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TRABALHO INFANTIL: UM OLHAR A PARTIR DAS CAUSAS E

CONSEQUÊNCIAS

Maria Eliza Leal Cabral1


Suzéte da Silva Reis2

RESUMO: Pretende-se, com o presente artigo científico, contextualizar o fenômeno


do trabalho infantil na contemporaneidade. A temática abordada se justifica na
medida em que o trabalho infantil acarreta sérios prejuízos ao desenvolvimento das
crianças e adolescentes, retirando-os o direito de desfrutar de uma infância digna,
condizente com a peculiar condição de pessoas em desenvolvimento. Para tanto, o
artigo foi desenvolvido no sentido de questionar quais são as principais causas e
consequências que decorrem da exploração do trabalho infantil. O método de
abordagem utilizado é o dedutivo e o método de procedimento é o monográfico, com
técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Dessa forma, buscou-se, em um
primeiro momento, verificar a legislação referente à proteção dos direitos
fundamentais das crianças e adolescentes contra a exploração do trabalho infantil
no contexto internacional, constitucional, estatutário e celetista e, em um segundo
momento, analisar as principais causas e consequências que decorrem do trabalho
infantil.

Palavras-chave: Causas – Consequências – Exploração – Trabalho Infantil

ABSTRACT: It is intended with the present scientific article to contextualize the


phenomenon of child labor in contemporaneity. The theme approached justifies itself
so far as the child labor entails serious damages to the development of children and
adolescents, taking from them the right to enjoy a decente childhood, what matches
with the peculiar condition of people in development. To do so, the article was
developed in the direction of questioning which are the main causes and
consequences that emerge from the exploitation of child labor.The approach method
used is the deductive and the procedure method is the monographic, with
bibliographic and documental research techniques. In this form, it was seek, in a first
moment, to verify the legislation regarding the protection of children’s fundamental
rights against child labor in the international, constitutional, statutory and “celetista”
context, and, in a second moment, to analyse the main causes and consequences
that emerge from child labor.

1
Mestranda no Programa da Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz
do Sul - UNISC, com taxa CAPES. Membro do Grupo de Estudos "Direitos Humanos da Criança, Adolescente e
jovens", vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado, da UNISC. E-mail:
melizacabral@gmail.com
2
Doutora em Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Mestre em Direito - Área de Concentração:
Políticas Públicas de Inclusão Social, com bolsa CAPES. Professora Convidada do Programa de Pós-Graduação
em Direito - Mestrado e Doutorado, na Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Membro do Grupo de
Estudos "Direitos Humanos da Criança, Adolescente e jovens", vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Direito - Mestrado e Doutorado, da UNISC. Email: sreis@unisc.br
Key-words: Causes – Consequences – Exploitation – Child labor.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho infantil é um problema mundial, atingindo cerca de 168 milhões de


crianças entre 5 e 17 anos, estando, dessa forma, inserido na cultura de diversas
sociedades. Por sua vez, a exploração da mão de obra infantil encontra-se ligado a
uma série de fatores determinantes, especialmente como meio de subsistência da
própria família.
De tal sorte, o trabalho infantil figura como uma das principais violações aos
direitos fundamentais de crianças e adolescentes, uma vez que retira destas o
direito de usufruir de uma infância digna, de acordo com a peculiar condição de
pessoas em desenvolvimento.
O objetivo geral consiste em contextualizar o fenômeno do trabalho infantil na
contemporaneidade. Como objetivos específicos, pretende-se abordar a legislação
referente à proteção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes contra a
exploração do trabalho infantil no contexto internacional, constitucional, estatutário e
celetista e analisar as suas principais causas e consequências decorrentes do
trabalho infantil.
Dessa forma, o presente artigo se desenvolveu no sentido de questionar
quais são as principais causas e consequências que decorrem da exploração do
trabalho infantil. Para tanto, o método de abordagem utilizado é o dedutivo e o
método de procedimento monográfico, com técnicas de pesquisa bibliográfica e
documental.
O enfrentamento do tema se impõe na medida em que o trabalho infantil
figura como uma violação aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes,
uma vez que reflete uma afronta à proteção estabelecida pela Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, que em seu art. 7º, inciso XXXIII, veda
expressamente o trabalho àqueles com idade inferior aos quatorze anos de idade,
ressalvando a permissão ao trabalho àqueles com idade entre quatorze e dezesseis
anos na condição de aprendiz.
Posto isso, o trabalho está estruturado em dois capítulos: no primeiro tratar-
se-á a respeito da legislação de proteção contra a exploração do trabalho infantil e
no segundo abordar-se-á a respeito das principais causas e consequências que
decorrem do trabalho infantil.

