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A RELEVÂNCIA DO DIAGNÓSTICO

PSICOPEDAGÓGICO.
 Publicado em 30 de outubro de 2016

Sandra Rebel
Sandra Rebel - Psicopedagoga e Neuropsicopedagoga Clínica

O site Psicopedagogia Online divulgou o artigo "A relevância do diagnóstico


psicopedagógico", assinado por Sandra Maria Cavalcanti Rebel.

Por Sandra Maria Cavalcanti Rebel.

O artigo ilustra o estudo realizado sobre o tema “Diagnóstico Psicopedagógico”, como


uma adaptação de um trabalho monográfico. A pesquisa é de natureza exploratória e de
caráter bibliográfico e apresenta ideias de renomados psicopedagogos sobre o tema em
questão. O texto encontra fundamentos nas teorias de Sara Paín, Alicia Fernández, Jorge
Visca e Maria Lúcia Weiss. O objetivo principal do trabalho é promover a análise dos
fatores que devem ser considerados para a qualidade do diagnóstico psicopedagógico.
Outros objetivos, mais específicos, perpassam o texto, como: definir o objetivo do
diagnóstico psicopedagógico, explicar como ocorre o processo do diagnóstico
psicopedagógico, descrever os fatores que influenciam no diagnóstico psicopedagógico.
Foi observado, ao longo do estudo, que nenhum fator deve se sobrepor a outro durante o
diagnóstico psicopedagógico. A qualidade do diagnóstico dependerá da competência, da
habilidade e da sensibilidade do psicopedagogo ao se articular com o seu paciente, com
a família, com a escola e outros profissionais, caso haja necessidade. É importante
destacar que a investigação sobre o aprender requer uma pesquisa acurada sobre a
história de vida do paciente. O psicopedagogo deve se utilizar de uma escuta clínica,
valorizando a singularidade do sujeito e desenvolvendo sua autonomia de pensamento.

Palavras-chave: Diagnóstico. Psicopedagogo. Escuta clínica. Investigação.

1 - INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como tema o “Diagnóstico Psicopedagógico”. É um estudo voltado
para a relação que o sujeito tem com o aprender, procurando entender os motivos que o
leva a não aprender ou a apresentar dificuldades no processo de aprendizagem. Durante
o diagnóstico, ocorre uma investigação sobre o modo de pensar, sobre o que pode estar
oculto na criança ou no jovem com dificuldades no processo de aprendizagem. Esse
processo requer sensibilidade e competência do psicopedagogo. Ele deve saber realizar
a escuta clínica, ou seja, buscar a compreensão do sentido que o indivíduo atribui ao
aprender, as dificuldades que vivencia neste processo e as razões que influenciam ou
determinam a não aprendizagem. Torna-se preocupante os efeitos nocivos de uma ação
diagnóstica realizada sem os devidos cuidados, não ouvindo o sujeito do aprender, nem
considerando sua história de vida. A clínica psicopedagógica é um espaço que
possibilita tal atendimento mais individualizado.

Os principais autores que fundamentam a teoria estudada foram as argentinas Sara Paín
(1985) e Alicia Fernández (1991), o argentino Jorge Visca (2010), as brasileiras Maria
Lúcia Lemme Weiss (2012) e Leila Sara José Chamat (2008).

O problema de pesquisa que motiva este estudo sobre o “Diagnóstico Psicopedagógico”


é: Que fatores devem ser considerados para a qualidade do diagnóstico
psicopedagógico? O problema pesquisado é relevante para o campo da Psicopedagogia,
pois possibilita ao profissional a compreensão dos fatores que influenciam na
aprendizagem tornando-o mais capacitado e seguro para refletir sobre a elaboração de
um diagnóstico psicopedagógico, considerando o sujeito aprendente como ativo,
criativo e autônomo no processo do aprender.

A metodologia utilizada é de natureza exploratória, envolvendo levantamento


bibliográfico sobre o tema pesquisado. Neste estudo, um mesmo conceito é apresentado
por diversos autores e posteriormente, analisado. Tal metodologia possibilita ao
pesquisador a reflexão e a crítica sobre a teoria.

2 - DIAGNÓSTICO: CONCEITOS

Inicialmente, ressalta-se a importância de observar a especificidade do diagnóstico


psicopedagógico no sentido de haver uma busca, uma investigação sobre o aprender e o
não aprender. Captar a especificidade do diagnóstico psicopedagógico é identificar as
características que o torna singular. Alicia Fernández ao estudar a especificidade do
diagnóstico psicopedagógico, afirma:

Um diagnóstico psicopedagógico de uma criança ou adolescente busca responder a


interrogações particulares, tais como:

1. Com que recursos conta para aprender?


2. O que significa o conhecimento e o aprender no imaginário do sujeito e sua
família?
3. Que papel foi-lhe designado por seus pais em relação ao aprender?
4. Qual é sua modalidade de aprendizagem?
5. Qual é a posição do sujeito frente ao não dito, ao oculto, ao secreto?
6. Que função tem o não aprender para ele e para seu grupo familiar?
7. Qual é o significado da operação particular que constitui o sintoma?
8. Como aprende e como não aprende?
9. O não aprender responde a um sintoma, ou é uma resposta reativa ao meio
socioeducativo? (FERNÁNDEZ, 1991, p. 37-38)

No diagnóstico do problema de aprendizagem, Paín (1985) acredita ser importante


conhecer o tipo de vínculo que a paciente pretende criar com o terapeuta. Com esse fim,
ela procura saber como ele foi encaminhado ao consultório e se está lá por vontade
própria. Outro aspecto significativo é perceber o nível de ansiedade da demanda com
relação à honorários e horários. A exposição de problemas e queixas, pelo telefone,
também revela o estado emocional do paciente e define o vínculo. Importante também é
conhecer o seu objetivo antes da primeira entrevista. A ação do psicólogo variará de
acordo com este objetivo.

(...) se se trata apenas de uma consulta, nossa missão será estabelecer o diagnóstico do
déficit na aprendizagem e informar sobre os fatores positivos e negativos que, em cada
caso, podem facilitar ou deteriorar os processos cognitivos.

Se, entretanto, o paciente espera de nós o tratamento integral do problema, nossa


preocupação se centrará na criação das condições psicológicas ótimas para que o
paciente assuma o tratamento, participe e coopere na solução do problema e fazemos
questão de dizer “co-opere” ou opere junto com o psicólogo a partir do diagnóstico, que
é onde começa o processo de reconhecimento de si mesmo. (PAÍN, 1985, p. 36)

O diagnóstico favorece o entendimento da relação do sujeito com os pais, com o outro e


de sua história de vida. Paín (1985) acredita que o não aprender está associado a estes
fatores como a constituição orgânica e a outro originado da história pessoal do sujeito.

Diagnosticar o não-aprender como sintoma consiste em encontrar sua funcionalidade,


isto é, sua articulação na situação integrada pelo paciente e seus pais. A oligotimia é,
antes de mais nada, um lugar que o sujeito pode vir a ocupar, tornando possível a
existência de uma estrutura equilibrada na qual sua própria existência torna-se possível.
A falta de aprendizagem revelará seu significado se prestarmos atenção à maneira que o
sujeito é para o outro – evidentemente, a partir de sua maneira particular de ser como
organismo e como história. (PAÍN, 1985, p.69)

Já para Weiss (2012), o diagnóstico psicopedagógico possibilita a compreensão da


forma individual do aprender, ou seja, da singularidade do sujeito. A autora ressalta a
importância da intervenção psicopedagógica ocorrer a partir das características
individuais, como se observa na citação abaixo:

A compreensão da singularidade do filho e do aluno é que possibilitará a pais e


professores a reflexão sobre como estão agindo com ele, como é importante permanecer
com certas condutas que dão certo e mudar totalmente outras que agravam a situação.
(WEISS, 2012, p.17)

Ainda de acordo com Weiss (2012), o diagnóstico psicopedagógico consiste em um


trabalho de pesquisa no sentido de esclarecer a queixa feita pelo paciente, pela família
ou pela escola. Weiss (2012) se utiliza do método clínico, estudando cada caso em suas
especificidades. Seu trabalho é de investigação sobre o não aprender e o aprender com
dificuldades. Afirma a autora:
Todo diagnóstico psicopedagógico é, em si, uma investigação, uma pesquisa do que não
vai bem com o sujeito em relação a uma conduta esperada. Será, portanto, o
esclarecimento de uma queixa, do próprio sujeito, da família e, na maioria das vezes, da
escola. No caso, trata-se do não aprender, do aprender com dificuldade ou lentamente,
do não revelar o que aprendeu, do fugir de situações de possível aprendizagem.

Nessa investigação não se pretende classificar o paciente em determinadas categorias


nosológicas, mas sim obter uma compreensão global da sua forma de aprender e dos
desvios que estão ocorrendo nesse processo. Busca-se organizar os dados obtidos em
relação à sua vida biológica, intrapsíquica e social de forma única, pessoal. Nessa visão
estaríamos subordinando o diagnóstico psicopedagógico ao método clínico, ao estudo
de cada caso em particular. Busca-se do clínico exatamente a unidade, a coerência, a
integração que evitariam transformar a investigação diagnóstica numa “colcha de
retalhos” com a simples justaposição de dados ou com mera soma de resultados de
testes e provas. (WEISS, 2012, p.31)

Diante da queixa da não-aprendizagem o psicopedagogo deve buscar o sintoma, ou seja,


o que é percebido pelo próprio indivíduo ou pelo outro. Weiss (2012) constata que o
sintoma existe em função do desvio em relação a parâmetros existentes. A autora
preocupa-se, em especial, com o fracasso do aluno na escola e diz o quanto é importante
identificar a posição de desvio do aluno para planejar o diagnóstico. Weiss identifica
como parâmetros:

(...) formação cultural, classe socioeconômica, idade cronológica, exigência familiar,


exigência escolar, relação entre conteúdos escolares e o desenvolvimento de estruturas
de pensamento, exigências escolares durante a alfabetização e a psicogênese da leitura e
da escrita e, por fim, o desenvolvimento biopsicológico considerado normal. Outros
dependerão do contexto em que está se dando o ensino-aprendizagem. (WEISS, 2012,
p.32)

Procurando melhor explicar, Weiss (2012) diz que o desvio está, de alguma maneira,
incluído no motivo da queixa do paciente. Weiss (2012) lembra os casos em que o
paciente não é o único responsável pelo fracasso escolar e em que ocorrem problemas
relativos ao ensino e à escola. Entretanto, algumas vezes, observa resistência por parte
da família e da escola em rever posições. Continua-se o processo de patologizar a
questão mantendo a criança apenas como foco de seus problemas. Cabe ressaltar que
não se pode diagnosticar um sujeito isolado do tempo e do espaço em que vive, das
relações que ele estabelece com o outro e consigo mesmo.

