Você está na página 1de 78

Conheci o professor Jorge Visca no final da década dt 1970, tm um

Congresso Internacional de Psicopedagogla, faiando uma clara axpoilçlo


JORGE VISCA
de como enfocava e via o processo de aprandlzagam dói lujtltoi, tanto
normal como patogênico e patológico.
Senti a necessidade imediata da aproximar-ma dt tau Centro de
Estudos Psicopedagógicos e conhecer mais wbre a tua obra. Finalmente,
havia encontrado um marco conceituai que me permitiria abordar 01
pacientes de uma maneira integral, ou seja, considerando ai dimensões
afetiva, cognitiva e social. Até esse momento, as correntes que havia
encontrado para fundamentar o meu fazer pslcopeda|ó|lco focalizavam
somente um aspecto das dificuldades de aprendizagem, e sentia que nlo
me bastavam para compreender o que acontecia com o processo de
aprendizagem de um determinado Indivíduo.
O professor Visca é o criador da Clínica Psicopadaf ó|lca baseada na
Epistemologia Convergente, marco teórico e conceituai que ajudou e ajuda CLINICA
os profissionais que se dedicam a trabalhar com os processos de
aprendizagem, a entender, de um modo mais claro, O que acontece em cada
caso. A Epistemologia Convergente constltul-se dos fundamentos da PSICOPEDAGÓGICA
Psicanálise, que desvenda os aspectos afetlvos, da Psicologia Genética, que
estuda os aspectos cognitivos, e da Psicologia Social, que aborda os Epistemologia Convergente
aspectos sociais.
Essas três teorias que embasam tal atitude conceituai Integram-se
não por suposição, mas sim por asslmilaçlo recíproca. Se tivesse que buscar
as palavras mais adequadas, para definir a Epistemologia Convergente,
seriam: construtivismo, interacionismo e estruturallsmo.
A obra Clínica Psicopedagóglca: Epistemologia Convergente foi
publicada pela primeira vez em 1985. Certamente, esta quarta edlclo
(segunda em português) será de grande Interesse e utilidade como obra de Tradução
consulta permanente, da mesma forma que foram as anteriores.
La u rã Monte Serrat Barbosa
Lie. Prof. Susana Rozenmacher
(Diretora do Centro de Estúdios Psicopedagógicos de 1986 a 1996)

2- edição revisada e ampliad


JORGE VISCA

No dia 14 de maio de 1935, na cidade de Baradero, província de


Buenos Aires, nascia Jorge Visca. Ali, seu pai Pedro Visca e sua mãe
Ana Zulema Guerrero de Visca, nossos avós, criaram-no e educaram
em uma formosa casa antiga. Durante sua meninice, pode desfrutar,
levado pelo seu pai, do campo, dos pássaros e da natureza.
Contava-nos que fez o Ensino Médio no Colégio Nacional de
San Pedro, uma cidade próxima de Baradero, na qual se chegava
viajando de trem - era toda uma odisseia!
Quando se formou, foi à capital para estudar advocacia; porém,
sentiu que essa não era a "sua" carreira e decidiu que sua vocação
estava no ensino. Então, fez o Magistério na Escuela Normal de
Profesores Mariano Acosta, em Buenos Aires. Acreditamos que o
fato de nossa avó ter sido professora influenciou em sua escolha.
Dessa forma, ele fez o Ensino Médio duas vezes e foi professor!
Mais tarde, formou-se em Ciências da Educação na Facultad de
Filosofia y Letras de La Universidad de Buenos Aires.
Sua colaboração em programas de Extensão Universitária
colocou-o em contato com populações marginais, o que o
sensibilizou ainda mais frente às dificuldades de aprendizagem. A
visão ampliou-se, consideravelmente, no Centro de Salud Mental
de La Matanza, com os alunos do Colégio Nacional Buenos Aires e
como reitor de uma escola de Ensino Médio do sistema privado de
ensino.
Recordamos quando, uma vez, contou-nos o que significou para especialmente em seus livros. Já maiores, fomos convidadas por
ele fazer contato com José Bleger na universidade, de como lhe ele para colaborarmos em seus livros, o que nos fez sentir seu
abriu o panorama da Psicanálise. Logo, as ideias de Pichon-Rivière constante entusiasmo.
levaram-no a estudar e graduar-se na Primera Escuela Privada de Cruzou o oceano e chegou ao velho continente, convidado para
Psicologia Social, na qual se especializou em Grupos Operativos. dar conferências e seminários em Portugal. Terminou fundando o
Nessa época, já trabalhava em seu consultório com a típica CEP-Lisboa antes que sua enfermidade o abatesse.
"caixa de trabalho" (para cada um de seus clientes), recurso criado No dia 22 de Julho de 2000, partiu deste mundo, deixando-nos
por ele, inspirado no tratamento psicanalítico para crianças. um maravilhoso legado.
Aos 33 anos, casou-se com Raquel Kielmanowicz. Juntos foram De tudo isso, surgiu nosso desejo, e o de muitas outras pessoas,
construindo a família; primeiro, com a chegada de Tuli, e depois, em dar continuidade à obra de Visca e ao seu trabalho, realizado
com a vinda da menor, Florencia. por mais de trinta anos.
Transcorreram os anos 1970... Papai contou-nos que gostaria Trabalharemos para que suas ideias, suas investigações, seus
muito de emigrar com a família para a França, mas as circunstâncias CEPs, com a metodologia de ensino que utilizou, possam seguir
fizeram com que ficássemos. Então, em 1977, mamãe estimulou-o sendo difundidos e aproveitados pelos profissionais que trabalham
para que criasse o Centro de Estúdios Psicopedagógicos com as com crianças, adolescentes e adultos com dificuldades de
pessoas que participavam de seus grupos de estudos, já que a sua aprendizagem.
sistematização de uma fundamentação e de um fazer
psicopedagógico estava tendo resultados muito frutíferos tanto para Tuli e Florencia Visca
a formação de profissionais, como para o tratamento de crianças. Primavera de 2000
Assim, de suas aulas e suas investigações, começou a surgir o
que denominou de Epistemologia Convergente.
Começou a viajar cada vez mais pela Argentina - Córdoba,
Catamarca, Misiones, Corrientes, Rio Negro, Ushuaia, Santa Fé - e, a
partir de 1978, pelo Brasil. "Semeou" os CEPs em Misiones, Rio de
Janeiro, São Paulo, Curitiba, Campinas, Salvador, Recife, entre outros.
Também passou por Natal, Ilhéus, Brasília, Porto Alegre, Petrópolis,
Florianópolis, Joinville, Itajaí e muitos outros lugares, que nos é difícil
lembrar nesse momento. Nós o acompanhamos em muitas de suas
viagens, divertíamo-nos muitíssimo, conhecemos pessoas
maravilhosas. Ele adorava que estivéssemos juntos. Recordamos do
quanto se sentia feliz em poder transmitir seus conhecimentos e de
como seu cansaço era compensado com os agradecimentos que recebia.
Quando, agora, lemos seu Curriculum, surgem em nossa
memória muitos sucessos, e pensamos: Quantas coisas nosso pai
realizou, quantos saberes disseminou, quanto afeto e
reconhecimento ele recolheu!
Deixou suas ideias sobre a Epistemologia Convergente
registradas em numerosas publicações na Argentina e no Brasil,
SUMÁRIO
Prefácio à Primeira Edição 13
(Jorge Fasce)
Prefácio à Segunda Edição 15
(Laura Monte Serrat Barbosa)

INTRODUÇÃO 19

O ENQUADRAMENTO 23
O Tempo 30
O Espaço 38
A Caixa de Trabalho 43
A Frequência, a Duração, as Interrupções Regradas
e as Condutas Permitidas 49
Os Graus de Afastamento do Enquadramento 55

O CONTRATO 61

O DIAGNÓSTICO 67
O Diagnóstico Propriamente Dito 72
O Prognóstico e as Indicações 91
O Processo Diagnóstico 95

ANOSOLOGIA Ml

O PROCESSO CORRETOR 115


Introdução ao Processo Corretor 115
Os Recursos 122

EPISTEMOLOGIA CONVERGENTE 135


(Laura Monte Serrat Barbosa)
Uma Conversa 135
O Entrelaçamento entre Teoria e Prática 142
Epistemologia Convergente - Novas Propostas 148

OBRAS CONSULTADAS 151


Clínica Psicopedagógica

PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO

A Psicopedagogia nasceu como um fazer empírico pela


necessidade de atender a crianças com dificuldades de
aprendizagem, cujas causas eram estudadas pela Medicina e pela
Psicologia. Com o transcurso do tempo, o que, inicialmente, foi uma
ação subsidiária dessas disciplinas, foi se perfilando como um
conhecimento independente e complementar, possuidor de um
objeto de estudo (o processo de aprendizagem) e de recursos
diagnósticos, corretores e preventivos próprios.
Jorge Visca a encara a partir do que tem chamado de
Epistemologia Convergente, uma conceituação da aprendizagem e
de suas dificuldades em função da integração - por assimilação
recíproca - dos suportes das escolas psicanalítica, piagetiana e da
Psicologia Social de Enrique Pichon-Rivière. Em virtude dessa
integração, é possível compreender a participação dos aspectos
afetivos, cognitivos e sociais que confluem no aprender do ser
humano.
Jorge Visca foi professor em escolas regulares, o que lhe deu
um conhecimento vivencial da realidade cotidiana da sala de aula,
imprescindível para uma compreensão realista dos problemas de
aprendizagem da criança. Formou-se professor de Ciências da
Educação na Universidad de Buenos Aires, em 1966, o que lhe
possibilitou uma ampla visão dos processos educativos em suas
variadas instâncias e enfoques. Ampliou sua formação graduando-se
13
Jorge Visca Clinica Psicopedagógica

psicólogo social na Escuela Privada de Psicologia Social fundada por


Enrique Pichon-Rivière. A partir de então, como fundador e diretor
do Centro de Estúdios Psicopedagógicos, tem formado,
especializado e supervisionado um grande número de
psicopedagogos.
Este livro reúne alguns dos desenvolvimentos fundamentais
dos cursos que, no referido Centro, ministra o Professor Jorge Visca.
É necessário destacar que, nessa instituição, por meio das atividades PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
de docência, assistência e investigação, nos recentes difíceis anos
de ditadura militar argentina, muitos educadores encontraram um
âmbito no qual era possível pensar sem travas, sem dogmatismos,
sem medos e sem modelos rígidos.
Basta conferir o sumário, olhar suas páginas e, certamente,
apreciar-se-á a notável utilidade direta que o conteúdo deste livro
tem para os psicopedagogos. Sem dúvida, é preciso assinalar que as
ideias que se desenrolam, por possuírem sólidas bases filosóficas e Quando recebi o e-mail do Centro de Estúdios Psicopedagógicos
científicas, desenvolvidas na larga experiência assistencial, nos mais de Buenos Aires, no dia 22 de fevereiro de 2009, confirmando o convite
variados meios sociais (não é demais lembrar o intenso trabalho para traduzir esta obra, confesso que me emocionei.
realizado por Visca no Centro de Salud Mental de La Matanza) são
um fecundo estímulo de ideias para os educadores que se iTe acuerdas que varias veces hablamos
desempenham nas mais diversas tarefas (não só no campo de traducir los libros de Visca? Los dos libras que
assistencial). se tradujeron, "Diagnóstico Operatório..." y
É a obra, enfim, não só de um técnico exitoso em sua tarefa "Técnicas Proyectivas...", han sido muy bien
terapêutica e de um profissional reflexivo e talentoso, como recibidos. Creo que seria oportuno traducir
também de um educador, de um professor formador de profissionais "Clínica Psicopedagógica..." iTe gastaria hacerla
consistentes e inquietos como ele mesmo. traducción? Pense que también podrías agregar
un Capítulo de tu autoria, donde podrías escribir
algo tuyo en relación a Ia Epistemología
Jorge Fasce
Convergente."1 (Raquel Kielmanowicz)
Agosto de 1984
A emoção deveu-se a muitos fatores.
O primeiro deles tem a ver com a admiração, de aluna, que
nutro pelo Professor Visca, nosso Mestre, aquele que provocou

Lembra-se de quantas vezes falamos em traduzir os livros de Visca? Os


dois que foram traduzidos: "Diagnóstico Operatório..." e "Técnicas
Projetivas..." estão sendo muito bem recebidos. Acredito que seria oportuno
traduzir "Clínica Psicopedagógica..." Gostaria de fazer a tradução? Pensei
também que poderia agregar um capítulo de sua autoria, no qual poderia
escrever algo em relação à Epistemologia Convergente (tradução nossa).

14 15
lorqc Visca Clínica Psicopedagógica

mudanças em minha vida de aprendiz e, consequentemente, no Mesmo com as inserções, procuro ser o mais fiel possível às
meu desempenho como professora e psicopedagoga. O segundo suas ideias.
deve-se ao reconhecimento da sua família que, após o encontro Somente quem foi seu aluno, ou sua aluna, pode entender
realizado no Rio de Janeiro, em 2008, para comemorar os 30 anos de o que estou tentando dizer. As aulas do Professor Jorge Visca eram
Jorge Visca no Brasil, ocasião em que apresentei um trabalho sobre verdadeiros exercícios de articulação dos elementos apresentados.
a Epistemologia Convergente, convidou-me para traduzir este livro Além de trazer o tema, colocava-o para discussão, num segundo
e escrever um capítulo. momento, ouvindo várias posições e entendimentos, provocando
Em terceiro lugar, está um motivo vinculado a um sentimento nossos posicionamentos e fazendo com que buscássemos
"pequeno", que a gente gostaria de não ter, mas tem e dificilmente significados e, assim, déssemos sentido a nossa aprendizagem. Seu
confessa: a vontade que tive de estar no lugar de Simone Carlberg e livro precisa expressar essa articulação, o que foi minha preocupação
Jacqueline Andréa Glaser, quando traduziram, respectivamente, as ao desenvolver esta tradução.
duas obras de Jorge Visca citadas por Raquel em sua mensagem. Esse seu primeiro livro, segundo depoimento de Visca,
Finalmente, minha emoção está ligada à possibilidade da gravado ao vivo e ouvido no encontro do Rio de Janeiro - a partir do
revisita às páginas do primeiro livro escrito por Jorge Visca, como banco de memórias de alguns colegas, foi resultado de um desafio
resultado de suas aulas em alguns dos Centros de Estudos feito por alunos do primeiro grupo de Formação em Clínica
Psicopedagógicos. A primeira edição em língua portuguesa, em 1987, Psicopedagógica, realizado no Rio de Janeiro e, como seria sua
não resultou naquilo que seu autor desejava, segundo confessava a primeira experiência, talvez não tivesse encaminhado todo o
alguns grupos de alunos brasileiros e abordou posteriormente: necessário para a editora. No entanto, é uma jóia rara, pois contém a
sistematização de um trabalho e seus fundamentos teóricos, realizado
Uma das coisas mais importantes para por um homem que era inteiro; seu discurso profissional revelava
a tradução não é somente conhecer a língua, sua ação, e sua ação revelava seu discurso.
mas também o conteúdo. [...] Eu acredito que, Professor Jorge Visca é, até hoje, uma referência no Brasil,
em qualquer modelo teórico, em qualquer forma como estudioso, como professor, como psicopedagogo no âmbito
de abordar a realidade, o importante é que
da clínica, como coordenador de grupos (co-pensador), como amigo
sejam criticados, analisados e estudados [...]
e, principalmente, como pessoa, mesmo não estando
podem ser estudadas na dimensão mais ampla
quando as ideias são traduzidas fielmente.
concretamente entre nós. Foi uma pessoa incapaz de ferir o outro,
Somente assim podemos fazer uma crítica mas também incapaz de deixar de dizer o que era preciso. Era
objetiva (VISCA, 1991, p. 16-17). extremamente operativo no cotidiano e, com isso, conseguia a
participação de todos, sem impor e nem desconsiderar as pessoas
Dessa forma, acena-se com uma grande responsabilidade: além que estavam envolvidas.
de traduzir a obra, faço algumas articulações (utilizando complementos Chegou ao Brasil com seu ECRO argentino, mais rígido, mais
das aulas de Visca, nos pontos em que a obra necessitava), iniciando previsível, e deixou-se fecundar pela cultura brasileira; flexibilizou-
pelo sumário que, da forma como estava desenhado na última edição se em muitos aspectos, mas sem perder de vista tudo no que
em espanhol, não permitia a percepção do livro como um todo acreditava e estava sistematizando.
articulado, e sim como uma série de itens. Organizo o sumário seguindo Também aprendemos muito com sua rigidez, pois o "jeitinho
a explicação do próprio autor sobre a ordem psicológica na qual brasileiro" nem sempre é só positivo, ou só negativo. A ideia de
apresenta os temas, para não perder de vista as relações existentes enquadramento como um instrumento do atendimento
entre os temas e suas características específicas. psicopedagógico é fantástica, e muitos se perguntam: Por que, em

16 17
Itirqc Visca Clínica Psicopedagógica

um livro de Psicopedagogia, alguém se preocupa em falar, por


exemplo, sobre as questões de tempo que envolvem um
atendimento? Alguns profissionais esperam receitas de como propor
exercícios a pessoas com dificuldades e, por isso, estranham.
Como sua discípula, posso afirmar aos leitores que seus
ensinamentos estão posicionados bem antes da necessidade de
ensinar. Seus ensinamentos mostram recursos que estão atrelados
ao aprender, ao aprender-se, ao perceber-se como pessoa em INTRODUÇÃO
processo de aprendizagem tanto no que se relaciona ao
psicopedagogo, quanto ao aprendiz, e às dificuldades que podem
obstaculizar as aprendizagens. Ensinar só tem sentido, para ele, se
for para resultar em verdadeira aprendizagem.
Professor Jorge Visca, muito obrigada pelas oportunidades
de aprendizagem que me aparecem até os dias de hoje! Esta revisita
ao seu primeiro livro fez-me aprender mais um pouco, questionar
novamente a minha ação e lembrar-me de muitos momentos de As linhas seguintes constituem uma breve síntese dos
nossa convivência de aprendizagem. aspectos teórico-técnicos da corrente de pensamento que denomino
Senti saudades! Epistemologia Convergente e têm, como objetivo, apresentar os
aspectos fundamentais que fazem a compreensão da clínica
Laura Monte Serrat Barbosa psicopedagógica tanto em relação à sua instância diagnostica, quanto
Curitiba, Primavera de 2009 ao tratamento propriamente dito.
Os conceitos aqui apresentados são o resultado do
intercâmbio de ideias com os colegas - docentes e alunos - do
Centro de Estúdios Psicopedagógicos de Buenos Aires, Centro de
Estudos Psicopedagógicos do Rio de Janeiro e do Centro de Estúdios
Psicopedagógicos de Misiones. As três instituições constituem,
poder-se-ia dizer, uma confederação orientada pela primeira, o que
me tem permitido confrontar minhas ideias com a de profissionais
que se encontram vinculados às mais diversas realidades.
Em segundo lugar, cabe mencionar que a ordem da exposição
do livro responde a um critério psicológico e não lógico, pois preferi
utilizar a mesma sequência de ações que se pratica nos três centros
para expor os temas de acordo com a didática que os caracteriza. Cada
um dos temas é exposto em uma aula e, logo, reelaborado em pequenos
grupos coordenados com a modalidade de grupos operativos2. Pois

N.T. Muitas vezes, talvez a maioria delas, em nossa vivência nas aulas do
Professor Jorge Visca, as reelaborações coordenadas de forma operativa
foram realizadas, também, no grande grupo.

18 19
lorge Visca Clinica Psicopedagógica

bem, os membros dos grupos, naturalmente e pelo processo grupai, 2.2 Contrato individual privado, individual em instituições,
primeiro vivenciam as constantes do enquadramento; logo, conceituam grupai privado e grupai em instituições.
o que é um contrato; posteriormente, desenvolvem uma atitude
Unidade III - Diagnóstico
investigativa que os conduz a diagnosticar; mais tarde, conduz a
1 Objetivos
conceituar os processos, tendendo a organizá-los, o que os leva à
1.1 Conhecer os fundamentos do diagnóstico psicopedagógico.
nosologia grupai; por último, conduz a tentar remediá-lo mediante um
1.2 Criar critérios para a administração de uma bateria
processo e recursos corretores.
diagnostica mínima.
Os catorze itens propostos nos cinco capítulos que
1.3 Capacitar para diagnosticar dificuldades de
constituem o corpo da presente publicação configuram, também,
aprendizagem.
cinco unidades temáticas: enquadramento, contrato, diagnóstico,
2 Conteúdo
nosologia e processo corretor. Cada uma delas pode ser organizada
2.1 O diagnóstico psicopedagógico: níveis de abordagem
em objetivos e conteúdos, como se detalha a seguir, na forma que
metacientífico, científico e técnico.
era apresentada nos cursos mencionados antes.
2.2 Diagnóstico propriamente dito: descrição e localização
Unidade l - Enquadramento contextuai, sintoma, descrição e localização do momento atual (a-
1 Objetivos histórico); descrição e localização histórica; desvios da normalidade
1.1 Conhecer critérios teóricos para fixar o enquadramento e assincronias.
psicopedagógico. 2.3 Prognóstico: sem agentes corretores; com agentes
1.2 Integrar os conhecimentos da epistemologia genética corretores ideais e com agentes corretores possíveis.
aos da psicologia dinâmica em função do enquadramento. 2.4 Indicações: ideais e possíveis; gerais e específicas.
1.3 Formar critérios de avaliação do agente corretor e do 2.5 O processo diagnóstico.
sujeito do processo de atendimento psicopedagógico.
Unidade IV - Nosologia
2 Conteúdos
1 Objetivos
2.1 Elementos do enquadramento: tempo, lugar, frequência,
1.1 Formar critérios de saúde e de enfermidade no campo
duração, caixa de trabalho e condutas permitidas.
psicopedagógico sobre a base de conceitos sociológicos,
2.2 Graus de distanciamento do enquadramento e sua
antropológicos, psicológicos e pedagógicos.
avaliação, em função do pertencimento, da cooperação, da
1.2 Determinar distintas unidades de análise para estudar
pertinência, da comunicação, da aprendizagem e da tele.
os vetores da aprendizagem.
Unidade II - Contrato 2 Conteúdo
1 Objetivos 2.1 Critérios baseados na Epistemologia Convergente para
1.1 Conhecer os distintos tipos de contrato em função do estabelecer uma aproximação nosográfica às dificuldades de
tempo e do âmbito de abrangência. aprendizagem.
1.2 Estabelecer critérios que permitam determinar relações 2.2 Deficiência na protoaprendizagem, deuteroaprendizagem,
entre o contrato e os princípios sanitaristas de promover a saúde e aprendizagem assistemática e aprendizagem sistemática.
prevenir a enfermidade. 2.3 Algumas dificuldades específicas de aprendizagem:
2 Conteúdos alexia, dislexia, agrafia, disgrafia, disortografia, discaligrafia,
2.1 Contratos de tempo não limitado, de tempo limitado acalculia, discalculia, quadros combinados, detenção global na
propriamente dito e de tempo limitado em função da tarefa. aprendizagem e dificuldades não-específicas.

20 21
lorqr Visca Clinica Psicopedagógica

Unidade V - Processo Corretor


1 Objetivos
1.1 Localizar o papel do psicopedagogo no contexto
profissional.
1.2 Conhecer os distintos recursos da técnica e suas
aplicações individual e grupai.
1.3 Exercitar o fazer considerando os aspectos: conceituai,
emocional e prático das técnicas de atendimento psicopedagógico O ENQUADRAMENTO
(técnicas corretoras).
2 Conteúdo
2.1 Conceito de agente corretor ou de agente de mudança.
2.2 O existente, a variável interveniente e o emergente na
atenção individual e grupai.
2.3 Recursos corretores: a interpretação como hipótese, a
informação, mudança de situação, mostra, modalidade de
alternativas múltiplas, acréscimo de modelo, assinalamento
Em nosso artigo O Tratamento Psicopedagógico como
focalizado e interpretação focalizada, em suas distintas formas para
Tratamento Paralelo ao Psicoterapêutico, damos à palavra
aplicação no campo psicopedagógico, utilização do jogo de papéis
enquadramento seu significado mais amplo: encerrar em um marco.
como recurso corretor ou de mudança.
Para isso, tomam-se alguns elementos tais como: tempo, lugar,
frequência, duração, caixa de trabalho.
Para conhecer uma realidade, é necessário conjugar dois
critérios: isolá-la do contexto e integrá-la ao mesmo. Enquanto o
primeiro permite conhecer, de forma predominante, seu
funcionamento íntimo, o segundo facilita o conhecimento da
influência do contexto.
Para realizar o primeiro - no campo da clínica, faz-se um
recorte conceituai que permite reconhecer a realidade em suas
transformações dentro do que se pode denominar uma situação
controlada. Trata-se de uma questão psicopedagógica - seja do
atendimento de um sujeito individual ou de um sujeito coletivo
ou grupai, e refiro-me a uma situação de aprendizagem controlada
por meio do método clínico.
Para esclarecer o que quero dizer com "uma situação de
aprendizagem, controlada por meio do método clínico" permito-
me historiar brevemente o conceito de método clínico.
O método clínico teve sua origem na medicina e recebeu o
nome de clínico porque kliné significa, em grego, lugar em que se
observava ou atendia o paciente. Com o desenvolvimento da
23
lorgc Visca Clinica Psicopedagógica

Psiquiatria, o método passou a ser utilizado por ela e, dali, pela comprova que, sistematicamente, as crianças normais com menos de
Psicologia, particularmente pela Psicanálise. A partir desse 13 anos não podem responder a certas proposições verbais. Esse fato
momento, o método clínico toma duas vertentes de levou Piaget a perguntar-se sobre o porquê dessa dificuldade
desenvolvimento que merecem ser mencionadas: a da Psicanálise sistemática e a buscar um método que não fosse nem de observação,
e da epistemologia genética. nem psicométrico. Como consequência de suas investigações, o
Em primeira instância, abordarei a vertente psicanalítica. método clínico de Piaget experimenta várias modificações que
Hug-Hellmuth3, Ana Freud e Melanie Klein foram os que iniciaram a acompanham suas sucessivas descobertas, ainda que mantenha
Psicanálise de crianças, na qual o método clínico deixa de ser o sempre o que é essencial. Entre suas notas, destaca-se: sua intenção
método do recostado, pois a criança joga e movimenta-se; porém, epistemológica e a hipótese diretriz, sendo esta última o ponto de
conserva a característica individual. transição entre o puramente clínico e o puramente experimental.
Com a introdução da psicoterapia do adolescente, o qual se Além da utilização tradicional do método de acordo com a modalidade
encontra em uma situação intermediária - não é nem criança e nem piagetiana, alguns autores têm realizado outros estudos denominados
adulto, o atendimento também sofre modificações, apesar de neopiagetianos com o objetivo de observar, por exemplo, não só os
manter sua característica essencialmente individual. aspectos cognitivos, como também os afetivos. Entre esses autores,
Posteriormente, o desenvolvimento do método clínico passa de um encontram-se: Barbei Inhelder, Therèse Gouin Dècarie, J. Anthony,
enfoque individual para grupai: primeiro, sob a forma de "atenção Morris Nitsun, Elza Schmid-Kitsikis, Bernard Gibello e muitos outros.
em grupo", e logo, sob a forma de "atenção ao grupo". O segundo Se quisermos representar graficamente o desenvolvimento
estilo é utilizado por Pichon-Rivière, que considera o grupo como histórico do método clínico, a representação poderia ser esta:
uma unidade em funcionamento. Também cabe mencionar que
Pichon-Rivière concebe a aplicação da técnica de grupo operativo
Kliné(do grego)
não só para o campo psicoterapêutico, como também para o campo
da educação, ou seja, para a condução dos processos de
aprendizagem. Porém, Pichon-Rivière só utilizou a técnica com Psiquiatria tradicional

grupos que aprendiam normalmente e, em particular, com


Método clínico ou crítico de Piaget
profissionais da saúde mental. O grupo operativo, uma forma de Freud
utilizar-se o método clínico, faz parte da metodologia com que seus
Estudos neopiagetianos
seguidores conduzem sua escola - Escuela Privada de Psicologia Hug-Hcllmuth, Ana Freud, Melainc Klein

Social. Também Bion, outro autor de formação psicanalítica, aplica


os conceitos dinâmicos aos grupos de trabalho. scente j
Terapia do adolescente
A segunda vertente consiste na adaptação experimental que
Piaget realizou do método psiquiátrico. O método clínico, ou crítico,
•f
Atendimento grupai
imaginado por Piaget com o objetivo de observar a lógica tanto nas
ações, como nas operações mentais, surgiu no momento em que, ao
atender ao pedido de estandardização de testes psicométricos, A análise das etapas do desenvolvimento do método clínico,
a partir do nascimento da Psicanálise, põe em evidência a utilização
N.T. Como há diferenças com relação às normas técnicas para apresentações de certos recursos que servem para analisar a situação e, ao mesmo
de referências citadas no texto, aplicadas no Brasil (ABNT) e na Argentina,
optou-se por manter as informações (ou a falta delas), conforme o texto tempo, controlá-la em função de constantes que acabam por destacar
original em castelhano. uma variável.
24 25
/<>;<;<• V isca Clínica Psicopedagógica