2 A PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO


INFANTIL

No concerne ao trabalho infantil, destacam-se duas convenções da


Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão responsável pela emissão e
controle das normas referentes ao trabalho no âmbito internacional, quais sejam, a
Convenção n. 138, que estabelece critérios para a definição de idade mínima para a
admissão no trabalho e o compromisso dos Estados-parte em adotar uma política
nacional de prevenção e erradicação do trabalho infantil e a Convenção n. 182, que
versa a respeito das piores formas de trabalho infantil. (LEME, 2012)
A Convenção n. 138 exige que uma vez ratificada pelos países membros da
Organização Internacional do Trabalho, esses assumam o compromisso de elevar
progressivamente os limites de idade mínima para o trabalho e, em qualquer caso,
mantê-los nunca inferiores aos 15 anos, assim como dispõe sobre o dever dos
Estados partes criar uma política nacional de combate ao trabalho infantil. Leciona,
também, que os Estados devem especificar o limite mínimo de idade para a
admissão em emprego ou trabalho, em declaração anexa, sendo que este limite
deve respeitar a idade mínima de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em
qualquer hipótese, ser fixada nunca inferior a quinze anos, conforme o art. 2º.
Já a Convenção nº 182 da OIT, ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº
178, de 14 de dezembro de 1999 e promulgada pelo Decreto nº 3.597, de 12 de
dezembro de 2000, denominada convenção das piores formas de trabalho infantil e
ação imediata para sua eliminação, traz em seu texto o dever, por parte dos Estados
signatários, de adotar medidas eficazes de caráter imediato, afim de proibir e
erradicar tais formas de exploração do trabalho infantil.

Há que se salientar que a afirmação da existência de formas piores de


exploração de trabalho infantil não significa que haja outras formas de
trabalho infantil que sejam toleráveis, mas sim, que se deve priorizar uma
série de ações para a erradicação imediata destas formas de exploração
pela gravidade de suas consequências. É necessário que se compreenda
que todas as formas de trabalho infantil são prejudicadas ao
desenvolvimento das crianças, mas em certas condições, os prejuízos
ocasionados pelas piores formas podem tornar-se irreversíveis. Este
entendimento mostra o caráter complementar da Convenção nº 182 em
relação à Convenção nº 138. (LEME, 2012, p. 73)

De tal sorte, a interpretação e a aplicação da Convenção n. 182 devem estar


em consonância com os princípios da teoria da proteção integral, insculpidos na
Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, na Constituição Federal da
República Federativa de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na
Convenção n. 138, já que são normas de proteção complementares. (CUSTÓDIO,
VERONESE, 2007)
Ao ocasionar um reordenamento jurídico, político e institucional sobre os
programas, plenos, ações e atitudes por parte do Estado em colaboração com a
sociedade civil, inter-relacionando os princípios e diretrizes da teoria da proteção
integral, a Constituição da República Federativa do Brasil e suas garantias
democráticas figura como base fundamental do Direito da Criança e do Adolescente.
(CUSTÓDIO, 2009)
Dessa forma, ao assegurar prioridade absoluta às crianças e aos
adolescentes, a Constituição Federal impõe, no artigo 227, o dever de proteção a
esses por parte da família, da sociedade e do Estado em face da peculiar condição
de pessoas em desenvolvimento. (REIS, 2015)

