Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PSICOPEDAGÓGICO.
Publicado em 30 de outubro de 2016
Sandra Rebel
Sandra Rebel - Psicopedagoga e Neuropsicopedagoga Clínica
1 - INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como tema o “Diagnóstico Psicopedagógico”. É um estudo voltado
para a relação que o sujeito tem com o aprender, procurando entender os motivos que o
leva a não aprender ou a apresentar dificuldades no processo de aprendizagem. Durante
o diagnóstico, ocorre uma investigação sobre o modo de pensar, sobre o que pode estar
oculto na criança ou no jovem com dificuldades no processo de aprendizagem. Esse
processo requer sensibilidade e competência do psicopedagogo. Ele deve saber realizar
a escuta clínica, ou seja, buscar a compreensão do sentido que o indivíduo atribui ao
aprender, as dificuldades que vivencia neste processo e as razões que influenciam ou
determinam a não aprendizagem. Torna-se preocupante os efeitos nocivos de uma ação
diagnóstica realizada sem os devidos cuidados, não ouvindo o sujeito do aprender, nem
considerando sua história de vida. A clínica psicopedagógica é um espaço que
possibilita tal atendimento mais individualizado.
Os principais autores que fundamentam a teoria estudada foram as argentinas Sara Paín
(1985) e Alicia Fernández (1991), o argentino Jorge Visca (2010), as brasileiras Maria
Lúcia Lemme Weiss (2012) e Leila Sara José Chamat (2008).
2 - DIAGNÓSTICO: CONCEITOS
(...) se se trata apenas de uma consulta, nossa missão será estabelecer o diagnóstico do
déficit na aprendizagem e informar sobre os fatores positivos e negativos que, em cada
caso, podem facilitar ou deteriorar os processos cognitivos.
Procurando melhor explicar, Weiss (2012) diz que o desvio está, de alguma maneira,
incluído no motivo da queixa do paciente. Weiss (2012) lembra os casos em que o
paciente não é o único responsável pelo fracasso escolar e em que ocorrem problemas
relativos ao ensino e à escola. Entretanto, algumas vezes, observa resistência por parte
da família e da escola em rever posições. Continua-se o processo de patologizar a
questão mantendo a criança apenas como foco de seus problemas. Cabe ressaltar que
não se pode diagnosticar um sujeito isolado do tempo e do espaço em que vive, das
relações que ele estabelece com o outro e consigo mesmo.
Nós, no momento do diagnóstico, pretendemos fazer um corte que nos permita observar
a dinâmica da modalidade de aprendizagem, sabendo que tal modalidade tem uma
história que vai sendo construída desde o sujeito e desde o grupo familiar, de acordo
com a real experiência de aprendizagem e como foi interpretada por ele e seus pais. No
diagnóstico, tratamos de observar, desnudar e começar a esclarecer os significados da
modalidade de aprendizagem. (FERNÁNDEZ, 1991, p.107)
Visca (2010) não propõe para o diagnóstico uma sequência rígida. Entretanto, ele sugere
que o início do mesmo não deva ocorrer com a anamnese, como é feito
tradicionalmente. Justifica sua posição afirmando que os pais, durante a fase da
anamnese, podem influenciar o agente corretor com suas opiniões, mesmo que esta
tenha uma postura neutra em relação ao paciente. Pretende preservar o problema do
paciente de qualquer influência. O processo diagnóstico, segundo Jorge Visca (2010),
começa com a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA). São
identificados os sintomas e levantadas as hipóteses sobre as causas atuais da
problemática apresentada. Visca (2010) apresenta um esquema sequencial para
estruturar o diagnóstico, baseado na Epistemologia Convergente.
3 - DIAGNÓSTICO: O PROCESSO
Ainda segundo Chamat (2004), o profissional que irá realizar o diagnóstico pedagógico
não pode seguir duas linhas de atuação, como, por exemplo: trabalhar com técnicas
psicopedagógicas para chegar à síntese cognitiva sobre o problema do sujeito e trabalhar
com técnicas psicológicas. É importante lembrar que a leitura psicopedagógica é
diferente da leitura psicológica. Chamat (2004) alerta que os instrumentos utilizados
pelos psicólogos, devem ser evitados pelo psicopedagogo, pois objeto do seu curso de
formação. Se houver necessidade de usá-los, no momento do diagnóstico, é melhor
realizar um trabalho com um psicólogo.