Dessa forma, o objetivo do diagnóstico psicopedagógico para Weiss (2012, p.35) “é


identificar os desvios e os obstáculos básicos no Modelo de Aprendizagem do sujeito
que o impedem de crescer na aprendizagem no nível esperado pelo meio social”. Weiss
(2012) sugere ao psicopedagogo desejoso de conhecer o modelo de aprendizagem do
paciente a obter dados com a escola, com a família, com outros profissionais e com suas
próprias observações.

Entendo como Modelo de Aprendizagem o conjunto dinâmico que estrutura os


conhecimentos que o sujeito já possui, os estilos usados nessa aprendizagem, o ritmo e
as áreas de expressão da conduta, a mobilidade e o funcionamento cognitivos, as
modalidades de aprendizagem assimilativa e acomodativa e suas distorções, os hábitos
adquiridos, as motivações presentes, as ansiedades, defesas e conflitos em relação ao
aprender, as relações vinculares com o conhecimento em geral e com os objetivos de
conhecimento escolar, em particular, e o significado da aprendizagem escolar para o
sujeito, sua família e a escola. (WEISS, 2012, p.35-36)

Fernández (1991) observa que existe em cada um de nós uma “modalidade de


aprendizagem”, ou seja, uma maneira individual de aproximar-se do conhecimento. Esta
postura pessoal é construída desde o nascimento, diante de situações de aprendizagens.
A modalidade de aprendizagem é um modo de operar que o sujeito se utiliza frente a
qualquer problema de aprendizagem apresentado. Segundo Fernández:

Nós, no momento do diagnóstico, pretendemos fazer um corte que nos permita observar
a dinâmica da modalidade de aprendizagem, sabendo que tal modalidade tem uma
história que vai sendo construída desde o sujeito e desde o grupo familiar, de acordo
com a real experiência de aprendizagem e como foi interpretada por ele e seus pais. No
diagnóstico, tratamos de observar, desnudar e começar a esclarecer os significados da
modalidade de aprendizagem. (FERNÁNDEZ, 1991, p.107)

Conforme Weiss (2012), quando o psicopedagogo consegue traçar o modelo de


aprendizagem do paciente, ele já adquiriu dados suficientes que possibilitem o
levantamento de hipóteses sobre as causas da problemática apresentada pelo paciente.
Neste processo reflexivo, o terapeuta traça direções mais seguras, sabendo o que fazer
para alterar o problema existente, indicando os tratamentos especializados. Daí surge o
Prognóstico e o conteúdo da entrevista de Devolução. A devolução é, portanto, um
momento dedicado ao relato dos resultados obtidos durante o processo diagnóstico.

Weiss (2012) sinaliza que o sucesso do diagnóstico depende do bom relacionamento


estabelecido entre o terapeuta e o paciente. A relação deve ser marcada pelo
acolhimento, pela liberdade, pelo amor. A linguagem e a temática utilizadas devem ser
próximas da realidade do paciente. Como o diagnóstico é feito a partir de relações
interpessoais, a comunicação será um dos fatores que promoverá o seu sucesso. A
autora observa que um bom diagnóstico “(...) dependerá da relação estabelecida
terapeuta-paciente: empática, de confiabilidade, respeito, engajamento”. (WEISS, 2012,
p.37)

Visca (2010) não propõe para o diagnóstico uma sequência rígida. Entretanto, ele sugere
que o início do mesmo não deva ocorrer com a anamnese, como é feito
tradicionalmente. Justifica sua posição afirmando que os pais, durante a fase da
anamnese, podem influenciar o agente corretor com suas opiniões, mesmo que esta
tenha uma postura neutra em relação ao paciente. Pretende preservar o problema do
paciente de qualquer influência. O processo diagnóstico, segundo Jorge Visca (2010),
começa com a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA). São
identificados os sintomas e levantadas as hipóteses sobre as causas atuais da
problemática apresentada. Visca (2010) apresenta um esquema sequencial para
estruturar o diagnóstico, baseado na Epistemologia Convergente.

1. Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA).


2. Testes (segundo as linhas de investigação).
3. Anamnese (aberta, situacional e segundo as linhas de investigação).
4. Elaboração do informativo (primeiro com imagem do sujeito, segundo com
formulação escrita de hipóteses a comprovar).
5. Entrevista devolutiva aos pais e ou ao paciente. (VISCA, 2010, p. 71)

A epistemologia convergente criada por Visca (2010) possibilita a análise do homem


em seu processo do aprender em uma abordagem pluridimensional. A Epistemologia
Convergente é constituída por fundamentos da Psicanálise, da Psicologia Genérica e da
Psicologia Social.

3 - DIAGNÓSTICO: O PROCESSO

3.1 - FUNDAMENTOS DO PROCESSO DIAGNÓSTICO E SELEÇÃO


DE ESTRATÉGIAS

Diferentes teóricos apresentam fundamentos para o processo diagnóstico, sugestões de


atitudes clínicas, métodos e técnicas.

Para Chamat (2004), o principal instrumento do psicopedagogo para confirmar ou não


hipóteses relativas a algum problema de aprendizagem é a competência e a criatividade
do profissional. O psicopedagogo também deve ser capaz de fazer um diagnóstico
diferencial, pois segundo Chamat (2004), ele poderá identificar diversos problemas de
aprendizagem e encaminhar o aprendiz a especialistas, conforme o caso.

Ainda segundo Chamat (2004), o profissional que irá realizar o diagnóstico pedagógico
não pode seguir duas linhas de atuação, como, por exemplo: trabalhar com técnicas
psicopedagógicas para chegar à síntese cognitiva sobre o problema do sujeito e trabalhar
com técnicas psicológicas. É importante lembrar que a leitura psicopedagógica é
diferente da leitura psicológica. Chamat (2004) alerta que os instrumentos utilizados
pelos psicólogos, devem ser evitados pelo psicopedagogo, pois objeto do seu curso de
formação. Se houver necessidade de usá-los, no momento do diagnóstico, é melhor
realizar um trabalho com um psicólogo.

Alicia Fernández (1991, p. 23) elaborou um modelo próprio de diagnóstico, chamado


“diagnóstico interdisciplinar familiar de aprendizagem em uma só jornada” (DIFAJ).
Com o DIFAJ ela pretende observar como o conhecimento é concebido por todos os
integrantes da família e como ele se articula com o sintoma apresentado pelo paciente.
No modelo diagnóstico construído por Fernández (1991), a criança e sua família
compartilham de 4 horas em uma só visita no hospital. Durante estas horas são
atendidos por diversos especialistas que emitirão opiniões, no sentido de esboçar um
diagnóstico.

(...) Portanto, o paciente-problema de aprendizagem requer a intervenção de diferentes


especialistas (pediatra, neurologista, otorrinolaringologista, fonoaudiólogo, assistente
social, etc.), cujas diferentes opiniões são necessárias para articular um diagnóstico
psicopedagógico.

Geralmente se encara a partir de inúmeras derivações: do professor ao orientador


educacional, do orientador educacional ao neurologista, do neurologista ao psicólogo,
do psicólogo ao psicopedagogo, do psicopedagogo ao pediatra, do pediatra ao
fonoaudiólogo, etc. Esboçamos uma modalidade que incluía a interdisciplinaridade
durante o mesmo processo diagnóstico, não como uma instância prévia ou posterior à
consulta, mas no momento da elaboração do diagnóstico.

Além do mais, assim como não se pode entender um processo somente a partir do
aprendente, sem recorrer ao ensinante, tampouco poderíamos diagnosticar um problema
de aprendizagem sem incluir a instituição escolar. (FERNÁNDEZ, 1991, p.26)

Segundo Fernández (1991), inicialmente, a criança com problema de aprendizagem


tende a confundir o conhecimento com a figura do psicopedagogo. É necessário que o
profissional “saia deste lugar” e seja percebido como representante do conhecimento.
Durante o trabalho realizado, será promovido o deslocamento que a criança possa fazer
entre o psicopedagogo e o conhecimento, por intermédio de si mesmo.

Para Fernández (1991, p. 27), o espaço hospitalar e o modelo de diagnóstico proposto


(DIFAJ), facilitam o encontro entre o sujeito, o terapeuta e o conhecimento. “Nossa
tarefa aponta para a conquista de que o espaço de tratamento se transforme em um
“espaço transicional” onde seja possível reconstruir o espaço de jogo e criatividade de
nosso paciente, que é matriz do aprender”.

A técnica diagnóstica proposta por Fernández (1991) possibilita ao psicopedagogo


articular as respostas dos integrantes da família quando ocorre a consulta com os pais e
com os irmãos do paciente. A criança participa de todas as consultas e ouve o que
acham dela. Após esse momento, será a vez da própria consulta quando ela terá
possibilidade de dizer o motivo pelo qual ela se encontra lá ou quais são suas
expectativas. Cabe ao psicopedagogo observar pontos em comum e distanciamentos
entre os motivos da consulta dos integrantes da família: pais, irmãos e o próprio
paciente. O mais importante é que o terapeuta observe o ponto de vista do paciente e
crie uma relação de confiança. Em função de suas experiências com situações
familiares, Fernández (1991) afirma:

A consigna se modificará de acordo com a solução, porém sempre tendendo a transmitir


ao paciente designado nosso interesse em escutar sua versão da problemática, a
possibilidade que tem de expressar que coisas o preocupam e desagradam, e nosso
desejo de ajudá-lo, desde que ele possa formular o pedido. (FERNÁNDEZ, 1991,
p.151)

Como diz Fernández (1991), a família, sendo incluída no processo de diagnóstico, tem a
oportunidade de tecer considerações sobre a problemática do filho e também de
desenvolver questões para reflexão, considerando a vida do casal e ao mesmo tempo, o
grupo familiar. Dessa forma, a compreensão das relações familiares assume grande
importância no diagnóstico.

A origem do problema de aprendizagem não se encontra na estrutura individual. O


sintoma se ancora em uma rede particular de vínculos familiares, que se entrecruzam
com uma também particular estrutura individual. A criança suporta a dificuldade,
porém, necessária e dialeticamente, os outros dão o sentido. (FERNÁNDEZ, 1991,
p.31)

Ainda consoante Fernández (1991), para o psicopedagogo ler a produção do paciente e


compreender a fala de seus pais, ele deve adotar uma atitude de escuta, o que requer
conhecimentos específicos sobre o processo do aprender e saber posicionar-se em um
“lugar analítico”. É primordial para o diagnóstico psicopedagógico saber identificar as
singularidades de cada história e observar nas fraturas do discurso. O lugar analítico do
terapeuta possibilita que o paciente, ao falar e ser ouvido, possa organizar-se. Muitas
vezes a criança tem problemas de expressar seus sentimentos e observa-se que existe
relação com a dificuldade na aprendizagem.