Na utilização que faço do método clínico, integro os aportes Depois de historiado brevemente o método clínico, desde
psicanalíticos e piagetianos, dos quais, nesta oportunidade, refiro- suas origens até os dias atuais, abordarei o tratamento das
me predominantemente aos primeiros, por serem os que mais constantes do enquadramento, com as quais trabalho para colocar
caracterizam os aspectos que a mim interessam destacar. em funcionamento o método clínico da forma como abordo em
Também quero agregar que, quando se fala de Psicopedagogia Psicopedagogia.
Clínica, faz-se referência a um método com o qual se tenta conduzir a Para realizar um atendimento psicopedagógico, é preciso
aprendizagem, e não a uma corrente teórica ou escola. Em concordância lidar com algumas constantes: tempo, lugar, frequência, duração,
com o método clínico, podem-se utilizar diferentes enfoques teóricos. caixa de trabalho, interrupções regradas e honorários.
O que eu preconizo é o da Epistemologia Convergente. No atendimento individual, por exemplo, essas constantes
Antes, porém, de retomar às constantes do desenvolvimento ficam assim caracterizadas:
do método clínico, devo explicar que, partindo da fundamentação, Tempo: encontros de SOmin ou X;
previamente mencionada, com a inestimável ajuda de meus Espaço: consultório infantil, de adulto ou X;
colaboradores - no que se refere à implementação grupai, tenho Frequência: duas ou três vezes por semana, com frequência
realizado a instrumentação do método clínico em Psicopedagogia distribuída ou acumulada;
em duas etapas: a primeira foi de aplicação à atenção individual e a Duração: de tempo não limitado, limitado em função do
segunda à atenção grupai. Ou seja, ao quadro anterior, cabe agregar tempo ou limitado em função da dificuldade;
as linhas pontilhadas que representam a integração dos Caixa de trabalho: conjunto de (objetos concretos) reativos
desenvolvimentos psicanalíticos individuais e os piagetianos, que de conduta;
convergem na utilização individual de acordo com o modelo da Interrupções regradas: feriados, outras datas por mútuo
Epistemologia Convergente e, deste, com o atendimento grupai, acordo e férias;
que tem por resultado a utilização do método clínico grupai, também Honorários: sistema de remuneração.
de acordo com o modelo da Epistemologia Convergente. O conhecimento integral das peculiaridades de cada um
desses elementos permite sua adequada utilização, pois o
conhecimento implica tanto a conceituação de seus componentes
Kliné (do grego)
energéticos (afetivos), como estruturais (estruturas cognitivas), que
só podem ser entendidos articuladamente à luz da Epistemologia
Psiquiatria tradicional Convergente. A Psicanálise descreveu os componentes energéticos;
a epistemologia genética descreveu os estruturais.
^Método clínico ou crítico de Piagct
Freud As constantes do enquadramento, instrumentadas a partir
da Epistemologia Convergente, não somente servem para isolar e
Estudos neopiagetianos
Hug-Hcllmuth, Ana Freud, Mclaine Klein compreender a situação, como também constituem instrumentos
de mudança.
Terapia do adolescente Como resultado de observações clínicas, podemos constatar
Utilização individual
que, dentre outros efeitos, o uso das constantes do enquadramento
facilita a transição de um tempo e espaços próprios, percebidos em
Atendimento grupai / '
J \ l Utilização grupai
função do princípio do prazer e, portanto, com significativas
conotações adualísticas em um tempo e espaço regido pelo princípio
da realidade; por isso, com importantes características de
descentração e objetividade.
26 27
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Em todo tratamento, é preciso ter-se em conta quatro por Pichon-Rivière, que sintetizou suas íntimas relações, com a sigla
conceitos básicos que contribuem para não se cair na rigidez, nem ECRO - Esquema Conceituai Referencial Operativo. Pode-se dizer
no caos, permitindo, portanto, a flexibilidade operativa. Estes que ECRO é o esqueleto de conceitos formados a partir de todas as
conceitos são: logística, estratégia, tática e técnica. experiências vitais profissionais, as quais servirão de referência ou
Logística, estratégia, tática e técnica são termos tomados do pontos de compreensão e apoio para operar sobre a realidade.
vocabulário que Pichon-Rivière utilizou na Psicologia Social, cuja Quando as constantes do enquadramento são apreendidas
origem encontra-se na linguagem militar, escolha que, certamente, (assimiladas e introjetadas), passam a constituir o "eu profissional
possui relação com a atividade de seu pai, quando ainda moravam do psicopedagogo" e serão a base do vínculo cognitivo-afetivo do
na Europa. seu fazer.
O primeiro termo, logística, pode-se dizer que se refere ao Outro aspecto a ser sublinhado é o fato de que, durante o
movimento, transporte e fonte de alimento; o segundo, estratégia, tratamento, todas as condutas, tanto do paciente quanto do
relaciona-se à arte de dirigir operações; o terceiro, tática, está ligado psicopedagogo, podem ser referidas ao enquadramento, o qual
à disposição e ao emprego dos recursos na ação concreta; por último, servirá de parâmetro ou ponto de compreensão das situações.
técnica, refere-se ao conjunto de procedimentos, como também à Por exemplo 4 , se a frequência de dois atendimentos
habilidade para colocá-la em uso. semanais faz parte do enquadramento e, constantemente, o
Aqui, cabe comentar, em relação à logística, que o paciente comparece apenas a uma e não justifica sua falta, esta
movimento, transporte e fonte de alimento (de busca) do outro conduta pode ser o emergente de algo que ainda não foi dito e que
tem um valor relativo em função do meu próprio movimento, precisa ser esclarecido. A retomada do enquadramento pode ser
transporte e de minhas fontes de busca; ou seja, a logística, do ponto um ponto de partida importante para que o paciente tome
de vista psicopedagógico, significa considerar as defasagens e consciência do que o leva a agir dessa forma e para que o
capacidades do indivíduo ou grupo em função das atitudes do psicopedagogo compreenda o que está acontecendo e possa intervir.
psicopedagogo, as quais derivam tanto da informação e formação Será medo ao ataque diante do novo? Será medo à confusão, medo
profissional, como das características de personalidade que possui. à perda ou, simplesmente, o paciente sente-se filiado ao
Quanto ao segundo, estratégia - arte de conduzir as operações - atendimento psicopedagógico, mas ainda não se sente pertencendo
requer ter à disposição categorias conceituais, das quais se possa a ele? É por isso que o enquadramento tem tanto sentido para Visca;
lançar mão no momento indicado; em nossa tarefa, entre as foi também por isso que ele iniciou este livro com este capítulo,
categorias conceituais mais gerais, encontram-se justamente: o assim como todos os seus cursos de formação de profissional com
tempo de cada encontro, o lugar onde acontecerá, a frequência na este conceito.
semana, a duração do atendimento ao longo do tempo, a caixa de
trabalho etc. A tática implica um nível mais concreto, já que é, em
essência, a implementação - pôr em prática o plano. Por último,
poder-se-ia dizer que a técnica encontra-se intimamente ligada ao
estilo particular com que cada um de nós opera.
Tudo isso, avaliando a ideia de flexibilidade operativa,
permite-nos dizer que diferentes psicopedagogos com distintos
estilos podem obter resultados semelhantes.
Resumindo, o enquadramento decorre do esquema,
4 N.T. Este exemplo foi introduzido, a partir de exemplos do próprio autor,
conceituai e referencial, com o qual, neste caso, o psicopedagogo coletados em aulas assistidas, a fim de tornar claro o conceito para o
opera. Esses quatro termos integrados configuram a ideia cunhada entendimento do leitor.

28 29
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

O TEMPO
Unidade de tempo Critérios

SOmin Não-contaminação
Comodidade

Não-contaminação
60min Comodidade
Realidade social
Não-contaminação
Xmin Comodidade
Realidade social
Realidade individual

Após essa introdução sobre enquadramento, passarei a expor


as constantes do mesmo, iniciando pelo tempo. No quadro anterior, figuram três unidades de tempo e quatro
critérios. A fixação de uma unidade de tempo de SOmin deriva da
O tempo pode ser abordado tanto na sua dimensão
necessidade de não-contaminação e de comodidade. A contaminação
instrumental, quanto em sua dimensão conceituai. Ambas são verso
- ainda que de maneiras distintas - pode se dar tanto no cliente, como
e reverso da mesma entidade.
no profissional. Por parte do paciente, pode-se produzir, entre outras
No que se refere à sua dimensão instrumental, cabe estudá-
situações, quando um paciente encontra-se com o outro, podendo
la como ferramenta para compreender uma situação e modificá-la.
desencadear questões afetivas que interferem no vetor de análise que
Entendo a dimensão conceituai como a realidade que pode
nos interessa: a aprendizagem. Em outros campos de trabalho, evita-se
ser tratada em seu aspecto energético (afetivo), por meio do olhar
a contaminação por outros motivos; no nosso, também não é desejável
psicanalítico, e em seu aspecto estrutural (estruturação cognitiva), porque não nos interessa a emergência, sem necessidade, de ciúmes e
por meio do olhar piagetiano. O ganho de uma compreensão inveja, que poderão requerer nossa atenção e a do paciente em prejuízo
energético-estrutural integrada constitui a intenção da Epistemologia da dedicação ao objetivo principal do atendimento psicopedagógico.
Convergente, a qual se fundamenta na esperança de Piaget, que No entanto, a contaminação também pode se dar, frequentemente, no
expressava: "[...] estou convencido de que chegará o dia em que a profissional, ainda que seja de outra forma: o psicopedagogo, durante
Psicologia das funções cognitivas e a Psicanálise estarão obrigadas a uma sessão, necessita se identificar com quem atende para acomodar-
fusionar-se em uma teoria geral que melhorará a ambas e as corrigirá".5 se às necessidades do atendido, o que não deixa de produzir certo
Desenvolverei, aqui, a dimensão instrumental e conceituai estereótipo, ainda que transitório, e pode projetar-se e transferir-se à
de forma conjunta, destacando somente certas características pessoa seguinte, desvirtuando a percepção "ingénua", que é a indicada
predominantes. a este próximo atendimento.
O tempo é a unidade durante a qual se atende o sujeito. Em O critério de comodidade lembra que, em seus aspectos
princípio, essa unidade será sempre a mesma para cada sujeito manifestos, o paciente já deve dispor de sua caixa de trabalho ao
(individual ou grupai), mas poderá ser variável de um sujeito para entrar no consultório, como sinal de sentir-se esperado e aceito.
outro. Na prática com diferentes clientes, há diferentes unidades Ambos os critérios - o de não comunicação e o de
de tempo; porém, de acordo com os critérios a seguir. comodidade - indicam que se atende durante um tempo e deixa-se
um tempo livre entre um e outro paciente. De modo nenhum são
necessários impreterivelmente SOmin. Porém, começar na hora,
1 Para uma explicação mais detalhada sobre o modelo da Epistemologia
Convergente, pode-se consultar o primeiro capítulo de Psicopedagogia: Teoria, dispor de lOmin de descontaminação etc. faz com que essa unidade
Clinica, Investigación. [N.T. Este livro foi publicado na Argentina, em 1993.] de tempo seja adequada.
30 31
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

O motivo de fixar a sessão em 60min para determinados Esse seria o tempo contratual, o qual se encontra precedido
pacientes responde ao critério que denomino realidade social, o qual se e seguido de tempos que Ulloa denomina pré-entrevista e pós-
junta aos outros dois já comentados, ou seja, que não é diferente dos entrevista, respectivamente.
mesmos. Esse critério significa o uso de uma unidade de tempo
universalmente utilizada, no sentido de ser o tempo consensual dos
adultos. Com crianças, adolescentes ou adultos com dificuldades muito
importantes, sejam emocionais, intelectuais ou ambas conjugadas, a
experiência clínica indica a conveniência de utilizar um tempo de 60min,
o qual oferece a eles uma situação mais compreensível e manejável. Pré-entrevista |
Por outro lado, isso não é muito diferente do que acontece com a criança Omin(8h)
quando começa a aprender a hora; ela pode entender muito melhor às
5h, às 6h, às 7h, e não as 7h50min ou às 9h40min.
Quanto ao tempo X, este se fixa tendo em conta não só os critérios
de não-contaminação, comodidade e realidade social, como também da
realidade individual. O tempo X pode significar tanto uma unidade 30min
ou 45min, como outra de 90min ou 150min. Quando um paciente, por
impossibilidades intrapsíquicas, não pode permanecer mais tempo, é 50min(8h50)
conveniente atendê-lo num tempo menor que os 50min habituais. Considero Pós-entrevista
que isso é indicado para que o limite seja dado pelo próprio assistido. l 1
Pode também acontecer que haja necessidade de fazer uma sessão de
mais tempo não só por questões intrapsíquicas, mas também por situações
que se geram interpsiquicamente, como uma situação de abandono e
outras, tais como dificuldades para comparecer com maior frequência, o
que é possível, em alguns casos, resolver com entrevistas prolongadas. Esses tempos unem a entrevista ao contexto temporal
Qualquer que seja o tempo que se use, 50min, 60min ou X, o tempo contínuo.
deve constituir para o psicopedagogo uma categoria conceituai que permita
localizar os fenómenos em espaço e subespaços temporais. Esse problema
tem sido resolvido por dois autores: Fernando Ulloa e Pichon-Rivière. Em
primeiro lugar, comentarei minha interpretação do modelo de Ulloa.
A duração de uma sessão pode ser representada da seguinte
maneira:

Omin (8h)

50min(8h50)

32 33
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Ao mesmo tempo, a sessão possui espaços internos, três espaços Na construção dos subespaços temporais, é possível se
internos: o começo da entrevista, a entrevista propriamente dita e o fim observar distintas possibilidades e combinações.
da entrevista.
a) A duração objetiva de cada momento

Espaço externo • Pré-entrevista O min


10 min
20 mm
Começo da entrevista - Omin 20 min
5 min
Espaço interno •
Entrevista propriamente dita 20 min
33 min

Final da entrevista 50 min .0 min


2 min 12 min
0 min
Espaço externo Tpós-entrevista

b) A inexistência de um momento
Aqui deve se notar que existe um espaço temporal
contratual com subespaços resultantes da construção que realizam
Começo da Entrevista pro-
o entrevistado, por um lado, e o psicopedagogo, por outro. 25 min
entrevista priamente dita
Enquanto o espaço contratual é fixo, seus subespaços
Final da Final da
internos caracterizam-se por uma coincidência têmporo-vincular e entrevista
25 min entrevista
são essencialmente dinâmicos. Não são tempos pré-estabelecidos.
Habitualmente, explico a localização e extensão desses
momentos de forma prática, mediante o seguinte gráfico:
c) A concordância dos momentos internos (princípio do
Pré-entrevista i Desde que se tem começo da entrevista, entrevista propriamente dita e o fim da
! notícias do paciente
entrevista) com o espaço contratual etc.
Começo da entrevista Omin Desde que transpõe a
porta do consultório Mil
Pré-entrevista ""Pré-entrevista
0 min
Entrevista propriamente dita Desde que começa a Começo da
tarefa entrevista Começo da

Quando termina a Entrevista pro-


Final da entrevista 50 min
tarefa priamente dita Entrevista pro-
priamente dita
Quando transpõe a Final da
Pós-entrevista entrevista 50 min
porta do consultório Cf) m j n Final da
Pós-entrevista entrevista
Quando ainda se tem
notícias do paciente Pós-entrevista

34 35
/ ( ) / ( / < ' 1//SCO Clínica Psicopedagógica

Enquanto na entrevista (I) há coincidência, na entrevista (II) Também devo dizer que tanto com o enfoque diacrônico,
o fim prolonga-se, e o paciente "transgride" o limite temporal como com o sincrônico, é possível investigar não só o cliente, como
contratado, não conseguindo sair. também o próprio psicopedagogo ou o vínculo entre ambos.
Em cada um desses momentos, é possível observar ansiedades, Sem dúvida alguma, a discriminação e o uso ou a construção
defesas, estruturas de conduta, comunicação, aprendizagem etc. dos cinco momentos no modelo de Ulloa, assim como a pré-tarefa, a
Esse modelo tem me servido, na prática clínica, para realizar tarefa e o projeto do modelo de Pichon-Rivière (que veremos em
dois tipos de análise: uma diacrônica e outra sincrônica. seguida) não só dependem da afetividade, mas também do nível
Realizo a análise diacrônica considerando uma entrevista epistêmico do sujeito tal como foi demonstrado por investigadores
em sua totalidade, um momento ou momentos de uma entrevista da Escola de Genebra, embora não tenham sido investigações
(sejam esses momentos simétricos ou assimétricos). referidas especificamente a esses modelos. Entre estes autores
encontra-se César Coll que, em seu artigo La Significación
Uma entrevista Um momento Momentos de uma
entrevista Psicopedagógica de Ias Actividades Espontâneas de Exploración,
comenta sobre as relações entre o uso do tempo e a idade (entenda-
j~Pré-entrevÍsta~; Pré-entrevista "; l Pré-entrevista
se estrutura cognitiva).
Comí CO da Come ço da 2 Começo da O modelo de Pichon-Rivière considera três configurações: a
entre visl a entre /is ta entrevista
pré-tarefa, a tarefa e o projeto. A pré-tarefa, a tarefa e o projeto são
Entre i/Í St a pro- 3Entrevista pro- instâncias necessárias no processo do desenvolvimento e diante de
Entre' /is :a pro-
priarr enl e dita prian; er te dita priamente dita cada nova aprendizagem.
4Final da A pré-tarefa pode adotar distintas formas, as quais são
Final da Final era
entras \/is1 i entrevista expressão das resistências à mudança e, como se sabe, aprender
entrevista 1

Pós-e\5/evista| 5Pós-entrevista implica mudanças. A pré-tarefa pode assumir as características de


Pós-entrevista l
_ _ . . _ . _ , _ . _ !
medo à indiscriminação (ansiedade confusional), de medo ao ataque
Denomino o estudo dos momentos l e 5 ou 2 e 4 como análise (ansiedade esquiso-paranoide, em termos kleinianos) e de medo à
dos momentos simétricos e chamo análise de momentos perda (ansiedade depressiva, também em termos kleinianos).
assimétricos ao estudo de l e 2, l e 3, l e 4, 5 e 4, 5 e 3... 2 e 3, 2 e 5 A tarefa diferencia-se do trabalho porque, enquanto o
etc. trabalho tem pouca mobilidade (o termo deriva de tripalium, que
A outra análise, ou análise sincrônica, consiste no estudo quer dizer atado a três paus), a tarefa vai do manifesto ao latente e
comparativo de um mesmo momento - a entrevista propriamente deste ao manifesto, enriquecendo ambos os aspectos
dita, por exemplo - correspondente a diferentes sessões. Essa reciprocamente. O trabalho - em sua significação oposta à tarefa - é
análise pode se desenvolver de acordo com distintos modelos: forçado, cria estereótipos e inibe a verdadeira mudança.
a) o começo e final de um tratamento; O projeto consiste numa configuração na qual se anuncia uma
b) momentos prévios e posteriores a interrupções nova abordagem; não é necessariamente um projeto escrito, nem
estipuladas (férias, por exemplo); sequer falado ou pensado. Dá-se como uma modificação de atitude
c) entrevistas com certo tempo de separação uniforme: l9, (de sentar-se na ponta da cadeira ou sentar-se cómoda e
109, 202, 30° dias de um mês relaxadamente; de não abrir a caixa de trabalho ou de abri-la e
trabalhar).
1/3 W/3 20/3 30/3
Essa modificação, como veremos detalhadamente mais adiante,
pode se dar numa ou nas três áreas de expressão da conduta.

36 37
íorqc Visca Clínica Psicopedagógica

O ESPAÇO precise de um continente cujas características devem responder a


necessidades pouco desenvolvidas. Essas características aparecem
em pessoas que apresentam deficiências mentais ou psicoses, por
exemplo, como também adultos que podem ter aspectos infantis,
cujo caso deve ser atendido nesse tipo de consultório.
Em contrapartida, o consultório de adultos - no qual também
atendo crianças cujas dificuldades e conduta, em geral, não são
altamente infantis - dispõe de outro estilo de construção, mobiliário
e organização geral. Os clientes que são atendidos nesse consultório
O estudo genético e dinâmico do espaço está vinculado ao apresentam um predomínio de aspectos maduros,
conhecimento de um dos elementos do enquadramento, que independentemente de sua idade cronológica.
denominarei de lugar. O lugar é o consultório, estúdio ou sala onde O terceiro tipo de consultório, no entanto, significa um
se realiza o atendimento. O espaço, como o tempo, pode ser âmbito distinto dos quais estamos acostumados; é um lugar
estudado segundo sua dimensão instrumental ou conceituai que, qualquer, a rua para quem tem dificuldade para locomover-se na
nesta oportunidade, serão abordadas conjuntamente com cidade, as lojas para quem não sabe comprar e, assim,
indicadores de suas diferenças e complementaridade, levando-se sucessivamente, segundo cada caso em particular.
em consideração apenas as predominâncias. Em outros termos, o consultório é o prolongamento do
Aqui também cabe representar a ideia por meio de um psicopedagogo, ou seja, um dos objetos intermediários oferecido
quadro que permita a rápida caracterização de três tipos de pelo mesmo. Por isso, ele deve oferecer toda a continência
consultório: necessária para que o cliente expresse a si mesmo livremente e
possa tomar contato com os objetos e situações que facilitem sua
aprendizagem.
Lugar Idade e ou déficit O consultório deve responder a determinados critérios:
comodidade, segurança, seleção de reativos, não-modificação de
Consultório de crianças Crianças ancoragens e ancoragens diferenciais.
Débeis mentais O critério de comodidade implica todos os atributos que
Psicóticos
fazem do consultório um lugar que recebe o cliente exatamente
como ele é, sem impor-lhe condições, como também que lhe dê a
Consultório de adultos Sujeitos com elementos não muito segurança e a certeza de que suas dificuldades não serão conhecidas
infantis (regressivos)
por terceiro. A seleção de reativos indica que não é qualquer objeto
que é indicado tanto para o espaço do consultório, como para os
Espaço externo, rua etc. Sujeitos que apresentam déficits na
aprendizagem assistemática clientes; daí a necessidade de diferentes tipos de consultórios para
crianças e adultos, por exemplo. Por último, o critério de não-
modificação de ancoragens, que inclui as ancoragens diferenciais,
significa que os elementos do consultório devem permanecer
Para uma primeira caracterização desses três tipos de estáveis (não introduzir, tirar ou variar a disposição dos elementos
consultório, é preciso esclarecer que o consultório de crianças não é que o compõem), como também que o mesmo deve possuir
utilizado apenas para atender crianças, mas qualquer pessoa que elementos distintos, que o diferenciem do consultório de outras

38 39
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

especialidades, como é o caso do consultório de um psicoterapeuta, corresponde à Escola de Genebra não serve para a clínica ou não
por exemplo, e que, em seus aspectos mais manifestos, possa se serve da mesma maneira. É interessante destacar como os autores
parecer como um consultório psicopedagógico. que se localizam em uma linha construtivista partem de postulações
Esses critérios de não-modificação de ancoragens e de que podem se integrar em proveito de uma epistemologia
ancoragens diferenciais apoiam-se: a) na necessidade de facilitar a convergente. Para mencionar um exemplo, basta recordar o
discriminação ou diferenciação entre o objeto interno e o externo e "adualismo" de Piaget e a posição "glischro-carica" de Bleger, que
b) na necessidade de respeitar certo grau de depositações que o se refere a uma organização mental arcaica que leva à ansiedade de
cliente possa realizar nos objetos da sala. A discriminação do objeto confusão total; são duas concepções que indicam como ponto de
interno (resultante do nível de depositação alcançado e de atividade partida a indiscriminação do eu e não-eu.
fantasmática) com o externo (neste caso, o consultório) facilita a O conceito de campo da conduta, desenvolvido por Bleger,
confrontação frequente de ambos, o que não acontecerá se permite uma clara explicação das relações que se estabelecem entre
ocorrerem frequentes variações no espaço do consultório. Essa um paciente e o consultório. Esse autor define campo "como o
necessidade de respeitar certo grau de depositações explica-se pela conjunto de elementos interatuantes em um dado momento" e
"teoria dos três D", elaborada por Pichon-Rivière e que postula as distingue o campo ambiental ou geográfico do campo psicológico.
interações entre depositante, depositário e depositado. Em nosso caso, o campo geográfico estaria constituído pelo
O depositante, como dizia Pichon-Rivière em suas aulas, é o psicopedagogo, a caixa de trabalho, o mobiliário e tudo que for
cliente do banco, o depositado é o capital que deixa guardado e o externo ao sujeito atendido, enquanto que o campo psicológico
depositário é quem faz o trabalho de receber o depósito. Da mesma está constituído pelo sujeito. Por sua vez, o campo psicológico possui
maneira, o cliente (depositante) controla suas ansiedades uma subestrutura: o campo de consciência, podendo acontecer
(confusional, esquizo-paranoide e depressiva) depositando sobre os várias relações entre os três campos durante o processo de
objetos (depositários) do consultório, seus medos (depositados). Essa atendimento.
estratégia serve-lhe para enfrentar outras situações que, no caso do As diferentes relações de concordância e discordância entre
atendimento psicopedagógico, são as novas aprendizagens. Por isso, os três campos podem ser visíveis nos diferentes membros de um
dizemos que não são convenientes as trocas dos objetos sobre os grupo, o que se poderia representar usando o esquema proposto
quais haviam sido operadas as projeções; o melhor é que o espaço por Bleger, como segue:
permaneça constante.
Na atividade clínica, pode se observar como, em certas B B
patologias, os clientes são muito mais sensíveis às mudanças de
móveis etc., no princípio do tratamento, mesmo quando, na maioria II c III IV |c
das vezes, não tenham consciência nem das mudanças, nem dos
1 c LçJ 1
efeitos produzidos neles. Isso não devemos estranhar, já que, no B B |

T
tratamento, reedita-se, salvando as diferenças, o que Piaget
comenta na obra A Construção do Real na Criança quando diz que,
no princípio, o sujeito ignora a si mesmo e ao mundo que o rodeia A
de tal forma que, nas próximas etapas, é concebido como uma
substância permanente e independente do eu e de sua atividade. A = Camp o geográfico •
Para certos autores, o enfoque piagetiano e o psicanalítico B = Campo psicológico
são diametralmente opostos e, portanto, acreditam que aquilo que C = Camp o da consciência

40 41
lorqc V isca Clínica Psicopedagógica

Na figura, o primeiro exemplo (I) mostra a total coincidência A CAIXA DE TRABALHO


que se dá entre os três campos: geográfico, psicológico e de
consciência; no segundo (II), há uma total dissociação entre o campo
geográfico e os outros dois: psicológico e de consciência; no terceiro
(III), coincidem os campos geográfico e de consciência, mas não o
psicológico (o sujeito pensa de forma interessada no que tem diante
de si, mas não possui uma atitude corporal coerente, pois se encontra
com o corpo tenso como se estivesse para ser atacado); no entanto,
no quarto exemplo (IV), ocorre totalmente o oposto, ele parece
estar interessado, mas pensa em outro assunto; no quinto (V), dá- A caixa de trabalho apresenta três características essenciais:
se uma total indiscriminação, com absoluta indiferenciação de a) é uma constante do enquadramento; b) é um continente; c) tem
campos. conteúdos.
Dos resultados obtidos por distintos autores que investigaram Tudo o que se pode dizer em relação ao consultório, toda
crianças normais, assim como crianças e adultos portadores de consideração genética e dinâmica, também vale para a caixa de
necessidades especiais, pode-se inferir que a concordância do campo trabalho. Os critérios utilizados para definir o consultório
psicológico com o geográfico, ou ambiental, requer tanto certo nível (comodidade, segurança, seleção de reativos, não-modificação de
de estruturação cognitiva, como de relação afetiva, as quais, por outro ancoragem e ancoragens diferenciais) também servem para a caixa
lado, guardam uma estreita relação entre si. de trabalho; a comodidade traduz-se particularmente em tamanho;
Assim como é possível observar o uso e concordância que o a segurança, em que seus déficits e materiais não serão conhecidos
paciente faz do tempo, também é possível observar em relação ao por outras pessoas; a seleção de reativos, em que os elementos
espaço, deduzindo-se que um dos primeiros objetivos do contidos na caixa não distraiam; a não-modificação de ancoragem,
atendimento psicopedagógico consiste em arbitrar os recursos para em que os materiais temidos e amados, conhecidos e desconhecidos
que se obtenham uso e concordância adequados. fiquem sob controle do aprendiz.
Cabe dizer, também, que a caixa de trabalho é única, não
somente por ser usada por um único cliente (individual ou grupai),
mas pelo fato de que não haverá duas caixas iguais, da mesma
maneira como não existem dois sujeitos e dois diagnósticos iguais;
cada caixa é a réplica do diagnóstico que a produziu, pois se configura
em função de parâmetros que também figuram no diagnóstico:
déficits de aprendizagem, sexo, idade, meio sócio-cultural,
prognóstico e grau de focalização da tarefa.
O estágio de pensamento determina o grau de sensibilidade
e de operatividade do sujeito. Os diferentes níveis de construção
cognitiva constituem um parâmetro em função do qual se
selecionam os materiais da caixa de trabalho. Assim, por exemplo,
quando uma pessoa apresentar-se insensível frente a um jogo de
xadrez, poderá, no entanto, vincular-se com um jogo que requeira
operações de um menor nível de complexidade.

