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Ângelo de 7 anos veio ao SPA trazido por sua tia com que morava.

Na
primeira entrevista a tia do menino contou que os pais do menino havia se
separado há uns dois anos e que ele e sua irmã moraram com a avó materna
até que essa veio a falecer. Desde que os pais se separaram as crianças não
mais tiveram contatos com a mãe e com o pai também não ocorria com tanta
periodicidade. Após a morte da avó, as tias paternas acordaram que cada uma
cuidaria de um das crianças dada a impossibilidade de uma delas ficarem com
ambos os irmãos.

Desde então, Ângelo mora com a tia que veio a procura do SPA
relatando que se preocupava que essa situação vivida por ele pudesse causar
amplos prejuízos, os quais ela já observava alguns como o fato do menino
mostrasse reticente a dividi-la com amigos, trabalho, outros afazeres. Nessa
ocasião a tia também relatou sobre sua dificuldade da entrada do menino na
sua casa. Ela afirma que já havia pensado e desejado ter um filho, mas a forma
como isso se deu foi inesperada e que ficava incomodada quando era
chamada de mãe por parte da criança.

Nos primeiros atendimentos logo foi possível perceber que Ângelo


chamava a tia de mãe, mas em um primeiro momento essa situação criou
dificuldades em análise por se acreditar que era uma necessidade de que ele
realmente precisasse se separar da tia para elaborar toda situação de
separação dos pais. Então, tudo o que menino fazia em análise era
interpretado usando o crivo da demanda da tia, mas isso gerava um
desencontro entre a escuta do analista e aquilo que realmente o Sujeito queria
dizer fazendo com que as verdadeiras questões do paciente não fossem
ouvidas.

De alguma maneira a demanda da tia se alinhava as próprias crenças do


analista sobre o que acreditava ser ou não a separação dos pais para uma
criança. Parecia inviável pensar que essa questão não fosse a primordial para
uma criança, mas com o tempo as sinalizações feitas em análise colaboraram
para revelar que a escuta estava contaminada com as pontuações feitas pela
tia.

Passada essa dificuldade inicial, foi possível perceber que o paciente


tinha dificuldades de tomar o seu desejo em pauta. Sempre que queria fazer
algo demandava ao analista que esse lhe desse uma confirmação sobre sua
escolha, desta forma nunca se dizia: “Vamos jogar bolinha de gude!”, mas
“Bolinha de gude??”. A princípio perguntava-se a ele se era realmente isso ou
aquilo que gostaria de fazer o que não fugia do assentimento esperado por ele,
a partir disso o analista passou a não mais responder fazendo que se
responsabilizasse por suas escolhas e daí o menino começou um trabalho para
que ele pudesse tomar atitudes sem necessariamente precisar da confirmação
de um outro.
Outra situação que pode-se ressaltar eram os jogos que o menino
participava. Ele nunca se permitia ganhar e a princípio acreditava-se que a
questão era sobre perder ou vencer, ou melhor sobre não querer vencer a
partida. Enquanto o analista não permitia-se ganhar, o menino mais ainda o
fazia e assim o jogo nunca terminava e isso satisfazia o paciente. De alguma
forma, os jogos empreendidos pelo paciente faziam um apontamento da
dificuldade dele com o fim das relações vividas, seria bem melhor se
pudéssemos manter todos juntos sempre, mas a vida fazia outras duras
exigências que obrigam as pessoas a aprenderem a lidar com fim.

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