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In: MORLEY,
David & CHEN, Kuan-Hsing. Stuart Hall, Critical Dialogues in Cultural Studies. London: Routle-
dge, 1996.
Capítulo 5
A teoria e o método de articulação nos estudos
culturais
Jennifer Daryl Slack
O conceito de articulação talvez seja um dos mais produtivos nos estudos culturais con-
temporâneos. Para a compreensão de como os teóricos culturais conceituam o mundo é
essencial analisá-lo e participar na sua moldagem. Para alguns, a articulação atingiu o
status de teoria, enquanto n“a teoria de articulação”. Teoricamente, a articulação pode
ser compreendida enquanto forma de caracterizar uma formação social sem cair na ar-
madilha das semelhanças do reducionismo e essencialismo. Pode ser vista como trans-
formadora dos “estudos culturais a partir de um modelo de comunicação (produção-
texto-consumo; codificação-decodificação) a uma teoria dos contextos” (Grossberg,
1993: 4). Mas a articulação pode também ser pensada em termos de método usado na
análise cultural. Por um lado, a articulação sugere um arcabouço metodológico de com-
preensão do que faz o estudo cultural. Por outro lado, fornece estratégias para realizar
um estudo cultural, uma forma de “contextualizar” o objeto da análise.
Entretanto, a articulação trabalha em níveis adicionais: nos níveis do epistemo-
lógico, do político e do estratégico. Epistemologicamente, a articulação é uma forma de
pensar as estruturas do que conhecemos como jogo de correspondências, não-
correspondências e contradições, enquanto fragmentos da constituição do que tomamos
como unidades. Politicamente, a articulação é uma forma de colocar em primeiro plano
a estrutura e o jogo de poder que se impõem nas relações de dominação e subordinação.
Estrategicamente, a articulação fornece um mecanismo de moldagem da intervenção em
determinada formação, conjuntura ou contexto social.
A articulação pode parecer enganosamente como um conceito simples — especial-
mente quando um nível ou aspecto de seu trabalho é tomado isoladamente. Por exemplo,
parece manejável quando limitamos o tratamento que damos à articulação a seu funciona-
mento enquanto ora (ou a) teoria ora método dos estudos culturais. Mas quando a teoria e o
método são compreendidos — como o têm sido nos estudos culturais — enquanto desenvol-
vedores em relação à mudança das posições epistemológicas e das condições políticas bem
como enquanto propiciadores de uma intervenção estratégica, p. 113 torna-se impossível
chegar à análise de uma teoria nitidamente embalada ou um método claramente delineado.
Parece que chegou a hora de insistir no assunto, precisamente porque a popula-
ridade e institucionalização dos estudos culturais têm sido acompanhadas por um inte-
resse cada vez mais largo em se descobrir — e com freqüência descobrir com rapidez
— como “fazer” um estudo cultural e o que significa ser teórico cultural. Há o risco de
ter-se tornado um tanto fácil separar a articulação enquanto a teoria ou método dos es-
tudos culturais, isolá-la enquanto possuidora de propriedades formais eminentemente
transferíveis. Tal tem tomado a forma de especialistas interessados em utilizar a articu-
lação a serviço de pesquisa cujos compromissos teóricos, metodológicos, epistemológi-
cos, políticos e estratégicos são drasticamente distintos daqueles dos teóricos culturais.
Embora as fronteiras dos estudos culturais certamente sejam indistintas e inconstantes,
por vezes de fato são inquestionavelmente cruzadas.
Em conseqüência disso, está na ordem do dia um certo cuidado no uso das de-
signações teoria e método. Por mais proveitoso que seja pensar a articulação em termos
de valências teórico-metodológicas, fazê-lo é assumir o risco de a teoria e o método
serem tomados muito formalmente. Stuart Hall reconheceu isso em 1980 quando admi-
tiu que a “articulação contém o perigo de um alto formalismo” (Hall, 1980a: 69). Ape-
sar de ele escrever isso no pico do momento estruturalista althusseriano dos estudos
culturais, quando era suprema a ameaça do formalismo, ainda hoje precisamos ficar
atentos — mesmo que por razões ligeiramente diferentes.