Além do mais, assim como não se pode entender um processo somente a partir do
aprendente, sem recorrer ao ensinante, tampouco poderíamos diagnosticar um problema
de aprendizagem sem incluir a instituição escolar. (FERNÁNDEZ, 1991, p.26)
Como diz Fernández (1991), a família, sendo incluída no processo de diagnóstico, tem a
oportunidade de tecer considerações sobre a problemática do filho e também de
desenvolver questões para reflexão, considerando a vida do casal e ao mesmo tempo, o
grupo familiar. Dessa forma, a compreensão das relações familiares assume grande
importância no diagnóstico.
1. Escutar – olhar.
2. Deter-se nas fraturas do discurso.
3. Observar e relacionar com o que aconteceu previamente à fratura.
4. Descobrir o “esquema de ação-subjacente”.
5. Buscar a repetição dos esquemas de ação.
6. Interpretar a operação, mais do que o conteúdo. (FERNÁNDEZ, 1991, p.131)
3.2 - ENTREVISTA
Há situações em que opto por entrevista inicial de anamnese com os pais, quando, por
exemplo, me é dito que o paciente já teve ou tem outros tratamentos; quando há dúvidas
sobre um diagnóstico anterior; quando há discordância de posição entre pais e escola;
quando pais separados estão em atritos; quando há um desvio muito grande entre a
idade cronológica e a série escolar. (WEISS, 2012, p.53)
Weiss (2012), durante a anamnese, faz uma análise a partir de dados levantados sobre as
primeiras aprendizagens realizadas com a mãe ou com a pessoa que a substitui, o
desenvolvimento geral da criança, sua história clínica; a história da família nuclear e
ampliada da criança; a experiência escolar. Os álbuns de bebê, álbuns de retratos,
relatórios de creche, trabalhos do maternal são fontes de pesquisa para o momento da
anamnese.
A EFES tem como objetivos a compreensão da queixa nas dimensões familiar e escolar,
a captação de relações e expectativas familiares centradas na aprendizagem escolar, a
expectativa em relação à atuação do terapeuta, a aceitação e o engajamento do paciente
e seus pais no processo diagnóstico, a realização do contrato e do enquadramento de
forma familiar e o esclarecimento do que é um diagnóstico psicopedagógico. (WEISS,
2012, p.53-54)
Sara Paín (1995) também realiza entrevista com o fim de reconstruir a história de vida
do paciente. Ela sugere que a entrevista ocorra depois de conhecê-lo e que ocorra por
meio de jogos e de provas psicométricas. A “história vital” pode fornecer dados ao
psicopedagogo sobre o problema de aprendizagem apresentado pelo seu paciente.
A ‘história vital’ nos proverá de uma série de dados relativamente objetivos vinculados
às condições atuais do problema, permitindo-nos, simultaneamente, detectar o grau de
individualização que a criança tem com relação à mãe e a conservação de sua história
nela. É interessante notar a estreita relação dos problemas de aprendizagem, definidos,
muitas vezes, como ‘de memória’, com a impossibilidade da mãe para rememorar fatos
e anedotas sobre a criança, que só pode recuperar parte de sua vida através dela. (PAÍN,
1985, p.42)
A mãe, durante entrevista, deve se sentir livre para rememorar dados sobre a vida da
criança. Consoante Paín (1985), no caso de um paciente com queixas de problemas de
aprendizagem devem ser indagadas as seguintes áreas:
antecedentes natais: pré-natais, perinatais, neonatais.
doenças: doenças e traumatismos ligados à atividade nervosa superior e outras
doenças.
desenvolvimento: motor, desenvolvimento de linguagem, de hábitos.
aprendizagem: sucção, controle de esfíncteres, situações dolorosas, informações
recebidas, experiências escolares.
