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SLACK, Jennifer Daryl. The theory and method of articulation in cultural studies.

In: MORLEY,
David & CHEN, Kuan-Hsing. Stuart Hall, Critical Dialogues in Cultural Studies. London: Routle-
dge, 1996.

Capítulo 5
A teoria e o método de articulação nos estudos
culturais
Jennifer Daryl Slack

ARTICULAÇÃO ENQUANTO TEORIA E MÉTODO

O conceito de articulação talvez seja um dos mais produtivos nos estudos culturais con-
temporâneos. Para a compreensão de como os teóricos culturais conceituam o mundo é
essencial analisá-lo e participar na sua moldagem. Para alguns, a articulação atingiu o
status de teoria, enquanto n“a teoria de articulação”. Teoricamente, a articulação pode
ser compreendida enquanto forma de caracterizar uma formação social sem cair na ar-
madilha das semelhanças do reducionismo e essencialismo. Pode ser vista como trans-
formadora dos “estudos culturais a partir de um modelo de comunicação (produção-
texto-consumo; codificação-decodificação) a uma teoria dos contextos” (Grossberg,
1993: 4). Mas a articulação pode também ser pensada em termos de método usado na
análise cultural. Por um lado, a articulação sugere um arcabouço metodológico de com-
preensão do que faz o estudo cultural. Por outro lado, fornece estratégias para realizar
um estudo cultural, uma forma de “contextualizar” o objeto da análise.
Entretanto, a articulação trabalha em níveis adicionais: nos níveis do epistemo-
lógico, do político e do estratégico. Epistemologicamente, a articulação é uma forma de
pensar as estruturas do que conhecemos como jogo de correspondências, não-
correspondências e contradições, enquanto fragmentos da constituição do que tomamos
como unidades. Politicamente, a articulação é uma forma de colocar em primeiro plano
a estrutura e o jogo de poder que se impõem nas relações de dominação e subordinação.
Estrategicamente, a articulação fornece um mecanismo de moldagem da intervenção em
determinada formação, conjuntura ou contexto social.
A articulação pode parecer enganosamente como um conceito simples — especial-
mente quando um nível ou aspecto de seu trabalho é tomado isoladamente. Por exemplo,
parece manejável quando limitamos o tratamento que damos à articulação a seu funciona-
mento enquanto ora (ou a) teoria ora método dos estudos culturais. Mas quando a teoria e o
método são compreendidos — como o têm sido nos estudos culturais — enquanto desenvol-
vedores em relação à mudança das posições epistemológicas e das condições políticas bem
como enquanto propiciadores de uma intervenção estratégica, p. 113 torna-se impossível
chegar à análise de uma teoria nitidamente embalada ou um método claramente delineado.
Parece que chegou a hora de insistir no assunto, precisamente porque a popula-
ridade e institucionalização dos estudos culturais têm sido acompanhadas por um inte-
resse cada vez mais largo em se descobrir — e com freqüência descobrir com rapidez
— como “fazer” um estudo cultural e o que significa ser teórico cultural. Há o risco de
ter-se tornado um tanto fácil separar a articulação enquanto a teoria ou método dos es-
tudos culturais, isolá-la enquanto possuidora de propriedades formais eminentemente
transferíveis. Tal tem tomado a forma de especialistas interessados em utilizar a articu-
lação a serviço de pesquisa cujos compromissos teóricos, metodológicos, epistemológi-
cos, políticos e estratégicos são drasticamente distintos daqueles dos teóricos culturais.
Embora as fronteiras dos estudos culturais certamente sejam indistintas e inconstantes,
por vezes de fato são inquestionavelmente cruzadas.
Em conseqüência disso, está na ordem do dia um certo cuidado no uso das de-
signações teoria e método. Por mais proveitoso que seja pensar a articulação em termos
de valências teórico-metodológicas, fazê-lo é assumir o risco de a teoria e o método
serem tomados muito formalmente. Stuart Hall reconheceu isso em 1980 quando admi-
tiu que a “articulação contém o perigo de um alto formalismo” (Hall, 1980a: 69). Ape-
sar de ele escrever isso no pico do momento estruturalista althusseriano dos estudos
culturais, quando era suprema a ameaça do formalismo, ainda hoje precisamos ficar
atentos — mesmo que por razões ligeiramente diferentes.
“Teoria” é um termo que com freqüência tem a conotação de uma ferramenta
formal, objetiva, ou mesmo de um dispositivo heurístico “imparcial”. Os estudos cultu-
rais evitam em pensar em termos da “aplicação” da teoria neste sentido, onde a teoria é
usada para “tirar você de dificuldades, dando respostas que já são conhecidas ou estão
eternamente protelando qualquer resposta a questões num campo de infindáveis refle-
xões e reflexividade” (Grossberg, 1992: 19). No lugar dessa concepção de teoria, traba-
lham os estudos culturais com a noção de teoria enquanto “desvio” que sirva de ajuda
para fundamentar o nosso engajamento com o que recentemente nos confronte e permita
que esse engajamento forneça o fundamento para uma nova teorização. Desse modo é a
teoria uma prática em duplo sentido: é tanto uma ferramenta conceitual formal quanto o
“praticar” ou “tentar” uma forma de teorização. Ao reunirmos esses dois sentidos de
prática, empenhamo-nos em trabalhar com teorias momentânea e temporariamente “ob-
jetificadas”, momentos de “fechamento arbitrário”, reconhecendo que na análise contí-
nua do concreto, a teoria precisa ser contestada e revisada. “A única teoria merecedora”,
sustenta Hall, “é aquela pela qual se tem de lutar, e não aquela sobre a qual se fala com
profunda fluência” (Hall, 1992: 280). A teorização bem sucedida não é medida pelo
exato ajuste teórico mas pela sua capacidade de trabalhar com as nossas teorias sempre
inadequadas para nos ajudar a ir um pouco adiante na nossa estrada”. Um comprometi-
mento com “o processo de teorização” é característica do projeto dos estudos culturais;
é “a marca de um corpo vivo p. 114 de pensamento, capaz de ainda engajar e compre-
ender um pouco da verdade sobre as novas realidades históricas” (Hall, 1983: 84).
“Método” de modo semelhante pode sugerir rígidos gabaritos ou técnicas práti-
cas de orquestração da pesquisa. Mas novamente os estudos culturais trabalham com
uma concepção de método enquanto “prática”, o que sugere tanto técnicas a serem usa-
das como fontes quanto a atividade de praticar ou “tentar”. Neste sentido duplo empres-
ta-se e combina-se, trabalha-se com e através, e retrabalha-se as técnicas. Novamente o
empenho é sempre o de sermos capazes de adaptar os nossos métodos enquanto as no-
vas realidades históricas em que nos engajamos seguem seu caminho.
Pensar na teoria e no método de articulação enquanto prática também realça um
importante aspecto político dos estudos culturais: o reconhecimento de que o trabalho
dos estudos culturais envolve numa variedade de níveis uma política que se situa —
num sentido geral — no arcabouço marxista. Com e através da articulação, engajamo-
nos ao concreto para mudá-lo, isto é, para rearticulá-lo. Compreendendo-se a teoria e o
método dessa maneira altera-se a perspectiva da aquisição ou aplicação de uma episte-
mologia ao processo criativo de articular, de pensar as relações e conexões da forma
como passamos a conhecê-la e de como criar o que conhecemos. Articulação então não
é apenas uma coisa (não apenas uma conexão) mas um processo de criar conexões, as-
sim como a hegemonia não é dominação mas o processo de criação e manutenção de
consenso ou de coordenação de interesses.
Trabalhar com essa compreensão de teoria e método no inquirir o papel da arti-
culação nos estudos culturais requer que se tenha em mente dois critérios gerais. Primei-
ro, que a articulação não “nasceu” completa nem em qualquer momento atingiu tal sta-
tus. Jamais foi, nem deve ser, delineada nem usada como teoria ou método completa-
mente “remendado”. Mais propriamente, é um fenômeno complexo, inacabado que sur-
giu e continua surgindo genealogicamente. Segundo, que a articulação jamais foi confi-
gurada como simplesmente uma coisa só. As formas pelas quais a articulação foi desen-
volvida, discutida e usada tendem a dar mais ou menos importância a certas forças, inte-
resses e questões teóricas, metodológicas, epistemológicas, políticas e estratégicas. En-
quanto teoria e método, a articulação tem se desenvolvido de modo desigual numa con-
figuração variável dessas forças. Carrega consigo “características” dessas forças nas
quais tem se constituído e as quais constitui. Compreender o papel da articulação nos
estudos culturais é, portanto, delinear esse jogo de forças, em outras palavras, rastrear
seu desenvolvimento genealogicamente.
O meu projeto então é um início; sem dúvida não é genealogia, mas uma tentati-
va de delinear algumas das forças e momentos particularmente profundos que contribu-
am para uma compreensão genealógica da articulação.