“Teoria” é um termo que com freqüência tem a conotação de uma ferramenta
formal, objetiva, ou mesmo de um dispositivo heurístico “imparcial”. Os estudos cultu-
rais evitam em pensar em termos da “aplicação” da teoria neste sentido, onde a teoria é
usada para “tirar você de dificuldades, dando respostas que já são conhecidas ou estão
eternamente protelando qualquer resposta a questões num campo de infindáveis refle-
xões e reflexividade” (Grossberg, 1992: 19). No lugar dessa concepção de teoria, traba-
lham os estudos culturais com a noção de teoria enquanto “desvio” que sirva de ajuda
para fundamentar o nosso engajamento com o que recentemente nos confronte e permita
que esse engajamento forneça o fundamento para uma nova teorização. Desse modo é a
teoria uma prática em duplo sentido: é tanto uma ferramenta conceitual formal quanto o
“praticar” ou “tentar” uma forma de teorização. Ao reunirmos esses dois sentidos de
prática, empenhamo-nos em trabalhar com teorias momentânea e temporariamente “ob-
jetificadas”, momentos de “fechamento arbitrário”, reconhecendo que na análise contí-
nua do concreto, a teoria precisa ser contestada e revisada. “A única teoria merecedora”,
sustenta Hall, “é aquela pela qual se tem de lutar, e não aquela sobre a qual se fala com
profunda fluência” (Hall, 1992: 280). A teorização bem sucedida não é medida pelo
exato ajuste teórico mas pela sua capacidade de trabalhar com as nossas teorias sempre
inadequadas para nos ajudar a ir um pouco adiante na nossa estrada”. Um comprometi-
mento com “o processo de teorização” é característica do projeto dos estudos culturais;
é “a marca de um corpo vivo p. 114 de pensamento, capaz de ainda engajar e compre-
ender um pouco da verdade sobre as novas realidades históricas” (Hall, 1983: 84).
“Método” de modo semelhante pode sugerir rígidos gabaritos ou técnicas práti-
cas de orquestração da pesquisa. Mas novamente os estudos culturais trabalham com
uma concepção de método enquanto “prática”, o que sugere tanto técnicas a serem usa-
das como fontes quanto a atividade de praticar ou “tentar”. Neste sentido duplo empres-
ta-se e combina-se, trabalha-se com e através, e retrabalha-se as técnicas. Novamente o
empenho é sempre o de sermos capazes de adaptar os nossos métodos enquanto as no-
vas realidades históricas em que nos engajamos seguem seu caminho.
Pensar na teoria e no método de articulação enquanto prática também realça um
importante aspecto político dos estudos culturais: o reconhecimento de que o trabalho
dos estudos culturais envolve numa variedade de níveis uma política que se situa —
num sentido geral — no arcabouço marxista. Com e através da articulação, engajamo-
nos ao concreto para mudá-lo, isto é, para rearticulá-lo. Compreendendo-se a teoria e o
método dessa maneira altera-se a perspectiva da aquisição ou aplicação de uma episte-
mologia ao processo criativo de articular, de pensar as relações e conexões da forma
como passamos a conhecê-la e de como criar o que conhecemos. Articulação então não
é apenas uma coisa (não apenas uma conexão) mas um processo de criar conexões, as-
sim como a hegemonia não é dominação mas o processo de criação e manutenção de
consenso ou de coordenação de interesses.
Trabalhar com essa compreensão de teoria e método no inquirir o papel da arti-
culação nos estudos culturais requer que se tenha em mente dois critérios gerais. Primei-
ro, que a articulação não “nasceu” completa nem em qualquer momento atingiu tal sta-
tus. Jamais foi, nem deve ser, delineada nem usada como teoria ou método completa-
mente “remendado”. Mais propriamente, é um fenômeno complexo, inacabado que sur-
giu e continua surgindo genealogicamente. Segundo, que a articulação jamais foi confi-
gurada como simplesmente uma coisa só. As formas pelas quais a articulação foi desen-
volvida, discutida e usada tendem a dar mais ou menos importância a certas forças, inte-
resses e questões teóricas, metodológicas, epistemológicas, políticas e estratégicas. En-
quanto teoria e método, a articulação tem se desenvolvido de modo desigual numa con-
figuração variável dessas forças. Carrega consigo “características” dessas forças nas
quais tem se constituído e as quais constitui. Compreender o papel da articulação nos
estudos culturais é, portanto, delinear esse jogo de forças, em outras palavras, rastrear
seu desenvolvimento genealogicamente.
O meu projeto então é um início; sem dúvida não é genealogia, mas uma tentati-
va de delinear algumas das forças e momentos particularmente profundos que contribu-
am para uma compreensão genealógica da articulação.
p. 115
ARTICULAÇÃO É ...: UM MOMENTO DE FECHAMENTO
ARBITRÁRIO
Articulação é uma “palavra antiga”, anterior aos estudos culturais em diversos séculos.