A nós, mais que tudo, interessa poder encontrar uma cena, uma situação, e aprofundá-la
fazendo que o importante não seja o dado em si, mas o sentimento e a significação
outorgada ao mesmo. Se se pergunta sobre a latência, por exemplo, o importante não é
se lhe deu o peito e até quando, mas como foi essa primeira relação, esse primeiro
contato, como mamava o bebê, como se sentia a mãe dando de mamar (“O pediatra me
dizia: ‘teu leite é ruim, e minha mãe sempre havia dito que eu não era de bom leite’;
‘Deixei de lhe dar de mamar porque o pediatra me disse que meu leite era ruim’.”).
(FERNÁNDEZ, 1991, p.182)
Fernández (1991) sugere uma maneira de orientação dos fatos, de modo que possa
facilitar a lembrança para os pais: circunstâncias pré-natais, circunstâncias perinatais e
circunstâncias neonatais. Fernández (1991) diz que procura obter dados objetivos
relativos ao problema da criança e que se propõe a compreender a sua história de vida a
partir dos relatos dos pais. Fernández (1991) acredita nas falsas lembranças que são
relatadas, nos esquecimentos encobertos durante o relato.
Muitos pontos podem ser observados em uma sessão lúdica, mas o fundamental é
estabelecer a relação entre a aprendizagem e a queixa que está sendo feita. O
psicopedagogo deve estar atento e identificar os comportamentos da criança ao longo da
brincadeira, tendo como foco a queixa.
Durante o jogo, segundo Sara Paín (1985), a criança ativa funções simbólicas sobre
objetos. Inicialmente a linguagem faz referência a objetos ausentes. Depois, a
verbalização amplia o jogo da fantasia.
O exercício de todas as funções semióticas que supõe a atividade lúdica possibilita uma
aprendizagem adequada na medida em que é por meio dela que se constroem os códigos
simbólicos e signálicos e que se processam os paradigmas do conhecimento conceitual,
ao possibilitar-se, por meio da fantasia, o tratamento de cada objeto nas suas múltiplas
circunstâncias possíveis. (PAÍN, 1985, p. 51)
Paín (1985) concebe o jogo de grande valia para o diagnóstico do problema. Aceita o
material não figurativo para a técnica diagnóstica, quando se tratar de diagnosticar
problemas de aprendizagem, pois está interessada nos processos simbólicos utilizados
pelo sujeito. Será utilizada uma caixa com papéis coloridos, cartões, colas, tesouras,
lápis coloridos, tintas, etc.
A hora do jogo pode ser realizada com crianças até os nove anos. A partir dos dez anos,
de acordo com Paín (1985), se oferecer-lhe uma atividade que não está mais em função
de sua idade, pode torná-las tímidas e confusas. Nesta fase, a hora do jogo deve ser
substituída por “motivo da consulta”.
Sara acredita no enquadramento claro da tarefa para a criança, de modo que ela se
mobilize enquanto o profissional a observa. É necessário, então, verificar se a criança
sabe por que está no consultório e a ideia que ela faz sobre o profissional que a está
atendendo. Antes de dar as instruções da atividade, Paín (1985) aconselha dizer à
criança que ela tem um problema relativo ao não aprender, e que o terapeuta irá tentar
ajudá-la em saber por que isso acontece. A partir deste momento, podem ser dadas as
instruções e a caixa aberta com o material dentro.
A caixa deve estar em um lugar cômodo para a manipulação e deve dispor-se de uma
mesa firme e suficientemente grande para o desenvolvimento do jogo. No caso de se
preferir trabalhar sobre um tapete, o psicólogo deverá se colocar no nível da criança, no
chão ou em um banco baixo. (PAÍN, 1985, p. 52)
Sara Paín (1985) chama atenção para os diferentes comportamentos das crianças, com
dificuldades de aprendizagem, diante de jogos. Entretanto, faz questão de ressaltar que,
em todas as manifestações, ocorre a aprendizagem imediata.