42 43
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

O feito de colocar um jogo, cujo uso requeira um nível de Como déficits de aprendizagem, refiro-me tanto aos do
construção das operações que o paciente não dispõe, vai significar, em campo da educação sistemática: escrever, operar matematicamente,
primeira instância, que o sujeito o utilize, mas de uma maneira que não ler etc., como aos do campo da educação assistemática: cozinhar,
corresponde à finalidade para a qual o material foi criado: poderia tecer, dirigir etc.
brincar de soldadinhos com as peças de xadrez, o que, em realidade, O sexo também é outro aspecto que deve ser levado em conta,
não teria maior transcendência. Também pode ocorrer que o sujeito pois, quer por prescrição social ou pelo que os sujeitos possuem de
deseje se acomodar ao uso consensualmente pré-estabelecido, ou seja, identidade nesse sentido, pode-se observar certa tendência para a
deseje aprender a jogar xadrez. Na prática clínica, é fácil observar quando escolha de materiais e atividades. Isso não implica que o profissional
um sujeito é submetido a situações que exijam dele além de sua deva fazer uma discriminação preconceituosa que prejudique a
estrutura cognitiva; ele responde por meio de condutas que revelam identificação e o andamento da aprendizagem do sujeito.
ansiedades confusionais, esquiso-paranoides ou depressivas, com os Outro tanto pode se dizer a respeito da idade, a qual constitui
consequentes inconvenientes que isso pode provocar. um problema interessante a ser estudado com tal profundidade
Os interesses ou motivações constituem o motor das condutas que, no meu entender, ainda não tem sido alcançada. Nos primeiros
de aprendizagem, as quais se encontram sempre relacionadas a momentos de minha atividade profissional, trabalhando em uma
objetos e a ações que, com eles, são possíveis de realizar-se. Por instituição hospitalar, formei um grupo cujos integrantes tinham
outro lado, é importante ressaltar que distintos objetos requerem duas características similares: eram do sexo feminino e tinham o
semelhantes condutas de um sujeito: por exemplo, de certo ponto mesmo estágio de pensamento, possuindo, entre outras diferenças,
de vista, ler uma revista, um livro de receitas culinárias, um manual idades marcadamente distintas. Esse erro significou, para mim, uma
de xadrez ou um livro de leituras escolares exigem, em todos os casos, enriquecedora experiência e permitiu-me observar os diferentes
ler e, ao mesmo tempo, pode satisfazer diferentes interesses interesses que possuíam, apesar de terem o mesmo nível de
segundo cada material. Quando um sujeito resiste à mudança, o operatividade, assim como as distintas atividades escolhidas, não
interesse e a motivação apresentam-se como uma fresta em seu suspeitáveis, independente do êxito que obtivessem nelas.
sistema defensivo, o que nos permite penetrar para intervir. O meio sociocultural também tem um importante papel na
Recordo-me de um jovem com ideias delirantes, cujo seleção dos materiais da caixa de trabalho. Os objetos possuem
fechamento era absoluto. Não se vinculava mais do que com um diferentes níveis de significação: individual (inconsciente, pré-
canário que tinha em casa e com algumas outras poucas coisas, todas consciente e consciente), grupai (familiar e do grupo social imediato
as quais tinham como ideia central "Pipi", nome com o qual chamava no qual se encontra inscrita a família) e geral (que coincidirá com
sua avezinha. Não queria fazer nada, e passamos certo tempo nessa
seu uso mais universal).
atitude, pois não queria recortar porque temia se arrepender,
Isso pode ser representado graficamente como segue:
aprender a escrever porque... etc. Até que surgiu a ideia de construir
um móbile com aves (aves era sua ideia delirante), o que aceitou e
foi o princípio da mudança que lhe permitiu começar a aprender até
quase completar sua escola primária.
Os déficits na aprendizagem constituem outro critério para
a escolha do material da caixa de trabalho. Eles devem ser levados
em conta, o que não significa, de maneira alguma, que um material
seja escolhido exclusivamente em função desse critério, mas que,
muito pelo contrário, será somente um critério que deve se conjugar
aos restantes, previamente mencionados, que seguirei detalhando.
44 45
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Por último, referir-me-ei ao que denomino grau de


Universal Nível geral focalização da tarefa. O grau de focalização da tarefa significa o
quanto a centralização em um determinado déficit faz emergir o
Comunitário Níveis de déficit, ou a sua sombra, sobre o qual o psicopedagogo exercerá sua
— significação ação.
compartilhados É possível se praticar tratamentos focalizados e não-
Familiar
focalizados. Para os primeiros, o sujeito deve possuir um ego
suficientemente forte, e sua dificuldade em questão deve ser
Consciente relativamente independente de outra, ou única. O grau de focalização
Níveis de só pode ser determinado em função do diagnóstico.
Pré-consciente significação Em termos gerais, classifico os reativos de conduta em:
individual distrativos e reativos de conduta propriamente ditos. Os distrativos
Inconsciente podem ser entendidos como: a) objetos que afastam o aprendiz de
sua tarefa de tal maneira que o impedem, inclusive, de aproximações
tangenciais; b) reativos que, mesmo não sendo negativos para o
Os objetos possuem, para o sujeito, distintos níveis de sujeito, afastam-no do foco de suas necessidades e complementam-
significação; porém, o que aqui desejo destacar é a necessidade de se com suas resistências para abordar a tarefa. Já os reativos de
conduta propriamente ditos são os adequados para o tratamento,
que exista certa correspondência entre os níveis compartilhados e
seja ele focalizado ou não. Os distratores-B são aqueles reativos
os materiais da caixa de trabalho, pois a prática mostra que, quando
que se não são negativos para o sujeito, alteram o foco de suas
os objetos estão muito distantes da ideologia do sujeito, ele pode
necessidades e se complementam com suas resistências para abordar
os recusar e rejeitar.
O obstáculo epistemológico, caracterizado por Gastón a tarefa, enquanto que os distratores-A são aqueles que o alteram
Bachelard e retomado por Pichon-Rivière, põe em evidência a de tal maneira, que impedem até aproximações tangenciais.
influência da cultura como fator de resistência a certas mudanças
que, nesse caso, corporificam-se na abordagem e no tratamento
Distratores-A
dos objetos e materiais.
O prognóstico - hipóteses sobre o estado ou estados futuros Distratores-B
dos sintomas e dos obstáculos - também guia a seleção dos materiais.
A caixa de trabalho é uma constante e, como veremos mais adiante, Reativos de conduta
possui uma variabilidade da qual não gozam as outras constantes e, por propriamente ditos <-> tarefa
isso, deve ser organizada, sem dúvida, da forma mais estável possível.
Por isso, os prováveis estados futuros servem para que disponibilizemos
antecipadamente os materiais que podem ser usados, pelo menos, em
um futuro relativamente próximo. Porém, na caixa de trabalho, ainda
devem se incluir não somente materiais que correspondam ao estado
Em síntese, a seleção do material da caixa de trabalho só
atual e futuro do aprendiz, mas também aos níveis já superados, pois
pode se realizar sobre a base da utilização integrada de todos os
servirão de ponto de apoio em uma "regressão instrumental" para
critérios, aplicada aos resultados de cada diagnóstico. Na interseção
retomar o caminho que se encontra adiante.
46 47
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

desses critérios é que se encontra o material mais pertinente para A FREQUÊNCIA, A DURAÇÃO, AS INTERRUPÇÕES
produzir mudanças. A caixa de trabalho é, de certa maneira, o
REGRADAS E AS CONDUTAS PERMITIDAS
prolongamento do psicopedagogo e, entre ele (seu prolongamento)
e o paciente, vai se estabelecer um duplo vínculo em quatro vias.
Pichon-Rivière foi quem desenvolveu o conceito de duplo
vínculo em quatro vias, aproximadamente como segue: entre duas
pessoas, é estabelecida uma relação vincular recíproca, implicando
no vínculo de cada uma para com a outra, pondo em ação aspectos
positivos e negativos. Sempre, entre um sujeito e os objetos
(humanos ou físicos), é estabelecido um duplo vínculo em quatro
Frequência é uma constante do enquadramento que indica
vias:
o número de vezes que o sujeito (indivíduo ou grupo) é atendido
em um tempo dado: semana, quinzena, mês; duração é o tempo
total do tratamento, necessário para a reabilitação total ou parcial;
interrupções regradas são as datas convencionadas, mediante mútuo
acordo, nas quais o paciente não receberá atenção; as condutas
permitidas constituem o conjunto daquelas delimitadas por meio
da consigna inicial do tratamento.

Tal como comentei, a frequência está dada pelo número de


Na situação psicopedagógica, o objeto, a caixa de trabalho, vezes que o sujeito é atendido em um tempo determinado, podendo
existir uma significativa gama de frequências tanto pelo aspecto
é o prolongamento do psicopedagogo:
quantitativo, como pelo qualitativo. O primeiro refere-se ao número
de entrevistas, e o segundo a sua localização no tempo, dado que a
frequência tanto pode adotar a forma de frequência distribuída,
como de frequência acumulada.

A maior frequência é, geralmente, de seis vezes por semana,


de segunda-feira a sábado; a frequência ideal (distribuída) é de três
vezes por semana (por exemplo, segunda, quarta e sexta-feira) e a
menor é de duas ou uma vez por semana (esta só é útil em situações
de acompanhamento ou em casos muito particulares).
A frequência acumulada é utilizada, preferentemente,
naqueles casos em que o efeito cumulativo facilita: a) a ruptura de
esquemas rígidos; b) a consolidação de aquisições que, ao contrário,
perdem-se (como certos movimentos).
Os critérios para estabelecer a frequência são:
1) necessidade do sujeito (por exemplo, em relação às
experiências escolares);

48 49
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

2) tempo de perda (por exemplo, esquecimentos, estruturas já construídas, abandono, negação da dificuldade,
desorganizações de ações); para perdas mais recentes, maior estimulação inadequada, exigências aquém das estruturas já
frequência; construídas e outras. Assim como há incidências favoráveis ao
3) tempo de elaboração; quanto maior rapidez, menor a desenvolvimento, tais como: aceitação das dificuldades, estimulação
frequência; suficiente, exigências de acordo com a estrutura.
4) incidência positiva ou negativa do meio; De outra forma, pode-se dizer que a frequência
5) tempo do psicopedagogo para conduzir as sessões; o qual instrumentada adequadamente incide sobre o estabelecimento e a
faz referência ao fato de que o profissional também terá um tempo continuidade dos vínculos entre o paciente e a situação
de reação frente ao paciente, que incidirá, sem sombra de dúvidas, psicopedagógica devido à confrontação e à modificação do objeto
no processo geral. Esse aspecto também deve ser levado em conta interno com o externo e, particularmente, pela reelaboração do
para fixar a frequência. O tempo do psicopedagogo depende não terceiro excluído.
somente do conhecimento teórico, técnico e da experiência referente
à patologia particular a tratar, mas também às suas características de
personalidade; Caixa de
6) aspectos práticos, tais como distância, mobilidade, tempo ^trabalho
livre, do cliente e sua família (no caso de deverem acompanhá-lo).
Em síntese, a frequência deve considerar tanto a dimensão Consultório
intrapsíquica, como interpsíquica, em função dos aspectos cognitivos
e afetivos; em outros termos, a intraoperatividade e a Psicopedagogo
interoperatividade, como também o que poderíamos chamar de
intraafetividade e interatividade.

Exigências Aceitação Essas modificações provocam mudanças de atitude frente a


acima da
estrutura
Estimulação
situações de aprendizagem, muitas das quais provém da
Abandono. reelaboração do terceiro excluído. O conceito de terceiro excluído
Incidências Exigências de acordo também foi reelaborado por Pichon-Rivière de acordo com a
Estimulação — com as estruturas Incidências concepção kleiniana, sendo de grande utilidade para o
negativas - deficiente 'positivas
do meio entendimento de certas reações frente à aprendizagem. Esse
Etc.
do meio
conceito pode se resumir assim: quando a criança é pequena,
encontra-se com um de seus progenitores e aparece aquele que
estava ausente; como também quando ambos estão juntos e a criança
ingressa na relação dual, produz-se a vivência da exclusão que pode
chegar a configurar-se, intrapsiquicamente, como um esquema de
reação frente a situações futuras. Esse estilo de conduta necessita
de uma tela de "depositações" que sirva para projetar a fantasia de
Existem incidências do meio que nos ajudam a decidir a perseguição exercida pelo terceiro excluído (aquele que fica fora
frequência. Há incidências negativas que interferem no da relação dual), a qual se produz, frequentemente, nas situações
desenvolvimento do aprendiz, tais como: exigências além das de mudança.

50 51
Clínica Psicopedagógica

Em situações de aprendizagem - que, naturalmente, contém a contratos: quando se desconhece a evolução em termos de hipótese
mudança -, a atualização do terceiro excluído dá-se com frequência prognostica ou quando, conhecendo a evolução em termos hipotéticos,
inusitada, aparecendo comumente sob a forma de não-aceitação de é desconhecido o tempo aproximado que tal evolução exigirá.
uma nova estratégia para aprender ou para resolver situação A duração do tempo limitado propriamente dito é fixada
problemática: "O professor disse que se faz assim, e não como você quando um fato externo impede a indefinição do tempo. Fatos, tais
está dizendo."; "Por que minha mãe não me deixa?" Nesses exemplos, como viagem (que implica uma mudança definitiva), trabalho (que
tanto o professor como a mãe estão sendo vividos como terceiro excluído indica a necessidade de reabilitação do sujeito em um espaço de
e, portanto, perseguidores na relação paciente-psicopedagogo. tempo tal, após o qual ele mesmo necessitará assumir suas facilidades
e dificuldades para o exercício de uma atividade, motivo por que
procurou o psicopedagogo) e outros, são alguns exemplos de situações
mais comuns. É certo, também, que essa opção implica um grau de
certeza sobre o tempo requerido e a possibilidade das mudanças a
serem produzidas.
Por último, a duração de tempo limitado em função de um
déficit ou do grau de um déficit implica a não-determinação, a prior/,
do momento de finalização, mas sim que a finalização produzir-se-
á quando se alcance um determinado nível de melhora, o qual pode
consistir no desaparecimento total ou parcial das dificuldades em
uma área restrita (por exemplo, escrita, atenção, memória).
Esse tipo de contrato admite recontratos e, geralmente, dá-
se como uma forma de transição entre o medo de ter um contrato
"fechado" para o tratamento e as verdadeiras necessidades do
PI - professor introjetado como "este é o único procedimento para resolver cliente. Frequentemente, a família, ou mesmo o cliente, não admite
um problema" um tempo indeterminado.
P2 - professor representante do terceiro excluído Sem dúvida, não é possível realizar contratos de tempo
limitado, de um ou outro tipo, em qualquer caso. Para que isso possa
A frequência deve ser tal que permita uma aproximação
ocorrer, é preciso avaliar os seguintes aspectos:
paulatina e continuada para facilitar a reelaboração e as resistências
a) que a semiologia da aprendizagem seja leve; nesse
à mudança. Entre essas resistências, o vínculo persecutório do
sentido, não caberia a atenção de uma criança portadora de alexia,
terceiro excluído é um dos principais a serem levados em conta na
e sim de dislexia;
relação entre sujeito e psicopedagogo.
A duração consiste em um espaço de tempo necessário para b) que a sintomatologia seja focalizada; nos casos de
a minimização ou superação das dificuldades do sujeito (indivíduo discalculia ou dissintaxe, seria possível esse tipo de atenção, mas
ou grupo). não seria indicado para casos de detenção global, lentificação
A duração pode ser: de tempo não-limitado, de tempo generalizada e sintomas combinados;
limitado propriamente dito e de tempo limitado em função de um c) que a sintomatologia possua uma margem de evolução; assim,
déficit ou do grau de um déficit. frente a uma dificuldade específica, é necessário determinar se, na
Sobre a duração de tempo não-limitado, pode-se dizer - em estrutura cognitiva já alcançada, existe um nível de desenvolvimento
primeira instância - que é a mais comum e que ela é estipulada nos possível, que permita supor que aquela dificuldade pode se modificar

52 53
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

positivamente até chegar a adequar-se ao nível de estruturação OS GRAUS DE AFASTAMENTO DO ENQUADRAMENTO


existente; um exemplo disso seria uma discaligrafia, expressão de uma
dispraxia originada em uma defasagem entre os aspectos figurativos e
operativos do pensamento, no qual os aspectos operativos tenham
alcançado um melhor desenvolvimento que os primeiros;
d) que o sujeito possua um "eu" suficientemente forte, capaz
de tolerar frustrações, dado que aprender significa aceitar que não
se sabe, o que produz um permanente impacto narcisístico, ainda
que, ao mesmo tempo, possa dar muita satisfação;
e) que o sujeito apresente uma baixa tendência a atuações A seguir, será abordado o que denomino graus de
que impedem enfrentar e resolver conflitos; afastamento do enquadramento sobre a base da integração dos
f) que exista uma motivação para um atendimento parâmetros que foram desenvolvidos até aqui - ou seja, as
psicopedagógico breve; constantes do enquadramento - e um instrumento conceituai que
g) que o sujeito possua capacidade para complementar a serve para a avaliação dinâmica da conduta. Este instrumento
tarefa fora do consultório (exercitando, generalizando e conceituai elaborado por Pichon-Rivière, o qual chamou de "cone
discriminando os ganhos obtidos); invertido", serve tanto para avaliar a conduta do paciente (individual
h) que o sujeito possua capacidade de estabelecer um bom ou grupai) como a do psicopedagogo.
vínculo com o psicopedagogo. O cone invertido toma o nome de sua representação gráfica:
A esses critérios, caberia agregar alguns mais, de menor
importância, como também distinguir, com mais especificidade, os
que são mais indicados para um ou outro tipo de tratamento de
tempo não-limitado. Filiação ou Comunicação
As interrupções regradas são as datas e os períodos previamente pertencimento
combinados e aceitos mutuamente, nos quais não haverá atendimento.
Os feriados nacionais, as férias de verão e de inverno, além de algumas Aprendizagem
Cooperação
datas que, por motivos religiosos ou outros, sejam respeitados pelo
cliente são os elementos que constituem essa constante do
enquadramento. Também é possível incluir nessa constante os períodos Pertinência ou eficácia Tele ou distância afetiva
de afastamento para uma cirurgia e sua recuperação, por exemplo,
sempre que os mesmos sejam conhecidos de antemão.
Mudança
Mais um elemento será agregado, o qual possui relação com
a última constante - as condutas permitidas - que é estabelecida na
explicitação do objetivo do atendimento psicopedagógico. Esse Esse instrumento é composto de seis vetores de análise: os
objetivo é traduzido em uma expectativa de condutas que é da esquerda (pertencimento, cooperação e pertinência) e os da
comunicada ao cliente na primeira entrevista, mediante uma direita (comunicação, aprendizagem e tele) em virtude dos quais é
consigna que delimita o espectro de suas possíveis ações. possível medir, em termos dinâmicos, a mudança.
Para explicar resumidamente, o pertencimento consiste no
sentimento de ser parte; a cooperação consiste nas ações em relação

54 55
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

ao outro; a pertinência, na eficácia com que se realizam certas ações. comunicação, da aprendizagem e da tele; e o mesmo pode ser dito
Por outro lado, a comunicação pode se caracterizar como o processo em relação à pertinência.
de intercâmbio de informações, o qual pode ser entendido do ponto A posição do cone (invertido) e o fato de encontrar-se aberto
de vista da teoria da comunicação ou da teoria psicanalítica; a em sua parte superior levaram seu autor a chamá-lo frequentemente
aprendizagem é entendida como a apreensão instrumental da de funil7 porque, segundo dizia, é o meio pelo qual se dava acesso
realidade; e a tele (palavra de origem grega usada por Moreno, autor a uma nova situação.
do Psicodrama), compreendida como a distância afetiva (positiva ou
negativa).
Enquanto os indicadores da esquerda são resultado de uma
transformação qualitativa (de negativo a positivo), os da direita não Filiação ou Comunicação
o são, mas servem como indicadores dos primeiros. O fato dos três pertencimento
primeiros serem resultado de uma transformação qualitativa 6
implica que, assim como não se pode dar a pertinência sem a Cooperação Aprendizagem
cooperação, tão pouco se alcança a cooperação sem o
pertencimento. Ao contrário disso, comunicação, aprendizagem e
tele são indicadores que servem para cada um dos sucessivos níveis Pertinência ou eficácia Tele ou distância afetiva
alcançados (pertencimento, cooperação e pertinência).
Mudança

Filiação ou Comunicação O pertencimento, a cooperação e a pertinência, tal como já


pertencimento foi dito, podem ser positivos ou negativos. Entre as formas ou graus
entre positivos e negativos e a transformação do pertencimento
em cooperação e desta em pertinência, dá-se um contínuo.
Cooperação Aprendizagem

Filiação ou Negativa
Pertinência ou eficácia \ Tele ou distância afetiva
pertencimento Positiva

Mudança Negativa
Cooperação —
Isso quer dizer que o grau de pertencimento (positivo ou Positiva
negativo), por exemplo, pode ser estimado em função da
comunicação, da aprendizagem e da tele; como também a Pertinência Negativa
cooperação (positiva ou negativa) pode ser avaliada em função da ou eficácia Positiva

Mudança
6 N.T. Em suas aulas, Visca falava também desses vetores como cumulativos
ou somativos, regidos por uma lei dialética que aponta para a
transformação do negativo em positivo. 7 N.T. Em castelhano, el embudo.

56 57
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Pois bem, pertencimento, cooperação e pertinência - com Falando de outro modo, o cone invertido pode ser aplicado
seus indicadores comunicação, aprendizagem e tele - podem ser a distintas unidades de análise: ao cliente, ao psicopedagogo, à
observados em função das constantes do enquadramento. relação de ambos, ao enquadramento e, em caso de atendimento
As seguintes situações representam os extremos e alguns psicopedagógico grupai, ao grupo, a um subgrupo, a um paciente e
dos estados intermediários mais significativos do pertencimento ao enquadramento.
ao espaço, que é possível avaliar com o cone invertido.
Ao paciente

ÍM
\'l
PI in | | MI ) ii—ii IV) (V)
U U

Enquadramento

(I) não pertence ao espaço; (II) pertence, mas está


totalmente ausente; (III) mesmo que sua atitude seja adequada,
seu pensamento tem outro campo geográfico; (IV) aqui, sua atitude
corporal não corresponde com o espaço geográfico, mas seu Ao psicopedagogo
pensamento sim; na situação (V), os três campos, mental, psicológico
e geográfico, são coincidentes.
Em relação ao tempo, porém, pode-se observar e analisar
além do pertencimento, a cooperação e a eficácia.
Enquadramento

Omin Omin Omin Omin a


a a

(D (H) b (II-) (M') b


c
c
À relação entre ambos
SOmin SOmin SOmin SOmin c

Se considerarmos cada retângulo representando o tempo


contratual de 50', teremos na representação (I), o uso do tempo Enquadramento
contratual sem a construção do tempo interno; nas representações
(II), (III) e (IV), teremos o tempo contratual e a construção dos tempos
internos: a) começo da entrevista, b) entrevista propriamente dita
e c) final da entrevista.

58 59
lagógi

Ao enquadramento

O CONTRATO

A um paciente, subgrupo (no caso de atendimento grupai),


grupo etc.
Os contratos constituem um acordo verbal entre duas ou
mais pessoas: psicopedagogo e paciente ou psicopedagogo,
paciente e seus pais. No mesmo, explicitam-se e fixam-se as
condições de acordo com as quais se trabalhará.
c. Os contratos podem se classificar por seu conteúdo:
01
E contratos de diagnóstico e contrato de tratamento. Por sua vez, os
m
\—
-o contratos de diagnósticos podem ser de caráter individual ou grupai,
m
3
cr o mesmo acontecendo com os contratos de tratamento. Estes, no
entanto, subdividem-se em três classes: de tempo não-limitado,
de tempo limitado propriamente dito e de tempo limitado em
função de um déficit ou grau de um déficit.

individual
O pertencimento, a cooperação e a pertinência são
de diagnóstico —
detectáveis por meio de indicadores mais evidentes ou mais sutis. grupai
No primeiro caso, mais evidentes, trata-se daqueles que são - de tempo não limitado
assimiláveis pelo manifesto escolar (para o pertencimento), pelo Contratos - individual - - de tempo limitado propria-
fazer juntos (para a cooperação) etc.; porém, deve-se distinguir entre mente dito
os indicadores evidentes e sutis e o grau de resistência e propensão de tratamento - - de tempo limitado em
à mudança. Um e outro são diferentes e, muito frequentemente, grupai função de um déficit ou
um indicador evidente é de resistência mínima, enquanto que outro nível de um déficit
sutil revela resistência máxima.

60 61
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Para os contratos de diagnóstico, deve-se estabelecer o "Eu posso reunir-me com X durante três vezes por semana,
"não-processo" ou as constantes dentro das quais o profissional vai segunda, quarta e sexta-feira, às lOh. Pode ser? Durante esta etapa,
operar. Isso oferece um marco de segurança indispensável para costumo me reunir por uns SOmin; porém, se, por algum motivo,
ambas as partes. for indicado que a entrevista seja de menos tempo, assim o farei
No diagnóstico individual, as constantes que estimo mais (isso depende da necessidade de ver níveis de rendimento com ou
importantes são: sem fadiga, como também da necessidade de distanciar certas
a) objetivo - para determinar se existem ou não provas no tempo, segundo os casos). Se for necessário, prefiro me
dificuldades de aprendizagem e as causas que as provocam, no reunir mais vezes durante menos tempo com o objetivo de poder
caso de existirem; apreciar seu verdadeiro rendimento."
b) número de entrevistas - a ser determinado sobre a base "Logo depois de reunir-me com X as vezes que forem
dos resultados que vão sendo obtidos durante o diagnóstico; necessárias, reunir-me-ei com vocês. Na primeira vez, para que me
c) duração das entrevistas; contem coisas que vocês sabem sobre X (pois, como veremos
d) sequência do processo: 1) entrevistas com o cliente, 2) oportunamente, no processo diagnóstico que proponho, prefiro
entrevista de anamnese com os pais ou adultos responsáveis no fazer a anamnese ao final); numa segunda entrevista, vamos nos
caso de crianças, adolescentes ou adultos com muitas dificuldades, reunir com o objetivo de comentar quais são as conclusões do
3) entrevista devolutiva ao paciente e sua família. diagnóstico. Também gostaria, por último, de reunir-me com X para
Para o diagnóstico grupai que realizo, sempre posterior- explicar-lhe adequadamente o que se obteve do estudo."
mente ao individual, dou prioridade especialmente ao objetivo que "Vou pedir a vocês que digam a X que vamos nos reunir para
consiste em determinar se, ao entrevistado em questão, convém que eu conheça o que lhe foi ensinado, como ele aprende, o que
integrar-se ou não ao grupo e vice-versa. sabe... e ver como eu posso ajudá-lo, se for necessário."
Aqui, é preciso deixar claro que, apesar do diagnóstico No caso do diagnóstico grupai (que realizo sempre logo após
grupai ainda se encontrar em uma etapa de investigação inicial, já o individual), além dos aspectos que são próprios de todo contrato,
pode se afirmar que o mesmo possui características muito distintas agrego: "O diagnóstico é para saber como X posiciona-se neste
daquelas do diagnóstico individual. Enquanto, nas entrevistas grupo".
individuais, predominantemente, obtém-se fatores intrapsíquicos, Outro aspecto ao qual desejo me referir brevemente é -
nas grupais, estudam-se os fatores interpsíquicos, a possibilidade com relação ao contrato - o que denomino de grau de rigorosidade.
de que os integrantes do grupo de diagnóstico configurem um grupo Em minha prática institucional e privada, tenho podido
de tratamento e assim por diante. comprovar que, para os diagnósticos e, particularmente, para os
Retomando o tema do contrato de diagnóstico individual, tratamentos, é necessário fixar pautas distintas, quer se trate de
costumo comentar com os pais o seguinte: "Vou precisar reunir com um diagnóstico ou tratamento individual, ou grupai, no âmbito
X, aproximadamente por um período de seis a dez vezes, com o privado ou institucional.
objetivo de conhecer qual a sua situação de aprendizagem. Pode Qualquer que sejam os fatores que determinam a conduta
ser que me reúna com X menos ou mais de seis vezes; o que do paciente e ou de sua família, observa-se uma pauta regular de
interessa é determinar o que se passa e quais suas causas". ausências ou desistências, que diminui à medida que se
No caso de ser uma consulta particular, agrego: "Em qualquer estabelecem e explicitam, exatamente, as condições do
caso, os honorários são sempre os mesmos, sejam cinco ou mais de atendimento. Essas condições devem se ajustar a cada meio
dez vezes; os honorários serão cobrados pelo diagnóstico total (isso particular, com um alto grau de certeza de que a especificidade
ajuda a diminuir a preocupação pelo fator económico)." deve acontecer na seguinte ordem decrescente:

62 63
Clínica Psicopedagógica
Jorge Visca

- diagnóstico e tratamento grupai em instituições; Na medida em que o contrato exige, da parte do paciente e
- diagnóstico e tratamento individual em instituições; de sua família, uma adaptação, produzem-se resistências que,
- diagnóstico e tratamento grupai privados; frequentemente, são expressas como ataques às constantes do
- diagnóstico e tratamento individual privado. enquadramento. Os ataques mais comuns são em relação: ao papel
Nas instituições hospitalares (gratuitas ou de honorários do psicopedagogo, quando se expressa o desejo de que atenda
reduzidos) onde tenho trabalhado, tenho utilizado uma cartilha na como um psicoterapeuta ou como um professor; ao espaço, quando
qual se comentam: pedem que o atendimento, por exemplo, aconteça em seu
a) objetivo do tratamento; domicílio; ao tempo em sentido amplo, quando desejam um tempo
b) data de início; de atendimento menor que o necessário, quando pedem o aumento
c) data de término; da frequência estabelecido a partir de um espaço de tempo
d) interrupções regradas; estipulado pela família, quando desejam que os encontros sejam
e) tempo de espera do profissional em cada encontro; mais curtos ou prolongados, segundo suas necessidades, ou quando
f) número mínimo de membros para que o grupo comece a pedem que se atenda em uma determinada hora etc.; às
funcionar (em caso de ser um tratamento grupai); interrupções regradas, quando esperam que a interrupção coincida
g) número permitido de faltas sem aviso; exatamente com as férias escolares, com viagens de lazer e
h) número permitido de faltas com aviso; imprevistos da família etc.
i) número total permitido de faltas; Esses poucos exemplos - dado que, em nossa clínica, tenho
j) data de reuniões com os pais; registrado um sem número deles que se repetem regularmente
k) condições para um posterior recontrato, no caso de ser em concordância com a classe social, patologia familiar etc. - são a
necessária a recontratação do atendimento pré-fixado. expressão de sentimentos onipotentes, de voracidade,
No momento do contrato, seja de diagnóstico ou desinteresses pelo verdadeiro progresso do paciente e, também,
tratamento, entrecruzam-se o que podemos chamar de pautas ou do desconhecimento do papel profissional do psicopedagogo.
expectativas do agente corretor com as do paciente e sua família, Finalmente, quero sublinhar que o contrato é o aspecto
podendo ocorrer múltiplas combinações: manifesto do enquadramento, o qual constitui em si um recurso
corretor, o primeiro que se implementa, como também o ponto de
A F A F partida, em função do qual se vai estruturar as situações posteriores
que venham acontecer no diagnóstico e ou no tratamento.

A-Agente corretor
F - Família
S - Sujeito

64 65
Clinica Psicopedagógica

O DIAGNÓSTICO

O diagnóstico psicopedagógico pode ser estudado a partir


de três níveis de abordagem: o metacientífico, o científico e o
técnico.
A reflexão metacientífica corresponde ao plano da filosofia
das ciências e tem por finalidade analisar com sentido crítico seu
objeto de estudo, quer dizer, a ciência mesma.
No plano científico, constroem-se sistemas descritivos e
explicativos do objeto e de seus estados ou comportamentos.
No nível técnico, estudam-se as regras práticas vinculadas
ao fazer empírico.
Esses três níveis de análise são complementares e
realimentam-se reciprocamente. Enquanto o objeto de estudo da
filosofia da ciência é a ciência mesma, como corpo teórico, com
seus recursos e procedimentos, a ciência ou disciplina, em nosso
caso, o conhecimento psicopedagógico, tem como objeto de estudo
a aprendizagem em seus estados normais e patológicos; ao mesmo
tempo em que a técnica tem como objeto de seu interesse o quê, o
como e o quando realizar determinada ação exploratória.
A complementaridade, o grau de inclusão e a
especificidade desses três níveis são comparáveis à teoria das
linguagens: com a linguagem diz-se algo, mas esta linguagem
mostra algo e, sobre o que mostra, pode-se dizer algo que, por sua
vez, mostrará e assim sucessivamente.