p. 115 
ARTICULAÇÃO É ...: UM MOMENTO DE FECHAMENTO
ARBITRÁRIO

A fim de chegarmos a alguns princípios compartilhados, apresento aqui algumas defini-


ções, proveitosos momentos de “fechamento arbitrário”. Articulação é

a forma da conexão que forme uma unidade a partir de dois dife-


rentes elementos, em certas condições. É o elo que não é neces-
sário, determinado, absoluto nem essencial todo o tempo. Preci-
sa-se perguntar em que circunstâncias pode ser forjada ou feita
uma conexão. A assim chamada “unidade” de um discurso é re-
almente a articulação de elementos diferentes, distintos que po-
dem ser rearticulados de diferentes formas por não terem qual-
quer necessária “pertença”. A “unidade” que interessa é um elo
entre o discurso articulado e as forças sociais com os quais pode,
em certas condições históricas, mas não precisa necessariamen-
te, estar conectado.
(Hall, 1985b: 53)

Articulação é a produção da identidade em cima das diferenças,


de unidades a partir de fragmentos, de estruturas atravessando
práticas. Articulação faz o elo entre essa prática e aquele efeito,
esse texto e aquele significado, esse significado e aquela reali-
dade, essa experiência e aquelas políticas. E estes próprios elos
são articulados em estruturas mais amplas, etc.
(Grossberg, 1992; 54)