Algumas crianças com problemas de aprendizagem não são capazes de fazer a síntese
cognitiva porque destroem o jogo no momento em que está mais organizado, nessa
atitude que Freud chamou “fracasso diante do êxito”, outros não podem fazer a síntese
porque, mergulhados em um tipo de inércia criativa, continuam acumulando
experiências sem deter-se para coordená-las em um objetivo ou projeto comum a todas
elas; nestes comportamentos, há um contínuo desperdício de energia que não rende.
Alguns conseguem o mesmo efeito por meio do comportamento contrário, e
interrompem o jogo quando já está organizado porque resistem a destruir o que fizeram,
mesmo que seja para fazê-lo melhor; uma criança disse “a ponte ficaria melhor aqui mas
tenho pena de desmanchá-la”. Em todos estes casos há aprendizagem imediata,
compreensão correta, mas pouca modificação real. (PAÍN, 1985, p.55)
Weiss (2012) agrupa os testes e provas em: diagnóstico operatório, testes psicométricos,
técnicas projetivas. Quanto ao diagnóstico operatório, a autora sustenta sua importância,
pois o indivíduo pode não aprender algo que não esteja de acordo com suas estruturas
cognitivas.
No que tange aos testes psicométricos, Weiss (2012) recomenda cuidados por parte do
terapeuta durante a aplicação.
As provas projetivas como seu nome indica, tratam de desvendar quais são as partes do
sujeito depositadas nos objetos que aparecem como suportes da identificação e que
mecanismos atuam diante de uma instrução que obriga o sujeito a representar-se
situações estereotipadas e carregadas emotivamente. (PAÍN, 1985, p.61)
Paín (1985) indica que muitas provas e técnicas fazem uso do desenho da figura
humana. Dentre as inúmeras contribuições que o desenho do próprio corpo possa trazer
ao diagnóstico, ela cita as grafias e os recursos simbólicos utilizados pela criança. Paín
(1985) também se vale de “relatos” como tipo de provas em que o paciente tem que
inventar uma história ou antecipar seu final. Estímulos gráficos ou verbais são
oferecidos ao paciente, sugerindo determinadas relações. A outa prova denominada
desiderativo, Paín (1985) pede ao sujeito que escolha e rejeite três níveis da realidade:
vegetais, animais, objetos. Ele deve transformar-se se em um dos elementos.
Sara Paín (1985) ainda contempla no diagnóstico as provas específicas de lateralidade
(predomínio do olho; predomínio do pé; predomínio da mão) e de lecto-escrita
(reconhecimento de letras e fonemas; origem de palavras; comparação do
aproveitamento na cópia, no ditado, na escrita espontânea e na leitura).
Esclarece Paín (2012, p. 67) o objeto das provas de lecto-escrita: “De lecto-escrita:
interessa determinar que tipo de dificuldade é a que predomina no fracasso da criança na
aquisição da escrita e da leitura”. De acordo com a autora, a análise do caderno
possibilita uma avaliação rápida do problema ortográfico da criança.
Na minha opinião, esta crítica não pode isolar-se da dirigida à implementação dessas
técnicas quando derivam na ‘rotulação’ dos ‘testados’ e se suprime assim a escuta ao
sujeito em atenção à suposta ‘objetividade’ e ‘infalibilidade’ do dado quantitativo em
que o teste, para esta modalidade de uso, conclui.
Em síntese, acho que prescindir das provas psicométricas não traz garantias contra o
risco de perder de vista o sujeito para convertê-lo em objeto (de quantificação, de
rotulação, de manipulação). Aquelas provas passam a ser um instrumento, utilizável ou
não, na medida em que possa prestar-nos algum serviço. A escolha de um instrumento
nunca é ascética, com respeito ao marco teórico e ideológico e da habilidade e
adestramento de quem o emprega. Isto vale para qualquer técnica. Que precauções são
necessárias? Em minha opinião há três indispensáveis: explicitar o marco conceitual
quando se recorre a determinado instrumento; justificar o modo de emprego do mesmo
pela coerência com aquele marco e com os objetivos a que servirá; conhecer a
“ferramenta” escolhida. (FERNÁNDEZ, 1991, p.193)
A devolução diagnóstica está relacionada com o motivo da consulta. Ela tem como
objetivo devolver, dar um retorno, explicar, ao paciente e aos pais, a origem do
problema, os fatores que interferem, por exemplo.