67
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

A análise metacientífica aparece como os sistemas descritivos d) descrição e explicação histórica;


de cada corrente psicológica, na qual se apoiam as posições e) desvios e assincronias.
psicopedagógicas; são sistemas descritivos, esquemas conceituais
de uma realidade ou parte da realidade, mas que não são a realidade 2) Prognóstico:
mesma. a) sem agentes corretores;
Tratarei os três níveis simultaneamente, voltados tanto para b) com agentes corretores ideais;
a matriz diagnostica do pensamento, quanto para o processo c) com agentes corretores possíveis.
diagnóstico. 3) Indicações:
A primeira é um instrumento conceituai que, ao encontrar- a) gerais;
se entre o corpo legal e o caso particular, serve de mediador e b) específicas.
facilitador dos processos ascendentes e descendentes que todo o
especialista deve realizar durante sua tarefa diagnostica. Já o Cada um desses itens, desenvolvidos oportunamente, será
segundo, pode-se dizer, é o manual de instrução com o qual se aqui explicado de forma sucinta.
opera. Deve orientar o psicopedagogo em função de princípios, mas 1) Diagnóstico propriamente dito:
de maneira alguma deve substituir o discernimento, a criatividade a) Descrição e localização contextuai - é a caracterização do
e a espontaneidade. meio no qual se opera a aprendizagem em sentido lato,
Em primeiro lugar, caracterizarei, em termos gerais, a matriz caracterização que interessa exclusivamente em função das
diagnostica do pensamento e, em segunda instância, o processo particularidades do paciente diagnosticado, e não em sua
diagnóstico. totalidade. Funda-se no princípio interacionista.
A matriz diagnostica do pensamento está configurada por b) Sintomas - é o epifenômeno, ou seja, o aspecto manifesto
três elementos: de um fenómeno mais complexo. É o emergente da personalidade
1) o diagnóstico propriamente dito; em interação com o sistema social e seus mediadores. Também é
2) o prognóstico; fundamentado no princípio interacionista, mas com foco no sujeito
3) as indicações. e não no meio, como no item anterior.
Esse trinômio constitui uma fórmula ou estrutura vazia; c) Descrição e explicação do momento histórico atual - são
também é, pode-se dizer, um sistema cartográfico capaz de as causas intrapsíquicas que, independentemente de sua origem,
representar qualquer aspecto da aprendizagem normal ou coexistem temporalmente com o sintoma; ao mesmo tempo,
patológica. provocam-no junto ao sujeito. Funda-se no princípio estruturalista.
O primeiro elemento da matriz, o diagnóstico propriamente d) Descrição e explicação histórica - é a génese e a evolução
dito, consta de cinco itens; o segundo elemento, o prognóstico, de das cadeias causais que deram origem às causas que aparecem no
três; e o terceiro, as indicações, de dois. Disso resulta a seguinte momento atual ou sistematicamente. Tem o princípio construtivista
orientação: como base.
e) Desvios e assincronias - a primeira diz respeito aos
Matriz diagnostica do pensamento desvios da conduta sintomática em função de parâmetros que
1) Diagnóstico propriamente dito: permitam dizer os graus de afastamento da conduta (por exemplo,
a) descrição e localização contextuai; uma criança que, aos cinco anos, não sabe brincar); enquanto a
b) sintomas; segunda implica diferentes desvios, seja em função dos distintos
c) descrição e explicação do momento histórico atual; eixos ou áreas do conhecimento, como também dos diferentes

68 69
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

aspectos de um eixo (uma criança que sabe escrever e ler aos sete B) Esquema sequencial proposto
anos, mas não aprende a calcular, por exemplo). Esse item está A) Esquema sequencial tradicional (embasado na Epistemologia
Convergente)
embasado no princípio de homogeneidade funcional e
heterogeneidade estrutural (da personalidade e da conduta). 1. Anamnese 1. Entrevista Operativa Centrada
2) Prognóstico - é uma hipótese sobre o estado ou estados na Aprendizagem (EOCA)
futuros que adotará o fenómeno atual e, nesse sentido, pode ser
formulado sem agente corretor que intervenha para sua 2. Testes 2. Testes (segundo as linhas de
investigação)
modificação, com agentes corretores ideais que coadjuvem
positivamente e com agentes corretores possíveis, de acordo com
3. Provas pedagógicas 3. Anamnese (aberta, situacional e
a realidade do sujeito e seu meio. segundo as linhas de investigação)
3) Indicações - são as ações sugeridas, que se subdividem
em gerais ou próprias de outras disciplinas (encaminhamentos 4. Elaboração do informativo 4. Elaboração do informativo
médicos, por exemplo) e específicas ou inerentes ao campo da escrito ou não (primeiro como imagem do sujeito,
Psicopedagogia (atendimento individual ou grupai, por exemplo). segundo como formulação escrita
de hipóteses a comprovar)
Dessa forma, resumidamente, e n c e r r a - s e a matriz
5. Devolução da informação aos 5. Entrevista devolutiva aos pais
diagnostica do pensamento para iniciar-se o processo diagnóstico
pais e ou ao paciente e ou ao paciente
pensado a partir dessa matriz.
O processo diagnóstico consiste na série de passos pela qual
se realizam o reconhecimento, o prognóstico e as indicações da
aprendizagem e suas dificuldades. Enquanto que a matriz
diagnostica do pensamento é o segmento conceituai, o processo
diagnóstico é o segmento técnico; porém, ambos são o verso e o
reverso da mesma ação de diagnosticar.
O diagnóstico começa com a consulta inicial (dos pais ou do
próprio paciente) e termina com a devolução dos resultados. Entre
ambas as pontas desse processo - primeira entrevista e entrevista
devolutiva - podem acontecer distintas sequências, que respondem
a diferentes esquemas teóricos. Para apoiar a compreensão e
comentar o esquema que proponho, enunciarei os passos
correspondentes à sequência tradicional e, paralelamente, os
correspondentes aos passos da modalidade da Epistemologia
Convergente. Ambas as sequências dispõem de cinco momentos
que se dão em uma ordem distinta, mas diferem, sobretudo, quanto
aos pressupostos teóricos e metafísicos.

70 71
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

O DIAGNÓSTICO PROPRIAMENTE DITO Este gráfico é o resultado de um corte no momento do


diagnóstico de um processo que vem se desenrolando desde
momentos anteriores e que terá uma evolução futura.

O primeiro item do diagnóstico propriamente dito, descrição


e localização contextuai, tem por sentido caracterizar o meio;
porém, não em função de todos os aspectos que o particularizam,
mas dos que se encontram vinculados ao sujeito patogênica e
patologicamente; em outros termos, aqueles que possuem, em
distintos graus, a capacidade de dificultar sua aprendizagem.
Cabe, então, perguntar: Quem é o sujeito e qual é o meio?
O sujeito, aqui, é toda pessoa que apresenta dificuldades de
aprendizagem: criança, adolescente ou adulto. A Psicopedagogia -
reitero - não está dirigida somente à criança em idade escolar, mas Na prática, a importância das características do meio é
a todos os que aprendem, independente de sua idade cronológica. compreendida em função do diagnóstico total por insight, e não em
Esse sujeito possui diversos atributos (escolaridade / não- primeira instância. Não é possível entender o significado e alcance da
escolaridade; sexo feminino / sexo masculino; nenhum idioma / influência do meio como um determinante possível de ser previsto
um idioma / mais de um idioma), provém de um meio no qual tem anteriormente. Aqueles que assim afirmam fazem-no embasados em
sido socializado etc. Nesse sentido, o contexto é um local no qual uma concepção meio-ambientalista que atribui ao meio a capacidade
se expressa o sintoma ou déficit estudado por nossa disciplina. Esse onipotente de produzir tudo; contrariamente, aqueles que o negam
meio pode apresentar um ou vários aspectos conjugados em detrimento da priorização do sujeito apoiam-na em uma concepção
(caracterizados por níveis de escolaridade: educação infantil, ensino inatista, de acordo com a qual o que conta é somente o sujeito.
fundamental, ensino médio, universidade; por tipo de proposta: O que interessa na descrição e explicação contextuai é detectar
ensino regular, educação especial, aceleração etc.; pelo lugar de as sutis interrelações da intraoperatividade tanto em função dos
produção: fábrica, oficina, comércio, outros; pela localização da aspectos estruturais, tais como foram caracterizados pela primeira vez
comunidade na qual vive: centro urbano, bairro ou zona rural).
por Barbei Inhelder, como também dos aspectos energéticos. As
contribuições de Margaret Mahler e o modelo de Bion - apesar de suas
diferenças epistemológicas - são, provavelmente, duas das fontes mais
ricas e ainda não suficientemente exploradas.
O contexto está formado pelo âmbito psicossocial, pelo
sociodinâmico, como também pelo institucional - para usar o
vocabulário de Bleger, o que poderíamos denominar singelamente
S - Sujeito
de: pessoas, grupos e orientações institucionais.
C - Contexto
72 73
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

• Y. é uma jovem de 28 anos, que vive em Buenos Aires há


pouco tempo. Residiu toda sua vida em uma estância e, na transição
para cidade grande, viveu em povoados do norte argentino. Com
pouco tempo em Buenos Aires, evidenciam-se dificuldades, devido
o que consulta o psicopedagogo. Tais dificuldades consistem em
uma detenção global da aprendizagem, e não numa forte timidez
como pretendia a família.
• Z. é uma menina de oito anos que concorre ao segundo grau
de uma escola trilingue, de período integral, na qual se ensina
castelhano, hebreu e inglês. Sua sintomatologia: alexia, agrafia severa
e discalculia leve. Tão logo inicia o processo de atenção psicopedagógica,
S-Sujeito P-Pessoa G-Grupo P-Pauta C-Contexto aconselha-se que se suprima a aprendizagem dos idiomas estrangeiros.
l - Intraoperatividade (afetivo-cognitiva) Em um tempo curto de atendimento, a menina começa a ler e a escrever
In - Interoperatividade (afetivo-cognitiva) com dificuldade, para logo passar a fazê-lo adequadamente.
Nesses exemplos, pode-se perceber a articulação sujeito /
Para clarear mais esse ponto, darei alguns exemplos, mas meio e como o meio possui a dupla qualidade de colaborar para a
não sem antes recordar que o sintoma de aprendizagem é uma produção realizada pelo sujeito e, ao mesmo tempo, censurar a
conduta desviada que se expressa somente quando o meio exige. conduta desviada.
Entre os povos pré-históricos e agrafos, mesmo que alguns de seus Também é interessante observar de que maneira acontece,
membros pudessem ter condições para serem aléxicos, disléxicos, no meio, o contexto: 1) um interjogo dinâmico de forças contraditórias
disgráficos etc., não eram assim identificados, pois o meio não exigia entre os âmbitos psicossocial, sociodinâmico e institucional; 2)
condutas de leitura e escrita, como exige em outras culturas. diferentes interpretações, por distintos grupos, das pautas
• W. é uma senhora de 30 anos que possui uma casa de alta institucionalizadas e dos distintos membros da dinâmica grupai; 3) as
costura na qual desenha e organiza o pessoal das oficinas e ateliers. coincidências e disparidades entre os distintos contextos aos quais
Por uma mudança brusca da organização interna, perde a pessoa que pertence um mesmo sujeito.
era responsável pela redação das correspondências, da propaganda,
dos cheques etc. Nesse momento, descobre-se que ela possui uma
severa disortografia, incluída numa disgrafia e acompanhada de uma
inibição quase absoluta para escrever. Se a senhora W. fosse , (1) - Interjogo de forças entre os âmbitos
/ sociodinâmicos e institucional
empregada doméstica em uma casa de família, seu sintoma não teria
(2) - Interação entre distintos contextos
aparecido com toda a força de seu significado ou mesmo não seria
tão significativo.
Âmbito institucional
• X. é uma senhora de 55 anos, presidente de uma instituição
comunitária, dedicada a produzir atos de beneficência e culturais.
Quando seu país entra em guerra, exige-se da instituição e,
consequentemente, de sua diretoria, que realize conferências, Âmbito sociodinâmico
redija informes etc. Nesse momento, evidencia-se sua dissintaxe,
motivo pelo qual busca uma consulta psicopedagógica.

74 75
Jorge Visca Clínica Psicopedogógica

Os sintomas, que constituem o segundo item da matriz b) pela sua expressão no tempo
diagnostica do pensamento, são o emergente da personalidade em - predominantemente;
interação com o sistema social e seus mediadores. - alternadamente;
Em outros termos, o sintoma possui dois condicionantes: o - concomitantemente.
subfenômeno (como ideia oposta e complementar do epifenômeno
ou sintoma) e o meio ou contexto. O subfenômeno é o que, mais Outro acréscimo que desejo fazer em relação aos sintomas
adiante, veremos como patogenia. De outra forma, podemos dizer é que, do ponto de vista nosológico (estudo dos mecanismos
que o sintoma é um vínculo entre sujeito e objeto no sentido lato, capazes de produzir moléstias), são o resultado de uma abstração,
que resulta da intraoperatividade e da interoperatividade. A generalização, classificação etc. que, de alguma maneira, lhe dão o
intraoperatividade vai estar condicionada, em um dado momento, caráter de enteléquia8; porém, em "sujeitos vivos" não acontece
predominantemente, pelo subfenômeno, e a interoperatividade, isso, de maneira alguma. Os sintomas apresentam indicadores, ou
pelo contexto. seja, indícios menores que o próprio sintoma, que nos contam que
tal conduta é incluída em determinada categoria nosológica.
C Objeto Assim, na escrita, por exemplo: fazer rotação, inverter,
Sintoma omitir, substituir, contaminar, dissociar, transladar
(retrospectivamente e prospectivamente) etc. são indicadores de
Intraoperatividade > uma situação mais global que denominamos sintomas. Por isso, na
prática diagnostica, é necessário descrever exaustivamente os

r \e sintomas do caso particular.


Ainda devo assinalar outro aspecto existente no nível
^^^•^ J metacientífico quanto à sua "consistência interdisciplinar": os
Subfenômeno } Contexto
fenómenos que chamo indicadores de um sintoma de aprendizagem e
os sintomas propriamente não deixam de ser fenómenos que também
podem ser estudados a partir de outras disciplinas, em função de outras
categorias. O estudo realizado por uma disciplina não invalida a análise
Retomando os conceitos comentados anteriormente, vejo o da outra, e todas apontam para a complementaridade da interciência
sintoma como o aspecto que mais põe em evidência o fato da na qual se apoia, no campo clínico, a interconsulta. Assim, por exemplo,
aprendizagem ser o resultado de uma construção (princípio para certos casos, uma omissão é uma negação, uma substituição é
construtivista), dada em virtude de uma interação (princípio uma projeção etc.; porém, também uma omissão e uma substituição
interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio podem ser outra coisa.
estruturalista) com homogeneidade funcional e heterogeneidade Utilizo um quadro semiológico (estudo dos sintomas), que
estrutural. desenvolverei a seguir a título de mera nomenclatura.

Em outro nível de análise, quero acrescentar que os sintomas


podem se caracterizar como apresentado a seguir:
a) pelo campo no qual se apresentam
- o da educação assistemática; 8 N.T. Enteléquia é termo que se remete a Aristóteles, sendo o resultado, a
plenitude ou a perfeição de uma transformação ou de uma criação, em
- o da educação sistemática. oposição a um processo que resulta dessa criação ou transformação.

76 77
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Nível Aprendizagem assistemática Aprendizagem sistemática A explicação dos fenómenos atuais deve ser buscada em
causas atuais, que sempre estarão presentes, por mais sutis que
Detenção Ausência Dificuld. Inespecí- sejam. A tentativa de explicar o presente exclusivamente pelo
S Específicos
global total parcial ficos passado é um reducionismo. A causalidade atual (a-histórica) não
E
M Acalculia nega a história, mas realiza uma hierarquização de causas.
I Alexia As causas atuais (a-históricas) podem ser: a) causas históricas
1
Agrafia
O Discalculia não transformadas; b) causas históricas transformadas.
l Sem Sem Sem Dislexia Sem
L,
Detenção Disgrafia Ambas são contemporâneas ao sintoma,
Ó nomen- nomen- nomen- Disortografia nomen-
global Discaligrafia clatura
independentemente do grau de transformação que tenham
Q clatura clatura clatura
Dessintaxe sofrido. Ainda quero reiterar, embora não pareça necessário, que
| Escrita em
espelho as causas atuais (a-históricas) são o subfenômeno do sintoma, e
C Detenção na
evolução do este é o epifenômeno das causas.
O desenho
Sintomas Assim como as causas atuais (a-históricas) vinculam-se, em
combinados
Lentidão um sentido, com o sintoma; em outro sentido - poderíamos dizer
generalizada
no sentido oposto, relacionam-se com as causas históricas.
Pensando agora, é interessante realizar uma aproximação
Agora, abordarei os itens da matriz diagnostica do pensamento, científica e outra metacientífica das causas atuais (a-históricas) no
aqueles que, respectivamente, recebem os nomes de: descrição e que se refere ao que é próprio deste nível, e não no que se refere à
explicação atual (a-histórica) e descrição e explicação histórica. relação com seus antecedentes ou com seus consequentes.
Na descrição e explicação atual (a-histórica) determinam- De acordo com a primeira, posso dizer que as causas
se os agentes intrapsíquicos que contribuem para o aparecimento patológicas que dificultam a aprendizagem são três:
do sintoma. Esses agentes são estruturas e mecanismos que - o obstáculo epistêmico;
coexistem temporalmente com o sintoma e, poderíamos dizer, com - o obstáculo epistemofílico;
o momento em que se realiza o diagnóstico. - o obstáculo funcional.
A denominação de causas atuais (a-históricas), ou Denomino obstáculo epistêmico a duas alterações da
sistemáticas, provém de Lewin, que foi quem, em função de uma estruturação cognitiva: detenção do desenvolvimento e
abstração, fez um corte horizontal com o qual isolava os fatores lentificação. Tomo esse nome do conceito de "sujeito epistêmico",
contemporâneos de sua origem e evolução. denominação que Piaget utiliza para designar a todos os indivíduos
de um mesmo nível de operatividade ou competência, enquanto
reserva o de "sujeito individual" para nomear a cada um dos sujeitos
Causas atuais
que, possuindo um mesmo nível epistêmico, operam, sem dúvida,
(a-históricas)
com diferenças, produto de uma série de fatores que excedem o
objetivo de seu enfoque.
Em outros termos, o obstáculo epistêmico deriva do nível
Causas históricas de operatividade da estrutura cognitiva alcançada. Ninguém pode
aprender para além do que sua estrutura cognitiva permite-lhe.
Utilizo o conceito de obstáculo epistemofílico - o qual foi
cunhado pela Psicanálise - para designar não as interferências para

78 79
Clínica Psicopedagógica
Jorge Visca

aprender que derivam do nível de competência da estrutura, mas e outros autores que, utilizando o método clínico piagetiano,
do vínculo afetivo que o sujeito estabelece com os objetos e as encontraram certas peculiaridades no funcionamento cognitivo de
situações de aprendizagem. Um vínculo inadequado também possui certas patologias: diferenças, tais como a disparidade entre os
a capacidade de impedir ou dificultar a aprendizagem. O obstáculo aspectos figurativo e operativo, distintas formas de oscilações,
epistemofílico pode adotar diferentes configurações: ansiedade impossibilidade de utilizar determinadas justificações etc.
confusional, ansiedade esquizo-paranoide e ansiedade depressiva,
as quais podem se apresentar, predominante, alternada ou Em síntese, os obstáculos patologizantes, ou seja, aqueles
coexistentemente. com potencial de tornarem-se patológicos, de da aprendizagem
Cada uma dessas configurações de base dá lugar a uma série são: o epistêmico (associado à ideia de estádio), o epistemofílico
de organizações. Assim, por exemplo, seguindo o esquema de (vinculado ao conceito de afetividade, em sua dimensão atual ou a-
Bleger, observa-se que a primeira estrutura está como uma conduta histórica) e o funcional como hipótese auxiliar.
hipocondríaca ou como uma conduta confusional. Porém, esses déficits podem ter, em sua dimensão histórica,
O conceito de obstáculo funcional tem sofrido uma evolução diferentes origens:
que me permite reconhecer dois momentos.
O primeiro, como uma hipótese auxiliar com a qual tento Estádio "l
resolver, transitoriamente, duas situações: a) quando a teoria — Organicidade
Afetividade — Funções J
psicanalítica, ou a piagetiana, não tenha apresentado um juízo sobre
um determinado problema ou setor da realidade; b) quando,
_Vínculo
havendo feito, não elaborou um instrumento de avaliação para o
dito setor ou aspecto. Em tais casos, e dado que é necessário recorrer
Não escapa à minha concepção que toda divisão que tange
a instrumentos de filiação sensual-empirista (opostos aos princípios
a uma psicogênese ou organogênese é falsa e arbitrária; porém,
construtivista, estruturalista e interacionista), denomino os também entendo que assinalar a predominância é útil.
resultados assim obtidos de obstáculos funcionais, mas somente
Com relação ao nível de análise metacientífico da descrição
como hipótese auxiliar. Sua utilização não implica uma
e explicação do momento atual (a-histórico), cabe dizer que existem
indiscriminação conceituai, nem tão pouco a desvalorização
diferentes concepções de causalidade nas ciências, que podem ser
absoluta dos instrumentos tradicionais. Seu justo valor reside no
utilizadas já como um esquema explicativo ou como uma concepção
fato de que são os melhores que existem até a atualidade, ainda
propriamente dita.
que não resppndam aos fundamentos que adoto. A história da
Seguindo o pensamento de Bleger, encontram-se entre as
Psicologia mostra como os últimos desenvolvimentos da Escola de
concepções de causalidade mais importantes: a monocausalidade
Genebra, por exemplo, tanto em sua forma mais tradicional como
unidirecional, a monocausalidade em cadeia, a policausalidade
neopiagetiana, têm investigado e criado instrumentos e recursos
unidirecional, a policausalidade concêntrica, a ação recíproca e a
diagnósticos que possibilitam irmos deixando de utilizar
causalidade gestáltica, sendo esta última, a meu entender, a que
instrumentos que não correspondem à teoria. Apesar disso, estimo
mais se aproxima da realidade, ainda que sem vislumbrá-la
que ainda há muito caminho a percorrer até que a teoria elabore
totalmente.
um repertório de instrumentos ou critérios que permita a
A monocausalidade unidirecional reconhece uma causa
substituição absoluta de outros, e talvez isso nunca ocorra.
única que produz um determinado efeito e, portanto, é
O segundo momento de evolução do obstáculo funcional
reducionista.
corresponde às diferenças funcionais encontradas por Barbei Inhelder

80 81
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Causa
C' Efeito

Rebaixamento cognitivo Não aprende

A monocausalidade em cadeia prioriza a ideia de uma causa


sobre a outra de forma linear, na qual instâncias intermediárias são
efeito e causa:

O esquema de ação recíproca é o primeiro que deixa óbvio


Causa Efeito Efeito Efeito Efeito Efeito o reducionismo e o paralelismo das outras compreensões de
causalidade, sendo, portanto, um esquema mais dinâmico que
todos os anteriores.

Causa Causa Causa Causa

Nessa categoria, acredita-se no "efeito dominó". Por


exemplo, o rebaixamento cognitivo como causa tem um vínculo
negativo com as situações de aprendizagem como efeito; este, por
sua vez, causa um não contato com os objetos, que possui como efeito
a não aprendizagem, que causa desinteresse e assim por diante.
A policausalidade unidirecional responde a um paralelismo
estanque de causas que produzem um determinado efeito, porém
sem tais causas terem nenhuma incidência umas sobre as outras.

Causa l Aqui "A", "B", e "C" são causas que promovem os efeitos "a",
Causa 2 "b", "c", "d", "e", "f" etc., os quais atuam sobre as causas.
Causa 3 A mudança, na causalidade gestáltica, tal como assinala
Bleger, trata-se de produtos emergentes de uma estrutura total.
Desenvolvimento Sem dúvida, devo dizer que, em muitos casos, em função
Cognitivo
da praticidade, é útil hierarquizar algum aspecto sobre o outro.
Funções Não aprende )
Isso é o que me tem permitido distinguir elementos definidores
Relações vinculares e elementos interatuantes; sendo os primeiros com um maior
peso, e os segundos de menor significação, ainda que todos
A policausalidade concêntrica é uma concepção já mais configurem uma constelação dinâmica intrapsíquica, da qual
dinâmica. emerge o sintoma.

82 83
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Sujeito Contexto

Descrição e explicação
Htual (a-histórica)


-§o
s
«C
l
o

)escrição e
xplicação histórica

_ Cadeias
usais e nexo;

Na descrição e explicação histórica, determinam-se a origem


e a evolução das causas que configuram a estrutura sistemática ou
atual (a-histórica), da qual emerge o sintoma. A mesma não consiste
em uma crónica exaustiva de acontecimentos, mas sim no
estabelecimento das cadeias e dos nexos causais de precondições De acordo com esse enfoque, é possível determinar as
e circunstâncias ou acontecimentos. modificações quantitativas e qualitativas na evolução da personalidade,
Nesse momento, pode-se completar o quadro da Matriz como também da conduta. Pichon-Rivière conceituou três áreas de
Diagnostica do Pensamento, iniciado com a descrição e localização expressão da conduta: a área 2 (corporal), a área 3 (extracorporal, de
contextuai, agora com a descrição e explicação histórica,- relação com o mundo externo) e a área l (simbólica).

84 85
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Escolhido um determinado vetor de análise, em nosso caso


a aprendizagem, é possível aplicar a ele diferentes enfoques para
investigá-lo: um enfoque genético (causa originária da dificuldade),
um enfoque evolutivo (ou de descontinuidades quantitativas e
qualitativas no desenvolvimento) ou um enfoque histórico (que
vincularia os dois primeiros agregando outros aspectos).
O item desvios e assincronias, da Matriz Diagnostica do
Pensamento, tratará novamente do sintoma, mas com um enfoque
distinto do utilizado anteriormente. Quanto ao item sintomas,
O interessante, no entanto, é a interpretação de Bleger analisei-o em função de sua caracterização em si e como emergente
quanto à ordem de configuração das áreas, pois permite uma da interação sujeito / meio; agora, vou estudá-lo como uma conduta
verdadeira análise construtivista. De acordo com Bleger, a ordem desviada. Um desvio é a quantidade pela qual uma medida difere
de aparecimento seria: primeiro, construir-se-ia a área corporal; ou afasta-se de um determinado ponto de referência ou parâmetro.
em segunda instância, a área extracorporal; em último lugar, a Vejamos um exemplo: se o habitual é que as mulheres não
simbólica. Esse conceito, mesmo que desenvolvido de outro ponto se pintem, aquelas que pintassem os lábios apresentariam um
de vista, é muito próximo ao esquema de Piaget e, seguramente, desvio em grau um; as que pintassem, além dos lábios, os olhos,
uma análise mais minuciosa das reações circulares etc. permitirá apresentariam um desvio de grau dois; no entanto, aquelas que,
estabelecer íntimas relações não para uma justaposição de meros além dos lábios e olhos, pintassem as unhas, alcançariam um desvio
conceitos verbais, mas como um esquema de antecipação de de grau três.
investigações empíricas. Da mesma maneira, a conduta aprendida de um sujeito pode
Aqui, também desejo destacar, afastando-me se desviar em relação a parâmetros, o que nos permite estabelecer
momentaneamente do tema ao qual estou me referindo, que essas em quantos graus tem-se operado o desvio.
três áreas podem ser estudadas em função de diferentes vetores
de análise: sexualidade, percepção, aprendizagem etc., sendo
próprio da Psicopedagogia o vetor de análise aprendizagem.

P - Parâmetro
D - Desvio

Os parâmetros que têm sido mais proveitosos para localizar


os sintomas são: a pauta formal, a idade cronológica e,
especialmente, o nível de pensamento alcançado.