A unidade formada por essa combinação ou articulação é sem-


pre, necessariamente, uma “estrutura complexa”: uma estrutura
em que as coisas estão relacionadas entre si, tanto pelas suas di-
ferenças quanto as suas semelhanças. Isto requer que sejam
mostrados os mecanismos que conectam características dissimi-
lares — uma vez que nenhuma “necessária correspondência”
nem expressiva homologia possam ser assumidas como dadas.
Significa também — por ser a combinação uma estrutura (uma
combinação articulada) e não uma associação aleatória — que
haverá entre suas partes relações estruturadas, i.e., relações de
dominação e subordinação.
(Hall, 1980d: 325)

Articulação é uma “palavra antiga”, anterior aos estudos culturais em diversos séculos.
Tem tido uma variedade de significados dentais, médicos, biológicos e enunciativos.
Mas em cada caso, a palavra sugere algum tipo de reunião de partes para formar uma
unidade. Até a articulação de sons ou elocuções sugere a “ligação” de caracteres (Ox-
ford English Dictionary, 1971: 118). É interessante observar que “articulação” não apa-
rece nas Keywords de Raymond Williams (Williams, 1976); um termo que não existia
no léxico do “culturalismo” (veja o significado de “culturalismo” em Hall, 1980a). É,
contudo, nos anos 1970 que a articulação começa a ser explicitamente teorizada. Isto
ocorre quando o problema do reducionismo no marxismo (e o problema relacionado
p. 116 do essencialismo) torna-se saliente, e suprema a questão de como são unidos os
elementos do campo social para formarem unidades de uma maneira não-reducionista.
Nos anos 1970, os teóricos culturais estavam explicitamente engajados em críti-
cas do marxismo “clássico” ou “ortodoxo” e a sua dependência de duas formas relacio-
nadas de reducionismo: o reducionismo econômico, que conta com uma leitura limitada
da noção de Marx quanto à relação entre base e superestrutura; e o reducionismo de
classe, que conta com uma leitura limitada da noção de Marx quanto à classe. Resumi-
damente, o reducionismo econômico sustenta que as relações econômicas, tidas como
um modo virtualmente estático de produção (a base) controla e produz (determina) tudo
mais na sociedade (a superestrutura). [sic] Por esta razão, cada elemento da sociedade
(inclusive as mudanças ocorridas nesses elementos) pode ser reduzido (explicado por)
às operações do correspondente modo de produção — e às operações em si. O reducio-
nismo de classe sustenta que todas as práticas, contradições, etc., político-ideológicas,
em suma tudo que possa ser concebido como outro que não econômico, têm uma neces-
sária propriedade de classe que é definida pelo modo de produção. Conseqüentemente, o
discurso de uma classe e a existência da própria classe correspondente constituem um
reflexo direto do, ou um necessário momento no desenrolar do econômico. (Veja as
discussões sobre o reducionismo especialmente em Hall, 1977; 1980d; Laclau, 1977;
Williams, 1973.)
O “culturalismo”, o termo que Hall usava para descrever o que fora o antigo pa-
radigma dominante nos estudos culturais, lutava contra a redução ao econômico em par-
te atentando à especificidade de determinadas práticas (Hall, 1980a). Mas o culturalis-
mo carecia, como expressava Hall, de “um adequado modo de estabelecimento teórico
dessa especificidade” (69). Com freqüência a tendência era de recair em versões da re-
dução do modo de produção ou de classe. The uses of literacy de Hoggart, por exemplo,
frustradamente conclui atribuindo essencialmente ao capitalismo as mudanças de cultu-
ra das classes trabalhadoras inglesas depois da guerra, através da imposição da cultura
de massa. (Hoggart, 1958).
A colocação do reducionismo como problema teve diversas origens relacionadas
entre si. O mais notório é que a teorização marxista desenvolveu sua própria crítica “in-
terna” ao reducionismo por oferecer explicações inadequadas quanto aos mecanismos
de dominação e subordinação no capitalismo tardio. A redução ao modo de produção
não dava conta do modelo de uma formação social se esta fosse compreendida como
uma composição de relações entre diversos modos de produção (Hall, 1980d). Não dava
conta das evidentes disparidades entre as condições de vida, como se vivenciava tais
condições, e o que se acreditava sobre as mesmas. Não dava conta da cultura não-
revolucionária da classe trabalhadora. E por fim, não dava conta da forma como fatores
outros que de classe (gênero, raça e subcultura, por exemplo) inseriam-se no que pareci-
am ser relações muito mais complexas de dominação e subordinação.
p. 117 
A luta para substituir a redução que não funcionou com ... algo ... apontava para
a necessidade de reteorizar os processos de determinação. O trabalho de teóricos cultu-
rais dos anos 1970 e início dos 1980, especialmente o de Stuart Hall, abriu esse espaço,
chamando atenção para o que não é explicado pelas concepções reducionistas. É como
se fosse desenvolvida uma lacuna teórica, um espaço lutando para ser preenchido. É
preenchido com termos como “matriz produtiva” e “combinação de relações” (Hall,
1977), e eventualmente “articulação”. A princípio, o termo é quase o que Kuan-Hsing
Chen chamou de “sinal para evitar a redução” (Chen, 1994). Sem ter teorizado exata-
mente o que é e como funciona a articulação, torna-se o sinal que indica outras possibi-
lidades, de outras formas de teorizar os elementos de uma formação social e as relações
que a constituem não simplesmente enquanto relações de correspondência (isto é, en-
quanto reducionistas e essencialistas) mas também enquanto relações de não-
correspondência e contradição, e como tais relações constituem unidades que instanci-
am relações de dominação e subordinação. Esse processo de acomodar o espaço para ser
terreno de teorização explica até certo ponto as dificuldades e a resistência — que per-
sistem — que apontam para o que exatamente é articulação. O caso é que ela não é exa-
tamente nada.
Ao teorizarem este espaço, vários teóricos marxistas atraídos: mais notoriamente
Althusser (que se aproximou de Gramsci e Marx), Gramsci (que se aproximou de Marx)
e, é claro, Marx. Seus principais arquitetos foram Laclau e Hall. Sem pretenderem se des-
viar a discussão, é importante indicar de modo geral pelo menos o que há de semelhante
em Althusser, Gramsci e Marx no desenvolvimento das concepções da articulação. Em
suma, em Althusser, figura imensamente a concepção de uma totalidade complexa estru-
turada na dominação. A totalidade é concebida como algo composto por uma relação en-
tre níveis, constituída de relações de correspondência bem como contradições, e não rela-
ções reduzíveis a uma simples correspondência direta. Esses níveis passam a ser pensados
enquanto “articulados”. Um desses níveis, o ideológico, adquire significação especial uma
vez que nele e através dele tais relações são representadas, produzidas e reproduzidas. O
processo vem a ser pensado em termos de processo de articulação e rearticulação (veja
Hall, 1980d, 1985). Em Gramsci, as noções de hegemonia, articulação e ideologia, en-
quanto senso comum, têm sido influentes, através de sua apropriação de Althusser bem
como de forma independente. A hegemonia, para Gramsci, é um processo pelo qual a
classe hegemônica articula (ou coordena) os interesses de grupos sociais de forma que tais
grupos ativamente “consintam” o seu status de subordinados. O veículo dessa subordina-
ção, seu “cimento”, por assim dizer, é a ideologia, que é concebida como articulação de
elementos díspares, isto é, o senso comum, e a noção mais coerente de “filosofia superior”.
Gramsci oferece uma forma de compreender a hegemonia enquanto luta para construção
(articulação e rearticulação) do senso comum a partir de uma reunião de interesses, crenças
e prática. O processo de p. 118 hegemonia enquanto luta ideológica é usado para chamar a
atenção para as relações de dominação e subordinação sempre impostas pela articulação
(veja Mouffe, 1979). De Marx retira-se a concepção de uma formação social enquanto
combinação de relações ou níveis de abstração, no qual a determinação precisa ser com-
preendida mais como produção em determinadas conjunturas de níveis do que uma pro-
dução uniforme e direta do modo de produção. As conjunturas passam a ser vistas como
articulações historicamente específicas de forças sociais concretas (veja Hall, 1977).
UMA TEORIA EXPLÍCITA DE ARTICULAÇÃO: A
CONTRIBUIÇÃO DE ERNESTO LACLAU