Fernández (1991) inclui uma devolução para o paciente, uma para os pais e outra para o
grupo familiar. Ela tem o objetivo de devolver ao paciente e aos pais a possibilidade de
pensar e sentir. A família deve compreender, junto com o paciente a sua queixa.
Pretende-se explicar como o problema foi originado, mas verificando se alguém possui
algum sentimento de culpa. Não se pretende modificar os pais. Porém, atingi-los de
maneira afetuosa. Acredita-se que quando o amor começar a se expandir nas relações,
haverá maior circulação de aprendizagem.
A atitude bastante comum de considerar os pais culpados não ajuda, já que eles também
são pessoas que sofrem, e devemos pensar que, ainda antes de ser pais, eles queriam
seus filhos. Em geral, os pais comparecem achando que fracassaram, que não fizeram as
coisas bem, vêm com essa carga e as diferentes defesas contra essa angústia; nós
trataremos de demonstrar que, em algum lugar de seu ser, amam a esse filho.
(FERNÁNDEZ, 1991, p.230)
Como pensa Fernández (1991), o material de devolução é todo aquele expresso nos
motivos da consulta, quando são estabelecidas relações com diferentes momentos
observados ao longo do processo diagnóstico. A autora sugere técnicas dramáticas para
auxiliar na devolução, pois apresentam um rápido efeito terapêutico. Fernández (1991)
expressa seu conceito de devolução:
As dificuldades de aprendizagens não têm uma única causa. Uma série de fatores atuam
no comportamento da criança ou do adolescente e que precisam ser considerados pelo
psicopedagogo no processo diagnóstico.
Sara Paín (1985) afirma, ao analisar os comportamentos dos sujeitos, que o problema de
aprendizagem pode ser considerado como um sintoma e que o não aprender funciona
como um “sinal de descompensação”. Referindo-se aos sintomas próprios dos
problemas de aprendizagem, ela afirma:
A hipótese fundamental para avaliar o sintoma que nos ocupa é não considerá-lo como
significante de um significado monolítico e substancial, mas, pelo contrário, entendê-lo
como um estado particular de um sistema que, para equilibrar-se, precisou adotar este
tipo de comportamento, que mereceria um nome positivo, mas que caracterizamos como
não-aprendizagem. Desta forma, a não-aprendizagem não é o contrário de aprender, já
que, como sintoma, está cumprindo uma função positiva tão integrativa como a desta
última, mas com outra disposição dos fatores que intervém. Por exemplo, a maioria das
crianças conserva o carinho dos pais gratificando-os através de sua aprendizagem, mas
há casos nos quais a única maneira de contar com tal carinho é precisamente não
aprender. O diagnóstico do sintoma está constituído pelo significado, ou, o que é a
mesma coisa, pela funcionalidade da carência funcional dentro da estrutura total da
situação pessoal.
Este diagnóstico é sempre uma hipótese, e cada momento da relação com o sujeito
através, tanto do processo diagnóstico como do tratamento, nos permitirá ajustá-la desde
que as transformações obtidas a partir dessa hipótese sejam aplicáveis por ela mesma.
Tratando-se de um diagnóstico multifatorial, determinar-se-á assinalando as articulações
e as compensações mútuas das quais surge o quadro total. (PAÍN, 1985, p.28)
Sara Paín (1985) sinaliza para a importância da investigação de quatro fatores ao longo
do diagnóstico dos problemas de aprendizagem: fatores orgânicos, fatores percepto-
motores, fatores psicógenos e fatores ambientais. Ela dá destaque para os fatores
orgânicos, estabelecendo relação entre o bom funcionamento do corpo e a
aprendizagem.
