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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA “LUIZ DE QUEIROZ”


DEPARTAMENTO DE AGROINDÚSTRIA, ALIMENTOS E NUTRIÇÃO

FUNDAMENTOS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA SUCROALCOOLEIRA

Apostila da disciplina LAN 1458 – Açúcar e Álcool

Giovanni Casagrande Silvello


Mariana Costa de Castro
André Ricardo Alcarde

Piracicaba
2020
1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a cana-de-açúcar é importante fator socioeconômico, constituindo-se como


base de três importantes agroindústrias, a do açúcar, a do álcool e a da aguardente.
Sob o ponto de vista industrial, da constituição morfológica da cana de açúcar (rizomas,
raízes, colmo, flores e folhas), apenas o colmo apresenta valor econômico, por ser o local de
armazenamento dos carboidratos de reserva da planta, dos quais o principal é a sacarose. Esses
carboidratos serão fermentados por leveduras para a produção de álcool ou então destinados à
produção de açúcar pela cristalização da sacarose. A aguardente sempre teve sua produção
independente da produção de açúcar e álcool, sendo obtida nos engenhos ou destilarias de
aguardente.
O açúcar representou a primeira grande riqueza agrícola e industrial do Brasil e, durante
muito tempo, foi a base da economia colonial. A cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil em
1516, provavelmente na ilha de Itamaracá, litoral de Pernambuco. Com a criação das capitanias
hereditárias, Pernambuco e São Vicente despontaram na produção açucareira. Durante os séculos
XVI e XVII o Brasil foi o maior produtor de açúcar do mundo. Na época as principais regiões
açucareiras eram Pernambuco, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraíba. Atualmente o Brasil é
o maior produtor mundial de cana-de-açúcar e de açúcar e o segundo maior produtor de etanol,
atrás dos Estados Unidos.
Por ocasião da criação de PROÁLCOOL (Programa Nacional do Álcool) em 1975 em
decorrência da crise mundial do petróleo e a queda do preço internacional do açúcar, devido à
grande oferta mundial do produto, houve grande fomento à produção de álcool a partir da cana-
de-açúcar, sendo responsável por considerável aumento na produção nacional. Até então, o
álcool era apenas um derivado obtido a partir do resíduo da produção de açúcar (melaço) nas
destilarias anexas às usinas.
Na primeira etapa do PROÁLCOOL, foi produzido o álcool anidro para ser misturado à
gasolina; na segunda etapa, iniciou-se também a produção de álcool hidratado, visando a sua
utilização em motores exclusivamente movidos a álcool. Paralelamente a este aumento de
produção, também foi observado o crescimento científico no desenvolvimento de tecnologia
apropriada às nossas condições, atualmente responsável pela manutenção de elevados
rendimentos industriais durante todo o decorrer da safra.
Até 1990, o grande propulsor da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar era a
substituição do petróleo por um combustível alternativo mais barato. A partir de 1990, o grande
motivo incentivador da produção de etanol passou a ser o aspecto ambiental, devido ao álcool ser
um combustível de fonte renovável e menos poluidor. A partir do início do século XXI a
produção nacional de carros Flex deu novo impulso à produção de etanol carburante no Brasil.
Atualmente os carros Flex respondem por 96% dos veículos leves produzidos no Brasil e a frota
de veículos Flex em circulação é de 79%. Da frota restante, 20% são de veículos exclusivos a
etanol.
A cultura da cana-de-açúcar é:
- é uma cultura autossustentável energicamente, pois a energia utilizada para o seu
processamento advém da queima do bagaço nas caldeiras;
- é uma fonte de energia renovável;
- realiza a reciclagem do carbono, com a produção do etanol, contribuindo para diminuição do
Efeito estufa;
- diminui a emissão de gases poluentes (SO2, Pb, CO2, CO), devido a substituição da gasolina
pelo álcool hidratado (que move motores exclusivos à álcool) ou pelo álcool anidro, que é
adicionado de 18 a 27% na gasolina. Atualmente (agosto de 2020) o percentual de etanol anidro
é de 27% para as gasolinas comum e aditivada e de 25% para a gasolina premium.

A produção de cana-de-açúcar e de seus produtos ocupa duas regiões distintas no Brasil:


região Centro-Sul e região Norte-Nordeste (Figura 1). A região Centro-Sul engloba
principalmente os Estados de SP, GO, MG, MS, PR e MT. A região Norte-Nordeste engloba
principalmente os Estados de AL, PE, PB, RN, SE e CE. Devidos a condições climáticas (época
seca do ano), na região Centro-Sul a safra de cana-de-açúcar se estende de abril a novembro. Na
região Norte-Nordeste a safra de cana ocorre entre os meses de dezembro e março.
Atualmente, a região Centro-Sul é responsável por 90-92% da produção nacional de cana
e seus derivados (Tabela 1). O Estado de São Paulo responde por 53% do total de cana colhida,
63% do açúcar e 46% do etanol produzidos no Brasil.

Tabela 1. Produções de cana-de-açúcar e seus produtos na safra 2019/2020 no Brasil.

Safra 2019/2020 (10,2 milhões ha) Brasil Região Centro-Sul


Cana-de-açúcar (milhões t) 643 590
Açúcar (milhões t) 30 27
Álcool anidro (bilhões L) 11 10
Álcool hidratado (bilhões L) 25 23
Álcool total (bilhões L) 36 33
Na safra 2019/2020 o Brasil exportou 19 milhões de toneladas de açúcar (63% da
produção) e 1,9 bilhões de litros de etanol (5% da produção).

Figura 1. Regiões produtoras de cana-de-açúcar no Brasil.


2. FLUXOGRAMAS INDUSTRIAIS

2.1. PRODUÇÃO DE AÇÚCAR DE CANA (Figura 2)

Chegando à usina, os veículos com cana são pesados, são retiradas amostras da carga de
cana para fins de pagamento de cana pela qualidade e é feito o descarregamento da cana nas
mesas laterais para limpeza via úmida (lavagem com água) ou via seca, visando a redução das
impurezas minerais e vegetais que acompanham a matéria-prima. A seguir a cana é desintegrada
pela ação das facas rotativas e dos desfibradores, visando a aumentar a capacidade e extração, e
conduzidas para extração por moagem (compressão) ou difusão (lixiviação). Da extração
resultam o caldo misto e o bagaço. O bagaço é queimado nas caldeiras com a finalidade de gerar
vapor e energia para a usina.
O caldo misto é encaminhado à purificação: peneiragem para separar impurezas
grosseiras (palha, bagacilho, ..), caleagem, sulfitação e aquecimento, visando a provocar uma
mudança de reação do meio e consequente floculação dos colóides. Após o aquecimento, faz-se
a decantação do caldo para precipitar os colóides floculados, visando à separação das impurezas
no resíduo decantado (lodo). O caldo claro segue para a fase de concentração, realizada em duas
etapas: evaporação (concentração até 55-65o Brix) para obtenção do xarope, e posterior
cozimento até estado de supersaturação para cristalização da sacarose. Ao final do cozimento,
tem-se a massa cozida (mistura de cristais de sacarose e mel), que é colocada em um
cristalizador em movimento para completar o crescimento dos cristais.
A seguir a massa cozida é centrifugada, onde se separa o mel dos cristais. O açúcar
resultante (cristal) é encaminhado para secagem, classificação e acondicionamento, e o mel
retorna ao processo para esgotamento da sacarose. O mel esgotado em sacarose, chamado
melaço ou mel final, é encaminhado à destilaria para a produção de etanol.
Por meio do refino do açúcar cristal são produzidos o açúcar refinado e o açúcar refinado
granulado. As etapas da fabricação do açúcar refinado são: dissolução de açúcar cristal e
purificação, evaporação e solidificação, secagem e resfriamento, e peneiramento. As etapas da
fabricação do açúcar refinado granulado são: evaporação e cristalização, centrifugação e
secagem, e peneiramento.

2.2. FLUXOGRAMA DA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL DE CANA (Figura 3)

O caldo misto é obtido da mesma maneira e o seu tratamento de purificação é semelhante


ao de fabricação de açúcar, porém a caleagem é mais branda e não há sulfitação.
Parte do caldo clarificado pode ser concentrado a xarope e armazenado como reserva de
matéria-prima para a fermentação. O caldo diluído, que pode ser enriquecido com melaço ou
xarope, passa a se denominar mosto e é encaminhado às dornas de fermentação. Adiciona-se
fermento (leveduras) nas dornas e se processa a fermentação.
Ao final da fermentação, todo o conteúdo da dorna é centrifugado, separando-se o
fermento (leite de levedura) do vinho (mosto fermentado). O fermento passa por um tratamento
ácido e é reutilizado no processo. O vinho delevedurado é encaminhado à destilação.
A destilação se processa inicialmente na coluna de destilação, de onde se obtém uma
mistura hidroalcoólica impura (flegma) e um resíduo (vinhaça). O flegma é enviado à coluna de
retificação, onde é concentrado e purificado, resultando o álcool hidratado (93,2 o INPM) e um
resíduo (flegmaça).
Para a produção de álcool anidro, utiliza-se uma coluna de desidratação, onde o álcool
hidratado é misturado com ciclohexano, produto que retira a água do álcool retificado, resultando
o álcool anidro (99,3 a 99,9o INPM). Como resíduo tem-se apenas água, pois o ciclohexano é
recuperado e reutilizado no processo.
Recepção da CANA-  Lavagem com  Preparo da cana  Extração do  Bagaço  Caldeira para
DE-AÇÚCAR nas água a pH 9 - com facas caldo por produção de
mesas laterais 11 rotativas e moagem ou vapor e
desintegradores difusão energia

Aquecimento  Caleagem  Sulfitação (SO2),  Caldo misto


a 105o C [Ca(OH) 2], pH 3,8 – 4,6 (pH 5,0 – 5,5)
pH 7,0 – 7,2

Decantação  Caldo  Evaporação em  Xarope  Coziment  Massa cozida


clarificado (13o múltiplo-efeito (60o Brix) o (90o Brix)
Brix)
 

Lodo Cristalização
complementar

 

Filtração  Torta de filtro Classificação e  Resfriamento e  AÇÚCAR  Centrifugação


embalagem secagem BRANCO

  

Caldo filtrado Armazenamento Mel

Figura 2: Fluxograma da produção de açúcar cristal branco.


Xarope ou Fermento
- Caleagem branda mel final (leveduras)
[Ca(OH) 2],
pH 6,0 – 6,5  
- Aquecimento
Extração do caldo  Caldo misto  (103-105o C)  
da CANA-DE- (pH 5,0 – 5,5) - Decantação rápida Mosto Fermentação
AÇÚCAR - Filtração do lodo

Flegma Vinho Vinho bruto


(45 % de álcool)  Destilação  delevedurado  Centrifugação  (vinho + fermento)
(9% de álcool)

  
Vinhaça
Retificação  Flegmaça Leite de  Tratamento ácido com
levedura H2SO4 (pH 2,5 / 2 h)
Óleo de fúsel

ÁLCOOL ÁLCOOL ANIDRO


HIDRATADO  Desidratação  (99,8oGL ou 99,3oINPM)
(96oGL ou 93,8oINPM)

Figura 3: Fluxograma da produção de álcool.


3. A CANA DE AÇÚCAR COMO MATÉRIA-PRIMA PARA A INDÚSTRIA
SUCROALCOOLEIRA

A cana de açúcar, em nosso País, constitui a principal matéria-prima para a indústria


sucroalcooleira, sendo a produção de álcool a partir de outros vegetais, como o milho e a
mandioca, inexpressivos. Os principais motivos pelos quais a se adotou a cana de açúcar para a
produção de açúcar e de álcool no Brasil são:
a) Alta produtividade (cerca de 100 ton.ha -1), que supera com larga vantagem a
produtividade de outras culturas passíveis de serem exploradas, como a do milho (de 2,0 e 10
ton.ha-1);
b) Constituição do caldo, cujo carboidrato de reserva predominante e mais abundante é a
sacarose (cerca de 17% (p.p-1) do caldo), a qual pode ser cristalizada pela evaporação do caldo
no processo de produção de açúcar ou fermentada para a produção de álcool em conjunto com os
demais açúcares prontamente fermentescíveis que a compõem, glicose e frutose principalmente.;
c) Geração de bagaço, que constitui importante fonte de energia, dada pela sua queima
nas caldeiras para a produção de vapor, necessário a várias operações do processo e à produção
de energia elétrica;
d) Clima e solo favoráveis à instalação da cultura, permitindo que a cana vegete durante
os meses de primavera e verão, e passe a acumular sacarose nas estações de outono e inverno;
e) Facilidade de cultivo e de colheita;
f) Tradição na cultura da cana.