Tem tido uma variedade de significados dentais, médicos, biológicos e enunciativos.
Mas em cada caso, a palavra sugere algum tipo de reunião de partes para formar uma
unidade. Até a articulação de sons ou elocuções sugere a “ligação” de caracteres (Ox-
ford English Dictionary, 1971: 118). É interessante observar que “articulação” não apa-
rece nas Keywords de Raymond Williams (Williams, 1976); um termo que não existia
no léxico do “culturalismo” (veja o significado de “culturalismo” em Hall, 1980a). É,
contudo, nos anos 1970 que a articulação começa a ser explicitamente teorizada. Isto
ocorre quando o problema do reducionismo no marxismo (e o problema relacionado
p. 116 do essencialismo) torna-se saliente, e suprema a questão de como são unidos os
elementos do campo social para formarem unidades de uma maneira não-reducionista.
Nos anos 1970, os teóricos culturais estavam explicitamente engajados em críti-
cas do marxismo “clássico” ou “ortodoxo” e a sua dependência de duas formas relacio-
nadas de reducionismo: o reducionismo econômico, que conta com uma leitura limitada
da noção de Marx quanto à relação entre base e superestrutura; e o reducionismo de
classe, que conta com uma leitura limitada da noção de Marx quanto à classe. Resumi-
damente, o reducionismo econômico sustenta que as relações econômicas, tidas como
um modo virtualmente estático de produção (a base) controla e produz (determina) tudo
mais na sociedade (a superestrutura). [sic] Por esta razão, cada elemento da sociedade
(inclusive as mudanças ocorridas nesses elementos) pode ser reduzido (explicado por)
às operações do correspondente modo de produção — e às operações em si. O reducio-
nismo de classe sustenta que todas as práticas, contradições, etc., político-ideológicas,
em suma tudo que possa ser concebido como outro que não econômico, têm uma neces-
sária propriedade de classe que é definida pelo modo de produção. Conseqüentemente, o
discurso de uma classe e a existência da própria classe correspondente constituem um
reflexo direto do, ou um necessário momento no desenrolar do econômico. (Veja as
discussões sobre o reducionismo especialmente em Hall, 1977; 1980d; Laclau, 1977;
Williams, 1973.)
O “culturalismo”, o termo que Hall usava para descrever o que fora o antigo pa-
radigma dominante nos estudos culturais, lutava contra a redução ao econômico em par-
te atentando à especificidade de determinadas práticas (Hall, 1980a). Mas o culturalis-
mo carecia, como expressava Hall, de “um adequado modo de estabelecimento teórico
dessa especificidade” (69). Com freqüência a tendência era de recair em versões da re-
dução do modo de produção ou de classe. The uses of literacy de Hoggart, por exemplo,
frustradamente conclui atribuindo essencialmente ao capitalismo as mudanças de cultu-
ra das classes trabalhadoras inglesas depois da guerra, através da imposição da cultura
de massa. (Hoggart, 1958).
A colocação do reducionismo como problema teve diversas origens relacionadas
entre si. O mais notório é que a teorização marxista desenvolveu sua própria crítica “in-
terna” ao reducionismo por oferecer explicações inadequadas quanto aos mecanismos
de dominação e subordinação no capitalismo tardio. A redução ao modo de produção
não dava conta do modelo de uma formação social se esta fosse compreendida como
uma composição de relações entre diversos modos de produção (Hall, 1980d). Não dava
conta das evidentes disparidades entre as condições de vida, como se vivenciava tais
condições, e o que se acreditava sobre as mesmas. Não dava conta da cultura não-
revolucionária da classe trabalhadora. E por fim, não dava conta da forma como fatores
outros que de classe (gênero, raça e subcultura, por exemplo) inseriam-se no que pareci-
am ser relações muito mais complexas de dominação e subordinação.
p. 117
A luta para substituir a redução que não funcionou com ... algo ... apontava para
a necessidade de reteorizar os processos de determinação. O trabalho de teóricos cultu-
rais dos anos 1970 e início dos 1980, especialmente o de Stuart Hall, abriu esse espaço,
chamando atenção para o que não é explicado pelas concepções reducionistas. É como
se fosse desenvolvida uma lacuna teórica, um espaço lutando para ser preenchido. É
preenchido com termos como “matriz produtiva” e “combinação de relações” (Hall,
1977), e eventualmente “articulação”. A princípio, o termo é quase o que Kuan-Hsing
Chen chamou de “sinal para evitar a redução” (Chen, 1994). Sem ter teorizado exata-
mente o que é e como funciona a articulação, torna-se o sinal que indica outras possibi-
lidades, de outras formas de teorizar os elementos de uma formação social e as relações
que a constituem não simplesmente enquanto relações de correspondência (isto é, en-
quanto reducionistas e essencialistas) mas também enquanto relações de não-
correspondência e contradição, e como tais relações constituem unidades que instanci-
am relações de dominação e subordinação. Esse processo de acomodar o espaço para ser
terreno de teorização explica até certo ponto as dificuldades e a resistência — que per-
sistem — que apontam para o que exatamente é articulação. O caso é que ela não é exa-
tamente nada.