A origem de toda aprendizagem está nos esquemas de ação desdobrados mediante o
corpo. Para a leitura e a integração da experiência, é fundamental a integridade
anatômica e de funcionamento dos órgãos diretamente comprometidos com a
manipulação do entorno, bem como dos dispositivos que garantem sua coordenação no
sistema nervoso central. (PAÍN, 1985, p.28)
Paín (1985) contempla aspectos orgânicos que são relevantes para a aprendizagem.
Inicialmente, aborda a visão e a audição, lembrando ao psicopedagogo que tais perdas
sensoriais podem levar o paciente a apresentar dificuldades no aprender que merecem
ser investigadas, pois podem ser originárias de um problema de saúde. Quando a perda
sensorial estiver muito instalada, Paín (1985) ressalta que a criança pode tender a isolar-
se ou criar dependências das pessoas pedindo que escrevam para ela, por exemplo. Paín
(1985) comenta, ainda, sobre a importância do sistema endócrino para o
desenvolvimento e para a aprendizagem da criança e do adolescente. Paín (1985) cita,
como exemplo, estados de sonolência e de falta de concentração, que podem ser
explicados por presença de deficiências glandulares. Paín (1985) faz constar nos fatores
orgânicos, os aspectos neurológicos. Estabelece relação entre o sistema nervoso sadio e
o comportamento equilibrado, caracterizado por ritmo e plasticidade. Quando há lesões
ou desordens corticais, ocorrem problemas na aprendizagem, em especial na área
perceptivo-motora e da compreensão da linguagem. Paín (1985) destaca a importância
da alimentação, tanto em quantidade, como em qualidade, para o desenvolvimento da
capacidade de aprender do sujeito. Ainda no sentido de alcançar o mesmo objetivo, a
autora sinaliza o valor das condições de moradia e de conforto para o sono. Quando
ocorrem perturbações de origem orgânica, como as que foram descritas acima, Paín
(1985) elabora uma observação, indicando que o indivíduo, com boa equilibração, cria
novos caminhos que não afetem o seu desenvolvimento cognitivo.
Segundo Paín (1985), fatores específicos são tipos de transtornos no campo percepto-
motor em que não se tem meios de verificar a causa orgânica, embora possa suspeitar da
mesma. Os transtornos que surgem no momento do aparecimento da aprendizagem da
linguagem constituem um exemplo:
Com relação aos fatores psicógenos, Sara Paín (1985) declara que se torna relevante
conhecer todo o processo e não somente o conteúdo sobre o qual está se atuando. Ela
reforça que não se tem como pensar no fator psicógeno, sem analisar os fatores
orgânicos e ambientais que influenciam na aprendizagem do indivíduo:
De acordo com Paín (1985), o fator psicógeno pode ser exemplificado pelo caso de
crianças ou jovem com dificuldades de aplicar regras ortográficas ou de realizar
escolhas entre letras e seus respectivos sons (s / z / x; h / o; x / ch). Existem problemas
de adequação perceptivo-motriz.
Com relação à instituição escola, Weiss (2012) lembra que ela não pode ser analisada
isoladamente, pois reflete o sistema socioeconômico em que está inserido e sofre
influência do mesmo. A qualidade da aprendizagem do aluno tem relação com as
oportunidades sociais que ele teve, incluindo a escola que frequentou.
Se a escola não mudar, como afirma Weiss (2012), ela continuará discriminando e/ou
rotulando as crianças e jovens que vivem em uma sociedade em que já impera as
linguagens utilizadas pela tecnologia. Crianças e jovens já podem encontrar formas
próprias de buscar o conhecimento, e não vem encontrando motivação no currículo
tradicional escolar. Weiss, no que se refere à escola, faz questão de deixar claro:
Triste é a escola que não acompanha o mundo de hoje, ignorando aquilo que seu aluno
já vivencia fora dela. Transforma aquele que de modo inteligente a questiona e que de
maneira saudável se recusa a buscar um conhecimento parado no tempo num ‘portador
de problema de aprendizagem’. (WEISS, 2012, p. 21)
Algumas condutas do sujeito, para Weiss (2012), podem influenciar apenas a produção
escolar do aluno, em determinada área do conhecimento, em determinado momento de
sua vida, podendo ocasionar o fracasso escolar. Weiss (2012, p. 26) deixa claro que não
se pode “confundir o aluno com dificuldade de aprendizagem com o aluno que aprende,
mas não tem a produção esperada pelo professor ou pela família”. Weiss (2012) dá
exemplos de condutas geradas pela ansiedade: agitação intensa; desatenção; “doenças”
como dores de cabeça e dores de barriga, que só surgem em determinadas aulas,
“branco” na hora de provas ou testes.