A cana-de-açúcar é originária da Nova Guiné, na Oceania, de onde difundiu-se para a


China e Índia. A espécie básica foi a Saccharum spontaneum que, através de hibridação e
poliploidia, originou outras espécies, tais como a S. robustum. A espécie S. officinarum, que
engloba as “canas nobres” ou “canas tropicais”, originou-se da S. robustum.
A cana-de-açúcar é predominantemente cultivada em regiões subtropicais, entre 15 e 35 o
de latitude.
A cana-de-açúcar é normalmente classificada botanicamente através da nomenclatura de
ENGLER (1954). No entanto, atualmente tem sido utilizada também a de CRONQUIST (1981).
Segundo estas nomenclaturas, a cana é assim classificada:

ENGLER CRONQUIST
Divisão Angiospermae Magnoliophyta
Classe Monocotyledoneae Liliopsida
Sub Classe - Commelinidae
Ordem Graminales Cyperales
Família Gramineae Poaceae
Tribo Andropogonae Andropogonae
Sub Tribo Saccharininae Saccharininae
Gênero Saccharum Saccharum

A propagação da cana-de-açúcar é normalmente realizada através de rebolos, que são


pedaços de colmos. Dos primórdios radiculares do rebolo plantado desenvolvem-se as primeiras
raízes, denominadas raízes de fixação. Nos primeiros 30 dias, a planta sobrevive das reservas
nutricionais do rebolo e de água e sais minerais absorvidos pelas raízes de fixação.
Posteriormente, há o desenvolvimento das raízes dos perfilhos que, 3 meses após o plantio, têm
condição de assumir completamente a nutrição da cana-planta, fazendo com que as raízes de
fixação percam sua função.
Os perfilhos apresentam sistema radicular próprio. Após o corte da cana-planta, o sistema
radicular mantém-se em atividade por determinado período de tempo e posteriormente ocorre a
sua substituição pelas raízes da soqueira, também denominadas rizoma. O sistema radicular da
soqueira é mais superficial que o da cana-planta e, igualmente, o sistema radicular da segunda
soqueira é mais superficial que o da primeira, e assim sucessivamente. Assim, quanto maior o
número de cortes, mais superficial fica o sistema radicular das soqueiras e, por conseguinte, pode
ocorrer um adiantamento da maturação da planta e uma redução do crescimento e do acúmulo de
sacarose.
O colmo é constituído de nós e entrenós (internódios, meristalos ou gomos). Em cada nó
existe uma gema, geralmente protegida por escamas. As gemas estão dispostas alternadamente
em torno do colmo.
A casca é formada por várias camadas de células lignificadas, sendo que as células da
epiderme podem conter pigmentos que conferem coloração avermelhada ao colmo de certas
variedades. A polpa interna, mais macia, que envolve os feixes vasculares é composta de células
parenquimatosas, as quais armazenam o caldo que contém a sacarose. As fibras são feixes
fibrovasculares ramificados.

3.1. COMPOSIÇÃO TECNOLÓGICA DA CANA DE AÇÚCAR

A matéria-prima para a indústria sucroalcooleira é caracterizada como sendo colmos de


cana de açúcar em adequado estádio de maturação, pois no colmo são armazenados os
carboidratos de reserva.
A composição química da cana é muito variável, em função das condições climáticas, das
propriedades físicas, químicas e microbiológicas do solo, do tipo de cultivo, da variedade, do
estádio de maturação e da idade, etc. Em média a cana apresenta 74,5% de água, 25% de matéria
orgânica e 0,5% em matéria mineral, com a ressalva de que estes constituintes não se encontram
nas mesmas proporções nas diferentes partes do colmo.
Para o tecnologista, a cana é representada pelo colmo, que é constituído de fibra e caldo
absoluto (Figura 4), o qual possui sacarose dissolvida, que é o açúcar que será cristalizado ou
convertido em álcool pelas leveduras. O colmo é cilíndrico, ereto, fibroso e rico em açúcar, pois
é onde a sacarose se acumula.
A fibra, definida como o conjunto de substâncias insolúveis em água, é constituída
principalmente de celulose, hemicelulose, lignina e pentosanas. O seu teor depende, entre muitos
fatores, da variedade e da idade da planta, variando na faixa de 10 a 16%, com uma média de
13%. O caldo absoluto representa, portanto, de 84 a 90% do colmo, com média de 87%.
O caldo absoluto, definido como uma solução impura e diluída de sacarose, é constituído
de água (75 a 82%, média 80%) e de sólidos solúveis (18 a 25%, média 20%). Os sólidos
solúveis (Brix) são agrupados em açúcares (15,5 a 23,5%, média 18%) e não-açúcares (1,5 a
2,5%, média 2%). Os açúcares são representados principalmente pela sacarose (14,5 a 22%),
glicose (0,3 a 1,1%) e frutose (0,0 a 0,7%). A sacarose (Pol), que é o componente mais
importante, tem um valor médio de 17%, enquanto que os demais, dependendo do estádio de
maturação, 0,7% e 0,3%, respectivamente, para a frutose e glicose. Os não açúcares são
classificados em orgânicos e inorgânicos. Os não-açúcares orgânicos são constituídos de
substâncias nitrogenadas (proteínas, aminoácidos, etc), gorduras, ceras, ácidos (málico,
succínico, aconítico, etc) e pigmentos (clorofila, sacaretina e antocianina). Os não-açúcares
inorgânicos, representados pelos sais minerais, têm como componentes principais: sílica,
potássio, fósforo, cálcio, sódio, magnésio, ferro, cloro, alumínio, enxofre e outros.
A cana pode ainda ser dividida em partes moles (75%) e partes duras (25%). As partes
moles constituem-se de 8% de fibra e 92% de caldo, armazenando 80% do caldo do colmo. As
partes duras constituem-se de 25% de fibra e 75% de caldo, armazenando 20% do caldo do
colmo.

Figura 4. Composição tecnológica do colmo de cana-de-açúcar.

3.2. QUALIDADE DA MATÉRIA-PRIMA

A qualidade da cana para a indústria não deve ser avaliada apenas pelo seu teor de
sacarose, embora seja o parâmetro mais importante. Outros fatores são também importantes para
a indústria. Quanto à fibra, altos teores dificultam a extração do caldo, exigindo um melhor
preparo de cana. Baixos teores de fibra diminuem a quantidade de bagaço, ocasionando um
desequilíbrio térmico da fábrica. No princípio, as variedades de cana eram pobres em fibra,
gerando pouco bagaço, porém, com o melhoramento genético, foram selecionadas canas com
maiores teores de fibra visando a produção de energia.
O florescimento causa o “chochamento” do colmo, resultando em um aumento
proporcional do teor de fibra, diminuindo capacidade de moagem e extração, devido ao maior
volume do material fibroso em processo.
No caldo, cuja composição depende da cana, interessa ao tecnologista o teor de sacarose,
de açúcares redutores e de cinzas. A quantidade de sacarose presente no caldo é fundamental
para um bom processamento e rendimento na indústria. O teor de açúcares redutores (glicose e
frutose) varia de 0,2 a 1,0% na cana madura. Teores mais elevados mostram um estágio de cana
imatura, ou, por outro lado, estágio avançado de deterioração. Os açúcares redutores diminuem a
solubilização da sacarose, facilitando assim a cristalização. Os componentes das cinzas do caldo,
com exceção do fósforo, comportam-se como fatores negativos de recuperação da sacarose,
especialmente no processo de cristalização. Estes componentes também são responsáveis pelas
incrustações nos aparelhos. As substâncias proteicas e gelatinosas aumentam a viscosidade do
caldo, dificultando as etapas do processo de fabricação de açúcar e álcool
Uma vez que o rendimento industrial está diretamente relacionado com o teor de sacarose
da cana, a avaliação do estágio de maturação da cana é a análise mais importante dentre as
operações preliminares da fabricação do açúcar ou do álcool.
O período no qual a cana se encontra em condições adequadas de maturação para o
processamento determina a safra da cana. Com o decorrer dos anos foram sendo selecionadas
variedades visando a ampliação da safra que inicialmente era de 60 dias, e atualmente é de cerca
de 7 meses, de maio a novembro.
Durante o seu ciclo, a cana-de-açúcar atravessa dois períodos distintos com relação ao
teor de sacarose da planta. No primeiro, ocorre intenso crescimento vegetativo acompanhado por
uma gradual formação e acúmulo de sacarose; no segundo, ocorre um predominante acúmulo de
sacarose, motivado pela escassez dos principais fatores de desenvolvimento vegetativo.
Para caracterizar o período em que uma cana pode ser processada, foi estabelecido o
“Período Útil de Industrialização” (PUI). Com base neste critério, estabelece-se o mínimo de
13% para a Pol da cana como sendo satisfatório para a industrialização das diferentes variedades
(Figura 5).
Quanto ao teor de sacarose, as variedades podem ser agrupadas em ricas (Brix > 22),
médias (Brix 18-22) e pobres (Brix < 18). Quanto à época do pico de maturação, as variedades se
classificam em precoces (maio-junho), médias (julho-setembro) e tardias (outubro-dezembro).
Quanto ao PUI podem ser divididas em curto (60 dias), médio (90 dias) e longo (120 dias).
Figura 5. Comportamento das variedades de cana com relação ao Período Útil de
Industrialização (PUI).

Via de regra, observa-se que as variedades precoces atingem a linha de base (Pol = 13%)
logo no início da safra, por volta de abril-maio e a sua riqueza em sacarose continua a crescer até
atingir um máximo em agosto-setembro, para depois iniciar o declínio, demonstrando possuir um
PUI longo, acima de 150 dias. As variedades médias irão alcançar o valor de Pol igual a 13%
somente mais tarde, ao redor do mês de julho, atingindo o máximo de maturação em setembro,
sem, contudo, ultrapassar a curva das precoces, e logo entram em declínio, mostrando PUI de
120 a 150 dias. As canas tardias alcançam o valor mínimo para industrialização por volta de
agosto e setembro. O seu PUI é curto, entre 70 a 120 dias e, de um modo geral, a sua riqueza em
sacarose é inferior ao das variedades precoces, de PUI longo. Desta forma, as variedades tardias
têm um menor interesse industrial.
A associação da broca-da-cana (cupim subterrâneo, larva do lepidóptero Diatreae
saccharalis) com a podridão vermelha, causada pelo fungo Colletotrichum falcatum, ocasiona
quedas na produtividade agrícola e no rendimento industrial, pois são formados ácidos
orgânicos, gomas e toxinas (inibidores de fermentação) na matéria-prima.
A associação broca-podridão causa diminuição da Pol e aumentos de açúcares redutores,
fibras e gomas. As galerias abertas no colmo pela broca são portas de entrada para os
microrganismos deterioradores.
A qualidade da cana industrial também é influenciada pela quantidade de matéria
estranha (impurezas mineral e orgânica) carregada para a indústria juntamente com a cana. A
quantidade de impurezas é afetada pelas condições edafo-climáticas, aumentando em períodos
chuvosos pelas condições deficientes de queima e carregamento.
Devido às impurezas na matéria-prima, a cana inteira deve ser lavada na indústria,
operação que acarreta uma perda de sacarose da ordem de 1 a 2%. Além de afetarem a
quantidade e qualidade da cana, as impurezas causam o desgaste dos equipamentos, prejudicam
o processamento e afetam a qualidade do produto final.
A cana picada não deve ser lavada, pois a perda de sacarose seria muito grande devido ao
aumento da área de exposição de colmo. Este tipo de cana carrega maior quantidade de
impurezas à fábrica, da ordem de 5 a 7%, constituídas por impurezas orgânicas (folhas e palha),
reduzindo a capacidade de moagem e a extração.
A deterioração da cana-de-açúcar pode ser fisiológica, tecnológica ou microbiológica,
sendo esta última é mais importante por ser a que mais problemas ocasiona nos processos de
fabricação de açúcar, álcool e aguardente.

FISIOLÓGICA: a respiração e a transpiração do colmo continuam mesmo após o corte,


ocasionando um aumento no teor de açúcares redutores e uma concentração do caldo em
açúcares devido à perda de umidade do colmo. Este aumento relativo do teor de açúcar da cana
ocorre paralelamente a um aumento relativo também do teor de fibra da cana, o que dificulta a
moagem e provoca uma maior retenção de sacarose no bagaço.
O florescimento também caracteriza uma deterioração fisiológica da cana, pois desvia
açúcar do colmo para a formação da panícula, causando assim o chochamento dos colmos.
O brotamento lateral, causado por morte da gema apical, florescimento, tombamento do
colmo, seca, geada ou doenças, também provoca o desvio de açúcar do colmo, caracterizando
também uma deterioração fisiológica da planta.

TECNOLÓGICA: a senescência de variedades e o período de tempo entre a queima/corte


e a industrialização da matéria-prima podem afetar as características da cana, quanto a teor de
sacarose, teor de açúcares redutores, quantidade de microrganismos deterioradores, etc. A
quantidade de matéria estranha que acompanha a cana também pode ser caracterizada como uma
alteração tecnológica da matéria-prima.

MICROBIOLÓGICA: é decorrente da atividade dos microrganismos que contaminam o


colmo após a queima/corte, resultando no consumo de açúcares e na formação de substâncias
como gomas (dextrana e levanas), ácidos orgânicos (láctico e acético) e toxinas, além da
presença do próprio microrganismo. As gomas, por exemplo, constituem um problema para as
operações de clarificação, cristalização e centrifugação, tendo também uma participação na
qualidade do açúcar durante o armazenamento. Os ácidos orgânicos e toxinas são inibidores do
processo fermentativo. Este tipo de deterioração é consequência principalmente do tempo
decorrido entre a queima/corte e o processamento.
Com relação à cana picada (colhida através de colhedoras combinadas), o processo de
deterioração pode ser agravado devido à maior área de exposição de colmo, que favorece a
contaminação com microrganismos pelo próprio equipamento de colheita e obriga que o
processamento seja efetuado o mais rápido possível após o corte.
4. MATURAÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR

Tendo em vista que o rendimento industrial é função do teor de sacarose da matéria-


prima, a avaliação do estágio de maturação da planta e o processamento de canas em estágio
ideal de maturação resultarão em um maior rendimento industrial.
A maturação é um processo fisiológico da planta, governado por diversos fatores. A
maturação ocorre quando os fatores de crescimento vegetativo, principalmente temperatura,
umidade e fotoperíodo, se tornam limitantes. Assim, a maturação necessita ser avaliada para que
se possa ser aproveitado o máximo do potencial de acúmulo de sacarose das variedades de cana.
Na maturação, a sacarose é produzida através do processo de fotossíntese realizado pelas
folhas e se acumula nos colmos da planta (Figura 6).