(...) ao estar atrapado o aprender, está perturbada a capacidade de comunicar os afetos e


as ideias. O problema de aprendizagem provoca uma má articulação inteligência-desejo,
pelo que os recursos comunicacionais da gramática simbólica estão alterados,
disfarçando de aborrecidos, banais ou inexistentes, conteúdos que não o são.
(FERNÁNDEZ, 1991, p.127)

O lugar analítico requer uma atitude clínica de escuta do paciente. Entretanto, é


necessário incorporar ao perfil do psicopedagogo alguns aspectos que o ajude a
trabalhar com a difícil relação entre inteligência e desejo. Fernández (1991) sugere que
devem ser incorporadas à atitude clínica:

 conhecimentos sobre como se aprende e sobre o organismo, corpo, inteligência e


desejo;
 uma teoria psicopedagógica: matriz teórica interpretativa que não é a soma dos
conhecimentos anteriores, mas uma teoria que os abrange, surgida da prática
com o problema da aprendizagem;
 saber sobre o aprender e o não aprender. (FERNÁNDEZ, 1991, p.128)

Fernández (1991) indica um método de análise de escuta psicopedagógica, sugerindo


um guia para conseguir uma escuta psicopedagógica. Ela ressalta que o saber
psicopedagógico é adquirido com a experiência e pelo tratamento psicopedagógico
didático.

Guia para conseguir uma escuta psicopedagógica

1. Escutar – olhar.
2. Deter-se nas fraturas do discurso.
3. Observar e relacionar com o que aconteceu previamente à fratura.
4. Descobrir o “esquema de ação-subjacente”.
5. Buscar a repetição dos esquemas de ação.
6. Interpretar a operação, mais do que o conteúdo. (FERNÁNDEZ, 1991, p.131)

O diagnóstico pode ser organizado em momentos, estabelecendo uma sequência


diagnóstica. Entretanto, é importante lembrar que os momentos variam conforme a
necessidade de cada caso. Segundo Weiss (2012), a sequência diagnóstica é
determinada a partir dos primeiros contatos com o paciente.

Assim, há momento de anamnese só com os pais, de compreensão das relações


familiares em sessão com toda a família presente, de avaliação da produção pedagógica
e de vínculos com objetos de aprendizagem escolar, busca da construção e
funcionamento das estruturas cognitivas (diagnóstico operatório), desempenho em testes
de inteligência e visomotores, análise de aspectos emocionais por meio de testes
expressivos, sessões de brincar e criar. Tudo isso pode ser estruturado numa Sequência
Diagnóstica estabelecida a partir dos primeiros contatos com o caso. (WEISS, 2012,
p.39)

Weiss (2012) chama atenção para o contrato e o enquadramento, como momentos


importantes do diagnóstico. O contrato é realizado com os pais, no início do diagnóstico
e a partir dele se constrói um enquadramento dos pais e do paciente. De acordo com
Weiss (2012), todos os envolvidos no processo devem evitar a quebra do
enquadramento. Entretanto, a flexibilidade deve estar presente para atender aos
imprevistos da vida. Weiss enumera aspectos constantes do enquadramento e que
abordam também o contrato:

1. Esclarecimento de papéis: função do terapeuta-investigador; participação dos


pais e de outros membros da família (anamnese, sessões familiares, devolução,
etc.); contato com os profissionais da escola; contatos com outros profissionais
que atendem ou já atenderam a criança.
2. Previsão do número aproximado de sessões e forma de encerramento do
trabalho.
3. Definição de horário, dias e duração das sessões.
4. Definição dos locais: consultórios, sala de ludo, sala de teste etc.
5. Honorários contratados e forma de serem cobrados. (WEISS, 2012, p.43)

É importante destacar: a atitude clínica do psicopedagogo; a escuta psicopedagógica; o


papel da família no processo diagnóstico; os momentos do diagnóstico; o contrato e o
enquadramento.

3.2 - ENTREVISTA

Modelos de entrevistas são propostos por alguns nomes conhecidos no campo da


Psicopedagogia, tais como: Weiss (2012), Jorge Visca (2010), Sara Paín (1995), e
Alícia Fernández (1991).

Segundo a psicopedagoga Weiss (2012), a opção por um modelo de entrevista deve


estar em função da queixa e do que foi expresso em algum tipo de contato antes da
primeira sessão. Ela sugere modos de realizar a primeira consulta diagnóstica,
utilizando-se de tipos diferentes de entrevista: entrevista inicial de anamnese com os
pais, entrevista Familiar Exploratória Situacional (EFES), primeira entrevista com o
paciente, Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA). Existem momentos
específicos em que a melhor opção é a entrevista inicial de anamnese com os pais:

Há situações em que opto por entrevista inicial de anamnese com os pais, quando, por
exemplo, me é dito que o paciente já teve ou tem outros tratamentos; quando há dúvidas
sobre um diagnóstico anterior; quando há discordância de posição entre pais e escola;
quando pais separados estão em atritos; quando há um desvio muito grande entre a
idade cronológica e a série escolar. (WEISS, 2012, p.53)

A Entrevista de Anamnese pode ser considerada um momento marcante do diagnóstico.


Nela, são colhidos dados significativos da história da vida do paciente. O
psicopedagogo, sabendo conduzir e registrar tal entrevista, terá condições de estabelecer
relação com a queixa, levantando as possíveis hipóteses sobre o caso. Weiss (2012, p.
67) afirma que “(...) toda a anamnese já é, em si, uma intervenção na dinâmica familiar
em relação à “aprendizagem de vida”.

Weiss (2012) indica a importância de identificar dados do paciente, mostrando a


evolução do paciente, como também a construção de sua personalidade. A anamnese
propiciará ao psicopedagogo a compreensão dos principais momentos da vida do
paciente e de sua família.

Não me parece proveitoso transformar a anamnese num simples “questionário” de


dados sequenciais do desenvolvimento numa possível comparação com alguma escala,
embora o conhecimento do desenvolvimento normal do ser humano em suas diferentes
áreas seja importante como referencial. Paralelamente à sequência do ‘quando’, existe
um aprofundamento essencial do ‘como’. É preciso não perder de vista a continuidade
da construção da personalidade do paciente. (WEISS, 2012, p.67)

Weiss (2012), durante a anamnese, faz uma análise a partir de dados levantados sobre as
primeiras aprendizagens realizadas com a mãe ou com a pessoa que a substitui, o
desenvolvimento geral da criança, sua história clínica; a história da família nuclear e
ampliada da criança; a experiência escolar. Os álbuns de bebê, álbuns de retratos,
relatórios de creche, trabalhos do maternal são fontes de pesquisa para o momento da
anamnese.

Na Entrevista Familiar Exploratória Situacional (EFES), o psicopedagogo se reúne com


pais e com criança ou adolescente em uma consulta conjunta. Faz-se necessário o
registro da EFES com o objetivo de evitar qualquer distorção.

A EFES tem como objetivos a compreensão da queixa nas dimensões familiar e escolar,
a captação de relações e expectativas familiares centradas na aprendizagem escolar, a
expectativa em relação à atuação do terapeuta, a aceitação e o engajamento do paciente
e seus pais no processo diagnóstico, a realização do contrato e do enquadramento de
forma familiar e o esclarecimento do que é um diagnóstico psicopedagógico. (WEISS,
2012, p.53-54)

Visca (2010, p. 98) propôs a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA)


que considera como um instrumento que se apresenta com material simples, mas que
geram excelentes resultados. Chega-se ao entrevistado por meio de uma consigna:
“Gostaria que me mostrasse o que sabe fazer, o que têm lhe ensinado e o que tem
aprendido”. Após tal comunicação, o psicopedagogo deve apresentar o material sobre
uma mesa, dizendo: “Este material é para você usar, se precisar, para mostrar-me o que
eu gostaria de saber de você, como comentei”. Visca (2010) afirma que a idade do
indivíduo interfere no tipo de consigna e na seleção dos materiais. Ele dá exemplo de
materiais que usa com criança de idade escolar:

Os materiais que geralmente coloco para essa idade são:

 folhas lisas, tamanho carta;


 folhas com linhas e quadriculadas;
 lápis novo, sem ponta;
 apontador;
 caneta;
 borracha;
 tesoura;
 folhas de papel colorido para dobradura;
 régua;
 marcadores;
 livro ou revista. (VISCA, 2010, p.98)

Conforme Weiss (2012), Visca interessa-se em investigar como o entrevistado opera em


relação a algo. Por isso, ele possibilita que o sujeito construa a entrevista de modo
natural. Cabe ao profissional saber dirigir a entrevista e realizar as devidas observações.

Em todo momento, a intenção é permitir ao sujeito construir a entrevista de maneira


espontânea, porém dirigida de forma experimental. Interessa observar seus
conhecimentos, atitudes, destrezas, mecanismos de defesa, ansiedades, áreas de
expressão de conduta, níveis de operatividade, mobilidade horizontal e vertical, etc.
(WEISS apud VISCA, 2012, p.59)

Para Visca (2010, p. 100), durante a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem


(EOCA), devem ser observados os seguintes aspectos: a temática, a dinâmica e o
produto. A temática está relacionada com a fala do paciente. “A temática consiste em
tudo o que o sujeito diz, a qual terá, como toda conduta humana, um aspecto manifesto
e outro latente (...)” (VISCA, 2010, p.100). Já a dinâmica, Visca (2010, p. 100)
estabelece ligação com o que o paciente faz. “A dinâmica consiste em tudo que o sujeito
faz que não é o estritamente verbal: gestos, tom de voz, postura corporal etc.”. E o
produto é tudo o que o paciente registra no papel. “O produto é o que o sujeito deixa
registrado no papel etc., incluindo também, segundo os casos, a sequência com que foi
sendo produzido.” (VISCA, 2010, p.100)

Para Visca (2010), as primeiras hipóteses, constituídas pelos sintomas e seus


indicadores, são resultantes destes três níveis de observação: temática, dinâmica e
produto. Todo material obtido nesta entrevista deve se submeter a uma análise mais
rigorosa, durante o processo diagnóstico.

Sara Paín (1995) também realiza entrevista com o fim de reconstruir a história de vida
do paciente. Ela sugere que a entrevista ocorra depois de conhecê-lo e que ocorra por
meio de jogos e de provas psicométricas. A “história vital” pode fornecer dados ao
psicopedagogo sobre o problema de aprendizagem apresentado pelo seu paciente.

A ‘história vital’ nos proverá de uma série de dados relativamente objetivos vinculados
às condições atuais do problema, permitindo-nos, simultaneamente, detectar o grau de
individualização que a criança tem com relação à mãe e a conservação de sua história
nela. É interessante notar a estreita relação dos problemas de aprendizagem, definidos,
muitas vezes, como ‘de memória’, com a impossibilidade da mãe para rememorar fatos
e anedotas sobre a criança, que só pode recuperar parte de sua vida através dela. (PAÍN,
1985, p.42)

A mãe, durante entrevista, deve se sentir livre para rememorar dados sobre a vida da
criança. Consoante Paín (1985), no caso de um paciente com queixas de problemas de
aprendizagem devem ser indagadas as seguintes áreas:
 antecedentes natais: pré-natais, perinatais, neonatais.
 doenças: doenças e traumatismos ligados à atividade nervosa superior e outras
doenças.
 desenvolvimento: motor, desenvolvimento de linguagem, de hábitos.
 aprendizagem: sucção, controle de esfíncteres, situações dolorosas, informações
recebidas, experiências escolares.