86 87
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Com o nome de pauta formal, designo duas situações que que não se adquirem as estruturas cognitivas na mesma idade, em
se diferenciam entre si porque alcançam diferentes graus de todas as culturas.
institucionalização e assemelham-se porque ambas representam Sem dúvida, apesar desses inconvenientes e, quem sabe,
expectativas de comportamento, cuja análise permitiria elaborar justamente por eles, não deixa de ser proveitoso como parâmetro o
complexos sistemas taxionômicos. Quando o sintoma que critério de observação das aprendizagens alcançadas. Assim, por
analisamos é próprio da aprendizagem sistemática, a expectativa exemplo, se António, de 12 anos, apresenta uma discalculia que lhe
está dada pelo grau, o ano etc. que cursa o sujeito avaliado; quando o permite operar como um menino de oito anos, o desvio observado é de
sintoma pertence ao campo de aprendizagem assistemática, a quatro anos.
expectativa está dada por um consenso: costurar, caminhar, tecer, dirigir Um terceiro parâmetro que o constitui é o nível de pensamento.
um veículo etc., que pode coincidir ou não com o momento evolutivo Aqui, interessa particularmente o nível de pensamento alcançado, e
indicado. não o nível que o sujeito deveria possuir, pois permite observar se as
Devo clarear que a denominação de aprendizagem sistemática aprendizagens coincidem com o nível da estrutura ou encontram-se
e assistemática é, de certa forma, arbitrária, pois toda aprendizagem abaixo dele. Em cada um dos casos, os prognósticos seriam muito
implica uma organização ou sistema. O que destaca o termo da distintos.
aprendizagem é que se faz referência à dimensão intrapsíquica, e os A localização do desvio em função do sistema referencial
adjetivos assistemática e sistemática- extraídos do conceito de educação tridimensional é muito esclarecedora do significado e alcance do sintoma
sistemática e assistemática - referem-se à graduação, metodização, tanto no presente vivido pelo paciente, quanto para o seu futuro.
objetividade etc., ou não, com que o meio exerce sua influência. Além dos desvios, deve-se considerar o que denomino as "falsas
Retomando o conceito de desvio, darei um exemplo: se um ausências de desvios", as quais se apresentam quando existem
sujeito apresenta uma acalculia (impossibilidade absoluta no campo das aprendizagens imitativas, memorizadas de forma automática:
matemáticas) e vai passar para o terceiro ano, apresentará um desvio a) acima da estrutura cognitiva;
de dois anos. De uma forma simples, de acordo com o significado que b) com a estrutura cognitiva indicada, mas sem uma verdadeira
dou ao conceito, poderíamos dizer que o desvio é o que falta para assimilação de conceitos etc.
chegar até...
Para poder estabelecer os desvios em relação à pauta formal, é
necessário conhecer tanto os programas escolares, para a aprendizagem
Parâmetro Aprendizagem por imitação
sistemática, como os usos e costumes do meio sócio-cultural, para a (D

(automatizada)
aprendizagem assistemática. Visto que ambos podem ser muito distintos C
«D
de uma instituição a outra e de uma sociedade a outra, a determinação to
3
ro
do desvio pode chegar a ser relativamente complexa se o que se pretende ro CU
T3
é manter um nível de objetividade adequado, ou seja, que não leve a uma O)
T3
análise impregnada de transculturação. Nível pedagógico
Assim, como há um desvio em relação à pauta formal, também verdadeiro
se pode estabelecer o valiant com relação à idade cronológica. É
interessante destacar como, por um lado, a idade cronológica pode ou
não coincidir com a pauta formal; por outro, pode também coincidir ou
não com a estrutura cognitiva que, habitualmente, os sujeitos possuem
em um determinado meio. É sabido, pois, pelos estudos comparativos,

88 89
Clínica Psicopedagógica
Jorge Visca

Praticamente em todas as áreas e em todos os níveis do O PROGNÓSTICO E AS INDICAÇÕES


conhecimento, pode-se apresentar essa falsa ausência de desvio, a
qual pode ser promovida tanto pelo meio escolar, como pelo familiar.
Esses falsos desenvolvimentos verticais excedem às medidas do
desenvolvimento horizontal e, consequentemente, inibem, atrasando o
próprio desenvolvimento vertical futuro. É interessante destacar a
estreita correlação que existe entre superego rígido, adaptação passiva
ao meio, p r e d o m í n i o da acomodação e a p r e n d i z a g e n s por
repetições em vez de aprendizagem por imagens e operações.
As assincronias são os diferentes níveis alcançados pelas O prognóstico consiste em uma hipótese ou predição do
condutas desviadas. estado ou estados futuros que, provavelmente, assumirá a situação
descrita no diagnóstico propriamente dito.
Segundo Mário Bunge, no que se refere à análise do que seja
Parâmetro um prognóstico - não de uma disciplina em particular, mas de
qualquer uma de forma geral, o mesmo pode se caracterizar em função
de fontes nas quais se embasa, incertezas que envolve, funções que
implica, razões do fracasso e suas diferenças em relação à profecia.
O prognóstico fundamenta-se: a) nas leis gerais da disciplina
e b) na informação específica.
As leis gerais são aquelas que nos informam, por exemplo,
sobre a inalterabilidade da ordem de sucessão na construção dos
estádios; da perda das estruturas em uma ordem de sucessão
inversa à da aquisição; da correlação entre objeto permanente e
libidinal; da necessidade de possuir um determinado nível de
operatividade para aprender determinado conhecimento etc.
A informação específica é aquela que se obtém sobre um
determinado sujeito: descrição e localização contextuai, sintomas,
descrição e explicação atual (a-histórica), descrição e explicação
Estes desvios podem ser externos ou internos quanto a um histórica, desvios e assincronias.
eixo de análise. Assim, por exemplo, D.l pode representar o O prognóstico possui dois tipos de incerteza: a) as derivadas
conhecimento matemático e D.2 a nlinguagem. Mas também se do diagnóstico e b) as que são próprias da emergência de uma
poderia analisar a linguagem falada, escrita (e dentro da ortografia novidade. As certezas derivadas do diagnóstico têm, como base
e da sintase), a liguagem compreensiva, etc. Estes desvios, podem principal, o caráter incompleto da descrição. Bunge mostra, de
se dar tanto no sentido positivo como negativo. Nos talentos parciais forma, didática mediante o seguinte esquema:
se pode observar um desenvolvimento desmedido de um aspecto
em relação a outros que se mantém regrados.
Observador

90 91
Jorge Visca Clínica Psicopedagógíca

A linha horizontal mostra o observador que, do seu lugar, opera-se por meio do contato sensorial; b) os sustentados pelo
observa e percebe o paciente no momento do diagnóstico. De sujeito e que não são dados por uma presença física; c) o
acordo com o conhecimento que se possui do passado - conhecimento resultante da integração de "a" e "b"; d) o modo de
representado pelos espaços PD (passado desconhecido) e PC integração ou composição que assegura a passagem de "a"+"b" para
(passado conhecido), será possível formular hipóteses do futuro. "c" (ou seja, como o investigador, no caso o profissional que fará o
Os espaços que se encontram acima da linha temporal do observador prognóstico, integra o que conheceu pelos sentidos aos
(psicopedagogo), Fl (futuro não conhecível) e FC (futuro conhecimentos que não necessitam da presença física do objeto a
conhecível), têm uma relação direta com PD e PC. Em outros termos, ser aprendido, para chegar a um conhecimento resultante desta
a relação entre o passado conhecido e desconhecido é direta com o integração; não basta integrar, mas "como" integrar pode fazer a
futuro conhecível e não-conhecível: quanto maior a abertura do diferença na compreensão dos casos e de seus resultados).
passado conhecido (PC) maior será a abertura do futuro conhecível Entre o prognóstico científico e a profecia popular, existem
(FC) etc. diferenças. A esse respeito, ainda legitimado na atualidade, Bunge
As incertezas derivadas da emergência de uma novidade assinala:
põem em evidência o caráter aberto do prognóstico e fechado do a) o prognóstico não pode transcender o alcance dos
diagnóstico. enunciados legais nos quais se fundamenta; a profecia popular, de
O prognóstico tem duas funções: a) como ferramenta para o fato, faz isso ou carece de pressupostos legais. Quantas vezes,
êxito da ação corretora e b) como confirmação de hipóteses. No imbuídos de um sentimento reparador onipotente, somos levados
primeiro caso, tem-se a utilidade que significa dispor de um a pensar que "não importa o que tudo indique sobre uma não-
esquema antecipado que permita elaborar estratégia de ação; em recuperação, eu sei que conseguirei". Porém, também me pergunto
segundo, têm-se um intercâmbio clínico-experimental que permite se o tema passaria à ciência se não existissem os desacordos;
confirmar ou não suposições, leis gerais etc.; ou seja, tudo que possa b) o prognóstico não pode ser mais preciso que a informação
resultar em benefício da própria disciplina. específica que utiliza; a profecia pode;
O fato de que o prognóstico sirva de esquema antecipatório c) o prognóstico é condicional, enquanto as profecias são
destaca, justamente, que não deve ser um esquema rígido e inalterável incondicionais e podem se enunciar de forma categórica.
tanto frente às modificações que pode sofrer o paciente, como frente Agora, cabe abordar como enunciar um prognóstico. Em
aos possíveis ajustes que o profissional pode utilizar durante o processo minha opinião, dado que o prognóstico é o enunciado do que vai
corretor. ocorrer no futuro, esse acontecer dependerá não somente das
As razões do fracasso de um prognóstico podem vir de erros precondições observadas, no diagnóstico propriamente dito, mas
existentes: a) nos enunciados legais; b) na seleção dos enunciados também das circunstâncias a que será submetido o paciente. Por
legais; c) na informação específica; d) na inferência. esse motivo, acredito que um prognóstico completo é aquele que
Cada uma das novas correntes ou escolas tratam de apresenta alternativas da futura evolução, ou seja, como evoluirá o
aperfeiçoar os enunciados legais previamente expressos pelas paciente, a partir da presença ou não dos agentes corretores
correntes anteriores. O exercício profissional refina e exercita o indicados: a) sem agentes corretores; b) com agentes corretores
profissional na escolha dos mesmos. A informação específica pode ideais; c) com agentes corretores possíveis.
estar mal reconhecida pelo profissional, como também mal Os agentes corretores ideais são - quem sabe deva-se dizer
delineada pelo paciente ou pelos seus pais. Sobre os erros de seriam - aqueles que podem operar produzindo as melhores
inferência, mencionarei aqui o que diz Piaget: as inferências circunstâncias para o paciente, mas que, devido aos fatores
implicam quatro aspectos: os elementos dados, cujo conhecimento objetivos (distâncias, económicos, de mobilidade e outros) ou

92 93
Jorge Visca
l Clinica Psicopedagógicc

subjetivos (resistências), não desempenharão seu papel. No O PROCESSO DIAGNÓSTICO


entanto, os agentes corretores possíveis serão aqueles que, por
fatores objetivos e subjetivos - que se queira imaginar, poderão
conseguir isso.
Em outros termos, um prognóstico completo é aquele que
se formula nesses três níveis de levantamento de hipóteses.
Quanto às indicações, subdivido as mesmas em duas grandes
categorias: as gerais e as específicas. As primeiras relacionam-se a
outras disciplinas (solicitar consulta neurológica, psiquiátrica,
fonoaudiológica etc.), enquanto que as segundas dizem respeito, A sequência que proponho não é uma fórmula rígida e
quase que exclusivamente, às constantes do enquadramento inalterável, além de poder variar segundo as circunstâncias; porém,
referentes ao tratamento psicopedagógico: duração, frequência, existem razões para ser da forma como comentarei a seguir e que
lugar, caixa de trabalho etc. Há também indicações intermediárias tem me levado a aplicá-la como modalidade habitual, pela utilidade
que recaem sobre: a escolaridade (nível, tipo de metodologia, que me oferece.
horários, número de alunos na sala de aula etc.) e as atividades Opostamente à modalidade tradicional na qual a abertura
extracurriculares, tais como a frequência a um clube, um atelier de do diagnóstico se dá com a anamnese, eu faço-a com a EOCA
artes, uma colónia de férias, acampamentos, bem como a prática (entrevista operativa centrada na aprendizagem). Isso se deve a
de esporte e outros. diferentes motivos, e um deles é que, durante a anamnese, os pais,
invariavelmente, ainda que com intensidades diferentes, tentam
impor sua opinião, sua ótica, consciente ou inconscientemente,
impedindo o agente corretor de aproximar-se "ingenuamente" do
paciente para vê-lo tal qual ele é, para descobri-lo...
Duas críticas têm sido feitas a respeito. A primeira afirma
que o técnico não é influenciável pela opinião dos pais; e a segunda
diz que a ordem que proponho faz perder o discurso dos pais,
diluindo-se, assim, a possibilidade de conhecer o espaço dado ao
paciente em sua família.
Minha opinião é a de que, mesmo o profissional contando
com uma relativa idoneidade, a qual lhe permitirá se descontaminar
da opinião, dos sentimentos etc., dos pais e instrumentá-los de forma
eficaz em proveito do diagnóstico do paciente, perderá sua percepção
ingénua, que proponho como unidade de análise no diagnóstico
individual. Paralelamente a isso, acredito, também, que a ideia de
absoluta descontaminação do profissional está relacionada a uma
marcada onipotência. Em última instância, pergunto-me: Por que
temer tanto a contaminação? Minhas razões são outras.
Em relação à segunda crítica, talvez mais ingénua que a
primeira, apesar da determinação do espaço ou âmbito que o grupo

94 95
Clínica Psicopedagógica
Jorge Visca

familiar reserva para o paciente parecer fundamental, se for contrário, frequentemente pode ocorrer a necessidade de utilizar-
estável, ele pode ser detectado em qualquer momento do processo se de instrumentos desconhecidos ou criar-se procedimentos novos
diagnóstico, e não somente no momento de abertura. que permitam submeter à prova hipóteses, para o que ainda não
O juízo prévio ou pré-juízo que o agente corretor forma a foram criadas formas de estudo e investigação.
partir da entrevista com os pais (tome ele partido a favor ou contra), O segundo sistema de hipóteses, configurado pela decantação
ao mesmo tempo em que interfere na visão ingénua e dificulta ao do primeiro, volta a abrir novas linhas de investigação sobre a dimensão
entrevistador deixar-se fecundar pela realidade do paciente, serve- histórica (ou etiológica e suas cadeias causais) e o contexto. O meio
lhe, também, de "esquema-antecipação-couraça-elemento que privilegiado de constatação das hipóteses, nesse momento, é a
reassegura" e, de certa forma, defende-o do medo ao desconhecido. anamnese, utilizada como uma modalidade cujas notas são: entrevista
Em minha opinião, iniciar a sequência do processo diagnóstico aberta (ou seja, não dirigida), ainda que experimental (vale dizer,
com a anamnese responde a um pressuposto fixista, que reza: "Os voltando-se sobre os pontos nodais e hipóteses diretrizes) e situacional
adultos têm razão, e as crianças (adolescentes e pessoas que não (que leva em conta a importância da dinâmica na qual os fenómenos
aprendem) não têm". do presente e passado são vividos no "aqui-agora-comigo").
O fato de começar o processo com a EOCA, na qual se detectam Os dados assim recolhidos sobre "o primeiro na ordem da
os sintomas e, digamos, finalizar com a anamnese, responde ao génese" e as cadeias causais colaboram para a formação do primeiro
conceito que Piaget toma de Aristóteles, o qual diz, sistema de hipóteses.
aproximadamente: o primeiro na ordem da génese é o último na Recapitulando, teríamos um Esquema sequencial proposto:
ordem da análise.
Com a EOCA, detectam-se os sintomas e levantam-se
hipóteses sobre as causas atuais (a-históricas) ou patogênicas Ações do Procedimentos internos do
das quais emergem esses sintomas. Ambos, sintomas e entrevistador entrevistador
hipóteses, configuram o que denomino o primeiro sistema de 1) EOCA Ler sistemas de hipóteses.
hipóteses. O mesmo constitui uma aproximação inicial que deve Organizar o primeiro sistema de hipóteses.
ser aperfeiçoada mediante a confirmação ou não de cada uma Traçar linha de investigação.
das hipóteses menores que configuram o sistema total. Isso se 2) Testes Escolher os instrumentos.
completa segundo linhas de investigação, as quais podem Elaborar o segundo sistema de hipóteses.
indicar, por exemplo: relações entre os aspectos figurativos e Traçar linhas de investigação.
o p e r a t i v o s do pensamento, r e l a ç õ e s entre os aspectos 3) Anamnese Verificar e decantar o segundo sistema de hipóteses.
fantasmáticos e cognitivos dependentes do conhecimento físico Formular o terceiro sistema de hipóteses.
e das atividades lógico matemáticas, desenvolvimento das
4) Elaboração Elaborar uma imagem do sujeito (que não pode ser
praxias e outros. do informativo repetida para outro sujeito), a qual articula a
A verificação do primeiro sistema de hipóteses obtido por aprendizagem com os aspectos energéticos e
meio da EOCA, segundo as linhas de investigação, impede o uso estruturais, atuais (a-históricos) e históricos que o
irreflexivo e desmedido de instrumentos e colabora para que o condicionam.
diagnóstico transforme-se em uma verdadeira busca intencional e
experimental. Dessa maneira, com o sistema que proponho, não
existe uma bateria de testes preestabelecida, fixa, que deva ser Resumirei, agora, dois principais aspectos do instrumento
administrada regularmente em todos os entrevistados. Pelo que denomino entrevista operativa centrada na aprendizagem, e

96 97
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

que minha equipe tem denominado de EOCA9, nome com o qual Dependendo do caso, é possível agregar outros materiais e,
é conhecido atualmente. em situações muito especiais, em uma segunda entrevista que,
Esse instrumento foi inspirado, por um lado, na Psicologia Social geralmente, não é necessária, é possível incluir alguns jogos com
de Pichon-Rivière e, por outro, nos postulados da Psicanálise e também suas regras ou outros recursos.
na modalidade experimental do método clínico da Escola de Genebra. Proposta a consigna inicial, o entrevistado pode ter distintas
No entanto, diferencia-se de todos eles, focalizando-se na formas de reação:
aprendizagem ou, melhor dito, sobre a investigação da modalidade de - pôr-se a falar;
aprendizagem, ou seja, como se aprende e como se aprende a aprender. - pôr-se a desenhar, escrever, fazer contas etc.;
A EOCA pretende ser um instrumento simples, espontâneo - pedir que lhe digam o que é para fazer;
e rico em seus resultados. Consiste, em seus aspectos manifestos, - ficar paralisado.
simplesmente em colocar-se em contato com o entrevistado por Esta primeira forma de resposta já é um dado muito
meio de uma consigna: "Gostaria que me mostrasse o que sabe importante, a qual, numa leitura sutil, diz muito sobre o sujeito. Se a
fazer, o que têm lhe ensinado e o que tem aprendido". Além disso, reação for pedir que lhe digam o que é para fazer, e caso permaneça
apresenta-se um material também simples, o qual se encontra sobre a reação após dizer-lhe que é possível fazer o que melhor lhe pareça,
a mesa e é oferecido ao entrevistado, dizendo-lhe, aproximada- pode-se utilizar um recurso que denomino modelo de alternativas
mente, na continuação do que se falou anteriormente: "Este múltiplas.
material é para você usar, se precisar, para mostrar-me o que eu O modelo de alternativas múltiplas consiste em uma
gostaria de saber de você, como comentei". enumeração, não taxativa, cuja intenção consiste, unicamente, em
Evidentemente, tanto em relação à consigna, quanto aos desencadear respostas do sujeito. Por exemplo: "Pode desenhar,
materiais, haverá diferenças segundo o entrevistado seja um pré- escrever, fazer algo de matemática ou qualquer outra coisa que lhe
escolar, de idade escolar (ensino fundamental), um adolescente ocorra".
ou um adulto. Para essa exposição, centrar-me-ei na criança de Em todo momento, a intenção é permitir ao sujeito construir
idade escolar. a entrevista de forma mais espontânea, mas dirigida de uma forma
Os materiais que geralmente coloco para essa idade são: experimental. Interessa, pois, observar seus conhecimentos,
- folhas lisas, tamanho carta; atitudes, destrezas, mecanismos de defesa, ansiedades, áreas de
- folhas com linhas e quadriculadas; expressão da conduta, níveis de operatividade, mobilidade
- lápis novo, sem ponta; horizontal, vertical etc.
- apontador; De forma alguma, espera-se um determinado resultado ou
- caneta; que ocorra uma determinada situação. Simplesmente se está diante
- borracha; de uma situação a descobrir ou revelar.
- tesoura; Uma vez que o entrevistado mostra como opera em relação
- folhas de papel colorido para dobradura; a algo, o entrevistador limita-se a pedir-lhe que mostre outra coisa:
- régua; "Já me mostrou como desenha; agora, gostaria que me mostrasse
- marcadores; qualquer outra coisa que não seja desenhar" e assim
- livro ou revista. sucessivamente. No entanto, essa atitude de relativa passividade
do entrevistador não implica que ele mesmo não possa assinalar
9 Para uma explicação mais detalhada sobre EOCA, pode-se consultar o situações, tais como: "três vezes três são nove" (frente a uma conta)
capítulo Precondiciones energéticos estructurales dei aprendizaje, no livro
Psicopedagogía: Teoria, Clínica, Investigación. ou "O que fará se a régua escorregar ao traçar a linha" ou "Acreditava

98 99
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

que a solução do problema era diferente" etc. A intenção de tais A NOSOLOGIA


intervenções é observar:
- a modificação da conduta;
- a desorganização e a reorganização do sujeito;
- as justificativas verbais e pré-verbais;
- a aceitação ou a recusa (assimilação, acomodação,
introjeção, projeção) do outro etc.
Durante a EOCA, é importante observar três aspectos: a) a
temática; b) a dinâmica; c) o produto.
A temática consiste em tudo o que o sujeito diz, a qual terá, Antes de introduzirmos a nosologia da aprendizagem,
como toda a conduta humana, um aspecto manifesto e outro latente. comentarei minha concepção sobre a aprendizagem e, mais
É interessante ver como, com uma perfeita organização sintática e precisamente, como denomino seu esquema evolutivo.
uma adequada justificativa lógica, pode coexistir um mundo de Mesmo sabendo que existe, já há várias décadas, uma
fantasias que distorcem a aprendizagem e as situações nas quais Psicologia evolutiva e, dentro dela, pode-se encontrar
ocorre. desenvolvimentos de inspiração behaviorista, piagetiana,
A dinâmica consiste em tudo que o sujeito faz que não é o psicanalítica e outras, esses desenvolvimentos não abordam
estritamente verbal: gestos, tom de voz, postura corporal etc. especificamente a aprendizagem e, menos ainda, enfocam-na como
Frequentemente, a posição de sentar-se na beira da cadeira, a um processo evolutivo que atinge sucessivos níveis de organização.
maneira de pegar os materiais etc. são, muitas vezes, mais Este esquema evolutivo postula:
reveladores que os comentários e até mesmo os produtos. a) a existência de quatro grandes níveis: a protoaprendi-
O produto é o que o sujeito deixa registrado no papel zagem, a deuteroaprendizagem, a aprendizagem assistemática ou
etc., incluindo também, segundo os casos, a sequência com que incidental e a aprendizagem sistemática;
foi sendo produzido. b) que o mesmo se dá em função de aspectos energéticos e
Esses três níveis de observação é que resultarão no primeiro estruturais e pela tematização dos esquemas de ação;
sistema de hipóteses, o qual será constituído pelos sintomas (com c) que o processo geral e as aprendizagens particulares
seus indicadores) e certas ideias de quais são as causas atuais que os respondem a princípios estruturalistas, construtivistas e interacionistas.
provocam. Desde o nascimento até a morte, as pessoas não deixam de
Com as crianças menores, os materiais podem tender a conduzir-se; embora nem toda conduta seja aprendizagem, toda
materiais como massinha, fichas, cubos e outros; com os adultos, a aprendizagem é, sim, uma conduta. Em outros termos, a
EOCA pode adotar as características de uma conversa e pode ser aprendizagem é um fenómeno que se opera no nível de integração
complementada com outras atividades. Quando um adulto comenta psicológico, mas apresenta diferenças em relação à conduta, porque
sobre o que faz, ele revela, entre outros aspectos, seu nível de esta não necessita cumprir com o requisito de estabilização, que é
competência e de desempenho, seus temores, suas satisfações e próprio da aprendizagem.
outros sentimentos que possa ter. Do nascimento em diante, inicia-se um processo de
Para todos os casos, é necessário se ter em conta que o que aparecimento e estabilização de condutas, cuja evolução permite
se obtém nessa primeira entrevista é um conjunto de observações, definir quatro sucessivos níveis de organização: a protoaprendizagem,
as quais deverão ser submetidas a uma verificação mais rigorosa, o a deuteroaprendizagem, a aprendizagem assistemática e a
que constitui o passo seguinte do processo diagnóstico. aprendizagem sistemática.

100 101
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

A protoaprendizagem consiste na aprendizagem das protoaprendizagem, é quando se configura o que a Psicanálise tem
primeiras relações vinculares10 que se estruturam, na criança, como conceituado como relações de objeto indiscriminado, de objeto
resultado da interação que se estabelece entre ela e sua mãe. A parcial e de objeto total, dando lugar, cada uma dessas configurações,
criança parte de uma situação inicial de indiscriminação ou a diferentes possibilidades de organização, que Bleger denomina
adualismo, com um nível de sensibilidade de acordo com essa estruturas de personalidade.
situação e, nos contatos com a mãe, vai estabelecendo suas O que mais me interessa destacar, porém, é que essas
primeiras discriminações e vínculos com o mundo externo. Esse estruturas ou esquemas de reação ainda se encontram vazias de
mundo externo reduz-se à mãe, ou ao adulto que a representa, que significado; pelo menos com o significado com o qual vão sendo
é quem resume e transmite, metabolizada em sua conduta, as preenchidas no nível seguinte de construção da aprendizagem, que
influências do pai e da cultura. Em essência, é a mãe o objeto de previamente denominamos deuteroaprendizagem.
interação, e não poderia ser de outra forma. A criança chega ao A deuteroaprendizagem, que também poderíamos
mundo com seu substrato biológico, produto de um sem número denominar concepção de mundo e de vida, configura-se pela
de influências: as próprias da transmissão hereditária e as derivadas interação da criança, que alcançou o nível de aprendizagem de
das reações afetivas da mãe, as quais, até antes do nascimento, protoaprendizagem, com seu grupo familiar: pai, mãe, irmãos,
traduzem-se para ela em estímulos biológicos (hormonais etc.) que outras pessoas que habitam a casa, objetos, animais etc. e as
o condicionam. interrelações das pessoas entre si e com os objetos animados e
inanimados.
É como se a placenta houvesse sofrido uma terceira mudança
Substrato
Mãe e ampliação: a primeira placenta era a que envolvia a criança,
biológico
protegendo-a no seio materno, a qual se amplia durante a
protoaprendizagem, deixando de ser meramente biológica e
passando a ser psicológica; porém, agora sofre uma nova
modificação, permitindo um maior número e complexidade de
Primeiro nível de Protoaprendizagem contatos.
aprendizagem
Nesse momento, adquire especial significado o trato e a
valorização dos membros entre si. A criança "bebe os valores do
Evidentemente, nesse lapso, tanto vão desempenhar seu grupo". O lugar valorizado, ou não, que ocupam a mulher, o homem,
papel as precondições da criança, como as circunstâncias oferecidas as crianças, os idosos, os prestadores de serviço, a televisão etc. é
pela mãe. Ambos, aspectos complementares, estabelecerão uma de singular peso. Então, produz-se a "tematização" dos esquemas
interação entre si, influenciando-se reciprocamente. Cabe salientar de reação elaborados no período anterior. Se antes havia se
que, assim como o biológico vai representar uma tela de cânhamo organizado uma estrutura paranoide, agora se estabilizam os ataques
para a protoaprendizagem proceder ao seu bordado, esse vai mudar a determinadas telas, como resultado do interjogo de identificações
o substrato biológico, produzindo entre ambos uma amálgama com os diferentes membros dessa pequena comunidade com a qual
indissolúvel, melhor dizendo, um novo nível de construção que a criança convive. Se o pai grita com a mãe, se este deprecia a
integra o precedente. Em minha opinião, neste nível, o da brincadeira, se os animais, livros etc. são valorizados, ou não, tudo
vai influir para que a criança configure seu estilo de aprender a
°Essas relações vinculares não se reduzem a aspectos afetivos, mas o aprender.
vínculo implica numa dimensão afetiva e numa cognitiva que se dão
indissociadamente.

102 103
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Substrato biológico Mãe Substrato biológico Mãe

j 1
/
1 f ^/"^

Primeiro nível de Protoapren-


Protoaprendizagem Grupo familiar Primeiro nível de Grupo familiar
aprendizagem aprendizagem dizagem

Segundo nível de Deuteroapren- Segundo nível Deuteroapren- Comunidade


aprendizagem de aprendizagem restrita
dizagem dizagem
,

ir
Assim como o substrato biológico servia de base à
Aprendizagem
protoaprendizagem, este serve, por sua vez, à deuteroaprendizagem, Terceiro nível assistemática
e assim como a protoaprendizagem modifica o substrato biológico, a de aprendizagem ou incidental
deuteroaprendizagem modifica a protoaprendizagem. No entanto,
cabe destacar que cada nível precedente subsiste no seguinte e que,
da mesma maneira que não desaparecem as assimilações biológicas O fato de denominar este nível de aprendizagem assistemá-
(alimentar-se etc.), tão pouco desaparecem os intercâmbios afetivos, tica deriva de uma hierarquização do processo individual que se
dando-se, pois, sob uma modalidade diferente a cada novo nível de opera pela influência da educação assistemática; porém, em
organização. nenhum momento, refere-se a que nem no meio, nem no sujeito,
A aprendizagem assistemática constitui-se pela interação os fenómenos dão-se sem um sistema. O meio possui uma
que a criança alcançou no nível da deuteroaprendizagem com a organização solidamente estruturada, só que é acostumado a
comunidade restrita (em outros termos, o bairro, os provedores carecer da objetivação e consciência dos organismos, funções, redes
que chegam a casa e outros). Nas comunidades primitivas (pré- e fenómenos que produz; e outro tanto ocorre com o sujeito, no
históricas e ágrafas), é relativamente fácil distinguir a aprendizagem qual pré-existe um sistema com suas leis próprias. Até as sociedades
assistemática da seguinte, a aprendizagem sistemática. A primeira mais primitivas puseram em prática sutis instrumentos, cujo uso
consiste na instrumentação que permite a integração na assegurava a assimilação dos membros jovens à comunidade com o
comunidade. Originariamente, implicava aprender a caçar, pescar, objetivo de assegurar a continuidade da sociedade.
construir a choupana, saber os rituais e proibições do grupo etc. A aprendizagem sistemática é a que se opera pela interação
Atualmente, nas sociedades industriais e, especificamente, desde com as instituições educativas, mediadoras da sociedade como
a difusão da escrita, é cada vez mais difícil distinguir um e outro tipo órgão especializado em transmitir o conhecimento, atitudes e
de aprendizagem, devido ao modo como as influências culturais habilidades que a sociedade considera necessários para a
imbricam-se. sobrevivência, capazes de manter uma relação equilibrada entre a

104 105
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

identidade e a mudança. Essas instituições oportunizam aos sujeitos Em minha opinião, nem os primeiros desenvolvimentos
aprendizagens instrumentais que lhe vão permitir o acesso aos níveis teóricos da Psicanálise, nem os da Escola de Genebra são suficientes
mais elaborados11, e é justamente nesse nível que se configuram os para explicar a aprendizagem. A aprendizagem não pode ser
sintomas da aprendizagem sistemática, os quais comentarei adiante. explicada unicamente pelo investimento afetivo em relação ao
objeto, como tão pouco, exclusivamente, pelas estruturas
cognitivas. Esses aspectos não se dão de forma dissociada como se
Substrato pretendeu durante um longo tempo. Distintas investigações
Mãe experimentais, como a de Therèse Gouin Dècarie com crianças
biológico
normais e as de James Anthony com crianças autistas, têm colocado
em evidência a correlação que existe entre a construção do objeto
permanente da escola piagetiana e a construção do objeto libidinal
da escola psicanalítica. Também essa correlação tem sido destacada
Primeiro nível de por investigadores que têm estudado a involução em anciãos e
aprendizagem Protoaprendizagem Grupo familiar
esquisofrênicos e, não é demais afirmar, o quanto de relação existe
entre esses aspectos e a aprendizagem.
Sem dúvida, a aprendizagem implica outros aspectos além
dos temas dos investimentos e das estruturas. Em outros termos,
Segundo nível de Deuteroapren- Comunidade as cargas energéticas positivas e negativas, como as operações,
aprendizagem dizagem restrita podem ser aplicadas a distintos objetos e, no caso da aprendizagem
sistemática, por exemplo, esses objetos são o resultado de uma
cuidadosa seleção dos bens culturais que se transforma em bens
pedagógicos ou em objetos com os quais o educando interagirá.
Aprendizagem Retomando as interações dos aspectos energéticos e
Terceiro nível de Instituições
assistemática estruturais entre si, interessa-me destacar que mesmo Piaget
aprendizagem escolares
ou incidental afirmou que a mãe é o primeiro objeto de conhecimento do filho.
Ele afirma que a mãe é um objeto privilegiado porque cai na
intersecção dos esquemas de ação da criança: do olfato, da gustação,
da visão, do tato e outros.
Quarto nível de Aprendizagem
aprendizagem sistemática Olfato

O segundo ponto que desejo desenvolver é a postulação de


que a aprendizagem é uma variável dependente dos aspectos
estruturais e energéticos, os quais se articulam.