Figura 6. Formação da sacarose pela fotossíntese em cana-de-açúcar.

A cana-de-açúcar é uma planta com metabolismo C4, sendo que o primeiro composto
formado na fixação do CO2 durante a fotossíntese é o ácido oxalacético.
As folhas da cana-de-açúcar possuem dois tipos distintos de cloroplastos, os localizados
nas células do mesófilo foliar e os localizados nas células da bainha vascular.
O CO2 fixado nas células do mesófilo, como oxalacetato, é reduzido a malato, que por
sua vez é transportado para as células da bainha do feixe vascular, onde é descarboxilado pela
enzima malato-desidrogenase. O CO2 assim transformado entra no ciclo de Calvin e é convertido
em hexose (glicose e frutose).
A glicose, por ação da hexoquinase, é transformada em glicose-6-fosfato, que por sua vez
é transformada em glicose-1-fosfato pela ação da fosfoglucomutase. A glicose-1-fosfato é então
transformada em UDP-glicose pela uridil transferase. A frutose, pela ação da fosfofrutoquinase,
é transformada em frutose-6-fosfato, a qual reage com a UDP-glicose, na presença de sacarose-
fosfato-sintetase, produzindo sacarose-6-fosfato, que é transformada em sacarose pela ação da
sacarose-fosfatase.
A sacarose se armazena principalmente nos entrenós mais velhos, aumentando, portanto,
em acúmulo, do topo para a base da planta. Com a glicose é o inverso, o seu teor decresce em
direção à base da planta. Atualmente, são utilizados reguladores vegetais e produtos químicos
para o controle do florescimento e da maturação da cana-de-açúcar.

4.1. DETERMINAÇÃO DA MATURAÇÃO DA CANA

Tendo em vista que o rendimento industrial é função do teor de sacarose na matéria-


prima, o processamento efetuado com canas em adiantado estágio de maturação resultará em
maior rendimento. A maturação, sendo um processo fisiológico governado por fatores diversos,
necessita ser controlada para que se aproveite o máximo do potencial de sacarose das variedades
de cana.
Os critérios para a determinação da maturação podem ser empíricos ou técnicos. Os
empíricos são: aparência e a idade do canavial; e os critérios técnicos são: análise de cana no
campo através do refratômetro de campo e análises tecnológicas laboratoriais.

Os critérios empíricos baseiam-se no histórico do canavial (variedade plantada, época de


plantio, tipo de solo etc.). São critérios falhos porque a maturação, sendo uma condição
fisiológica da planta, pode ser afetada por vários fatores, particularmente por umidade e
temperatura, que nem sempre tem distribuição regular nos diversos anos agrícolas.

A análise da cana no campo restringe-se à determinação de Brix do caldo, o qual


expressa a porcentagem em massa de sólidos solúveis. Esta determinação é feita com o auxílio
de um aparelho denominado refratômetro de campo, o qual mede o Brix do caldo em função de
seu índice de refração. Como o teor de sacarose aumenta com o aumento do teor de sólidos
solúveis e dada a correlação existente entre ambos, especialmente em canas maduras, o Brix
refratométrico se apresenta como uma forma simples e correta de determinação do estágio de
maturação da planta.
Esta análise deve ser feita um mês antes da colheita do talhão. Amostras de caldo são
retiradas do meio do gomo central do terço médio da planta e são colocadas no refratômetro de
campo, o qual fornece a leitura do Brix. A amostragem deve ser representativa de todo o talhão e
devem ser tomadas leituras de, no mínimo, 10 pontos. O Brix refratométrico médio do talhão
deve ser maior ou igual a 18% para que este talhão possa ser liberado para as análises
tecnológicas laboratoriais de confirmação da maturação.
No decorrer do processo de maturação, o acúmulo de sacarose se processa da base para a
ponta do colmo de cana. Inicialmente a base possui um teor de sacarose maior, que com o
decorrer do processo de maturação é igualado pelo teor no meio do colmo. No final da
maturação o acúmulo de sólidos na ponta tende a se igualar ao do meio do colmo, entretanto,
neste momento, o teor da base declina, normalmente devido à planta entrar em novo período
vegetativo motivado pelo restabelecimento dos fatores de crescimento. Assim, admite-se que a
cana está madura quando o teor da base e do meio são praticamente iguais e o da ponta é
ligeiramente inferior. Baseado nisso, também pode-se empregar um outro método de avaliação
da maturação, chamado Índice da Maturação (IM). O IM é a relação do Brix da base com o Brix
da ponta do colmo. Quanto mais próxima for esta relação, mais madura está a cana. Assim:

IM = 85 a 100 %  cana madura


IM = 70 a 85 %  cana com média maturidade
IM = 60 a 70 %  cana com baixa maturidade
IM =  60 %  cana verde

Quando o Brix refratométrico médio do talhão for igual ou superior a 18% ou o Índice de
Maturação for maior que 85%, amostras de cana deste talhão são encaminhadas para as
determinações tecnológicas laboratoriais, as quais fornecem dados mais precisos do estágio de
maturação da planta, sendo a rigor uma confirmação dos resultados do refratômetro de campo.
A amostragem de cana, que deve ser representativa do talhão, é feita através da coleta de
10 colmos seguidos na linha de cana, os quais são enfeixados, etiquetados e enviados ao
laboratório logo após serem coletados. Este sistema coleta colmos de diferentes idades (1 o, 2o e
3o perfilhos) e é o sistema que melhor representa o talhão, pois evita a escolha de colmos.
As canas do feixe são desintegradas em forrageira, homogeneizadas, quarteadas e uma
amostra de 500 g é colocada em uma prensa hidráulica onde, sob a ação de uma pressão de 250
Kgf/cm2 durante um minuto, o seu caldo é extraído e, posteriormente, encaminhado às análises
laboratoriais.
No laboratório são realizadas as determinações de Brix através de refratômetro; de Pol
(porcentagem de sacarose aparente, em massa) através de sacarímetro; de açúcares redutores
(expresso em % de açúcar invertido, em massa por volume) através de sacarimetria química
(Método de Lane-Eynon), e é calculada a pureza do caldo, segundo a fórmula:

Pol
P (%)  x100
brix

Os resultados dessas análises indicam o grau de maturação da cana, o qual, juntamente


com características das variedades (Figura 7), governa o corte da cana.

Figura 7. Evolução dos parâmetros tecnológicos da cana ao longo do período de maturação.


5. OPERAÇÕES PRELIMINARES DO PROCESSO INDUSTRIAL

As operações preliminares do processo agroindustrial são aquelas que antecedem a


entrada da matéria prima na indústria, tais como: colheita, carregamento, transporte, pesagem,
amostragem e descarregamento. Tais operações devem constar de um programa de
abastecimento sincronizado com as operações industriais, para que proporcione abastecimento
contínuo de cana para a extração o caldo.
A prática agrícola da despalha manual da cana com o auxílio de um podão, que é uma
operação demorada, de baixo rendimento de corte e de alta demanda de mão-de-obra, somente é
realizada ainda, eventualmente, em pequenas unidades produtoras de aguardente ou para a
formação de mudas.
A prática da queima como operação de despalha foi adotada para melhorar as condições
de trabalho dos cortadores, aumentar o rendimento de corte, diminuir a quantidade de impurezas
vegetais que acompanham a cana enviada à indústria e diminuir a necessidade de mão-de-obra.
Essa prática elimina grande parte das pragas e plantas daninhas do canavial, porém também
elimina parte dos microrganismos do solo, responsáveis pela decomposição da matéria orgânica.
As consequências da queima da cana são:
- devido às perdas de sacarose por exsudação, o corte deve ser obrigatoriamente o mais
rápido possível e a extração do caldo até 24 horas após a queima, para não causar perda
significativa da qualidade.
- impede que a matéria orgânica seja incorporada ao solo, o que melhoraria as características
físicas e químicas do solo;
- quanto ao solo, a queima não causa danos porque a formação da corrente de convecção de ar
de baixo para cima durante a queima impede um maior aquecimento do solo;
- devido à maior quantidade de impureza mineral que é arrastada junto com a cana para a
indústria, o caldo da cana queimada exige maior quantidade de cal na clarificação, produz maior
quantidade de lodo na decantação, produz mais incrustações nos vasos evaporadores e, por serem
incrustações com sílica, são de difícil remoção.
- a cana queimada, devido à perda de umidade, apresenta um maior teor relativo de fibra, o que
dificulta o processo de extração;
- a cana queimada e deixada em pé deteriora-se mais rapidamente que a queimada e cortada
porque a exsudação na cana em pé é maior, aumentando a perda de açúcar e a contaminação
microbiana;
- a queima da cana facilita as operações agrícolas de aração, gradagem e cultivo de soqueiras.
Após a determinação do estágio de maturação da planta, procede-se o corte dos talhões
liberados em função dos níveis de sacarose da cana. A colheita é governada pela capacidade
diária de extração para que não haja falta ou excesso de matéria-prima na indústria, à qual
interessa trabalhar com sua capacidade máxima de extração, com elevada eficiência e com cana
fresca e de melhor qualidade possível. A colheita pode ser manual ou mecânica.
Na colheita manual, o corte deve ser bem próximo da base, evitando-se assim, além da
perda de cana, deixar focos de crescimento de pragas e microrganismos. Além disso, o corte
próximo à base impede que a soqueira se forme a partir de gemas do colmo, o que resultaria em
soqueiras facilmente tombáveis. A soqueira deve se formar a partir de gemas do rizoma.
A colheita mecânica é feita com máquinas que cortam a cana na base e no ápice e, ainda,
em toletes. A cana cortada mecanicamente em toletes deve ser processada rapidamente, pois são
mais susceptíveis à deterioração devido à maior área de exposição. Esta cana não deve ser lavada
porque a perda de sacarose pela área exposta seria muito grande.
A colheita mecânica de cana em toletes (Figura 8) possui as seguintes vantagens:
- a cana não entra em contato com o solo, chegando à indústria mais limpa e com menor carga
microbiana contaminante, dispensando a lavagem;
- melhor aproveitamento da capacidade útil do veículo, pois a carga de cana possui maior
densidade;
- perde-se menos cana no transporte;
- a cana é de melhor qualidade tecnológica, pois está menos deteriorada e com menor
quantidade de impurezas;
- no caso de paradas imprevistas da indústria, não sobra cana queimada no campo;
- se for instalado um sistema de limpeza da cana com grades e ventiladores, arrasta menor
quantidade de impurezas fibrosas a indústria.

O transporte de cana deve prover a demanda diária de trabalho da usina ou destilaria. As


máquinas que efetuam o transporte de cana são muito diversas, em função do tipo e
pavimentação do terreno. O sistema de transporte de cana que predomina no Brasil é por
caminhões, com carroceira dotada de fueiros ou, para o caso das canas em toletes, de telados. Em
condições de terreno acidentado, são utilizadas carretas tracionadas por tratores.
A pesagem de cana nas unidades produtoras tem por objetivos principais o controle da
produtividade agrícola, o pagamento dos fornecedores de cana e o controle do rendimento
industrial. É efetuada por balanças situadas na entrada da indústria, em todos os caminhões que
nela entrarem. Pesa-se o caminhão na entrada e na saída e, por diferença, determina-se a massa
de cana da carga.
Figura 8. Colheitadeira de cana.

Após a pesagem, faz-se a amostragem da cana de cada caminhão para fins de pagamento
da cana entregue. A remuneração da cana entregue nas indústrias atualmente é feita com base na
qualidade da matéria-prima. O descarregamento é feito mecanicamente, através de guindastes e
basculantes.

5.1. PAGAMENTO DA CANA PELA QUALIDADE

Com a liberação dos preços do setor sucroalcooleiro em 1999, foi adotado um sistema
para remunerar a matéria-prima com base no Açúcar Total Recuperável (ATR). A sequência das
etapas do processo de análise de cana, para fins de pagamento baseado no ATR, está mostrada na
Figura 9. Após o caminhão carregado com cana passar pela pesagem na entrada da usina, é feita
uma amostragem da sua carga, que consiste na retirada de 3 amostras em diferentes pontos da
carga do veículo quando se utiliza sonda horizontal. Tais pontos situam-se em 3 diferentes
alturas e 3 diferentes distâncias longitudinais da carga, procurando assim que a amostra seja
representativa da carga de cana. Sondas oblíquas retiram uma única amostra representativa da
carga do caminhão. Em cargas de cana colhida mecanicamente e picada, a amostra pode ser
retirada de um único ponto qualquer da carga.
As amostras retiradas são enviadas ao laboratório para serem analisadas
tecnologicamente. O preparo da amostra retirada consiste na reunião das amostras obtidas em
cada uma das perfurações, se for o caso, com posterior desintegração e homogeneização.
A extração do caldo da amostra é realizada pela prensagem de 500g da amostra, as quais
refletem as condições de operação da moenda. Da extração resultam o caldo extraído e o resíduo
fibroso, denominado bagaço-prensa ou bolo úmido, que é utilizado no cálculo indireto do teor de
fibra da cana. O caldo extraído é enviado às determinações de Brix por refratometria, de Pol por
sacarimetria e de açúcares redutores (AR) por fórmula. Através do teor de fibra e de coeficientes,
os dados de caldo são convertidos em cana. Estas determinações tecnológicas também podem ser
realizadas por Espectrometria de Infravermelho Próximo (NIRS - Near Infra-Red System) após a
definição das curvas de calibração para as condições locais. Este sistema apresenta vantagens
quanto à velocidade de análise, ao número de determinações e à economia de reagentes e mão-
de-obra.