Fernández (1991) acredita que na anamnese não é necessário realizar um acúmulo de


questões envolvendo as possíveis causas do problema. Para ela, o mais importante é
identificar uma situação e poder analisá-la em função do significado do sintoma. Atesta
Fernández:

A nós, mais que tudo, interessa poder encontrar uma cena, uma situação, e aprofundá-la
fazendo que o importante não seja o dado em si, mas o sentimento e a significação
outorgada ao mesmo. Se se pergunta sobre a latência, por exemplo, o importante não é
se lhe deu o peito e até quando, mas como foi essa primeira relação, esse primeiro
contato, como mamava o bebê, como se sentia a mãe dando de mamar (“O pediatra me
dizia: ‘teu leite é ruim, e minha mãe sempre havia dito que eu não era de bom leite’;
‘Deixei de lhe dar de mamar porque o pediatra me disse que meu leite era ruim’.”).
(FERNÁNDEZ, 1991, p.182)

Fernández (1991) sugere uma maneira de orientação dos fatos, de modo que possa
facilitar a lembrança para os pais: circunstâncias pré-natais, circunstâncias perinatais e
circunstâncias neonatais. Fernández (1991) diz que procura obter dados objetivos
relativos ao problema da criança e que se propõe a compreender a sua história de vida a
partir dos relatos dos pais. Fernández (1991) acredita nas falsas lembranças que são
relatadas, nos esquecimentos encobertos durante o relato.

3.3 - A HORA DO JOGO PSICOPEDAGÓGICO

Alícia Fernández (1991) mostra que a situação lúdica, no momento diagnóstico,


propicia a compreensão dos processos intelectuais e afetivos utilizados pelo paciente e
sua influência no seu modelo de aprendizagem. Como as crianças com problemas de
aprendizagem apresentam dificuldades no jogar, Fernández (1991) considera importante
a intervenção do psicopedagogo de modo que ela ganhe recursos e recupere a rigidez de
modalidades de aprendizagem sintomáticas. A hora do jogo possibilita a compreensão
de alguns processos que originaram a patologia no aprender. Fernández (1991) indica a
hora do jogo para crianças com menos de 9 anos e mais de 3 anos, e utiliza-se também
do enquadre e da observação. Para a autora, a prática do lúdico no DIJAF é oportuna,
pois, no momento em que a família está sendo entrevistada, a criança está brincando
com jogos. Fernández (1991) também destaca que a recuperação do prazer pela
atividade lúdica ocorre com o trabalho psicopedagógico.

Dizemos que o objetivo do trabalho psicopedagógico dirige-se a ajudar a recuperar o


prazer perdido de aprender e a autonomia do exercício da inteligência, esta conquista
vem de mãos dadas com o recuperar o prazer de jogar. Para jogar, necessita-se de um
outro, e um espaço de confiança. (FERNÁNDEZ, 1991, p.166-7)

Conforme Fernández (1991), através da linguagem lúdica, a criança expressa ou oculta


seus medos, problemas, doenças, etc. Na hora do jogo é observada a relação inteligência
– desejo-corpo, entre outros aspectos mais ligados ao caso específico da criança
observada.

A hora de jogo psicopedagógico supera a dicotomia testes projetivos-testes de


inteligência e, principalmente, ajuda a observar, em seu operar, aqueles aspectos que
tradicionalmente foram estudados de forma isolada e somente em seus produtos (através
dos testes de performance, de psicomotricidade, de maturidade visomotora, de
dominância lateral, etc.). A hora de jogo permite observar a dinâmica da aprendizagem.
(FERNÁNDEZ, 1991, p.168)

Fernández (1991) sugere um material predominante não-figurativo. Se a criança tiver


menos de 4 anos, poderão ser inseridas miniaturas de personagens e animais. Ela aponta
como material uma caixa com uma tampa separável guardando elementos com as
seguintes características: elementos para desenhar, para recortar, para escrever.
Elementos que possam servir para uma mesma ação, como: cola, fita adesiva,
percevejos, papéis brancos, cartões, revistas infantis, tesouras, lápis pretos e coloridos,
barbantes, massa de modelar, marcadores, etc. Fernández (1991) assinala que o jogar é
importante como técnica de trabalho e para o desenvolvimento da inteligência da
criança.

O brincar possibilita, segundo Weiss (2012), o desenvolvimento da criatividade e da


personalidade, tanto da criança, como do adulto. Ela valoriza o espaço do brincar
durante o diagnóstico, pois permite ao paciente um movimento em direção à saúde. Para
Weiss (2012), o lúdico propicia a aprendizagem, facilitando a interação com o outro e
com o meio.

No diagnóstico, o uso de situações lúdicas é mais uma possibilidade de se compreender,


basicamente, o funcionamento dos processos cognitivos e afetivo sociais em suas
interferências mútuas, no Modelo de Aprendizagem do paciente. (WEISS, 2012, p.75-
76)

Muitos pontos podem ser observados em uma sessão lúdica, mas o fundamental é
estabelecer a relação entre a aprendizagem e a queixa que está sendo feita. O
psicopedagogo deve estar atento e identificar os comportamentos da criança ao longo da
brincadeira, tendo como foco a queixa.

Durante o jogo, segundo Sara Paín (1985), a criança ativa funções simbólicas sobre
objetos. Inicialmente a linguagem faz referência a objetos ausentes. Depois, a
verbalização amplia o jogo da fantasia.

O exercício de todas as funções semióticas que supõe a atividade lúdica possibilita uma
aprendizagem adequada na medida em que é por meio dela que se constroem os códigos
simbólicos e signálicos e que se processam os paradigmas do conhecimento conceitual,
ao possibilitar-se, por meio da fantasia, o tratamento de cada objeto nas suas múltiplas
circunstâncias possíveis. (PAÍN, 1985, p. 51)

Paín (1985) concebe o jogo de grande valia para o diagnóstico do problema. Aceita o
material não figurativo para a técnica diagnóstica, quando se tratar de diagnosticar
problemas de aprendizagem, pois está interessada nos processos simbólicos utilizados
pelo sujeito. Será utilizada uma caixa com papéis coloridos, cartões, colas, tesouras,
lápis coloridos, tintas, etc.

A hora do jogo pode ser realizada com crianças até os nove anos. A partir dos dez anos,
de acordo com Paín (1985), se oferecer-lhe uma atividade que não está mais em função
de sua idade, pode torná-las tímidas e confusas. Nesta fase, a hora do jogo deve ser
substituída por “motivo da consulta”.

Sara acredita no enquadramento claro da tarefa para a criança, de modo que ela se
mobilize enquanto o profissional a observa. É necessário, então, verificar se a criança
sabe por que está no consultório e a ideia que ela faz sobre o profissional que a está
atendendo. Antes de dar as instruções da atividade, Paín (1985) aconselha dizer à
criança que ela tem um problema relativo ao não aprender, e que o terapeuta irá tentar
ajudá-la em saber por que isso acontece. A partir deste momento, podem ser dadas as
instruções e a caixa aberta com o material dentro.

A caixa deve estar em um lugar cômodo para a manipulação e deve dispor-se de uma
mesa firme e suficientemente grande para o desenvolvimento do jogo. No caso de se
preferir trabalhar sobre um tapete, o psicólogo deverá se colocar no nível da criança, no
chão ou em um banco baixo. (PAÍN, 1985, p. 52)

Sara Paín (1985) chama atenção para os diferentes comportamentos das crianças, com
dificuldades de aprendizagem, diante de jogos. Entretanto, faz questão de ressaltar que,
em todas as manifestações, ocorre a aprendizagem imediata.

Algumas crianças com problemas de aprendizagem não são capazes de fazer a síntese
cognitiva porque destroem o jogo no momento em que está mais organizado, nessa
atitude que Freud chamou “fracasso diante do êxito”, outros não podem fazer a síntese
porque, mergulhados em um tipo de inércia criativa, continuam acumulando
experiências sem deter-se para coordená-las em um objetivo ou projeto comum a todas
elas; nestes comportamentos, há um contínuo desperdício de energia que não rende.
Alguns conseguem o mesmo efeito por meio do comportamento contrário, e
interrompem o jogo quando já está organizado porque resistem a destruir o que fizeram,
mesmo que seja para fazê-lo melhor; uma criança disse “a ponte ficaria melhor aqui mas
tenho pena de desmanchá-la”. Em todos estes casos há aprendizagem imediata,
compreensão correta, mas pouca modificação real. (PAÍN, 1985, p.55)

Enfim, o jogo possibilita ao psicopedagogo a compreensão dos processos intelectuais e


afetivos do paciente, como também o entendimento de processo que se originaram a
patologia no aprender. O desenvolvimento da inteligência e da afetividade, o
desenvolvimento da interação com o outro e com o meio, o desenvolvimento da
criatividade e da personalidade são indicações da importância do jogo para a vida da
criança e do adolescente. No momento do jogo, o paciente é observado em toda ação da
aprendizagem.

3.4 - TESTES E PROVAS

Testes e provas são usados no momento do diagnóstico psicopedagógico. Entretanto,


cabe ao psicopedagogo realizar uma leitura psicopedagógica do paciente ao longo do
processo diagnóstico, não se limitando aos resultados de testagem.
Compatível ao pensamento de Weiss (2012), o diagnóstico não prescinde do uso de
testes e provas. É importante ressaltar que a opção pelo não uso de provas psicométricas
não garante o tratamento do sujeito como objeto, quantificando-o ou rotulando-o. Weiss
(2012) aceita o uso de testes e provas quando pontos não ficaram claros e exigem um
estudo em pouco tempo. Estes instrumentos devem ser selecionados em função da
queixa do paciente e das hipóteses já surgidas nas consultas familiares, na hora do jogo
e em outros momentos. Os testes e provas funcionam apenas como meios auxiliares.
Weiss (2012, p. 105) assinala: “Por ser apenas um meio auxiliar, é fundamental a
observação acurada, a escuta durante o processo de execução e a leitura
psicopedagógica possível de ser feita do produto realizado”.

Weiss (2012) ressalta a necessidade de fazer uma avaliação qualitativa ao longo do


processo de testagem, pois caso contrário o psicopedagogo terá uma visão incompleta
gerada apenas pelos resultados psicométricos de testes. Os dados obtidos precisam ter
utilidade para a solução do problema de aprendizagem. Neste sentido, Weiss (2012)
imagina uma abordagem integradora dos problemas de aprendizagem. Julga que todos
os momentos do diagnóstico devem considerar, de uma maneira integrada, os aspectos
cognitivos, afetivos, corporais e pedagógicos.