Ernesto Laclau configura esses elementos — e outros — de uma forma especialmente


eficaz em Politics and ideology in Marxist theory (Laclau, 1977). Sua obra atrai especi-
al atenção pelo menos por quatro razões. Primeiro, é dele a tentativa inicial de formular
uma explícita “teoria da articulação”. Segundo, a obra de Hall sobre articulação toma a
posição de Laclau enquanto principal contribuição para as bases teóricas sobre e a partir
das quais haja o engajamento com o concreto e a reteorização. Terceiro, a reconstituição
da problemática no modo discursivo feita por Laclau, colocando em primeiro plano o
papel da ideologia, figura significativamente numa variedade de direções (repletas de
problemas e possibilidades) adotadas pela articulação após a intervenção de Laclau.
Quarto, a relativa ausência de Laclau nas “histórias” dos estudos culturais sugere recon-
figurações um tanto perturbadoras (posso agora com segurança dizer rearticulações?)
das características da articulação colocados em primeiro e segundo plano.
Em Politics and ideology in Marxist theory, Laclau empenha-se no jogo da teo-
rização do concreto em termos da articulação e da teorização da articulação em termos
do concreto, especialmente em termos da política latino-americana. O reducionismo, ele
argumenta, especialmente o reducionismo de classe, falhou — tanto teórica quanto poli-
ticamente. O movimento comunista mundial foi dividido, a Guerra Fria, torcia-se para
baixo, as massas emergiam em escala mundial, e o capitalismo, mesmo estando em de-
clínio, provava ter alta capacidade de adaptação. Laclau parte para a formalização das
categorias marxistas que contribuam para um novo movimento socialista, aquele em que
o “proletariado abandone qualquer perspectiva estreita de classe e apresente-se como
força hegemônica para as grandes massas buscando uma reorientação política radical na
época do declínio mundial do capitalismo” (12).
Laclau desenvolve sua teoria da articulação numa contestação ao reducionismo
de classe. A falha de tal reducionismo, argumenta, reside na sua falha em responder pela
existência de verdadeiras variações no discurso das classes. Simplificando, nem todo
mundo acredita no que se supõe que deva acreditar, nem age como se supõe que deva
agir, independente da classe social a que pertença. Laclau rejeita as explicações de que
tais aberrações sejam acidentes ou indicativo de um modo de produção ainda subdesen-
volvido p. 119 (11-12) e defende em vez disso uma substituição da simples determina-
ção pelo econômico através dum conceito de articulação.
Laclau faz um elo entre essa análise racional política e uma análise epistemoló-
gica e traduz a sua própria genealogia da articulação. Argumenta que o conceito de arti-
culação está incrustado na tradição filosófica ocidental mas requer ser redesenhado.
Usando o exemplo da alegoria da caverna de Platão, em que os prisioneiros de uma ca-
verna equivocadamente ligam as vozes que ouvem com as sombras na parede, Laclau
explica que

