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MASCULINO/FEMININO

Brown, J. K.
LXXIL, 5,
19704 A note on the division of labor by sex, in «American Anthropologist,
pp. 1073-78.
Iroquois, in «Ethnohistory»,
1970b Economic organization an the position of women among the
XVII, 3-4, pp. 151-67.
Chapman, A.
Cambridge Uni-
1982 Ono Power in a Hunting Sociewy. The Selk'nam of Tierra del Fuego,
versity Press, Cambridge.
PARENTESCO
-——+Detenne, M.
1, pp. 3-8.
1977 Potagerie de femmes, ou comment engendrer seule, in «Culturen,
Godelier, M.
baruya della Nuova
1976 Il sesso come fondamento ultimo del"ordme sociale e cosmico nei
Verdiglione (org), Sessualitã e polinca, Feltrinelli, Milano,
Guirtea. Mito e realtã, in A.
pp. 337-72,
Guidicri, R.
XV, 2, pp. 103-19.
1975 Note sur le rapport mále-femeile en Mélanésie, in «L'Hommer, O estudo do parentesco é o domínio por excelênci antropologia. .
Hérincr, F.
au stade pré- O temor reverencial que isso incure deriva um pouco paradoxalmente da
1978 Fecondité et stérilité. La traduction de ces notions dans le champ idéologique
scientifique, in E, Sullerot (org.), Le Fait féminin, Fayard, Paris,
pp. 387-96. ideia, comum aos não-especialistas, de que não é necessário ser um técnico
Ingham, J. para compreender e até para praticar o que releva das ciências sociais. Para
1, pp. 76-87,
1970 On Mexican Folk Medicine, in «American Anthropologistn, LXXII, além disto, como já acontecia com “família” e 'casamento”, o termo 'paren-
Kaberry, Ph. M.
tesco” tem uma aparência tão familiar e benévola que faz aflorar em quem
1939 Aboriginal Woman, Sacred and Profane, Routledge, London.
Knibichler, Y. o escuta ou lê experiências tão íntimas e naturais que ninguém julga igno-
4.
1976 La nature féminino au temps du Code crmil, in vAnnalese, XXXI, rar do que se trata nem sequer nutrir a suspeita de que as suas experiên-
Lafitau, J.-F. cias familiares e aparentemente inteligíveis não sejam as mesmas para todos
temps, Saugran
1724 Mars des sauvages amérquains, comparées aux mocurs des premiers
lainé, Paris. os povos do mundo — à excepção de certos costumes exóticos conhecidos
Lewis, O. e invejados, como a poliginia! À literatura antropológica sobre o parentesco
gist», XLIII,
1941 Manly-hearted women among the North Piegan, in «American Anthropolo destrói cruelmente estas ilusões.
2, pp. 173-87, De facto, estas duas ideias são radicalmente falsas, Entrar no domínio
Saladin d'Anglure, B.
1978 L'homme (angu), le fils (imig) et la lumitre (quu). Ou le cercle du pouvoir masculin do parentesco significa entrar numa esfera de estranheza: um velho chama
pp. 101-44.
chez les Inuit de PArctique central, in «Anthropologicar, n. s., XX, 1-2, a uma rapariga «mãe»; um homem que goza da consideração geral pode casar-
Seaver, J. E. -se com a filha do irmão da sua mãe, mas é considerado o mais miserável]
NY.
1824 A Narrative of he Life of Mrs Mary Jemison, Beamis, Canandaigua
Whytre, M. K. dos seres, expulso, talvez espancado, ou condenado à morte, se tiver rela-
Science
1978 Cross-cultural studies of women and the male bias problem, in «Behavior ções suspeitas com a filha do irmão do seu pai, ou até com a neta do irmão
Research», XIII, 1, pp. 65-80.
do seu avó paterno; uma mulher brinca livremente com o irmão mais novo
do seu marido, injuriando-o com termos obscenos, mas baixa humildemente
os olhos perante o irmão mais velho, a quem serve de joelhos e a quem
se com tal evidência na
(5 A dominação do homem sobre a mulher (cf. servo/senhor) manifesta- nem sequer dirige a palavra...
(cf. política) e do económico
sociedade ocidental, no plano do simbólico (cf. símbolo), do político Tudo isto não significa, no entanto, entrar no reino de um total arbi-
e natural (cf, exclusão/nie-
(cf. economia), que parece um resultado de uma inferioridade objectiva
a análise histórica (cf. trio. Os conjuntos diferentes do nosso, elaborados por outras sociedades.
gração, natureza) da mulher relativamente ao homem. Todavia, embora
não pareça oferecer
história) e antropológica (cf. anthropos) de sociedades actuais e passadas, funcionam de modo equilibrado (quando estas sociedades não são perturba-
de visões ideológicas (cf.
nada que altere essa visão, trata-se, na realidade, de um resultado das pela introdução das religiões reveladas e pela extensão selvagem da civi-
original» (cf, cul-
ideologia) do problema em questão, De facto, a investigação de uma «verdade
tura/eultura s e origens) efectuada em sociedades ditas primitivas (cf. primitivo, selvagem/bárbaro/ervi- lização ocidental) e encontram intelectualmente justificação aos olhos dos
existência da sociedade
lizado; caça/colheita, pastorícia), se por um lado manifesta como condição de seus próprios membros através da própria harmonia da sua adequação a todos
de mulheres» (cf. endoga-
humana e da perpetuação da espécie, o tabu do incesto e à «troca os domínios da actividade social, económica, política, natural e simbólica.
esta troca como O resul-
mia/exogamia, família, casamento, parentesco), por outro, faz entender
fecundidade da mulher Há já muito tempo, desde o livro de Morgan [1871] sobre sistemas de con-
tado de uma apropriação (cf. propriedade) do poder (cf, poder/autoridade) de
homem/mulher); isto tornou-se possível devido à menor dispombili- sanguinidade e afinidade da família humana, que os costumes de parentesco
por parte do homem (cf.
(cf. domesticação, recursos,
dade da mulher na descoberta e produção dos meios de subsistência diferentes dos nossos não são considerados com um interesse folclorístico como
processo reprodu-
excedente), devido ao seu empenho, bastante maior do que o do homem, no costumes «selvagens» ou «bárbaros» destituídos de sentido, mas que se pro-
como produtora e ama,
tivo (cf£., para alguns aspectos particulares, histeria), pelo que menos
com todas as consequências que daqui tenham podido advir, até no
plano das instituições, curam compreender e elucidar segundo as suas leis de funcionamento,
PARENTESCO AN 29 PARENTESCO

remeter para Murdock 1949; Fox 1967; Auge 1975: por outro lado, dar-se-
-á como conhecida a obra fundamental de Lévi-Strauss Les structures élê-
mentaires de la parenté, 1967]. Parece preferível apresentar novos pontos de
reflexão e dados mais recentes no âmbito da pesquisa sobre o parentesco.
e isso segundo três directrizes: 1) quais são as leis gerais a partir das quais
são elaboradas as terminologias de parentesco; que possibilidade existe de
rior do grupo, nas regras de aliança que orientam positiva ou negativamente se chegarem um dia a estabelecer as correspondências profundas que unem
a escolha do cônjuge, nas regras de residência, nas regras de wansmissão dos sistemas terminológicos, regras de filiação e regras de matrimónio?
elementos que constituem a identidade de cada um e, finalmente, nos 11pos 2) pegando directamente nas questões levantadas por Lévi-Strauss [1965],
de agrupamentos sociais nos quais os indivíduos estão filiados. de que modo funcionam as estruturas semicomplexas da aliança? 3) por
A especificidade do estudo antropológico do parentesco e o motivo pelo último, como surge a passagem às estruturas complexas?
te
qual ele se apresenta para muitos como um empreendimento aterrorizan
residem no facto de as unidades discretas do seu material humano, que cons-
tituem o seu objecto (sobretudo no que respeita aos campos privilegiados 1. As les gerais do parentesco
do estudo das terminologias e das regras matrimoniais), se prestarem natu-
ralmente, por assim dizer, a análises técnicas de uma grande abstracção Foi dito que o estudo do parentesco se refere às relações que unem os
(pense-se nos estudos formais e componenciais de terminologias de
paren- homens entre si através de laços baseados na consanguinidade e na afini-
tesco, na moda durante um certo período, atraves de obras de Lounsburv dade. A utilização do termo 'consanguinidade' suscita imediatamente pro-
ou de Goodenough), a formulações algébricas e, em certa medida sem dúvida blemas e remete para debates antigos retomados recentemente com a teo-
menor, matemáticas [Buchler e Selby 1968; Ballonoff 1974], e, ainda,
a tra- ria da selecção de parentesco (kin selection), proposta pela sociologia
tamentos por computador [cf. Kunstadter 1963]. americana. Antes de mais, trata-se de um problema de definição: deixe-
Tudo isto parece muito afastado dos dados concretos da experiência. mos de lado o facto de, em direito romano, tal designar exclusivamente
Porém, não se deve crer que, por essa razão, se submetam sempre os fac- os parentes em linha paterna, os agnados, com exclusão dos utérinos;
tos ao leito de Procustes, apenas pelo prazer de nos entregarmos gratuita- entendamo-lo como um conjunto cognático (dir-se-á também «bilateral» ou
mente aos jogos do espirito: o computador tornou-se o meio indispensável «indiferenciado»), ligado ao Ego por intermédio de homens e de mulheres,
para atingir as realidades do funcionamento matrimonial das sociedades que em linha directa ou em linha colateral, segundo cadeias genealógicas
de outro modo não se poderiam atingir, e as análises formais de Lounsbury precisas.
[1964], por criticáveis que possam ser, permanecem entre às mais estimu- É claro que esta definição, propriamente biológica, não se adapta às socie-
lantes e esclarecedoras que têm sido escritas sobre a lógica interna dos sis- dades humanas onde a consanguinidade é o resultado de uma escolha. Podem
temas de parentesco crow e omaha. Todavia, uma boa parte dos trabalhos dar-se alguns exemplos: em muitas sociedades, incluindo a nossa, «pater ist
de tipo componencial ou matemático desemboca apenas numa tradução labo- quem nuptiae demonstrant»; a adopção cria laços de consanguinidade ficti-
riosa noutra linguagem de factos cuja concatenação teria ficado totalmente cia cujos efeitos são tão constrangedores, juridicamente, quanto os da con-
clarificada através de uma exposição em lingua natural. sanguinidade real: não é lícito casar com o irmão adoptivo; nas sociedades
Um outro motivo de temor reverencial reside no facto de não existirem, que têm um sistema de metades com casamento com a prima direita bilate-
ao que parece, domínios de antropologia que tenham suscitado discussões tão ral (cf. o artigo «Endogamia/exogamia»), os primos cruzados, isto é, os filhos
vivas. tão duradouras, tão técnicas e tão bizantinas (e, por isso, aparentemente de um irmão e de uma irmã, não se consideram em si como consangui-
reservadas aos iniciados), como as que opuseram durante anos, por exemplo. neos, mas como afins, ou seja, como indivíduos casáveis e casados, dado
os defensores da teoria da filiação e os da teoria da aliança [cf. Barnes 1971: que pertencem por nascimento a metades diferentes; só os primos paralelos
Dumont 1971], ou as que se desencadearam em torno do problema da exis- são considerados consanguineos: os filhos de dois irmãos pertencem à mesma
tência ou não de casamento patrilareral (com a filha da irmã do pai [ef. Need- metade e não podem casar entre si, tal como os filhos de duas irmãs (nesta
ham 1958; Maybury-Lewis 1965]), ou ainda, a um nível mais concreto, as primeira parte do artigo, “filhos" é utilizado sempre como “filhos e filhas"
levantadas à propósito das diferentes interpretações que se podem fazer de salvo indicação em contrário).
descrições ernológicas sobre determinadas populações [Lévi-Strauss 1973], ou ) Portanto, a consanguinidade é, nas sociedades humanas, apenas uma rela-
a propósito da definição dos conceitos utilizados no campo do parentesco. ção socialmente reconhecida, e é característica dos sistemas de parentesco
Nada disso constituirá explicitamente o nosso propósito neste artigo, que (conjunto de regras que presidem à filiação, à residência e à aliança) o facto
não visa a exaustão. Não se procurará, pois, apresentar uma história ou uma de se distinguir por uma certa autonomia em relação às leis naturais da espé-
crítica às teorias do parentesco nem acervos conceptuais [para tal, basta cie: a reprodução dos homens é um meio de reprodução da ordem social.
30 PARENTESCO
PARENTESCO -

Estas três relações naturais exprimem a diferença. É este material banal


na sua universal simplicidade que manipula em toda a parte o trabalho sim-

= 5 À bólico do parentesco, através de séries de derivações que adiante se verão.


Indubitavelmente, estes factos foram hã muito observados no domínio
da análise antropológica: todavia, não foram enunciados claramente como

E
os elementos de base da combinatória própria a qualquer sistema de paren-
tesco, devido à sua grande banalidade ou, mais precisamente, devido à força
da sua evidência.
Kroeber [1909], criticando a distinção na altura corrente entre sistemas

E Ã, » terminológicos classificatórios e sistemas terminológicos descritivos, mostra


que o número total das diferentes posições de parentesco possíveis num campo
de parentela de extensão média se eleva pelo menos a várias centenas;
nenhuma língua possui termos diferentes para designar especificamente cada
de teryaida
Ela faz parte da representação simbólica de tal ordem a ponto
uma destas posições de parentesco, e, portanto, todos os sistemas terminoló-
co existe apenas na consciên cia gicos são classificatórios. «A nossa palavra “irmão” inclui simultaneamente
, possível dizer que um sistema de parentes
um sistema arbitrário de representação. o irmão mais velho e o irmão mais novo e tanto o irmão de um homem como
dos homens e não é senão
Isto é incontestável. De outro modo não existiriam variações importan- o de uma mulher: compreende ou classifica juntamente quatro relações dife-
no modo de classificar, calcular e viver o parentesco, nem existiria a rentes. À palavra inglesa 'cousin” denota ao mesmo tempo primo e prima,
tes
ao pro- do lado do pai ou do lado da mãe, primos que descendem do irmão ou de
distinção entre regras diferentes, e até opostas, que nos criam
se que foi a partir “de um dado biológi coel ementar, uma irmã do pai ou da mãe, primos respectivamente mais velhos ou mais
blemas. Pode afirmar-
de ter sido invariáve l desde semp que
re, o pensame nto novos que um determinado indivíduo (Ego), ou primos cujos pais são res-
que não pode deixar
ndo as possibil idades lógicas de pectivamente mais velhos ou mais jovens que os pais do indivíduo, e Ego
“humano aperfeiçoou, simbolizou, « explora e elabx é. ele próprio, no interior desta relação, um homem ou uma mulher. Uma
mbi
combinaç paradigmá
Õ es paradig
ões i ticas
iti que este substrato po dia ornecer.
fornecer. A elaborou
inençe do
tipos de siste masde parente sco de que se vêem act tnica palavra inglesa denota portanto trinta é duas relações de parentesco
os grandes
formas tal comoà história da humanidade as 'modelou.
diferentes» (trad. it. p. 311), E se ultrapassássemos o nível dos primos de
todavia, se primeiro grau, acrescenta Kroeber, o número de relações diferentes que tal
Algumas das possibilidades lógicas de combinação não foram,
é a sua ausência, mais do que a existência de termo poderá exprimir é incomensuravelmente superior a trinta e dois.
lizadas (cf. o artigo «Incesto»):
procuramos.
outras, que assinala os pontos fortes destas leis universais que
Por consequência, Kroeber procura fazer a recensão dos critérios de clas-
que estas escolhas de estrutura sificação ou, melhor, dos tipos de relações que são expressas de maneira
Deve ser claro que esta posição implica
umas das outras entre o pequeno número regular pelo trabalho sintético e redutor que conduz, em última análise, às
foram realizadas independentemente
desde a constituição do terminologias dúcteis que conhecemos. Ele distingue oito tipos de relações
de escolhas possíveis facultadas à reflexão humana
nte a ideia de ga possíveis que podem ser ou não ser utilizadas conforme os tipos de termi-
homem em sociedades. Este ponto de vista recusa totalme
de parente sco a partir de um apra de nologia. São elas, exprimindo o dado biológico de base:
distinção progressiva dos sistemas
a original, ou de uma predomi nância original do ireito
indistinção cognátic — a diferença de gerações, geralmente reconhecida, com excepção dos
pelo contrá-
materno e dos sistemas matrilineares. Mas não recusa a ideia, sistemas terminológicos crow e omaha relativamente a certos tipos de
associadas de maneira sintagmá tica a impe-
rio, de que estas escolhas estejam consanguíneos;
aos do dado biológic o element ar (sistema s de produçã o, eco-
rativos exteriores — a diferença entre as relações de tipo linear ou colateral, Esta distin-
, para sea
logia, etc.), nem a de que houve, com toda a verosimilhança ção não é válida, por exemplo, quando um sistema utíliza um mesmo
mudanças com as niedásita e
grupos observados recentemente, importantes termo para designar o pai e o irmão do pai, ou um mesmo termo
as matrihi-
da história (veja-se um exemplo da passagem possível de estrutur para designar irmãos e primos;
inino»).
neares a estruturas patrilineares no artigo «Masculino/fem — a diferença de idades na mesma geração;
O dado biológico de base é de extrema banalida de: — o sexo do parente que se nomeia;
— o sexo de Ego;
— existem apenas dois sexos, o masculino e o feminino;
— o sexo da pessoa intermediária que estabelece a relação entre Ego e Alter:
— a procriação comporta uma sucessão natural de gerações; um avó é tanto um pai do pai quanto um pai da mãe. Esta distinção
mesma
— uma ordem de sucessão dos nascimentos no interior de uma
não é reconhecida pelo nosso próprio sistema terminológico específico;
geração permite distinguir os mais velhos dos mais novos.
32 33 PARENTESCO
PARENTESCO

e (cri- das nomenclaturas de parentesco não a geração imediatamente superior à


— a distinção entre parentes consanguineos e parentes por afinidad
lidade da proibiçã o do incesto; de Ego mas a do próprio Ego, isto é, compara entre si os termos que desig-
tério da aliança), devida à universa
em conta O facto nam os germanos (irmãos e irmãs), os primos paralelos (nascidos de dois
— um último critério, utilizado mais raramente, que tem
ou não: pode irmãos ou de duas irmãs) e os primos cruzados (nascidos de um irmão e
de a pessoa intermediária poder estar sempre presente
tiver de um irmã).
renunciar-se à designação de «sogro», por exemplo, se o cônjuge
voltado a casar, ou então podem usar-se designa- Ele estabelece, sob a forma reconhecida actualmente, a tipologia dos seis
morrido ou se tiver
relações que já não existem. grandes tipos terminológicos de parentesco, que, cruzados com as formas
ções particulares para caracterizar
de filiação, lhe permitem elaborar a lista de onze grandes tipos de estrutura
s (geração:
Os sistemas europeus utilizam apenas quatro destes critério social, De facto, não existe uma relação necessariamente univoca entre regras
sco de sangue ou de casa-
sexo do parente ao qual se dá o nome; parente de filiação e sistemas rerminológicos, mas, no entanto, nem todas as com-
mento; parentesco linear ou colateral). binações são possíveis duas a duas, como ressalta claramente da relação
da primeira geração
Lowie [1928] aperfeiçoa o segundo critério, ao nível numérica de 6 a 11.
parece ser à mais apta a for-
ascendente (a dos genitores de Ego), que lhe Podem representar-se estes seis tipos com as fórmulas seguintes (em que
dos sistemas
necer uma base sólida a tentativas de classificação por famílias G = Germanos, P = Paralelos (primos paralelos), 1 = Cruzados (primos cru-
. Declara ele que «as possibil idades lógicas são as seguintes: zados), Jp = primos cruzados patrilineares, Im = primos cruzados matrili-
terminológicos
terminologicamente aos pais; 2) o irmão do
1) tios e tias são assimilados neares):
do por um termo
pai é assimilado ao pai, enquanto o irmão da mãe é designa + Esquimó G+[P =1]
camente , a irmã da mãe é assimil ada à mãe enquanto a
específico; simetri Havaiano t= P =S
3) tios e tias, conforme
irmã do pai é designada por um termo específico; Iroquês [G= PJ+1
materno, disting uem-se tanto dos pais
sejam do lado paterno ou do lado Sudanês G+ P +lp+ Im
tios e tias, do lado paterno ou do lado materno, são per-
como entre si; 4)
sb» (p. 266).
feitamente distintos dos pais, mas não se distinguem entre Omaha [G= Pj& Ed E
classifi cação, ele não faz um inven-
Mas Lowie engana-se: ao propor esta Ip
lógicas, mas apenas das que efectiv amente são reali-
tário das possibilidades
Falta uma possibi lidade lógica, à qual se voltará em seguida. Se esta- Crow [G= Pjó Sa sim
zadas.
:
belecermos as equações (para parentes masculinos), obtemos Ip

FB=F «mB [1] (Os sistemas


bém
crow e omaha
aqui falta uma
constituem
possibilidade
variantes da fórmula
lógica que é a seguinte:
iroquesa). Tam-

[FB=F] «me [1H [G=]+P.


É altura de nos determos um pouco nos sistemas terminológicos crow
FB+F «ms [LE e omaha, que se pensa representarem as duas faces simétricas e inversas de
uma mesma armação lógica, uma adaptada à matrilinearidade (sistemas crow),
[FB= MB] £F a outra adaptada à patrilinearidade (sistemas omaha). Detemo-nos mais pre-
cisamente sobre os sistemas omaha, em primeiro lugar porque estes serão
amplamente tomados em consideração no seguimento deste artigo, e depois
mas falta a figura porque são mais fáceis de representar dada a sua patrilinearidade.
[MB=F] «8 [MN] Estes sistemas têm interessado particularmente e desde hã muito os antro-
pólogos [cf. Durkheim 1896-97; Kohler 1897] por causa do modo bizarro
parentesco: de classificação dos consanguiíneos e por causa do irritante enigma da sua
artigo utiliza-se a notação inglesa das relações de
(Neste peca de ser [cf. Lesser 1929; Lowie 1934; White 1939; Radcliffe-Brown
M= Mother, B = Brother, S=Sister, s=son, d=daughrer,
F =Father,
H = Husband, W= Wife, ch=child. MBd = Mother's Brother's daughter Um sistema terminológico omaha pode ser caracterizado da maneira mais
“filha do irmão da mãe". A equação FB = F = MB lê-se do seguinte modo:
simples como se segue:
«Irmão do pai» =«Pai»= «Irmão da mãe»).
espantoso trabalho de classificação das formas de paren- — os filhos dos germanos do mesmo sexo, que são «primeiros primos
Murdock, no
a sua tipologia
tesco que é Social Structure [1949], escolhe como base para paralelos», chamam-se entre si «irmãos» e «irmãs». Nas gerações
PARENTESCO 34 35 PARENTESCO

seguintes, os filhos de dois «irmãos» ou de duas «irmãs» serão sempre Sempre relativamente a Ego, os filhos da irmã do pai (primos cruzados
entre si «irmãos» e «irmãs». Estes primos paralelos a vários níveis genea- patrilaterais) são remetidos terminologicamente para a geração inferior à de
lógicos chamam «pai» àquele que o seu pai chama «irmão», e chamam Ego. A própria irmã do pai está ligada a Ego por uma relação particular
«mãe» às mulheres a quem a sua mãe chama «irma»: de germanidade (dotada por vezes de um nome especial). Ego masculino
chama aos filhos da irmã do seu pai «filhos de irmã», tal como se eles fos-
sem filhos da sua própria irmã, e chama aos filhos destes «filhos de irmã»
os seus «netos»; Ego feminino chama aos filhos da irmã do seu pai «filhos»
o/L=«— / O Germanos s/ / £ + Germanos como se fossem filhos da sua própria irmã, e aos filhos destes «filhos», seus
Pai ãe
o/ GEE / O Germanos s/65->6/A Germanos unetros».

- Ego Ego

— as denominações são mais complexas para os descendentes dos ger- S


Pai «Irmã»
9 ou
N
Pai «Irmã»
o ou
manos de sexo diferente, verdadeiros ou classificatórios, ou seja, para
os primos cruzados. «Irmã do pai» «Irmã do pai»
Em relação a Ego, masculino ou feminino, os filhos de um homem da
patrilinhagem da mãe, ao qual a mãe chama «irmão», e em primeiro lugar Ego Filho Filha Ego Filho Filha
os filhos do verdadeiro irmão da mãe são remetidos terminologicamente para da irmã da irmã |
a geração superior à de Ego. Ego chama ao filho do irmão da mãe «irmão
da mãe» e à sua filha «mãe». Os filhos de um homem chamado por Ego
da mãe» são sempre para Ego, consoante o seu sexo, «irmãos da mãe»
UR SR O
«irmão
ou «mães»; os filhos das mulheres a que Ego chama «mãe» são sempre para
Netos (filhos dos filhos) Netos (filhos dos filhos)
ele «germanos». Os filhos dos «irmãos» são, para Ego masculino apenas,
«filhos» como os seus próprios, e os filhos das «irmãs» são «sobrinhos uteri- Lounsbury [1964] examina as possíveis variações terminológicas deste sis-
nos» ou «filhos das irmãs», como os filhos da sua própria irmã. Para Ego tema de base. No entanto, mantêm-se em aberto as questões da razão de
feminino, os filhos daqueles a quem ela chama «irmãos» constituem uma ser destes sistemas e da imperiosa necessidade interior que explique a cons-
variedade particular de «germanos», e os filhos das «irmãs» são «filhos». Os tância dos seus traços específicos nas diferentes sociedades humanas que os
filhos de «filhos» e os filhos de «filhos de irmãs» serão sempre «netos» utilizam. Ás análises baseadas na derivação automática dos termos deduzi-
(filhos — masculinos e femininos — dos filhos. veis imediatamente da relação fundamental de germanidade paralela ou cru-
zada com Ego ou Alter do genitor intermédio, ou dos genitores intermé-
Mãe Irmão dios de Ego ou de Alter entre si, também não respondem a tais questões
da mãe fcf. Coult 1967. com base in Tax 1937].