Weiss (2012) agrupa os testes e provas em: diagnóstico operatório, testes psicométricos,
técnicas projetivas. Quanto ao diagnóstico operatório, a autora sustenta sua importância,
pois o indivíduo pode não aprender algo que não esteja de acordo com suas estruturas
cognitivas.

As dificuldades escolares podem estar ligadas à ausência de estrutura cognoscitiva


adequada que permita a organização dos estímulos, de modo a possibilitar a aquisição
dos conteúdos programáticos ensinados em sala de aula. (WEISS, 2012, p.106)

No que tange aos testes psicométricos, Weiss (2012) recomenda cuidados por parte do
terapeuta durante a aplicação.

Segundo Sara Paín (1985), as provas projetivas auxiliam no diagnóstico


psicopedagógico, pois permitem a avaliação dos conteúdos manifestados e sua relação
com os sentimentos de agressividade ou medo diante das situações apresentadas. Será
vista o grau de recursos cognitivos que o paciente organiza para expressar suas emoções
e seus afetos, diante do estímulo.

As provas projetivas como seu nome indica, tratam de desvendar quais são as partes do
sujeito depositadas nos objetos que aparecem como suportes da identificação e que
mecanismos atuam diante de uma instrução que obriga o sujeito a representar-se
situações estereotipadas e carregadas emotivamente. (PAÍN, 1985, p.61)

Paín (1985) indica que muitas provas e técnicas fazem uso do desenho da figura
humana. Dentre as inúmeras contribuições que o desenho do próprio corpo possa trazer
ao diagnóstico, ela cita as grafias e os recursos simbólicos utilizados pela criança. Paín
(1985) também se vale de “relatos” como tipo de provas em que o paciente tem que
inventar uma história ou antecipar seu final. Estímulos gráficos ou verbais são
oferecidos ao paciente, sugerindo determinadas relações. A outa prova denominada
desiderativo, Paín (1985) pede ao sujeito que escolha e rejeite três níveis da realidade:
vegetais, animais, objetos. Ele deve transformar-se se em um dos elementos.
Sara Paín (1985) ainda contempla no diagnóstico as provas específicas de lateralidade
(predomínio do olho; predomínio do pé; predomínio da mão) e de lecto-escrita
(reconhecimento de letras e fonemas; origem de palavras; comparação do
aproveitamento na cópia, no ditado, na escrita espontânea e na leitura).

Esclarece Paín (2012, p. 67) o objeto das provas de lecto-escrita: “De lecto-escrita:
interessa determinar que tipo de dificuldade é a que predomina no fracasso da criança na
aquisição da escrita e da leitura”. De acordo com a autora, a análise do caderno
possibilita uma avaliação rápida do problema ortográfico da criança.

Alicia Fernández (1991) elabora reflexões sobre a utilização de técnicas psicométrica


em clínicas, em especial com relação aos transtornos de aprendizagem, questionando
seus princípios ideológicos e seus pressupostos teóricos. Expõe Fernández, em
particular:

Na minha opinião, esta crítica não pode isolar-se da dirigida à implementação dessas
técnicas quando derivam na ‘rotulação’ dos ‘testados’ e se suprime assim a escuta ao
sujeito em atenção à suposta ‘objetividade’ e ‘infalibilidade’ do dado quantitativo em
que o teste, para esta modalidade de uso, conclui.

Tais ‘objetividade’ e ‘infalibilidade’ são inclusive questionáveis desde os fundamentos


originais das provas psicométricas, se levamos em conta, por exemplo, que foram
esboçadas para outro contexto sociocultural, e que, em muitos casos, até se utilizam
para a quantificação dos parâmetros correspondentes àquela população de origem. Além
do mais, não se deveria desconhecer que, pelo modo particular de tratamento estatístico,
as diferentes escalas (de coeficiente intelectual, percentilar...) apresentam, em cada caso,
diferente poder de discriminação, seja para as contagens centrais ou para os extremos da
distribuição. Mas isto não invalida o instrumento, senão que apresenta a necessidade de
conhecer seus limites e avançar em seu ajuste teórico e prático. (FERNÁNDEZ, 1991,
p.191-192)

Em concordância com Fernández (1991), no diagnóstico psicopedagógico, o


profissional deve valorizar a escuta do sujeito, os significados que estabelece em seu
discurso. É um sujeito epistêmico, que interage com o meio construindo o
conhecimento. Entretanto, não utilizar provas psicométricas não significa que esteja
garantida a escuta psicopedagógica. Desse modo, Fernández afirma:

Em síntese, acho que prescindir das provas psicométricas não traz garantias contra o
risco de perder de vista o sujeito para convertê-lo em objeto (de quantificação, de
rotulação, de manipulação). Aquelas provas passam a ser um instrumento, utilizável ou
não, na medida em que possa prestar-nos algum serviço. A escolha de um instrumento
nunca é ascética, com respeito ao marco teórico e ideológico e da habilidade e
adestramento de quem o emprega. Isto vale para qualquer técnica. Que precauções são
necessárias? Em minha opinião há três indispensáveis: explicitar o marco conceitual
quando se recorre a determinado instrumento; justificar o modo de emprego do mesmo
pela coerência com aquele marco e com os objetivos a que servirá; conhecer a
“ferramenta” escolhida. (FERNÁNDEZ, 1991, p.193)

O mais importante para o psicopedagogo é executar uma escuta psicopedagógica e, se


tiver necessidade de verificar uma testagem, procurar analisar a ideologia da mesma,
antes de selecioná-la. O próximo tema a ser apresentado é a entrevista de devolução
diagnóstica, momento de maior aprendizagem para o paciente.

3.5 - DEVOLUÇÃO DIAGNÓSTICA

A devolução diagnóstica está relacionada com o motivo da consulta. Ela tem como
objetivo devolver, dar um retorno, explicar, ao paciente e aos pais, a origem do
problema, os fatores que interferem, por exemplo.

Conforme Sara Paín (1985), o momento mais significativo e de aprendizagem para o


paciente é a entrevista de devolução do diagnóstico. Esta se realiza inicialmente com o
sujeito e depois com os pais (se for uma criança). No momento do contrato, a entrevista
é conjunta. O material de devolução é todo aquele que foi revelado no motivo da
consulta. Declara Paín com relação à função do psicopedagogo:

A tarefa psicopedagógica começa justamente aqui, na medida em que se trata de ensinar


o diagnóstico, no sentido de tomar consciência da situação e de providenciar sua
transformação. Até não ficarem estabelecidos a função do não-aprender, a ideologia que
lhe dá sentido, e os fatores intervenientes que a possibilitam, ao menos explicitamente, e
tudo isto não assumido pelo grupo, bem como as condições do paciente não estiverem
dadas, não será possível realizar um contrato de tratamento. (PAÍN, 1985, p.72)

Fernández (1991) inclui uma devolução para o paciente, uma para os pais e outra para o
grupo familiar. Ela tem o objetivo de devolver ao paciente e aos pais a possibilidade de
pensar e sentir. A família deve compreender, junto com o paciente a sua queixa.
Pretende-se explicar como o problema foi originado, mas verificando se alguém possui
algum sentimento de culpa. Não se pretende modificar os pais. Porém, atingi-los de
maneira afetuosa. Acredita-se que quando o amor começar a se expandir nas relações,
haverá maior circulação de aprendizagem.

A atitude bastante comum de considerar os pais culpados não ajuda, já que eles também
são pessoas que sofrem, e devemos pensar que, ainda antes de ser pais, eles queriam
seus filhos. Em geral, os pais comparecem achando que fracassaram, que não fizeram as
coisas bem, vêm com essa carga e as diferentes defesas contra essa angústia; nós
trataremos de demonstrar que, em algum lugar de seu ser, amam a esse filho.
(FERNÁNDEZ, 1991, p.230)

Como pensa Fernández (1991), o material de devolução é todo aquele expresso nos
motivos da consulta, quando são estabelecidas relações com diferentes momentos
observados ao longo do processo diagnóstico. A autora sugere técnicas dramáticas para
auxiliar na devolução, pois apresentam um rápido efeito terapêutico. Fernández (1991)
expressa seu conceito de devolução:

Se por ‘devolução’ entendemos recuperação do pensar, dos afetos sepultados, circulação


do conhecimento e do saber, reencontro com os aspectos sadios, devolução em um
espelho da identidade do paciente, e não o caracterizamos como entrega diagnóstica
onipotente, podemos continuar usando o termo devolução. Sabendo que o que tentamos
é ajudar a recuperar o prazer esquecido de aprender e viver. (FERNÁNDEZ, 1991,
p.231)
As estratégias anteriormente descritas, auxiliam na investigação da queixa do sujeito e
do seu problema de aprendizagem, possibilitando a realização do diagnóstico e da
entrevista de devolução.

4 - DIAGNÓSTICO: FATORES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO

As dificuldades de aprendizagens não têm uma única causa. Uma série de fatores atuam
no comportamento da criança ou do adolescente e que precisam ser considerados pelo
psicopedagogo no processo diagnóstico.

Sara Paín (1985) afirma, ao analisar os comportamentos dos sujeitos, que o problema de
aprendizagem pode ser considerado como um sintoma e que o não aprender funciona
como um “sinal de descompensação”. Referindo-se aos sintomas próprios dos
problemas de aprendizagem, ela afirma:

Da manipulação casuística da sintomatologia inerente ao déficit de aprendizagem


concluímos que nenhum fator é determinante de seu surgimento, e que ele surge da
fratura contemporânea de uma série de concomitantes. (PAÍN, 1985, p. 28)

Paín (1985) refere-se ao diagnóstico como multifatorial. O psicopedagogo pode ajustar


as hipóteses referentes ao sintoma apresentado pelo sujeito, quando for necessário. Ela
lembra ao profissional a relação entre sintoma e não-aprendizagem, e comenta sobre
suas funções integrativas e positivas.

A hipótese fundamental para avaliar o sintoma que nos ocupa é não considerá-lo como
significante de um significado monolítico e substancial, mas, pelo contrário, entendê-lo
como um estado particular de um sistema que, para equilibrar-se, precisou adotar este
tipo de comportamento, que mereceria um nome positivo, mas que caracterizamos como
não-aprendizagem. Desta forma, a não-aprendizagem não é o contrário de aprender, já
que, como sintoma, está cumprindo uma função positiva tão integrativa como a desta
última, mas com outra disposição dos fatores que intervém. Por exemplo, a maioria das
crianças conserva o carinho dos pais gratificando-os através de sua aprendizagem, mas
há casos nos quais a única maneira de contar com tal carinho é precisamente não
aprender. O diagnóstico do sintoma está constituído pelo significado, ou, o que é a
mesma coisa, pela funcionalidade da carência funcional dentro da estrutura total da
situação pessoal.