Ao teorizarem este espaço, vários teóricos marxistas atraídos: mais notoriamente
Althusser (que se aproximou de Gramsci e Marx), Gramsci (que se aproximou de Marx)
e, é claro, Marx. Seus principais arquitetos foram Laclau e Hall. Sem pretenderem se des-
viar a discussão, é importante indicar de modo geral pelo menos o que há de semelhante
em Althusser, Gramsci e Marx no desenvolvimento das concepções da articulação. Em
suma, em Althusser, figura imensamente a concepção de uma totalidade complexa estru-
turada na dominação. A totalidade é concebida como algo composto por uma relação en-
tre níveis, constituída de relações de correspondência bem como contradições, e não rela-
ções reduzíveis a uma simples correspondência direta. Esses níveis passam a ser pensados
enquanto “articulados”. Um desses níveis, o ideológico, adquire significação especial uma
vez que nele e através dele tais relações são representadas, produzidas e reproduzidas. O
processo vem a ser pensado em termos de processo de articulação e rearticulação (veja
Hall, 1980d, 1985). Em Gramsci, as noções de hegemonia, articulação e ideologia, en-
quanto senso comum, têm sido influentes, através de sua apropriação de Althusser bem
como de forma independente. A hegemonia, para Gramsci, é um processo pelo qual a
classe hegemônica articula (ou coordena) os interesses de grupos sociais de forma que tais
grupos ativamente “consintam” o seu status de subordinados. O veículo dessa subordina-
ção, seu “cimento”, por assim dizer, é a ideologia, que é concebida como articulação de
elementos díspares, isto é, o senso comum, e a noção mais coerente de “filosofia superior”.
Gramsci oferece uma forma de compreender a hegemonia enquanto luta para construção
(articulação e rearticulação) do senso comum a partir de uma reunião de interesses, crenças
e prática. O processo de p. 118 hegemonia enquanto luta ideológica é usado para chamar a
atenção para as relações de dominação e subordinação sempre impostas pela articulação
(veja Mouffe, 1979). De Marx retira-se a concepção de uma formação social enquanto
combinação de relações ou níveis de abstração, no qual a determinação precisa ser com-
preendida mais como produção em determinadas conjunturas de níveis do que uma pro-
dução uniforme e direta do modo de produção. As conjunturas passam a ser vistas como
articulações historicamente específicas de forças sociais concretas (veja Hall, 1977).
UMA TEORIA EXPLÍCITA DE ARTICULAÇÃO: A
CONTRIBUIÇÃO DE ERNESTO LACLAU
A prática de articulação de Stuart Hall pode ser rastreada através de qualquer dos diver-
sos locais de contestação, por exemplo, através de sua obra sobre raça (Hall 1980d;
1986a, por exemplo), etnicidade (Hall, 1991, por exemplo), o popular (Hall, 1980c;
1981, por exemplo) e assim por diante. O local do engajamento de Hall com o concreto
que escolhi para rastrear é a sua crítica à teoria da comunicação e os métodos usados para
estudar comunicações. Ele serve como ótimo exemplo por várias razões. Em primeiro
lugar, este engajamento com as práticas de comunicação demonstra a efetividade da re-
sistência a se pensar os elementos das estruturas articuladas como “potencialmente arti-
culáveis com qualquer coisa”. Em segundo lugar, nos Estados Unidos pelo menos o tra-
balho de Hall sobre comunicações tem sido particularmente influente e assim muitas pes-
soas — inclusive eu — passaram pela primeira vez a compreender os espaços teorizados
pela articulação. Em terceiro lugar, a articulação da forma como é desenvolvida em rela-
ção às comunicações chega quase a “parecer” uma teoria e método. Daí ser este local o
mais facilmente desarticulado da sua característica política, epistemológica e estratégica.