O discurso do senso comum, doxa, é apresentado como sistema


de articulações enganosas no qual os conceitos não aparecem li-
gados por relações lógicas inerentes, mas são reunidas simples-
mente por elos conotativos ou evocativos estabelecidos pelos
costumes e opiniões. (7)
Articulações são assim “elos entre conceitos” (7), e a meta de Platão é desarticu-
lar esses elos (enganosos) e rearticular seus verdadeiros (ou necessários). Neste ponto
então está a articulação ligada e definida pelo paradigma racionalista.
Laclau retifica o que considera esse movimento filosófico ocidental através da
insistência de que (a) não há qualquer necessária ligação entre os conceitos, um movi-
mento que traduz todos os elos essencialmente como conotativos, e que (b) os conceitos
não necessariamente têm ligação com os demais, um movimento que impossibilita se
construir a totalidade de um sistema que tenha começado com um conceito, como se
podia fazer no sistema hegeliano (10). Conseqüentemente, a análise de qualquer situa-
ção ou fenômeno concreto requer a exploração de elos complexos e múltiplos e teori-
camente abstratos e não necessários.
No seu argumento mais influente, no capítulo “Towards a theory of populism”,
Laclau teoriza a articulação em relação à prática política trazendo à tona o processo pelo
qual uma classe dominante exerce hegemonia. Embora, segundo Laclau, nenhum dis-
curso tenha conotação essencialmente de classe, as significações internas do discurso
sempre estão conotativamente ligadas a diferentes interesses ou caracteres de classe.
Assim o discurso sobre nacionalismo, por exemplo, pode estar ligado a um projeto feu-
dal de manutenção da hierarquia e ordem tradicionais; ou pode estar ligado a um projeto
comunista acusando os capitalistas de estarem traindo a causa nacional; ou pode estar
ligado a um projeto burguês que apela à unidade a fim de neutralizar o conflito de clas-
ses, etc. (160). Em qualquer caso, a classe que se torne dominante é aquela capaz de
articular contradições que não de classe em seu próprio discurso e conseqüentemente
absorver os conteúdos do discurso das classes dominadas (162). O elo entre articulação
e o conceito de hegemonia é dessa forma explicitado. Laclau escreve que

Uma classe é hegemônica não tanto na medida em que seja ca-


paz de impor ao restante da sociedade uma concepção uniforme
de mundo, mas na medida em que consiga articular diferentes
visões de mundo de tal forma que seja neutralizado o seu poten-
cial antagonismo. (161)
p. 120 
Conseqüentemente, no conceito de articulação, Laclau traz à tona uma idéia não-
reducionista de classe, a declaração da correspondência não necessária entre as práticas
e os elementos da ideologia, a crítica do senso comum enquanto estruturas ideológicas
contraditórias, e um comprometimento em analisar a hegemonia enquanto processo de
articulação de práticas no discurso.
A articulação, assim articulada, abriu uma possibilidade para que os teóricos cul-
turais, mesmo que compelidos, repensassem o problema da determinação. Mas ao teori-
zar o espaço realçando o papel do discursivo no processo de articulação, Laclau coloca
em primeiro plano uma posição teórica que tem um efeito interessante — até irônico —
de colocar algo em segundo plano exatamente na política que desempenhava um papel
tão crucial na obra de Laclau. Como coloca Hall, o que “interessa” na formulação de
Laclau é “os modos particulares pelos quais tais elementos [ideológicos] são reunidos
na lógica de diferentes discursos” (Hall, 1980c: 174). O efeito desse movimento, como
Hall o identifica operando na obra posterior de Laclau e Mouffe, Hegemony and Socia-
list Strategy (1985), é de