Figura 9. Sequência das etapas do processo de análise de cana para fins de pagamento.

O valor da tonelada de cana é estipulado em função do ATR: ATR (kg/t) = (9,5263 x PC)
+ (9,05 x AR), onde PC = Pol da cana e AR = teor de açúcares redutores da cana.
6. RECEPÇÃO DA CANA

As canas são descarregadas diretamente nas mesas laterais a fim de alimentar o processo.
Estes receptores se destinam a alimentar a esteira principal que conduz aos equipamentos de
preparo e, posteriormente, à moenda ou ao difusor.
A cana-de-açúcar é recebida na indústria nas chamadas mesas laterais (Figura 10),
constituídas de um tablado fixo de chapas de ferro ou de lona de borracha, sustentado por um
pedestal de ferro e com inclinação de 15 a 45o e largura e comprimento de 8 a 10 m.

Figura 10. Guindaste Hilo para descarregamento da cana nas mesas laterais.

A cana não é descarregada diretamente na esteira condutora de cana porque há uma


diferença entre a capacidade de extração e o volume de cana descarregado, portanto, a mesa
lateral faz o sincronismo do processo. Ademais, na mesa lateral é onde se processa a lavagem da
cana.
As canas inteiras que são descarregadas nas mesas laterais para entrarem no
processamento passam inicialmente por uma lavagem com água para eliminar parte das
impurezas minerais e orgânicas grosseiras que ficaram aderidas à superfície dos colmos durante
o corte e o carregamento. Na realidade esta operação é a primeira etapa do processo de preparo
da cana para a extração do seu caldo. A lavagem evita um desgaste excessivo dos equipamentos
e melhora as condições tecnológicas da cana porque remove parte das impurezas, notadamente
as grosseiras.
A lavagem é realizada com água aplicada diretamente nas canas inteiras nas mesas
laterais inclinadas, o que permite maior eficiência do processo e menor consumo de água, pois há
uma melhor distribuição e exposição da cana à água de lavagem. Este processo implica perdas de
açúcar variáveis de 1 a 2%. Por conter açúcar, a água residual da lavagem é altamente poluidora
e deve ser tratada e/ou reciclada. A cana picada não deve ser lavada, pois apresenta maior área
exposta à lixiviação de caldo pela água de lavagem, representando grandes perdas de sacarose.
Canas colhidas mecanicamente normalmente não são lavadas, pois o arraste de açúcar
das partes expostas seria muito elevado. A limpeza da cana crua pode ser realizada por via seca
(Figura 11), que corresponde ao uso de ventilação forçada (exaustores) para eliminação de
impurezas vegetais (palha e folhas) principalmente. A via seca deve ser aplicada na massa de
cana descarregada na mesa lateral quando se observa baixa quantidade de impurezas minerais
(areia e terra), dispensando o uso de água no processo de limpeza, minimizando perdas de açúcar
por lixiviação.

Figura 11. Limpeza da cana via seca.

Das mesas laterais a cana é conduzida para a esteira principal, pela qual, após sofrer
intensa desintegração por aparelhos preparadores, chega ao sistema de extração. A esteira
principal de cana é constituída por partes fixas (colunas, vigas, chapas e trilhos) e por partes
móveis (lonas de borracha, correntes com taliscas e engrenagens), possuindo comprimento de 35
a 40 m. A parte fixa, que tem por função suportar o lençol de borracha ou talisca e o peso da
cana. A parte móvel é constituída pelo tapete rolante, de lona ou com correntes e taliscas de
ferro.
7. PREPARO DA CANA PARA A EXTRAÇÃO DO CALDO

O preparo da cana-de-açúcar objetiva o aumento da capacidade e da eficiência de


extração do caldo da cana, através:

- da destruição da resistência das partes duras (casca e nós), exigindo menor pressão das
moendas para a extração desejada e, consequentemente, menor desgaste;
- do rompimento dos vasos celulares, para uma maior exposição das células parenquimatosas à
ação das moendas ou dos difusores (índice de open-cell);
- da produção de uma massa fibrosa, densa e homogênea, diminuindo espaços vazios nas
esteiras e no colchão de cana desfibrada, aumentando assim a capacidade de extração.

Com a utilização das facas rotativas e dos desfibradores (Figura 12), tem-se as seguintes
consequências do preparo da cana para extração:

a) aumento da eficiência das moendas (Tabela 2):


- capacidade: 10 a 30% a mais na massa de cana moída em toneladas por hora
- extração: 0,5 a 10% a mais na porcentagem de Pol extraída em relação à Pol da cana
b) aumento da densidade do colchão de cana (de 150-180 kg/m3 para 350 kg/m3), o que
representa aumento da capacidade pela diminuição de espaços vazios no colchão de cana
desfibrada.
c) permite a utilização de menores pressões hidráulicas na moenda, uma vez que o caldo está
exposto pelo rompimento das células. Assim, o desgaste do equipamento é menor.
d) contribui para uma melhor homogeneização do colchão de cana.
e) ocasiona a melhoria das condições absortivas do bagaço em função da diminuição do tamanho
das fibras e, consequentemente, do aumento da superfície de absorção, melhorando o processo
de embebição durante a moagem.
f) permite um menor desgaste das moendas.
g) permite aumentar a velocidade das moendas.
h) uniformiza o teor de fibra no colchão de cana preparada para extração.
i) melhora a extração por difusão.
j) regulariza a alimentação da moenda.
k) consome menos energia na extração.
l) aumenta o rendimento da usina, pois aumenta extração e capacidade.
Tabela 2: Ganho em capacidade e extração com a utilização das facas rotativas e dos
desfibradores no preparo da cana para moagem.
Aumento de Capacidade Aumento de Extração
Facas rotativas 10 a 25 % 0,5 a 5 %
Facas + desfibrador 25 a 30 % 5 a 10 %

Figura 12. Sistema de preparo da cana para extração.

As facas rotativas começaram a ser usadas em 1854. É o meio mais econômico de se


preparar a cana, pois são mais baratas que os desfibradores. O preparo da cana pelas facas
rotativas influi mais em capacidade que em extração. As facas rotativas podem ser acionadas por
motores a vapor, turbina a vapor, ou motores elétricos. Como manutenção das facas, na entre-
safra todo o conjunto é desmontado e revisado. As facas ainda boas podem ser reutilizadas após
recuperação com eletrodo de enchimento e eletrodo duro de revestimento.
O conjunto de facas niveladoras tem por função regularizar e uniformizar o fluxo da
carga de cana que cai desordenadamente na esteira, composto por um menor número de facas, as
quais ficam com suas pontas mais distantes do fundo da esteira, cortando a cana em pedaços
menores. O conjunto de facas cortadoras (Figura 13) têm a função de cortar com mais
intensidade os toletes de cana, transformando aquela massa grosseira em uma camada densa e
uniforme de pequenos pedaços da matéria-prima. As facas cortadoras estão presentes em maior
número e apresentam a ponta mais próxima do fundo da esteira.
Durante a safra, nas paradas pré-determinadas, verifica-se as facas e a manutenção
adequada é aplicada (viragem ou substituição). Quanto maior o teor de impureza da cana, maior
o desgaste das facas. No caso de cana bem lavada, as facas trabalham apresentam durabilidade
aproximadamente duas vezes maior que cana mal lavada.

Figura 13. Eixo central com conjuntos de facas cortadoras.

Os desfibradores utilizam martelos ao invés de facas, o que aumenta a eficiência de


rompimento das células (Figura 14). Um conjunto desfibrador eleva a eficiência de extração em
cerca de 5%, o que equivale a um terno de moenda a mais. Estes equipamentos são compostos de
um rotor central, constituído de eixo de aço, suportes e martelos, de um tambor alimentador e de
uma placa desfibradora.
O conjunto desfibrador é assentado na parte inclinada do esteirão, após o jogo de facas
rotativas. Este equipamento promove o rompimento das células, conseguindo até 94% de células
abertas, expondo assim o caldo à extração, por estar agora apenas adsorvido às fibras e não mais
encerrado dentro das células de armazenamento do parênquima. A eficiência do desfibrador é
mais importante no processo de extração por difusão do que por moagem.
Figura 14. Desfibrador de cana.
8. EXTRAÇÃO DO CALDO POR MOAGEM

A extração consiste no processo físico de obtenção do caldo separado da fibra da cana


(bagaço), sendo efetuado basicamente por dois tipos de processo: moagem ou difusão. Na
extração por moagem, a separação é feita por pressão mecânica dos rolos da moenda sobre o
colchão de cana desfibrada e na difusão, pela movimentação da sacarose de uma área de maior
para uma área de menor concentração.
As moendas são constituídas de 3 cilindros (Figura 15) posicionados de forma triangular
(triângulo escaleno). Os cilindros inferiores são fixos em suas posições, enquanto que o superior
trabalha sob o controle de uma pressão hidráulica. O conjunto de ternos recebe o nome de
tandem de moagem de 4, 5 ou 6 ternos (Figura 16). As dimensões das moendas são
caracterizadas por diâmetro e por comprimento dos rolos. Assim, uma moenda 24x48” possui
rolos de 24” de diâmetro e 48” de comprimento.

Figura 15. Cilindros de uma moenda de cana.

Figura 16. Tandem de moagem, com esteiras intermediárias de bagaço.


A cana-de-açúcar intensamente picada e desfibrada, chega às moendas por meio de um
alimentador vertical, chamado Chut-Donelly (Figura 17) que corresponde a uma barreira física
que impede que a cana desfibrada sobreponha o rolo superior da moenda e permite melhoria da
embebição nas esteiras intermediárias, e passa por um rolo de pressão, chamado press-roller,
cuja finalidade é a de manter constante o fluxo de alimentação do terno de moenda.

Figura 17. Alimentação da moenda pelo Chut-Donelly.

A cana desfibrada chega à primeira moenda, recebendo uma primeira compressão entre o
cilindro anterior e superior e uma segunda compressão entre o cilindro posterior e o superior.
Tem-se, assim, o caldo conhecido como “primário”, que é aquele que sai da primeira moenda e
não recebe embebição, e que deve corresponder a cerca de 70% de todo caldo extraído pelo
conjunto de moagem para uma boa eficiência do processo. O bagaço resultante da primeira
moagem segue pela esteira intermediária, onde passa pelo processo de embebição (Figura 18),
que corresponde à adição de água ou caldo diluído visando a uma maior extração do caldo
residual, e é direcionado para o 2º terno de moagem, recebendo novamente as duas pressões,
como mencionado anteriormente. Os esmagamentos se sucedem para os ternos seguintes. O
bagaço final, que possui uma umidade em torno de 50%, segue para as caldeiras de produção de
vapor que será utilizado nas etapas do processamento e no acionamento das próprias moendas.
A partir do segundo terno, o teor relativo de fibra da cana aumenta devido ao caldo
extraído no primeiro terno. Assim, a embebição permite aumentar a umidade do bagaço entre os
ternos, possibilitando que com a pressão das moendas, mais caldo possa ser extraído. Como um
aumento de 1% no teor de fibra da cana acarreta uma diminuição de cerca de 1,5% na extração,
se não houvesse a embebição, extrair-se-ia no máximo 90% do caldo da cana, pois o bagaço,
passando de uma moenda para a outra, tem o seu teor de fibra aumentado e, consequentemente, a
extração diminuída. Com a embebição chega-se a 94-96% de extração.

Figura 18. Sistema de embebição composta no bagaço entre os ternos de moenda.

As esteiras condutoras de bagaço têm a finalidade de conduzir o bagaço final às caldeiras.