Este diagnóstico é sempre uma hipótese, e cada momento da relação com o sujeito
através, tanto do processo diagnóstico como do tratamento, nos permitirá ajustá-la desde
que as transformações obtidas a partir dessa hipótese sejam aplicáveis por ela mesma.
Tratando-se de um diagnóstico multifatorial, determinar-se-á assinalando as articulações
e as compensações mútuas das quais surge o quadro total. (PAÍN, 1985, p.28)

Sara Paín (1985) sinaliza para a importância da investigação de quatro fatores ao longo
do diagnóstico dos problemas de aprendizagem: fatores orgânicos, fatores percepto-
motores, fatores psicógenos e fatores ambientais. Ela dá destaque para os fatores
orgânicos, estabelecendo relação entre o bom funcionamento do corpo e a
aprendizagem.
A origem de toda aprendizagem está nos esquemas de ação desdobrados mediante o
corpo. Para a leitura e a integração da experiência, é fundamental a integridade
anatômica e de funcionamento dos órgãos diretamente comprometidos com a
manipulação do entorno, bem como dos dispositivos que garantem sua coordenação no
sistema nervoso central. (PAÍN, 1985, p.28)

Paín (1985) contempla aspectos orgânicos que são relevantes para a aprendizagem.
Inicialmente, aborda a visão e a audição, lembrando ao psicopedagogo que tais perdas
sensoriais podem levar o paciente a apresentar dificuldades no aprender que merecem
ser investigadas, pois podem ser originárias de um problema de saúde. Quando a perda
sensorial estiver muito instalada, Paín (1985) ressalta que a criança pode tender a isolar-
se ou criar dependências das pessoas pedindo que escrevam para ela, por exemplo. Paín
(1985) comenta, ainda, sobre a importância do sistema endócrino para o
desenvolvimento e para a aprendizagem da criança e do adolescente. Paín (1985) cita,
como exemplo, estados de sonolência e de falta de concentração, que podem ser
explicados por presença de deficiências glandulares. Paín (1985) faz constar nos fatores
orgânicos, os aspectos neurológicos. Estabelece relação entre o sistema nervoso sadio e
o comportamento equilibrado, caracterizado por ritmo e plasticidade. Quando há lesões
ou desordens corticais, ocorrem problemas na aprendizagem, em especial na área
perceptivo-motora e da compreensão da linguagem. Paín (1985) destaca a importância
da alimentação, tanto em quantidade, como em qualidade, para o desenvolvimento da
capacidade de aprender do sujeito. Ainda no sentido de alcançar o mesmo objetivo, a
autora sinaliza o valor das condições de moradia e de conforto para o sono. Quando
ocorrem perturbações de origem orgânica, como as que foram descritas acima, Paín
(1985) elabora uma observação, indicando que o indivíduo, com boa equilibração, cria
novos caminhos que não afetem o seu desenvolvimento cognitivo.

Segundo Paín (1985), fatores específicos são tipos de transtornos no campo percepto-
motor em que não se tem meios de verificar a causa orgânica, embora possa suspeitar da
mesma. Os transtornos que surgem no momento do aparecimento da aprendizagem da
linguagem constituem um exemplo:

Tais transtornos aparecem especialmente no nível da aprendizagem da linguagem, sua


articulação e sua lecto-escrita, e se manifestam em uma série de perturbações, tais como
a alteração da sequência percebida, a impossibilidade de construir imagens claras de
fonemas, sílabas e palavras, a inaptidão gráfica, etc. Encontramos dificuldades especiais
de outra ordem, no nível da análise e da síntese dos símbolos, na aptidão sintática, na
atribuição significativa. Desta forma, certos processos da ordem das afasias podem
apresentar-se sem que possam ser relacionados com qualquer dano cerebral localizado
que justifique a perturbação. (PAÍN, 1985, p.29-30)

A indefinição da lateralidade, oferece explicações para as desordens específicas na


aprendizagem. Paín (1985) acredita que o sujeito destro nas extremidades e olhos
apresenta uma grafia mais harmônica que o canhoto. Enfatiza também que a criança
canhota é obrigada, desde cedo, a uma descodificação, já que tudo no mundo funciona
em função dos destros.

A dislexia também é mencionada por Paín (1985). É uma dificuldade de aprendizagem


que pode ser diagnosticada multifatorialmente, mas possui uma especificidade:
insuficiência na construção de imagens. Paín (1985) assegura que o sucesso do
tratamento psicopedagógico depende da rapidez e da eficácia do diagnóstico e da
estimulação adequada.

Com relação aos fatores psicógenos, Sara Paín (1985) declara que se torna relevante
conhecer todo o processo e não somente o conteúdo sobre o qual está se atuando. Ela
reforça que não se tem como pensar no fator psicógeno, sem analisar os fatores
orgânicos e ambientais que influenciam na aprendizagem do indivíduo:

O fator psicógeno do problema de aprendizagem se confunde então com sua


significação. Entretanto é importante destacar que não é possível assumi-lo sem levar
em consideração as disposições orgânicas e ambientais do sujeito. Desta forma, o não
aprender se constitui como inibição ou como sintoma sempre que se dêem outras
condições que facilitem este caminho. (PAÍN, 1985, p.32)

De acordo com Paín (1985), o fator psicógeno pode ser exemplificado pelo caso de
crianças ou jovem com dificuldades de aplicar regras ortográficas ou de realizar
escolhas entre letras e seus respectivos sons (s / z / x; h / o; x / ch). Existem problemas
de adequação perceptivo-motriz.

Entretanto, geralmente estas crianças cometem mais erros do que os esperados


aleatoriamente, o que indica uma repetição compulsiva do erro, confirmada quase
sempre na articulação que torna significativa a perversão inconsciente da ordem. (PAÍN,
1985, p. 32)

De acordo com Paín (1985), o fator ambiental é definitivo para o diagnóstico do


problema de aprendizagem, enquanto permite compreender sua concordância com a
ideologia e os valores no grupo. Além disso, Paín (1985) procura esclarecer o grau de
consciência e da participação social do paciente.

Não consideramos ‘condição ambiental’ aquela criada por meio da comunicação, ou


melhor, a rede de interrelações familiares, pois estimamos que este fator esteja incluído
na aventura pessoal do paciente e inscrito em sua estrutura.

Aqui nos referimos, por um lado, ao meio ambiente material do sujeito, às


possibilidades reais que o meio lhe fornece, à quantidade, à qualidade, à frequência e à
abundância dos estímulos que constituem seu campo de aprendizagem habitual.
Interessam, neste aspecto, as características de moradia, do bairro, da escola; a
disponibilidade de ter acesso aos lugares de lazer e de esportes, bem como aos diversos
canais de cultura, isto é, os jornais, o rádio, a televisão, etc.; e, finalmente, a abertura
profissional ou vocacional que o meio oferece a cada sujeito.

O fator ambiental é especialmente determinante no diagnóstico do problema de


aprendizagem na medida em que nos permite compreender sua coincidência com a
ideologia e com os valores vigentes no grupo. Não basta situar o paciente em uma classe
social, é necessário, além disso, elucidar qual é seu grau de consciência e participação.
(PAÍN, 1985, p.33)

O fracasso escolar, em especial, os aspectos que podem ser identificados pelo


diagnóstico psicopedagógico, é um tema contemplado por Weiss (2012). Ela acredita
que o fracasso escolar seja causado por um conjunto de fatores interligados. A não-
aprendizagem do aluno na escola é uma das causas do fracasso escolar. Entretanto, esta
é uma questão bem mais ampla e que merece um espaço particular de discussão e de
análise. Então, de maneira focal, Weiss (2012, p. 19) considera o “fracasso escolar
como resposta insuficiente do aluno a uma exigência ou demanda da escola”. Weiss
(2012) propõe a análise do fracasso escolar sob diferentes perspectivas: a da sociedade,
a da escola e a do aluno.

A perspectiva da sociedade é mais abrangente e engloba as outras. Segundo Weiss


(2012, p. 19), o diagnóstico pedagógico aborda “o tipo de cultura, as condições e
relações político-sociais e econômicas vigentes, o tipo de estrutura social, as ideologias
dominantes e as relações explícitas e implícitas desses aspectos com a educação
escolar”.

Com relação à instituição escola, Weiss (2012) lembra que ela não pode ser analisada
isoladamente, pois reflete o sistema socioeconômico em que está inserido e sofre
influência do mesmo. A qualidade da aprendizagem do aluno tem relação com as
oportunidades sociais que ele teve, incluindo a escola que frequentou.

Segundo Weiss (2012), as condições físicas precárias da escola, a falta de material


pedagógico, professores desqualificados e desvalorizados, funcionam como fatores que
comprometerão o ensino e a aprendizagem dos alunos. Não se pode desvincular a baixa
qualidade do ensino do não-aprender.

Ainda de acordo com o pensamento de Weiss (2012), muitas vezes o aluno é


apresentado como desinteressado, com baixo rendimento escolar e assim é encaminhado
a um diagnóstico psicopedagógico. O problema está focado no aluno. É preciso
também, durante o diagnóstico, analisar a escola e suas práticas pedagógicas como: o
trabalho docente, o currículo, o sistema de avaliação. Tais situações podem afetar a
qualidade de ensino e gerar ansiedade no aluno originando dificuldades de
aprendizagem.

Se a escola não mudar, como afirma Weiss (2012), ela continuará discriminando e/ou
rotulando as crianças e jovens que vivem em uma sociedade em que já impera as
linguagens utilizadas pela tecnologia. Crianças e jovens já podem encontrar formas
próprias de buscar o conhecimento, e não vem encontrando motivação no currículo
tradicional escolar. Weiss, no que se refere à escola, faz questão de deixar claro:

Triste é a escola que não acompanha o mundo de hoje, ignorando aquilo que seu aluno
já vivencia fora dela. Transforma aquele que de modo inteligente a questiona e que de
maneira saudável se recusa a buscar um conhecimento parado no tempo num ‘portador
de problema de aprendizagem’. (WEISS, 2012, p. 21)

Já a terceira perspectiva, consoante Weiss (2012), está relacionada ao aluno, às


condições internas de aprendizagem, sua intrassubjetividade. Alunos que são
encaminhados ao diagnóstico psicopedagógico cuja problemática tem causalidade no
paciente, em sua história pessoal e familiar. Weiss (2012) comenta sobre a relação da
ansiedade vivida pelo aluno em situações de aprendizagens e a pressão exercida pela
família ou pela escola.
A ansiedade vivenciada pelo aluno em situações de conhecimento novo, de
conhecimentos que ele acha difíceis e que ‘não dará conta’, de exigência exagerada da
família ou da escola, de se perceber incapaz, do clima negativo formado em sala de
aula, e de outras mais, leva-o a condutas diversificadas que atrapalham o já citado
processo de elaboração do conhecimento. (WEISS, 2012, p. 26)

Algumas condutas do sujeito, para Weiss (2012), podem influenciar apenas a produção
escolar do aluno, em determinada área do conhecimento, em determinado momento de
sua vida, podendo ocasionar o fracasso escolar. Weiss (2012, p. 26) deixa claro que não
se pode “confundir o aluno com dificuldade de aprendizagem com o aluno que aprende,
mas não tem a produção esperada pelo professor ou pela família”. Weiss (2012) dá
exemplos de condutas geradas pela ansiedade: agitação intensa; desatenção; “doenças”
como dores de cabeça e dores de barriga, que só surgem em determinadas aulas,
“branco” na hora de provas ou testes.