Ego «Irmão «Mãe»


da mãe»
Filho Filho «Irmão»
da irmã da irmã»
«Irmão «Mãe» «Irmão» «Irmã»
da mãe» | p=
Pai Irmão | |
«Irmão «Mãe» «Irmão» «Irmã» «Filho» «Filha» giho «Filha da mãe
«Irmão» «Irmão
da mãe» | | da irmã» da irmã»
da mãe»
Evidentemente, existiram inúmeras tentativas para explicar a génese destes
sistemas. A mais famosa é a de Kohler que explica os sistemas terminológi-
Netos (filhos dos filhos) cos omaha como um resultado de o costume do casamento ser efectuado
af 37 PARENTESCO
PARENTESCO

é tirado de Radcliffe- ria, distinguindo no interior dessa categoria apenas a diferença entre homens
com a filha do irmão da esposa. O respectivo esquema
-Brown [1952, trad. ir. p. 76]: e mulheres. Quando se aplica este princípio à terminologia, uma pessoa exte-
rior à linhagem, mas em relação com ela, utiliza os mesmos termos de paren-
tesco para todos os membros do mesmo sexo... pelo menos durante três
gerações. Levado ao seu mais alto desenvolvimento, quando aplicado ao clã,
este princípio tem como consequência que uma pessoa relacionada de certa
A

(e)
jo

[e
maneira com o clã aplique um único termo de parentesco a todos os mem-
bros do clã» [ibid.).
E f G h Assim, em virtude da aplicação deste princípio, no sistema omaha, todos
os membros por nascimento da linhagem da mãe são, indiferentemente dos
casar com f. filha do irmão da sua mulher (WBd ). para Geh. seus genitores reais, tidos como «mães» e como «irmãos da mãe». Infeliz-
Se D
mente, este princípio não é tão rigoroso como parece; Lounsbury [1964]
seus filhos, f, que é a MBd deles, torna-se madrasta deles e é chamada «mãe»,
mostrou mediante exemplos étnicos precisos que os termos “mãe” e 'irmão
e E, que é o MBs, torna-se o irmão da «nãe» deles. Diz Radcliffe-Brown da mãe” podem ser atribuídos a pessoas que não pertencem por nascimento
que Kohler «presume que a terminologia de parentesco preexiste à realiza- à linhagem da mãe (por exemplo, MMSs é um «irmão da mãe» para Ego),
ção deste tipo de aliança» [ibid.]; sem mesmo estar realizado o casamento,
& inversamente que se encontram muitas vezes diferenciações terminológi-
G e h chamam «mãe» a f, que é a sua futura madrasta eventual, e «irmão
cas no interior desta linhagem (por exemplo, o irmão da mãe está posto
de mãe» a E que é o seu futuro tio materno. Reciprocamente, f chamará na categoria «avô» e não na categoria «irmão da mãe»).
antecipadamente «filho» a G e «filha» a h, e E chamar-lhes-á «filhos de irmã». Não haverá, pois, solução? Como já então pensava White, pode con-
É, naturalmente, difícil explicar, mesmo o mais engenhosamente possí- siderar-se que «aquilo de que necessitamos... não é procurar factos suple-
vel, um sistema terminológico através de um casamento secundário raro e mentares, mas reintegrar os factos que existem em quantidade suficiente sob
que, aliás, não é praticado por uma boa parte de populações que possuem, os nossos olhos» [1939, p. 573].
no entanto, uma terminologia omaha, mesmo quando este casamento secun- E preciso voltar ao dado biológico de base: dois sexos, duas gerações
dário se coaduna perfeitamente com a terminologia. Restaria explicar o casa- que se sucedem, relações entre mais velho e mais novo, sobre o qual o génio
mento de D com c, que não pode ser ad infinitum um casamento com a WBa. humano tão engenhosamente teceu hipóteses.
Criticando Kohler, Durkheim demonstrou que os sistemas omaha estão Radcliffe-Brown tinha visto perfeitamente a importância da sucessão das
em estreita conexão com a filiação patrilinear, e os crows com a filiação matri- gerações, por um lado, e das relações entre os sexos, por outro, como ele-
linear, mas todos os sistemas patri- ou matrilineares não possuem forçosa- mentos explicativos dos sistemas terminológicos. Ele tinha compreendido
muito bem que a organização das terminologias decorre do modo como é
mente uma terminologia crow ou omaha, donde se conclui que esta não é
considerada a relação dos germanos, consoante eles são do mesmo sexo ou
uma explicação suficiente (se bem que necessária).
de sexo diferente.
Lowie vai mais longe ainda neste ponto, ao associar estas terminologias
Ele enuncia claramente um duplo princípio: o da solidariedade interna
não apenas à existência de uma regra de unifiliação mas ao desenvolvimento do grupo dos germanos, do qual deriva o da «unidade do grupo dos germa-
máximo de grupos sociais clânicos, baseados na unifiliação. O clã é enten- nos, não já no que respeita à coesão interna do grupo que eles constituem,
dido como uma instituição que pode nascer, morrer, declinar e desaparecer. mas sim no que respeita ao modo como são colectivamente entendidos e
Nas suas formas juvenis, o sistema terminológico será simplesmente iroquês; tratados do exterior, por todos aqueles que se encontram numa relação par-
nas suas formas adultas, será crow ou omaha. ticular de consanguinidade e de alianca com um deles.
Este ponto de vista, expresso sob uma forma curiosamente evolucionista,
prefigura de uma certa maneira o de Radcliffe-Brown com a sua teoria da
«solidariedade de grupo» e da «unidade de linhagem». Escreve Radcliffe-Brown Á ó Ó IN
a propósito dos sistemas crow e omaha que, lá onde os grupos de unifiliação
«forem importantes, podemos falar de solidariedade do grupo, que se revela
em primeiro lugar nas relações internas entre os membros do grupo» [ibid.,
p. 88]: por «princípio de unidade de linhagem», Radcliffe-Brown entende Para Ego, o grupo dos irmãos e das irmãs do seu pai é da mesma natu-
que uma pessoa que não pertença à linhagem, mas que com ela está rela- reza do seu pai; todavia, Ego serve-se, na maneira de os designar, de dis-
cionada através de um laço importante de consanguinidade ou de aliança, tinções que traduzem a diferença de sexo é os estatutos relativos de mais
velho e de mais novo. Radcliffe-Brown explica deste modo por que razão
«considera os membros de tal grupo como constituindo uma única catego-
PARENTESCO 38 39 PARENTESCO

FB=F e MS=M em inúmeras sociedades; por que razão FS é por vezes Existem três relações básicas: entre homem e mulher (segundo os qua-
denominado «pai feminino» e MB «mãe masculina», ou por que razão, em tro modos: irmão/irmã, pai/filha, mãe/filho, marido/mulher), entre gerações
certas tribos australianas, Ego é designado por um mesmo termo pelo seu consecutivas, entre mais velhos e mais novos, mas a manipulação ideoló-
pai e pelos irmãos e irmãs do seu pai e por um termo diferente pela sua gica tende a considerar estas relações como mutuamente dependentes e iso-
mãe e pelos irmãos e irmãs da mãe. No entanto, Radcliffe-Brown não explo- morfas. À relação entre homens mais velhos e mais novos pode traduzir-se
rou a fundo estas premissas. A estes dois princípios fundamentais deve em termos de gerações como se se tratasse de uma relação de pai para filho.
juntar-se um terceiro, que é o da identidade e/ou da equivalência dos ger- É o caso das populações austro-asiáticas Ho e Santal [cf. Bouez 1979]:
manos do mesmo sexo, cujo corolário é o da diferença dos germanos do e assim acontecia na corte do Rei-Sol, segundo o sistema dos títulos em
sexo oposto. Remetemos para o artigo «Incesto», onde se encontram anali- vigor para os membros da família próxima do rei: o irmão mais novo do
sadas as consequências estruturais de se terem ou não em consideração estes rei usa o mesmo título (Monsieur) que o filho mais velho do rei, e a mulher
princípios e seus corolários (identidade dos pares pai/filho, mãe/filha em opo- do irmão mais novo do rei usa o mesmo título (Madame) que a filha do
sição à diferença dos pares pai/filha, mãe/filho), em particular no estabele- rei, enquanto o título de «Mademoiselle» era reservado às «petites-filles de
cimento da proibição do incesto e das regras exogâmicas.
France» (segundo as cartas da Princesa Palatina).
A identidade dos germanos do mesmo sexo foi por vezes entendida, mas
Em geral, é a relação homem/mulher que pesa sobre o segundo ou sobre
de uma maneira passageira, sem que lhe fosse atribuído o pleno valor expli-
o terceiro, sendo estes concebidos como modelos hierárquicos que expri-
cativo sobre a génese e a concatenação dos sistemas terminológicos e dos
mem a dominação masculina.
sistemas sociais que nós lhe conferimos. Deste modo, Kroeber escrevia:
Os dois sex di está
«Uma mulher e a sua irmã são mais parecidas do que uma mulher e o seu
na linguagem corrente mas também na ET do Ren como uma
filho, e esta diferença é conceptual, por outras palavras, linguística e ao
relação desigual e ai e à à
mesmo tempo sociológica. .. Uma mulher e a sua irmã, ao pertencerem ao
mesmo sexo, situam-se numa categoria de relação superior à da mesma mais nova (cf. ainda o artigo «Masculino/feminino»).
mulher com o seu irmão; isto quer dizer que elas são mais parecidas em : Poder-se-iam citar numerosos exemplos, tirados da literatura antropoló-
termos de relação de parentesco e que é por isso natural denominá-las com gica ou jurídica, em que ao longo das páginas transparecem observações que
o mesmo termo» [1909, trad. it. pp. 320-21]. estabelecem esta diferença hierárquica entre os sexos. Zuidema [1977] assi-
É a consideração deste princípio fundamental que explica os casos ine- nala que entre os Incas uma irmã é uma filha para um irmão adulto, e que,
xistentes na combinatória dos possíveis que vimos atrás. Pela mesma ordem do mesmo modo, depois do casamento, uma mulher se torna a «filha» do
de ideias, não existe também uma possibilidade lógica de filiação; a filiação seu marido. Margaret Mead [1935] mostra como, entre os Arapesh, toda
alternada, na qual o pertencer ao grupo e a transmissão dos direitos passa- a organização social é baseada na analogia estabelecida entre os filhos e as
ria de pai para filha e de mãe para filho. É impossível que Lowie [1928] mulheres que são considerados como um grupo mais jovem, menos respon-
ao enumerar as suas «possibilidades lógicas» não se tenha dado conta de que sável que a sociedade masculina. Entre os antigos Romanos a esposa tinha
faltava uma. O facto é que no seu conceito de «lógico», ele achava natural o estatuto legal da filha, para já não falar do Código Napoleónico.
que ela devesse faltar, mas isso só é natural se se puser em evidência, como Não podemos contentar-nos em alinhar índices desta maneira. Por meu
propriedade intrínseca aos factos do parentesco, que uma solidariedade para- lado, postulo que se o critério da valência diferencial dos sexos for de facto
lela é mais forte do que uma solidariedade cruzada, um parâmetro do parentesco, os seus efeitos, quando ele é conhecido como
Trata-se de coisas que parecem tão naturais, tão evidentes, que não neces- um tipo de sistema de parentesco, devem aparecer na própria terminologia,
sitam de explicações, apesar de se estarem a ver. Mas acontece também que
quer da consanguinidade quer da aliança, quer como referência quer como
elas podem não ser vistas. É o que se passa com um segundo princípio que
indicação. Tal critério terá então valor explicativo do sistema.
decorre da manipulação do dado biológico, que nos parece, combinado com
Assl tre os Gonja descritos por Es ; ja-
o precedente, susceptível, para já, de fornecer uma explicação coerente sobre
a lógica interna das terminologias omaha e até de fornecer uma resposta à E bilat minologia havaiana ao nív: i
í ã alógica é e j
questão colocada anteriormente: por que razão o sistema terminológico 5
quando associado de modo preciso à patrilinearidade não está submetido em tante, porque, escreve Goody, «no interior do grupo de germanos, o mais
todos os povos a uma regra de filiação patrilinear? Chamamos a este crité-
rio, esquecido pela teoria do parentesco, «a valência diferencial dos sexos». herdeiro cm primeiro lugap» [ibid., p. 221). Deste modo, ela refere-se mani-
Tal como os outros enumerados por Kroeber, este pode ser ou não tido testa
à relação
mente
entre mais velho e mais novo entre homens. Com efeito,
sã Tae:

os homens dizem explicitamente que «as mulheres são Sempre mais novas»
SE

em conta na terminologia de parentesco, o que dá imediatamente uma res-


posta à questão anterior. [tbid.|; elas não possuem nem transmitem direitos nem propriedades.
41 PARENTESCO
PARENTESCO is
do problema —, se de meu pai, etc. Somos, pois, qualquer que seja a nossa geração de nasci-
Terminologicamente — é é aqui que reside o núcleo
ela só tem como indicação mento; todas iguais. Mas eu própria e todas as minhas «irmãs», «tias» e tias-
a mulher tiver irmãs mais velhas ou mais novas, velhos -avós paternas somos consideradas como fazendo parte da geração dos filhos
homem tem irmãos mais
«irmãos mais velhos»; simetricamente, um de meu irmão, dado que a filha do meu irmão chama aos seus próprios
«irmãs mais novas». Citamos textualmente:
e mais novos, mas tem apenas filhos seus «filhos», tal como, aliás, o chama a todos aqueles a que eu chamo
irmão mais velho com o têrmo nda
«Enquanto os homens designam um «filhos»: um vertiginoso peso sociológico para baixo, que faz sempre do con-
novo com o termo nsupo (o meu
(o meu irmão mais velho) e um irmão mais junto das mulheres nascidas de uma determinada linhagem o equivalente
a totalid ade das irmãs, mais velhas ou mais
irmão mais novo), designam a «filhas», ou a netas. para os homens da geracão mais recente.
o feminino mais novo)» [ibid.].
novas, com O termo nsuputche (o meu german

e
que consiste no caricter
Este facto acarreta uma consequência importante ca- e, recipro
na geração imediatamente ascendente,
iroques da terminologia
Esther Goody sublinha, sem
mente, na geração imediatamente descendente.
pai e da mãe (FB, MS) são
explicar, que apenas os germanos paralelos do
do seu estatut o relativo de mais velho ou
diferenciados por Ego em função
de Ego: existem assim «pais
de mais novo relativamente ao pai ou à mãe
«pais mais novos», «mães mais
mais velhos» (subentende-se: do que 0 pai),
apenas um termo para designar Ego Eid
velhas», «mães mais novas». Mas existe Nú | Filhos de Ego
e a irmã do pai (ntana) . e de Alt
o irmão da mãe (n'wopa)
parece ser à conseq uência do facto de as irmãs serem sempre Filhos Alter ! ! ! o
Tudo isto
dos seus irmãos. Se a irmã de um de Ego Filhos de Ego
terminologicamente as irmãs mais novas sempre uma
nova, a irmã do pai de Ego será e de Alter e de Alter
homem for a sua irmã mais mais nova
sempre uma irmã
irmã mais nova do pai, e a mãe de Ego será através da ter-
do tio materno. Não é, pois, necessário especificar o estatuto Por consequência, um sistema terminológico omaha corresponde a uma
pelo próprio sexo. Em contrapar-
minologia, uma vez que este é dado de facto visão precisa do sexo feminino, onde as mulheres já não são consideradas
o relativo de mais velho e de
tida, dada a importância atribuida ao estatut como irmãs mais novas (da mesma geração), como no caso precedente, mas
ologicamente a diferença no
mais novo, é necessário que Ego faça termin como filhas (de geração inferior à de Ego). Isto corresponde a um exito par-
mesmo sexo de cada um dos seus genitores.
âmbito do grupo dos germanos do ticularmente acentuado de uma visão ideológica da relação entre Os sexos.
a de filiação indife rencia da, é terminologicamente Pode pôr-se como hipótese que os grandes tipos de sistemas de paren-
Eis, pois, um sistem
e diferença entre Os Sexos,
havaiana/iroquesa, que não estabelece aparentement tesco derivam de escolhas ideológicas realizadas, sob o influxo de factores
à minori zação (no sentido de «estado de
e onde transparece, no entanto, do sexo
a determinar, através das diversas combinações possíveis das três relações
conceptualmente. estatutariamente, terminologicamente) de base entre sexos, entre gerações, entre primogénitos e irmãos mais novos,
menor»,
feminino. cujas duas figuras extremas seriam: uma, a cisão perfeita entre as três rela-
pertence sempre. de facto.
Que dizer então dos sistemas omaha? A irmã ções; outra, a transcrição integral da primeira e da terceira sob a forma da
de Ego mascul ino. Lesser tinha claramente visto esta
à geração inferior à segunda, de tal modo que se pudesse escrever [homens/mulheres] e/ou [pri-
o irmão da mãe e todos
equivalência, quando escreveu: «O facto de reunir mogénitos / mais novos] = genitores/filhos, mas nunca [mulheres/homens] e/ou
sob o mesmo termo parece ser logicamente
os seus descendentes masculinos mulher com [mais novos / primogénitos] = [genitores/filhos].
ade em termos de parent esco de uma
consequência da iguald
[1929, p. 712).
a irmã de seu pai e com a filha de seu irmão»
com Ego feminino
Se considerarmos o que se passa terminologicamente 2. As estruturas semicomplexas de aliança
comum das diversas varieda-
no interior da sua própria linhagem, o ponto
sistem as omaha — 1) existem ter-
des possíveis (no plano terminológico) de Numa conferência, realizada em 1965, sobre o futuro dos estudos de
m categor ias FS; 3) MB é designado pelo
mos para FS e MB; 2) não existe a parentesco (o essencial do conteúdo dessa intervenção foi retomado no pre-
designa o avó; 4) FS=S, MB = MM — é realmente
mesmo termo que fácio à segunda edição das Structures élémentaires de la parentê), Lévi-Strauss
e, em seguida, entre irmã
equivalência que é estabelecida entre irmã e filha declara que não se pode aspirar a uma teoria geral do parentesco enquanto
pai de Ego, ou seja, irmã de Ego, etc.
do pai de Ego e filha do esta não tiver em consideração todos os tipos de sociedade humana e não
a omaha tem um peso socioló gico para todas as mulheres per-
O sistem for capaz de dar conta quer do funcionamento das estruturas elementares
feminino, chamo «meus filhos»
tencentes à mesma patrilinhagem. Eu, Ego quer do das estruturas complexas de parentesco e de aliança. Ele acres-
irmãs, das «irmãs» de meu pai, das «irmãs» do pai
aos filhos das minhas
43
PARENTESCO 4£ PARENTESCO

centa que o ponto crucial da compreensão da passagem de uns a outros reside afastados serão proibidos, e até pessoas destituídas de qualquer relação genca-
na elucidação do funcionamento dos sistemas crow-omaha [1967, trad. ir. lógica com Ego, mas que pertençam de direito ao mesmo grupo de unifilia-
pp. 27-28], daquilo a que chamaremos mais genericamente, ultrapassando ção. Por outro lado, restringe aparentemente esse leque através da aplica-
o caso particular destes sistemas, as «estruturas semicomplexas de aliança». ção da definição de linhagem ou de clã. Com efeito, o direito canónico, ao
Estas são, com efeito, consideradas como um ponto de articulação entre as que parece, não faz nenhuma distinção entre os diferentes tipos de primos
duas fórmulas, pelo facto de, ao decretarem proibições matrimoniais, € não no limite dos graus proibidos, enquanto, segundo a fórmula acima apresen-
prescrições, mas em termos de filiação a grupos, poderem ser consideradas tada, poucos primos entre os do segundo e terceiro graus canónicos
como dependentes das estruturas elementares, enquanto a rede probabilista (incluindo os de relação obliqua) ficariam sob a alçada da proibição. Consi-
de aliança, que estas proibições engendram com toda a lógica, as faz deri- derando exclusivamente os primos nascidos de germanos, a fórmula gene-
var das estruturas complexas. Mas o seu funcionamento, como mais generi- ralizante de Lévi-Strauss não dá conta, numa óptica omaha, isto é, patrili-
camente o das estruturas complexas, é até agora um terreno desconhecido near, senão da impossibilidade para um qualguer Ego (masculino ou
da antropologia do parentesco. feminino) de casar com uma prima ou um primo que pertença às linhagens
Por «complexos» entendem-se os sistemas de aliança em que a escolha (ou aos clãs) de sua mãe e da mãe do seu pai, ou seja, apenas duas figuras
do cônjuge, longe de obedecer a uma designação pré-estabelecida em ter- das doze possíveis (MFBsd, FMBsd); tal fórmula não explica a impossibili-
mos de filiação social, é aparentemente deixada à iniciativa individual no. dade de casar com alguém do seu próprio grupo (FFBsd) ou a impossibili-
interior de espaços relacionados cque não são unicamente determinados pelo dade de casar com alguém que pertença ao grupo da mãe da mãe (MMBsd).
parentesco. É o caso do casamento nas sociedades ocidentais. No entanto, As proibições matrimoniais podem ser formuladas tanto em relação a gru-
mesmo aí, a estrutura complexa de troca obedece a uma lei que depende pos definidos na sua globalidade por um princípio de filiação (sistemas semi-
do aspecto elementar: a da proibição do incesto. De facto, a classificação complexos) quanto a graus de parentesco calculados genealogicamente (sis-
dos consanguíneos em parentes desposáveis, por um lado, e não-desposáveis, temas complexos das sociedades tradicionais; direito canónico), ou ainda em
por outro, efectuado nos sistemas elementares, tem como corolário tornar relação ao aparente total arbítrio da escolha do cônjuge devido à indistinção
incestuosa qualquer união com um parceiro que entre na categoria dos con- dos indivíduos nas sociedades ocidentais modernas, urbanas ou industriais:
sanguíneos não-desposáveis. Nas sociedades ocidentais, a proibição só diz em qualquer dos casos as proibições provocam — ainda que reflectindo sim-
respeito a relações primárias do ponto de vista da filiação e da colaterali- plesmente sobre os dados brutos do problema — aquilo a que Lévi-Strauss
dade (a mãe, a filha, a irmã para um Ego masculino), pelo menosna sua chama uma «turbulência permanente» do campo da aliança que torna impro-
versão mínima. É possível actualmente, depois de obtida a respectiva dis- vável, senão impossível, a existência de uma estruturação particular deste
pensa, casar entre primos germanos (ou entre tio e sobrinha. -.), mas em campo, De facto, cada casamento realizado representa uma fórmula origi-
direito canónico era considerada incestuosa qualguer união não apenas .com nal. diferente da das uniões contraídas pelos ascendentes nas gerações supe-
primos germanos mas também com |primos nascidos de germanos (terceiro riores, e introduz uma nova perspectiva de conjunto dos consanguineos para
grau canônico), e tal proibição era ainda respeitada, pelo menos em certas a geração seguinte. Daqui se conclui que, excluída da consanguinidade.
regiões rurais, no princípio do século. a escolha do cônjuge, aleatória, obedece então a Jeis probabilísticas, o que
“ Isto reconduz-nos aos sistemas crow e omaha, que provêm das estruturas implica que se não conforma a ELA dE nan ns eu dn
semicomplexas da troca e que escolhemos pelo seu valor exemplar. Para dade.
e,
Por consequência, não haveria nenhuma estrutura detectável (pelo
além de uma terminologia de parentesco muito particular, estes sistemas menos no registo do parentesco) contrariamente ao que se passa nos siste-
caracterizam-se pela unilinearidade da filiação (os sistemas crow são matrili- mas elementares onde a escolha do cônjuge é orientada, geração após gera-
neares, Os sistemas omaha são patrilineares) e pela presença de séries de proi- ção, para uma certa categoria de indivíduos ou de grupos. O problema que
bições matrimoniais — que vão de dois a seis grupos — variáveis segundo se coloca é então de saber se surgem estruturas matrimoniais apesar de tudo
as sociedades. Lévi-Strauss forneceu a seguinte definição geral: «Cada vez. e se o seu modo operatório é radicalmente diferente ou não daquele que
que se escolhe [segundo o princípio de filiação considerado] uma linha para. ocorre nos sistemas elementares.
obter um cônjuge, todos os membros dessa linha são excluídos do grupo dos Não se deve pretender que o conhecimento do funcionamento dos siste-
cônjuges potenciais para os outros membros do grupo durante um período mas semicomplexos forneça imediatamente a chave dos sistemas complexos,
que cobre várias gerações» [ibid., p. 30). Deste ponto de vista, pode dizer-se quanto mais não seja por causa da diferença assinalada acima (uns falam
que estes sistemas abrem ainda mais amplamente o leque de proibições do de graus genealógicos de parentesco no interior de um conjunto cognático;
que o direito canónico, dado que englobam entre os cônjuges proibidos indi- outros, baseando-se nos relatórios antropológicos, falam de grupos determi-
víduos outros que os estritos consanguíneos colaterais, primos germanos e nados por um princípio de filiação, mesmo se, como se verá adiante, esta
nascidos de germanos; desde que os laços genealógicos intermediários entre distinção não é absolutamente pertinente). Mas dado que eles são formal-
Ego e Alter sejam todos do sexo do princípio de filiação, primos muito mais mente de idêntica natureza e dado que os sistemas semicomplexos (parti-
PARENTESCO 44 45 PARENTESCO