conceituar todas as práticas como nada além de discursos, e to-


dos os agentes históricos como subjetividades discursivamente
constituídas, falar sobre posicionalidades mas nunca posições, e
examinar apenas como os indivíduos concretos podem ser inter-
pelados em posicionalidades de diferentes sujeitos.
(Hall, 1986b: 56)
Se o que está em questão é a operação do discursivo, é fácil de deixar de lado qualquer
noção de que fora do discurso existe qualquer coisa. A luta é reduzida à luta no discurso,
onde “não há qualquer razão para qualquer coisa ser ou não ser potencialmente articulá-
vel com qualquer coisa” e torna-se a sociedade “um campo discursivo totalmente aberto”
(Hall, 1986b: 56).
A reviravolta de Laclau em relação à redução, que confere uma base de articula-
ção das relações no discurso confere também a base para a formulação de uma não-
correspondência radical entre os discursos e as práticas. De fato, a correspondência não
necessária de Laclau poderia ser e foi facilmente usada a serviço da “necessária não-
correspondência”. Laclau e Laclau e Mouffe certamente não pretendem deixar tudo para
a política, de fato alegar isso seria ultrajante, em especial pela sua explícita intenção de
desenvolver uma “política democrática radical”. Mas entre os efeitos de sua teorização,
é trazida à tona essa possibilidade. Portanto, ainda que a idéia de um “princípio articula-
dor” pareça destinada a persistir num mecanismo com o qual se assegure a atenção ao
modo das estruturas discursivas sempre serem articuladas para determinadas práticas de
classe (Laclau, 1977: 101-2, 160-1; Mouffe, 1979: 193-5), jamais é esclarecida a sua
operação e jamais é garantido seu status teórico.
Apesar da importância de suas formulações, Laclau foi excluído — assim como
Mouffe — da maioria das histórias populares dos estudos culturais, tais como as de
Brantlinger (1990), Inglis (1993), Storey (1993), p. 121 e Turner (1990). Talvez isto se
dê pela contribuição irônica de Laclau para a expulsão (ou rearticulação) do conceito de
articulação do concreto político — concebido no interior da problemática marxista —
esse era o enfoque do trabalho inicial. De fato o político é facilmente colocado em se-
gundo plano na atenção dada aos debates teóricos enfocados no jogo das possibilidades
discursivas.
Entretanto, a virada anti-reducionista nos estudos culturais, como aquela aqui
exemplificada por Laclau, efetivamente diminuiu a possibilidade de redução da cultura
à categoria de classe ou ao modo de produção e tornou possível e necessária a reteoriza-
ção de forças sociais como o gênero, raça e subcultura como forças existentes em rela-
ções complexas — articuladas — entre si e com a classe. (Sobre raça veja em Hall,
1980d e 1986a,; e sobre gênero e subcultura em McRobbie, 1981.) Além disso, quando
Laclau é lido sem se perder de vista o conjunto de forças, atribuindo-se a estas algo co-
mo pesos iguais, sem privilegiar o discursivo, o espaço da articulação tem possibilida-
des bem maiores.
Desde aproximadamente 1980, a proliferação destas possibilidades e a agitação
por elas provocada por certo contribuíram para o espantoso crescimento do interesse nos
estudos culturais. Eis uma forma de falar sobre o poder do discursivo e o seu papel na
cultura, nas comunicações, política, economia, gênero, raça, classe, etnicidade e tecno-
logia de forma que propiciasse às pessoas de mente progressista uma compreensão so-
fisticada bem como mecanismos de intervenção estratégica. Assim ao mesmo tempo em
que uma comunidade de estudos culturais em expansão começa a tentar esclarecer e
“amarrar” o significado de articulação, há uma correspondente expansão do número de
direções teoricamente possíveis nas quais ela começa a ser pensada.
A ARTICULAÇÃO ENQUANTO UNIDADE NA DIFERENÇA:
A VOZ DE STUART HALL

As contribuições de Stuart Hall para o desenvolvimento da articulação foram significa-


tivas pelo menos por quatro razões. Em primeiro lugar, ele resiste à tentação da redução
à classe, ao modo de produção, à estrutura, bem como à tendência do culturalismo de
reduzir a cultura à “experiência”. Em segundo lugar, aumenta a importância de articu-
lar-se o discurso a outras forças sociais, sem ir “além da beira” de transformar tudo em
discurso. Em terceiro lugar, o comprometimento de Hall com a natureza estratégica da
articulação tem colocado em primeiro plano os comprometimentos intervencionistas dos
estudos culturais. E em quarto lugar, o tratamento que Hall dá à articulação tem sido o
mais defendido e mais acessível. Sua vontade de se empenhar em tradições filosóficas e
políticas diferentes para teorizar a articulação tem significado uma grande difusão da
sua influência; e o modo nobre pelo qual se compromete com pessoas e argumentos é
um exemplo excepcional de articulação em funcionamento. p. 122 
Quando Hall “reina no discurso” ou “amansa a ideologia”, o faz ao insistir no
reconhecimento althusseriano de que nenhuma prática existe fora do discurso sem redu-
zir tudo mais a ele. Numa citação freqüentemente usada, alega que

Só porque todas as práticas estão na ideologia, ou são inscritas


pela ideologia, isto não quer dizer que todas as práticas sejam
nada além de ideologia. Há uma especificidade naquelas práti-
cas cujo objeto principal é o de produzir representações ideoló-
gicas. São distintas daquelas práticas que — significativa, inteli-
givelmente — produzem outras mercadorias. As pessoas que
trabalham na mídia produzem, reproduzem e transformam o
campo da representação ideológica em si. Elas estão numa rela-
ção com a ideologia em geral diferente das pessoas que produ-
zem e reproduzem o mundo das mercadorias materiais — que
são, não obstante, também inscritas pela ideologia.
(Hall, 1985: 103-4)

Ao insistir na especificidade das práticas em diferentes tipos de relações com o discurso,