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

Já o art. 7º, XXXIII, da Constituição da República, alterado pela Emenda


Constitucional n. 20, de 15 de novembro de 1988, disciplina os limites quanto ao
trabalho, estabelecendo que a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre
a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”. (BRASIL, 2018)
Sendo assim, ao reconhecer as crianças e os adolescentes como sujeitos de
direitos, o constituinte brasileiro inclui a necessidade de observância dos limites
etários para o ingresso ao emprego ou trabalho, possibilitando que a proteção
alcance sua amplitude máxima. (REIS, 2015)
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, no capítulo V, voltado
ao direito à profissionalização e à proteção no trabalho, regula, nos artigos 60 a 69,
a proteção constitucional contra a exploração do trabalho infantil. Destaca-se que
não há um conceito específico de trabalho infantil, estando esse abarcado aos
limites gerais de idade mínima para o trabalho uma vez que não cabe distinção da
condição de crianças e adolescentes em relação aos limites de proteção já
assegurados. (CUSTÓDIO, VERONESE, 2009).
O artigo 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente, atualizado pela Emenda
Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998 dispõe a respeito da idade mínima
para o trabalho, ao definir que: “É proibido qualquer trabalho a menores de 16
(dezesseis) anos de idade, salvo na condição de aprendiz”.
Por outro lado, sob o ponto de vista das disposições constitucionais, o
Estatuto da Criança e do Adolescente traz algumas inovações quanto ao trabalho
infantil, uma vez que amplia as espécies de proteção e define o que entende por
trabalho noturno. (CUSTÓDIO, VERONESE, 2009).

Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de


trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou
não-governamental, é vedado trabalho:
I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas
do dia seguinte;
II - perigoso, insalubre ou penoso;
III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
IV - realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.

Há que se observar que não obstante o referido artigo mencionar


expressamente apenas os adolescentes como titulares dos direitos, tais disposições
devem ser aplicadas, da mesma forma, às crianças, dado que o princípio da
proteção integral e o princípio da peculiar condição de pessoa em desenvolvimento
não permite interpretação diversa, senão aquela que amplia sentido da norma.
(CUSTÓDIO, VERONESE, 2009)
Diante disso, ao restringir a realização do trabalho infantil em locais
prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e aqueles
realizados nos horários e locais que não permitam a frequência na escola, o Estatuto
da Criança e do Adolescente estabelece outras duas proibições ao trabalho
praticado por criança e adolescente, bem como reforça a proibição dos trabalhos
perigosos e insalubres, porém amplia a abrangência de proteção à criança e ao
adolescente, ao incluir entre as proibições os trabalhos penosos. (CUSTÓDIO,
VERONESE, 2009)
O artigo 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente elenca os critérios
quanto à profissionalização do adolescente, a qual deve observar a condição
peculiar de pessoas em desenvolvimento, bem como a adequação da capacitação
profissional ao mercado de trabalho. (BRASIL, 1990)
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao garantir direitos ao livre e
pleno desenvolvimento físico e psíquico e exercitar a convivência comunitária livre
da exploração, traz uma nova visão para a atualidade, pois se no processo histórico
brasileiro a doutrina da situação irregular incitava a exploração da mão de obra
infantil, tal conduta já não possui fundamentos teóricos para a sua perpetuação.
(CUSTÓDIO, VERONESE, 2007)
Da mesma forma que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) assegura, a partir do artigo
402, os limites de idade mínima para o ingresso ao trabalho, assim como fixa
parâmetros de proteção ao adolescente, definindo o adolescente trabalhador como
aquele com idades entre 14 a 18 anos de idade. (LEME, 2012)
O artigo 403 dispõe especificamente sobre os limites à proibição da
realização de qualquer trabalho aos adolescentes e às crianças com idade inferior a
16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos de idade. (BRASIL,
1943)
Já o artigo 404 estabelece a proibição de trabalho noturno, definindo-o como
aquele realizado entre às 22 horas de um dia até às 5 horas do próximo.

Art. 7º - Para os efeitos desta Lei, considera-se trabalho noturno o


executado entre as vinte e uma horas de um dia e as cinco horas do dia
seguinte, na lavoura, e entre as vinte horas de um dia e as quatro horas do
dia seguinte, na atividade pecuária.