No nível de aprendizagem sistemático, é possível distinguir subníveis


internos: o das aprendizagens instrumentais, o de conhecimentos
fundamentais, o de aquisições transculturais, o de informação técnica, Paladar
o de aperfeiçoamento profissional.

106 107
Jorge Visca Clinica Psicopedagógica

A análise detalhada das histórias dos pacientes claramente Níveis Aprendizagem assistemática Aprendizagem sist emática
revela como, geralmente, existe uma relação entre os aspectos Dificuldade
Detenção Ausência Específicos Inespecí-
intrapsíquicos no desenvolvimento e as estimulações e os total global parcial ficos
investimentos do grupo familiar em relação a esses aspectos.
A afetividade pode incidir em distintos graus sobre a Acalculia
organização dos aspectos estruturais: S Alexia
Agrafía
- sobre o objeto; E
Discalculía
- sobre o esquema; M Dislexia í, "„

Disgrafia
- sobre a estrutura. Disortografia
O sem Sem San Detençlo Sem
Quando, entre a criança e um determinado objeto, é nomenclatura nomenctetura nomenclatura tfcbèl
Disca ligraf ia
nomenclatura
L Dissintaxe
estabelecido um vínculo inadequado, subsiste, sem dúvida, o Escrita em
Ó espelho
esquema, que é o aspecto comum da conduta aplicado a esse e
G Detenção na
outros objetos. evolução do
1
No grau seguinte, o vínculo inadequado estende-se a um desenho
C Sintomas
conjunto de objetos, afetando o desenvolvimento de um O combinados ',' •
Lentidão
determinado esquema; porém, a estrutura não é afetada em seu genera izada
núcleo essencial e pode se desenvolver. Por outro lado, quando o
vínculo inadequado alcança um grau maior, a estrutura é afetada P ns ro

em sua totalidade, produzindo, como nos casos de hospitalismo, A


lentificação, detenção ou involução do desenvolvimento da criança. T
A concepção nosológica da Epistemologia Convergente O wi
IV <u
!O !O
articula três níveis: o semiológico ou do epifenômeno, o patogênico G <_h
c
3
ou das estruturas e mecanismos responsáveis pela emergência do Ê u-
3
U_

sintoma e o etiológico ou da génese da dificuldade atual. N


Estrutura cognitiva, funções, mecanismos
1 de regulação interna. Afetividade.
No nível semiológico, encontram-se os grandes grupos de
C
sintomas: os da aprendizagem assistemática e os da aprendizagem
O
sistemática. O primeiro subdivide-se em três grandes categorias:
a detenção global da aprendizagem, a ausência absoluta de uma
conduta e a existência de uma conduta que não alcançou seu pleno No quadro seguinte, refletem-se os três níveis: o
desenvolvimento. O segundo grupo, o da aprendizagem semiológico, o patogênico e o etiológico. O etiológico, na realidade,
sistemática, subdivide-se em sintomas específicos e sintomas constitui, predominantemente, uma matriz na qual se volta, de
inespecíficos, existindo, dentro de cada um deles,Elementossubdivisões
forma sistematizada, aos dados primitivos resultantes da observação
Elementos
que figuram no quadro já apresentado.interatuantes definidores clínica e da consulta interdisciplinar. Em outros termos, aqui se
Entre o nível semiológico e o patogênico existe uma relação encontram os dados do total de pacientes estudados pela equipe
Estrutura cognit
de ubicuidade; vale dizer que um mesmo sintoma pode emergir de do Centro de Estudos Psicopedagógicos até uma determinada data,
distintas constelações patogênicas. No quadro seguinte, que integra
Afetividade o qual não implica nenhum tratamento estatístico, nem que outros
o nível semiológico com o patogênico, pode-se observar como se estudos não possam enriquecer o quadro até então elaborado12.
dão tais articulações entre sintomas e elementos definidores e 2 No momento atual, o Departamento Assistencial incorporou a lentificação
interatuantes, pertencendo os dois últimos ao nível patogênico. generalizada à sua nosologia.
Afetividade

108 109
Funções
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Níveis Aprendizagem assistemática Aprendizagem sistemática Caracterizarei, agora, algumas das unidades de análise do
-> -- • " ""
J~-ÍU»*****'
nível semiológico correspondente aos sintomas específicos da
Detenção Ausência Dificuldade Específicos In especí-
total global parcial ficos aprendizagem sistemática. A nomenclatura utilizada responde a
dois critérios: a) para cada nome, tem-se levado em conta sua origem
Acatculia
etimológica; b) com cada nome, designa-se a menor unidade
S Alexia sintomatológica possível. Isso responde a dois fatos: introduzir uma
E Agrafia
Discalculia ordem na pluralidade de nomenclaturas existentes e identificar
M Dislexia unidades relativamente simples sobre as quais operar
1 Disgrafia
Disortografia posteriormente.
0 Sem Sem ; Sm Detenção
Discaiigrafia
Sem
nomenclatura nomenclatura nomendttura global nomenclatura O termo agrafia está formado por duas raízes gregas (a =
L Dissintaxe
Escrita em privativo de; graphê = maneira de representar as palavras de uma
i espelho
língua), significando a impossibilidade de representar por escrito a
G Detenção na
1 evolução do linguagem.
'; desenho
C Sintomas Pode-se dizer que a escrita é a arte de representar a
O combinados linguagem com signos convencionais ou que é o registro simbólico
Lentidão
generalizada das ideias; signos convencionais ou registro simbólico que pode
assumir distintas formas: pictográfica, ideográfica ou alfabética.
ro ro
P Sobre esse sintoma ainda é possível dizer que ele pode
A i 'E
bfi
c ser: a) inato, b) adquirido; além de poderem a) e b) estar associados
o o
T 0
•o
<D
-D
O)
-o
(U (LI
T3
01
•o
0)
ou não com a alexia.
ro ,_
<u
i ro
~o
i/i ! •o
ro ro ro
3
ro
-0 o>
ro
•o
Q)
LLJ
-o ! +-•
T3
> íO > (O >
OJ TJ
> >
O termo disgrafia também está formado por duas raízes gregas
'O 'S
; ^> *— l ò (U o; (D (dis = dificuldade; graphê) e consiste na dificuldade (parcial), e não
u
E i/i
LU s. p u_ LJ_ LU j < LJ_

na impossibilidade, para a aprendizagem da escrita de uma língua.


N «, m Estrutura cognitiva, funções, mecanismos de
1 c Segundo a categorização tradicional, disgrafia subdivide-se
c m regulação interna. Afetividade.
em: a) disgrafia específica ou disgrafia propriamente dita e b)
3

C E i?

disgrafia motora. Na primeira, o sujeito não estabelece uma relação


1
~~T T^~
LLJ

0
entre sistema simbólico e as grafias que representam os sons, as
1- \ palavras e as frases; ao que eu denomino simplesmente disgrafia.
82!
A segunda ocorre quando a motricidade do sujeito está
1 "1
1 o
(A
S
?
i particularmente em jogo, mas não o sistema simbólico; ao que
denomino discaligrafia e entendo como discaligrafia não é somente
O Q.

1 S oP o resultado de uma alteração motora, mas também de fatores


ó S ts
--a emocionais (restrição egoica etc.), os quais alteram a forma da letra.
r !.Si
G t Os indicadores que considero para a disgrafia recebem os
; uj
i 0)

S
mesmos nomes que os indicadores da dislexia. No entanto, na
c "-
primeira, dão-se na escrita (inversão, substituição, translação,
o Jz
ib H J ^m^
?m
?
omissão, agregado etc.); na segunda, dão-se na leitura.

110 111
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Sobre a alexia e dislexia, possivelmente os dois sintomas


Indicadores de Disgrafia Exemplos
mais conhecidos, direi ainda que consistem na mesma
Inversão de - ledas ne-Ven; areonautas A' aeronautas impossibilidade absoluta e na dificuldade parcial para ler; ou seja,
- sílabas pé nvasa X pensava que, em nossa definição, restringe-se ao sintoma indicado pela
- números 89 X 98; 123 A' 2 13
segunda raiz do termo (lexis), não sendo utilizado por nós - como
Substituição de - letras gogar A*jogar/ irnao A'innão acontece em outras correntes - de forma indiscriminada.
-sílabas pantalomo A" panlalona O termo discaligrafia possui três raízes gregas: dis, kalos =
- palavras nené A novo / lindo A' grande
- números 600 A' 700 belo e graphê. Ou seja, a dificuldade consiste em escrever em forma
legível. Os indicadores mais comuns de discaligrafia são:
Por confusão Substituem-se letras de sons semelhantes (v/f c/g) - micrografia;
- macrografia;
Por translação Prospectiva: uma letra, sílaba, palavra ou número - ambas combinadas;
locali/ado cm uma parte anterior da oração é
transladada a uma posterior - distorções ou deformações;
- dificuldades nos enlaces;
Casos especiais de Retrospectiva: é a situação inversa
substituição - traçados reforçados, filiformes, tremidos;
Por rotação Substituem-se letras simétricas cm seu desenho - inclinação inadequada;
(desenho inverso), nos eixos: - aglomerações
- horizontal: u/n; p/q; b/d
- vertical: p/b; q/d; a/e - outros.
- ambos (vertical e horizontal): h/y

Agregação de - letras ReaulA Raul


Também o termo disortografia tem três raízes gregas: dis,
- sílabas vininho -Y vinho orto = reto e graphê. Contrariamente aos autores, faço uma distinção
-palavras a dada de linda A' a casa linda
- números 3225 A' 325 entre disgrafia e disortografia, reservando este nome para os casos
nos quais cada fonema está representado, na ordem adequada, por
Por reiteração Agrega-se uma mesma letra, sílaba, palavra ou um grafema de som igual ao fonema utilizado na fala, mas não
número: passassada A" passada.
corresponde às regras ortográficas do idioma. Por exemplo: escrever
Casos especiais de "tidesão" seria uma disgrafia, escrever "divizão" seria uma
agregação Por translação Prospectiva: toma to sopa A' toma sopa
disortografia. A disortografia pode se dividir em: a) de signos básicos
Retrospectiva: mca assumi X me assumi
(letras) e b) de signos auxiliares (acentos e til)13.
Omissão de - letras tabém A' também
A dissintaxe consiste na dificuldade para expressar as ideias
- sílabas prinpal X principal por meio da escrita, respeitando-se as normas sintáticas do idioma:
- palavras como não voltam A" como o vento, não voltam
- números 32 X 302 não há concordância nas partes de uma oração, ou não se
subordinam as partes adequadamente, agregam-se palavras
Dissociação de palavras
" ci nc X cine /com piarão A' comprarão desnecessárias, ordenam-se as palavras de forma inadequada etc.
Em minha opinião, para que exista uma dissintaxe não deve haver
Contaminação de - letras fortese A' fortes e... um agramatismo, o que, de modo geral, possui os mesmos
- sílabas seencostou A' se encostou
- palavras haviaumaA"havia uma indicadores, mas na fala.
Ignorância de uma grafia -dificuldade para remanescente agráficoem um sintomadisgráfico
lembrar e representar uma grafia N.T. O autor referiu-se ao castelhano: acentos y diéresis; no entanto, para
melhor compreensão, usamos referências da língua portuguesa do Brasil.

112 113
Jorge Visco Clínica Psicopedagógica

A acalculia e a discalculia (cálculo = arte de contar) são dois


graus de dificuldade para operar matematicamente. No primeiro,
existe uma impossibilidade absoluta; no segundo, ela é parcial.
Para referir-se ao segundo caso, há quem utilize o termo
disaritmética, restringindo-se às operações aritméticas e excluindo
as operações geométricas.
No esquema a seguir, resumirei brevemente nossa
caracterização semiológica. O PROCESSO CORRETOR

- -
de mecanismos
Aritmética
de procedimentos
Mental
(sem lápis e papel) de mecanismos
Geométrica INTRODUÇÃO AO PROCESSO CORRETOR
de procedimentos
Discalculia - - -
de mecanismos Definição
Aritmética
de procedimentos Para introduzirmos a ideia de processo corretor, é necessário
Gráfica
definir, em primeira instância, ambos os termos: processo e corretor.
(com lápis e papel) de mecanismos Processo é o transcurso do que vai se sucedendo e é uma
Geométrica característica de toda coisa, de estar, a cada instante, de uma forma
de procedimentos
- - distinta da anterior. Processo é sinónimo do que está para acontecer,
ou seja, é um movimento pelo qual as coisas transformam-se.
É importante, no entanto, esclarecer que o processo pode
ser espontâneo ou provocado, e que o processo provocado pode
acontecer sob situações controladas segundo métodos, entre os
quais se encontra o método clínico.
Por outro lado, temos o termo corretor que está formado
pelas raízes co e regir, sendo a primeira um prefixo latino da
preposição "com" e sendo a segunda a ação do correto
funcionamento de um aparelho ou organismo.
Nesse sentido, o processo corretor consiste no conjunto de
operações clínicas por meio do qual se facilita o aparecimento e a
estabilização de condutas. Essas operações são realizadas entre um
sujeito que acompanha o processo e outro que vive, ativamente, o
mesmo processo, configurando um sistema do que está para acontecer.
114 115
lorqc Visca Clínica Psicopedagógica

Concepção teórica modelo, o assinalamento, a interpretação, a proposição do conflito e


a explicitação de interesses, entre os mais significativos.
A linha diretriz de um processo corretor reflete, ou deveria
refletir, o esquema referencial a partir do qual se opera. Representações gráficas
Nesse caso, esse esquema referencial é o da Epistemologia
Convergente, cuja caracterização pode se resumir como segue. Como síntese, cabe assinalar que, entre o sujeito e o agente
1) Epistemologia Convergente é o esquema conceituai corretor, dá-se uma relação dialética que pode ser representada de
configurado em virtude da assimilação recíproca das contribuições forma gráfica em função dos estudos desenvolvidos por Wilfred Bion.
das escolas psicanalítica, psicogenética de Genebra e da Psicologia
Social.
2) A personalidade caracteriza-se por ser uma configuração Momentos Sujeito Agente corretor Posições
construída a partir da organização biológica com o meio humano.
3) Essa configuração, em sua génese, constitui uma
\ - Masculina
totalidade indiscriminada que, em virtude da evolução, é
Primeiro momerittlí*
diferenciada em sistemas.
4) A personalidade possui unidade funcional, mas não AC - Feminina
estrutural.
Conteúdo
Unidades de análise
Segundo momento Metabolização do
Mesmo sabendo que não podemos encontrar dois processos agente corretor
iguais, é possível, em todos eles, distinguirem-se três unidades de
análise: a relação, o sujeito e o agente corretor.
As questões características da relação dizem respeito ao fato
de que a mesma se apoia num vetor da aprendizagem que mostra - Feminina

?
que a aprendizagem é assimétrica, exige uma adaptação ativa e
envolve uma tarefa, na qual o agente corretor opera como um Terceiro momento
continente transformador dos conteúdos não metabolizados do AC - Masculina
sujeito.
Outra unidade de análise é o sujeito, que é quem vai Continente Conteúdo
manifestar tanto sua semiologia (indicadores ou sintomas), quanto
sua patogenia, ou seja, os obstáculos: epistêmico, epistemofílico e
Além disso, é possível pensar em outra representação gráfica
funcional (este entendido como uma hipótese auxiliar).
por meio de um cone invertido (que encerra uma espiral), no qual
Por último, cabe caracterizar uma terceira unidade de análise:
tempo, lugar, frequência, duração, caixa de trabalho, condutas
o agente corretor, o qual vai utilizar uma série de recursos clínicos,
permitidas etc. são constantes flexíveis, a conduta do sujeito
entre os quais interessa destacar a mudança de situação, a informação,
(existente-emergente) é uma variável dependente, e as intervenções
a informação com redundância, a modalidade de alternativas
do agente corretor são uma variável independente (a qual, por
múltiplas, a informação intrapsíquica, a mostra, o acréscimo de
questões de técnica clínica, denomino variável interveniente).

116 117
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

No momento atual, com vários colaboradores, encontro-me


investigando outra série de possíveis recursos, entre os quais está
a "proposição do conflito", além de outras formas que ainda não
Corte de uma sessão receberam um nome. Como uma breve síntese, comentarei qual é
Constantes a metodologia de investigação e experimentação que utilizamos.
flexíveis do a) Registro de situações espontâneas que se apresentam
enquadra- nas sessões de atendimento psicopedagógico.
mento b) Conceituação do existente14 e da intervenção do agente
Emergente
corretor.
Variável Variável
dependente interveniente c) Busca de outros existentes que respondam ao modelo
conceituado no item anterior.
Existente
d) Busca de intervenções espontâneas de diferentes agentes
corretores a ditos existentes.
Os recursos que, a seguir, desenvolverei são uma reduzida parte e) Extração do aspecto comum do esquema de ditas
das possíveis intervenções que o profissional pode utilizar e, assim intervenções.
mesmo, cabe mencionar que a maior parte dos mesmos é o resultado f) Utilização do recurso e prova da eficácia com ditos
da conceituação e formalização de formas naturais ou espontâneas de existentes.
intervenção, extraídas tanto do material supervisionado de colegas, g) Utilização de outros existentes, a fim de avaliar sua
como da reflexão sobre minha prática de atendimento. eficácia em tais situações.
Quando falo numa reduzida parte das possíveis intervenções, Essa não é uma tarefa fácil e rápida, mas o resultado de uma
quero dizer que a gama de possíveis intervenções que o laboriosa investigação. Nesta, frequentemente, avançam-se dois
psicopedagogo põe em prática, com um paciente, é muito mais ampla passos, mas se retrocede um.
que os recursos aqui apresentados. Não duvido que, com o tempo, Quando falo da conceituação e formalização de formas
seja possível conceituar e sistematizar outros recursos que já se naturais ou espontâneas de intervenção, extraídas tanto do
utilizam, de fato, mas sobre os quais ainda não se pensou o suficiente. material de colegas, como do meu próprio, quero expressar meu
Pode-se ver no gráfico seguinte a representação dessa reconhecimento aos colegas (cujas consultas ensinaram-me) e aos
afirmação: se, no gráfico, o setor compreendido entre ABD representa pacientes (de quem também aprendi). Interessa-me, também,
o total de intervenções possíveis, o setor ABC - sensivelmente menor destacar quão pouco tempo e esforço dedica-se à reflexão teórica
- representa o conjunto de intervenções sistematizadas. a partir do fato empírico. Praticar intervenções, recortá-las de seu
contexto, analisá-las extraindo o esquema ou aspecto comum e
dar-lhes um nome, assim como investigar sua utilidade e eficácia,
fazem parte desse exercício.
Os recursos são, então, algumas das possíveis formas de
intervenção mediante as quais se tenta modificar a organização de

14 N.T. Em minhas anotações, tenho a explicação de Visca sobre o existente.


Segundo ele, o existente é a situação que se apresenta, o sintoma
individual ou grupai apresentado, e que possui três níveis de evolução-
o nível dilemático

118 119
Jorqc Visca Clínica Psicopedagógica

um campo, cuja estrutura ou dinâmica, aos olhos do psicopedagogo, Vale dizer que o psicopedagogo deverá estimar, antes de
tem-se configurado inadequadamente. intervir: primeiro se a intervenção apontará, predominantemente,
Os recursos que, habitualmente, utilizo são: para o aspecto energético ou estrutural; segundo, com a intenção
- a mudança de situação; de mobilizar um campo estruturado nos níveis citados; terceiro,
- a informação; implementar este ou aquele recurso.
- a informação com redundância;
- a modalidade de alternativas múltiplas;
- o acréscimo de modelo;
- a mostra;
- a explicação intrapsíquica;
- o assinalamento;
- a interpretação
- a troca de papéis.
Tais recursos - denominados variáveis intervenientes, como
já disse - são utilizados de acordo com os seguintes critérios:
a) todo recurso é utilizado para incidir sobre um existente
(campo estruturado) com o objetivo de produzir modificação;
b) todo recurso tem como base uma hipótese que envolve o
existente, a variável e o emergente, e não significa um imperativo
categórico;
c) cada um dos recursos constitui distintas formas de
expressão ou manifestação de uma mesma entidade;
d) a escolha de uma ou outra forma da variável vai
corresponder à ideia de oportunidade ou eficácia, a qual tem como
pressuposto geral o postulado que deve pôr em jogo a resposta,
mais ativa possível, por parte do sujeito.
e) a oportunidade ou a eficácia só vai ser comprovada pelo
emergente imediato ou mediato.
Em outra ordem de coisas, cabe esclarecer que os recursos
previamente mencionados podem estar, predominantemente,
dirigidos aos aspectos energéticos ou estruturais, em cada um dos
quais sempre aparecem três níveis, os quais se pretende mobilizar:
1) de indiscriminação;
2) de dissociação;
3) de integração.
Esses níveis foram conceituados tanto pela Escola de Genebra
e Psicanálise, como pela Psicologia Social, a partir de distintas
perspectivas.

120 121
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

OS RECURSOS
Meio

Instrumentos de
A personalidade
intercâmbio entre o
como subsistema
subsistema e o
(com suas tendên-
sistema
cias ao fechamento
e à abertura)

A mudança de situação significa a modificação de uma


constante do enquadramento (ou de parte dela): tempo, espaço,
frequência, honorários etc. Essa mudança pode ser tanto de A intensidade e frequência dos mecanismos de defesa e as
aspectos evidentes ou manifestos, como de aspectos sutis, tais tendências predominantemente assimiladoras e acomodadoras são
como a maneira de cumprimentar ou o paciente fazer soar duas indicadores do fechamento do subsistema.
vezes a campainha da porta (no caso de um sujeito muito
impulsivo, que chamava insistentemente com um só toque na A informação é um recurso verbal que não diz o que o sujeito
campainha) etc. deve fazer, mas que considera o sujeito para a sua formulação tanto
Um exemplo desse recurso é o seguinte: durante certo do ponto de vista sintético, quanto semântico.
tempo, vinha trabalhando com um pré-adolescente que ignorava, Do ponto de vista sintético, a informação implica uma
sistematicamente, minhas intervenções e até a minha presença. organização tal dos significantes que os tornem significativos para
Habitualmente, eu cumprimentava-o dando-lhe a mão e dizendo- aquele que recebe, em função do estádio de desenvolvimento
lhe "Boa noite". Na oportunidade a que me refiro, sem saber por cognitivo, da vinculação afetiva e da cultura a que pertence. Em
que, abri a porta e não lhe dei a mão, nem o saudei imediatamente. relação à semântica, cabe sublinhar a importância que tem o fato
Isso provocou uma reação tal que, neste encontro, ele manteve- de que os significantes permitam uma representação das
se ligado a mim, evidenciando uma mudança radical de atitude. impressões sensoriais, das situações emocionais e das experiências
Tempo depois, o jovem comentou sobre esse dia, dando o nome lógico-matemáticas que envolvem a mensagem.
ao recurso: "A mudança que você teve quando não me A informação não tem por finalidade comunicar que
cumprimentou como de costume"; "Foi uma situação nova que "Colombo descobriu a América em 1492", mas se elegem elementos
produziu em mim um efeito que me permitiu perceber como eu que permitam operar em função do conhecimento do campo
ignorava-o, descartando-o". geográfico. Assim, por exemplo, informar ao paciente que na
Esse recurso, como os demais, tem a capacidade de produzir biblioteca há uma enciclopédia (na qual pode encontrar a informação
uma modificação na organização do subsistema (personalidade), que deseja, mas que não é dito a ele) ou que o ruído da porta
através de uma mudança no ambiente no qual se encontra inserido. (atribuído pelo paciente ao fato de que alguém pode ter aberto) é
Sem dúvida, quero destacar esse fenómeno a propósito desse produzido pelo vento é um exemplo de informação, de acordo com
recurso porque é, possivelmente, o que melhor permite tal o sentido que a utilizo.
visualização. Este é um exemplo clássico para os meninos que começam
e andar pela cidade, sozinhos:

122 123
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

Entrevistado: "Não sei como posso ir a Copacabana". O acréscimo de modelo requer uma consideração prévia.
Entrevistador: "Na estante de livros, há um guia da cidade Todos os recursos citados respondem ao critério de operar sobre a
com os meios de transporte". base de, e não intervir com um "contramodelo". Isso é tido
A informação pode ser subdividida em duas classes: a) particularmente em conta nesse tipo de intervenção. Enquanto o
dentro do consultório (intrabox) e b) fora do consultório (extrabox). "contramodelo" implica uma negação do outro (sobre a base de
Na primeira, o conteúdo da informação recai sobre objetos e uma dissociação esquizoide ou de uma simbiose), a ampliação do
situações do consultório; na segunda, recai sobre objetos e modelo toma o modelo inicial em conta e aceita-o como ele é.
situações externas a ele. Dado um existente, este pode ser Diante da dificuldade de sintetizar a ideia essencial que caracteriza
considerado em uma ou outra dimensão. Por exemplo: esse recurso, descreverei a situação em que pude vivenciá-lo e
Entrevistado: "Chego tarde porque o ônibus demora muito objetivá-lo pela primeira vez.
para passar." (existente) Z. era uma menina de uns sete anos, cujos pais consultaram-
Entrevistador: "Na estante de livros, há um guia da cidade me depois de terem tentado que ela fosse assistida por vários
com todos os meios de transporte." (intrabox) colegas. Os tratamentos não duravam; em poucos dias, Z. resistia à
Diante do mesmo existente, poder-se-ia intervir segundo continuidade de todas as maneiras imagináveis. Z. não lia, não
pareça mais conveniente. escrevia, nem operava matematicamente. Começado o
Entrevistador: "Por Copacabana, passam seis meios de atendimento psicopedagógico, a menina propôs-me: "Eu sou a caixa
transporte que vêm até aqui." de um banco e você é o ladrão. Você dá dois golpes no guichê e diz
"Levante as mãos", e eu dou-lhe o dinheiro. Esta atividade repetiu-
A informação com redundância só difere do recurso anterior se de forma estereotipada, por certo tempo, durante toda a nossa
no sentido que se recodifica parcial ou totalmente a mensagem, entrevista. Qualquer sugestão para fazer outra atividade
fazendo-se uso de um gesto, tom de voz, repetição de parte ou do (contramodelo) era recusada imediatamente; isso me fez
todo expressado. O sentido da recodificação da informação consiste compreender o motivo de suas resistências e o abandono dos
em ultrapassar as barreiras afetivas, e de outra índole, que dificultam atendimentos anteriores. Como a situação repetia-se até o cansaço,
sua apreensão e posterior metabolização em termos de imagens e em uma oportunidade, agi diferente - possivelmente movido pela
operações cognitivo-afetivas. impotência. Logo que dei os dois golpes no guichê e disse para que
ela levantasse as mãos, Z. fez o gesto de entregar-me o dinheiro
O modelo de alternativas múltiplas consiste em uma imaginário, e eu, então, disse-lhe: "Você apenas faz que me dá o
enumeração não-taxativa do que o sujeito pode realizar. dinheiro...", e ela retrucou: "Façamos o dinheiro com papel." Em
Entrevistador: "Pode desenhar, escrever, ler, construir ou outra oportunidade, acrescentei: "Dê-me apenas as notas mais
qualquer outra coisa que lhe ocorra." altas", ao que replicou: "Então, ensina-me os números, não vês que
O modelo tem como finalidade, somente, ser um eu não sei?"
desencadeante ou "motor neutro" da conduta. Utiliza-se em Em outras oportunidades, experimentei esse recurso de
situações nas quais o sujeito encontra-se paralisado. Para sua outra forma. Em vez de realizá-lo em uma dramatização, sem perder
formulação, levam-se em conta os aspectos: estrutural (nível o papel, é possível utilizá-lo frente a outro tipo de modelo; por
cognitivo) e energético (afetivo). Na prática, é fácil observar no exemplo, o desenho. Diante de uma casa sem porta, pode-se
emergente dois grupos de fenómenos: a) a oposição e a opção por questionar: "Por onde entram e saem as pessoas desta casa?" Se o
outra atividade e b) a ampliação do universo de objetos e condutas sujeito está em condições, vai desenhá-la; se não pode,
operativas. simplesmente contestará: "Pela porta!" ou continuará calado.