São normalmente esteiras de lona de borracha ou esteira raspadora tipo rastelo. Estas esteiras
possuem inicialmente uma parte inclinada que recebe o bagaço para ser peneirado objetivando a
obtenção do bagacinho, que é o elemento filtrante da operação de filtração do lodo resultante do
processo de decantação do caldo. Uma parte final, horizontal, libera o bagaço nas caldeiras.
Turbinas a vapor é o sistema mais usual para o acionamento das moendas, necessitando
serem acopladas a redutores de velocidade para movimentarem o rolo superior a uma velocidade
de 5 a 7 rpm. O rolo superior flutua e emprega uma pressão de trabalho ditada pelos reguladores
hidráulicos ou aero hidráulicos.
A eficiência de um terno de moenda pode ser medida por dois parâmetros: capacidade e
eficiência de extração. Entende-se por capacidade de um terno de moagem a quantidade de cana
moída por unidade de tempo. Ela pode ser expressa em TCH (tonelada de cana por hora) ou TFH
(tonelada de fibra por hora). Entende-se por eficiência de extração, a quantidade de sacarose
extraída da cana pelas moendas. Normalmente utiliza-se a relação entre sacarose extraída no
caldo misto e sacarose da cana:
Pol (caldo) xmassa (caldo)
Ef (%)  x100
Pol (cana ) xmassa (cana )
9. EXTRAÇÃO DO CALDO POR DIFUSÃO

Mesmo utilizando todos os artifícios técnicos e econômicos disponíveis (melhor preparo


da cana, maior número de ternos, melhor embebição, maior pressão nos cilindros), o grau de
extração do caldo da cana por moendas tem um limite superior em torno de 96%.
Difusão é definida como o fenômeno pelo qual duas soluções de diferentes
concentrações, separadas por uma membrana permeável ou porosa, depois de algum tempo se
misturam e adquirem a mesma concentração. As células do parênquima da cana postas em
contato com a água funcionam como paredes semipermeáveis e a sacarose, nelas contida, é
extraída por um processo que consiste, basicamente, no escoamento de um fluído (água e caldo
diluído) através de um leito poroso de cana desfibrada.
Esta extração sólido-líquido ocorre de duas maneiras diferentes: a maior parte do caldo é
extraída por meio de um processo de lavagem, tecnicamente chamado de lixiviação; e a parte
restante do caldo, contida nem células não fragmentadas e em pequenos capilares no interior das
partículas, é extraída por meio de um processo de troca físico-química causada por pressão
osmótica e difusão molecular entre o caldo dentro das células e o líquido de extração. Portanto, a
extração do caldo da cana pelos difusores é realizada pelo efeito combinado da osmose e da
lixiviação, embora a participação da osmose seja considerada pequena e restrita aos tecidos
fechados.
O processo de difusão consiste, então, em conduzir a cana em aparelhos, conhecidos
como difusores, a fim de que a sacarose adsorvida ao material fibroso seja diluída e removida
por lixiviação ou lavagem num processo contracorrente, que favorece a passagem do soluto
(sacarose) de uma região de maior para outra de menor concentração (Figura 19).
A fim de reduzir a quantidade de água quente necessária, procede-se uma operação de
retorno. Assim, ao final da operação, quando o bagaço se apresenta exaurido ao máximo, faz-se a
lavagem com água. O líquido obtido desta lavagem, contendo alguma sacarose que se conseguiu
extrair do bagaço, é usado na lavagem do bagaço anterior, que é um pouco mais rico em sacarose
e, assim, sucessivamente. Esse retorno pode ser efetuado de 5 a 20 vezes, dependendo do grau de
esgotamento desejado.
Com a utilização dos difusores, obtém-se uma eficiência de extração da ordem de 98%,
contra os 94% conseguidos com a extração por moendas. O difusor opera com água e caldo
extraído na temperatura de 70-75oC, o que aumenta a velocidade de difusão e auxilia na
diminuição do número de microrganismos contaminantes. Uma caleagem deve ser efetuada
juntamente com a difusão, o que aumenta o pH do caldo para 6,0-6,5 e, consequentemente,
diminui a sua agressividade sobre os equipamentos e evita a inversão da sacarose, a qual se
processa somente em pH ácido.

Figura 19. Difusor de cana.

Vantagens do difusor são:


- baixo custo de manutenção (57 % do custo de manutenção de moendas);
- obtenção de um bagaço com Pol entre 1 a 2%;
- baixo consumo de energia (45 % da energia consumida pela moagem), sobrando vapor para a
produção de energia elétrica;
- obtenção de caldos mais puros e claros, pois o colchão de cana funciona como um elemento
filtrante;
- menor desgaste;
- menor custo de instalação (70 % do custo de instalação de moendas);
- processo automatizado, com menor necessidade de mão-de-obra;
- mais fácil de se trabalhar com cana colhida mecanicamente;
- caldo extraído de maior pureza.
10. PURIFICAÇÃO DO CALDO DE CANA: PENEIRAGEM E CLARIFICAÇÃO

O caldo misto é uma solução diluída de sacarose que contém impurezas dissolvidas e em
suspensão, representadas pelas impurezas sólidas (resíduos finos de bagaço) e impurezas
coloidais (sais minerais e não açúcares orgânicos, como proteínas, ceras, etc.). O objetivo da
purificação é obter um líquido claro e límpido, por meio da eliminação das impurezas em
suspensão, dos sais solubilizados e das substâncias solúveis de origem orgânica, sem, no entanto,
afetar o teor de sacarose e dos açúcares redutores.
A purificação do caldo consta de duas operações: peneiragem e clarificação. A primeira
visa retirar as impurezas grosseiras do caldo e a segunda, especialmente a eliminação das
impurezas coloidais. A clarificação engloba as operações de sulfitação, caleagem, aquecimento e
decantação do caldo, e filtração do lodo decantado. A intensidade da clarificação depende do
produto final a ser produzido (açúcar branco, açúcar bruto - VHP ou álcool).
O princípio empregado na clarificação do caldo em processamento fundamenta-se na
coagulação máxima de seus coloides e na formação de um precipitado insolúvel que adsorva e
arraste, por decantação, as impurezas responsáveis pela sua natureza turva e opalescente. A
clarificação considera dois pontos importantes: a mudança de reação do meio, visando
coagulação; e a temperatura, visando floculação.

10.1. PENEIRAGEM

O caldo misto extraído pelas moendas, possuindo entre 13 e 16o Brix, começa a ser
purificado já na saída da moenda, por meio de uma peneiragem, em equipamento denominado
Cush-Cush, que tem a finalidade de remover as impurezas mais grosseiras contidas no caldo,
como pedaços de cana e bagaço. O material retido nesta peneira retorna à extração.
Em seguida, o caldo é enviado por bombas até as peneiras rotativas, vibratórias ou
estáticas (DMS), de malhas mais finas, com a finalidade de remover as impurezas grosseiras que
passaram pela primeira peneiragem, como por exemplo bagacilho. O caldo misto peneirado
segue para os outros tratamentos do processo de clarificação.
O bagacilho, se não retirado do processo, pode causar entupimento de canalizações,
bombas e registros, além de prejudicar a qualidade final do açúcar, por causar problemas na
cristalização.
10.2. CLARIFICAÇÃO

No Brasil são utilizados dois processos de clarificação do caldo, segundo o tipo de açúcar
que se deseja produzir: a defecação simples e a sulfo-defecação. A defecação simples é utilizada
na produção de açúcar demerara (bruto) e na produção do açúcar VHP (“Very High Polarization"
- açúcar de polarização muito alta). A sulfo-defecação é utilizada na fabricação de açúcar cristal
branco.

10.2.1. Defecação simples ou caleagem

Este processo é usado para a obtenção do açúcar cristal bruto (VHP). O método baseia-se
no emprego do hidróxido de cálcio [Ca(OH) 2], chamado de leite de cal [CaO + H2O 
Ca(OH)2,] visando à mudança da reação do meio (pH passando de 5,2 para 7,5-8,3), com
posterior aquecimento. O íon de cálcio (Ca2+) reage com os compostos fosfatados do caldo
produzindo o fosfato de cálcio, que é o agente agregador e precipitador das impurezas coloidais
do caldo. Assim, com a adição do hidróxido de cálcio e com o aquecimento ocorre a floculação
dos coloides, os quais se adsorvem ao fosfato de cálcio, precipitam e são retirados do processo.
A seguir, o caldo caleado é enviado aos aquecedores, onde atingirá temperatura de 103-105ºC.

Esquema do processo de caleagem:

caldo misto ( pH 4,8 a 5,3)



peneiragem

caleagem [Ca (OH)2] ( pH 7,2 a 8,2)

aquecimento (103-105º C)

decantação
 
borra ou lodo caldo clarificado (pH 6,9 a 7,6)
 
filtração EVAPORAÇÃO
 
caldo turvo caldo claro
10.2.2. Sulfo-defecação

Este processo baseia-se na utilização do enxofre na forma de anidrido sulfuroso (gás SO 2)


como elemento acidificante, e da cal na forma de leite de cal (cal hidratada Ca(OH) 2) como
agente de neutralização da reação do meio, visando a produção do açúcar cristal branco.
A clarificação pela sulfitação baseia-se na formação do sulfito de cálcio, que é um sal
pouco solúvel, que se precipita e arrasta consigo o material coloidal adsorvido.
O anidrido sulfuroso (gás SO2) exerce as seguintes influências sobre o caldo:

- ação precipitante (purificante): abaixamento do pH do caldo, favorecendo a coagulação e a


floculação das impurezas; e formação de sulfito de cálcio, favorecendo a precipitação;
- fluidificante: elimina coloides e substâncias viscosas, diminuindo a viscosidade do caldo, o
que facilita a decantação e as etapas de cozimento e cristalização da sacarose;
- descorante: o abaixamento do pH causa a redução dos sais férricos para sais ferrosos;
- preservativa: devido à ação antisséptica do SO2;
- inversiva: o pH baixo pode induzir a inversão de sacarose, o que é indesejável na fabricação
de açúcar;

O processo de sulfo-defecação consiste na passagem contínua do caldo misto peneirado


por uma coluna cilíndrica, em sentido contracorrente com o gás SO2, conferindo ao caldo um pH
entre 3,8 a 4,3. O caldo sulfitado é enviado aos tanques de caleagem, onde recebe o leite de cal,
elevando o seu pH para 7,2 a 8,2, da mesma forma como descrito no processo de defecação
simples.
A obtenção do gás sulfuroso nas usinas é feita pela combustão do enxofre na presença do
ar em fornos queimadores rotativos, constituídos de um tambor rotativo, da câmara de
combustão e de um refrigerador (Figura 20).
Na parte superior da coluna entra o caldo peneirado, que desce pela coluna, encontrando
bandejas que o turbilhonam e aumentam a interação caldo/SO 2. A sulfitação assim ocorre,
diminuindo o pH do caldo de 4,8–5,3 para 3,8–4,3. Na parte inferior da coluna de sulfitação sai o
caldo sulfitado, que é enviado à caleagem. O gás SO2 entra pela base da coluna e é retirado no
topo.
Figura 20. Conjunto de sulfitação do caldo peneirado: forno rotativo e coluna de sulfitação.

Esquema do processo de sulfo-defecação:

caldo misto ( pH 4,8 a 5,3)



peneiragem

sulfitação [SO2] ( pH 3,8 a 4,3)

caleagem [Ca (OH)2] ( pH 7,2 a 8,2)

aquecimento (103-105º C)

decantação
 
borra ou lodo caldo clarificado (pH 6,9 a 7,6)
 
filtração EVAPORAÇÃO
 
caldo turvo caldo claro
10.2.3. Aquecimento do caldo

A operação de aquecimento consiste em elevar a temperatura do caldo a 103-105ºC, a


fim de acelerar a floculação dos seus coloides devido ao aumento do movimento browniano das
partículas. Portanto, o calor é um fator complementar da operação de clarificação do caldo, após
o tratamento químico (SO2 + CaO). Temperaturas mais altas de aquecimento não devem ser
utilizadas porque aumentam a turbidez do caldo devido à emulsão de ceras.
O aquecimento, além de catalisar a floculação, também visa a:

- desnaturar proteínas, expondo suas cargas negativas;


- expulsar gases dissolvidos;
- diminuir a viscosidade do meio, aumentando assim a velocidade de decantação;
- eliminar parte dos microrganismos contaminantes.

O efeito do tamanho do floco e da viscosidade do caldo na velocidade de decantação


(sedimentação) pode ser observado pela Lei de Stokes:

 2 x(  s   c )
Vs  xg
18 c

Onde: Vs = velocidade de sedimentação;


 = diâmetro da partícula;
s e c = peso específico da partícula e do meio, respectivamente;
c = viscosidade do meio;
g = aceleração da gravidade.

10.2.4. Decantação do caldo

Após sofrer os tratamentos químico e térmico, o caldo de cana é deixado em repouso por
certo tempo, para se realizar a remoção das impurezas por coagulação, floculação e posterior
sedimentação das mais densas e flotação das menos densas que o caldo.
O objetivo da decantação é permitir a separação gravimétrica dos coloides, os quais
separam-se em 3 fases:
- fase superior: compreende as impurezas menos densas que o caldo, as quais sofrem flotação;
- fase intermediária: é o caldo clarificado;
- fase inferior: compreende as impurezas mais densas que o caldo, que sofrem decantação.

O decantador (Figura 21) é dividido em compartimentos para aumentar a superfície de


decantação. O decantador DORR é o mais usual e se constitui de um corpo cilíndrico com teto e
fundo cônicos, com bandejas internas também cônicas anguladas em 16o e sobrepostas. O caldo
tratado e aquecido (103-105ºC) é enviado sob pressão ao decantador, passando antes pelo balão
de “flash”. No balão de “flash” ocorre uma expansão à pressão atmosférica (auto-ebulição), o
que provoca a liberação de gases presentes no caldo e a diminuição da sua velocidade e da sua
temperatura. Do balão de “flash” o caldo flui lentamente para o decantador, entrando através de
uma tubulação na câmara de coagulação.

Figura 21. Decantador de caldo tratado.