Weiss (2012) encara como uma aprendizagem normal quando o sujeito consegue sentir,
agir e se expressar de maneira integrada.

Com relação ao fracasso escolar, além das perspectivas citadas anteriormente por Weiss
(2012), é necessário, na prática diagnóstica, pesquisar alguns aspectos buscando uma
visão integral do sujeito: aspecto orgânicos, cognitivos, emocionais, sociais e
pedagógicos.

Para Weiss (2012), os aspectos orgânicos são relativos ao desenvolvimento


biofisiológico do aprendente que podem influenciar no processo de aprendizagem.
Como exemplo, podem ser citados os diferentes problemas do sistema nervoso que
acarretam problemas escolares como: disfasias, afasias, dislexias, TDA, TDAH.
Crianças com alterações orgânicas podem receber de suas famílias uma educação
diferenciada, o que possibilita o surgimento de problemas emocionais e dificuldades de
aprendizagens.

Weiss (2012) também destaca a influência dos aspectos cognitivos e acredita que o
processo de construção cognitiva ocorre a partir da interação entre o organismo do
sujeito e o meio.

Aspectos cognitivos estariam ligados basicamente ao desenvolvimento e funcionamento


das estruturas cognoscitivas em seus diferentes domínios. Incluir nessa grande área
também aspectos ligados a memória, atenção, antecipação etc., anteriormente grupados
nos chamados fatores intelectuais. (WEISS, 2012, p.28)

Os aspectos emocionais, para Weiss (2012), estão relacionados com o desenvolvimento


afetivo e a construção do conhecimento escolar. O não aprender pode estar envolvido
com problemas emocionais e com aspectos inconscientes do sujeito.

Os aspectos sociais estão associados à perspectiva da sociedade, segundo a análise de


Weiss (2012). Na sociedade, encontram-se a família e a escola. E a partir dessas
instituições sociais que o diagnóstico deve ser elaborado. A problemática das
oportunidades sociais e a formação da ideologia nas diversas classes sociais são pontos
que não devem ser esquecidos.
Os aspectos pedagógicos, conforme Weiss (2012), constituem fatores externos ao objeto
da aprendizagem escolar. Cabe ao psicopedagogo investigar as causas que estão
influenciando para a não-aprendizagem da criança ou do jovem.

Aspectos pedagógicos contribuem muitas vezes para o aparecimento de uma “formação


reativa” aos objetos da aprendizagem escolar. Tal quadro confunde-se, às vezes, com as
dificuldades de aprendizagem originadas na história pessoal e familiar do aluno. Nesse
conjunto de fatores externos, como já vimos, estão incluídas as questões ligadas à
metodologia do ensino, à avaliação, à dosagem de informações, à estruturação de
turmas, à organização geral etc., que, influindo na qualidade do ensino, interferem no
processo ensino-aprendizagem. Ficam reduzidas, assim, as condições externas de acesso
do aluno ao conhecimento via escola. (WEISS, 2012, p.29)

Weiss (2012) ressalta que a aprendizagem é um processo de construção de


conhecimentos em que o sujeito (aprendiz) interage permanentemente com o meio
(família / escola / sociedade). Neste momento em que ele interage, há elaboração de
estruturas de conhecimentos.

(...) um processo de construção que se dá na interação permanente do sujeito com o


meio que o cerca. Meio esse expresso inicialmente pela família, depois pelo acréscimo
da escola, ambos permeados pela sociedade em que estão. Essa construção se dá sob a
forma de estruturas complexas. (WEISS, 2012, p.30)

Fernandez (1991), preocupada com diagnósticos relativos a transtornos de


aprendizagem, conclui que não existe um fator determinante para problemas de
aprendizagem. Deve-se, portanto, pesquisar a relação do sujeito com o saber e o
significado que ele atribui ao aprender. O não aprender também pode ter uma função
positiva para o sujeito, como, por exemplo, chamar atenção da família em casa.

Assim sendo, no processo diagnóstico, é fundamental a análise do sujeito e de sua


família, no sentido de compreender sua história de vida. É importante também verificar
o papel que a família lhe atribui. Como a criança pode não vivenciar o papel desejado
pelos pais, será necessário buscar sua posição frente a tal situação, pois, a
impossibilidade de simbolização, certamente originará em seu organismo uma fratura
ou um sintoma.

Na interpretação do problema de aprendizagem, faz-se necessário observar o processo


cognitivo do paciente, não devendo haver leituras rápidas, a partir de qualquer ligação
entre o simbolizado e o símbolo utilizado pelo mesmo. Enfim, com o objetivo de
entender os transtornos durante o processo de aprendizagem, o psicopedagogo
investigará o significado que o aprender assume para a família e para a criança.

Segundo Alícia Fernández (2001), ensinar e aprender estão intimamente relacionados. O


ensinante entrega algo novo ao aprendente, mas ele, para poder se apropriar deste objeto
de conhecimento, necessita reinventá-lo. Tal atividade pode ser leve, alegre, fácil ou
difícil e complexa, dependendo de como se posiciona o ensinante. Fernández (2001)
afirma que ele garantirá, ou não, o prazer do aprender, investindo também na reflexão
do aprendente. Ensinantes, para Fernández (2001), são pais, irmãos, avós, professores,
colegas de escolas.
Fernández (2001) observa, então, o quanto é importante para o processo de
aprendizagem a oportunidade de interagir com o aprendente, possibilitando o prazer da
autoria. Este relacionamento entre ensinante e aprendente é que favorece a construção
da subjetividade no momento da aprendizagem. Fernández (2001) salienta que o prazer
em aprender não é cultivado pela sociedade atual:

O caráter subjetivo da aprendizagem muitas vezes é esquecido; certos professores e pais


pretendem despertar o desejo de aprender de seus alunos e filhos, apelando para
“estudar é necessário para se obter um bom trabalho”, “para ganhar dinheiro” ou “para
ser reconhecido socialmente”. Assim, desmente-se o que, lamentavelmente, a sociedade
atual oferece e, o que é mais grave, desvirtua-se o ato e o objeto de aprender, deixando
muitas crianças e adolescentes fora da possibilidade de reconhecer seu próprio desejo de
aprender. (FERNÁNDEZ, 2001, p.29)

De acordo com Fernández (2001), os primeiros ensinantes, como pais e professores,


podem produzir ou destruir nas crianças os espaços do conhecimento. Nestes espaços,
torna-se possível a construção do conhecimento, pois lhes é dada a oportunidade de
refletir e de ser autor de sua própria história.

Mais do que ensinar (mostrar) conteúdos de conhecimentos, ser ensinante significa abrir
um espaço para aprender. Espaço objetivo-subjetivo em que se realizam dois trabalhos
simultâneos: a) construção de conhecimentos; b) construção de si mesmo, como sujeito
criativo e pensante. (FERNÁNDEZ, 2001, p.30)

Ainda para Fernández (2001), os processos de aprendizagens são construídos pelo


sujeito, diferentemente de qualquer função orgânica ou instintiva do corpo. O sujeito
que aprende, move-se pelo desejo de apropriar-se do conhecimento, sentindo prazer em
dominá-lo.

Qual é o plus que o aprender outorga? Algo mais profundo, subjetivante (além do
esquecimento do conteúdo aprendido) permanece e transporta-se para todo o acionar do
sujeito aprendente: é o prazer de dominar... a bicicleta, instrumento-lápis-escrita-
conhecimento. Prazer de dirigir, de ter autonomia, prazer de superar os limites de
velocidade que o organismo permite, prazer de transcender o tempo e o espaço. Prazer
de mover-se sobre a terra sem pisá-la. Prazer de apropriar-se de sua autoria produtiva.
(FERNÁNDEZ, 2001, p.31)

Fernández (1991) critica psiquiatras, psicólogos e psicopedagogos que querem atribuir a


causa da enfermidade de um paciente a um ou outro fator. Tal processo superado é
denominado “causalidade linear”. Ela se utiliza, no diagnóstico, do critério de
“causalidade circular ou estrutural”. De acordo com esta metodologia, o profissional
não pode indicar um único fator causador da doença. Fernández (1991), no diagnóstico,
utiliza o critério da causalidade circular ou estrutural. Ela não concebe, por exemplo,
que se atribua somente à família como causa do problema do sujeito. No sentido de
compreender o papel da família na origem do problema de aprendizagem, Fernández
(1991) lembra um modelo criado por Freud:

Através das séries complementares, Freud nos proporciona um modelo excelente para
compreender o lugar da família na gestação do problema de aprendizagem. A
combinação de fatores congênitos, hereditários, junto com as experiências infantis no
ambiente familiar ou social, constituem a chamada série da disposição, a qual, por
influência dos motivos atuais ou desencadeantes, por sua vez condicionador pela
disposição determina o surgimento da enfermidade mental. (FERNÁNDEZ, 1991, p.
96)

Como Fernández (2001) diz, o ensinante deve participar do processo de aprendizagem


do aluno, acolhendo-o em suas dificuldades. Fernández (2001) sugere a
responsabilidade compartilhada entre professores e alunos, evitando a culpabilização do
aluno ou do professor. Ela afirma:

Às vezes, os professores fazem tentativas para que seus alunos aprendam colocando-os
em uma competição. Exigem que seus alunos aprendam em meio a uma corrida, com o
perigo ou de perder, ou de ficar de fora, ou com a obrigação exitosa de chegar primeiro.
Se o pai de Silvina a tivesse ensinado no transcorrer de uma competição ciclística, nada
teria conseguido. A escola, transformada em um campo de treinamento e competição, é
produtora de neurose. (FERNÁNDEZ, 2001, p. 33)

Fernández (2001) menciona que em toda aprendizagem o indivíduo sente temor,


causado pela responsabilidade de ser autor. Ocorrendo o encontro com o novo, o sujeito
necessita explicá-lo e justificar a sua procura.

O desejo de conhecer (a pulsão epistemofílica) supõe o contato com a carência, com a


saída da onipotência. Alguns problemas de aprendizagem têm sua ancoragem em certa
dificuldade para conectar-se com a própria carência, com a fragilidade humana. Uma
sociedade que tende a endeusar crianças e jovens pode provocar problemas de
aprendizagem ao esperar, paradoxalmente, tudo deles, retirando-lhes a responsabilidade
que a autoria supõe. (FERNÁNDEZ, 2001, p.34)

Foi constatada a relevância da investigação dos fatores que influenciam no processo


diagnóstico psicopedagógico. Sara Paín (1985), Alícia Fernández (1991) e Weiss (2012)
classificam de maneira diferente tais fatores. Entretanto, foi visto que é comum, entre
todos os teóricos, conceber a não influência de apenas um único fator determinante para
os problemas de aprendizagem. Todos também admitem que o psicopedagogo não deva
fazer leituras rápidas ao interpretar a situação.