124 125
lorqc Visca Clinica Psicopedagógica

A mostra é a transmissão da informação por meio de uma Um primeiro exemplo que se refere à relação do sujeito
ação não-verbalizada, que pode recair sobre: a) os objetos, b) a relação com os objetos poderia consistir no que segue.
dos sujeitos com os objetos, c) a relação do sujeito consigo mesmo. O entrevistado, ao apagar sua folha, não a segura e ela
A primeira tem por finalidade predominante promover a enruga-se e rasga.
abstração empírica; a segunda, a abstração refletidora15; a terceira, O entrevistador apaga a folha sem segurá-la, e a folha
a percepção de si mesmo (nos aspectos cognitivos e afetivos) como enruga-se e rasga; em seguida, ele pega uma folha, segurando-a, e
objeto de conhecimento. As três formas tendem a facilitar a tomada apaga o que está escrito; ela não se enruga, nem rasga.
de consciência e a passagem de certos elementos de um plano de Agora, trago outro exemplo do mesmo tipo, porém com um
não-representação ou de representação inferior a um plano de matiz diferente: imaginemos um menino que se atrapalha na
representação ou de representação superior. contagem de objetos e acredita que a quantidade de objetos
Um exemplo de mostra dirigida a um objeto seria o seguinte: modifica-se dependendo da direção em que faz a contagem. O
Se um sujeito está trabalhando com uma matriz de dupla entrada e entrevistador conta da esquerda para a direita e da direita para
tem que localizar um objeto na intersecção correspondente, mas esquerda a mesma coleção de objetos (obtendo igual resultado).
realiza tomando em conta somente um atributo ou qualidade do A mostra que recai sobre a relação do sujeito com ele mesmo
objeto, pode-se deslocar o objeto em questão até a marginal que dificilmente pode ser apresentada de forma pura; geralmente, dá-se
indica o atributo não-considerado. Por exemplo: em um contexto de verbalizações no qual o verbal não consegue
produzir a modificação necessária. A. era uma senhora que repetia
certa pauta de reação a determinadas situações de aprendizagem,
Cores
frente às quais havia utilizado uma série de recursos com o objetivo
V R de modificar tal existente estereotipado. Na situação a que me referi,
O paciente coloca o acabara por repetir a ação quando lhe pedi para posicionar sua carteira
(D círculo amarelo no no mesmo lugar no qual se encontrava o cinzeiro; ela deveria retirá-
encontro (l). lo para colocar a carteira. Sua compreensão foi imediata: "Já sei por
O entrevistador que você me sugeriu isso; porque eu faço o mesmo: ao não deixar de
fazer as coisas de determinada maneira, não posso começar a fazê-
desloca o círculo
las de outra forma".
amarelo e o justapõe à
Também cabe ressaltar que a mostra com a intenção de
marginal circular,
facilitar a relação do sujeito consigo mesmo geralmente é realizada
retornando-o
pelo próprio sujeito, a qual, neste momento, aproxima-se da troca
imediatamente à sua de papéis (rol playing) - sem chegar a sê-lo - e facilita a experiência
posição anterior. vivencial.

A explicação intrapsíquica consiste em uma descrição e


explicação - mediante um modelo - dos mecanismos energéticos e
estruturais utilizados na aprendizagem: dissociação, projeção,
N.T. A abstração refletidora implica a reorganização e a transposição de negação, assimilação, acomodação, equilibração etc.
ideias para um novo plano, a fim de que se tornem conscientes, assim A forma como Pichon-Rivière, em suas exposições, explicava
como a sua reconstrução num processo de reflexão, no sentido psicológico
do termo. a teoria dos 3D (depositante, depositário e depositado) é um ótimo

126 127
lorgc Vísca Clínica Psicopedagógica

exemplo de explicação intrapsíquica referida à projeção. Ele Informação Assinalamento e Interpretação


exemplificava sua teoria dizendo que o depositário é o empregado
do banco (o objeto externo) sobre o qual se efetua a projeção; o 1) Reconhece sua origem técnica 1) Reconhecem sua origem técnica
no pedagógico (didático). no psicológico (psicanalítico).
depositante (o sujeito) é quem realiza o depósito (a ação); e o
depositado é o dinheiro (o projetado). 2) É um recurso que tende a 2) São recursos que tendem a
Os mecanismos energéticos e estruturais, na realidade, são reestruturar o campo psicológico reestruturar o campo psicológico
resultados de uma generalização e de uma abstração de condutas mediante o conhecimento do mediante o reconhecimento do
campo geográfico. mesmo campo psicológico.
que podem ser classificadas dentro de uma determinada categoria;
porém, em cada sujeito e em distintos momentos de um mesmo 3) Pode ser: a) intrabox e b) 3) Podem ser: a) intrabox e b)
sujeito, apresentarão diferenças e, ao mesmo tempo, certas extrabox a) toma o campo extrabox a) expressam dados sobre
semelhanças com outras condutas e situações que são conhecidas geográfico do consultório como o campo psicológico no "aqui-
objeto sobre o qual se expressa agora-comigo-frente-à-presente-
pelo paciente em questão. Assim, por exemplo, uma senhora que,
a informação; b) o campo tarefa"; b) expressam dados sobre o
ao ler, mais do que reproduzir as letras, sílabas e palavras do diário,
geográfico sobre o qual se campo psicológico "ali-então
pronunciava uma mescla do que imaginava que via e do que (passado ou futuro) - naquela
expressa a informação é
efetivamente estava escrito, assim como adiantava e retrocedia na externo ao consultório (no qual tarefa".
leitura de forma incessante. Essa mesma pessoa costumava viajar de se desenvolve ou poder-se-ia
metro e tentava entrar no mesmo antes que as pessoas terminassem desenvolver o sujeito).
de descer, o que resultava em empurrões, confusões e também em
situações nas quais quem estava descendo tinha que entrar para poder O que acabo de comentar poderia ser representado
sair novamente do veículo depois. A descrição e a explicação de sua graficamente como segue:
particular forma de entrar no metro (e os resultados que sua conduta
produzia) serviram de base e modelo adequado para ela entender conteúdo expresso
qual era seu mecanismo na leitura.
conteúdo expresso
O assinalamento e a interpretação consistem,
respectivamente, na comunicação incompleta e completa de um
segmento de conduta. Possuem semelhanças e diferenças com a
informação, entre si, e conforme sejam utilizados no atendimento
grupai ou individual. conteúdo expresso
É possível acrescentar, também, que a utilização de ambos
os recursos no campo psicopedagógico tem sido altamente
discutida; por isso, em primeiro lugar, realizarei um quadro
comparativo; em segunda instância, comentarei as características
da conduta molar na qual me fundamento; a seguir, realizarei uma
análise classificatória de ambos os recursos. AC - Agente corretor, psicopedagogo; O - Objeto; S - Sujeito e suas áreas
de expressão da conduta; II - Informação intrabox; IE - informação
extrabox; EVR - Estrutura vincular real; EVV - Estrutura vincular virtual; Ali
- Assinalamento e informação intrabox; AIE - Assinalamento e informação
extrabox.

128 129
•;•- QJ 73 ^'73 QJ O -Q QJ ~o o r> c c: ~o 3 ro < c "a c ro 3 ro .Ct QJ
c: tn
Q) Cl O 3 3 </i QJ! m" ™ ^ <T> 3 fD O fD
tn r* cna 5 52.

odu
U) 5SS{|!C.-a5:g-S
o o; 2 ã— 1 S ° 35-= CL
QJ =rc <QJ -^5
— 3
tn QJ
3 ã. S l S l Sj 5 S _. ° c Õ) Si. £

ríi'si £" ?-° ^ «J CL


fD i
c "& 3
ro ST

Po
X fD
O
cr
ff £ S P 3
r-
§ tn
|
S' i2,
QJ
in
d,
-i 'fÕ" i §o
O <'
QJ
ro
Í. C
QJ O
J2 3 QJ CL Q- — O fD
QJ QJ <
C QJ -O
Í 3 rô — QJi Q. -i CL Q)
tn r* 3 n O C fD O fD _.
O .
s fDs

ou

ado
3 ? S O
QJ!
ff 2. 0.010. o ^ 1.8 CL "O
=!7 ft ro o s-
-^
Õ S 3 <£ S £ ro S! s s
iH

nalidade indica sempre um


QJ
3 ro o
í" ST
>o
n 3 QJ CL O Q. 3 QJ!

mportante
O ro JT Q 0_ O
3 Os
so 1 tn fí' O, ro 3
entadas an

"• ro «í. o
§S l*
3 -B 5£

.
<" -Q -1 < §
fD C ?í S fD O Q.
-< fD
W
til
Q. n -h
fD
>S
fD
8.3" '8 *••
o b±
3
o " 2

e
3
tn CL Q.
^ o 55 3. o "2 -^ TO o QJI 3
õ' c o. Q. c ro. B 5' 3 O =.
QJ
§ E. C<-f
fD
07 3 !£. Q- Q- 5-n ° C C L ol n QJ O n

que embaso
gss-ã 11

a
2' 3
_, 3

l1!! s í i3 » 3 ES-
QJ QJ tn
2. ?•
Q) QJ
E,

2.. =í..55 n Ol> o. 2


»f|
0 TO
ií l!°t
3 <T> " 0 g £ -0
3 o
o
<' Q-
g
«-I- 3
*'»
M
n fD TO O
„-!

W
ro 3
3

ncu
°
f' * ° li i S' QJ
f> rt
C QJ
rf
3
i-f
§1
=:.. o.. o.. o.. ™__
O O f D Q J O Q J O O t n
S, o. 5- ou ST
Q10lO=í
ro ^
O fD
o.
fD QJ
o.
fD
QJ! QJ
o -, s«
<' o Q.
O O

3" n 1/1 —h
assin lamente

73 QJ TO QJ CL 3 QJ
3' —i O r+ fD
-i
O
INTERPRETAÇÃO ASSINALAMENTO QJ ff T3 QJ fD
73_ fD ft 3 fD O
QJ 3 n fD O 73 i-»-'
tn O- tn 3 ^^ QJ
QJ fD tn —i C CL O —-
, QJ 3 fD fD
—^ 3 C

3 C n' -i J N' QJ
y
—^
n fD T3tn ^
QJ
imento

r-f QJ CL QJ
fD 73 QJ o. CL O "fl Z
1 1
ro rriN QJs
n ^ rf fD fD
3 O
oT tn
3
3 0
—l
o'
C QJ
QJ
O ÕB
. • 3B1 g'Z1 QJ
CL
QJ O
QJ' O nr^ 0
O
fD
r-t- r-f C QJ O
c
tn i. *• -: E. X. r-t- ln 3' fD <'
C tn
O K, O
Cf. Q. tn & 5f> fD O T3
o- i^ fD 3 ossas investiga QJ 3 15
^~ O

o acrescentar,
ortante dizer q

tn 0 o 73 g fi QJ
rnativas.

3
da comunicaçã

fD l/l ^
ro ^
—T

B ^ Q. predominante
onstru-

JQ CL r*
f-1-
CL QJI QJ fD fD
C fD
l/i
O
ln
O-
-1 3 QJ fD O 07 ° & : °" 1 0
O X
•o_
fD tn fD
n fD
Otn S
o'
QJ
1
C3-
Q) 3
CL QJ
IM
ff
n
3
fD
"o 1 fD
QJ õ'
QJ
l/l QJ i-t- •0
c n
, ,l .,. . 1 ..
3 3 (T *• O 3 3 I 1
fD~
O QJi
r-t- o r-t-
;cursos, é

<' fD N' O -t
r+ 3 r-t-' 0
fD
s >
dentro |

3 tn
r-t-
QJ
CL
3 C —í'
QJ
QJ
CL 73 n S> QJ —í CL
3-
QJ QJ 0 Q) 3 QJ
O ••; a ; _ . 3., 73 QJ O
3
tn
5'
QJ 5'
CL o
era 3
g.
—^
fD c O. o *o l T3 r*
fD
Q. r-í- QJ
r-f fD 09 u^ 3 fD QJ O! w QJ
n' 3
fD QJ fD QJ
-í6
•D 3 QJ fD
tn
D" -^ 3 CD ^
£
J ?'
<, Q. fD
fD
r-l- 00 r-t-
O
C
3' _Q 73 QJ
—^
O -Q 3' fD --.-- • S<V•- .-. : --.- • •• <'
o
o M' tn
O) l/i
x
-f-<
C
QJ r-t-
C
QJ
O O"
T3 fO-
n CL O —i 3 r^. TO C \J
C 3 TO fD fD> ro 3
O" fD 1 i 1 1
O n'
ln QJ
fD ln r-h TO
QJ
QJ QJ
fD> Q r-t-
r-t-
QJ! El 1 > II 1 fD
3
tn .—.
-^ QJ QJ
õ' 3 QJ
QJ
CL
CL —h fD
-^ f) 3 cr .Q ^j fD •O ^~ -^ 3" TO JO
fD 0 C < QJ1 n o
>< QJ C P
"O 0 QJ! fD õT 0 C
fD f" 3 QJ O QJ
^~*
fD
—* l/l Q c O Lõ'l—f-
QJ r-t- TO fD
l—f. CL T) •.
o
0 fD
£ S" >•»51 a-1" B E»5" s»S1 a-g* CL tn
—1 o- O- 0
-l1
QJ O! 73 CL C C -^ 3" N' QJ
fD •i ^ fD
os utilizados
istórica.

ado soment

^-iB
H H
fD O O c: ^
n'
3 3 l/l o QJ 3 -^
2 1 2 3 3 n'
QJ QJ
73
O o-
3
fD
lê ocorrer o mesmo.
tos do segmento de

firmativa, tanto no

fD —h QJ
o- 5^ o- S"
momento atual (a-

n_ O QJ QJ CL o
ro 3
r-t- 5" -1 CL g § S § CL fD
O fD tn
c 3
Q

3
73
O
QJ
n'
Q)
Q.
QJ
tn
ISJ
QJ i t l í i j i i O
r+ (-f-
fD
O
3^ fD~ tn
3"
o'
Q
—í
B
0 to
n
-i 0
0
fD
ff
—í
CL
0 p p
cr cr ff Er 3"ér3"i-
p p P P P P
f cr cr -r cri-=ri-
QJ
—^
C
3
O
tn'
r-t-
O-
-i
S
fD
O
g
tn CL tn fD
fD r+ O
73 QJ fD & v: & f/5 v ^ ç / i W v: &^yit/35? vac^^t/: 3 CL ^É fD c
f-) |
s' fD.
—1
3 QJ y -h
S S» o. S o. S. o^ S
2. 2. 2-2.
o^ Õ. õ» <S õ. Õ. g- S. QJ fD 5' QJ QJ —l
3 l/l fí
Õ_

õ' 2.
o 2õ' 2- 2. 2. 2 2 ^ 2 2 3-2
0 *0 Q) 3
o
Õ' 73 73 O õ' õ' o o õ' o o o o ' o o o o n' QJ> J> 0

TO
O
o —\
O O O O O o O O O O O O O O O O 3 O
^
—\ QJ' r-t-
(^
o y í!
O.
Ul QJ CL fD CL CL •o_ CL l/i fD. 3 'S.
O fD r-t 3 o"
,~> fD O 0 fD QJ QJ QJ tn 0 QJ QJ o
Clínica Psicopedagógica
Jorge l/isco

conduta (motivação, unidade funcional, objetivo, unidade


significativa, estrutura), para depois, paulatinamente, integrá-los até
alcançar a interpretação, nos casos em que seja necessário utilizá-la.
Cada vez que a senhora X., que apresentou significativa
dificuldade para redigir, propõe-se a fazê-lo, lembra-se de algo que
me conta, razão pela qual a tarefa em questão demora a ser feita ou
é substituída por outra. X. não tem a mínima consciência disso e,
quando lhe digo, fica surpresa.
Entrevistador: "Você tem observado que cada vez que se
propõe a escrever, recorda algo e que, entre o momento de sua decisão
e o momento de cumpri-la, passa muito tempo, e você atrasa-se?"
Entrevistada: "Você acredita? Não sei. Vou me observar."
Depois de repetidas atividades, foi possível mostrar à
senhora X. a relação entre a tarefa e a conduta evitativa: escrever /
recordar; escrever / querer fazer uma pergunta; escrever / precisar
trocar o horário; escrever / sentir-se muito cansada etc.
Assim, também foi possível interpretar com pleno êxito,
em uma abrangência atual (a-histórica), o segmento da conduta,
formulado a seguir.
Entrevistador: "Cada vez que você propõe-se a escrever, o que
eu recordo-lhe como um de seus objetivos, pelo qual nos reunimos,
SM - Si mesmo; Ol - Objeto intermediário;
possivelmente você sinta medo de não conseguir fazê-lo ou de não
PC - Papel complementar; V - Vínculo;
poder fazê-lo tão bem quanto se propõe -já que é tão exigente consigo PBD - Papel bem desenvolvido;
mesma; então, surge uma situação nova, com a qual você evita entrar PPD - Papel pouco desenvolvido;
na tarefa e fazer o que consegue. Em minha opinião, você pensa que P - Papel; SP - Segundo papel
eu posso lhe criticar e, em vez de escrever, faz-me perguntas, com as
quais preenchemos o tempo com outras coisas." O "eu" pode ter se desenvolvido em um menor ou maior
A troca de papéis ou jogo de papéis (rol playing) é uma grau em função das precondições e das circunstâncias; porém,
técnica dramática que opera no "como se", permitindo que situações sempre desempenhará papéis com um menor ou maior grau de
passadas ou futuras possam ser trazidas ao presente. É exatamente desenvolvimento.
No jogo de papeis, sob distintas formas, colocam-se em
por isto que esse recurso assume singular importância no fazer
exercício papéis com um baixo grau de compromisso, o qual permite
psicopedagógico: por permitir a revisão (do que já foi realizado) e a
exercitar, revisar e elaborar ou construir condutas, facilitando a
preparação (do que se vai fazer). ampliação do "eu" e de si mesmo.
Jaime Rojas-Bermúdez usa um esquema, mediante o qual
Todos os recursos previamente mencionados podem ser
representa graficamente o conceito e a utilização do "objeto utilizados no jogo de papéis, com uma única condição, que sejam
intermediário", o qual é muito esclarecedor da ação que os recursos utilizados durante a vivência do papel. É importante dizer que não
dramáticos exercem sobre a construção do psiquismo. é possível deixar o papel, passar a ser o psicopedagogo e informar,
mudar a situação, assinalar etc.; porém, desempenhando o papel

132 133
Jorge Visco
Clínica Psicopedagógica
assumido é que o psicopedagogo deve intervir utilizando esses
recursos, como parte do jogo.
As situações nas quais utilizo, com maior frequência, esse
recurso acontecem quando o sujeito apresenta:
- percepção parcial da situação;
- negação do passado;
- falta de antecipação da situação futura;
- preparação para uma situação futura;
- falta de vivência para compreender um conteúdo.
É possível distinguir, também, a fonte de onde surge a
EPISTEMOLOGIA CONVERGENTE
proposta de dramatização do paciente e do psicopedagogo.
Em termos gerais, a proposição de dramatizar por parte do
paciente dá-se em crianças pequenas; não como uma clara Laura Monte Serrat Barbosa
proposição, mas como uma situação espontânea de jogo. Sem dúvida,
isso lhe permite viver ativamente o que sofrera passivamente ou, de
certa forma, tomar consciência de fenómenos intrapsíquicos ou
interpsíquicos.
Em compensação, com os pacientes de mais idade, a
proposta geralmente surge do psicopedagogo, pelo menos nas UMA CONVERSA
primeiras oportunidades, até que o entrevistado relaxa e passa a
apreciar essa forma de recurso. Escrevo este capítulo pensando em um diálogo meu com a
Quero acrescentar que esse recurso pode adotar distintas Epistemologia Convergente, apresentada por Jorge Visca como
modalidades, as quais podem se dar com ou sem objeto suporte para sua proposta de ação psicopedagógica. A
intermediário: Psicopedagogia na ótica da Epistemologia Convergente nasceu do
a) sem troca de papéis e sem reflexão posterior; desejo de compreender o processo de aprendizagem por meio de
b) sem troca de papéis e com reflexão posterior; dois olhares necessários: o que olha para a subjetividade
c) sem troca de papéis, com reflexão posterior e repetição (Psicanálise) e aquele que olha para a construção de estruturas para
do papel; conhecer (Psicogenética). Além disso, essa construção sofreu
d) com troca de papéis e sem reflexão posterior; influência do que Pichon-Rivière chamou de "interciência" e, em
e) com troca de papéis e com reflexão posterior; alguns registros, de "epistemologia convergente".
f) com troca de papéis, reflexão posterior e repetição de É o próprio Visca quem comenta sobre essa influência, em
papéis. seu livro Psicopedagogia: Teoria, Clínica e Investigación:
Essas modalidades, invariavelmente, estarão condicionadas
tanto pelos aspectos cognitivos, quanto pelos afetivos, os quais Mesmo o modelo da epistemologia
vão desempenhar um papel fundamental no que se refere à convergente sendo o resultado de observações
possibilidade, ou não, de implementar uma instância reflexiva. clínicas no campo psicopedagógico à luz de
algumas contribuições de certos autores
mencionados previamente, não se pode deixar
de mencionar que a primeira ideia foi o produto

134
135
Jorge Visca Clínica Psicopedagógíca

da influência de dois autores que não são da a contradição; além disso, é preciso compreender que o conhecimento
escola piagetiana: Enrique Pichon-Rivière e José "é, ao mesmo tempo, prometido em novos desenvolvimentos e
Bleger (VISCA, 1993, p. 29- 30, tradução nossa). condenado ao inacabamento" (MORIN, 1996, p. 30). A invenção no
pensamento e na criação transgride a lógica, e isso é possível porque
Naquele momento, para superar o paradigma de disjunção não é o pensamento que se encontra a serviço da lógica, e sim o
do qual fala Morin (1996), Pichon-Rivière, uma personalidade contrário. Para concluir sua reflexão sobre os problemas relacionados
inquieta, propõe a Epistemoiogia Convergente na introdução de ao conhecimento, o autor aborda:
sua obra Do Psicanálise à Psicologia Social. Visca considerou uma
expressão do que era a linha mestra de seu pensamento: [...] um paradigma é um tipo de relação
muito forte, que pode ser de conjunção ou de
A síntese atual destas indagações pode disjunção [...] A noção de paradigma é, ao
apontar para a postulação de uma mesmo tempo, linguística, lógica, ideológica: é
epistemologia convergente, segundo a qual as uma noção nuclear. Assim, o âmago do
ciências do homem referem-se a um objeto paradigma de simplificação, que guiou a
único: "o ser humano em situação", suscetível a ciência clássica, é o primado da disjunção e da
uma abordagem pluridimensional (PICHON- redução (MORIN, 1996, p. 31).
RIVIÈRE citado por VISCA, 1993, p. 30, tradução
nossa). Foi justamente para superar esse primado de disjunção e de
redução que, a meu ver, Jorge Visca propôs uma epistemologia
Essa proposta de Pichon-Rivière é ousada e é uma indicação, convergente como base do conhecimento do processo de
assimilada por Jorge Visca, para uma nova forma de ver o ser humano aprendizagem e da proposta de intervenção nas dificuldades de
em sua condição de ser e estar situado, fazendo parte do movimento aprendizagem. A disjunção leva a várias dificuldades de
do seu contexto. Isso que pede um novo olhar; não um olhar aprendizagem e a possíveis soluções, como se as causas fossem
classificatório de fenómenos, mas curioso, que dialoga com as várias únicas e lineares, assim como as soluções; a redução faz com que
áreas do conhecimento e com as questões presentes na situação. cheguemos a uma abstração supondo que a presença de uma
Esse olhar recupera o respeito pelas diferenças construídas na dificuldade específica requer sempre a mesma forma de
história de cada um, de cada cultura, de cada continente, sem perder intervenção, construindo-se, pois, uma abstração que anula a
de vista o múltiplo, o todo presente nas relações e as contradições diversidade.
emanadas. É importante frisar que convergência, aqui, não é proposta
Além desse diálogo com a Epistemologia Convergente, como a junção dos iguais, como a mistura de uma mesma massa ou
proponho uma conversa com a epistemologia complexa, proposta como um simples ponto de encontro, mas sim como um encontro
por Edgar Morin ao estudar o conhecimento, pois encontro pontos das diferenças - dos diferentes conhecimentos que ajudam a olhar
de conexão entre as duas e acredito que este diálogo pode ser para o ser humano situado e das diferenças que se revelam como
frutífero. consequência desse olhar, permitindo entender a presença das
Para entendermos melhor o avanço de uma epistemologia distintas possibilidades de cada um colocar-se no mundo.
convergente, gostaria que o leitor participasse desse diálogo e A convergência, portanto, leva à utilização de distintos
pensasse sobre o que aborda Edgar Morin (1996), ao discutir o conhecimentos para a compreensão de um fenómeno e, neste caso,
conhecimento na atualidade. Segundo ele, o conhecimento vai além o da aprendizagem e suas dificuldades. Esses conhecimentos
da lógica e, na sua exploração e construção, é necessário enfrentar reúnem-se para produzir algo novo, nova percepção, novo espaço

136 137
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

para ser e para estar, novas combinações para construir, com seu tempo e do seu espaço; o conhecimento dos princípios da
diferentes elementos, ferramentas que possam levar à compreensão policausalidade nas dificuldades para aprender; a compreensão da
do aprendiz e de sua aprendizagem. articulação entre um sujeito situado, histórico e o contexto do qual
Uma epistemologia convergente, conforme essa faz parte, seja ele natural, social, simbólico, espiritual, do
compreensão e construção, sob minha ótica, requer uma visão que conhecimento etc.; o conhecimento das áreas que aprofundam os
supera a espiral de evolução apenas ascendente; sem deixá-la de estudos das distintas dimensões que constituem o aprendiz; o
lado, introduz a ideia de rede de conexões das instâncias que se desenvolvimento de técnicas que atendam ao aprendiz em vários
encontram separadas. Penso numa imagem que represente tal âmbitos - do indivíduo, do grupo, da instituição; a compreensão do
pensamento: uma espiral em três dimensões, em que, a cada volta, aprendiz, considerando-se o âmbito da comunidade, e seus códigos,
fazem-se articulações a partir das contradições que "saltam" durante além do âmbito da cultura - uma cultura capitalista, consumista e
o processo de desenvolvimento, formando redes internas nas quais globalizante, no nosso caso.
aparecem explosões, implosões, espaços preenchidos, espaços Já em seu segundo livro traduzido para o português,
vazios, sentimentos, compreensões, erros, acertos e tudo que possa publicado no Brasil, Visca trouxe à baila essa questão:
aparecer no estudo de um ser humano situado.
Segundo Morin (1996), a questão do conhecimento pede a Anteriormente, Psicopedagogia
realização de um circuito para fazer comunicar instâncias separadas; significava o conhecimento e o estudo do sujeito
porém, ele afirma que esta não é uma tarefa individual, mas individual, enquanto Educação significava o
necessita do encontro e da articulação de todos os investigadores conhecimento da comunidade, da sociedade.
que permanecem nos domínios disjuntos do conhecimento. Numa Eu acredito que, naquele momento, por motivos
manifestos e latentes, fez-se uma divisão,
escala menor de abrangência, podemos dizer que a Epistemologia
porque conhecer verdadeiramente como o
Convergente no estudo da aprendizagem requer a presença da
sujeito aprende é um conceito revolucionário,
competência de várias áreas do conhecimento para possibilitar o no sentido de aceitar o sujeito como ele é, fazer
olhar dinâmico ao aprendiz e à aprendizagem, que também são com que esse sujeito aprenda, de verdade, não
dinâmicos. fazendo de conta. Isso significa uma
Não se trata de termos um psicopedagogo psicanalista, nem modificação, no sistema e na educação, muito
um psicopedagogo psicólogo social e tão pouco um psicopedagogo grande (VISCA, 1991, p. 14).
psicólogo genético, mas sim um psicopedagogo que possa articular
os saberes da Psicanálise, da Psicologia Social e da Psicologia Nesse diálogo, trago outras afirmações de Visca, em uma
Genética, e de outras áreas como a Antropologia, a Filosofia, a entrevista que introduziu o livro Psicopedagogia: Novas Contribuições,
Neurociência, visando à compreensão do aprendiz num outro nível, a fim de que o leitor possa perceber o quanto ele se encontrava a
para além da patologização. A patologização decorre, pois, de um frente de seu tempo. Apesar de utilizar as palavras, criticadas hoje em
paradigma de disjunção, que fragmenta, que "dis- situa", que dia, como "sujeito" (por significar aquele que se sujeita) e "paciente"
classifica e que propõe a cura sem considerar as diversas (que traz a significação daquele que precisa ter paciência com sua
combinações possíveis nas redes internas de cada aprendiz e na dificuldade), ele colocava a questão da aprendizagem como algo muito
sua articulação com as redes externas a ele. mais abrangente do que aquilo que consta em muitos fazeres e
Nesse sentido, precisamos de uma Psicopedagogia capaz de concepções educacionais e/ou psicopedagógicas existentes
desenvolver uma formação pontual de seus profissionais, atualmente. São como avanços que ainda precisam acontecer, de fato,
possibilitando: a compreensão do aprendiz como emergente do em muitas formas de atenção psicopedagógica.