O artigo 405, § 3º, da CLT, considera o trabalho prejudicial à moralidade da


criança e do adolescente (BRASIL, 1943). Por outro lado, considerando que o
trabalho infantil constitui real obstáculo para a efetivação dos direitos fundamentais
das crianças e adolescentes, dever-se-ia reconhecer o trabalho infantil sempre como
algo imoral, sem a necessidade de se estabelecer proibições de trabalho que
prejudiquem a moralidade. (CUSTÓDIO, VERONESE, 2007)
Portanto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao
reconhecer as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e positivar os
direitos fundamentais do ser peculiar condição de pessoas em desenvolvimento,
concebendo como dever da família, da sociedade e do Estado assegura-los com
absoluta prioridade, possui papel de destaque contra a exploração do trabalho
infantil.
No mesmo sentido caminham as Convenções n. 138 e n.182 da OIT, o
Estatuto da Criança e do Adolescente e a Consolidação das Leis de Trabalho,
proibindo a exploração do trabalho infantil, estabelecendo os limites de idade mínima
para o ingresso ao trabalho e fixando parâmetros de proteção ao infante trabalhador,
que devem observar a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.

3. TRABALHO INFANTIL: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

A exploração do trabalho infantil representa uma violação aos direitos


fundamentais das crianças e adolescentes, na medida em que os priva de desfrutar
de uma infância saudável, condizente com a peculiar condição de pessoas em
desenvolvimento e rompe com os pressupostos instituídos pela teoria da proteção
integral.
Por sua vez, o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho
continua elevado. Muitas das vezes, a exploração do trabalho infantil expõe crianças
a ambientes violentos e inseguros, resultando em uma vida sem infância, na medida
em que os delega muita responsabilidade para a idade. (REIS, 2015)

O trabalho de crianças e adolescentes está arraigado nas tradições, nos


comportamentos de diversos locais, como um vestígio do passado, com uma forte
resistência à mudança. Especialmente nos países periféricos, como é o caso do
Brasil, considera-se, ainda, muito normal a tradição das crianças, especialmente
no meio rural, não ingressarem na escola e começarem a trabalhar em idade
muito precoce, independentemente do grau relativo de pobreza das famílias. Por
outro lado, situações como o êxodo rural e a migração levam famílias inteiras à
condição de miséria ampliando o número de crianças que precisam trabalhar.
(CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 93)

A naturalização pela qual o trabalho infantil é vislumbrado pela sociedade em


geral e pelos poderes públicos, muitas vezes, colabora com a perpetuação das
práticas que envolvem a exploração da mão de obra infantil, de modo que a
aceitação e o consentimento social são fatores que merecerem ser observados na
formulação das políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil.
(REIS, 2015)
O trabalho infantil constitui fenômeno complexo e multifacetado, uma vez que
suas causas envolvem diversos aspectos que justificam o ingresso precoce de
crianças e adolescentes no mercado de trabalho. No Brasil, é evidente que uma das
principais causas da exploração do trabalho infantil é a condição de pobreza que
atinge parcela significativa da população.
Contudo, a pobreza não figura como única causa do trabalho infantil, uma vez
que diversos outros fatores incidem nesse contexto, como a infraestrutura escolar
precária e o pouco acesso às inovações tecnológicas, que acarretam o desinteresse
de crianças e adolescentes a frequentar a escola (KASSOUF, 2006)

Embora os fatores econômicos apresentem-se como principais determinantes


para o trabalho precoce no mercado de trabalho, não se pode desconsiderar o
significado cultural e tradicional do trabalho no imaginário familiar, seja com o
aspecto educativo ou moralizador. O trabalho de crianças e adolescentes está
arraigado nas tradições, nos comportamentos de diversos locais, como um
vestígio do passado, com forte resistência à mudança. (CUSTÓDIO; VERONESE,
2009, p. 79)

Além das causas econômicas, a reprodução cultural figura como fator


importante para a manutenção do trabalho infantil, uma vez que reproduz mitos
relacionados ao mesmo, os quais derivam de uma cultura que aceita o trabalho
infantil, revelando a necessidade de superação destes. (REIS, 2015)
Mitos como “é melhor trabalhar do que roubar”, “o trabalho da criança ajuda a
família”, “é melhor trabalhar do que ficar nas ruas”, “trabalhar desde cedo acumula
experiência para trabalhos futuros”, “é melhor trabalhar do que usar drogas” e
“trabalhar não faz mal a ninguém” (CUSTÓDIO, VERONESE, 2009), revelam a
cultura mitológica arraigada na sociedade em face do trabalho infantil.