As impurezas, que apresentam menor densidade que o caldo, sobrenadam e são


conduzidas pelos raspadores horizontais até a calha de descarga e depois para a caixa de borras.
As impurezas de maior densidade depositam-se sobre as bandejas, sendo retiradas pelos
raspadores. As borras, que são mais densas que o caldo, descem pelo canal central e depositam-
se na câmara de borras, sendo bombeadas ou conduzidas por vasos comunicantes até a caixa de
borras, onde reúnem-se com as de menor densidade já separadas e são enviadas ao depósito. As
borras arrastam volume de caldo bruto, que será posteriormente removido por filtração à vácuo.
O caldo claro decantado sai logo abaixo de cada bandeja e vai para a caixa de prova,
também pelo princípio de vasos comunicantes. Este sistema de decantação contínua permite que
se tenha o controle de entrada do caldo, saída de caldo clarificado e de borras.
A Figura 22 ilustra o processo completo de purificação do caldo para produção de açúcar
cristal branco.

Figura 22. Esquema geral do tratamento de caldo misto para produção de açúcar cristal branco.

10.2.5. Filtração do lodo (borras)

A operação de filtração do lodo visa recuperar o caldo arrastado junto com as borras, que
encerram de 10 a 15% de caldo e representam cerca de 2% da sacarose da cana moída.
Antigamente a filtração era feita em filtros prensa, nos quais as borras eram forçadas
através de um conjunto de superfícies filtrantes, ficando as borras retidas e o caldo claro filtrado
fluía. Atualmente esta operação é feita em filtros rotativos à vácuo (Oliver-Campbell) (Figura
23).
Figura 23. Esquema de funcionamento de um filtro rotativo contínuo à vácuo.

O filtro rotativo é um tambor cilíndrico, acionado por motor elétrico, que gira em torno
do seu eixo horizontal a uma velocidade de rotação de 6 a 20 rph. Este tambor possui paredes
duplas perfuradas, a interna com malha de 2,5 a 3,0 mm de diâmetro e a externa com malha de
0,5 mm de diâmetro. Na parte inferior está a calha de mistura de lodo e bagacinho, que é o
elemento filtrante, pois as borras são gelatinosas e não têm condição de serem filtradas sozinhas.
A quantidade de bagacinho empregada é de 4 a 6 kg/tonelada de cana.
A mistura lodo e bagacinho é admitida na calha e liga-se o vácuo, iniciando a rotação do
filtro. Quando a primeira seção entra no líquido (lodo + bagacinho), o baixo vácuo inicia sua
ação a fim de formar uma camada filtrante uniforme. Logo que a seção emerge do líquido é
lavada duas vezes com água pulverizada aquecida a 60-70o C. A água, juntamente com o vácuo,
farão a extração do caldo do lodo em filtração. Após a segunda lavagem, é feita a secagem do
lodo pela ação do alto vácuo.
O caldo filtrado pelo baixo vácuo, que representa de 30 a 60% do total, é turvo, pois
ainda não está propriamente formada a camada filtrante. Com a camada filtrante formada, o
vácuo é aumentado e obtém-se o caldo claro, que representa de 40 a 70 % do total. O aumento do
vácuo é necessário porque o lodo se espessa, as partículas vão se achatando e a porosidade
diminui, com crescente resistência à filtração. Assim, há uma diferença de 10 a 15% entre o Brix
do caldo turvo e do caldo claro.
O caldo claro é retornado ao processo de clarificação e o caldo turvo é retornado ao lodo.
A torta produzida, aproximadamente 40 kg por tonelada de cana, é enviada ao campo como
adubo orgânico. A torta possui uma umidade entre 65 e 85% e de 0,5 a 1,5 % de açúcar, o que
representa uma perda de açúcar da ordem de 0,1 a 0,4% do total.
11. CONCENTRAÇÃO DO CALDO

O caldo clarificado que flui para os evaporadores é uma solução diluída de sacarose de 13
a 16o Brix e que apresenta uma temperatura variável entre 95 e 98ºC. Por razões de ordem
econômica e técnica, a concentração do caldo clarificado até a fase da cristalização da sacarose
dissolvida é realizada em dois estágios:

a) 1º estágio: compreende a concentração do caldo clarificado em evaporadores de


múltiplos-efeitos, até a obtenção de um líquido denso, de cor marrom, denominado xarope, e que
não mostra nenhum sinal de sacarose cristalizada. Sua concentração é variável de 55 a 65 o Brix.
Este primeiro estágio é conhecido por EVAPORAÇÃO.

b) 2º estágio: compreende a concentração do xarope em evaporador de simples efeito


(cozedor), até a condição de massa cozida, produto constituído de cristais de sacarose e mel,
possuindo de 90 a 95o Brix. Este segundo estágio é denominado COZIMENTO.

A concentração do caldo, tanto nos evaporadores quanto no cozedor, baseia-se na


evaporação da água do caldo ou xarope por meio de seu aquecimento advindo da transferência
de calor latente do vapor.

11.1. EVAPORAÇÃO

As bases da evaporação do caldo clarificado em aparelhos de múltiplos-efeitos, lançados


por Rillieux, estão alicerçados em três princípios básicos, dos quais se destaca em importância o
primeiro:

PRIMEIRO PRINCÍPIO: “em um múltiplo-efeito, cada quilograma de vapor usado no


aquecimento do primeiro vaso, evaporará tantos quilogramas de água quantos forem os vasos”.
Deste princípio, pode-se inferir que: num simples-efeito, um quilograma de vapor
evaporará um quilograma de água; num duplo-efeito: um quilograma de vapor evaporará dois
quilogramas de água; e assim por diante. Portanto, um quilograma de vapor evaporará n
quilogramas de água, onde n é o número de vasos evaporadores do múltiplo-efeito. Por questões
de ordem econômica e técnica, a evaporação se restringe à utilização de 3 a 5 vasos (quanto
maior o número de vasos, maior o custo dos equipamentos e maiores as dificuldades de controle
do processo).
SEGUNDO PRINCÍPIO: “a extração de vapor de qualquer unidade do múltiplo-efeito para ser
usado em outros setores da fábrica representa uma economia equivalente ao número de
quilogramas de vapor extraído, dividido pelo número de vasos do conjunto evaporador e
multiplicado pelo número de ordem que o corpo ocupa”.

TERCEIRO PRINCÍPIO: “em todo aparelho no qual se condensa vapor, é necessário extrair
continuamente o acúmulo de gases não condensáveis (principalmente gases amoniacais) que, por
via de regra, ficam internamente próximos à superfície superior da calandra”.

Os vasos do múltiplo-efeito são essencialmente iguais em construção, especialmente, em


relação a altura, diâmetro e superfície tubular. Constituem-se de uma calandra ou calandra e uma
câmara de evaporação, revestidas por um corpo cilíndrico de aço-carbono de altura igual a duas
vezes seu diâmetro. O vaso é fechado na parte superior pelo domo e pelo vaso de segurança e na
parte inferior por um fundo cônico. Possui como acessórios: manômetros, termômetros, lunetas e
quebra-vácuo (Figura 24).

Figura 24. Detalhes de um vaso evaporador.


CALANDRA: é o elemento de aquecimento do caldo, situado logo acima do fundo do
evaporador. É constituído de duas chapas perfuradas (espelhos) interligadas por tubos. Na parte
central existe um tubo, de maior diâmetro, destinado à circulação do caldo.

CÂMARA DE CALDO: é o espaço compreendido entre o fundo e o espelho inferior da


calandra, bem como o interior dos tubos.

CÂMARA DE EVAPORAÇÃO: é o espaço entre o espelho superior da calandra e o domo. É


ocupado por vapores provenientes da ebulição do caldo, os quais saem pelo domo e vão para a
calandra do próximo vaso. Para evitar que os vapores arrastem caldo para o vaso seguinte, a
altura desta câmara equivale a 1,5 a 2 vezes a altura dos tubos da calandra, que varia de 2 e 3 m.

VASO DE SEGURANÇA: é a parte superior do vaso e tem a finalidade de impedir a passagem


de gotículas de caldo juntamente com os vapores da câmara de evaporação de um vaso para a
calandra do vaso seguinte. É formado por placas defletoras e chicanas que impedem a passagem
de gotas de caldo e não impedem a passagem do vapor.

CONDENSADORES: são corpos cilíndricos, compridos e fechados, cuja finalidade é de


condensar os gases resultantes da evaporação do caldo do último vaso, produzindo uma condição
de vácuo no sistema. Os condensadores podem ser de contra corrente, de corrente paralela ou
multijatos. A condensação dos gases ocorre por meio da troca de calor entre a água fria injetada
e os vapores.

As águas condensadas são retiradas e servem à embebição, à lavagem da cana ou são


enviadas à caldeira. Os gases não condensáveis (amoníacos, aldeídos, oxigênio) que se
acumulam na parte superior da calandra a partir do segundo vaso são retirados pelos tubos
amoniacais e levados ao condensador. Os gases não condensáveis do primeiro vaso são liberados
para a atmosfera.

O primeiro vaso de evaporação é diferenciado dos demais pelo seu tamanho maior.
Denomina-se pré-evaporador. O caldo entra no pré-evaporador com cerca de 15o Brix
aproximadamente e sai com 20-25o Brix, seguindo daí para o primeiro vaso propriamente dito do
quádruplo-efeito. Na realidade, este conjunto funciona como um quíntuplo-efeito (Figura 25).
O funcionamento deste conjunto obedece ao seguinte esquema: o caldo clarificado flui do
decantador e é encaminhado a uma caixa alimentadora do pré-evaporador. O aquecimento deste
vaso é feito com vapor de escape das turbinas e os vapores resultantes do pré-evaporador seguem
para a alimentação do primeiro vaso do quádruplo-efeito, dos cozedores e dos aquecedores. Os
vapores originados pelo aquecimento deste primeiro vaso do quádruplo-efeito vão, através de um
tubo de grosso diâmetro, para à calandra do segundo vaso, fazendo ferver o caldo nele contido.
Os vapores deste segundo vaso são encaminhados à calandra do terceiro vaso, fervendo o caldo
nele contido. Os vapores originados neste terceiro vaso são aquecer e evaporar o caldo do quarto
vaso. Os vapores deste último vaso vão para os condensadores para serem transformados em
água aquecida a 50-55 °C. Da mesma forma que os vapores, porém por tubulações inferiores, o
caldo passa de um vaso para o outro, tendo a sua concentração de açúcar aumentada
progressivamente.

Figura 25. Esquema simplificado do sistema de evaporação em múltiplos-efeitos com pré-


evaporador.

Os gases do último vaso, sendo condensados, criam uma condição de vácuo neste vaso e,
consequentemente, no sistema. No primeiro vaso não se tem vácuo, pois é fervido com vapor de
escape. Assim, percebe-se que o conjunto trabalha sob condições crescentes de vácuo e,
consequentemente, decrescentes de pressão, considerando-se do primeiro ao último vaso (Figura
26). Com esta diminuição da pressão, consegue-se a diminuição da temperatura de ebulição do
caldo em evaporação, permitindo assim a utilização do vapor vegetal, que possui temperatura
igual ou inferior à 100oC, e ainda permite a menor formação de substâncias corantes. O caldo
passa de um vaso para o outro devido a estas diferenças de pressão, até sair na condição de
xarope no último vaso.

Figura 26. Conjunto evaporador.

Da mesma forma que ocorre nos aquecedores, nos evaporadores também ocorrem as
incrustações que, por um lado são favoráveis porque retiram impurezas do caldo e melhoram a
purificação e a qualidade final do açúcar, mas por outro lado são desfavoráveis porque diminuem
a transferência de calor. As incrustações nos evaporadores são decorrência de duas condições:
- a condição de saturação do caldo em açúcar precipita os elementos incrustantes,
principalmente nos últimos vasos;
- a condição de temperatura alta pode favorecer a precipitação de sais, principalmente nos
primeiros vasos.
A remoção das incrustações pode ser mecânica através de raspagem ou química através
de soluções ácidas (HCl) ou básicas (NaOH).

11.2. COZIMENTO

O xarope, com uma concentração de 55-65 ºBrix, é bombeado do último vaso de


evaporação para os cozedores. No cozimento, a concentração do xarope até massa cozida e a
obtenção dos cristais de sacarose ocorre em duas etapas:
a) etapa inicial: formação dos cristais de sacarose. Esta etapa é conhecida por nucleação,
pé de cozimento ou granagem.
b) etapa final: crescimento em tamanho dos cristais por deposição de sacarose nos
núcleos inicialmente formados.
O produto final do processo de cozimento é a massa cozida, formada de cristais de
sacarose e mel, com 90-95o Brix. O cozimento é efetuado em aparelhos de simples-efeito,
conhecidos por cozedores, vácuos ou tachos. Nestes aparelhos, a massa cozida é semi-sólida e
viscosa. Os vapores resultantes da concentração do xarope nos cozedores vão diretamente para
os condensadores.
Os cozedores operam de maneira intermitente, sob alto vácuo e baixa temperatura (65 a
75o C), e esta operação exige controle cuidadoso e supervisão constante. Os cozedores são
classificados conforme o tipo de sistema de aquecimento do xarope. O mais comum no Brasil
são os cozedores de calandra (Figura 27).

Figura 27. Cozedor de xarope.