138 139
Jorge Visca Clínica Psicopedagógíca

Eu comecei com a Psicopedagogia - estudar, no âmbito do indivíduo, as estruturas cognitivas e


Clínica - clínica num sentido mal utilizado da afetivas da aprendizagem intrapsíquica;
palavra, querendo dizer que é o trabalho no - lembrar que tais estruturas são influenciadas pelos outros
consultório, porque clínica não significa isso, âmbitos;
de forma nenhuma. Na escola, se faz clínica; - acreditar que crianças e jovens podem ter razão;
na comunidade, se faz clínica. Clínica é, sim,
- estudar, no âmbito grupai, o conjunto de pessoas, suas
no sentido de perceber o sujeito como ele é;
diagnosticar este sujeito, trabalhar com este estratégias e os mecanismos interpsíquicos da aprendizagem
sujeito mesmo que seja um grupo ou uma intragrupal;
comunidade, aceitando este sujeito como ele - estudar e pesquisar, no âmbito institucional, o conjunto de
é. Eu vejo o consultório como um laboratório grupos, as estratégias e os mecanismos intergrupais da
de pesquisa, mas acredito que o objetivo do aprendizagem institucional;
psicopedagogo seja trabalhar com a sociedade - fazer a Psicopedagogia "na instituição" e "da instituição";
em geral, pesquisar a forma de aprendizagem - pesquisar, no âmbito da comunidade, sobre o conjunto das
que existe na sociedade em geral. Devemos instituições, as estratégias e os mecanismos utilizados para a
[ampliar] este conhecimento que temos para a aprendizagem comunitária;
comunidade. Por exemplo: Por que os sujeitos
- incorporar a cultura ao estudo dos mecanismos de
têm que entrar na escola por idade e não por
capacidade? Por que não esperar o momento aprendizagem, como mais uma unidade de análise;
em que o sujeito esteja amadurecido para - formar equipes, com fundamentação em outras áreas, para
entrar no ensino fundamental ou qualquer estudar a cultura como unidade de análise da aprendizagem;
sistema? Quantas inteligências nós perdemos - continuar a investigação em Psicopedagogia.
[...] porque se cria um vínculo negativo entre o Além disso, Jorge Visca, como Pichon-Rivière, propôs um
sujeito e a situação de aprendizagem e a fazer a partir dos conhecimentos que articulou e que lhe
escolaridade? [...] A ampliação do âmbito da possibilitaram fazer a leitura das situações e intervir em direção a
Psicopedagogia deu a possibilidade de estudar um processo do aprender possível.
tanto o sujeito individual em profundidade
Por esse motivo, considero que Pichon-Rivière e Jorge Visca,
quanto de explorar estes conceitos para o
com a proposta da Epistemologia Convergente, estavam à frente
macrossistema, que antes não tinham sido
pesquisados (VISCA, 1991, p. 14-15). de seu tempo e apresentaram, em seus escritos, propostas
fundamentadas num paradigma de conjunção, como o proposto
Em relação a isso, em um de seus últimos artigos, publicado por Morin (1996). Este, em suas discussões sobre o conhecimento
na internet, Visca (1999) comenta: "[...] é necessário se aprofundar do conhecimento, aborda:
nos conceitos de aprendizagem grupai, institucional e
comunitária. Indivíduo, grupo, instituição e comunidade são, sem É necessário, com efeito, que nos
apercebamos de que é muito difícil e que não é
dúvida alguma, organismos vivos que aprendem". Para concluir,
uma tarefa individual. É uma tarefa que
ele aponta a cultura como um âmbito mais abrangente em relação necessita do encontro, da troca entre todos os
a todos os outros. Sobre isso, faz algumas recomendações para o investigadores e universitários que trabalham
milénio seguinte: nestes domínios disjuntos e fecham-se como
- aperfeiçoar os resultados já obtidos e abordar as ostras quando são solicitados. [...] O problema
provocações futuras; não está em que cada um perca su.i

140 141
Clínica Psicopedagógica
Jorge Visca

competência; está em que a desenvolva o Foi isto o que me encantou na Epistemologia Convergente:
suficiente para articulá-la com outras aprender algo passível de ser sentido, percebido, vivido,
competências que, ligadas em cadeia, reconhecido, e poder ir além.
formariam o anel completo e dinâmico (MORIN, Visca, em sua trajetória como aprendiz, viveu muitos
1996, p. 33). percalços e, apesar de ter sido atraído à faculdade de Ciências da
Educação e à formação em Psicopedagogia a partir da série de
Visca não se fechou como uma ostra; pelo contrário, fez a situações que evocavam suas dificuldades de aprendizagem e do
mala e saiu pelo mundo para contar a respeito de suas ideias, atendimento individualizado para compreendê-las e corrigi-las,
descobertas e ações, ao mesmo tempo em que continuou sua práxis postulou um caminho que foi além, mostrando uma preocupação
psicopedagógica no âmbito do indivíduo, do grupo, da instituição e mais ampla em relação às dificuldades para aprender.
da comunidade. No prefácio de seu segundo livro, Psicopedagogia: Novas
A sua ação psicopedagógica foi construída apoiando-se em Contribuições, Visca escreveu:
três níveis de abordagem: o metacientífico, ou filosófico, que traz a
convergência de conhecimentos como uma necessidade para a Eu acredito que este livro é muito
compreensão do processo de aprendizagem e do aprendiz como importante para a Psicopedagogia porque os
ele é; o científico que traz a síntese, resultado de uma discussão artigos abordam uma dimensão diferente: não
dialética entre os conhecimentos convidados a convergir para a mais restrita à clínica psicopedagógica, mas
leitura das diferentes situações de aprendizagem, sobre a qual ele estendida à utilização da Psicopedagogia no
construiu uma matriz de pensamento que fundamentou sua prática macro sistema, para ajudar a comunidade em
e seu olhar; e o técnico, responsável pelo desenvolvimento do geral nas suas necessidades de aprendizagens
instrumental necessário para que a proposta teórica pudesse tornar- (VISCA, 1991, p. 16).
se visível e revelar o grau de coerência existente entre a teoria e a
prática. Entendo que essa foi uma ampliação para colocar-se o foco
na aprendizagem, e não mais, apenas, nas dificuldades e nos
transtornos. De certa forma, este primeiro trabalho publicado no
Brasil foi sendo atualizado durante todo percurso de Visca junto a
O ENTRELAÇAMENTO ENTRE TEORIA E PRÁTICA nós que, embora pequeno, foi muito produtivo e fecundo.
Visca produziu conhecimento na tentativa de desvendar
Como aprendiz da Epistemologia Convergente, digo que o novos caminhos a serem seguidos nos diferentes âmbitos de ação
grau de coerência entre o que era proposto e seus efeitos foi psicopedagógica: o indivíduo, o grupo, a instituição, a comunidade
bastante visível em minha aprendizagem e na de meus colegas. A e a cultura - pretendendo incentivar estudos e investigações que
formação em Psicopedagogia fundamentada na Epistemologia promovessem o avanço da Psicopedagogia. Eu mesma presenciei
Convergente foi o período mais fecundo de todo meu processo de empreitadas e tentativas importantes, envolvendo empresas
aprender. O conhecimento não vinha fechado; pelo contrário, era multinacionais, para desenvolver projetos amplos relacionados a
colocado na roda para ser questionado de todas as formas, diferentes culturas como, por exemplo, dos índios do Paraná e dos
complementado, considerando-se as diversas realidades, negros da Bahia.
desconstruído e construído a partir dos conhecimentos e Visca construiu instrumentos importantes para a compreensão
experiências prévias das pessoas que ali se encontravam em do "aprendiz como ele é". Em um de seus livros, relata-os
processo de aprender. denominando-os como modelos, aos quais eu me refiro como

142 143
Jorge Visca Clínica Psicopcdagoqii n

construções, já que a palavra modelo em nossa língua remete à movimento; EMCA-Entrevista Modular Centrada na Aprendizagem,
reprodução e ao fechamento. A meu ver, são ferramentas que nos criada por Elizabeth Carvalho da Veiga para observar a utilização
colocam em caminhos para além da patologização; são seis das várias inteligências pelo aprendiz, individual ou grupai; EOFa -
construções que nos encaminham em direção à compreensão do Entrevista Operativa Familiar, criada pela Equipe da Síntese, Grupo
processo de aprendizagem de pessoas, grupos, instituições e de Estudos da Aprendizagem, que objetiva compreender e levantar
comunidades e à intervenção psicopedagógica mais adequada para hipóteses sobre a aprendizagem familiar, individual e suas relações.
cada aprendiz. Essa é uma pequena amostra de como a EOCA, somente na
Sua primeira construção - o Esquema Evolutivo da cidade de Curitiba, trouxe a possibilidade de um olhar especial para
Aprendizagem - é primorosa. Nele, Visca mostra que a evolução da compreender o aprendiz em situação de aprendizagem, o aprendiz
aprendizagem acontece num processo contínuo de relação do situado, seja ele uma pessoa, um grupo ou uma instituição. Visca
sujeito com o mundo, o que possibilita a ele a constituição das (1991, p. 37) propõe a EOCA como um avançado substituto das provas
dimensões que comporão a condição de um ser capaz de aprender. pedagógicas, para a compreensão do aprender de um indivíduo.
Esse esquema não traz nenhum indicador de patologização, Por meio dela, identificamos indicadores do processo de
mas sim é traduzido em instrumento que ajuda na compreensão da aprendizagem que vão além da simples técnica passível de ser
história de aprendizagem de um determinado aprendiz. Desde o percebida numa prova pedagógica. No entanto, resta uma questão:
momento em que nasce até a entrada na instituição educacional, o Por que será que tantos psicopedagogos ainda insistem em colocar
aprendiz é visto como alguém que interage e aprende, ao mesmo as provas pedagógicas nos diagnósticos que realizam e dizem-se
tempo em que aprende e interage em diferentes níveis de fundamentados na Epistemologia Convergente?
complexidade relacional e de aprendizagem. Mostra que cada nível A Matriz Diagnostica do Pensamento é outra criação de Jorge
interfere na construção do seguinte e é construído a partir do Visca que merece destaque por diferenciar-se de outras propostas
anterior, num verdadeiro percurso histórico. Nesse percurso, é diagnosticas a partir da descrição da situação contextuai; ou seja,
possível localizar a génese e a evolução das aprendizagens: parte da leitura do aprendiz e de sua aprendizagem para chegar à
vinculares, de valores, assistemáticas e sistemáticas, o que pode descrição e à explicação histórica, passando pela análise dos
nos instrumentar para a compreensão de um processo de aprender indicadores de aprendizagem e de dificuldades de aprendizagem,
e das dificuldades ou transtornos que possam aparecer em seu pela explicação dos mecanismos que o aprendiz utiliza para
decorrer. aprender, destacando também os desvios e assincronias. Além do
A Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem - a famosa diagnóstico propriamente dito, todo estudo leva a uma previsão a
EOCA - foi considerada uma de suas mais ricas construções para a respeito da evolução do processo de aprendizagem e a possíveis
compreensão do funcionamento de aprender, e vários profissionais indicações; neste aspecto, não se diferencia muito de outros
apoiaram-se em seu mecanismo e fundamento para construir outros processos diagnósticos.
instrumentos importantes à prática psicopedagógica: EOCMEA - Outra criação sua foi o Processo Diagnóstico. Por se apoiar na
Entrevista Operativa Centrada na Modalidade de Ensino e Matriz Diagnostica do Pensamento, em vez de iniciar pela Anamnese,
Aprendizagem, criada por Simone Carlberg como instrumento de que levanta a história do aprendiz, inicia pela EOCA, que permite a
levantamento de hipóteses da aprendizagem da instituição; EOCA descrição da situação contextuai e o levantamento das hipóteses
Motora - Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem Motora, sobre o modo como aquele aprendiz aprende. Todo o processo
criada por Mari Angela Calderari de Oliveira e Maria Silvia Bacila diagnóstico é desenvolvido a partir do Primeiro Sistema de Hipóteses
Winkeler com o objetivo de observar e levantar hipóteses sobre o que surge da aplicação da EOCA, o que caracteriza o plano científico
funcionamento da aprendizagem individual por meio do da proposta de Visca, pois os instrumentos escolhidos para a pesquis.i

144 145
Jorge Visca Clínica Psicopcdaqtitin u

da aprendizagem de um aprendiz são sempre decorrentes da que um indicador de dificuldade para aprender pode possuir como
observação do sujeito em situação de aprendizagem. É um processo causa histórica desde uma conduta reativa até um quadro psicótico,
diagnóstico personalizado e extremamente dinâmico que exige do ou mesmo causas orgânicas ligadas a síndromes, distúrbios
psicopedagogo uma capacidade de observação apurada e uma metabólicos, disfunções neurológicas e outros.
investigação criteriosa. Nosológico é um termo que, em português, refere-se à
O Processo Corretor é outra das suas criações fundamentadas classificação de doenças. Como o quadro que apresenta é
em uma epistemologia convergente. Também é muito diferente nosológico, retratando as várias possibilidades de causas de
de outros processos, utilizando-se de recursos psicopedagógicos dificuldades para aprender, Visca não aprofundou o estudo referente
de caráter objetivo e subjetivo: traz a Caixa de Trabalho, como às causas de caráter cultural, por entender que as mesmas não são
recurso de intervenção psicopedagógica de caráter objetivo, e patologizantes. Em suas aulas, dizia que os obstáculos
apresenta recursos psicopedagógicos de caráter subjetivo que são epistemológicos não eram patologizantes, mas eram os mais comuns
utilizados na interação do psicopedagogo com o aprendiz. O na análise das dificuldades de aprendizagem.
processo corretor não propõe nenhum tipo de treino, nem uso de Visca construiu esse modelo sobre um modelo médico, ao
metodologias específicas para cada tipo de dificuldade. Cada qual, provavelmente, teve acesso na época. Mesmo havendo todo
aprendiz é visto na sua especificidade, e a Caixa de Trabalho é um esforço de sua parte para ampliar o alcance da Psicopedagogia,
organizada a partir do perfil de cada um; além disso, as intervenções os termos dos quais se utiliza para explicar e descrever o processo
não são programadas previamente, mas surgem da situação que se de conhecer e aprender dos aprendizes podem remeter os
apresenta. Por isso, mais do que usar uma técnica ou um método, o desavisados à doença. Embora a estrutura desse instrumento seja
psicopedagogo, nesta concepção trazida por Visca, precisa aprender fantástica, pois nos faz partir da situação para a história e da história
a ler situações e situados, precisa desenvolver uma concepção de para compreender a situação, muitos estudiosos criticam-no por
mundo, de ser humano, de educação e de aprendizagem. não conhecerem o suporte que ele pode dar para a compreensão
A sexta construção de Visca diz respeito ao Quadro do aprendiz e sua aprendizagem.
Nosológico, o qual resume a compreensão da aprendizagem e das Creio que possamos desenvolver um estudo para que, em
suas dificuldades partindo do que podemos observar, passando pela vez de ter somente um quadro nosológico que, indiretamente,
identificação dos possíveis obstáculos e mecanismos que levam remete à doença, tenhamos, também, um quadro de análise da
àquela forma de aprender, ou não aprender, até chegar às causas aprendizagem que nos remeta aos diferentes estilos de aprender,
históricas que podem ser identificadas tanto no âmbito do organismo às estratégias utilizadas pelo aprendiz, às suas diferenças funcionais,
biológico, como no nível psicológico. cujas causas históricas remetam-nos aos âmbitos cultural,
O que desejo, nesse capítulo, além de ratificar a importância comunitário, institucional, grupai e individual, em direção à saúde.
e a seriedade do trabalho desenvolvido por Jorge Visca, é propor Em nossa prática psicopedagógica, introduzimos
uma parada para analisar o Modelo Nosográfico, que se traduz no instrumentos que possuem essa função. A Entrevista Operativa
Quadro Nosológico, a fim de colocar o foco em alguns detalhes, os Familiar - EOFa - leva-nos a conhecer as crenças e os valores da
quais eu considero importantes para a "despatologização" da família, sua forma de comunicação e de aprendizagem, para
aprendizagem e da prática psicopedagógica. Essa criação pode levar compreender a forma de aprender do aprendiz e suas facilidades e
à crença de que dificuldades para aprender são patologias, dificuldades; a Observação do Aprendiz em Situação de
justamente por ter a intenção de analisar as causas atuais das Aprendizagem Escolar dá pistas sobre a forma como se ensina e
dificuldades de aprendizagem que possuem potenciais para serem aprende naquela instituição, assim como sobre as possíveis relações
patologias, ao que Visca chamou de patologizantes. Visca mostra com a forma de aprender de um determinado aprendiz.

146 147
Jorge Visca Clínico Psicopt'da<i(tqn u

Se as questões ligadas à cultura fizessem parte do quadro, se dois desafios principais e indissociáveis:
ele não fosse apenas um quadro nosológico, penso que haveria aperfeiçoar os resultados alcançados e abordar
mais chances para que os indicadores de dificuldades para aprender as eventuais provocações do futuro (VISCA, 1999,
não fossem somente lidos a partir de causas potencialmente p. 03-04).

patológicas.
Visca também tinha esta preocupação: no quadro auxiliar Nosso desafio tem sido lutar contra uma visão apoiada num
que apresentava durante nossa formação, trazia um espaço para o paradigma disjuntivo que fragmenta o aprendiz, fragmenta o
registro do obstáculo epistemológico, o obstáculo de caráter conhecimento a ser aprendido e fragmenta a compreensão do processo
cultural. Infelizmente, pelo menos aqui em Curitiba, ele foi de aprendizagem. Nosso desafio tem sido trazer à discussão um
deturpado, e a dimensão cultural foi substituída por uma dimensão paradigma de conjunção, por meio do qual podemos articular
pedagógica, o que reduz e simplifica o único e principal elemento conhecimentos, compreensões, diferentes leituras e contribuir para a
do estudo dos obstáculos à aprendizagem que pode fortalecer uma compreensão da aprendizagem como um processo que pode se
Psicopedagogia não patologizante. O âmbito da cultura pode diferenciar, dependendo do aprendiz, da sua história, do contexto com
explicar a mudança no processo atencional, a inquietação e muitas o qual interage, da cultura na qual está mergulhado e, principalmente,
condutas que têm sido construídas na relação com a cultura do da relação que estabelece com este mundo tão dinâmico.
instantâneo, do efémero, do consumo e do descarte, além de A génese de nossa prática psicopedagógica situada na
possibilitar uma leitura diferenciada daquela que diagnostica, Epistemologia Convergente permitiu algumas construções, as quais
trarei apenas como testemunhas de que é possível manter viva
classifica e medica.
uma concepção e atualizá-la por meio de discussões e de práticas.
Não vou aprofundá-las, pois este não é o fórum apropriado, uma
vez que este livro é do nosso mestre, e não é nosso.
Além dos dois instrumentos inspirados na EOCA criada por
EPISTEMOLOGIA CONVERGENTE - NOVAS PROPOSTAS
Visca, a EOCMEA e a EOFA, a Equipe da Síntese desenvolveu outros
[...] outra meta da Psicopedagogia, em estudos, tais como a sistematização das Atitudes Operativas, o
geral, e da Epistemologia Convergente, em desenvolvimento de um instrumento chamado Observação
particular, é a de fundar núcleos de assistência, Operativa, o uso da consigna como um instrumento capaz de
docência e investigação que socializem, desenvolver a operatividade no aprendiz; realiza a Ciranda de
democratizem e humanizem o nosso fazer Educadores, no mínimo uma vez por ano, desde 1999, para estudar
psicopedagógico (VISCA, 1999). e discutir temas da contemporaneidade - mídia, disciplina, limites,
consumo, sexualidade, dependência, valores humanos, a pedagogia
É nítida a ampliação que Visca faz da visão inicial, mais voltada e a lei, entre outros; pesquisa junto a uma universidade, desde
para a ação no espaço do consultório, indo para além do indivíduo e 2005; mantém grupos de estudos, sendo um deles atrelado à ação
da sua dificuldade. Portanto, é na direção dessa ampliação que comunitária; oferece um curso livre de Formação em Teoria e Técnica
caminham os esforços de seus alunos, agora profissionais que lutam de Grupos Operativos, um curso de Aperfeiçoamento em Clínica
pela atualização desse olhar tão ousado. Psicopedagógica fundamentado na Visão Sistémica e na
Epistemologia Convergente, um curso de Coordenação de Grupos
O fazer psicopedagógico no terceiro de Aprendizagem; estuda sobre o sujeito cognoscente e s u.r,
milénio - também visto na perspectiva da elaborações simbólicas, a partir do livro de Maria Cecília de Almeida
Epistemologia Convergente-traz conjuntamente e Silva, que também foi aluna de Visca.

148 149
Clínica Psicopedagógica
Jorge Visca

Como finalização, quero dizer ao Professor Jorge Visca: Referências


"Muito obrigada! Obrigada por todo suporte que nos deu; obrigada
por pensar e viver a Psicopedagogia; obrigada por humanizar a
prática psicopedagógica!" MORIN, E. Problemas de uma epistemologia complexa. In:
Tenho certeza de que alguém que disse: "As únicas coisas _. et ai. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa:
que possuo são o meu corpo, minha saúde mental e minha Europa-América, 1996. p. 13-34.
capacidade para aprender" concordaria com nossos
questionamentos e com as atualizações que temos realizado. VISCA, J. Os caminhos da Psicopedagogia no terceiro
Lamentamos, no entanto, não podermos fazer isso tudo juntamente
milénio. 1999. Disponível em:
com o criador de todas as ideias mostradas nessa obra.
http\\www.psicopedagogiaonline.com.br. Acesso em: 10 jan. 2005.

VISCA, J. Psicopedagogia. Teoria, Clínica, Investigación.


Buenos Aires: AG Servicios Gráficos, 1993.

VISCA, J. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

Obras Consultadas

BERICELLI, I. A. Epistemologia e educação: da


complexidade, auto-organização e caos. Chapecó: Argos, 2006.

VEIGA, E. C. da; GARCIA, E. Psicopedagogia e a teoria


modular da mente: uma nova perspectiva para a aprendizagem. São
José dos Campos: Pulso, 2006.

VISCA, J. Clinica psicopedagógica: Epistemologia


Convergente. Buenos Aires: Visca & Visca, 2000.

VISCA, J. Clínica psicopedagógica: a Epistemologia


Convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

150 151
Jorge Visca Clínica Psicoprdatioiiii u

OBRAS CONSULTADAS16 BRASIL, L. A. S. Aplicações da teoria de Piaget ao ensino


da matemática. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977.

AEBLI, H. Una didáctica fundada en Ia psicologia de Jean BREARLEY, M.; HITCHFIELD, E. Guia prático para
Piaget. Buenos Aires: Kapelusz, 1958. entender Piaget. São Paulo: IBRASA, 1976.

AGUERO, H. B.; CONS, M. R. Diseno de investigación BUNGE, M. Causalidad: el principio de causalidad en Ia


fundada en una epistemología convergente. Buenos Aires: CEP, ciência moderna. Buenos Aires: EUDEB A, 1961.
1978. CASTORINA, J. A.; PALAU, G. D. Introducción a Ia
ANDERSON; ANDERSON. Técnicas proyectivas dei lógica operatória de Piaget. Alcances y significados para Ia
diagnóstico psicológico. Madrid: Rialp, 1978. psicologia genética. Buenos Aires: Paidós, 1982.

ARZENO, M. E. Algunas vicisitudes el en proceso de CASTRO, A. D. de. Piaget e a pré-escola. São Paulo:
simbolización y su incidência en Ia patologia dei aprendizaje. Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1979.
Buenos Aires: CEP, 1978. CHIAROTTINO, Z. R. Piaget: modelo e estrutura. Rio
.; CRESPO, A. El tratamiento psicopedagógico: sus de Janeiro: Livraria José Olympio, 1972.
etapas. Buenos Aires: CEP, 1978.
COLL, C. La conducta experimental en el nino. Barcelona:
AULT, R. L. Desenvolvimento cognitivo da criança. Rio CEAC, 1978.
de Janeiro: Zahar, 1978. DEVAL, J. La tenacidad de Jean Piaget. Revista de
BACHELARD, G. La formación dei espíritu científico. Occidente. Madrid, v. 2,1980.
México: Siglo XXI, 1979.
DOLLE, J. De Freud a Piaget. Buenos Aires: Paidós, 1979.
BATTRO, A. M.; FAGUNDES, L. da C. El nino y el
ELKIND, D. Desenvolvimento e educação da criança.
semáforo. Buenos Aires: EMECE, 1981. Aplicação de Piaget na sala de aula. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
ELEGER, J. Temas de psicologia, entrevista y grupos.
. Crianças e adolescentes. Ensaios interpretativos
Buenos Aires: Nueva Vision, 1972. sobre Jean Piaget. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
BOSCH, L. P. de; MENEGAZZO, L. F. La iniciación
FERREIRA, B. W. et ai. Psicologia pedagógica. Porto
matemática de acuerdo con Ia psicologia de Jean Piaget. Buenos Alegre: Livraria Sulina, 1977.
Aires: Latina, 1976.
FERREIRO, E; TEBEROSKI, A. Los sistemas do
1 N.T. As informações sobre as obras (ou a falta delas) foram mantidas
conforme o texto original em castelhano, e a formatação para a sua escritura en el desarrollo dei nino. México: Siglo XXI, 19X0.
apresentação corresponde às normas da ABNT.

152 153
Clínica Psicopcdogogica
Jorge Visca

FURTH, H. G; WACHS, R. La teoria de Piaget en Ia LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulaire de Ia


práctica. Buenos Aires: Kapelusz, 1978. psychanalyse. Paris: Presses Universitaires de France, 1967.

GEBER, B. A. Piaget y el conocimiento. Estúdios de KRELL, F. S. de. Discalculia. Revista La Obra. Buenos
epistemología genética. Buenos Aires: Paidós, 1980. Aires, 1979.

GIOIA, T.; RABIH, H. Encuadre y temporalidad. Revista MAHLER, M. et ai. O nascimento psicológico da criança.
de Psicoanálisis. Buenos Aires, ene. 1973. Rio de Janeiro: Zahar.

GOLDSTEIN, R. Z. de. La función clave dei encuadre en Ia MARTINEZ, H. N. Agrafia y disgrafia. Revista Ia Obra.
técnica psicoanalítica: continente natural para el vínculo mágico Buenos Aires, 1979.
primário. Revista de Psicoanálisis. Buenos Aires, 1973.
NICOLAS, A. Introdução ao pensamento de Jean Piaget.
GONZALEZ, G L. de. Disintaxis, disortografía y discaligrafia. Rio de Janeiro: Zahar.
Revista Ia Obra. Buenos Aires, 1979.
NIETO, J. E. Los procesos intelectuales según el
GRINBERG L. et ai. Introducción a Ias ideas de Bion. esquema referencial de Jean Piaget. Universidad Nacional de
Buenos Aires: Nueva Vision, 1972. Buenos Aires. Seminário.

HECAEN, H. Afasias y praxias. Buenos Aires: Paidós, ODIER, C. La angustia y el pensamiento mágico. México:
1969. Fondo de Cultura Económica, 1961.

HOLLOWAY, G E. T. Concepción de Ia geometria en el PERROTA, L. A. Elasticidad dei encuadre, ideas para formular
nino según Piaget. Buenos Aires: Paidós, 1977. su teoria. Revista de Psicoanálisis. Buenos Aires, 1973.

INHELDER, B. El diagnóstico dei razonamiento en los PERRON-BORELLI, M.; PERRON, R. L'examen


débiles mentales. Barcelona; Nova Terra, 1971. psychologique de 1'enfant. Paris: Presses Universitaires de France,
1970.
JAULIN-MANNONI, F. Pedagogia das estructuras
lógicas elementares. Lisboa: Semente Ida, 1978. PIAGET, J. Investigaciones sobre Ia abstracción
reflexivante. Buenos Aires, Huemul, 1980. v. 2.
JEAN PIAGET. São Paulo: Victor Civita, 1978. Coleção Os
Pensadores. . Investigaciones sobre Ia abstracción reflexivante.
Buenos Aires, Huemul, 1979. v. 1.
KNELLER, G F. Introdução à filosofia da educação. Rio
de Janeiro: Zahar, 1979. . Fazer e compreender. São Paulo: Editora da USP, 1978.

LAFON, R. Vocabulaire de psychopedagogie. Paris: . El critério moral en el nino. Barcelona: Fontanel Ia,
Presses Universitaires de France, 1973. 1977.
154 155
lorqr Vísca Clinica Ps/c»p<'<7i/í/<></<,

_. A equilibração das estruturas cognitivas. São Paul: _. LMmage mentale chez 1'enfant. l^iri
/ahar, 1976. Presses Universitaires de France, 1966.

_. Psicologia de Ia inteligência. Buenos Aires: Psique, _.; NUTTIN, J. Los procesos de adaptación. Buenos
1976. Aires: Proteo, 1970.
. Problemas gerais da investigação interdisciplinar .; FRAISSE, P. Traité de psychologie
e mecanismos comuns. Lisboa: Livraria Bertrand, 1973. expérimentale. Paris: Presses Universitaires de France, 1967. v. 6,
Laperception.
. Psicologia y epistemología. Buenos Aires: EMECE,
1972. . et ai. Psicologia social. Buenos Aires: Paidós, 1972.

. L'epistemologie genetique. Paris: Presses . Epistemología y psicologia de Ia identidad. Buenos


Universitaires de France, 1970. Aires: Paidós, 1971.

. Naturaleza y métodos de Ia epistemología. Buenos . Introducción a Ia psicolingiiística. Buenos Aires:


Aires: Proteo, 1970. Proteo, 1969.

. El estructuralismo. Buenos Aires: Proteo, 1969. El lenguaje y el pensamiento dei nino pequeno.
Buenos Aires: Paidós, 1965.
. Seis estúdios de psicologia. Barcelona: Seix Barrai,
1968. PICHON-RIVIÈRE, E. Del psicoanálisis a Ia psicologia
social. Buenos Aires: Galerna, 1970.
_. Psicologia, lógica y comunicación. Buenos Aires:
Nueva Vision, 1967. REY, A. L'examen clinique en psychologie. Paris: Presses
Universitaires de France, 1970.
. La formación dei símbolo en el nino. México:
Fondo de Cultura Económica, 1961. RICHMOND, P. G. Piaget: teoria e prática. São Paulo:
IBRASA, 1975.
_. Lê developpement de Ia notion de temps chez
1'enfant. Paris: Presses Universitaires de France, 1946. ROJAS-BERMUDEZ, J. R. <,Que es el problema?

.; INHELDER, B. Psicologia dei nino, memória e ROUCEK, J. A criança problema. São Paulo: IBRASA,
inteligência. Brasília: Arte Nova, 1979. 1973.
. . Da lógica da criança à lógica do SANTOS, L. A. dos. Experiências pedagógicas baseadas
adolescente. São Paulo: Livraria Pioneira, 1976. na teoria de Piaget. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1979. v.
1.

156 157
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica

SOUZA, I. de S. Psicologia. A aprendizagem e . et ai. Sobre una formación psicopedagógica de


problemas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1972. posgrado. Buenos Aires: CEP, 1978.
SCHMID-KITSIKIS, E. Movilización dei funcionamíento . El tratamiento psicopedagógico grupai:
mental a través de un tipo de intervención de carácter modalidades de aplicación. Buenos Aires: CEP, 1978.
psicodinámico. Buenos Aires: CEP, 1982. Conferencia dictadaen Ia
Facultad de Filosofia y Letras de Ia U. B. A. . Una técnica psicopedagógica grupai
implementada en el Centro de Salud Mental de Ia Matanza,
SCWEBEL, M.; RAPH, J. Piaget en el aula. Buenos Aires: Província de Buenos Aires. Buenos Aires: CEP, 1978.
Huemul, 1981.
WALLON, H. et ai. Los estádios de Ia psicologia dei nino.
SZPILKA, J. et ai. Modelo gráfico conceptual de Ias nociones Buenos Aires: Nueva Vision, 1971.
de encuadre, proceso y situación analítica. Revista de Psicoanálisis.
Buenos Aires, ene. 1973.
SPITZ, R. El primer ano de vida dei nino. México: Fondo
de Cultura Económica, 1969.
TAGLIAFERRI, A. F. de. El detenimiento global dei
aprendizaje. Revista Ia Obra. Buenos Aires, 1979.
VICENTINI, L. Alexia y dislexia. Revista La Obra. Buenos
Aires, 1979.
VISCA, J. Los sintomas de Ias dificultades de aprendizaje.
Revista La Obra. Buenos Aires, 1979.
. El enfoque psicopedagógico dei diagnóstico.
Buenos Aires: CEP, 1978.
_. La secuencia dei proceso diagnóstico. Buenos
Aires: CEP, 1978.
_. Aportes de Ia epistemología convergente. Buenos
Aires: CEP, 1978.
.; MEZZANO, A. C. de. El tratamiento
psicopedagógico como tratamiento paralelo ai psicoterapéutico.
Buenos Aires: CEP, 1978.
158 159

Você também pode gostar