Weiss (2012) encara como uma aprendizagem normal quando o sujeito consegue sentir,
agir e se expressar de maneira integrada.
Com relação ao fracasso escolar, além das perspectivas citadas anteriormente por Weiss
(2012), é necessário, na prática diagnóstica, pesquisar alguns aspectos buscando uma
visão integral do sujeito: aspecto orgânicos, cognitivos, emocionais, sociais e
pedagógicos.
Weiss (2012) também destaca a influência dos aspectos cognitivos e acredita que o
processo de construção cognitiva ocorre a partir da interação entre o organismo do
sujeito e o meio.
Mais do que ensinar (mostrar) conteúdos de conhecimentos, ser ensinante significa abrir
um espaço para aprender. Espaço objetivo-subjetivo em que se realizam dois trabalhos
simultâneos: a) construção de conhecimentos; b) construção de si mesmo, como sujeito
criativo e pensante. (FERNÁNDEZ, 2001, p.30)
Qual é o plus que o aprender outorga? Algo mais profundo, subjetivante (além do
esquecimento do conteúdo aprendido) permanece e transporta-se para todo o acionar do
sujeito aprendente: é o prazer de dominar... a bicicleta, instrumento-lápis-escrita-
conhecimento. Prazer de dirigir, de ter autonomia, prazer de superar os limites de
velocidade que o organismo permite, prazer de transcender o tempo e o espaço. Prazer
de mover-se sobre a terra sem pisá-la. Prazer de apropriar-se de sua autoria produtiva.
(FERNÁNDEZ, 2001, p.31)
Através das séries complementares, Freud nos proporciona um modelo excelente para
compreender o lugar da família na gestação do problema de aprendizagem. A
combinação de fatores congênitos, hereditários, junto com as experiências infantis no
ambiente familiar ou social, constituem a chamada série da disposição, a qual, por
influência dos motivos atuais ou desencadeantes, por sua vez condicionador pela
disposição determina o surgimento da enfermidade mental. (FERNÁNDEZ, 1991, p.
96)
Às vezes, os professores fazem tentativas para que seus alunos aprendam colocando-os
em uma competição. Exigem que seus alunos aprendam em meio a uma corrida, com o
perigo ou de perder, ou de ficar de fora, ou com a obrigação exitosa de chegar primeiro.
Se o pai de Silvina a tivesse ensinado no transcorrer de uma competição ciclística, nada
teria conseguido. A escola, transformada em um campo de treinamento e competição, é
produtora de neurose. (FERNÁNDEZ, 2001, p. 33)
5 - CONCLUSÃO
Inicia-se a conclusão deste trabalho com o destaque para o problema de pesquisa: que
fatores devem ser considerados para a qualidade do diagnóstico psicopedagógico?
Deve-se levar em conta, no diagnóstico, a pesquisa dos fatores externos e internos que
influenciam na aprendizagem do aluno. Como fatores externos, são citados, por
exemplo, os aspectos sociais da articulação família e escola. O psicopedagogo deve ser
capaz, durante o diagnóstico, de verificar as oportunidades sociais e o nível de interação
família/escola/meio social. O profissional também precisa estar alerta para as
consequências de um sistema social seletivo e competitivo na vida do aluno. Outro fator
externo que merece análise são as práticas escolares, os currículos, as metodologias e as
avaliações. O fracasso escolher ocorre, muitas vezes, por resposta insuficiente do aluno
à demanda da escola. As metodologias são arcaicas, as avaliações seletivas e punitivas,
as práticas docentes não visam à construção do conhecimento e não colocam o aluno
como o centro do processo do aprender.
