, a social e a espacial. A produção integrada do melão não
garantiu às famílias uma perspectiva de crescimento econômico, pois não gerou renda suficiente que
permitisse uma certa acumulação. Em conseqüência, ela não foi capaz de reduzir a gravidade do
quadro social do assentamento e de ampliar significativamente a possibilidade de novos laços e
interações sociais ou, ainda, de fixar as famílias num novo desenho espacial rural que concorra para
um melhor equilíbrio entre a cidade e o campo. Algumas pessoas têm abandonado o assentamento e
outras nunca chegaram a nele instalar-se completamente, em razão da insuficiência da renda.
A integração, ao nosso ver, tem ocorrido sobretudo devido à falta de outras opções de renda.
Assim, é a luta pela sobrevivência, no sentido mais literal da expressão, o principal motivo da adesão.
É, portanto, dentro de um contexto muito restrito de opções que deve ser entendida essa produção
integrada. Muitos não se integrariam caso surgisse outra oportunidade de trabalho fora do
assentamento ou uma aposentadoria, por exemplo. Não é ocioso voltar a assinalar que o maior
número de aposentados está entre as famílias de não-integrados, muitas das quais viveram a
experiência quando não tinham no seu meio ninguém com uma renda segura.
Assim, diante da falta de perspectivas de futuro, da decepção com projetos que fracassaram,
da inconstância e insuficiência da assistência dos órgãos governamentais, o que restava àquelas
famílias senão plantar melão e comercializá-lo sob as condições dadas, acreditando poder obter, se
tudo corresse bem, uma pequena renda para suprir algumas necessidades? Era, pois, a esperança de
dias melhores o que as motivava. Elas, mesmo sabendo das dificuldades que enfrentariam, não
deixavam de acreditar que o ano seguinte seria melhor que o já passado.
Com base no exposto, compreende-se por que as diferentes avaliações presentes no
discurso dos assentados. Para alguns, o melão significa “uma bênção”, “uma salvação”, enquanto para
outros “dá prejuízo”, é “uma coisa falsa”, “tem segredos” e “é só para os ricos”. Quanto à empresa
integradora, ao mesmo tempo que ela é criticada porque “compra barato e tem muito lucro”, é vista
também como uma necessidade, pois “se está ruim com ela, pior sem ela”.
Algumas recomendações de caráter prático podem ser aventadas a partir dessas conclusões:

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1º) Dado o seu desconfortável lugar na produção agrícola de grande escala, o pequeno
agricultor familiar precisa, urgentemente, encontrar nichos de mercado, principalmente aqueles ainda
não explorados. A existência de outras fontes geradoras de emprego e renda é uma necessidade cada
vez mais premente. No caso do Hipólito e de outros assentamentos da região, não defendemos que a
produção do melão seja totalmente descartada, mas que ela venha a ser uma opção num leque de
várias outras alternativas viáveis, cabendo às famílias escolherem aquelas que lhes sejam mais
satisfatórias;
2º) O associativismo deve ser desenvolvido, corrigindo-se algumas distorções criadas pela
carência de uma política organizacional. O individualismo e a desconfiança predominam. No Hipólito,
os líderes estão resumidos a um pequeno número de pessoas que se revezam à frente da associação
desde que o assentamento foi criado. Muda-se, na maioria das vezes, apenas de função nas novas
diretorias;
3º) O fortalecimento da agricultura familiar e a criação de projetos voltados para as mulheres e
para os mais jovens devem ser implementados. No Hipólito, no que tange à produção do melão, isso não
ocorria, como fica claro no depoimento de uma integrada: “Aqui só trabalha um de cada casa. Tem
muito homem querendo trabalhar, mas não pode. Então, muitos vão embora e os que ficam, para não
ficar parado de tudo, vai tomar conta dos bichos, cortar lenha”;
4º) São necessários investimentos em capital humano. As famílias não estão preparadas para
uma produção tão rigorosa como a do melão. Faltam conhecimentos técnicos, disciplina para o
trabalho meticuloso, paciência para o debate intrínseco à gestão coletiva, competência administrativa
e mentalidade de cálculo. Esses problemas exigem a superação do déficit educacional, um dos
maiores desafios para as comunidades rurais como o Hipólito. A falta de noções de administração
rural e de uma atitude empreendedora, por parte dos assentados, são questões recorrentes quando
FRANCISCO DAS CHAGAS SILVA SOUZA - AÉCIO CÂNDIDO DE SOUSA

lembramos da má administração dos lucros que eles tiveram no início do projeto integrado do melão,
quando contavam com os subsídios do governo.
Assim, fica cada vez mais evidente que o acesso à terra, mesmo que se constitua num
importantíssimo passo para a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, por si só é insuficiente
para inserir no processo de produção sujeitos historicamente marginalizados. É necessário
superarem-se os círculos viciosos que dão origem à pobreza, permitindo-se alcançar uma melhor
qualidade de vida, ou seja, um desenvolvimento rural com sustentabilidade. Isso depende não só de
mudanças nas políticas públicas, mas também, e principalmente, de uma sociedade local organizada,
cujos atores sociais sejam capazes de construir uma nação em que as disparidades sociais sejam
menos gritantes.

REFERÊNCIAS
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