A reprodução dos mitos, apesar de persistir no imaginário social, não se sustenta.


Acreditar que “é melhor trabalhar do que roubar” revela que a crença de que às
crianças e adolescentes restam apenas essas duas opções esquecendo-se que
as mesmas possuem o direito à educação de qualidade e que, a partir da
educação, abrem-se outras possibilidades para o futuro. Da mesma forma,
crianças e adolescentes tem direito ao lazer, cultura, tempo livre, educação e
atividades recreativas. (REIS, 2015, p. 83)
Da mesma maneira, os níveis de escolarização dos pais constituem fatores
relevantes do trabalho infantil, uma vez que famílias com níveis baixos de
escolarização possuem maiores dificuldades para deduzir as consequências
resultantes do trabalho infantil, logo, quanto menor a escolarização dos pais, maior a
inserção precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho (CUSTÓDIO,
VERONESE, 2007)
O baixo rendimento escolar também pode agravar a introdução de crianças e
adolescentes no mercado de trabalho, em razão da escassez de alternativas ou,
ainda, face a incapacidade escolar de satisfazer as expectativas das famílias. Dessa
forma, a dificuldade no aprendizado se associa ao fato de grande parte das famílias
apenas ter condições de enviar seus filhos para a escola por poucos anos.
(CUSTÓDIO, VERONESE, 2007)
Muitas crianças e adolescentes não podem ir à escola porque necessitam
trabalhar; outros deixam de frequentar a escola pela falta de recursos econômicos
para o custeio do material mínimo necessário; outros revezam o trabalho com a
escola, o que geralmente ocasiona resultados muito precários, havendo, ainda,
certos casos de resistência da própria família quanto à frequência escolar.
(CUSTÓDIO, VERONESE, 2007)
A reprodução intergeracional das atividades desempenhadas pelos pais
também incide como causa da exploração da mão de obra infantil, uma vez que “no
Brasil, a maior parte da população empobrecida sempre começou a trabalhar muito
cedo”. (CUSTÓDIO, 2009)
Em contrapartida, as consequências econômicas oriundas da exploração do
trabalho infantil são evidentes na medida em que se materializam tanto nas relações
de trabalho que se desenvolvem, quanto nas condições de renda de suas famílias.
(LEME, 2012)
A qualidade no desempenho escolar do ser em peculiar condição de
desenvolvimento também é atingida em razão da exploração da mão de obra infantil,
o que acarreta a retirada precoce da escola, a fim de mantê-los no trabalho. (LEME,
2012)
As consequências educacionais envolvem a dificuldade de acesso à escola,
geralmente em razão das longas jornadas, a dificuldade de permanência,
infrequência, evasão escolar, gerando a reprodução da exclusão
educacional, já que tais consequências impedem qualquer possibilidade de
emancipação. (CUSTÓDIO, 2009, p. 95-96)
Por outro lado, “as crianças que repetem de ano ou não se comportam bem
na escola, a opção de trabalhar em qualquer trabalho é que emerge na família com
maior facilidade.” (GRUSPUN, 2000, p. 23)
Ademais, as consequências de caráter político e sociocultural também
resultam da exploração do trabalho infantil, pois acarretam impactos exercício da
cidadania e na participação política das crianças e adolescentes, impedindo-os de
desenvolver a capacidade de mobilização social, impactando-os no acesso às
políticas públicas e no exercício de direitos. (LEME, 2012)
Ao investigar as consequências relativas à saúde decorrentes da exploração
do trabalho infantil, essas devem ser consideradas tanto de acordo com o ambiente
em que o trabalho infantil é realizado, quanto sobre o aspecto das atividades que
são exercidas. Assim, no caso da agricultura familiar, o trabalho infantil acarreta
consequências que comprometem o desenvolvimento físico, psicológico, produzindo
riscos específicos em atividades desenvolvidas na área rural (LEME, 2012)

Frequentemente, as crianças e adolescentes ficam em contato com


substâncias químicas, objetos perigosos, além das longas jornadas, do
trabalho noturno, da penosidade que provocam fadiga, envelhecimento
precoce e inúmeras doenças que podem comprometer toda a sua vida.
(CUSTÓDIO, 2009, p. 100)