Hall contesta o movimento que Laclau e outros pós-althusserianos têm seguido postu-
lando a autonomia absoluta, em vez da relativa, das práticas que é deduzida pela posição
de que todas as práticas são nada além de ideologia (Hall, 1980a: 68)
Hall puxa a articulação de volta da lógica extrema conduzida pela teoria da “ne-
cessária não-correspondência” (o que chamava de “excessos” da teoria) para insistir no
pensamento e teorização das práticas nas quais também são constituídas as unidades —
com freqüência relativamente estáveis. Para Hall, a articulação

tem a considerável vantagem de possibilitar que pensemos em


como práticas específicas articuladas em torno das contradições
que nem sempre surgem da mesma maneira, no mesmo ponto,
no mesmo momento podem, não obstante, ser pensadas juntas.
O paradigma estruturalista dessa forma de fato — quando ade-
quadamente desenvolvido — possibilita que realmente come-
cemos a conceituar a especificidade de diferentes práticas (ana-
liticamente distinguidas, abstraídas), sem perdermos de vista o
conjunto de forças que aquelas constituem. (Hall, 1980a: 69)
Pensar a articulação dessa forma se torna uma prática de pensar a “unidade e a diferen-
ça”, da “diferença na unidade complexa, sem se tornar refém do privilegio dado à dife-
rença como tal” (Hall, 1985: 93).
O modelo de intervenção estratégica de Hall então não está limitado ao tipo de
desconstrução derridiana conduzida pela teoria da diferença e a construção da possibili-
dade discursiva, mas a prática instruída pela teoria da rearticulação das relações entre as
forças sociais que constituem estruturas articuladas em conjunturas históricas específi-
cas. Ele sustenta que

O alvo de uma prática política instruída pela teoria precisa com


certeza ser o de efetuar ou construir a articulação entre as forças
sociais ou econômicas p. 123 e aquelas formas de política e
ideologia que as levem na prática a intervir na história de uma
forma progressista — uma articulação que tem de ser construída
através da prática precisamente porque não é garantida pela ma-
neira daquelas forças serem constituídas a princípio.
(Hall, 1985: 95)

Na prática, assim abriu-se a possibilidade de os teóricos culturais considerarem o papel


de uma variedade de outras forças sociais tanto na sua especificidade quanto no discur-
so, questionando as formas de serem complexamente articuladas em estruturas de domi-
nação e subordinação e considerarem as formas de elas poderem ser rearticuladas. (So-
bre o tecnológico, veja, por exemplo, Slack, 1989; sobre o ambiental, Slack e Whitt,
1992; sobre o afetivo, Grossberg, 1992.)

REARTICULANDO A COMUNICAÇÃO: MAPEANDO O


CONTEXTO

A prática de articulação de Stuart Hall pode ser rastreada através de qualquer dos diver-
sos locais de contestação, por exemplo, através de sua obra sobre raça (Hall 1980d;
1986a, por exemplo), etnicidade (Hall, 1991, por exemplo), o popular (Hall, 1980c;
1981, por exemplo) e assim por diante. O local do engajamento de Hall com o concreto
que escolhi para rastrear é a sua crítica à teoria da comunicação e os métodos usados para
estudar comunicações. Ele serve como ótimo exemplo por várias razões. Em primeiro
lugar, este engajamento com as práticas de comunicação demonstra a efetividade da re-
sistência a se pensar os elementos das estruturas articuladas como “potencialmente arti-
culáveis com qualquer coisa”. Em segundo lugar, nos Estados Unidos pelo menos o tra-
balho de Hall sobre comunicações tem sido particularmente influente e assim muitas pes-
soas — inclusive eu — passaram pela primeira vez a compreender os espaços teorizados
pela articulação. Em terceiro lugar, a articulação da forma como é desenvolvida em rela-
ção às comunicações chega quase a “parecer” uma teoria e método. Daí ser este local o
mais facilmente desarticulado da sua característica política, epistemológica e estratégica.
O estudo das comunicações foi construído sobre um modelo de emissor–
destinatário, cujos componentes são solidificados na definição de Laswell sobre comu-
nicações como “quem diz o que em que canal para quem com que efeito” (Laswell,
1971). Cada componente tem neste modelo a sua própria e distinta identidade intrínseca
(ou essencial). Nem os componentes nem o processo são articulações. Ao considerar-se
o processo de comunicação, busca-se compreender o mecanismo pelo qual é garantida a
correspondência entre os significados codificados (o o que) e os efeitos que o significa-
do gera.
Apesar de trabalhar com um modelo de transmissão ainda reconhecível, a “Codi-
ficação/decodificação” de Hall (Hall, 1980b) desafia a simples afirmação da identidade
intrínseca ao insistir que os componentes do processo (emissor, p. 124 recebedor, men-
sagem, significado, etc.) são eles próprios articulações, sem significados ou identidades
essenciais. Esse movimento força um repensar do processo de comunicação não como
correspondência mas como articulação. A tensão entre a confiança no modelo em voga
de codificação/decodificação e um modelo articulado do processo de comunicação é
palpável na “Codificação/decodificação” bem como na obra de David Morley (1980),
que usou o modelo articulado desenvolvimentista para analisar a relação entre significa-
dos codificados e decodificados das notícias televisivas; quanto a isso é que são particu-
larmente interessantes.
O que vem a ser entendido é que se cada componente ou momento do processo
de comunicação é por si só articulação, um momento relativamente autônomo, então
“nenhum momento singular pode inteiramente garantir o momento seguinte com o qual
esteja articulado” (Hall, 1980b: 129). A insistência de que a autonomia é apenas relativa
(traçando um elo com o estruturalismo althusseriano) salva a articulação à beira de uma
“necessária não-correspondência” e permite que Hall e Morley admitam que algumas
articulações — a forma discursiva da mensagem, por exemplo — trabalhem a partir de
posições mais privilegiadas — ou poderosas (Hall, 1980b; Morley, 1981).
Hall continua a desenvolver essa noção de poder e privilégio e, aproximando-se
de Gramsci, argumenta que algumas articulações são particularmente potentes, persis-
tentes e eficazes. Tais articulações constituem, para Hall, “linhas de força tendente” e
servem como poderosas barreiras ao potencial de rearticulação (Hall, 1986b: 53-4).
Quanto às práticas contemporâneas de comunicação, ele pinta instituições, práticas e
relações de comunicação como postulantes desse tipo de barreira. Tornaram-se uma
“força material” que domina o cultural (Hall, 1989: 43).
Essa maneira de teorizar a comunicação sugere uma direção metodológica e im-
plicações estratégicas. Questionar qualquer estrutura ou prática articulada requer um
exame de como as forças sociais, institucionais, técnicas, econômicas e políticas “relati-
vamente autônomas” são organizadas em unidades eficazes e relativamente empowering
ou disempowering. A especificidade do âmbito das comunicações, por exemplo, requer
que examinemos como tais forças,