5 - CONCLUSÃO

Inicia-se a conclusão deste trabalho com o destaque para o problema de pesquisa: que
fatores devem ser considerados para a qualidade do diagnóstico psicopedagógico?

Ficou constatado neste estudo que o diagnóstico é um processo e que se constitui em


uma investigação sobre o aprender. Durante o diagnóstico, são levantadas hipóteses
provisórias sobre o problema de aprendizagem, a partir da queixa feita pelo paciente no
sentido de avaliar o significado do sintoma apresentado. Tais hipóteses serão
confirmadas ou não e, neste momento, o psicopedagogo estabelece permanentes
relações entre teoria-prática, assumindo sua postura de investigador e uma atitude de
respeito com o sujeito, o que influenciará positivamente no diagnóstico. Como o
diagnóstico é multifatorial, o psicopedagogo deve regular hipóteses ao sintoma
apresentado pelo paciente, de acordo com o caso. Cabe ressaltar, então, que a
dificuldade de aprendizagem não tem uma única causa, mas variados fatores interferem
no comportamento da criança ou do adolescente.

Deve-se levar em conta, no diagnóstico, a pesquisa dos fatores externos e internos que
influenciam na aprendizagem do aluno. Como fatores externos, são citados, por
exemplo, os aspectos sociais da articulação família e escola. O psicopedagogo deve ser
capaz, durante o diagnóstico, de verificar as oportunidades sociais e o nível de interação
família/escola/meio social. O profissional também precisa estar alerta para as
consequências de um sistema social seletivo e competitivo na vida do aluno. Outro fator
externo que merece análise são as práticas escolares, os currículos, as metodologias e as
avaliações. O fracasso escolher ocorre, muitas vezes, por resposta insuficiente do aluno
à demanda da escola. As metodologias são arcaicas, as avaliações seletivas e punitivas,
as práticas docentes não visam à construção do conhecimento e não colocam o aluno
como o centro do processo do aprender.

No momento diagnóstico, é ainda interessante identificar os ensinantes significativos na


história da vida do paciente, conhecer a relação entre eles e o aprendente, e verificar se
tal relacionamento facilita ou perturba a atividade do aprender. A forma com o aprender
circula no meio em que vive a criança ou o jovem pode ser determinante para sua
dificuldade. Assim sendo, o psicopedagogo não deve deixar de averiguar os fatores
externos, pois a aprendizagem do aluno e seu comportamento, não podem ser vistos
isoladamente. Pode-se dizer que a sensibilidade e a competência do psicopedagogo,
sendo capaz de realizar a escuta clínica e de entender a singularidade do paciente, se
constitui em um fator externo decisivo no sucesso do diagnóstico psicopedagógico.

Fatores internos também necessitam ser examinados no momento diagnóstico. O


psicopedagogo tem a função de identificar se o paciente possui algum problema de
origem orgânica, neurológica, psiquiátrica ou emocional. Tais problemas podem afetar a
aprendizagem do aluno. Neste caso, ele precisa de uma estimulação adequada
propiciada pelo tratamento psicopedagógico. O profissional deve verificar se há
necessidade de encaminhar o paciente a outros profissionais como: psicólogo,
psiquiatra, neurologista, fonoaudiólogo.

Torna-se considerável lembrar que nenhum fator deve se sobrepor a outro ao longo do
diagnóstico psicopedagógico. O diagnóstico de qualidade é resultado de uma análise
cuidadosa, de uma investigação meticulosa sobre o processo de aprendizagem. Faz-se
necessária, então, a escuta clínica, valorizando a forma individual do aprender. Pode-se
afirmar que o bom diagnóstico dependerá da competência e das habilidades do
psicopedagogo de se articular com a família, com a escola e com outros profissionais,
utilizando-se, muitas vezes, de entrevistas. Sua criatividade também é solicitada, por
exemplo, na hora do jogo, pois deve observar o comportamento do paciente, no sentido
de entender o significado do sintoma apresentado. O sujeito com dificuldades de
aprendizagens não exibe confiança em si mesmo ou em sua capacidade de produção.
Então, cabe ao psicopedagogo proporcionar situações que o faça produzir, sendo ativo e
criativo. Ele terá oportunidades de pensar com liberdade, e isto possibilitará o
desenvolvimento de sua autonomia.

É importante destacar que nenhum fator responde por si só a um problema de


aprendizagem, pois o diagnóstico é multifatorial. O diagnóstico psicopedagógico é o
momento de investigação e reflexão a partir de todos os fatores que possam estar
influenciando no processo do aprender. Tais fatores podem estar associados ao
organismo do aprendente (fatores orgânicos, neurológicos, psiquiátricos, emocionais)
e/ou relacionados ao meio social (família, escola, sociedade, experiências vividas,
história de vida). Podem ser classificados como fatores internos e externos,
respectivamente.

O bom diagnóstico dependerá da competência e das habilidades do psicopedagogo de se


articular com a família, com a escola e com outros profissionais, sabendo selecionar
estratégias e técnicas adequadas a cada caso. O psicopedagogo também precisa ter
sensibilidade para realizar a escuta clínica e poder entender a forma individual do
aprender e o significado do sintoma relacionado ao problema de aprendizagem
apresentado. A influência do profissional é um fator externo decisivo para o sucesso do
diagnóstico.

Ainda com o fim de realizar um diagnóstico de boa qualidade, o psicopedagogo


pesquisará fatores externos que possam estar influenciando na aprendizagem do aluno.
O aluno que está aprendendo não pode ser analisado isoladamente. Logo, muitas
variáveis devem ser levadas em consideração quando for estudado algum problema de
aprendizagem. Torna-se de suma importância, por exemplo, o conhecimento da história
de vida do paciente. O psicopedagogo também pode analisar suas relações sociais, seu
relacionamento familiar, suas experiências de vida, a instituição escolar que pertence,
etc.

Na etapa diagnóstica, o psicopedagogo também avaliará fatores internos que possam


estar causando algum problema de origem orgânica, neurológica, psiquiátrica ou
emocional. No que se refere a testes e provas psicométricas, convém optar por um uso
comedido de tais instrumentos, pois eles promovem a criação de rótulos quando
transformam o sujeito em objeto. O objetivo do trabalho psicopedagógico não é
qualificar e rotular um paciente em função do problema de aprendizagem por ele
apresentado. Nos momentos do processo diagnóstico em que o psicopedagogo busca os
dados da história de vida do paciente com o fim de compreender o processo do
aprender, ele pode se utilizar de entrevistas com o próprio paciente, com a família e com
a escola. As atividades lúdicas são primordiais no processo diagnóstico, pois
possibilitam a compreensão dos processos cognitivos, afetivos, sociais e emocionais do
sujeito. O jogo é um procedimento que contempla a saúde do paciente, desenvolvendo o
prazer, a alegria e a autonomia. As inseguranças, os medos, os conflitos também podem
ser constatados em uma situação de brincadeira.

Ao final do diagnóstico, o psicopedagogo deve elaborar a devolução, que consiste em


um relato que é feito aos pais e ao paciente, com o intuito de fazê-los compreender a
queixa. A construção da devolução ocorre ao longo do período do diagnóstico e com o
material expresso nos motivos da consulta. A atitude do psicopedagogo deve ser de
afeto com os pais, levando-os à reflexão. É importante frisar que não cabe ao
profissional culpar os pais ou deixar que eles se sintam culpados pelo problema do filho.
Tal sentimento pode gerar ansiedade, não possibilitando o amadurecimento da família
no diagnóstico.

O primeiro objetivo específico foi atingido, ao constatar que se pode definir o objetivo
do processo diagnóstico como uma investigação sobre o não aprender. Neste processo
de pesquisa relativa ao aprender, o psicopedagogo observa o modelo de aprendizagem
do paciente, compreende sua história de vida, entende suas forma individuais de lidar
com o aprender e cria condições para que ele acolha o tratamento, participe e coopere.

O segundo objetivo específico foi alcançado, visto que a pesquisa forneceu elementos
teóricos que explicassem como ocorre o processo diagnóstico. Este processo pode ser
organizado em momentos, criando uma sequência diagnóstica. No entanto, é
significativo lembrar que as etapas variam conforme a necessidade de cada caso. Esta
sequência é organizada a partir dos primeiros contatos com o paciente. Uma ocasião
marcante do diagnóstico é a entrevista de anamnese, pois nela são colhidos dados
relevantes da história de vida do paciente. Importante observar outro instante deste
processo, a entrevista “motivo da consulta”, quando o psicopedagogo deve relacionar
elementos importantes para a compreensão do problema de aprendizagem. O contrato e
o enquadramento também são fases notórias do processo diagnóstico. É indispensável
que se esclareça as constantes do enquadramento e do contrato, como: o papel do
psicopedagogo, a participação dos pais e de outros membros da família, o contato com
outros profissionais, a comunicação com a escola; a estimativa do número de sessões e
o planejamento do término do tratamento; a definição do horário, dias e a duração das
sessões; o estabelecimento do local; a determinação dos honorários. Durante o processo
diagnóstico, o profissional seleciona estratégias de intervenção que auxiliarão na
investigação da queixa do sujeito, procurando pesquisar o seu problema de
aprendizagem. As mais recomendadas são: entrevistas, hora do jogo, os testes e as
provas projetivas. Ao final do processo diagnóstico, ocorre outro momento de grande
relevância: a entrevista de devolução.

O terceiro objetivo foi consumado, pois foram identificados e descritos os fatores que
influenciam no diagnóstico psicopedagógico de acordo com a abordagem de diversos
autores. Os fatores podem ser classificados em externos e internos. Constituem
exemplos de fatores externos a influência da sociedade, da família, da escola. Ainda no
grupo dos fatores externos, ressalta-se que a qualidade de um diagnóstico depende da
competência, da sensibilidade e da habilidade do psicopedagogo. Já fatores de origem
orgânica, neurológica, psiquiátrica ou emocional são classificados como internos.
Nenhum fator responde por si só o problema da aprendizagem. Sendo assim, o
diagnóstico é multifatorial. Um fator não deve se sobrepor a outro ao longo do processo
diagnóstico.

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Sandra Maria Cavalcanti Rebel

Mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense;


Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense; Pós
graduação lato sensu em Psicopedagogia Clínica Escola Aberta do Brasil;
Pós graduação lato sensu Metodologia do Ensino Superior.

Psicopedagoga Clínica: Escola Aberta do Brasil (ESAB).

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