Torna-se considerável lembrar que nenhum fator deve se sobrepor a outro ao longo do
diagnóstico psicopedagógico. O diagnóstico de qualidade é resultado de uma análise
cuidadosa, de uma investigação meticulosa sobre o processo de aprendizagem. Faz-se
necessária, então, a escuta clínica, valorizando a forma individual do aprender. Pode-se
afirmar que o bom diagnóstico dependerá da competência e das habilidades do
psicopedagogo de se articular com a família, com a escola e com outros profissionais,
utilizando-se, muitas vezes, de entrevistas. Sua criatividade também é solicitada, por
exemplo, na hora do jogo, pois deve observar o comportamento do paciente, no sentido
de entender o significado do sintoma apresentado. O sujeito com dificuldades de
aprendizagens não exibe confiança em si mesmo ou em sua capacidade de produção.
Então, cabe ao psicopedagogo proporcionar situações que o faça produzir, sendo ativo e
criativo. Ele terá oportunidades de pensar com liberdade, e isto possibilitará o
desenvolvimento de sua autonomia.
O primeiro objetivo específico foi atingido, ao constatar que se pode definir o objetivo
do processo diagnóstico como uma investigação sobre o não aprender. Neste processo
de pesquisa relativa ao aprender, o psicopedagogo observa o modelo de aprendizagem
do paciente, compreende sua história de vida, entende suas forma individuais de lidar
com o aprender e cria condições para que ele acolha o tratamento, participe e coopere.
O segundo objetivo específico foi alcançado, visto que a pesquisa forneceu elementos
teóricos que explicassem como ocorre o processo diagnóstico. Este processo pode ser
organizado em momentos, criando uma sequência diagnóstica. No entanto, é
significativo lembrar que as etapas variam conforme a necessidade de cada caso. Esta
sequência é organizada a partir dos primeiros contatos com o paciente. Uma ocasião
marcante do diagnóstico é a entrevista de anamnese, pois nela são colhidos dados
relevantes da história de vida do paciente. Importante observar outro instante deste
processo, a entrevista “motivo da consulta”, quando o psicopedagogo deve relacionar
elementos importantes para a compreensão do problema de aprendizagem. O contrato e
o enquadramento também são fases notórias do processo diagnóstico. É indispensável
que se esclareça as constantes do enquadramento e do contrato, como: o papel do
psicopedagogo, a participação dos pais e de outros membros da família, o contato com
outros profissionais, a comunicação com a escola; a estimativa do número de sessões e
o planejamento do término do tratamento; a definição do horário, dias e a duração das
sessões; o estabelecimento do local; a determinação dos honorários. Durante o processo
diagnóstico, o profissional seleciona estratégias de intervenção que auxiliarão na
investigação da queixa do sujeito, procurando pesquisar o seu problema de
aprendizagem. As mais recomendadas são: entrevistas, hora do jogo, os testes e as
provas projetivas. Ao final do processo diagnóstico, ocorre outro momento de grande
relevância: a entrevista de devolução.
O terceiro objetivo foi consumado, pois foram identificados e descritos os fatores que
influenciam no diagnóstico psicopedagógico de acordo com a abordagem de diversos
autores. Os fatores podem ser classificados em externos e internos. Constituem
exemplos de fatores externos a influência da sociedade, da família, da escola. Ainda no
grupo dos fatores externos, ressalta-se que a qualidade de um diagnóstico depende da
competência, da sensibilidade e da habilidade do psicopedagogo. Já fatores de origem
orgânica, neurológica, psiquiátrica ou emocional são classificados como internos.
Nenhum fator responde por si só o problema da aprendizagem. Sendo assim, o
diagnóstico é multifatorial. Um fator não deve se sobrepor a outro ao longo do processo
diagnóstico.
REFERÊNCIAS
WEISS, Maria Lucia Lemme. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos
problemas de aprendizagem escolar. 14. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lamparina,
2012.