num certo momento, produzem significados inteligíveis, ingres-


sam nos circuitos de cultura — o campo das práticas culturais —
que moldam as compreensões e concepções do mundo dos homens
e mulheres nas suas conjeturas sociais cotidianas, constroem-nas
como sujeitos sociais potenciais, e têm o efeito de organizar a ma-
neira de chegarem a ou formarem a consciência do mundo.
(Hall, 1989: 49)

Determinar quando, onde e como tais circuitos possam ser rearticulados é o alvo da prá-
tica política teoricamente instruída de um teórico cultural. O exame e a participação nas
comunicações — ou qualquer prática — p. 125 são assim um processo em andamento
de rearticulação dos contextos, isto é, de exame e intervenção no conjunto mutável de
forças (ou articulações) que criam e mantêm identidades com efeitos reais, concretos.
“A compreensão de uma prática envolve”, como coloca Grossberg, a (re)construção
teórica e histórica do seu contexto” (Grossberg, 1992: 55).
Visto dessa perspectiva, é isto que faz um estudo cultural: mapear o contexto —
não no sentido de situar determinado fenômeno num contexto, mas no mapear determi-
nado contexto, mapear a própria identidade que traz o contexto à tona (Slack, 1989; cf.
Grossberg, 1992: 55). É possível alegar que é isso que tenho feito ao longo de todo este
capítulo, por exemplo, ao explicar como para Laclau “o conceito de articulação ... traz à
tona uma visão não-reducionista de classe, a afirmação da não necessária correspondên-
cia”, etc. Não é como se o contexto de desenvolvimento da articulação fosse tais coisas.
Mais propriamente, a articulação dessas identidades (numa dupla articulação: enquanto
identidades articuladas bem como numa relação articulada e recíproca) é trazida à tona
no interior e através do conceito de articulação. De outra forma, o contexto não é algo
do lado de fora onde as práticas ocorrem ou influem no desenvolvimento das práticas.
Mais propriamente, as identidades, práticas e efeitos em geral constituem o próprio
contexto no qual eles são práticas, identidades e efeitos.

PROSSEGUINDO NA TEORIZAÇÃO

Há certamente mais para mapear uma genealogia da articulação do que o apresentado


nesta obra. Outras partes ou forças a serem articuladas poderiam incluir o delineamento
de elos mais explícitos à lingüística cultural (levantados por Hall, 1980d: 327) e o pós-
modernismo; colocar em primeiro plano o status do “real” em vez do problema da redu-
ção (como o faz Grossberg, 1992); considerar o papel de articulações específicas tais
como as de gênero, raça, etnicidade, neocolonialismo; colocar em primeiro plano as
políticas de institucionalização; e finalmente considerar a influência das intervenções
estratégicas praticadas entre as fileiras de profissionais liberais dos estudos culturais.
Podemos com certeza ter a expectativa de que diferentes concepções dos estudos
culturais e o desenvolvimento dos estudos culturais ao longo do tempo possam e de fato
expliquem em parte alterando as configurações da articulação. Minha preocupação é
que os estudos culturais sendo mais “domesticados”, isto é, tornando-se uma prática
acadêmica mais institucionalmente aceitável, o “problema” da articulação seja mais
delineado como teórico, metodológico e epistemológico do que político e estratégico.
Até certo ponto isto já está ocorrendo. Admitida a política predominante de desespero e
as realidades político-econômicas, já não é surpresa; embora seja desanimador. Minha
expectativa é que, no mínimo, chamando atenção para as maneiras da rearticulação im-
por as p. 126 relações entre a teoria, o método, a epistemologia, política e estratégia,
possamos esperar mais — e não menos — das nossas jornadas pela teoria.

Nota da Autora

Gostaria de agradecer a Kuan-Hsing Chen, Lawrence Grossberg, David James Miller e


Patrícia Sotirin pelos úteis comentários nas primeiras versões deste capítulo e os gene-
rosos auxílios na formulação de algumas das questões aqui tratadas. Os erros são, é cla-
ro, inteiramente de minha responsabilidade.

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