cularmente crow-omaha) operam em populações de dimensões restritas onde O casamento secundário une entre si os indivíduos e não as linhagens, depois
da ruptura do casamento primário, por viuvez ou por separação cuja validade
concretizações especiais das formas de aliança têm mais oportunidades de
é reconhecida pelas famílias. O casamento secundário faz-se então nas mes-
surgir de modo visível do que nas vastas sociedades ocidentais, parece lógico
Nao mas comunidades locais, Quando se trata da fuga de uma esposa, a união secun-
- or eles.
sugeriu duas vias de investigação dária, extremamente precária devido às buscas efectuadas pelo marido é pela
Ná já ada conferência, Lévi-Strauss
família da mulher, faz-se no exterior. É este tipo de casamento secundário que
para os sistemas crow e omaha. Uma é de ordem matemática: trata-se de
para abre ao exterior o campo da aliança.
calcular o número de possibilidades teóricas de escolhas matrimoniais O terceiro estatuto é uma relação pré-conjugal oficial, que duraria três anos
um dado indivíduo, em função de uma parte do número e da qualidade
se não desse fruto antes, caso em que a jovem e a criança seriam imediata-
das proibições que ele deve respeitar e do número de grupos discretos e mente entregues ao marido legítimo, sendo a criança considerada como o pri-
filiação. A segunda é de ordem informática, baseada em ade oiro e
mogênito da união legítima.
simulação: em sociedades fictícias, definidas por um dado número de uni-
Apenas o casamento legítimo primário exprime uma vontade de linhagem;
dades de clã ou de linhagem — à reprodução das quais se aplica, geração
mas todos devem obedecer às mesmas proibições (com algumas alterações no
após geração, um certo número de parâmetros demográficos — fazem-se Ea caso das duas últimas regras) que se enunciam seguidamente, sempre em rela-
dir proibições matrimoniais na escolha do cônjuge durante um número de ção a um homem:
gerações suficientemente elevado a fim de que haja hipóteses de surgirem
1) um homem não pode casar com
regularidades, se elas existirem no emparelhamento dos matrimoniáveis entre uma mulher que pertença por nasci-
“mento à sua própria linhagem partrilinear, à da sua mãe, ou às linhagens
si. Um cálculo matemático foi empreendido por Bernard Jaulin, com base da mãe do pai (FM) e da mãe da mãe (MM);
em duas proibições apenas, atingindo valores incrivelmente elevados je» 436 2) um homem não pode casar com uma mulher que pertença a uma linha-
possibilidades teóricas de aliança para um indivíduo no caso de existirem gem onde um «pai» — ou seja, um homem da sua patrilinhagem perren-
sete clãs, 3 766 140 quando existem quinze clãs, etc.) Face a estes resulta-
cente à geração superior à sua — ou então um «irmão» — isto é, um
dos, pode postular-se que qualquer configuração particular e recorrente pos homem da sua patrilinhagem que pertence à sua geração — já tenham
sível de ser observada, por simulação ou de outra maneira, não poderá ser tomado esposa; estas duas regras, enunciadas separadamente, corres-
consequência do acaso. As raras tentativas de simulação levadas a cabo até pondem à definição generalizada dos sistemas crow-omaha proposta por
aqui falharam, ao que parece, por saturação rápida da memória, Lévi-Strauss;
O procedimento por nós escolhido foi diferente; pareceu-nos que o pri- 3) uma terceira regra vem juntar-se a estas duas regras clássicas: um homem
meiro passo a dar era o de elucidar sobre o modo d ento de uma não pode casar com uma mulher que pertença a uma das quatro linha-
sociedade real que apresenta estruturas semicomplexas de parentesco e de gens de base de uma das suas precedentes esposas (nas patrilinhagens
aliança, Para tal, procedemos com a ajuda da informática ao ao de de W, WM, e nas linhas discretas de WEM, WMM).
dados genealógicos e matrimoniais recolhidos para este efeito em três aldeias Tratava-se, neste estudo, de verificar por um lado se as proibições enun-,
dos Samo do Alto Volta, população patrilinear, com um sistema terminoló- ciadas pela própria sociedade são de facto respeitae, daspor outro, de testar
gico de parentesco de tipo omaha [cf. Héritier 1974, 1976, e in Augé a hipóteses particulares elaboradas a partir dos dados de observação, e também
As comunidades de aldeia autónomas agrupam linhagens exógamas, gera - de uma reflexão atenta sobre o modo como as regras são formuladas, tanto
mente repartidas em duas metades de aldeia que não parecem ie
as enunciadas pelos Samo como as enunciadas pelos antropólogos para outras
qualquer papel na troca matrimonial. Às linhagens podem comportar rá as sociedades num plano mais geral, tendo em conta não apenas o que as regras
distintas, entendendo-se por “linhas” os conjuntos genealógicos que termi- dizem explicitamente, mas também os seus silêncios.
nam em antepassados masculinos específicos, sendo esta série de antepassa- O ponto de partida desta reflexão é a definição generalizante dos sistemas
dos fundadores de linhagens considerada pelos membros vivos da linhagem crow-omaha proposta por Lévi-Strauss, como vontade de dar conta da filosofia
como irmãos classificatórios, sem que a memória destes vivos possa preci- abstracta destes sistemas e das suas actualizações: «sempre que se escolhe uma
sar qual o laço genealógico real em colateralidade agnática que os une. linha para obter um cônjuge, todos os membros dessa linha vém a ser automa-
Distinguem-se três estatutos matrimoniais de casamento primário, con- ticamente excluídos do número dos cônjuges disponíveis para a linha de refe-
siderado indissolúvel, e um contrato que une entre si duas linhagens e não rência, e isto durante várias gerações» [1967, trad. it. p. 30]; tal formulação
indivíduos. Uma rapariga é prometida em casamento, ainda de tenra idade, implica, pelo uso do neutro («nembros» do grupo, indivíduos), que ela se aplica
pelos homens da sua linhagem, a um homem geralmente maduro. Ela a tanto às mulheres como aos homens do grupo. É assim que surge 0 problema
apenas um único marido legítimo deste tipo, enquanto um homem poderá da simetria entre Ego masculino e Ego feminino.
ter várias mulheres em casamento primário legítimo. Em caso de falecimento Já vimos que esta definição era insuficiente, dado que não cobre todos
do marido, ela deve em princípio casar leviraticamente com um irmão mais os casos de proibições enunciadas, atendo-se estritamente aos indivíduos ins-
novo do seu marido, critos pelo nascimento em linhagens (ou clãs) ou em linhagens proibidas.
PARENTESCO
46
à PARENTESCO

extrapola, graças ao silêncio a


grupo). Os pares de consanguíneos do mesmo sexo funcionam simetrica-
Mas também é evidente que tal definição mente; os pares de consanguíneos de sexo diferente funcionam simetrica-
regras sobre o ponto preciso da simetria, de uma relação de gos siga ad
sexo onde esta simetria Fa ER mente; mas disto não se conclui necessariamente que estes pares unissexua-
dade primária entre pessoas do mesmo dos e bissexuados funcionem de modo homólogo.
de sexo diferente onde ela não existe. Com efeito,
uma outra entre pessoas À primeira vista pode parecer que esta análise, se bem que pertinente,
seja de escassa utilidade. Com efeito, “é esta inversão possível que fornece
uma-das chaves do funcionamento dos sistemas semicomplexos, em parti-
cular porque ela permite a troca das irmãs, reais ou classificatórias, em cada
mulher deste mesmo grupo de unifiliação. Isto implica, 1pso facto, com aa duas gerações sem infringir
, nenhuma regra.
que se uma mulher tiver sido dada em casamento Eno Será necessário abrir um parêntese: a etnologia da tribo índia dos Omaha
puro rigor lógico,
» não p ne propriamente ditos parece mostrar factos contraditórios relativamente ao que
homem, as suas «irmãs» agnáticas e as «filhas» dos seus «irmãos
patrili nhagem ou Eid acaba de ser dito. Na realidade, segundo o relatório elaborado por Dorsey
rão ser dadas em casamento a um homem da mesma
a simetria entre pessoas consanguineas do mesmo se: [1884], um homem podia casar-se com duas mulheres em mútua posição
clã. Daqui decorre
de irmãs ou de irmã de pai/filha de irmão:

cr A 1 rá
Ego = o

na qual A, B, C estão a representar Os grupos de unitiliação Aedes


o sinal | | indica casamento possível, e o sinal e casamento proibido.
particulares reco- É possível que tenha existido esta possibilidade de sororato; fala-se de soro-
Mas nada, nem na maneira como são expressas as regras
pelo andracentristho, rato quando as três mulheres (6) do mesmo esquema se encontram estru-
lhidas nas diversas sociedade s, todas e sempre marcadas
a partir destas pera turalmente na posição recíproca de irmãs, como se viu, e, de um certo
nem na lógica das implicações que são possíveis inferir
com uma mulher He um ERR ponto de vista, são idênticas intercambiáveis (cf. o artigo «Incesto»). Mas
permite dizer que, se um homem casou
«par dra esta possibilidade só existia raramente e em casamento secundário com
unifiliação, a sua «irmã» ou a sua «filha» (relação bissexuada: o pagamento, enquanto o primeiro casamento era validado por uma troca
auss [ibid., p. 574]) não possam é
trico» segundo a expressão de Lévi-Str de presentes, pelo menos segundo Fortune [1932, p. 20]. (Esta tolerância
grupo, ou, simetricamente, que se uma mulhe
lher um cônjuge nesse mesmo
ess ou existe também entre os Samo,
tiver sido dada em casamento a um grupo de unifiliação, o seu
também em casamento secundário, ou seja,
bissexua da) não possa nele escolher mulher: aquele que é tratado pelos próprios indivíduos e não pelos membros mas-
o «filho» do seu «irmão» (relação
culinos da linhagem). Para além disto, ao examinar os textos, não parece
A B que esta mesma possibilidade tenha existido para os outros membros mas-
culinos da mesma gens que Ego (à excepção talvez dos seus irmãos verda-
deiros, sempre em razão do princípio da equivalência dos germanos do
mesmo sexo). Isto decorre da difícil exegese dos textos de proibições for-
muladas por Dorsey, que constituem um ensaio de transcrição sob forma
ou
abstracta das impossibilidades de casamento próprias ao seu velho informa-

E
dor Two-Crows. Assim a fórmula «Um homem não pode casar com uma
-0 0

mulher que pertença à subgens da mulher do filho, do sobrinho ou do neto;

?
nem uma mulher que pertença à subgens do marido da sua filha, da sua
sobrinha ou da sua neta» [1884, pp. 256-57] (entendendo-se por 'sobrinho'
e “sobrinha”, filho e filha do irmão; e por “neto” e “neta”, filho e filha do
ISSO SIg- filho) dá conta do ponto de vista de um homem maduro que declara não
(As duas figuras excluem-se mutuamente. Se tal não acontecesse,
poder ser casado, entre outras coisas, como o seu filho ou o seu neto. Toda-
nificaria que era permitido ao par de consanguíneos do mesmo sexo
via, esta fórmula é reversível: um homem não pode escolher mulher no
(«pain/«filho», irmã de pai/filha de irmão) casarem-se dentro do mesmo
4% id

PARENTESCO
PARENTESCO

juge proibido (por exemplo, ele não pode casar-se com a sua FFBdd, uma
grupo onde o seu pai escolheu, ou o pai do seu pai (reais ou classi-
mesmo vez que ele pertence por nascimento à linhagem patrilinear da mãe desta
casado do mesmo
ficatórios), porque tal implicaria que o pai ou o avó fosse prima; outro tanto para FFSsd e FFSdd).
Simetricamente, uma mulher não pode, pois,
modo que o seu filho ou neto. Mas isto não basta; para compreender a razão das proibições respeitan-
ou infe-
casar-se com um homem de uma geração imediatamente superior tes aos consanguíneos até ao terceiro grau canónico, que não pertencem toda-
do pai e filha do irmão tenha já casado,
rior à do grupo onde uma irmã, irmã via pelo seu nascimento a um grupo patrilinear proibido por Ego ou Alter
A / (MFBdd, FMSsd, FMBdd, MFSsd, MMSdd, MFSdd, MMBdd), somos
levados a introduzir a noção de partilha em comum das mesmas linhagens
Ego 6 A da mãe ou das avós, ou de tal maneira que a linhagem materna de um seja

3 ê uma linhagem de uma avó do outro, critério rotalmente diferente do da per-


tença por direito (por nascimento) a um grupo patrilinearmente definido,
expresso todavia unicamente pelas regras

apenas se representam às mulhéres proibidas (e, à Ego


(Neste esquema
filho. Poderia
relativas ao grupo de unifiliação (a gens) da mulher do seu
às gentes das esposas do neto (ss) €
ter-se feito uma represen tação relativa
Ego Alter Ego Alter
do sobrinho (Bs)).
ncia/inter-
Eis. pois, uma interessante aplicação do princípio da equivalê Alter, nascida na patrilinhagem da Ego e Alter não nasceram recipro-
dos germano s de sexo idêntico, com um jogo muito subtil mãe de Ego, pertence a uma linha- camente na patrilinhagem da mãe
permutabilidade
conside rarem estrutu- gem proibida por Ego do outro, mas partilham em comum
sobre a possibilidade própria aos sistemas omaha de
e até por vezes terminologicamente, como irmãs a mesma patrilinhagem materna
ralmente, objectivamente,
como vimos,
as mulheres do mesmo grupo de unifiliação. Isto só se aplica, Esta noção, que na estratégia matrimonial desempenha um papel tão
masculino, raramente e em caso de casamento secundá- importante quanto o facto de se pertencer ao grupo de unifiliação, implica
à geração de Ego
gerações suces-
rio. Mas a possibilidade existe, todavia. Entre membros de uma exacta avaliação das relações genealógicas reais até ao terceiro grau
opera é a regra de não-sime tria para os consangui-
sivas o que realmente exacto, é, portanto, mesmo para sistemas definidos por uma mesma regra
neos de sexo diferente . Existe mesmo um exemplo significa tivo na genealogia de unifiliação estrita, um reconhecimento das relações de consanguinidade
(«pai e «filha», consequ entemente,
de Tow-Crows: o seu irmão e a sua filha puramente cognáticas, tal como Lounsbury tinha presumido através do
) eram casados na mesma subgens. E isto basta para
na denominação recíproca estudo formal das terminologias de parentesco crow e omaha: «Nesta óptica
o que diz respeito aos Omaha. a avaliação do parentesco é claramente baseada na avaliação genealógica.
As extensões não são consideradas como designações gerais de “grupos
um inquérito
Uma análise do mesmo tipo da da simetria, reforçada por sociais”... mas antes como produzidas por uma série de derivações que
aprofun dado levado a cabo junto de duas sociedad es de termino logia omaha se entrelaçam de um indivíduo para outro ao longo de uma linha genealó-
(os Samo e os Mossi), conduz à crítica da noção de filiação unilinear como gica» [1964, p. 381]. Não se trata naturalmente de bilinearidade ou de paren-
o conjunto das proibições semi-
necessária e suficiente para circunscrever tesco dito complementar, no sentido em que o interpretava Meyer Fortes
da razão dé ser, no plano que nos inte-
complexas, e leva a pôr a questão [1953; 1972]. Esta visão extensionista e genealógica opõe-se evidentemente
nte associa-
ressa, dos grupos unilineares de filiação aos quais estão geralme à de Radcliffe-Brown [1952], que explica os sistemas de denominação e de
semicom plexos. Com efeito, para ser breve, acontece que,
dos estes sistemas aliança crow e omaha em função do princípio da unidade de linha, excluindo
sociedades (aliás, como noutras sociedades do Oeste Africano
nestas duas qualquer intervenção do parentesco bilateral.
não é pos-
de que só hã pouco tempo se deu conta terem sistemas omaha), Mas, enquanto as proibições baseadas no facto de se pertencer a uma
nenhum dos primos ou primas do segundo ou terceiro grau
sível casar com patrilinhagem proibida por Ego não reconhecem o critério de geração
na sua grande maioria estes não pertençam por nas-
canónico, se bem que (enquanto os laços genealógicos intermédios forem integralmente compos-
número
cimento às linhagens proibidas a Ego (F, M, FM, MM). Um certo tos por homens, em sistema patrilinear, por exemplo ou, mais simplesmente,
são explicad os pelo facto de a regra das quatro patrilin hagens proi-
de casos enquanto existir a consciência da pertença a uma linhagem), as que se ba-
de a regra ser apenas
bidas ser também válida para Ego feminino, apesar seiam na partilha em comum das mesmas linhagens da mãe e das avós ape-
a realização
formulada no masculino, o que torna impossível a um homem nas agem (nos casos africanos de que nos ocupâmos) sobre três gerações —
com alguém para quem ele se encontra em posição de côn-
de uma união
+
PARENTESCO 50 51 PARENTESCO

sendo a quarta aquela em que se situa o antepassado que está na origem mãe de Ego, e reciprocamente, que Ego não pertence à sua linhagem
dos dois ramos. Este número não é ao acaso, corresponde evidentemente materna, mas ambos têm em comum uma mesma linhagem materna:
ao número de gerações que coexistem, mas também corresponde exactamente
ao número de gerações, incluindo a de Ego, onde estão situados os ascen-
dentes directos que são tidos em consideração para estabelecer as regras de
proibição (F, M, FM, MM). Para cada Ego, o sistema de proibições age
sobre dois eixos e, em cada mudança de geração, o ponto de vista de Ego
difere em metade do do seu pai e desloca-se horizontalmente uma casa para
baixo. O esquema seguinte permite apenas uma representação estática: — Ora umprincípio geral requer que qualquer sistema forme um conjunto
coerent
que obedeça.a
e leis que não suportem falhas lógicas ou excepções.
Se postularmos o contrário, a aprendizagem de um dado sistema por parte
dos próprios actores e a reprodução desse sistema tornam-se impossiveis.
; 7 7 1 Gerações
44 DD» = Por consequência, se todos os sistemas omaha, pelo menos tanto quanto me
O

FM IM M proibidas. é dado saber, não admitem o casamento com a MSd, isto implica a pre-

ris
N

LAR 7/2777
sença do critério da partilha em comum da mesma linhagem materna e, por
extensão, a partir do momento em que mais de duas linhagens são proibi-
DAMA de patrilinhagens das, a aplicação deste mesmo princípio aos consanguíneos bilaterais que se
ZA AA
à ) Ego Ra, interessadas ligam por intermédio de mulheres a estas linhagens suplementares proibidas.
Í | Dir-se-á que a pertença a uma linhagem por unifiliação e campo de consan-
Área guinidade bilateral são variáveis extremamente interdependentes que intervém
de consanguinidade Grupos patrilineares simultaneamente no plano da aliança nos sistemas semicompleMas xos.
a evi-
cognática proibidos. dência da forma fixa e estável que representa o grupo de unifiliação faz com.
proíbida Nenhuma limitação que ela domine a expressão autóctone
das regras e mascare aos olhos
dos antro-
do número de gerações pólogoso lugar ocupado pela realidade móvel da consanguinidade cognática.
As regras falam no masculino efalam de linhagens (resta mostrar em que é que
isso corresponde a sistemas ideológicos), mas o seu silêncio sobre as outras reali-
O critério da partilha em comum das mesmas linhagens maternas e das dades não deve nem pode ser interpretado como a prova de que ejas não existem.
avós como fundamento para as proibições matrimoniais pode parecer à pri- Voltando aos Samo, tendo em conta as regras enunciadas e as suas exten-
meira vista não ter um valor universal no que respeita aos sistemas crow- sões cognáticas, parece ser extremamente difícil encontrar cônjuges autori-
-omaha, que são considerados as formas extremas de matri- e de patrilinea- zados dentro de aldeias de pequenas dimensões, Com efeito:
ridade, e por isso apenas susceptíveis de serem aplicados a casos particulares, — todos os membros das quatro patrilinhagens proibidas a Ego estão-
não clássicos, destes sistemas. .
-lhe proibidos como cônjuges. qualquer que seja a sua relação real
Tanto o caso dos Samo como o caso dos Mossi, nesta Óptica, não passa-
de consanguinidade com ele;
riam de variantes abastardadas de modelos puros, nos quais apenas a pertença — num intervalo de três gerações relativamente a um antepassado comum
de linhagem seria reconhecida. Este ponto de vista parece-nos contestável situado na quarta, todos os consanguíneos provenientes de casamentos
por duas razões. Antes de mais, a definição destes modelos puros [Mur- de filhas pertencentes às patrilinhagens proibidas a Ego estão proibidos
dock 1949] foi feita a partir da recolha acrítica das formulações autóctones em casamento a Ego, qualquer que seja a sua filiação de linhagem;
das regras (e é verdade que por toda a parte elas apenas fazem referência — cada união contraída por um homem fecha uma linhagem como área
a grupos de filiação) e de inquéritos efectuados no local insuficientemente possível de escolha aos seus «irmãos» e «filhos» da mesma linhagem,
aprofundados, isso tanto mais que o a priori da linhagem contribuía para e simetricamente cada união contraída por uma mulher fecha uma
que se procedesse às cegas. Em segundo lugar, e principalmente, há um linhagem às suas «filhas de irmãos» e às suas «irmãs»;
facto que se encontra de modo evidente em todos os sistemas omaha sobre — por último, cada união contraída por um homem fecha-lhe no futuro
os quais existem descrições (tanto quanto sei), facto esse que demonstra por quatro outras linhagens como área possível de escolha.
si só a existência universal do critério da partilha em comum das linhagens
materna e/ou das avós para os sistemas semicomplexos: trata-se, em toda O material analisado em computador consiste nas genealogias da popu-
a parte, da impossibilidadede desposar a prima paralela matrilateral, a filha lação de três aldeias que formam uma unidade político-social tradicional;
- da irmã da mãe (MSd).-Se consideramos o nascimento e a pertença a patri- esta população está repartida em vinte e seis linhagens patrilineares; a exten-
“linhagens, vê-se perfeitamente que esta prima não pertence à linhagem da são cronológica das genealogias vai de cinco a nove gerações em linha agnã-
PARENTESCO PARENTESCO

tm

ad
1
tica, até ocasionalmente doze em linha uterina (diferença que se explica pela mais afastados (tal como a mãe do pai da mãe, ou a mãe da mãe do pai)
diferença de idade no casamento e no primeiro nascimento segundo os sexos). ou face a consanguíneos bilaterais além do terceiro grau canónico. À hipó-
O corpus examinado reúne 2461 casamentos [cf. Héritier 1976; 1975]. tese é, pois, a de que é possível que haja uniões efectuadas, preferencial-
Com base em simples deduções numéricas, três coisas surgiram imedia- mente na ausência de qualquer regra conscientemente formulada, entre indi-
tamente, que no entanto parecem à primeira vista incompatíveis com a estrita víduos nascidos de pais que não podiam eles próprios casar entre si pelo facto
aplicação das regras de proibição da aliança: de pesarem sobre eles as regras de proibição fundamentais. À esta hipótese
junta-se uma outra, segundo a qual escolhas desta ordem, entre consangui-
— a taxa global de endogamia no interior das três aldeias é da ordem neos do quarto ou do quinto grau canónico, seleccionam e privilegiam linhas
dos 60 por cento, tendo em conta tanto casamentos primários como
genealógicas particulares no grande número de laços possiveis que vão de
secundários: ela ultrapassa 75 por cento para a aldeia que tem mais Ego a Alter.
habitantes e mais linhagens;
À segunda hipótese, que diz respeito às trocas regulares entre linhagens,
— se consideramos apenas os casamentos primários legítimos, ou seja, os parte da ideia de que as proibições, longe de acumularem os seus efeitos, se
que implicam uma política deliberada de escolha efectuada pelos homens anulam entre si. em consequência sobretudo das diferentes regras de simetria
da linhagem, 1,25 por cento apenas ocorrem com mulheres estrangei-
que regem as escolhas matrimoniais para pares de consanguíneos membros da
ras (10 em 800 casamentos primários masculinos); inversamente, 1,15
mesma patrilinhagem, consoante eles são do mesmo sexo ou de sexo diferente.
por cento apenas de casamentos contraídos pelas mulheres fora das três Só uma frataria (conjunto de irmãos e de irmãs) possui em comum as
aldeias são de tipo primário legítimo (7 casamentos em 601);
mesmas quatro proibições fundamentais: as patrilinhagens de Ego e da mãe,
— por último, pode notar-se, com uma simples leitura das genealogias, as patrilinhagens da mãe do pai e da mãe da mãe, é os consanguineos cog-
que existem laços preferenciais de aliança entre linhagens, das quais
ou porque são directos (A dá a B que náticos que a ela se ligam. Se os irmãos forem apenas meio-germanos pelo
nos apercebemos facilmente
terceiro termo. pai, já não têm os mesmos grupos de filiação da mãe, e da mãe da mãe,
dá a A) ou são mediatizados por um
uma vez que um homem não pode ter duas esposas aparentadas entre si.
Isto é também válido para primos germanos paralelos patrilaterais. dado que
Por essa razão, das duas uma: ou as proibições não são respeitadas ou
dois irmãos não podem casar com mulheres da mesma linhagem. É verda-
são-no. Se o são, isto pressupõe então a existência de estratégias particula-
deiro a fornor: para os filhos de primos de primeiro grau (primos paralelos
res e, por corolário, a presença de estruturas de aliança a descobrir.
patrilaterais igualmente) que não têm, para além do mais, a mesma patrili-
Ora, efectivamente, as proibições são respeitadas em proporções varia-
nhagem para a mãe do pai. uma vez que um «pai» é os seus «filhos» e dois
veis segundo as regras; encontram-se 0,95 por cento de infracções à regra
«irmãos» não podem casar dentro do mesmo grupo de unifiliação.
no que respeita ao interdito que incide sobre as quatro patrilinhagens fun-
damentais de Ego (Ego, M, FM, MM); 3,5 por cento de infracções à regra
de proibição que respeita aos consanguineos bilaterais durante três gerações E B' 2 Cc BA A A D
(aqueles que partilham com Ego as mesmas linhagens materna e/ou de avós):
3,7 por cento de infracções à regra de proibição de um homem se casar
na linhagem em que um «irmão» já efectuou o seu casamento legítimo;
q