A capacidade de resistência da criança e do adolescente é limitada quando


comparada às condições de trabalho adultas. Tal circunstância acarreta um nível
excessivo de cansaço quando os mesmos esforços e ritmo dos adultos são exigidos
da criança ou do adolescente, promovendo o seu envelhecimento prematuro, pois
há vasta possibilidade de que venham a sofrer fadiga intensa muito mais cedo que
um adulto. (MENDELIEVICH, 1980)
Efeitos decorrentes do cansaço, do esforço, da falta de higiene e de todas as
adversidades que são obrigados a se sujeitar, provocam vários prejuízos ao
desenvolvimento físico do infante. Dessa forma, sequelas crônicas de difícil
tratamento, como problemas pulmonares e cutâneos, derivam do calor excessivo e
do contato com permanente com outras pessoas. (MENDELIEVICH, 1980)
O trabalho infantil gera sérias consequências à saúde, especialmente quando
as crianças e os adolescentes trabalhadores ficam expostos à periculosidade, à
insalubridade, às doenças e aos acidentes de trabalho, gerando impactos no seu
desenvolvimento físico, psíquico e cognitivo. (LEME, 2012)
Dentre as consequências relativas à saúde, destacam-se, da mesma forma,
os riscos decorrentes da exposição solar, habitualmente solicitada no trabalho
infantil na agricultura familiar, bem ainda o contato com agentes biológicos, no caso
do trabalho no cuidado de animais.
Ademais, o trabalho precoce atua como determinante de um desenvolvimento
psicológico deturpado pela construção de uma autoimagem negativa e as
dificuldades impostas por esse fenômeno confirmam a percepção negativa do
indivíduo de si mesmo. (LIMA, 2000)
As responsabilidades decorrentes da exploração do trabalho infantil
acarretam o amadurecimento precoce, uma vez que não sendo satisfeitas as
necessidades relativas à infância surgem alterações no equilíbrio psicológico na fase
adulta, desencadeado pela perda dos aspectos lúdicos, que são indispensáveis para
o desenvolvimento de uma infância saudável e equilibrada. (CUSTÓDIO, 2009)
A liberdade, a espontaneidade e a ausência de controle rígido estimulam o
desenvolvimento saudável da criança e do adolescente. Por sua vez, em face da
criança vítima da exploração do trabalho infantil, ocorre o bloqueio dos seus
impulsos naturais, já que se auto-reconhece como um trabalhador, causando
prejuízos à sua própria identidade infantil. (MENDELIEVICH, 1980)
A prática de atividades repetitivas, o processo de produção e as atividades
requeridas interferem, portanto, em um aspecto extremamente importante na
psicologia infantil, qual seja, a fantasia, a qual vai desaparecendo da vida mental da
criança, ocasionando no empobrecimento do seu mundo psíquico. (CUSTÓDIO,
2002)
Uma vez expostos de forma precoce ao ambiente de trabalho, as crianças e
adolescentes são obrigados a considerar às exigências intrínsecas ao mesmo,
passando a se auto reconhecer como errados, incapazes e indignos, construindo,
então, uma autoimagem onde predomina o seu desvalor. (LIMA, 2000)
Dessa forma, o desenvolvimento físico, psíquico e biológico da criança e do
adolescente, os quais determinam várias disposições que serão necessárias para o
pleno exercício das potencialidades na vida adulta é profundamente comprometido
pela exploração do trabalho infantil. (CUSTÓDIO, 2002)
Portanto, ao retirar das crianças e dos adolescentes o direito de usufruir de
uma infância digna e saudável, adequada a sua peculiar condição de pessoas em
desenvolvimento, o trabalho infantil, determinado por inúmeras causas, muitas vezes
relacionadas à situação econômica, acarreta diversas consequências à educação, à
saúde, ao caráter político e sociocultural e ao desenvolvimento psíquico do ser
criança e adolescente.