O estudo das comunicações foi construído sobre um modelo de emissor–
destinatário, cujos componentes são solidificados na definição de Laswell sobre comu-
nicações como “quem diz o que em que canal para quem com que efeito” (Laswell,
1971). Cada componente tem neste modelo a sua própria e distinta identidade intrínseca
(ou essencial). Nem os componentes nem o processo são articulações. Ao considerar-se
o processo de comunicação, busca-se compreender o mecanismo pelo qual é garantida a
correspondência entre os significados codificados (o o que) e os efeitos que o significa-
do gera.
Apesar de trabalhar com um modelo de transmissão ainda reconhecível, a “Codi-
ficação/decodificação” de Hall (Hall, 1980b) desafia a simples afirmação da identidade
intrínseca ao insistir que os componentes do processo (emissor, p. 124 recebedor, men-
sagem, significado, etc.) são eles próprios articulações, sem significados ou identidades
essenciais. Esse movimento força um repensar do processo de comunicação não como
correspondência mas como articulação. A tensão entre a confiança no modelo em voga
de codificação/decodificação e um modelo articulado do processo de comunicação é
palpável na “Codificação/decodificação” bem como na obra de David Morley (1980),
que usou o modelo articulado desenvolvimentista para analisar a relação entre significa-
dos codificados e decodificados das notícias televisivas; quanto a isso é que são particu-
larmente interessantes.
O que vem a ser entendido é que se cada componente ou momento do processo
de comunicação é por si só articulação, um momento relativamente autônomo, então
“nenhum momento singular pode inteiramente garantir o momento seguinte com o qual
esteja articulado” (Hall, 1980b: 129). A insistência de que a autonomia é apenas relativa
(traçando um elo com o estruturalismo althusseriano) salva a articulação à beira de uma
“necessária não-correspondência” e permite que Hall e Morley admitam que algumas
articulações — a forma discursiva da mensagem, por exemplo — trabalhem a partir de
posições mais privilegiadas — ou poderosas (Hall, 1980b; Morley, 1981).
Hall continua a desenvolver essa noção de poder e privilégio e, aproximando-se
de Gramsci, argumenta que algumas articulações são particularmente potentes, persis-
tentes e eficazes. Tais articulações constituem, para Hall, “linhas de força tendente” e
servem como poderosas barreiras ao potencial de rearticulação (Hall, 1986b: 53-4).
Quanto às práticas contemporâneas de comunicação, ele pinta instituições, práticas e
relações de comunicação como postulantes desse tipo de barreira. Tornaram-se uma
“força material” que domina o cultural (Hall, 1989: 43).
Essa maneira de teorizar a comunicação sugere uma direção metodológica e im-
plicações estratégicas. Questionar qualquer estrutura ou prática articulada requer um
exame de como as forças sociais, institucionais, técnicas, econômicas e políticas “relati-
vamente autônomas” são organizadas em unidades eficazes e relativamente empowering
ou disempowering. A especificidade do âmbito das comunicações, por exemplo, requer
que examinemos como tais forças,
Determinar quando, onde e como tais circuitos possam ser rearticulados é o alvo da prá-
tica política teoricamente instruída de um teórico cultural. O exame e a participação nas
comunicações — ou qualquer prática — p. 125 são assim um processo em andamento
de rearticulação dos contextos, isto é, de exame e intervenção no conjunto mutável de
forças (ou articulações) que criam e mantêm identidades com efeitos reais, concretos.
“A compreensão de uma prática envolve”, como coloca Grossberg, a (re)construção
teórica e histórica do seu contexto” (Grossberg, 1992: 55).
Visto dessa perspectiva, é isto que faz um estudo cultural: mapear o contexto —
não no sentido de situar determinado fenômeno num contexto, mas no mapear determi-
nado contexto, mapear a própria identidade que traz o contexto à tona (Slack, 1989; cf.
Grossberg, 1992: 55). É possível alegar que é isso que tenho feito ao longo de todo este
capítulo, por exemplo, ao explicar como para Laclau “o conceito de articulação ... traz à
tona uma visão não-reducionista de classe, a afirmação da não necessária correspondên-
cia”, etc. Não é como se o contexto de desenvolvimento da articulação fosse tais coisas.
Mais propriamente, a articulação dessas identidades (numa dupla articulação: enquanto
identidades articuladas bem como numa relação articulada e recíproca) é trazida à tona
no interior e através do conceito de articulação. De outra forma, o contexto não é algo
do lado de fora onde as práticas ocorrem ou influem no desenvolvimento das práticas.
Mais propriamente, as identidades, práticas e efeitos em geral constituem o próprio
contexto no qual eles são práticas, identidades e efeitos.
PROSSEGUINDO NA TEORIZAÇÃO
Nota da Autora