proíbe a um homem casar-se numa B'E BC AD


7.5 por cento de infracções à regra que
das quatro linhagens fundamentais das suas esposas precedentes (W, WM, J—
WEM, WMM). Não é, pois, na prática sistemática da infracção às regras
que se poderá encontrar uma explicação para os fenómenos observados. No esquema precedente, em resultado da primeira regra de proibição
Partindo destas observações concretas, e das reflexões liminares teóricas da aliança que estabelece que as quatro linhagens de ascendentes directos
acima expostas sobre o problema da simetria entre Ego masculino e Ego de uma fratria sejam distintas das quatro linhagens de ascendentes dos seus
feminino, e sobre o entrecruzamento de dois tipos de consanguinidade, uma cônjuges, D encontra-se fora do âmbito do parentesco de A, À de B, C de
definida puramente de maneira patrilinear sem limitação de tempo, a outra B e E de B*. Em consequência da segunda regra, a esposa E de B' não pode
definida de modo cognático sobre um lapso de tempo limitado a três gera- pertencer às linhagens À e C, dado que um homem não casa com uma mulher
ções, construí hipóteses que foram submetidas a exame informático sobre proveniente de uma linhagem na qual um irmão já se casou. Em consequen-
o corpus registado. cia da terceira regra, as duas mulheres de B não têm qualquer relação de
Em primeiro lugar, as regras proíbem a aliança com os membros de qua- parentesco entre si, uma vez que um homem não casa com uma mulher numa
tro patrilinhagens e, durante três gerações, com todos os consanguíneos nas- das quatro linhagens fundamentais das suas esposas precedentes.
cidos de casamentos das filhas que pertencem a estas patrilinhagens, mas não | Tendo recebido uma mulher de A, na geração seguinte B pode, sem infrin-
falam da conduta a manter face às linhagens a que pertencem ascendentes gir qualquer regra (recorde-se o silêncio das regras acerca do comportamento
54 PARENTESCO
PARENTESCO

matrimonial dos pares formados por consanguíneos de sexo diferente, e a O modelo abaixo reproduzido, que não infringe nenhuma regra, apresenta
possível inversão), dar uma filha à linhagem A. No caso particular ilustrado a acumulação dos constrangimentos mais estritos: troca de irmãs reais entre
pelo esquema, ele dá ao filho do irmão da sua mulher À, ou a filha que ele duas linhas de descendência apenas por linhagem. Vemos, no entanto, que
tiver tido da sua esposa C (com a única condição de que a linha da mãe de a troca restrita pode ser realizada em cada duas gerações, efectuando para além
Cea da mãe de D sejam diferentes), ou a filha que o seu irmão B' tiver disso um fechamento no interior da consanguinidade não proibida na quinta
tido da sua esposa E (com a condição de que a linhagem de E ec a de D geração. No caso em que houvesse maior número de linhas de descendência
e as linhas da mãe de E e da mãe de D sejam diferentes). e de casamentos em que se não trocassem irmãs reais mas antes primas para-
A troca seria ainda mais fácil se substituíssemos os pares fraternos À e lelas patrilaterais classificatórias (que são chamadas terminologicamente «irmãs»
B por primos paralelos patrilaterais classificatórios: o que representa o caso, por Ego), como é o caso entre linhas diferentes de uma mesma linhagem, as
aliás, o caso mais frequente, pois que os casamentos primários se decidem trocas tornar-se-iam possíveis combinando-se de modo alternado em todas as
ao nível da linhagem e não ao nível da família elementar. gerações.
Poder-se-ia dizer que, a partir do momento em que as linhagens incluí- Foram estas hipóteses que foram submetidas a exame sistemático, em com-
rem no mínimo duas linhas agnáticas de descendência (o que significa, no putador, sobre o corpus de casamentos registados. Considerando todos os casa-
mínimo, os descendentes de dois irmãos), a fortiori se incluírem mais, e sobre- mentos em que as genealogias ascendentes permitem conhecer para cada um
tudo se existirem no interior da linhagem verdadeiras linhas nitidamente sepa- dos dois cônjuges entre dois a treze bisavós e mesmo mais, encontramos uma
radas do nível ancestral (cf. pp. 44-45 — existem na verdade 92 linhas para percentagem de casamentos consanguineos que ultrapassa os níveis proibidos,
26 linhagens —, então, a troca restrita regular torna-se possível entre patrili- da ordem dos 43 por cento, percentagem essa que seria provavelmente mais
nhagens duas a duas (ficando assente naturalmente que cada patrilinhagem alta ainda se todos os bisavós e tetravós dos dois cônjuges fossem conhe-
governa várias séries destas associações matrimoniais regulares com outras cidos.
patrilinhagens), com a única condição de que as linhas distintas alternem as Para além disto, demonstra-se estatisticamente que estas escolhas não inci-
suas prestações em cada geração. Isto é possível, pelo facto de em cada duas dem indiferentemente sobre todos os indivíduos ligados a Ego pelos diversos
gerações a série de esposas dos homens presentes numa mesma linhagem pro-
laços genealógicos possíveis. Estas escolhas são feitas muito próximo do que
vir de camadas familiares diferentes, e pelo facto de serem reciprocamente era considerado pelos genitores dos cônjuges incestuoso para eles próprios.
exclusivas em gerações consecutivas, para conservar a lógica de conjunto das À ordem estatística estabelecida segue exactamente a ordem hierárquica de
regras para as duas situações representadas na figura a p, 46.
classificação dos consanguíneos dada pelo pensamento local: os consangui-
5 - neos ligados por intermédio de uma mulher a uma das quatro linhagens
Troca original fundamentais de Ego (o par ancestral dos germanos é constituído por um
de irmãs irmão e pela sua irmã) estão mais próximos e muito mais escolhidos que
me

entre duas linhas aqueles com que Ego partilha apenas uma linhagem de bisavó materna,
segundo qualquer cadeia genealógica (o par ancestral de germanos é com-
Troca de irmãs
z posto por duas irmãs).
entre duas linhas
alternadas
3
Troca de irmãs
4 entre as duas
primeiras linhas
d e fechamento
5 consanguíneo
permitido

(No nível 3, as duas mulheres pertencem apenas reciprocamente à linha-


gem da mãe do pai de um primo paralelo patrilateral (de terceiro grau canó-
nico) do seu marido. No nível 5, o fechamento efectua-se entre consangui-
neos que são legais reciprocamente em linha directa da linhagem da mãe
do pai do pai do pai (linhagem não proibida) de cada um deles. 4 e 4
e casam com FFFMBsssd, FFFFSsssd; O e é casam com FFFMBssss,
FFFF Sssss).
57 PARENTESCO
PARENTESCO 45
de tipo omaha, funcionam melhor, como sistemas de repartição das mulheres. Mas enquanto os siste-
Parece, pois, que os sistemas semicomplexos,
(os quais dependem das mas elementares reservam o acesso a certos consanguineos próximos (por
de modo endógamo como supersistemas aranda exemplo MBd), deixando os seus consanguíneos mais afastados à disposi-
estruturas elementares), escolhendo de maneira privilegiada parceiros na
está situado o antepassado comum à ção dos outros grupos para quem eles são consanguíneos próximos, Os sis-
quinta geração seguinte aquela onde
a primeira geração a seguir às temas semicomplexos reservam o acesso aos consanguineos afastados, dei-
duas linhas de descendência (isto é, desde
cognáticos, mas selec- xando os seus consanguíneos próximos à disposição dos outros grupos para
três gerações proibidas) no conjunto dos consanguíneos quem eles são consanguíneos afastados.
certas linhas genealógicas segundo
cionando de modo não aleatório entre eles O princípio de filiação nos sistemas semicomplexos é um princípio de
local.
os critérios de proximidade definidos pelo sistema ordem e de simplificação: este opera entre todos os consanguíneos cognáti-
No que diz respeito à segunda hipótese , relativa às trocas regulares entre
veis tratem apenas das cos clivagens que têm por objectivo ordenar e hierarquizar esses consangui-
linhagens, e se bem que os cálculos actualmente disponí neos em relação a Ego.
não representa senão
trocas regulares entre linhas distintas de linhagens — o que Resta saber se este esquema pode ser aplicado de modo convincente a
a totalida de das trocas —, verifica -se, no entanto, que 30 por
uma parte e não todas as sociedades com estruturas semicomplexas de troca. Com base nas
entram no jogo complexo das idas e vindas, quer com
cento dos casamentos razões estruturais acima analisadas, a resposta deveria ser afirmativa. No
oação directa, quer
séries simples (sessenta séries de doação, seguida de contrad entanto, os trabalhos baseados em estatísticas aprofundadas não existem para
quer na geração seguint e) quer com séries mais reguinta-
por troca de «irmãs» se poder sustentar com rigor esta afirmação. Mas, na descrição de outras
sucessivas, alternadas gera-
das que vão de três a dez trocas contemporâneas ou sociedades com sistema de parentesco omaha e estruturadas segundo proi-
também várias
ção após geração (recordemos que as linhas discretas incluem bições de aliança, encontram-se factos análogos aos que acabamos de des-
linhas de descendência agnática). crever: por exemplo, entre os Minianka patrilineares do Mali (segundo um
operatórios (casamento selectivo con-
Como já se viu, estes dois modos estudo inédito de Daniele Jonkhers), entre os Gagu bilineares da Costa do
o quarto grau
sanguíneo, a partir daquilo a que no Ocidente se chamou Marfim, com sistema terminológico crow (informação fornecida por Jean-
restritas entre grupos) são perfeit amente compatí veis entre
canónico, e trocas -Pierre Chauveau). À porta está aberta a outras experimentações.
de prestaç ões gene-
si. Conjugam-se por outro lado com um sistema cíclico
existênc ia decorre quase automati-
ralizadas (A — B— C+...—> A), cuja
entre a multipl icidade dos laços matrimo niais que
camente da combinação 3. Passagem às estruturas complexas de aliança
outras e O casa-
cada patrilinhagem mantém de modo regular com várias
geração.
mento consanguíneo preferencial a partir da quarta Falta-nos ainda tratar da passagem das estruturas semicomplexas às estru-
Uma investigação de ciclos orienta dos, com dez laços no máximo, mos-
legítimo, isto é, os que são trata- turas complexas de parentesco. Utilizando como base alguns trabalhos — infe-
trou que os casamentos de tipo primário
ciclos numa lizmente raros e tanto mais raros quando fornecem dados estatísticos —, esco-
dos pelos anciãos da linhagem e os pais das filhas, definem lhidos na literatura antropológica contemporânea e que tratam das formas
vezes superio r à que encontr amos para Os
proporção que é mais de vinte complexas de aliança, vamos apresentar algumas hipóteses que poderão tal-
em união secundária. É permitido pensar que é por-
casamentos realizados
ões generali- vez estimular futuras investigações. O assunto será abordado segundo um
que os primeiros obedecem a uma política implicita de prestaç único ponto de vista: o dos modos operatórios do funcionamento matrimo-
zadas entre linhagens, o que não acontece com os segundos.
é claro que não se podem tratar nial, O termo 'passagem' não deve, pois, ser entendido numa acepção histó-
Perante o conjunto destes resultados,
conjuntos probabilisti- rica ou evolucionista (sempre que estes pontos possam ainda ser objecto de
de concatenações nascidas do acaso no interior de debate), mas num sentido meramente estrutural, A interrogação consiste em
nações estrutur ais que decorrem logicamente
cos, mas de verdadeiras concate mostrar se existe ou não uma solução de continuidade entre os modos ope-
ação entre as regras de classifi cação dos consang uíneos e as regras
da articul ratórios observados nas sociedades com estruturas semicomplexas, tais como
da aliança.
trocas res- as apresentadas,-e-os observados. em sociedades dê estrutúras"complexas—
Escolha preferencial entre os consanguineos de um certo tipo, Esta questão apresenta todavia um aspecto complementar que pode ser
entre linhage ns, reprodu ção periódi ca das alianças , troca generalizada
tritas formulado da seguinte maneira; nas socjedades contemporâneas numerica-
ares estudados
são as modalidades de funcionamento dos sistemas element
Lévi-Strauss. Demonstra-se, então, que os sistemas semicomplexos, se “mente numerosas que não parecem ser socialmente organizadas com base no
por parentesco, este último desempenha ou não um papel na escolha do cônjuge?
(caracterizam-
bem que funcionando ao contrário dos sistemas elementares (0) primeiro exemplo refere-se a algumas sociedades andinas onde a aliança ”
ções matrimo niais), obedec em às mes-
-se pelas proibições e não por prescri é regida por proibições que não são de tipo crozw-omaha, sem grupos de unifi-
e apresentam formas estruturais homólogas que podem
mas leis que estes
maneira como liação: entre os Incas clássicos [Lounsbury 1978; Zuidema 1977] e nas comu-
ser reveladas. Podem igualmente ser definidos da mesma nidades peruvianas modernas [Earls 1971). No entanto, no que respeita aos
consang uincos em casáveis e em não-cas áveis, ou
modos de repartição dos
58 PARENTESCO
PARENTESCO e

mente na ea estrutura todo o resto do universo dos Incas. O sistema terminológico inca não
Incas, Floyd Lounsbury, na já citada análise publicada recente
baseando -se nos textos histórico s conheci ra seria ao mesmo tempo crow e omaha, como na hipótese de Lounsbury, mas
ces pelos «Annales», aventava,
um sistema terminol ógico raro com certeza, visto que simul- de tipo havaiano, como propõe Murdock.
que se tratava de
omaha para E Sempre segundo os textos antigos, o casamento seria proibido entre os filhos,
taneamente de tipo crow para os locutores femininos € de tipo os netos e os bisnetos de dois cunhados, isto é, os fundadores do panaca, até
de relacion ada com as linhas de filiação patals à,
homens, estando a totalida e incluindo o conjunto collana (segundo Guamán Poma e Ayala), O casamento
para os homens e uterina para as mulheres . Para além disto, Vo
agnática torna-se possível, por outras palavras, só entre descendentes de collana, ou
matrilate
havido um casamento preferencial assimétrico com a prima cruzada seja, ao nível cari, tendo em conta apenas as linhas de filiação paralela. Uma
de inteligentíssimas
ral (MBd). Lounsbury chega a estas conclusões através tal possibilidade de casamento, enquanto não proibido, estã comprovada como
ações sobre algumas posições de parentes co cuja designação ne
extrapol um tipo efectivamente realizado; Garcilaso de la Vega acrescenta que, só aos
ões o Es ;
lógica é conhecida, e a partir da qual ele infere as designaç nobres, e em casos excepcionais, era possível contrair casamento antes do limite
-se nas mesmas fontes histórica s, sa s
de outras posições. Baseando representado pelos quatro graus: os homens comuns podiam casar normalmente
apresent ação dos factos, conserv ando como um dado adquiri oa SA
trói esta com FFFSddd. Zuidema considera que é esta possibilidade endogâmica que
E
tuação paralela da filiação. À sua argumentação, que não é possível faz com que o grupo local, nas culturas andinas, seja concebido segundo o
pc Sei So é sobre a sua interpre tação q
riamente, é convincente. Por modelo do ayllu e seja designado pelo mesmo termo.
ara apresentar a realidade inca. O fechamento do panaca na quinta geração (incluindo a do fundador), ou
a a ee conheciam os grupos de unifiliação, fossem eles se se preferir, todas as cinco gerações, é confirmado por Perez Bocanegra na
aa «orien-
clãs ou linhagens, mas apenas parentelas, que Zuidema define sua obra e na famosa figura aqui reproduzida. Ele considera a sucessão de qua-
elas apresen tam linhas de sucessão masculin a para 05. Eq
tadas», porque tro homens e de quatro mulheres em linhas distintas como uma unidade. Um
gerações a partir a
feminina para as mulheres, num conjunto de cinco casamento deve ser efectuado entre um tetraneto em linha agnática e uma tetra-
masculin o, pelos seus filhos e filhas.
núcleo inicial formado por um genitor neta em linha uterina do fundador, para que uma nova unidade, um novo panaca,
designam um tal grupo: panaca € ayllu. = possa nascer. É, pois, deste modo que o modelo com fechamento em cinco gera-
Dois termos
e por
Panaca remete explicitamente para o grupo formado por «irmãos» ções estrutura o ayllt. A importância deste facto é tanto maior quanto existe
«irmãs» descendentes de um mesmo antepass ado segundo o sistema de ane necessariamente uma ruptura na sucessão da filiação propriamente uterina nó
atrás, ao longo de quatro gerações , isto do ponto Ecs
ção paralela descrito momento em que um genitor-antepassado funda um novo avllu/panaca, visto
mente, o termo ça u
vista do falante masculino, membro do grupo. Inversa que éa partir dele, e não da sua esposa, que se vão constituir ao longo de quatro
ponto de vista exclusiv o do antepass a e
remete para o mesmo grupo, mas do gerações as linhas de descendência uterina criadas a partir das suas filhas. O casa-
se volta
-genitor. Deve notar-se que neste esquema da unidade social inca mento na quarta geração entre representantes das duas linhas de filiação para-
a encontrar o número crucial de cinco geracões: lela sexuada suprime esta contradição e esta solução de continuidade.
Mas não é tudo; ao que parece, existiam usos, ou mesmo regras positivas
de aliança, que preconizavam a troca das irmãs entre os homens, entendendo-
Cayao -se O termo “irmãs”, na acepção inca, como
Payan os membros femininos do mesmo
panaca segundo as linhas de filiação paralela própria à facilitação da troca
Collana
Car matrimonial da mesma geração. A confirmar esta informação, algumas equi-
valências terminológicas (HMMB = WMF, o irmão da mãe da mãe do marido
=ao pai da mãe da esposa); HFMB = WFF (o irmão da mãe do pai do
marido = ao pai do pai da esposa) levam à construção de um modelo que
permite, como no caso samo, ao mesmo tempo um fechamento sobre si pró-
prio todas as cinco gerações (que é o fechamento endogâmico do panaca) e
dos panaca as relações terminológicas de tratermidute não desig- séries de trocas regulares, geração após geração, entre matrilinhas e patrili-
No âmbito
id
nam apenas ligações horizontais entre germanos reais ou classificatórios, nhas de ayllu/panaca aliados. A troca das irmãs não deve ser tomada neces-
s de
também as ligações verticais entre pais e filhos. Cada um dos conjunto sariamente no sentido estrito de membros da mesma frataria: em cada nível,
cayao,
fraternidade assim constituídos geração após geração tem um nome: os membros do mesmo panaca são entre si irmãos e irmãs.
cari; estes correspo ndem aos quatro graus unnaue nç de necessário considerar que cada panaca dispõe de várias patrilinhas e
payan, collana,
ivisão
parentesco relativo ao genitor, mas que remete igualmente para e de várias matrilinhas, e portanto de múltiplas possibilidades de troca sem
evidente nos no entanto infringir as proibições de aliança até à quarta geração que inci-
quadripartida da sociedade que encontramos de maneira clara e
na corte, nas organizaç ões política, hierárqui ca, militar, etc, Esta uni- dem sobre os descendentes reais de casamentos efectuados através de troca
mitos,
inidade. de irmãs.
dade social baseada no parentesco, numa visão particular da consangu
es PARENTESCO
PSRENTESCO

Zuidema não dispõe, naturalmente, de uma documentação estatistica para


demonstrar a sua teoria; a sua análise baseia-se na difícil exegese dos textos
antigos. O mesmo acontece a John Earls, se bem que ele trate de sistemas
andinos peruvianos actuais, estudados nas duas comunidades vizinhas de
Vicos e de Sarhua. Em ambos os casos, nada nos é dito sobre o sistema
terminológico.
Em Sarhua estamos perante duas metades fortemente solidárias e rivais,
que se definem de modo parrilincar, e são endógamas e não localizadas.
À oposição marcada entre as metades encontra-se em diversos aspectos: nos
mitos, na cosmologia, na organização política e nas estruturas ideológicas
LAN ra pariu de conjunto. No interior das metades coexistem unidades exógamas, que
VINA!-G RADO não têm atributos orgânicos para além de usarem em comum o mesmo nome
NAVPAC
doom A de grupo. Um indivíduo pertence simultaneamente à unidade de nome do
seu pai e à da sua mãe. Todos aqueles que usam o mesmo nome de grupo
consideram-se entre si como irmãos. É proibido casar com alguém que tenha
omesmo nomede grupo que o seu (o do pai) ou o mesmo nome de grupo
que a mãe. O casamento preferido faz-se através da troca
das irmãs.
À partir da análise escrupulosa destes dados, Earls demonstra que bas-
tam quatro grupos exógamos deste tipo para que todos os indivíduos se pos-
sam casar correctamente, e que as relações alternadas dos grupos dois a dois
INAI+GRADO!I descrevem uma fórmula (de ripo aranda, sistema australiano com secções)
E A (A

TS
na qual se pode ver que a mesma estrutura se encontra em linha agnática
em cada duas gerações — e isto graças à troca de irmãs, casamento prefe-
rido, que é um operador de simetria — e em cada cinco gerações apenas
em linha materna. O que ele constrói! é um modelo e não uma representa-
ção genealógica; modelo que simplificamos apresentando-o do seguinte modo:

Ad & OQ Cb
E JQVIMZA VINISGRA DI!
A

Cinco
gerações

[E
EU old Ac À
a Susi LAHVA VINAI G RA
VNhi Z A
cd Uh a ALCAIDpi (A lerra maiúscula indica o nome do grupo do pai, a letra minúscula o nome
do grupo da mãe).
Todavia, por muito que se trate de um modelo estrutural, o evidenciar
de matrilinhas, enquanto o aylly se define patrilinearmente, tem estreitas
relações com a realidade. De facto, Earls faz sobressair um princípio matri-
linear de herança para o gado e para as estancias (alguns casos são compro-
vados durante cinco ou seis gerações); os agrupamentos para criação de gado
|
Figura 1. são matrilocais, enquanto a transmissão do nome sé faz por linha paterna,
sucedem-se ao longo de quatro gerações uma linha de sfilhos» c uma Num tal modelo, em cada cinco gerações um antepassado comum está no
A partir de Pedro
(A partir de Pérez Bocanegra, Ritual formulario, 1631)
linha de «filhas».
62 63
PARENTESCO PARENTESCO

Os colaterais no interior da mesma linhagem podem reproduzi


início de duas linhas; as duas linhas, uma masculina e a outra feminina, r, de maneira
simétrica ou alternada, o casamento que só Ego — com
juntaram-se exactamente como entre os Incas clássicos. O tetravó e o seu os seus próprios
germanos — não pode renovar. Basta que cada patrilinhagem
tetraneto ocupam posições estruturalmente homólogas. Ora, todos os dei tenha duas
linhas de descendência distintas, renovando cada uma as
durante uma cerimónia em honra da terra e dos antepassados, chamas a suas alianças em
cada cinco gerações, com duas gerações de distância. Se se
«abertura da porta», o patrão de uma estancia entra em transe € Fa prefere, o casa-
CE uplo mento de cada homem reproduz o do irmão do pai de seu pai (FFB),
com o seu tetravô, de quem ele é a reincarnação, por meio
e não o do seu avô paterno (FF).
percurso, e que foi, tal como ele, o gu c da filha herdeira. Os factos etno- Isto é nem mais nem menos o esquema de funcionamento
am deste modo o modelo. matrimonial de
uma sociedade com estruturas semicomplexas, que vimos anteriormente
ao anna de Vicos, Earls descreve desta vez uma rd a pro-
pósito dos Samo: trocas regulares entre grupos (patrilinhagens,
possui verdadeiros grupos de linhagens, com forte patrilincaridade e so E a- de nome, panaca) alternadas por linhas de descendência (com
comunidades
a condição de
riedade. Para além disso, estas linhagens exógamas estão desta vez EE que cada grupo de troca tenha pelo menos duas linhas distintas),
s pe cada uma
das e formam, portanto, unidades geograficamente individualizáveis. das linhas renovando as suas próprias alianças em cada cinco
oe a gerações.
sinos, como os Sarhua, declaram não poder escolher cônjuge no ESTE Earls fornece alguns exemplos que ilustram os seus modelos,
er je mas não
de onde provém a mãe, e declaram praticar a troca preferencia dispõe infelizmente de um verdadeiro aparelho estatístico. Como Zuidema,
Calculam, além disto, a distância correcta entre futuros cônjuges segun à as suas demonstrações são no entanto apresentadas de maneira interessa
nte
o critério explícito de que dois cônjuges potenciais não devem ter antepas e convincente com base na mitologia, nos rituais e na organiza
ção polí-
sados comuns no interior de um intervalo de cinco gerações. Dado que a (tica.
trata sempre do universo cultural inca, voltamos a encontrar, PRICE “Nas sociedades puramente cognáticas, sem grupos de filiação reconhe-
seja uma surpresa, estruturas idênticas ou muitíssimo próximas a lo a cidos — unilineares, bilineares, paralelos ou outros — as proibições matri-
hua e dos antigos Incas. À partir das regras matrimoniais enuncia col As moniais incidem sobre os graus de parentesco, ponto
O importante está,
chega à conclusão de que bastam quatro grupos de trocas para pd a pois, em saber se nelas encontramos ou não uniões consanguiíneas,
ou seja,
regulares entre grupos e fechamentos consanguíneos em cada cinco gerações. fechamentos no interior da consanguinidade ao fim de um certo número .
dE Eetuções, e isto dE HIT ENA O problema das trocas regulares,
simétricas ou alternadas entre grupos de troca não se põe sob a forma
de grupos reconhecidos com base na filiação, mas pode póôr-se sob
a de
grupos cuja existência é reconhecida com base noutras características:
o património, por exemplo.
À primeira pergunta a fazer é se se pode estabelecer um limite à exten-
são de um parentesco cognático? Esta questão tem duas faces: qual é q”
Mimero máximo de pesssal que qualquer indivíduo pode reconhecer como
sendo seu parente quando não existe a marca imediata de reconhecimento
que é a pertença a um corpode linhagem constituído? É possível
desco-
brir limiares? E a que níveis de memória se situam?
Em 1438, um arcebispo de Cantuária fundou a cátedra de All Soul's
Col-
lege, e nos estatutos de fundação, pediu que ela fosse sempre confiada,
com
prioridade absoluta, a um membro da sua parentela. Em 1723, aquando de
uma eleição, houve contestação sobre o facto de saber se o professor em
questão podia ser ou não considerado como pertencente à parentela do fun-
dador (Freeman). Este problema permitiu a Blackstone publicar o seu Essay
on Collateral Consanguinity [1750] em que estabeleceu o seguinte
cálculo:
Tirando todas as conclusões possíveis destes dados, Earls chega também partindo da suposição de que nenhum casamento se verifique entre consan-
ele à conclusão (como Zuidema) de que este modelo é compatível com tro- Buíneos, na vigésima geração, cada homem tem já 1 048 576 antepassados.
cas regulares entre as linhagens em cada duas gerações. A apl Es Se cada casal destes antepassados tiver apenas dois filhos e se cada
um des-
isto parecia-lhe impossível, uma vez que o casamento é proibido apl k tes filhos tiver outros dois e assim por diante até à vigésima geração,
Ego
mos nascidos de germanos. Mas o que é proibido para os verdadeiros es conta entre a sua parentela 274 877 906 944 pessoas. É, pois, evidente
que
cendentes não o é para os colaterais em linhas paralelas de descendência. nenhuma sociedade humana pode evitar o casamento entre consanguíneos,
64 65 PARENTESCO
PARENTESCO