4 CONCLUSÃO

O presente estudo orientou-se no sentido de demonstrar que o trabalho


infantil constitui fenômeno complexo e multifacetado, uma vez que motivado por
diversas causas. Em contrapartida, destacou que os malefícios causados ao
desenvolvimento físico, psíquico e social dos infantes que a ele estão submetidos
são evidentes.
No que concerne à legislação de proteção contra a exploração do trabalho
infantil, destacaram-se as Convenções n. 138 e n. 182 da Organização do Trabalho,
que disciplinam a respeito dos limites de idade para o trabalho no âmbito
internacional e constituem instrumentos de prevenção e erradicação do trabalho
infantil.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, ao introduzir a teoria da proteção
integral no ordenamento jurídico brasileiro e reconhecer as crianças e adolescentes
como sujeitos de direitos em face da peculiar condição de pessoas em
desenvolvimento e positivando o princípio da prioridade da absoluta no artigo 227,
possui papel de destaque contra a exploração do trabalho infantil.
Em seu artigo 7º, inciso XXXIII, a Constituição Federal estabeleceu a idade
mínima para o trabalho, vedando qualquer forma de trabalho àqueles com idade
inferior aos dezesseis anos, exceto na condição de aprendiz, a partir dos quatorze
anos de idade. O texto constitucional ainda proíbe o trabalho noturno, insalubre ou
perigoso aos adolescentes com idade entre dezesseis e dezoito anos.
Da mesma forma, a proteção contra a exploração do trabalho infantil se
estende ao Estatuto da Criança e do Adolescente e a Consolidação das Leis de
Trabalho, uma vez que estes restringem a realização do trabalho infantil em locais
prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e aqueles
realizados nos horários e locais que não permitam a frequência na escolar do ser
criança e adolescente.
Por outro lado, apesar das disposições constitucionais e dos demais
instrumentos normativos que proíbem a exploração do trabalho infantil, o mesmo
continua sendo uma realidade, atingindo os campos educacional, econômico, social,
físico e psicológico do ser em peculiar condição de desenvolvimento.
Dito isso, em resposta ao problema, as causas da exploração da mão de obra
infantil são inúmeras, sendo evidente que uma das principais causas da exploração
do trabalho infantil é a condição de pobreza que atinge parcela significativa da
população, porém essa não é a única, na medida em que diversos outros fatores
incidem nesse contexto.
A reprodução cultural constitui fator importante na manutenção do trabalho
infantil, uma vez que reproduz mitos como, “é melhor trabalhar do que roubar”, “o
trabalho da criança ajuda a família”, “trabalhar não faz mal a ninguém” e “é melhor
trabalhar do que ficar nas ruas”, os quais derivam de uma cultura que aceita o
trabalho infantil, mostrando necessário, portanto, a superação destes.
Além disso, o baixo rendimento escolar e a reprodução intergeracional
também figuram como fatores determinantes da exploração do trabalho infantil,
agravando a introdução de crianças e adolescentes no mercado de trabalho, que
razão da falta de alternativas, veem-se obrigados a abdicar de parcela significativa
da infância.
Finalmente, as consequências que derivam da exploração da mão de obra
infantil são nefastas, pois atingem o campo educacional, uma vez que dele resulta o
baixo rendimento escolar e a consequente evasão escolar precoce; o campo da
saúde, já que fere a integridade física e psicológica do ser em peculiar condição de
desenvolvimento; o campo econômico, pois ocasiona a substituição da mão de obra
adulta, provocando o aumento do desemprego adulto e reproduzindo o ciclo de
pobreza; o campo político e sociocultural, acarretando impactos no exercício da
cidadania e na participação política das crianças e adolescentes e, ainda, o campo
social, dado que a fantasia das crianças e adolescentes expostos ao trabalho infantil
é atingida, resultando no empobrecimento do seu mundo psíquico, na perda dos
aspectos lúdicos e, ainda, na dificuldade nas relações sociais, o que prejudica no
estabelecimento de vínculos com outras crianças.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das
Leis de Trabalho. Brasília, DF: 1943.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e


do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
16.07.1990 e retificado em 27.09.1990.

_________, VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho Infantil: a negação do ser


criança e adolescente no Brasil. Florianópolis. Ed. OAB/SC, 2007.

_________, Direito da criança e do adolescente. Criciúma, SC: UNESC, 2009.

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