11.2.1. Solubilidade da sacarose

A sacarose é muito solúvel em água e sua solubilidade aumenta conforme aumenta-se a


temperatura. A 30oC, um grama de água dissolve 2,19 g de sacarose; a 60oC, um grama de água
dissolve 2,84 g de sacarose; e a 90oC, um grama de água dissolve 4,15 g de sacarose. A
solubilidade da sacarose sofre também influência dos sais minerais e dos açúcares invertidos. De
modo geral, os sais minerais tendem a aumentar a solubilidade da sacarose, dificultando sua
cristalização, enquanto que os açúcares invertidos promovem a diminuição da solubilidade da
sacarose, favorecendo sua cristalização.
Quando a temperatura e a proporção de água são mantidas constantes, uma solução de
sacarose estará dentro de uma das 3 condições seguintes:

a) solução não saturada (diluída ou instável): esta solução pode ainda dissolver mais sacarose.
b) solução saturada (estável): esta solução não tem a propriedade de dissolver mais sacarose.
c) solução supersaturada (instável): solução com concentração de sacarose diluída acima da
saturada, porém sem que haja a formação ou crescimento de cristais. Na prática, esta solução é
conseguida por resfriamento ou evaporação das soluções saturadas.

O coeficiente de supersaturação expressa a relação entre a massa de sacarose diluída em


100 partes de água de uma solução supersaturada e a massa de sacarose dissolvida em 100 partes
de água de uma solução saturada, ou seja:

S'
C. S . S 
S"
onde:
C.S.S = coeficiente de supersaturação;
S’ = massa de sacarose dissolvida em 100 partes de água de uma solução supersaturada, de
pureza R e a temperatura t ºC;
S” = massa de sacarose diluída em 100 partes de água de uma solução saturada de pureza 100 e a
temperatura t ºC.

Para uma melhor caracterização, tem-se que:

- CSS < 1  solução diluída;


- CSS = 1  solução saturada;
- CSS > 1  solução supersaturada. Nesta condição definem-se as zonas de supersaturação,
cujos CSS variam de 1,0 a 1,5.

Em uma solução, não se formam e nem crescem cristais de sacarose a menos que se leve
a mesma à uma condição de supersaturação. Na fabricação do açúcar, esta condição de
supersaturação, que permite a nucleação e o crescimento dos cristais de sacarose, ocorre sempre
depois da concentração progressiva de certa quantidade de xarope nos cozedores. Na prática
industrial, a nucleação ocorre quando o CSS está entre 1,2 e 1,5.
As três zonas de supersaturação em que está baseado o andamento de um cozimento são
as seguintes (Figura 28):

a) ZONA METAESTÁVEL: é a zona que mais se aproxima da linha de saturação da solução de


sacarose. Os seus limites são: CSS = 1,0 a 1,2. Nesta faixa ocorrem:
- crescimento dos cristais existentes;
- não formação de cristais;
- tendência para o limite inferior (saturação).

b) ZONA INTERMEDIÁRIA: esta zona é contestada por alguns autores e, se existir, é tão
reduzida que não apresenta nenhuma importância prática. Os seus limites são: CSS = 1,2 a 1,3.
Nesta faixa ocorrem:
- formação de novos núcleos, porém somente na presença de cristais existentes;
- crescimento dos cristais existentes;
- tendência para o limite inferior.

c) ZONA LÁBIL: seus limites são: CSS = 1,3 a 1,5. Nesta faixa ocorrem:
- nucleação espontânea;
- crescimento dos cristais existentes;
- tendência para o limite inferior.

Quando o cozimento está sendo conduzido na zona metaestável visando ao crescimento


dos núcleos de cristais formados e, por descuido, passa para a zona intermediária ou lábil, pode
haver a formação de falsos cristais, chamados “poeira”. O falso cristal pode também se originar a
partir de lascas de cristais quebradas por atrito entre cristais. Estes falsos cristais prejudicam a
qualidade final do açúcar porque são desuniformes e, normalmente, de tamanho menor.
Temperatura ºC Brix
45 50 55 60 65 70 75 80 85 90
500 83,3

480 82,7
40
1.

460 82,0

30
Partes de sacarose por 100 partes de água
1.
440 81,5

o
ad
ur
20

at
420 80,8
1.

rS
pe
400 15 80,0

a
Su
1.

ri
l
bi


ed

380 10 79,2

rm
na 1.

te
Zo

In e l 1.
05
na
360 78,3
áv
Zo

e st 00
a 1.
et
340 77,2
M .9
5
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o
320
Zo ra
d
9 0
76,2

tu o 0.
300 S a ra d 75,0
tu 85
0.
Sa
o

280 73,7
80
0.

260 72,2

240 70,6

110 120 130 140 150 160 170 180 190

Temperatura ºF

Figura 28. Zonas de supersaturação de soluções de sacarose.

O cozimento compreende a etapa inicial de formação dos cristais e a etapa final de


crescimento dos cristais por deposição de sacarose (Figura 61).

FASE INICIAL: para iniciar o cozimento, o operador põe em funcionamento o sistema de vácuo
do aparelho através do condensador e ejetor à vapor, condensador e bomba de vácuo ou
simplesmente o multijato. Essa diminuição de pressão “aspira” o xarope até cobrir a superfície
superior da calandra. Após a alimentação do aparelho, o operador abre a válvula de vapor e
regula a pressão para 650 mm Hg, o que estabelece uma temperatura em torno de 65ºC. Nestas
condições de pressão e temperatura, há a evaporação de água do xarope, com consequente
concentração em sacarose. Para compensar a saída de água evaporada, filetes contínuos de
xarope são admitidos no cozedor, mantendo assim o nível de trabalho constante.
A formação dos cristais de sacarose pode ser realizada por três métodos:

MÉTODO DA ESPERA: controla-se a concentração do xarope até o aparecimento espontâneo


dos cristais de sacarose, o que acontece quando se atinge a zona lábil de supersaturação. O
controle desta condição de supersaturação pode ser feito por meio de aparelhos (índice de
refração, elevação da temperatura, pureza do xarope), por observação visual da velocidade de
escorrimento do xarope no vidro da luneta, ou por observação da consistência e viscosidade do
xarope por meio da manipulação de um fio de xarope concentrado. A observação do número de
cristais formados pode ser feita em vidro transparente, colocando-se uma amostra do material
retido por uma sonda amostradora.

MÉTODO DE CHOQUE: a cristalização é obtida sob condições de temperatura mais elevada


(75º C) e sob mais baixo vácuo (24”). Após a concentração do xarope até um certo grau de
supersaturação, verificado por métodos mencionados anteriormente, aumenta-se bruscamente o
vácuo, o que causa uma forte ebulição do xarope e a temperatura cai rapidamente. Com isso, a
zona lábil é atingida e a cristalização da sacarose se processa espontaneamente.

MÉTODO DA SEMEADURA: é o método que permite um melhor controle do número e do


tamanho dos cristais e, por isso, é o mais utilizado. Após a concentração do xarope até um certo
grau de supersaturação, introduz-se a “semente” (certa quantidade de açúcar finamente moído
em suspensão em álcool). Após a semeadura, fecha-se o vapor e a alimentação de xarope por 15
a 20 min para evitar a dissolução dos cristais introduzidos. Assim haverá apenas o crescimento
dos cristais por deposição de sacarose. Os cristais crescem somente em tamanho e não em
número, já que a cristalização se processa na zona metaestável.

FASE FINAL: o crescimento dos cristais, também conhecido por levantamento do cozimento, é
realizado em condições normais de vácuo e temperatura, e na zona metaestável para evitar a
formação de novos e pequenos cristais. É feita uma alimentação contínua e lenta com xarope,
mel rico ou mel pobre, dependendo da pureza que se quer obter na massa cozida.
Ao final do cozimento, faz-se o “aperto”, que é uma situação de máxima concentração
antes da massa cozida ser descarregada. É uma operação difícil de ser realizada, pois tem-se que
evaporar água quando a circulação da massa cozida é muito difícil devido à sua alta viscosidade.
Após o “aperto” final da massa cozida, corta-se o vapor, fecha-se o sistema de vácuo,
abre-se a válvula quebra-vácuo e abre-se a válvula de descarga, sendo a massa cozida
encaminhada através de canaletas aos cristalizadores. Após a descarga, lava-se o cozedor e a
água doce resultante desta lavagem é encaminhada ao tanque de mel, onde é novamente aquecida
para dissolver os cristais de sacarose presentes.
Na fabricação do açúcar podem ser empregados vários esquemas de cozimento, os quais
visam, em última análise, a obter um maior ou menor esgotamento do melaço ou mel final, em
função do rendimento industrial desejado. Pela aplicação de um maior número de massas (de 1 a
3, na prática), o mel final é mais pobre em sacarose (Figura 29).

Figura 29. Esquemas de cozimento de três massas.

Os esquemas de cozimento procuram fazer o reaproveitamento dos méis para novos


cozimentos. O mel final é então enviado à destilaria para a produção de álcool. Isto representa
uma estratégia adicional na produção das usinas com destilaria anexa, as quais podem obter um
maior ou menor esgotamento do mel final em função do mercado de açúcar e de álcool, ou seja,
quando for conveniente economicamente a produção de álcool pode-se adotar o sistema de uma
massa, pois o mel final, mais rico em sacarose, será aproveitado na produção de álcool, como foi
observado durante os anos de PROÁLCOOL; caso contrário, quando for interessante uma maior
produção de açúcar, podem ser adotados sistemas com maior número de massas, esgotando mais
o mel e, portanto, obtendo um mel final mais pobre e um rendimento de açúcar maior.
12. CRISTALIZAÇÃO COMPLEMENTAR

Após a operação de cozimento chegar ao seu final, a massa cozida é descarregada em


equipamentos conhecidos por cristalizadores (Figura 30), onde pode ser mantida por um período
variável de 6 a 72 horas, sendo que as massas cozidas mais ricas em sacarose permanecem
menos tempo nos cristalizadores que as massas mais pobres. Em muitos casos, a massa cozida
segue quase que imediatamente para as centrífugas, onde se dá a separação dos cristais.
Com o advento da utilização do mel para a fabricação do álcool, o que permite que se
trabalhe com menor esgotabilidade em sacarose da massa cozida, os cristalizadores têm sido
utilizados apenas como depósitos para alimentação das centrífugas, situação que pode ser
revertida segundo o mercado de açúcar e do álcool. Se o preço do açúcar estiver mais favorável
que o do álcool, as usinas fazem a cristalização complementar objetivando um maior
esgotamento em sacarose da massa cozida e, consequentemente, um maior rendimento em
açúcar produzido. Por outro lado, se o preço do álcool estiver mais compensador que o do
açúcar, não é feita a cristalização complementar e o mel final, mais rico em sacarose, é enviado à
destilaria para a produção de etanol por fermentação.
Vale ressaltar que esta situação de flexibilidade de esgotamento da massa cozida nos
cristalizadores é uma condição específica do Brasil, único país que produz etanol a partir do
resíduo (mel final) da produção de açúcar. Nos outros países produtores de açúcar no Mundo,
sempre a massa cozida é exaurida ao máximo econômico de sua sacarose dissolvida.
A massa cozida, que sai dos cozedores com temperatura variando de 65 a 75ºC, vai se
resfriando nos cristalizadores, podendo chegar até à temperatura ambiente. É indispensável que a
massa cozida seja mantida em contínuo movimento nos cristalizadores, onde os cristais de
açúcar permanecem em constante contato com a sacarose dissolvida no mel, continuando assim
o seu crescimento em tamanho. Sem movimentação, a massa pode endurecer e formar um bloco
único, de difícil manipulação.

Figura 30. Cristalizador de massa cozida.


13. CENTRIFUGAÇÃO DA MASSA COZIDA

A massa cozida, que é semi-sólida, viscosa e escura, pode ser representada em duas fases:
a fase sólida, representada pelos cristais de sacarose; e a fase líquida, representada pelo mel ou
licor-mãe. Ao sair dos cristalizadores, a massa cozida segue para depósitos localizados sobre as
centrífugas, chamados mexedores.
Os cristais de sacarose são separados do mel pela ação da força centrífuga em centrífugas
de fluxo intermitente ou de fluxo contínuo, dependendo da natureza da massa cozida. As de
fluxo contínuo somente são utilizadas para massas pobres em sacarose, pois ocasionam quebra
de cristais. As centrífugas de fluxo intermitente são conhecidas por separadoras de cesto de
paredes paralelas e as centrífugas de fluxo contínuo são conhecidas por separadoras de cesto
cônico (Figura 31).

Figura 31. Centrífuga intermitente (cesto paralelo) e contínua (cesto cônico).

As centrífugas açucareiras são constituídas essencialmente de um cesto perfurado


suspenso por um eixo ligado a um motor elétrico, o qual propicia rotações de 1200 a 2600 rpm.
Nestas centrífugas, a massa cozida é introduzida por gravidade no cesto, sendo que o mel
atravessa a tela do cesto, enquanto que os cristais de sacarose são retidos. Durante a operação de
centrifugação, em função do tipo de açúcar a ser produzido, os cristais podem ser submetidos a
lavagens com água e vapor (produção de açúcares cristal e VHP).
O mel proveniente das massas cozidas de maior pureza retorna ao processo, enquanto que
o proveniente da centrifugação da massa cozida de menor pureza, denominado melaço ou mel
final, é enviado para a destilaria para a produção de álcool ou comercializado “in natura”.
O ciclo de centrifugação em centrífugas intermitentes pode ser dividido em:
- arranque: é o início da operação, retirando a centrífuga da inércia (50 rpm) até 200 rpm. É a
etapa que consome mais energia;
- carga-aceleração: quando a centrífuga atinge 200 rpm, é carregada com massa cozida e é
acelerada até 600 rpm;
- velocidade total: aumento da velocidade até 1800 rpm. Nesta etapa são feitas as lavagens
com água e vapor para a obtenção do açúcar cristal branco e do açúcar VHP. O açúcar demerara
(açúcar bruto) não passa por estas lavagens. A lavagem com água tem a finalidade de liberar o
açúcar do filme de mel que o recobre e a lavagem com vapor, além de complementar a liberação
do açúcar do filme de mel, também inicia o processo de secagem do açúcar;
- parada: frenagem do cesto, com diminuição da velocidade para 200 rpm;
- descarga: velocidade diminui para 50 rpm e se processa a descarga do açúcar centrifugado.