O casamento entre parentes tem como consequência não apenas a redução cos, reconhecidos quer por meio dos homens quer por meio das mulheres
(se se casasse sempre com uma prima cruzada matrilinear, até à sétima geração a partir de um antepassado comum, O erro que se come
de antepassados
cola-
Ego teria apenas oito bisavós, em vez de dezasseis), mas também a de tia consistia em interpretar este número não contando as gerações nas duas
terais [cf. Kasakoff 1974]. O facto é estatisti camente inevitável . O problema linhas de descendência, mas sim os graus: quatro numa das linhas e três
procurado, a que ní É se situa na outra, À importância reside no facto de Pierre Damien, ao defender
está em saber se ele é conscientemente
e em que proporções se realiza. a regra, ter plena consciência dos seus efeitos: a exogamia consanguínea abso-
Freeman demonstra que não existem, ao que parece, sociedades onde luta fora da parentela deveria ser reforçada por alianças preferenciais entre
primos nascidos de germanos não seja conhecida (trata-se do consanguíneos na geração seguinte à extinção das proibições. Escreve Pierre
a relação com
grau canônico, do sexto grau civil, do segundo grau inglês). De Damien que quando se extingue a família baseada no parentesco, ao mesmo
terceiro
o homem vive normalmente com três níveis de coexistência tempo- tempo que as palavras para designar esta, a lei do casamento surge imedia-
resto,
sobre-
ral: avós, pais, filhos e seus colaterais. É bastante frequente, pois, tamente e restabelece os direitos do antigo amor entre os homens novos, ..
da nossa, em particula r sua forma urbana, Lá, onde falta a mão do parentesco que tinha reunido aqueles de que se
tudo em sociedades diferentes
que se conheçam parentes ainda mais afastados. O reconhecimento da paren- apoderara, o casamento lança imediatamente à sua garra «para trazer de volta
cadeia
tela não consiste tanto na capacidade de reconstruir a verdadeira todo aquele que se afaste».
saber, ou de imaginar. que os avós de Ego Guy Tassin publicou em «Inter-Nord» [1978] um artigo muito interes-
genealógica quanto no facto de
tivessem sido primos germanos ou filhos de primos germa- sante sobre a actuação das relações matrimoniais de uma família, baseando-
e os de Alter
será
nos; neste caso concreto, a parentela cognática, intuída ou presumida, -se no estudo das genealogias que podem ser reconstituídas através de uma
de quinto grau canónico ou décimo grau civil. A amplitud e da parentela saga islandesa, dita de «família», " Eyrbyggja Saga. O autor, que natural-
conhecida varia evidentemente de sociedade para sociedade e de individuo mente verificou as datas, pôde demonstrar a existência de uma notável con-
paren-
para indivíduo. Freeman, no seu notável trabalho sobre o conceito de vergência entre as informações fornecidas nesta saga e as retiradas de outros
ação etnográfi ca existente, uma assi- textos históricos. À consequência disto é a possibilidade de tratar este texto
tela [1961], mostra, através da document
nalável uniformi dade para as sociedade s cognática s de economia simples: como documento histórico, e não apenas como literário. O período histó-
(oitavo
a maior parte limita-se a um conhecimento do quarto grau canónico rico do qual trata vai de 884 a 1301; as proibições canónicas estabelecidas
terceiro inglês), e um certo número de sociedade agnáticas pela Igreja islandesa, por volta de 1122-23, consideram o sexto grau canó-
civil ou romano,
está em situação de reconhecer primos dos quinto e sexto graus canónicos nico como o primeiro autorizado em casamento, o que representa, pois, um
por exemplo, os Iban e os Melanau). Todavia, pem todos os consan- progresso relativamente à situação apresentada por Pierre Damien. Ilgr-se-
(como
graus
“ guíneos são reconhecidos do mesmo modo no interior dos mesmos -la que para o autor também o sexto grau constituiria o limite admitido
de parentesco. A par da amnésia causada pelo maior ou menor afastamen to antes da cristianização, o que poderia significar que a Igreja tinha tido em
l, existe uma «amnésia estrutura l» que pode ser bi- ou unilateral . conta a tradição.
residencia
O jogo matrimonial vai desenrolar-se entre estes. Murdock [1949] estabe- Apenas cinco alianças se realizarão aquém do sexto grau canónico, e de
tendên-
lece como um princípio que as parentelas mostram normalmente uma cada uma das vezes, tanto quanto parece, em troca de uma reconcilisção:
para a exogamia comparáv el à das linhagens , e que mesmo nos Estados Mas, e é isto que nos interessa, a partir da sexta geração, em 120 indivi-
cia
Unidos o casamento entre indivíduos que se reconhecem como pertencendo duos casáveis, classificados por gerações, e pertencentes aos nove grupos resi-
a
à mesma parentela é normalmente «tabu». Freeman, no entanto, demonstr denciais nomeados no texto, 62, ou seja, um pouco mais de metade, con-
que, inversamente, nas sociedades cognáticas, da Malásia especialmente, não traíram casamento de facto entre consanguíneos. Na própria sexta geração
só o casamento no âmbito da parentela não é proibido, como é até preferido, relativamente ao antepassado, havia 16 indivíduos casáveis, dos quais 11 é
a partir dos primos de terceiro grau canónico (sexto civil). Deste tipo seriam casaram entre consanguíneos, tendo apenas 5 escolhido o seu cônjuge no
75 por cento dos casamentos entre os Iban,80 por cento entre os Sumbawa exterior da família. Para além disto, é claro que se efectuam estratégias polí-
e à volta dos 90 por cento entre os Bisaya. Estes números, na verdade notã- ticas em torno das escolhas entre o casamento consanguíneo é o casamento
veis, deveriam ser suficientes para demonstrar a questão, mas todavia será útil exterior.
«São as filhas que preferencialmente se dão aos consanguíneos» [Tas-
examinar também as sociedades cognáticas europeias. sin 1978, p. 86]: 66 por
cento das raparigas casáveis são dadas a parentes
Nas sociedades ocidentais são as proibições da Igreja e o seu progressivo contra 38 por cento de homens. Os ramos primogénitos sobretudo casam-
con-
abrandamento que têm conferido, ao longo dos séculos, os limiares de
sanguinidade além dos quais as uniões se tornam possíveis.
No século X1, Pierre Damien sai a campo a combater uma má interpre-
tação que se estava a difundir sobre a regra canónica que regia a aliança:
pesavam então sobre O conjunto dos consanguíneos cognáti-
as proibições
PARENTESCO 66 67 PARENTESCO

dar as suas posições» [ibid., p. 95]. Do mesmo modo, os ramos mais novos No entanto, é preciso que as pessoas se casem; o tipo de casamento
têm um raio de aliança muito mais amplo (cerca de 80 km) do que os ramos preferido será aquele que une um homem e uma mulher que são ambos
primogénitos, sobretudo quando estes praticam casamentos consanguíneos, «segundos netos» do mesmo antepassado, que são pois entre si primos nas-
dado que nenhum dos futuros cônjuges está afastado do outro mais de cidos de primos germanos. Este tipo de casamento representa 95 por cento
47 km. Pode concluir-se que existe uma estratégia matrimonial nestes casa- dos casamentos realizados nesta ilha durante este século. A partir do
mentos consanguineos: servem interesses políticos precisos, coesão, solida- momento em que cessa a proibição, como dizia Damien, «o casamento deita
riedade, prestígio. Em todo o caso, não são efectuados ao acaso: Tassin espe- a sua garra para trazer de volta aquele que se afasta»; realiza-se um fecha-
cifica que «os descendentes de Bjórn Buna têm um bom conhecimento da mento no interior dos consanguiíneos do terceiro grau canónico. Não esta-
sua genealogia é têm-na em conta antes de se casarem» [ibid., p. 87). Vale mos muito longe do modelo do panaca inca, apesar da diferença substan-
a pena, todavia, precisar que Tassin não considera os casamentos além do cial do modo de filiação, paralela num dos casos e indiferenciada no outro.
sexto grau como consanguíneos, reservando o termo, como fazem demógra- Em ambos os casos é possível reconhecer a importância social do núcleo
fos e genetistas, para os casamentos aquém do terceiro grau canônico. Do fraterno, por um lado (irmão/irmão, irmão/irmã), enquanto por outro
meu ponto de vista são-no, e do ponto de vista dos actores eram-no, dado sobressai a importância do conjunto de consanguinidade formado por um
que tinham como objectivo declarado acumular o estatuto de parentes e de número finito de gerações. Estes conjuntos finitos têm, além disso, em
consanguíneos: os fraendr tornam-se tenghdir, reforçando com a redução dos ambos os casos uma dupla extensão: ultrapassada a geração em que se
antepassados a coesão dos grupos. Também Freeman [1961] tinha notado, pode efectuar a aliança entre consanguíneos, duas gerações suplementares
a partir dos dados exóticos supracitados, que o casamento regular entre con- são reconhecidas e contadas como fazendo parte dos consanguíneos, mas
sanguíneos tem como consequência a consolidação dos stocks, e que isso cons- são designadas de maneira a evidenciar a sua exclusão do número central:
titui um traço significativo de um certo número de sociedades bilaterais que netos «claros» e «escuros» nos Tory islandeses, filhos «nus» e «malcheiro-
têm uma rede de parentesco estreitamente cimentada e solidária, desempe- sos» nos Incas:
nhando o papel principal nas múltiplas actividades da vida social, enquanto
estas mesmas sociedades carecem da armadura de coerência simplificadora Tory Inca
representada pelo grupo de unifiliação,
Os habitantes da ilha de Tory descritos por Robin Fox [1979] repre-
Primogénitos
sentam actualmente um aglomerado de quatrocentas pessoas; a filiação é
cognática e o sistema dos termos de referência é esquimó. Seguem-se as Primeiros netos
prescrições negativas canónicas no seu estado actual: o casamento é proi-
bido normalmente entre primos germanos e aquém deste grau de paren- Segundos netos
tesco, por exemplo entre tia e sobrinho. O grupo de descendência, o núcleo Netos «claros» Filhos «segundos»
de parentela, está centrado num antepassado comum que se situa no sexto
nível genealógico. Os indivíduos colocam-se sempre em relação a este ante- Netos «escuros» Filhos «nus»
passado comum: os primos germanos são os «primeiros netos» do ante-
passado, os primos nascidos de primos germanos são os «segundos netos» Filhos «malcheirosos»
do antepassado, e seguem-se os terceiros netos ou netos «claros», e os quar-
tos ou netos «escuros». (L] representa indiferentemente um homem ou uma mulher; B À O indi-
Toda a vida social se estabelece em torno da relação de germanidade entre cam que o casamento é possível nesta geração).
os filhos do antepassado, relação reproduzida em todas as gerações, com Ainda um último exemplo, desta vez francês. Pierre Lamaison [1979] ela-
borou, com o auxílio de um computador, um trabalho muito interessante
uma nítida dominante agnática. Deste modo, as tripulações de pesca
de reconstituição e de análise das estratégias matrimoniais baseando-se nos
efectuam-se entre irmãos, depois com primos paralelos patrilaterais (primos
arquivos genealógicos de uma paróquia de Gévaudan entre o século XVII e
germanos e filhos de germanos) e, finalmente, caso seja necessário, com os
o século XVIII. O sistema é inegavelmente complexo, com filiação indiferen-
maridos das irmãs. Ás relações de fraternidade dominam a vida social em
ciada (cognática), nomenclatura de parentesco de tipo esquimó e interditos
detrimento das relações de aliança. À vida conjugal não ocupa o primeiro
matrimoniais estabelecidos pela Igreja, e que não ultrapassam na época os
| plano, tanto que se prefere sempre viver entre germanos; as irmãs mesmo
primos nascidos de primos germanos (ou seja, de terceiro grau canónico).
casadas continuam a ocupar-se de cada um dos seus irmãos é vêm acabar
À noção de património é neste caso fundamental. Lamaison demonstra,
os seus dias junto deles.
seguindo o fio das gerações, que a preocupação dominante é a manutenção
PARENTESCO 68 69 PARENTESCO

da integridade do património do ostal, e até se possível o aumento da rela- (ou quase) se efectua entre herdeiros de ostals diferentes». É evidente que
tiva riqueza através de dotes trazidos pelos cônjuges do herdeiro. O patri- é necessário, a este nível, entender por linha patrimonial algo diverso do
mónio a defender, a aumentar e a transmitir desempenha, neste sistema com- que acima foi dito. Com o sistema de exclusões previstas para cada gera-
plexo, a mesma função de primeiro plano que a filiação ou a repetição da ção, um casamento consanguíneo equivaleria a uma união entre membros
aliança nos outros sistemas, elementares ou semicomplexos, ou que pode- de uma mesma frataria, ou entre primos germanos, se tivermos em conta
riam desempenhar outros elementos, a determinar cada uma das vezes, nou- a presença possível de herdeiros ditos menores (irmãos mais novos que per-
tros sistemas igualmente complexos. Em Ribennes, no Gévaudan, o impe- manecem junto do herdeiro maior, mas não a sua descendência adulta).
rativo categórico, representado pela transmissão do património intacto em preciso, plausivelmente, entender linha patrimonial como uma parte (ou
precípuo, desemboca numa negação parcial da importância do sexo: os pais até a totalidade) dos consanguíneos cognáticos descendentes do mesmo casal
«criam» um herdeiro em cada ostal, macho ou fêmea (75 por cento são de antepassados, do qual parte a linha patrimonial propriamente dita; o con-
homens, 43 por cento são mulheres), escolhendo aquele que lhes parece mais junto numa profundidade máxima de oito a dez gerações a que chamare-
capaz de gerir os bens, ou aquele que se casa primeiro, com o dever de mos «grupo de descendência».
receber o encargo dos pais ou do herdeiro de dotar os irmãos e as irmãs Cada individuo pertence desde que nasce a um ostal, a uma linha patri-
excluídos do património. À regra consiste em não se casarem dois herdei- monial, mas está ligado gentalogicamente a muitos outros grupos de des-
ros, pois que de outro modo chegariam a uma tal concentração de bens cendência: através dos avós dos seus avós, por exemplo, já está teoricamente
incompatível com uma vida social harmoniosa e com a própria subsistência ligado a 16 linhas diferentes. De resto, a escolha de um cônjuge mais novo
do sistema. Um herdeiro (uma herdeira) casa com alguém mais novo que provido de dote, numa linha patrimonial diferente da sua, não exclui para
lhe traz um dote, o qual será geralmente utilizado para dotar por sua vez um herdeiro a procura de um casamento consanguíneo em quarto ou quinto
um ou mais irmãos mais novos do herdeiro. Em 1576 casamentos examina- ou sexto grau canónico. À técnica informática utilizada pelo autor é tal que,
dos, dos quais 455 dizendo respeito a um herdeiro macho ou fêmea, apenas no que respeita a cada proponente, o cônjuge escolhido só é identificado,
três se realizaram entre dois herdeiros pertencentes à paróquia de Riben- isto é, genealogicamente situado, relativamente à sua linha patrimonial. Ora,
nes, e vinte e três entre um herdeiro de Ribennes e um herdeiro da área por definição, como se viu, ele pertence — através dos seus antepassados
do cantão. Com excepção dos casos em que dois excluídos da herança se directos mais novos dotados que contraíram aliança na sua linha — a mui-
casam entre si (e poderão talvez fundar um património), todas as uniões tos outros grupos de descendência. Cada indivíduo não tem apenas um linha
equivalem à concessão de dote entre duas linhagens. Lamaison chama linha patrimonial à qual pertence e que o identifica como membro de um ostal
ou linha patrimonial ao conjunto que engloba «o casal originalmente deten- específico, mas também uma verdadeira parentela — de extensão variável
tor do ostal, os filhos deste casal, seguidamente os filhos do herdeiro esco- conforme os indivíduos — na qual ele se reconhece menos em função de
lhido entre os precedentes, e depois de novo os filhos do herdeiro» [1979, elementos precisos da cadeia genealógica do que do conhecimento mais ou
p. 727), etc. Esta definição é importante, uma vez que a análise das uniões menos seguro que ele possa ter da relação de consanguinidade ou de aliança
consanguíneas realizadas com dispensa eclesiástica (e por uniões consanguí- que unia entre si os seus próprios ascendentes com os dos outros.
neas é preciso entender, como no caso de Tassin, as uniões aquém e não Assim, no esquema seguinte, Ego, uma herdeira, não casará com um
além do terceiro grau canónico) mostra que nenhum casamento consangui- decendente de N, porque ele se liga a ela através da sua própria linha patri-
neo, isto é, necessitando de dispensa, se produz, dentro da mesma linha monial (ele saiu da sua própria casa); mas o seu cônjuge mais novo com
parrimonial, entre um herdeiro e um irmão mais novo. Os trinta e cinco dote pode pertencer ao grupo de descendência ao qual pertence Y, a sua
casamentos que necessitaram dispensa verificaram-se entre irmãos mais novos bisavó, irmã mais nova com dote que casou com o seu bisavô em linha patri-
excluídos do património, insuficientemente dotados para poderem casar com monial: este cônjuge possível poderia ser um primo de que ela soubesse que
um herdeiro, e que pedem dispensa ao bispo «por motivo de pobreza». o avô ou a avó era primo ou prima da sua própria avó paterna.
Segundo Lamaison, os herdeiros das linhas patrimoniais não transgridem
os interditos canónicos porque se movem exactamente no sentido da lógica Casal fundador do ostal
do sistema matrimonial que «se baseia numa circulação de bens entre linhas;
a endogamia patrimonial impediria que esta circulação se estabelecesse» [1977,
p. 265 ter]. Os mais novos têm um comportamento mais endogâmico, terri-
torialmente falando, mas também em termos de consanguinidade, em compa-
ração com os herdeiros para quem o raio de aliança é o cantão e não a aldeia.
Existiriam, pois, pouquíssimos casamentos consanguineos, e nunca den-
tro da mesma linha patrimonial. «Nenhuma consanguinidade — escreve
Lamaison [1979, p. 733] — aparece entre proponentes pertencentes ao
mesmo ostal ou à mesma linha patrimonial, tal como nenhum casamento
PARENTESCO TO n PARENTESCO

Se tivesse sido possível localizar, para os 3800 indivíduos analisados, o seu Os cálculos de MacCluer e Schull têm em conta a possibilidade de casar
exacto lugar nos diferentes grupos de descendência que constituem a sua com as quatro primas de segundo grau, os primos em posição obliqua (por
parentela conhecida no momento do casamento, postulo que encontraria- exemplo: a filha da filha do irmão do pai), e os do terceiro grau canónico
mos, a partir do quarto grau canónico, uma frequente realização de uniões (estes primos são designados à maneira inglesa como fazendo parte respec-
consanguíneas entre herdeiros de linhas e irmãos mais novos com dote. Não tivamente do primeiro e do segundo grau). Uma das conclusões mais inte-
se trata de querer fazer passar para primeiro plano o desejo de casar dentro ressantes — que é aquela a que eles se atêm a maior parte das vezes para
da parentela a partir do momento em que cessam os interditos. mas esta o cálculo daquilo a que chamam matrimónio consanguiíneo no limite do
vontade não seria incompatível com as outras estratégias que visam o casa- estatuto de primos em terceiro grau canónico — consiste no facto de, à par-
mento em mundo fechado e o reforço do ostal. Tudo isto corresponde à tir do momento em que se tem a possibilidade de estabelecer genealogias
opinião dos protagonistas («Segundo a tradição oral, as pessoas casavam-se (fictícias ou reais) de mais de sete ou oito gerações, verificarmos que os
geralmente entre primos» [ibid., p. 730)) e também à do autor: «Na reali- casamentos no interior da consanguinidade afastada (ou seja, além do ter-
dade, é visível que, depois de se ter tecido um conjunto de laços com um ceiro grau canónico) fazem aumentar consideravelmente o coeficiente médio
grande número de [ostals] (da comunidade local). as famílias preferem unir- de consanguinidade da população. Este facto verifica-se também através de
-se no exterior durante uma ou duas gerações [e isto significa o casamento trabalhos de simulação efectuados em populações artificiais que não apre-
de herdeiros com irmãos mais novos com dote de paróquias vizinhas] e reno- sentassem qualquer preferência por nenhum tipo de casamento consan-
guineo.
var posteriormente as alianças no interior do seu antigo círculo» [Lamaison
Seria pois muito surpreendente que em cerca de três séculos a popula-
1977, p. 221). Enfim, não é impossível que se produzam até um certo ponto
ção de Ribennes (Gévaudan) tivesse podido evitar totalmente casamentos
fechamentos consanguíneos de maneira puramente natural, se assim se pode
consanguineos afastados, dos quais uma parte é estatisticamente inevitável.
dizer, a julgar pelos trabalhos, especialmente de simulação, efectuados pelos
Por outro lado, é possível que os casamentos consanguíneos a partir do
demógrafos e genetistas. quarto grau canónico sejam mais frequentes quando o cônjuge provém de
MacCluer e Schull [1970] dedicaram-se a um trabalho de simulação em uma paróquia vizinha (onde, por consequência, o pormenor genealógico
conjuntos de características e de duração variáveis (400 e 200 anos) cujos falta) do que quando ele provém da própria paróquia e da vizinhança
parâmetros demográficos são calculados em função daqueles que são real- directa.
mente observados na população japonesa da ilha de Takushima. Os resul- Outros trabalhos de simulação — como o de Dyke [1971], baseado nos
tados da simulação podem deste modo ser comparados com os observados dados de uma população real (Northside, na ilha de Saint-Thomas nas
na população real. À simulação é feita em computador segundo o modelo Antilhas), que calcula os cônjuges potenciais por coortes, segundo impo-
de Hajnal, o qual postula que em nenhuma população humana o casa- sições demográficas e sociais cada vez mais requintadas e sempre em fun-
mento é realizado ao acaso (atribuindo a este termo o seu sentido estatis- ção de relações de parentesco primárias (que postula, erradamente em nossa
tico), mas sim sempre em função do intervalo que existe entre as datas opinião, terem possivelmente uma importância sociológica maior que
de nascimento dos futuros cônjuges. Este postulado acarreta uma série de outras) — demonstram que os casamentos endógamos, isto é, no interior
consequências. Assim, por exemplo, por razões de ordem puramente demo- da comunidade local, são geralmente mais distantes do ponto de vista da
gráfica (idade conjunta dos dois sexos na altura do casamento, idade no consanguinidade que os casamentos exógamos, isto é, no exterior da comu-
momento da primeira maternidade/paternidade, diferença de idades entre nidade,
os cônjuges, etc.), é mais fácil encontrar nas diversas sociedades humanas Isto poderia ser também o caso de Ribennes (Gévaudan) onde 1123 dos
um cônjuge potencial na pessoa da filha do irmão da mãe que na filha 1576 casamentos estudados pormenorizadamente pôem em contacto um habi-
da irmã do pai, o que ilumina de modo interessante a controvérsia sobre tante de Ribennes com um cônjuge originário das paróquias vizinhas e cuja
a existência ou não de sociedades que pratiquem de forma regular o casa- genealogia não é reconstituída.
Em todo o caso, Lamaison demonstra de maneira explicita a existência
mento com à prima cruzada patrilateral [Leach 1961; Maybury-Lewis 1965;
de um sistema que acumula as trocas restritas e as trocas generalizadas, enten-
Needham 1958].
didas no sentido da circulação de dotes entre irmãos mais novos € herdei-
De facto, as filhas casam-se e têm filhos geralmente mais cedo do que
ros, entre as diferentes linhas patrimoniais. Uma das modalidades de ime-
os seus irmãos, e são geralmente mais novas do que os seus cônjuges,
diata reciprocidade, «sentida como ideal», funciona como o modelo da troca
segundo números médios determinados; o que implica, por consequência. restrita entre grupos (três no mínimo) que vimos atrãs para os sistemas semi-
que uma filha de irmã do pai seja com toda a verosimilhança demasiado complexos nas sociedades poligâmicas: o chefe de um ostal, casado por duas
velha para Ego, enquanto as filhas de irmão da mãe se encontram normal- vezes, casa uma filha tida de cada uma das suas esposas com um parente
mente na situação correcta para se casarem. (irmão ou sobrinho) da outra esposa. Os exemplos de troca generalizada
PARENTESCO 72 73 PARENTESCO

põem em relação quatro a sete ostals e levam por vezes várias gerações, até cada tipo de sociedade, se não cada sociedade, é capaz de apresentar uma
seis, para se fecharem. fórmula totalmente original. Ora isto é impossível segundo a lógica, dado
que todas as sociedades humanas funcionam, como vimos no início, a par-.
tir do mesmo reduzido material, que não permite senão um número finito
-de. figuras, de base. .

/ =
1
T Linha
patrimonial
Lamaison evidenciou, em Gévaudan, duas destas
“ea troca generalizada. Os outros autores, no trabalho dos quais nos baseã-
mos para tratar do funcionamento matrimonial dos sistemas complexos, mos-
traram a existência de uma terceira figura, a que chamámos o fechamento
figuras: a troca restri Am

no âmbito da consanguinidade cognática — segundo fórmulas variáveis em


profundidade e em relação ao tipo de cadeia genealógica —, figura acompa-
nhada claramente ou não de trocas restritas ou generalizadas. Postulámos,
por último, no fim de uma extensa análise sobre o trabalho de Lamaison,
a existência de fechamentos consanguíneos do mesmo tipo, também no
Gévaudan, que não foram detectados pelo autor em virtude das próprias
Seis gerações (isto é, cento e quarenta anos) representam evidentemente condições da análise (em Ribennes, as genealogias não são estabelecidas para
um caso extermo, mas se se puder demonstrar, com exemplos precisos de os cônjuges exteriores; os cônjuges são confrontados em relação à sua linha
circulação rápida de dotes entre três ou quatro ostals, que se trata realmente patrimonial e não em relação a todos os grupos de descendência aos quais
de uma estratégia consciente e organizada, em que argumentos é que nos podem pertencer).
podemos basear para pretender que ciclos mais longos, que levam mais Não é necessário que os indivíduos que nascem dentro de uma famí-
tempo é quê unem mais grupos entre si, mas que funcionam rigorosamente lia, aí vivam e aí desenvolvam laços de sociabilidade com a vizinhança
segundo os mesmos princípios (circulação de dotes entre linhas patrimoniais mais ou menos próxima e com a parentela (porquanto estes dois termos
de mais novos para herdeiros, sendo o sexo indiferente) se devem exclusi- se excluem reciprocamente) tenham um conhecimento perfeito dos diver-
vamente ao acaso? sos quadros de consanguinidade na intersecção dos quais o nascimento os
À organização apresentada por Lamaison com os seus seis ciclos de troca
colocou. Do mesmo modo que para a aprendizagem, durante a infância,
remete-nos para os debates, objecto de longas discussões, mais ou menos
do emprego correcto da terminologia do parentesco, é suficiente conhecer
sofísticas, sobre os seguintes problemas: se, em primeiro lugar, quando fal-
as regras de conversão que permitem passar do termo que o pai ou mãe
tam positivas regras de aliança (prescrita ou preferencial), as populações estão
utilizam para designar uma pessoa ao que deve ser utilizado para desig-
conscientes ou não das estratégias matrimoniais que elas desenvolvem real-
nar essa mesma pessoa; assim, é suficiente, para estabelecer a sua rede
mente e que se detecram através de análises estatísticas, quando estas estra-
de parentela afastada e a existência de um parentesco, por mais vago que
tégias ultrapassam os níveis imediatamente perceptíveis, por causa tanto da
sua evidência física (como a troca de irmãs) quanto da sua frequência; se,
este seja, conhecer a existência de uma relação, ou apenas de uma desig-
em segundo lugar, se pode falar de estratégias e de estruturas quando aquelas
nação de parentesco, entre os seus ascendentes e os do outro: os nossos
que se detectam relevam do modelo estatístico e não do modelo consciente, avós eram primos.
e se se podem determinar limiares, dos quais seja possível passar, com toda Quando, por sua vez, Ego se torna avô (avó) e que ele transmite a sua
a certeza, de uma realidade social vivida, inteligível para os protagonistas, rede de parentela aos seus netos (com todas as lacunas e esquecimentos que
consciente de si mesma, para uma outra que não o seja, constituída por a história bem como o movimento natural da população impõem), este vago
mecanismos obscuros aos indivíduos nela implicados; se, finalmente, se deve estatuto de primos pode deste modo cobrir, genealogicamente falando, até
atribuir valor sociológico a estruturas que. se descobrem através de métodos sete gerações. Lembremo-nos de que este é o número de gerações proibi-
requintados de análise mas que não são imediatamente reconhecidas como das em casamento pela Igreja no século XI.
suas pelas populações que as pôem em prática. Três é o número médio das gerações que podem coexistir; cinco é o
Tais questões não são, a priori, destituídas de sentido, mas, pensando número médio de gerações conhecidas de Ego ao longo da sua vida: conheci
melhor, passam a sê-lo, na medida em que postulam necessariamente que os meus avós, conhecerei os meus netos; sete constituem sem dúvida o valor
existe uma multiplicidade de soluções possíveis para o problema da aliança máximo do conhecimento e transmissão oral directa, da apreensão global
e das suas modalidades nas sociedades humanas e que, em última análise, da consanguinidade, da memória,
PARENTESCO 74 79 PARENTESCO

Não é necessário insistir para recordar a importância que têm estes valores A indiferenciação social do sexo (e da ordem do nascimento) que torna
(sobretudo as três e as cinco gerações) na literatura etnológica, em virtude igualmente herdeiros os machos ou as fêmeas, filhos segundos ou primoge-
da universalidade do dado concreto que elas representam nitos — o que é perfeitamente compatível com o próprio princípio de filia-
ção indiferenciada —, é a astúcia social que permite às estratégias matrimo-
niais constituírem-se em ciclos de troca de dotes em volta dos patrimónios
a conservar, aumentar e transmitir, no interior de parentelas que teriam ten-
pas
A sas 5 dência a fechar-se sobre elas próprias, ultrapassado o quarto grau canónico.
Estudo
Ego e Alter po- | I se a argumentação adoptada estiver correcta. Esta astúcia social é a que Lévi-
global de
dem transmitir L=---—-—-——-——— Ed uma
-Strauss [1967] designa «um elemento arbitrário, uma espécie de clinamen
área
aos seus netos o possível de sociológico que, todas as vezes que o mecanismo subtil da troca for blo-
conhecimento Conhecimento | consangui- queado, virá como um deus ex machina dar a ajuda indispensável ao forne-
que eles próprios Alter recíproco nidade cimento de um novo arranque» (trad. it. pp. 610-11).
Sempre que a troca matrimonial se encontra regida por regras
têm de que os Coexistência negativas
seus avós eram que incidem sobre um número finito de graus de consanguinidade (estrutu-
primos em tercei- ras complexas) e que surge no primeiro plano da escolha de cônjuge
uma
ro grau canónico preocupação especial (percebida estatisticamente) em realizar preferencia
l-
Estas linhas de clivagens sucessivas desenham áreas de densidade dite- mente algo que nada tem a ver com a preocupação de casar dentro do
seu
rencial de consanguinidade, que são de toda a maneira áreas onde se exerce parentesco, como por exemplo a procura da consolidação do prestígio, da
uma certa familiaridade relativamente ao exterior. Reconhecer-se primo no segurança ou dos bens, devemos interrogar-nos qual é o «elemento arbitri-
acaso de uma conversa, por ocasião de uma festa, de um casamento, de rio» que permite ao sistema funcionar segundo as modalidades elementares
um enterro, significa já dar um passo na intimidade de outrem; aproximar- da troca nas suas diversas figuras possíveis.
-se legitimamente e sem medo dele, é «poderem frequentar-se». De facto, e é esta a primeira hipótese avançada, em todas as sociedades
Formulamos como princípio que estas áreas de consanguinidade máxima, que funcionam com estruturas complexas de parentesco e de matrimóni
o,
que estão para além do núcleo que formam os graus de consanguinidade proi- profundamente escondidas e difíceis de descobrir, se encontram estas moda-
bidos, constituem a área preferencial da escolha do cônjuge nas sociedades lidades elementares de troca de que demonstrámos a existência em socieda-
tradicionais de estruturas complexas de parentesco. Todos os grupos huma- des que funcionam com estruturas semicomplexas de troca e das quais pelo
nos hesitam entre o que se pode chamar os dois pólos da recusa: o incesto menos se intuiu a existência, graças ao exemplo de um certo número de
e o estrangeiro, o demasiado próximo e o demasiado longínquo, e decidem sociedades dependentes das estruturas complexas.
através de regras culturais o que pertence a uma outra categoria (cf. o artigo Esta hipótese não pode deixar de ser demonstrada, seja qual for a lógica.
«Endogamia/exogamia»). Como escreveu divertidamente e justamente James Lévi-Strauss tinha perfeitamente visto isso quando escreveu que «a estrutura
Bossard: «Cupido pode ter asas, mas aparentemente estas não estão adapta- de troca não é necessariamente solidária com a apreciação de um cônjuge
das a grandes voos» [1932, p. 222]. Falava ele sobre a residência dos futuros preferido. E mesmo que a multiplicação dos graus proibidos elimine primos
esposos, mas não é tudo: as asas de Cupido não são suficientemente podero- de primeiro, segundo ou terceiro graus (segundo o senso comum: segundo
sas para que ele possa sair não apenas do campo de atracção da residência. o direito canónico, trata-se de primos de segundo, terceiro é quarto graus)
mas também das linhas de força do campo do parentesco. do número dos cônjuges possíveis, as formas elementares de troca, que nos
Casamentos consanguíneos cognáticos deste tipo, situados entre o dema- empenhámos em definir, continuarão ainda a funcionar» [bid., p. 606].
siado próximo e o demasiado longínquo, podem harmonizar-se com muitas Troca restrita, troca generalizada, fechamento no interior da consangui-
outras exigências que aparentemente se tornam primordiais. Conforme os nidade, repetição das alianças são as modalidades de base, tanto nas estru-
casos, tomar-se-á em consideração em primeiro lugar a classe social, a pro- turas elementares como nas semicomplexas e complexas de parentesco,
fissão dos pais, o estatuto, a religião, o nível de fortuna ou de educação, A troca generalizada, nas estruturas elementares, liga entre si grupos de
a vizinhança geográfica, etc. No Gévaudan, no século XVIII, trata-se de con- troca por intermédio do casamento assimétrico dos homens com a filha do
servar e de transmitir o património a um único herdeiro. Mas contraria- irmão da sua mãe (MBd). O fechamento no interior do parentesco consan-
mente ao que pensa Lamaison, o casamento consanguíneo cognático não favo- guíneo ocorre deste modo, em todas as gerações, no segundo grau canó-
rece a concentração dos bens entre as mesmas mãos, a partir do momento nico, e este fechamento reveste apenas uma única forma imediatamente
em que ele se verifica entre linhas patrimoniais diferentes, a menos que dois detectável (um único tipo de cadeia genealógica), mesmo que as suas con-
herdeiros se casem entre si. sequências sejam rigorosamente inversas consoante se considere O ponto de
PARENTESCO 76 77 PARENTESCO

vista masculino ou feminino e as regras de filiação. Quando os fechamentos ção a outras igualmente conhecidas. Lounsbury apercebeu-se disso, a partir
consanguíneos são mais tardios, sobretudo a partir do quarto grau canónico, da análise das terminologias de parentesco consideradas como as formas tipi-
e os percursos genealógicos possíveis são numerosos (dezasseis no quarto camente mais puras de patrilinearidade (sistemas omaha) e de matrilineari-
grau; trinta e dois no quinto, etc...), poderia parecer legitimo pretender dade (sistemas croz) e concluiu: «Parece... que não são muito numerosos
que os ciclos de troca generalizada, quando os descobrimos, não exprimem os sistemas... que não têm em conta genealógica bilateral o parentesco indi
nada além do simples efeito de uma lei de ordem probabilística. Isto seria vidual, por mais unilinear que seja a aparência, ou oblíqua que seja a ava-
talvez verdade se não houvesse nunca a mínima vontade dirigista na esco- liação da geração» [1964, p. 381). A escolha de um sexo como princípio
lha do cônjuge no interior das sociedades com estruturas complexas de de filiação e/ou de um modo de filiação orienta de maneira especial uma
aliança. À nossa segunda hipótese introduz, por consequência, dois — e não ordem hierárquica dos critérios de proximidade dos consanguiíneos relativos
apenas um — «elementos arbitrários» para permitirem ao sistema matrimo- a Ego, no pensamento local, sendo bem claro que não existe uma situação-
nial funcionar. O primeiro é a tal ajuda que anula um dos dados do pro- -tipo, em resposta a uma mesma escolha, por causa da história própria de
blema para permitir a realização recorrente de um projecto primordial para cada sociedade.
todos os protagonistas da sociedade. No Gévaudan, é a indiferenciação do Esta mesma escolha remete para uma reflexão sobre o estatuto do par
sexo e da posição de nascimento de um único herdeiro (se bem que se tenha formado por um irmão e por uma irmã, o «par assimétrico» segundo a fór-
assinalado que se trata de datas fundamentais do parentesco) que irá per- mula de Lévi-Strauss [1967, trad. it. p. 574], tantas vezes entendido como
mitir aos dotes circularem em ciclos de troca mais ou menos longos, ao particular nas sociedades tradicionais: os «belíssimos» dos Wintu, «o con-
mesmo tempo que permite ao património-ostal ficar intacto. O segundo é junto sagrado» da Nova Caledónia, a base do panaca entre os Incas, ou da
o seguinte: nos sistemas semicomplexos, as regras que proíbem a aliança verdadeira intimidade entre os Tory islandeses. A relação irmão/irmã, aquela
referem-se a grupos definidos geralmente por uma regra de unifiliação e omi- em que a identidade dos germanos do mesmo sexo oscila para a diferença
tem qualquer referência à consanguinidade cognática biologicamente, ou antes (cf. o artigo «Incesto»), tal como se pode entendê-lo através dos sistemas
genealogicamente, fundada. Todavia, esta parentela cognática desempenha de designação e dos comportamentos matrimoniais e outros que deles decor-
não só um papel, mas um papel central na escolha do cônjuge. Os primos rem, é a figura central onde se encarna a relação religiosa, económica e social
bilaterais situados fora dos grupos interditos de unifiliação são proibidos em entre funções de produção e de reprodução. Três fórmulas, apenas, são pas-
casamento para Ego durante um lapso de tempo que corresponde à exten-
síveis de conferir a estas funções posições respectivas dependentes de uma
são média da vida, ou seja, daquela coexistência de gerações de que falá-
reflexão ideológica, e da qual decorrem, por consequência, escolhas de
mos. Ultrapassado este limite, constituem o campo preferido de aliança, mas
diversa ordem, entre as quais a da sistemática do parentesco: irmão = irmã,
não de maneira indiferente: segundo escolhas que são consequência da hie-
irmão > irmã, irmão < irmã. Estas três fórmulas, as únicas logicamente
rarquia imposta pelo próprio princípio de filiação. No vasto campo da con-
possíveis, surgiram desde as origens à reflexão humana sob aparências menos
sanguinidade bilateral, a regra de filiação secciona conjuntos organizados de
abstractas que as equações precedentes, por causa do trabalho simbólico efec-
consanguíneos periféricos, e as linhas de força da aliança reconduzem siste-
tuado debaixo das exigências do dado biológico representado pelas relações
maticamente ao centro alguns deles. Inversamente, nos sistemas complexos,
homem/mulher, primogénito/mais novo, genitor/filho (ou anterior/posterior
onde a regra negativa de aliança é expressa em termos de graus genealógi-
em termos de geração) que se imbricam estreitamente (cf. o artigo «Mas-
cos sem qualquer referência a um princípio de filiação ou a uma qualquer
culino/feminino»). Deste modo, teremos:
preferência por um tipo de percurso sexuado ao longo de cadeias intermé-
dias, e onde no entanto o exame atento da regulamentação matrimonial pode — um homem e a sua irmã são considerados como pertencentes ao mesmo
fazer aparecer igualmente a mesma atracção da periferia para o centro, não nível genealógico, mesmo se se encontram numa relação desigual, fic-
se pode excluir a hipótese de que a análise das escolhas realmente operadas tícia, entre primogénito e irmã mais nova;
por grupos humanos suficientemente vastos e com uma profundidade sufi- — um homem e uma mulher são considerados numa relação genealógica.
ciente faça aparecer a existência de critérios dependentes de um sistema e de autoridade, de pai a filha;
implícito de filiação e de classificação hierárquica dos diferentes tipos de — um homem e a sua irmã são considerados como tendo uma relação
consanguíneos em virtude deste sistema implícito de filiação, genealógica, simbólica mas não de autoridade, de mãe a filho.

Para acabar, algumas achegas sobre outros temas de reflexão. E preciso Deveria ser possível, pois, estabelecer uma teoria geral do parentesco (ter-
repensar a noção de filiação (unilinear, bilinear, paralela, alternada, etc.) minologia, filiação, aliança) mostrando como se organizam, a partir das três
como um artifício que permite efectuar uma classificação no conjunto dos fórmulas iniciais, as grandes linhas das séries associativas paradigmáticas que
consanguíneos cognáticos, privilegiando certas linhas genealógicas em rela- se encarnam em sistemas concretos, das sociedades reais, utilizando leis sim-
PARENTESCO 78
e PARENTESCO

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acontece com os sistemas
de parentesco (cf. sistemática e classi icação)
ei The struciure of modem Andean social categones, in nJournal of the Steward Anthro que dependem de toda uma outra série
veis. O ter-se conseguido o controlo de certos de variá-
pological Society», III, 1, pp. 69-106. aspectos da sexualidade, da relação homemm
(cf. masculino/feminino), da própria fertilid ulher
Fortes, M. . . : ade, para além dos nascimentos (cf. nascime
significa uniformidade. nto), não
Modalidades locais e ambientais (cf, ambient
1953 The structure of umilineal descent groups, in vAmerican Anthropologist», LV, pp. 17-41. acção (cf. caça/colheita, pastorícia, agricult e), sistemas económicos em
1972 Kinship and the social order: the legacy of L. H. Morgan. Author's Précis and Remews, ura), tpos de troca (cf. mitoínio, origem),
tradições visíveis no modo de encarar as as próprias
in «Current Anthropology», XIII, 2, pp. 284-96, relações entre os vários estratos sociais
tuto, casta), para não falar em sentido mais tef. papelvesta-
Forwune, R. F. - : a ; es geral do tipo de cultura criada (cf. cultitra
natureza/culura, ermocentrismos), constituem sculiuras.
1932 Omaha secret soctenes, in «Columbia University Contributions in Anthropology», XIV, outras tantas formas de pressão que incidem
a formação de um sistema de parentesco. sobre
pp. 1-193. Para além disto, desse sistema não fazem
nas Os vivos; também os mortos entram parte ape-
Fox, R. j nele de pleno direito (cf, widaimorte), tal
bém se calculam os que estão para nascer. coma tam-
1967 Kinship and Mamage. An Anthropological Perspective, Penguin Books, Harmondsworth É certo que através das múltiplas variávei
as quais o parentesco se tem apresentado s segundo
(trad. ir. Officina, Roma 1973). , . , como forma de organização das sociedades
também é possível constatar a formação antigas,
1979 Tas Islanders. A People of the Celtic Fringe, Cambridge University Press, London. de um grupo de tipos (cf. modelo) com
variações mar-
80
PARENTESCO

certos grupos sociais


ginais locais; é o que lhe confere um papel de primeiro plano no estudo de
si (cf. rempo/temporali-
colocados também em espaços, tempos e regiões bastante diversas entre
inimizades e formas de
dade, região), onde muitas vezes festas, cerimoniais, lutos, vestuário,
festa, cerimonial, iniciação, luto, puro/impuro, poder) encontram um código de
colaboração (cf.
mascara à circulação
leitura próprio no sistema de parentesco que regula por detrás de uma
de bens e homens no interior de uma sociedade.

FAMÍLIA

Todos sabem, ou julgam saber, o que é a família. Ela inscreve-se tão


fortemente na nossa prática quotidiana que surge implicitamente a cada um
de nós como um facto natural e, por extensão, como um facto universal.
De resto, neste caso concreto, a crença popular no fundamento naturalmente
universal da família não remete para uma entidade abstracta susceptível de
tomar formas variáveis no tempo e no espaço, mas de maneira muito pre-
cisa para um modo de organização que nos é familiar enquanto membros
da civilização ocidental, e cujos traços mais significativos são a família con-
jugal baseada na união socialmente reconhecida de um homem e de uma
mulher, a monogamia, a residência virilocal, um certo reconhecimento da
filiação e da transmissão de nome através do homem, a autoridade masculina,
Se actualmente é visível — graças à curiosidade intelectual, à atracção do
exotismo e à implantação dos meios modermos de conhecimento — que exis-
tem algures usos diferentes dos nossos, estes são considerados ou como mar-
cas de um mundo selvagem ou como vestígios arcaicos e, de qualquer modo,
como aberrações relativamente a uma norma. Se existe uma marca cultural
verdadeiramente universal, esta é sem dúvida a certeza ernocêntrica parti-
lhada por todos os membros de um grupo humano de que as suas institui-
ções são leis da natureza, consequentemente quase automáticas, e que de
certo modo não podem existir outras. À nossa civilização não pode escapar
com facilidade a esta regra, dado que cobre uma larga parte do mundo,
engloba milhões de indivíduos e que, levada pelo seu próprio peso, pela
força das armas, da religião e do comércio, soube impor as suas certezas
aos povos sobre os quais se estendeu a sua sombra.
É preciso reconhecer que, no que respeita à família, entendida antes de
mais como a união mais ou menos duradoura e socialmente aprovada de
um homem, de uma mulher e dos seus filhos [Lévi-Strauss 1956], a crença
de que se trata de um facto natural impõe-se tanto mais que esta unidade
social parecer ser, de facto, um fenómeno praticamente universal. Encontra-
-se tanto nos povos mais «desenvolvidos» como nos mais «primitivos»: assim
— observa Lowie [1948] —, os grupos veda do Ceilão «ocupam muitas vezes
o mesmo abrigo cavado na rocha, mas cada família elementar utiliza estrita-
mente uma parte do abrigo, como se estivesse separada das outras por uma
espécie de barreira visível», essa é a unidade de base das famílias poli-
FAMILIA 82
83 FAMILIA

gamas em que diversas unidades deste tipo partilham do mesmo cônjuge,


entre vivos, que o genitor dos filhos seja normalmente o pai no quadro da
e das famílias alargadas em que tais células familiares coexistem, numa resi-
união conjugal e, finalmente, que a família conjugal (pai, mãe, filhos) cons-
dência comum, ao longo de várias gerações.
titua a unidade residencial e económica elementar através da qual passam
“Todavia, há exemplos de sociedades altamente elaboradas onde estas asso-
a educação e a herança. Ora, a experiência etnológica demonstra que nenhum
ciações quase-permanentes de um homem e de uma mulher não existem.
destes princípios é universalmente aceite.
É o caso dos famosos Nayar da costa do Malabar na Índia. O estilo de vida
Em certas populações africanas existe um casamento legal entre mulheres.
guerreira dos homens proibia-lhes fundar uma família. As mulheres — ainda
É o caso dos Nuer sudaneses, patrilineares (o reconhecimento da filiação
que casadas nominalmente — tinham os amantes que queriam, e os filhos
passa exclusivamente pelos homens) em que a filha nem sequer é conside-
nascidos destas uniões temporárias pertenciam à linhagem materna. A auto-
rada como pertencendo verdadeiramente ao grupo do pai (ela é uma unrela-
ridade e a gestão das terras estavam nas mãos não já do marido evanes-
ted person, segundo a terminologia de Evans-Pritchard), salvo se for estéril:
cente, mas dos homens da linhagem materna, irmãos das mulheres, eles pró-
neste caso — de que ela dá provas depois de longos anos de casamento
prios guerreiros e amantes ocasionais das mulheres das outras linhagens;
ordinário — é considerada e conta como um homem da sua linhagem de
a terra era, pois, cultivada pelos membros de uma casta inferior. Todavia,
origem. O casamento legal entre os Nuer é sancionado pelo pagamento de
este tipo de grupo constitui em si mesmo uma família, se bem que não reco-
um dote em gado ou «preço da noiva», efectuado pelo marido ou pela fami-
nheça o modelo conjugal; chamar-lhe-emos por comodidade família matri-
lia do marido aos parentes do lado do pai da esposa que o dividem entre
cêntrica. Esta é a expressão de uma forma extrema de diferenciação dos esta-
si. À mulher estéril recebe deste modo, como «tio» paterno, uma parte dos
tutos e dos papéis masculinos e femininos. Outros exemplos desta situação
dotes recebida pelas suas sobrinhas, as filhas dos seus irmãos. Com este capi-
podem ser fornecidos na nossa própria sociedade, mesmo que sob uma forma
tal, ela pode por seu turno pagar o «preço da noiva» por uma jovem com
embrionária e não socialmente reconhecida.
quem ela casa legalmente e por quem ela cumpre os rituais oficiais do casa-
Deste modo, se a união conjugal estável não existe em toda a parte, ela
mento. Em seguida, será ela a escolher um homem, um estrangeiro pobre,
não pode ser uma exigência natural. E, na verdade, fora da relação física
geralmente um dinka, para coabitar com ela e gerar filhos. Este homem
de gestação, parto e aleitamento (e isto apenas nas sociedades em que o alei-
não é mais do que o criado da mulher-esposo e cumpre por sua vez as tare-
tamento artificial não existe), que une a mãe aos seus filhos, nada é natu-
fas habituais de um criado. Os filhos que nascem desta «união da sombra»
ral, necessário, biologicamente fundado na instituição familiar.
são os da mulher-esposo: chamam-lhe «pai» e ela transmite-lhes o seu nome
Assim, até o próprio elo biológico mãe/filhos nem sempre tem como resul-
e os seus bens. À sua esposa chama-lhe «meu marido», deve-lhe respeito
tado que a mãe tenha o encargo de educar os filhos. Entre os Índios Tupi-
e obediência e serve-a como serviria um verdadeiro marido. Ela própria admi-
-Kawahib do Brasil [Lévi-Strauss 1956], onde um homem pode casar quer
nistra a sua casa e o seu gado, distribui as tarefas e fiscaliza a sua execução,
com várias irmãs quer até com uma mãe e com as filhas que esta tiver tido
como um homem o faria. É ainda ela quem fornece aos filhos o gado neces-
de um outro homem, os filhos são educados pelo conjunto das co-esposas,
sário ao casamento deles. No casamento das suas filhas, recebe a título de
sem que cada uma delas se preocupe de modo particular com os seus pró- «pai» o gado do dote delas e entrega por cada uma delas, ao genitor natu-
prios filhos. Entre os Mossi do Alto Volta [Pageard 1969], nas grandes fami-
ral, a vaca que constitui o preço (diferido) da sua procriação. O genitor não
lias poligíneas, estabelece-se, após o desmamar, uma repartição dos filhos
desempenha qualquer papel além daquele para o qual foi requerido e não
entre as diferentes co-esposas: mesmo aquelas que são estéreis ou que per-
obtém deste papel de companheiro sexual-cobridor qualquer satisfação mate-
deram os seus filhos devem educar crianças que não são suas, que elas amam
rial, moral ou afectiva ligada ao mesmo papel efectuado no âmbito do casa-
como se fossem suas e que não conhecem outra mãe senão ela antes da sua
mento. Neste caso, evidentemente, a mulher-esposo é apenas um substituto
entrada na idade adulta; só nesse instante é que lhes dão a conhecer o elo
do homem porque é estéril, e este casamento legal permanece totalmente
biológico que as une a uma outra mulher do pai.
dentro dos cânones da ideologia masculina.
Para ilustrar a artificialidade fundamental desta instituição, representada
Entre os Ioruba (Ekiti e Yagha) da Nigéria, é uma mulher rica, uma
pela célula social fundada na união conjugal — na multiplicidade das res-
comerciante, e não uma mulher estéril, que pode legitimamente desposar
postas culturalmente dadas às necessidades e aos desejos fundamentais do
outras mulheres e ter, através do mesmo processo de substituição, descen-
indivíduo e da espécie (desejo sexual, desejo de reprodução, necessidade de
dentes que são seus ou obter um benefício de tipo capitalista. Uma comer-
manter e de educar os filhos, em particular) —, recordaremos, pois, algu-
ciante rica casa-se legalmente através do pagamento do dote com uma ou
mas daquelas que nos parecem ir de maneira radical contra a evidência do
com várias raparigas, virgens de preferência, e envia-as a fazer comércio nas
bom senso, a coisa que no mundo é considerada, a par da família, como
aldeias vizinhas. Elas têm toda a liberdade para se unirem, sem pagamento
universalmente partilhada.
de dote, com quem quiserem, mas devem prevenir a sua mulher-esposo.
Assim, parece absolutamente evidente que os membros de uma união Quando têm filhos e estes chegam à idade de cinco ou seis anos, a mulher-
conjugal sejam de sexo diferente, que esta união não se estabeleça senão
-Esposo apresenta-se perante os genitores e reclama-lhes os filhos que são legal-
FAMILIA 84 85 FAMILIA