As centrífugas de fluxo contínuo são utilizadas para a centrifugação de massas cozidas de


baixo grau de pureza, as quais não serão retornadas ao processo. Estas centrífugas ocasionam
quebra dos cristais de açúcar por atrito e o açúcar centrifugado apresenta coloração amarelada, já
que nestas centrífugas os cristais não são lavados.
O seu funcionamento baseia-se na formação de uma fina película de massa cozida que,
pela ação da força centrífuga, sobe pelas paredes do cesto cônico, impulsionando os cristais para
as bordas superiores do cesto. Durante o caminhamento da massa cozida pelas paredes laterais
do cesto, o mel flui pelos furos da tela protetora, enquanto que o açúcar sai pela parte superior do
cesto. Este tipo de centrífuga processa de 5 a 10 toneladas de massa cozida por hora.
As vantagens da centrífuga de fluxo contínuo são o alto rendimento e a adaptação a
massas cozidas viscosas e de baixo grau de pureza.
14. OPERAÇÕES FINAIS DA FABRICAÇÃO DO AÇÚCAR

As operações finais da fabricação do açúcar são: secagem e resfriamento, classificação e


armazenamento do açúcar.
O açúcar centrifugado é conduzido aos secadores através de condutores contínuos de
lençol de lona plástica, que caminha sobre roletes. Nestes condutores o açúcar sofre muito pouco
atrito e, por isso, não quebram e não perdem brilho.
O açúcar que sai das centrífugas possui de 0,5 a 2,0% de umidade e temperatura entre 56
e 60º C. Estas condições de umidade e temperatura são inadequadas para seu ensacamento e
armazenamento. Portanto, o açúcar deve passar previamente pelas operações de secagem e
resfriamento.
A secagem do açúcar visa a reduzir o seu teor de umidade a tal ponto que não permita o
desenvolvimento de microrganismos, os quais causam deteriorações com perda de sacarose. O
resfriamento, por sua vez, evita que ocorra o empedramento do açúcar.
O teor de umidade permissível para preservar a qualidade do açúcar branco é 0,1% e do
açúcar VHP é 0,25%. A temperatura final do açúcar deve ser próxima à do ambiente.
O controle dos secadores de açúcar visa a minimizar a caramelização, perda de brilho e
quebra dos cristais. Vários são os tipos de secadores utilizados, mas, quanto à sua posição de
trabalho, eles podem ser classificados em dois tipos essenciais: o horizontal e o vertical.
Os secadores horizontais são os mais comuns nas usinas e constam essencialmente de um
tambor rotativo, com inclinação de 3 a 5%, onde ocorre a troca de umidade entre o ar quente e
seco e o açúcar úmido (Figura 32). O conjunto secador, que possui de 6 a 12 m de comprimento
e de 1 a 2,5 m de largura, é composto de:

- tambor rotativo com aletas metálicas para movimentação do açúcar;


- ventilador e radiador de ar;
- condutor de açúcar;
- coletor de pó de açúcar.

O ar de secagem deve ser aquecido, pois a remoção de umidade cresce com o acréscimo
de temperatura do ar. O grau de saturação em umidade do ar de entrada também tem importância
na eficiência da secagem.
O açúcar entra nos secadores com uma temperatura entre 52 e 60ºC e deve deixá-lo com
30 a 35ºC. Para isto, o ar não deve ser aquecido a temperaturas superiores a 95-105ºC. Em geral,
sua temperatura está entre 70 e 90ºC. Temperaturas acima de 110ºC podem caramelizar o açúcar.
Os secadores verticais, também cilíndricos, secam o açúcar em contra corrente com ar
quente. O açúcar desce pelas bandejas metálicas enquanto que o ar quente sobe pelo secador. São
secadores menos comuns nas usinas porque causam maior atrito do açúcar com as superfícies
metálicas, podendo ocasionar perda de brilho e quebra dos cristais.

Figura 32.: Secador horizontal de açúcar em contra corrente.

Os principais tipos de açúcar produzidos no Brasil são:


- cristal
- refinado: amorfo e granulado
- glaçúcar
- demerara, VHP (“very high polarization”)
- açúcar líquido: xarope de sacarose e xarope de açúcar invertido

A Tabela 3 mostra as características e as aplicações dos diferentes tipos de açúcar. A


Tabela 4 mostra as especificações dos diferentes tipos de açúcar, segundo a IN 47 (MAPA,
2018).
O açúcar VHP, como o açúcar cristal, sofre as lavagens com água e com vapor durante a
centrifugação. A coloração mais amarelada do açúcar VHP advém do processo de clarificação
mais brando que este tipo de açúcar sofre, o qual não passa pela sulfitação. Devido a este baixo
teor de umidade, conserva-se por longo período. O seu armazenamento pode ser feito em big-
bags, mas geralmente é a granel. As vantagens desse tipo de açúcar, o qual é praticamente
exclusivo para exportação, são as facilidades de armazenamento e de transporte e o menor custo
do frete. Os caminhões são carregados nas usinas com o açúcar a granel e descarregam-no
diretamente nos navios, da mesma forma que o transporte para a exportação de grãos.
Este açúcar, caso entre em contato com umidade, forma uma crosta externa que impede a
penetração desta umidade para o interior da massa de açúcar.

Tabela 3: Características e as aplicações dos diferentes tipos de açúcar.


TIPOS CARACTERÍSTICAS UTILIZAÇÃO

Cristal - Açúcar em forma cristalina produzido - Destinado ao uso geral da indústria


diretamente em usina, sem refino alimentícia:
* Bebidas
* Massas
* Biscoitos
* Confeitos
Refinado Amorfo - Baixa cor - Consumo doméstico
- Dissolução rápida - Misturas sólidas de dissolução
- Granulometria fina instantânea
- Brancura excelente - Bolos e confeitos
- Caldas transparentes e incolores
Refinado Granulado - Ausência de corantes - Produtos Farmacêuticos
- Pureza elevada - Confeitos onde aparecem os cristais
- Baixo teor de umidade - Xarope de excepcional transparência
- Ausência de empedramento, - Mistura seca onde o aspecto visual,
assegurando fluidez escoamento e solubilidade rápida são
- Cristais bem definidos e granulometria importantes
homogênea (fina, média ou grossa)
- Brancura excepcional
Xarope Simples de - Solução aquosa de açúcar - Produtos farmacêuticos
Sacarose - Alta transparência - Aplicado onde a ausência de cor é
- Alta limpidez essencial, como bebidas claras, balas e
doces

Xarope de Açúcar - Solução aquosa contendo - Frutas em calda


Invertido aproximadamente 1/3 de glicose, 1/3 de - Sorvetes
frutose e 1/3 de sacarose - Balas e caramelos
- Poder anti-cristalizante - Licores
- Poder umectante - Geleias
- Sabor característico - Biscoitos
- Resistência à contaminação - Bebidas carbonatadas
microbiológica
Glaçúcar - Granulometria muito fina (açúcar de - Preparo de glacês, suspiros, bolos,
confeiteiro) chantilly etc.
Tabela 4. Especificações dos diferentes tipos de açúcar (IN 47 – MAPA, 2018).
Classes Tipos Parâmetros
Polarização Umidade Cor Cinzas Pontos Partículas
(°Z mín.) (% ICUMSA Condutimétricas Pretos Magnetizáveis
máx.) (UI Máx.) (% máx.) (nº/100g (mg/Kg máx.)
máx.)
Cristal 99,5 0,10 300(*) 0,10 20 15
Refinado 99,00 0,30 100 0,20 5 5
Amorfo
Branco
Refinado 99,80 0,05 60 0,04 5 5
Granulado
Confeiteiro 99,00 0,30 150 0,20 5 5
Demerara 96,00 1,20 5.000 0,50 N/A N/A
Bruto VHP 99,00 0,25 2.500 0,25 N/A N/A
VVHP 99,49 0,15 1.000 0,15 N/A N/A

Líquido* N/A N/A 120 0,30 N/A N/A


Líquido
Invertido* N/A N/A 120 0,30 N/A N/A
N/A = não se aplica.
Admite-se até 400 UI de cor ICUMSA para o produto orgânico, certificado conforme legislação específica.
* Açúcares Redutores (% m/m máx.): Líquido = 0,30; Invertido = 60 a 90.

Após a secagem, o açúcar é pesado em balanças automáticas para o controle do processo


em termos de rendimento de açúcar produzido por tonelada de cana. O açúcar então vai ser
armazenado a granel ou acondicionado em sacos, sendo que os mais usados são o de juta e o de
polipropileno, com capacidade de 50 kg. Para exportação, é muito utilizado o “big-bag”, saco
plástico com capacidade de uma tonelada.
A melhor condição para a estocagem do açúcar é aquela que não possibilita o
desenvolvimento de microrganismos, os quais podem causar a deterioração do açúcar por
decomposição da sacarose. Em condições favoráveis, bactérias, fungos e leveduras podem se
desenvolver no açúcar, principalmente no filme de mel com baixa concentração de sólidos.
O açúcar a ser armazenado não pode ser seco abaixo da sua umidade de equilíbrio
(umidade do ar que o rodeia), senão o açúcar absorve umidade e pode empedrar.

O açúcar armazenado tem menores possibilidades de se deteriorar se possuir as seguintes


características:
- ausência relativa de insolúveis no açúcar. Esta condição é conseguida quando o açúcar é
obtido de massa cozida originada de um caldo bem clarificado;
- o cristal de açúcar consiste em um grânulo duro, uniforme, de tamanho médio e solto;
- para os açúcares cristal e VHP, temperatura e umidade dentro dos limites permitidos;
- obtido sob condições higiênicas;
- protegido por um fino filme de mel.

Os principais fatores que podem causar deterioração do açúcar são:


- falta de assepsia no processo;
- água de lavagem do açúcar com alta contaminação microbiana;
- cristais de tamanhos irregulares;
- retenção excessiva de umidade na película de mel que recobre os cristais;
- mistura de açucares de diferentes polarizações;
- presença de microrganismos;
- condições inadequadas de armazenamento;
- espessa película de mel recobrindo o açúcar.

Dos microrganismos presentes no açúcar, os que aparecem em maior frequência são os


fungos e as bactérias termofílicas, e em menor quantidade as leveduras. Deve-se ressaltar que
quanto maior for a umidade do açúcar, melhores serão as condições para o desenvolvimento dos
microrganismos.
O empedramento do açúcar está relacionado com o teor de umidade e a temperatura no
momento do ensacamento e com as condições de armazenamento. Se a temperatura de
ensacamento for superior a 43ºC, aumenta-se o risco da formação de torrões e do empedramento
com endurecimento dos torrões, pois tais temperaturas favorecem a evaporação de água,
concentrando a sacarose da película de mel que envolve o açúcar, que cristaliza e solda os
cristais.
As condições para se evitar a formação de torrões são:

- açúcar branco e VHP com umidade abaixo de 0,1% e 0,25%, respectivamente;


- cristais duros, com dimensões entre 0,8 e 1,0 mm e sem excesso de mel recobrindo-os;
- temperatura do açúcar para armazenamento menor que 35oC;

Os armazéns de açúcar devem ser separados para açúcar a granel e ensacado. Os


armazéns devem ser secos, com base sólida e impermeável. A cobertura deve ser de material que
tenha bom coeficiente de isolamento térmico e elevado índice de reflexão dos raios solares, o
que proporciona menor oscilação da temperatura interna.
A circulação de ar deve ser evitada ao máximo para que não haja elevação da umidade
interna. Para isso, deve-se ter o menor número possível de aberturas (portas e janelas) e mantê-
las sempre fechadas quando não em uso. As paredes devem ser impermeabilizadas para evitar
infiltração de umidade.
As pilhas de sacos devem ser compactas e ter no máximo 8 a 10 m, evitando encostá-las
nas paredes, impedindo assim troca de umidade. Além disso, devem estar sobre estrados de
madeira, e nunca diretamente sobre o piso. As pilhas devem ser próximas umas das outras,
visando diminuir a área de exposição ao ar.
O açúcar armazenado a granel deteriora-se mais lentamente porque a camada superior,
em contato com o ar, absorve umidade do ar, formando uma crosta que impede a penetração de
umidade para o interior do monte de açúcar. Para evitar empedramento, a umidade relativa do
ambiente deve ser inferior a 65%.
Quando a iluminação é artificial deve-se tomar cuidado com explosões, pois a “poeira”
de açúcar é altamente inflamável. O açúcar deve ser armazenado longe de produtos químicos e
de odores fortes.

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