mente dela, bem como as esposas, Frequentemente, o homem enganado da mãe. Os irmãos co-maridos são considerados como uma única e mesma
aceita pagar uma compensação financeira para poder ao menos conservar carne, e é por esta razão que este tipo de casamento pode ser considerado
os seus filhos. Estes tipo de união, no qual os filhos pertencem à mulher- como uma simples variante da família monogâmica; os contratantes, de qual-
-esposo legal, ou lhe trazem benefício, é decalcado do modelo praticado pelos quer modo, não se preocupam com a realidade da sua paternidade indivi-
comerciantes muçulmanos de sexo masculino, que enviam as suas próprias dual, em benefício da sua paternidade comum, Um ponto importante: a pro-
esposas operar como reprodutoras, de filhos ou de capital, em populações priedade familiar, gerida pela esposa comum que reina como patroa na sua
vizinhas animistas. É absolutamente de excluir nestas uniões — que têm por casa, é sempre transmitida colectivamente aos filhos.
objectivo quer a constituição de uma família normal (caso dos Nuer), quer Passemos agora a situações aparentemente menos estranhas. Nas socie-
a frutificação de um capital (caso dos Yoruba) — uma qualquer forma de dades matrilineares a filiação € contada e reconhecida pelas mulheres, mas
homossexualidade feminina. Em contrapartida, existem uniões homossexuais o princípio de residência pode variar segundo as sociedades: umas vezes são
masculinas entre os Navaho e os Zuni, com repartição de tarefas segundo os homens que se deslocam para irem viver com as suas esposas e a paren-
o modelo corrente. tela uterina feminina destas últimas; outras, são as mulheres que se deslo-
Tão frequente como o casamento entre vivos, o casamento-fantasma legal cam para irem viver junto dos seus maridos (o grupo matrilinear, enquanto
(sempre entre os Nuer) só pode dizer respeito a um morto sem descendên- unidade residencial, é neste caso constituído pelos homens). Em todos os
cia. Deste modo se cria uma família cujos protagonistas são o morto, que casos, a autoridade primordial e a transmissão da herança não se exercem
é o marido legal, a mulher desposada em nome do morto por um dos seus de pai para filho, mas de no materno para os filhos da irma. Um grupo de
parentes, o marido substituto e os filhos que nascerem desta união. Estas filiação matrimonial, linhagem ou clã — ou seja, um conjunto de indivíduos
crianças são socialmente e legalmente as do morto, pelo simples facto de que descende por parte das mulheres de uma mesma antepassada — possui
o companheiro sexual da mulher ter retirado do gado do defunto o mon- bens que não podem ser transmitidos para fora do grupo: ora, um homem
tante do dote que pagou o seu nome. Um homem pode desposar mulheres e o seu filho pertencem a grupos distintos de filiação, porque o filho des-
em nome de um tio paterno, de um irmão, e até mesmo de uma irmã esté- cende do gupo matrilinear da sua mãe ao qual pertence também o irmão
ril, falecidos sem filhos. A viúva de um homem morto sem descendência da mãe. Neste caso, a família conjugal existe apesar de tudo, mas é o tio
— se não puder ela própria conceber para ele frutos de um cunhado em materno, e não o pai, quem manda e é temido: é ele quem detém plenos
união levirática — pode igualmente casar com uma mulher em nome do poderes sobre os seus sobrinhos, recolhe o fruto do trabalho deles, provi-
marido. Contrariamente ao caso precedente, o pai dos filhos é desta vez o dencia o seu estabelecimento. Esta família conjugal nem sequer é, por vezes,
marido morto e não ela. Os filhos têm conhecimento do seu estatuto de neste contexto, uma unidade residencial.
filhos do morto e traçam a sua genealogia a partir desse pai; consoante os Entre os Senufo da Costa do Marfim — matrilineares e poligâmicos —
casos, consideram o seu genitor (e tratam-no) ou como um tio paterno ou cada um dos cônjuges permanece após o casamento na sua família de ori-
como um irmão da mãe. À genealogia familiar não tem, pois, nada que ver gem que é então a verdadeira unidade doméstica de produção. Ao cair da
com a geração biológica, e isso tanto mais que o marido substituto pode noite, os maridos vão ter com cada uma (uma por dia) das suas diferentes
por sua vez morrer sem progenitura, se não tiver tido os meios de dotar mulheres que cozinham para eles e lhes prestam os serviços ordinários do
uma esposa por sua conta: essa progenitura própria ser-lhe-á assegurada even- casamento, mas não residem nunca de maneira permanente com uma de
tualmente por um irmão mais novo ou por um sobrinho (e talvez, aliás, entre elas nem com os filhos que delas tiverem ndo. Esta instituição é conhe-
por um filho que ele tivesse gerado em nome do seu irmão!). cida pelo nome de visiting husband “marido visitador". Também aqui se trata
O exemplo destas famílias-fantasma mostra-nos que nem o sexo nem a de uma forma de família matricêntrica, mas diferente da praticada pelos
identidade dos membros nem a paternidade fisiológica tém importância por Nayar, dado que, entre os Senufo, a noção de par conjugal existe, mesmo
si mesmo. Tal como no adágio romano («is est pater quem nuptiae demons- que o par não corresponda a uma unidade residencial ou económica e não
trant»), o que conta é a legalidade do casamento, demonstrada com o paga- opere em conjunto na educação e criação dos seus próprios filhos, e tam-
mento do «preço da noiva»; e isto é um traço não natural mas eminente- bém porque o marido é o único parceiro sexualmente autorizado da esposa
mente cultural e social. e é o pai dos seus filhos.
À recusa da importância da paternidade fisiológica encontra-se igualmente Concluiremos, pois, de maneira aparentemente paradoxal, que a família
nos Tibetanos, que praticam o casamento poliândrico. Quando o mais velho é certamente um dado universal, mas apenas no sentido de que não existe |
de vários irmãos desposou legalmente uma mulher, esta casa sucessivamente nenhuma sociedade desprovida dei uma “instituição que desempenhe em toda
com cada um dos irmãos do marido a intervalos regulares de um ano. Os a parte as mesmas funções: unidade económica de produção «e consumo, lugar
homens praticam o comércio a longa distância e organizam-se de maneira privilegiado do exercício da sexualidade entre parceiros autorizados, lugar
a nunca se encontrar mais do que um marido em casa. Os filhos são atri- “da reprodução . biológica, . da. criação e da. socialização dos filhos. Neste
buídos ao mais velho: chamam-lhe «pai» e chamam «tio» aos outros maridos âmbito, ela obedece sempre às mesmas leis: existência de um estatuto matri-
FAMILIA 86 87 FAMILIA

monial legal que autoriza o exercício da sexualidade entre pelo menos dois em função de uma certa repartição das tarefas entre os sexos, Numerosos
membros da família (ou que prevê os meios de a isso suprir), proibição do” exemplos etnológicos demonstram que esta repartição usual não é baseada
incesto (relação sexual ou casamento),divisão do trabalho segundo os sexos. em imperativos fisiológicos [Gough 1975; Lévi-Strauss 1956]. Entre os Pri-
“No entanto, mesmo que o modo conjugal monogâmico, com residência matas, cada sexo subvém normalmente à sua própria subsistência, e as
comum dos cônjuges, seja o mais difundido, a extrema variedade das regras fêmeas podem combater quando não têm de ocupar-se da sua prole. Esta
que contribuem para o estabelecimento da família, para a sua composição repartição decorre, pois, de uma ordem arbitrária cuja única explicação é
e para a sua sobrevivência, demonstra que esta não é — nas suas modalida- a de ter como efeito tornar os dois sexos dependentes um do outro e, por-
“des particulares — um facto natural, mas, bem pelo contrário, um fenómeno tanto, levar os seus representantes a associações duradouras entre indiví-
altamente artificial, construído, um fenómeno cultural portanto. duos, a uma espécie de contrato de sustento, ou seja, ao casamento, para
Mas então, porquê a família? Que propósito serve ela para ser univer- que eles possam sobreviver sem terem de entregar-se às actividades do sexo
sal, qualquer que seja a forma segundo a qual a instituíram as múltiplas oposto,
sociedades do mundo, actuais ou passadas? À resposta a estas interrogações À este contrato de sustento entre parceiros dotados de capacidades cul-
passa pela resposta a uma questão mais geral, e da razão de ser das leis turalmente diferentes e complementares, vem juntar-se a regulamentação das
que se encontram em toda a parte associadas ao estabelecimento da família: prestações sexuais, que faz do casamento o lugar privilegiado da reprodu-
a forma legal do casamento, a proibição do incesto, a repartição sexual das ção biológica. Mas a associação destas duas ordens de necessidade (o sus-
tarefas. Também não se pode dizer destas leis que elas sejam fundadas a
tento mútuo e a relação sexual) também não nasce de qualquer imposição
partirde exigências naturais. Deste modo, a qualidade de consanguíneos natural. Murdock sublinha [1949, cap. 1] a existência de relações entre
interditos pela proibição do incesto é extremamente variável segundo as socie- homem e mulher que fazem intervir uma divisão de trabalho sem gratifica-
dades; quanto às tarefas, as que nos parecem mais femininas (a costura, ção sexual: entre irmão e irmã, entre senhor e serva, ou entre patrão e secre-
por exemplo, tomada no seu sentido vulgar, é não como criação da moda)
tária. À priori, nada — pelo menos nenhuma razão de ordem fisiológica ou
podem ser noutro lugar as mais masculinas (são os homens que talham o biológica — impediria também que este tipo de contrato de um tipo parti-
vestuário e o cosem nos países da África Ocidental). Mas o que conta e
cular que implica o sustento mútuo e a relação sexual se passasse entre con-
levanta problemas, se bem que elas não sejam fundadas in natura, isto é,
sanguíneos provenientes do mesmo grupo. Deste modo, a partir de agrega-
estritamente em realidades de ordem fisiológica, o que conta e constitui pro-
dos humanos matricêntricos (segundo o modelo familiar dos Primatas),
blema é a universalidade da sua aplicação.
associações matrimoniais que implicam o sustento mútuo, o comércio sexual,
Todas as sociedades estabelecem uma diferença entre um tipo de união
a produção e criação dos filhos poder-se-iam organizar entre parentes: mãe
legal, sancionado juridicamente de uma maneira ou de outra — ou seja, O
e filho, irmão e irmã, pai e filho. A humanidade estaria, deste modo,
casamento —, e relações sexuais de ocasião, quer estas sejam admitidas e até
povoada de grupos consanguíneos fechados sobre si próprios, lugar da sua
prescritas antes do casamento, toleradas ou condenadas depois dele; ou mesmo
própria reprodução biológica, hostis por definição aos seus vizinhos preda-
entre o casamento e o concubinato, união estável mas de natureza diferente
dores: quando os parceiros sexuais não existissem em número suficiente,
“do
casamento. Não existe, evidentemente, nenhuma razão biológica para tudo
seria necessário obrê-los pela força nos outros grupos (para falar apenas deste
isto. À única necessidade biológica que comporta relações de longa duração
tipo de predação). Daqui decorreria que nenhuma forma estável de sociedade
entre dois indivíduos é a maternidade, ou seja, o par mãe/filho. Nos Prima-
seria possível. Parece que a humanidade terá compreendido bastante cedo
tas, sobretudo nos chimpanzés, encontram-se estas sociedades matricêntri-
cas, que agrupam não apenas uma mãe e um filho, mas uma mãe e os seus
que lhe era necessário escolher entre famílias biológicas isoladas e justapos-
filhos, na medida em que são precisos sete a doze anos para que os jovens tas como unidades fechadas, perpetuando-se a si mesmas, submergidas pelos
atinjam a maturidade e a autonomia sexual e de subsistência [Gough 1975; seus terrores, ódios e ignorâncias, e... a instituição sistemática das cadeias
Reynolds 1968; Sahlins 1959]. A presença do pai, de um homem, ao lado de intercasamentos que permitem edificar uma sociedade humana autêntica
da mãe e da criança, a afeição do pai pela progenitura não são factos de natu- a partir da base artificial dos laços de afinidade, a despeito da influência
reza, tal como o não é a obrigação de uma relação sexual estável entre par- isoladora da consanguinidade e até contra ela [Lévi-Strauss 1956).
ceiros associados para toda a vida. Todavia, a união conjugal estável e publi- De facto, todos os grupos consanguíneos arcaícos parecem ter resolvido
camente reconhecida é atestada em toda a parte, mesmo nas sociedades que da mesma maneira o problema da coexistência com os seus vizinhos, pondo
eram supostas desconhecer o papel fisiológico do homem na procriação (como em prática numerosos recursos (pelo que se pode pensar com pertinência
em Bellona, nas ilhas de Salomão [Monberg 1975]), mas que estabeleciam terem sido concebidos ao mesmo tempo que o aparato simbólico da lingua-
através do casamento a paternidade social. gem tomava forma):
Se examinarmos todas as formas conhecidas de casamento, o elemento 1) uma regulamentação das relações sexuais faz do seu exercício dentro
comum parece residir na prestação de serviços mútuos entre os cônjuges do casamento uma coisa diferente da pura satisfação de instintos;
FAMILIA 88 89 FAMILIA

2) um princípio de filiação divide os consanguíneos, designados por ter- fundamento mínimo de uma sociedade estável; o casamento é o instrumento
mos que definem a sua posição e o seu papel, em diversos grupos deste contrato de aliança, as mulheres, as reprodutoras, constituem o mate-
e classifica-os em duas séries: os casáveis e os não-casáveis. Deste rial. Concebida desta maneira, a instituição familiar, que exige incessante-
modo, por exemplo, a filha da irmã de um homem pode pertencer mente a cooperação de grupos distintos de consanguinidade para reconsti-
ao mesmo grupo de filiação que ele (trata-se neste caso de filiação tuir uma geração após outra (duas famílias devem cooperar para poderem
matrilinear) e ser-lhe ipso facto proibida em casamento; mas, num sis- fundar uma terceira), renova indefinidamente o contrato social. A família
tema de filiação patrilinear, ela pertence a um outro grupo (nomea- É o que permite à sociedade existir, funcionar, reproduzir-se. Ela fá-lo, de certo
damente ao do seu pai) e, se bem que consanguínea, é-lhe em certos modo, de maneira implícita: através da sua própria existência, ela é disso
casos permitida em casamento; a simples transcrição concreta elementar.
3) a proclamação de um princípio de aliança, que se baseia na proibição Deveremos concluir, pois, que a família — universal e aparentemente
do incesto, segundo a qual é incestuosa toda a união com parentes necessária à construção e à manutenção da vida em sociedade — é por esta
não-casáveis, em primeiro lugar com membros do grupo segundo a mesma razão uma instituição que não pode desaparecer? Como entender
regra de filiação, Este princípio de aliança proíbe que grupos biológi- então o tão actual tema da família em crise?
cos consanguíneos se fechem sobre si próprios e obriga os seus mem- Procedamos em primeiro lugar a uma extensão da palavra “família”, já
bros a ir procurar parceiros no exterior, no conjunto dos consanguí- não entendida como uma unidade, geralmente residencial, formada por um
neos casáveis ou dos não-consanguíneos. Em certos casos, tal princípio homem e uma mulher cuja união é socialmente aprovada com os seus filhos,
pode mesmo orientar de maneira especifica as escolhas possíveis para mas sim como O «conjunto das pessoas do mesmo sangue» (Littré). Já vimos
qualquer indivíduo. Assim, as unidades consanguíneas encontram-se que regras de filiação em número finito (as mais correntes são as modalida-
estreitamente dependentes umas das outras no que respeita à sua des patrilinear, matrilinear, bilinear e cognática/indiferenciada) têm por objec-
sobrevivência, através da regulamentação da troca dos parceiros tivo dividir e classificar os parentes em grupos distintos, classificação e divisão
sexuais, atribuindo a regra de filiação o seu lugar aos filhos sem pos- que estabelecem para um dado indivíduo a gama dos seus direitos e das
sibilidade de contestação. suas obrigações relativamente aos seus consanguíneos. Em qualquer dos
casos, o reconhecimento do parentesco faz-se por meio da genealogia, real
Mas tudo isto não basta; para que a aliança entre os grupos tenha um ou fictícia. O reconhecimento da pura relação genealógica de consanguini-
sentido, é necessário que as relações entre os parceiros sejam as mais está- dade existe sempre, a despeito dos efeitos da classificação segundo as regras
veis possíveis. Que significaria de facto a relação de aliança efectuada entre de filiação.
grupos através da aproximação de dois indivíduos, se essa relação fosse Na sociedade ocidental, cognática, onde todos os laços são reconhecidos
quebrada imediatamente depois do contrato e o substituíssem por outro? como equivalentes através dos antepassados dos dois sexos, onde, portanto,
À repartição sexual das tarefas intervém neste ponto, tornando dependen- não se encontra o equivalente dos grupos estáveis unilineares, se bem que
tes uns dos outros e complementares não já os grupos mas os próprios indi- exista, no entanto, uma notável importância patrilinear (transmissão do ape-
víduos, os parceiros sexuais. No âmbito da relação individual surgem então - lido, muitas vezes da herança fundiária, patrivirilocalidade acentuada no meio
prestações e serviços diversos de simples comércio sexual. Homens e mulhe- rural, etc.), esta família construída genealogicamente, ou parentela, coexiste
res são impelidos pelas suas respectivas incapacidades artificialmente esta- fortemente com a família conjugal. Os seus límites variam, mas ela inclui
belecidas a associações duradouras baseadas num contrato de sustento mútuo, em primeiro lugar os pais e os avós do casal, em seguida os seus colaterais,
contrato a que só falta ser sancionado por uma instituição jurídica que esta- bem como os cônjuges desses colaterais (tios e tias, irmãos e irmãs, sobri-
beleça a sua legalidade: o casamento. nhos e sobrinhas, etc,).
As modalidades da regulamentação contratual do casamento são extre- Laços de consanguinidade e laços de aliança existem em todas as socie-
mamente variáveis conforme as sociedades, como já vimos. Mas implicam dades humanas, mas o que é importante perceber é a relação entre os diver-
sempre, simultaneamente, métodos de classificação dos parentes biológicos sos níveis de fidelidade que eles exigem aos seus contratantes, segundo os
(segundo as linhas de reconhecimento da filiação) em casáveis e em não- tipos de sociedade em que se manifestam.
-casáveis, e regras precisas sobre a escolha do cônjuge, quer estas regras A análise das diferentes formas de sociedade humana mostra que con-
designem expressamente o tipo de parceiro que convém desposar, quer elas sanguinidade e aliança exogâmica, isto é, realizada fora do grupo de con-
proíbam conjuntos globais e consanguíneos. Para este objectivo, a noção de sanguinidade segundo o modo como ele se define pelas regras de filiação,
incesto é fundamental e a sua definição ultrapassa largamente, em numero- apontam necessariamente para direcções diferentes (Schneider). Partiremos
sas sociedades, aquela que é a nossa. do princípio que, onde a tónica recai na importância do laço conjugal e da
Daqui deriva que, em qualquer sociedade, o contrato de aliança entre solidariedade entre os esposos, diminui a importância dos laços da -consan-
grupos de consanguinidades regidos por uma regra de filiação constitui o guinidade: em caso de conflito, a solidariedade conjugal sobrepor-se-ã à soli-
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dariedade parental, Inversamente, onde a tónica é posta sobre o primado entre elas as mães e as filhas e mais geralmente as mulheres que partilham
da consanguinidade, limites específicos são atribuídos aos direitos e obriga- os mesmos laços de consanguinidade uterina — parece-nos particularmente
ções conjugais: em caso de conflito, a solidariedade do sangue sobrepor-se- importante, A sociedade ocidental não é patrilinear, apesar de durante séculos
-á à solidariedade conjugal, a ponto por vezes de a romper totalmente. ter funcionado de maneira muito próxima da que acima foi descrita.
O exercício destas solidariedades é diferente segundo os sexos e os tipos No
entanto, ainda hoje se encontram vestígios desta solidariedade afectiva entre
de organização social, mulheres detectada em várias áreas, incluindo a das escolhas matrimoniais
Uma das fórmulas sociais mais conseguidas — pelo facto de veicular as secundárias [Héritier 1977]. Ao falar do apoio dado pelos pais aos jovens
mais fracas ambiguidades possíveis — é aquela que se baseia no princípio casais, Agnés Pitrou nota [1975] que eles atribuem no entanto um lugar
da filiação patrilinear acompanhada da patrivirilocalidade. A pertença ao privilegiado à casa das suas filhas e não à dos seus filhos. O que aqui é
grupo só é transmissível através dos homens; as filhas nascidas dos homens pertinente é que a ajuda — em sentido estrito — é sobretudo uma ajuda
do grupo pertencem a esse grupo, mas não as crianças nascidas destas filhas. feminina: os serviços esperados e dispensados consistem especialmente numa
O modo de filiação patrilinear, que só reconhece, portanto, os machos como substituição pontual da mãe pela avó em caso de necessidade nos encargos
vectores da filiação, é normalmente acompanhado de uma forte autoridade da maternidade, e não numa ajuda propriamente concedida pelos pais.
do homem sobre a mulher, enquanto pai, irmão ou marido, e até mesmo É também aqui que se vêem despontar na nossa sociedade os efeitos desta
filho (se bem que — acrescente-se — o poder masculino não seja específico solidariedade mãe/filha, e mais geralmente entre mulheres consanguíneas,
unicamente dos sistemas patrilineares). Tal fórmula é também seguida por solidariedade independente da solidariedade de linhagem na óptica patrili-
grupos residenciais organizados em torno dos consanguíneos machos que near, que é ao mesmo tempo uma das válvulas de segurança do sistema
vivem em conjunto e muitas vezes trabalham juntos numa propriedade familiar e conjugal (enquanto estas relações não entrarem em competição
comum: o corolário é a obrigação por parte das esposas de abandonarem com o exercício da autoridade masculina não são consideradas perigosas),
— tanto no sentido geográfico como no sentido estatutário do termo — a sua mas talvez também o bicho na fruta. Levado às últimas consequências,
família de origem para residirem na do seu cónjuge. O predomínio da mas- este
tipo de solidariedade rotalmente diferente dos outros (solidariedade consan-
culinidade faz com que as filhas, que devem ir viver para outro lugar e pro- guinea, solidariedade conjugal de que atrás falámos) pode ser o motor
criar algures filhos que não pertencerão à família de origem da sua mãe, de
uma mudança radical dos modos de pensamento e de vida, da organização
não passem nesta óptica de membros de segunda categoria para o seu grupo social e do tipo de sociedade,
de origem: não é de facto através delas que ele se perpetua. Os grupos patri- É possível, como pensa Kathleen Gough [1975], que a família conjugal,
lineares, dada a obrigação da exogamia, não têm qualquer interesse em man- essencial no dealbar da humanidade para a constituição da sociedade e da
ter uma forma de controlo da linhagem sobre as suas filhas depois do casa- cultura, não possa sobreviver verdadeiramente na civilização industrial. Com
mento destas, uma vez que, reciprocamente, não têm interesse em que os efeito, é verosímil que, nas sociedades ocidentais caracterizadas pelas suas
outros grupos, que lhes fornecem as esposas reprodutoras ao mesmo tempo grandes dimensões, pela importância do modo de vida urbano, pelo regime
que uma força de trabalho, exerçam esse mesmo controlo sobre as suas pró- capitalista de produção e pela competição profissional e omnipotência do
prias filhas. É, pois, geralmente nas sociedades patrilincares que se encon- Estado e da administração, o abandono de certos traços característicos
tram formas matrimoniais rigorosas que visam a estabilidade da união atra- da
instituição familiar — considerados como embaraçosos ou menores — esteja
vés da opressão das mulheres; estas encontram muito dificilmente apoio junto na origem das tensões actuais no interior da família. A tomada de consciên-
dos parentes, ou seja, junto do pai e dos seus consanguíneos machos do cia da alienação feminina realizou-se com a entrada das mulheres no
mesmo grupo, em caso de crise conjugal, especialmente se o casamento delas jogo
da produção e da rendabilidade económica, devido às necessidades da
foi objecto de transacções de dotes pagos pela família do marido que seria eco-
nomia de mercado, e a sua saída, por este motivo, do puro campo domés-
necessário devolver em casos de divórcio. Enquanto para o marido os laços tico onde estavam tradicionalmente confinadas pela divisão sexual das tare-
de filiação e de solidariedade de linhagem permanecem sempre prioritários, fas. A desaparição da noção de residência comum da linhagem num
uma vez que ele vive no seio da sua família, as esposas desligadas das suas determinado território, uma vez que esta é incompatível com um desenvol-
próprias famílias constituem outras tantas peças soltas que só conseguem vimento económico intenso, fez com que deixasse de existir harmonia entre
estabelecer intensos laços afectivos com a sua própria progenitora e, sobre- a sociedade e a família, a ponto de se chegar a falar desta última, consanguí
tudo, com as suas filhas. E tais laços acentuam ainda mais, se é que isso -
nea ou conjugal, como de um refúgio contra a sociedade para os indivíduos
é possível, a sua dependência relativamente aos maridos, dado que em caso apanhados por um mundo indiferente ou hostil. As sociedades tradiciona
de divórcio os filhos pertencem, sem qualquer hipótese de recurso, ao pai is
patrilineares (e aqui, estou sobretudo a referir-me a modelos da África
e à sua linhagem. Oci-
dental) não permitiam esta antinomia. As linhagens patrilineares — que agru-
Este ponto — a solidariedade afectiva e já não estatutária (uma vez que pam famílias conjugais, monogâmicas ou poligíneas — constituíam outras tan-
esta não é parte constitutiva do sistema, se bem que dele derive) que une tas unidades residenciais dotadas de um território de cultura próprio, de uma
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organização hierárquica que as colocava sob a tutela de um decano, de uma não residem definiivamente na unidade doméstica, conheceu alguns casos
organização comunitária do trabalho e do consumo dos bens produzidos. de actualização, como vimos atrás, mas respeitando sempre o princípio da
Mas, colocado no interior destas dependências respeitantes à sua linhagem, divisão sexual das tarefas e o da preponderância do sexo masculino. O desa-
o indivíduo também era apanhado numa rede complexa e apertada de obri- parecimento do laço legal do matrimónio e o da repartição sexual das tare-
gações de aldeia que uniam entre si as linhagens e de que ele conhecia as fas implicaria, pois, também que a sociedade reconhecesse, não em termos
regras desde a infância. A separação estrita do que releva da competência de «valores» ou de moral, mas em termos de interesse, a igualdade dos sexos,
da linhagem e do que releva da competência da aldeia, a repartição dos car- por um lado, e, por outro, que a reprodução e a socialização das crianças
gos colectivos entre linhagens, a organização eventual das classes de idade são actividades primordiais tal como a produção. Desde modo, tornar-se-ia
que atribuem durante toda a vida ao indivíduo outras tantas tarefas, papéis impensável e, por consequência, impossível que todo o peso da reprodução
e estatutos diversos consoante os níveis que elas tiverem, os circuitos com- recaísse exclusivamente sobre as mulheres e se transformasse na sua des-
plexos de trocas matrimoniais, o encargo pela colectividade dos conflitos vantagem social. Para se chegar a isto, seria necessário uma alteração consi-
intralinhagens e os rituais religiosos ou profanos eram outros tantos modos derável do sistema de valores e, portanto, do sistema educativo actual. Isto
requintados de articulação entre o domínio do poder familiar e a necessi- implicaria o desaparecimento de noções aceites como «naturais» e, em pri-
dade conjunta de uma vida social tão harmoniosa quanto possível. Estas meiro lugar, daquela que coloca à cabeça o instinto maternal ligado auto-
sociedades, embora não sendo um paraíso —lógicas consigo mesmas—, maticamente à gestação e ao parto dos filhos. Possivelmente, enquanto o
tinham montado um sistema equilibrado entre as imposições da vida domés- instinto sexual, que leva à reprodução da espécie, e o instinto, que leva à
tica (regulamentada pela consanguinidade) e as imposições da vida social protecção dos jovens, são fenómenos naturais para ambos os sexos, o ins-
(regulamentada pela coexistência de grupos consanguíneos); inversamente, tinto maternal — no sentido em que esta expressão é utilizada geralmente
as nossas sociedades conservaram os princípios que eram úteis ao seu desen- para justificar a servidão das mulheres, e apenas delas, à progenitura — é
volvimento, ou que não eram contraditórios em relação aos imperativos deste um fenómeno adquirido, inculcado nas mulheres através da educação que
desenvolvimento, ao mesmo tempo que suprimiram ou utilizaram ao con- lhes é continuamente dispensada e através dos modelos de realização pes-
trário os aspectos corolários do conjunto da instituição familiar considera- soal que lhes são propostos. Esse instinto é apenas a justificação oferecida
dos inúteis ou incómodos. É na ignorância e na rejeição da lógica interna às mulheres para as manter nas tarefas de educação dos filhos e, por conse-
das articulações, cuja complexidade na criação da instituição familiar já quência, nas tarefas da vida doméstica, e tudo isto com o consentimento
demonstrámos, que é necessário procurar efectivamente as razões da crise
delas, dado que não há condicionamento mais conseguido do que aquele
em que o submetido reivindica ele próprio os fundamentos da sua sujeição.
da família e, a partir desta, a da civilização.
A partir deste momento, pode conceber-se como possível, anunciada pelos Enquanto as mulheres deram à luz filhos ao longo de toda a sua vida gera-
tiva e tiveram uma esperança de vida que pouco ultrapassava esse período,
sinais de recusa do casamento e pela permanência das solidariedades afecti-
a noção do instinto maternal e da dependência que dele resulta por predis-
vas consanguíneas femininas, a aparição de famílias matricêntricas, nas quais
posição natural para as diversas tarefas da maternidade tinham necessaria-
os filhos nascem de parceiros regulares ou ocasionais da mãe, e onde se
mente um efeito poderoso. Na sociedade ocidental, com o controlo dos nas-
regista a ausência de residência comum com os genitores, de qualquer casa-
cimentos e o prolongamento da duração de vida, esta noção já não pode
mento estável e legal e de troca consentida entre grupos. No entanto, é difícil
ter o mesmo efeito de sujeição completa e permanente das mulheres.
ir às últimas consequências possíveis de uma mudança radical das institui-
Modificar os termos da filiação (e com isto modificar o estatuto da pro-
ções. É difícil, por exemplo, prever as regras de residência, especialmente
priedade e da herança), modificar a relação de poder entre os sexos, supri-
para os homens reduzidos aos estatutos de filho ou de irmão, amputados
mir a repartição sexual das tarefas, assacar a toda a sociedade o encargo
do estatuto de marido e talvez de pai. Seja como for, pode encarar-se a pas-
económico da reprodução e da produção, transformar radicalmente as for-
sagem a formas mais ou menos institucionalizadas de filiação matrilinear.
mas de educação das crianças, atentar contra as ideias vigentes de toda a
“Tal situação não implicaria necessariamente uma mudança da relação de for-
espécie que fundamentam na natureza as desigualdades: são estas as condi-
ças entre os sexos: nas sociedades matrilineares, são os homens enquanto
ções da morte da família na sua forma actual. Nada disto é impossível, e já
irmãos que derém a autoridade sobre as suas irmãs e os filhos das suas irmãs, muitas alterações se estão a verificar. Resta no entanto saber quais são os
Para que esta relação de forças fosse nitidamente modificada, seria necessá-
modelos de realização individual que podem ser inventados e propostos como
rio suprimir o contrato mútuo de sustento baseado na repartição sexual das susceptíveis de justificar a vida de cada um. [F. HJ.
tarefas. Que haveria de diferente na relação dos sexos se (para permanecer
na terminologia convencional), em vez de «alimentar» os seus filhos, o
homem alimentasse os seus sobrinhos, se, em vez de sustentar no plano Gough, K.
doméstico um marido, a mulher sustentasse um irmão? De facto, o modelo 1975 The Ongin of the Family, in R. R. Reiter (org.), Toward an Anthropology of Women,
de família matricêntrica, onde os parceiros sexuais regulares ou ocasionais Monthly Review Press, New York.
FAMILIA
Ed
Hériuer, F.
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1969 Le droit prvé des Mosst. Tradition et évolution, CNRS, Paris. O incesto, tal como foi admiravelmente definido por
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ilícita entre pessoas que são parentes ou afins
1975 A Wombre des grand parents, in «Autrement», III, pp. 104-12, no grau proibido pelas leis».
O antropólogo Reo Fortune [1932] retoma mais ou
Reynolds. V. menos em termos aná-
logos a mesma definição, substituindo no entanto O termo
1968 Kinship and the family in monkeys, apes and man, in «Man», II, pp. 209-23, “união” pela locu-
Sahlins, M. ção “relação sexual": definição mais precisa e circunscrita,
fruto de uma refle-
1959 The social life of monkeys, apes and primitive man, in J, N. Spuhler (org.), The Evolu- xão. À própria noção de relação sexual implica a ideia de
tion of Man's Capacity for Culture: Six Essays, Wayne State University Press, Detroit,
um comércio carnal
entre dois parceiros de sexo diferente. Aliás, o
pp. 54-73.
incesto é exactamente perce-
bido neste sentido quer na linguagem popular quer
na erudita; a «união ili-
cita», de conteúdo totalmente neutro, é entendida como
comércio carnal ilí-
cito entre pessoas aparentadas no grau proibido pelas
leis ou pelos hábitos
O É certamente um dos lugares-comuns (cf. lugar-comum) mais divulgados a pretensa natura- sociais.
lidade da família (cf. natureza/cultura), que se pretende baseada em necessidades naturais (cf. A escolha destes termos por parte de Fortune não é
necessidade) da reprodução da espécie (cf. nascimento), da manutenção e educação da prole, e da fruto do acaso, na
medida em que o pensamento antropológico estabeleceu
sexualidade (cf. amor, eros). De tal conjunto de necessidades naturais decorreria o casamento desde sempre uma
ligação directa entre a proibição do incesto e a lei exogâmi
como célula fundamental da sociedade, e base da sua estrutura. Deste ponto de vista a família ca, que orienta
para o exterior a escolha do cônjuge. A proibição do
constitui o suporte original da comunidade, o lugar no qual estão estabelecidos, definidos quase incesto, que a priori
de uma vez para sempre, todos os papéis (cf. papel/estatuto, poder/autoridade): no âmbito da diz respeito a todas as relações sexuais em níveis ou
situações proibidas,
própria família, na área do grupo conjugal alargado (cf. parentesco), por extensão na esfera geral e não apenas ao casamento, serve todavia para disti
nguirno, seio do cir-
das relações homem/mulher (cf. masculino/feminino), e finalmente, enquanto símbolo total, rela- culovizinho e em particular no grupo dos consanguíneos, entre aqueles
que
uvamente ao modo de conceber o passado (cf. antigo/modemno), o presente e o futuro (cf, gerações). se podem escolher como parceiros sexuais em sentido lato,
Na realidade, parece que o consenso ocidental (cf. emocentrismos), e não apenas ocidental, e como cônju-
ges em sentido restrito, e aqueles que não se podem escolhe
terá feito de uma escolha um facto natural. Até o traço mais divulgado, a proibição do incesto, r como tais.
Desta assimilação de facto com a aliança que deriva do
mais do que uma proibição de natureza biológica, constitui um modo de evitar o fechamento casamento resulta
de qualquer grupo sobre si próprio (cf. exclusão/integração) e de contrair laços de aliança (cf. imediatamente que o incesto é percebido como um
comércio carnal ilícito
economia, trabalho, público/privado, troca). De resto, em mais de um caso, em certas socieda- entre parceiros de sexo diferente. Mas veremos se
se trata única e exclusi-
des, parece que até a fórmula monogâmica homem/mulher seja passível de interpretações e vamente disto.
de aplicações diversas. Trabalhos antropológicos recentes [Needham 1971;
Desta fórmula geral, mas não única na sua tipologia, do casamento monogâmico exogã- Schneider 1976]
negam à proibição do incesto, no sentido acima conside
mico (cf. endogamia/exogamia) e das regras estabelecidas para a escolha do cônjuge, emergem rado, toda e qual-
quer pertinência como facto científico único ao qual
solidariedades c afectos a que as tradições atribuíram uma rigidez, especialmente em relação se poderia aplicar uma
à mulher, tomando como elemento natural da civilização aquilo que apenas se configura como teoria geral, dada a extrema heterogeneidade e variabi
lidade dos factos que
uma entre as escolhas possíveis. se podem reun sob este
ir tema. Para citar alguns, verifica-se que as situa-
Todavia, a própria crise da família (cf. repressão), a erosão que está a sofrer a par da insti- ções de parentes abrangidas pela proibição do incesto
tuição (cf. instituições) do casamento que é a sua forma legal (cf, direito, norma), a própria varie- são muito diferentes
segundo as sociedades em que se encontra esta proibiç
dade de instituições que caracteriza antropologicamente o problema da família nas várias socie- ão. O incesto não
suscita sempre e em toda a parte reflexos intensos de repulsa
dades, as inovações trazidas actualmente pela indústria na área das relações humanas e, ou de horror;
apunição social do incesto vai da simples troça
especificamente entre homem e mulher, constituem outros tantos elementos para fazerem desa- à morte; nem em todas as
parecer esta relação das formas habituais; e, também, para libertarem a mulher da discrimina- sociedades se encontram proibições nitidamente
afirmadas e. regulamenta-
ção de que ela é objecto em nome da «natureza» e da «civilização», das; num certo número de sociedades bem conhecidas (Egipto
antigo, Havai,
14] CASAMENTO

(no Código Francês) uma definição universalmente aceitável. Esta dificuldade


de ordem intelectual é a mesma com que se confronta a antropologia, em que
a definição da instituição social que é o casamento conduz geralmente a expli-
cações de funcionalidade e de finalidade, sobre a sua razão de ser, sobre o que
«faz», cuja principal característica é a tautologia. Como escreve excelentemente
Riviere [1971], se a função do casamento é legitimar a descendência, a legiti-
midade da descendência depende, pois, do casamento. Uma coisa não existe
CASAMENTO
sem a outra, donde um raciocínio puramente circular.

por uma constatação que poderá surpreender O e no


Começaremos
Francês de 1905 não existe uma definição jurídica o casa
Código Civil
lista das condições formais da sua existência e da
mento, mas apenas uma Edmund Leach [1951], se nos cingirmos a esta definição, não poderemos
a vitalidade: considerar como casamentos — e isso em oposição ao sentimento e à con-
x Tia a existência em comum dos cônjuges que deve durar normal- vicção dos seus actores — as uniões contraídas sob o regime chamado da
mente toda a vida, com união física sexual (se bem que as relações sexuais «poliandria adélfica», ou seja, aquelas em que uma mulher é a esposa de
mente: recusá-las
no casamento só sejam, de facto, previstas na lei negativa um grupo de irmãos, ou a esposa de um homem e dos seus filhos nascidos
é proi-
torna legítimo o pedido de divórcio de um dos cônjuges; o adultério de outra esposa. É verdade que, na maior parte dos casos conhecidos, os
produtos das diferentes uniões são considerados como sendo filhos do mais
o não pode ocorrer senão entre pessoas de sexo diferente, que tenham velho, ou seja, daquele que contraiu a aliança em primeiro lugar. Mas a
er |
atingido uma idade mínima de capacidade física; relação dos irmãos mais novos com esta mulher do irmão mais velho não
3) deve obedecer a um certo número de interditos : o Código az o inven- é um simples desregramento moral, uma simples tolerância. Por vezes, como
união entre
tário das situações de consanguinidade e de aliança em que a no Tibete, existem tantos rituais de casamento, a intervalos mais ou menos
é considerada como incestuosa e, portanto, proibida ou auto- regulares, quantos os irmãos que possam beneficiar das prestações sexuais
os indivíduos
autori-
rizada com certas condições (deste modo, poder-se-á conceder uma e de outros serviços da esposa comum, e só beneficiam deles depois da exe-
o casament o que pero a
zação de casamento entre sogro e nora quando cução do ritual; cada um deles goza, por sua vez, sozinho. a esposa comum
morte do esposo, mas não quando foi dis-
aliança tiver sido dissolvido por durante periodos determinados, durante os quais os outros irmãos se ausen-
divórcio); concepções culturais , tam, se bem que as crianças, consideradas, no entanto, filhas comuns do
pare i or obedecer
específicas: assim, ninguém é
grupo de irmãos, tenham um único pai legal, o mais velho do grupo.
tiver sido si -
casar se já tiver contraído matrimónio e se essa união não A união com os irmãos mais novos, que implica cooperação económica, assis-
divórcio; a monogam ia é, de facto, a única orma tência mútua, privilégio sexual, controlo em comum da educação dos filhos,
vida por morte ou por
reconhecida de casamento na sociedade francesa (e mais geralmente nas socie- união que é reconhecida válida pelo conjunto da sociedade, deve ser ou não
irei cidental); considerada um casamento? Se admitirmos que se trata realmente de um
E á dera é ada não existente se faltar o sp e casamento, então a definição de Notes and Queries é insuficiente.
expresso publicamente pelos cônjuges no momento da cerimónia do casa- Ela também não se ajusta ao caso dos Nuer [Evans-Pritchard 1951], entre
ao
mento (o desaparecimento posterior do consentimento não dá direito
os quais, como já vimos (cf. os artigos «Família» e «Incesto»), uma mulher
de 1804); estéril, que dispõe de riquezas em gado, pode desposar, a título de «marido»,
ivórci o Código
consentimento deve ser recebido por um represen- outras mulheres que a servem e a honram, e que lhe dão, através de um
GRE
e inscrito nos registos de estado civil. genitor-servidor interposto, filhos de que ela é o pai reconhecido. e que rece-
tante oficial do Estado
o que torna existente o casamento, mas não sabe- bem dela, como pai, a sua legitimidade, o seu estatuto social e o seu direito
Deste modo, sabemos
à herança na linhagem patrilinear.
mos o que ele seja. Esta ausência de definição não é visivelmente uma omis-
confrontou-se, sem dúvida alguma, com a A definição de Notes and Queries não se ajusta também ao célebre caso
são involuntária. O legislador
o € dos Nayar matrilineares (Gough), onde cada mulher tem um marido esco-
grande dificuldade de analisar objectivamente a instituição do casament lhido numa linhagem regularmente associada à sua para fornecer parcel-
de lhe dar uma definição geral, embora nem sequer se procuras se dar aqui
145 ç CASAMENTO

CASAMENTO ss
graças à proibição do incesto, de vínculos intermatrimoniais entre elas, per-
e uma mulhere» [Política, 1253b, 10-11]. Para além mitindo edificar assim a construção, passando pelos laços artificiais do paren-
relação entre um homem
antigas que encontramos diferem tesco, de uma verdadeira sociedade humana» [Lévi-Strauss 1956, trad. ir.
disso, demonstra ainda que as expressões
, nominais para a mulher.
segundo o sexo: termos verbais para o homem mwedh raiz verbal
p. 168).
verbais utilizados para o homem têm como As componentes fundamentais de qualquer organização social são os
Os termos
que quer dizer “conduzir uma mulher a casa”. Ao lado destes verbos homens e as mulheres que a constituem, e são as mulheres que fazem filhos.
encontram-se aqueles que indicam a função do pai da rapariga, sobre a raiz A aliança entre grupos, entre famílias consanguineas, só pode fazer-se atra-
o
verbal «dar». Assim, pois, o esposo conduz para casa dele a jovem que vês da oferta da única riqueza, isto é, a capacidade de reprodução, ou seja
entre homen s com um object ivo preciso . pela troca das mulheres. Cada grupo humano dá aos outros e recebe E
pai dela lhe deu: negócio mulher
Com efeito, não existe nenhum verbo que indique o facto de uma outros hipóteses de sobrevivência. Todas as unidades se encontram estrei-
«esta situação lexical negativa, a ausência tamente dependentes umas das outras para a sua reprodução, através da troca
se casar. Como diz Benveniste,
são se casa, é casada. Não realiza de parceiros sexuais, existindo, pois, uma regra de filiação que confere às
de um verbo próprio, indica que a jovem
p. 185], o que também está
um acto, muda de condição» [1969, trad. it. crianças o seu lugar sem contestação possível.
quer no indo-iraniano quer
expresso nos termos nominais que se encontram Mas não é suficiente. A fim de que a aliança entre os grupos tenha um
signifi ca literalmente «condição legal sentido, é necessário que as relações entre os parceiros sejam o mais estáveis
no latim. Assim, em latim, matrimonium os derivados
de mater», ou seja, de mãe, segundo o valor jurídico de todos possível. Que significaria a relação de aliança concluída entre grupos através
a condição à qual a jovem tem
em -monium. «Portanto, matrimonium define da união de dois indivíduos, se esta devesse ser rapidamente rompida?
signifi ca para ela o casamento, não
acesso: a de mater ( familias). É isso que [ibid.,
À repartição sexual de tarefas, corolário neste sentido da exogamia, tem por
e levada... in matrimoniumm objecto tornar dependentes e complementares não já os grupos mas os pró-
um acto mas um destino; ela é dada
é, para tornar -se mãe em casa de um homem que não é o seu prios indivíduos. Na relação homem/mulher surgem outras prestações de ser-
p. 186), isto
pai. viços para além do simples comércio sexual. Homens e mulheres são, deste
ideologia indo-europeia.
Não se deve julgar que isto é específico da modo, levados por incapacidades artificialmente estabelecidas a criar asso-
do casamento nuer, que
Evans-Pritchard [1948], ao analisar as cerimónias não é
ciações duradouras baseadas num contrato de manutenção mútuo que só falta
dado que a realização definitiva do casamento ser sancionado por uma instituição jurídica e ritual que estabeleça a sua lega-
duram muito tempo,
tra que é apenas quando
a união carnal mas o nascimento da criança, demons lidade. Temos assim o casamento, trave mestra de qualquer organização social
sogro (até aí ela viveu em casa
a esposa vem depor o seu bebé no pátio do na medida em que articula entre si elementos tão fundamentais como a neces-
viver definitivamente com
dos pais dela) que é considerada mulher e que vai (e dos
sidade de exogamia para construir uma sociedade viável, a proibição do
o marido. Evans-Pritchard acrescenta que ela vai para casa do marido incesto, a repartição sexual das tarefas. Compreender-se-á, assim, que o casa-
enquanto mãe cujos seios alimentaram
sogros), não enquanto esposa mas mento não possa ser, nem seja nunca, totalmente deixado ao acaso e que,
uma criança da linhagem deles. os termos
pelo contrário, a escolha do cônjuge seja objecto de regras precisas, que for-
os Samo do Alto Volta, tal como no indo-europeu, mam o âmago de qualquer estudo sobre o parentesco, (F. H.).
Entre
mulher ou de entrar numa
variam segundo designam o acto de tomar uma está com-
mulher, isto é, não
casa como esposa. Uma esposa não se torna
o nasce o primei ro filho; antes, é sempre
pletamente realizada, senão quand sua
erada durante toda a
uma rapariga, surt. Uma mulher estéril será consid Benveniste, E.
partid a, toda a esposa legi-
vida uma rapariga e não uma mulher. Em contra 1969Le vocabulaire des imstitutions indo-curopéennes, 1. Economie, parente, société, Minuit
ao seu marido , que é o pai social de uma
tima já é mãe quando se junta Paris (trad. it. Einaudi, Torino 1976). '

criança de que ele não é o genito r [Héritier 1978). Evans-Pritchard, E. E.


to imagem possi- 1948 Nuer marriage coremomes, im uAfricau, XVIII, pp. 29-40.
Torna-se, portanto, evidente que o casamento enquan tem 1951 Kimslup and Marrage among the Nuer, Clarendon Press, Oxford
os sexos, mas imagem universalmente adoptada,
vel da relação entre Gough, K,
ução dos grupos. Mas
por função assegurar de maneira controlada a reprod 1959 The Navars and the defininon of marnage, in «Journal of the Roval Anthropological
u há quase um século, a expli- Institutes, LXXXIX, pp. 23-34, |
de que grupos se trata? «Como Tylor mostro
prova velme nte a human idade compr eendeu muito Héritier, F.
cação última é a de que
pela existên cia, era obri- 1978 Fecondité et stémiié. La traduction de ces notions dans le champ idéologique au stade
cedo que, para se libertar de uma luta selvagem pre-sciemuifique, in E. Sullerot (org), Le Fait fómmin, Fayard, Paris, pp. 387-96
casar fora ou ser morto fora. À alte-
gada a uma escolha muito simples: ou a
Lecach, E.
ne ; a. ; '
entre famílias biológicas vivendo ente si e destinadas 1981 The structural implications of matrilateral cross-cousimn marmage, in Journal of the Royal
nativa era escolher
se a si mesmas, submer-
permanecer como unidades fechadas, perpetuando-
Anihropological Institutes, LXXXI, 1-2, pp. 23-55.
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gidas pelos seus modos, ódios e ignorâ ncias, e a sistemática instauração,

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