Você está na página 1de 6

Motores a Combustão Interna

Motores são dispositivos mecânicos que convertem energia térmica ou elétrica em


energia de movimento, sendo, portanto, classificados genericamente em motores térmicos e
motores elétricos, respectivamente. Os motores térmicos convertem energia química em
térmica, primeiramente, para, em sequência, converter esta última em energia mecânica ou
de movimento. Os motores térmicos podem ser classificados em motores a combustão interna
(CI) e motores a combustão externa (CE). Nos motores a combustão interna, a mistura ar-
combustível é admitida para dentro do motor, na câmara de combustão, onde é queimada e a
energia térmica liberada é transformada em energia mecânica. Nos motores a combustão
externa, o combustível é utilizado para aquecer uma caldeira, na qual ocorre a vaporização de
um líquido, o qual será utilizado para promover a propulsão do dispositivo que irá transformar
a energia térmica em energia mecânica (por exemplo, uma turbina a vapor). Os motores a
combustão interna são os de interesse neste texto, por constituírem os tipos utilizados em
veículos automotivos.
Os motores automotivos são, portanto, dispositivos que convertem a energia química
contida em um combustível líquido em energia mecânica, ou seja, constituem a fonte de
potência motora de um veículo (Figura 1). No processo de conversão de energia, a energia
química é primeiramente convertida em energia térmica pela combustão ou oxidação do
combustível com ar no interior do motor, isto é, na câmara de combustão. Esta energia
térmica promove um aumento na temperatura e pressão dos gases na câmara de combustão,
e os gases de combustão, a pressões elevadas, se expandem forçando os dispositivos
mecânicos do motor (pistão e biela) a se moverem verticalmente. A biela é a peça que
transmite o movimento vertical do pistão e a potência gerada pela expansão dos gases ao eixo
de manivelas, também conhecido como virabrequim. O virabrequim, por sua vez, converte o
movimento vertical do pistão em movimento de rotação, que, em última instância, é
transmitido às rodas.
Cabeçote

4 5

1
Bloco

3
Carter

Figura 1. Desenho esquemático de um motor a combustão interna: (1) pistão; (2) biela;
(3) virabrequim; (4) válvula de admissão; e (5) válvula de exaustão.

Para facilitar a compreensão do funcionamento do motor, pode-se compará-lo ao


funcionamento de uma bicicleta. O ciclista se compara à câmara de combustão e suas pernas
ao sistema pistão e biela. O sistema pedal-catraca e a corrente se comparam ao virabrequim e
ao sistema de transmissão, respectivamente. O movimento das pernas do ciclista, em última
instância ocasionado pela conversão de energia química em energia mecânica, é
essencialmente vertical, e transmite a energia mecânica aos pedais. Os pedais convertem o
movimento vertical das pernas (pistão e biela) em movimento de rotação da catraca
(virabrequim) que, por sua vez, transmite o movimento às rodas da bicicleta pela corrente
(sistema de transmissão).

Breve Histórico

Os motores a combustão interna se tornaram uma realidade na década de 1860,


quando J.J.E. Lenoir (1822-1900) desenvolveu o primeiro motor comercial de combustão
interna que utilizava misturas de gases da queima de carvão com ar à pressão atmosférica,
sem compressão precedendo a combustão. O gás e o ar eram admitidos no cilindro durante a
primeira metade do curso do pistão. A carga era então ignitada com uma centelha, a pressão
aumentava e os gases de queima transferiam potência para o pistão completar a segunda
metade do curso. O ciclo era completado com um curso de exaustão dos gases. Embora a
eficiência deste motor fosse de no máximo 5 %, em torno de 5000 destes motores foram
comercializados entre 1860 e 1865.
Em 1862, uma patente francesa (não publicada) foi concedida a Alphonse Beau de
Rochas (1815-1893), na qual este propunha uma seqüência de operação em quatro tempos
para motores a combustão interna. Beau de Rochas também descreveu em sua patente as
condições sob as quais a máxima eficiência poderia ser alcançada em um motor a combustão
interna. Entretanto, este nunca colocou suas idéias em prática, e, em 1876, Nikolaus August
Otto (1832-1891), construiu e operou com sucesso um motor de quatro tempos em que a
ignição do combustível se iniciava por meio de uma centelha. Portanto, Otto é considerado o
inventor do motor de quatro tempos que se utiliza atualmente em veículos automotivos. O
ciclo de operação deste tipo de motor é denominado “Ciclo Otto”. Em 1878, Dugald Clerk
(1854-1913) idealizou o ciclo motor em dois tempos.
Em 1892, o engenheiro alemão Rudolf Diesel (1858-1913) descreveu, em sua patente,
um novo modelo para motores a combustão interna. Para este novo modelo, Diesel concebeu
o conceito de iniciar a combustão somente pela compressão de um combustível líquido
injetado em ar aquecido. Este modelo, não só permitiu que se duplicasse a eficiência do motor
em relação aos até então existentes, mas, também, permitiu maiores taxas de compressão
(implicando em maior potência), sem promover detonações indesejáveis. O ciclo de operação
deste tipo de motor é denominado “Ciclo Diesel”. Os primeiros motores com ignição por
compressão eram grandes, barulhentos, vagarosos e apresentavam somente um cilindro.
Somente na década de 1920 é que motores com ignição por compressão multicilindros foram
fabricados pequenos o suficiente para serem usados em automóveis de passeio e caminhões.

Classificação de Motores

Os motores a combustão interna são classificados, de acordo com o modo de se


promover a queima do combustível, em: (1) motores com ignição por centelha; e (2) motores
com ignição por compressão. Exemplos de motores com ignição por centelha são aqueles que
utilizam combustíveis tais como a gasolina e o etanol. Nestes motores, a queima do
combustível é iniciada por uma centelha gerada por uma vela de ignição, usualmente instalada
no cabeçote do cilindro. A mistura do ar com o combustível nestes tipos de motores
geralmente ocorre antes destes entrarem na câmara de combustão. Motores com ignição por
compressão constituem os chamados “motores Diesel”, que utilizam o diesel de petróleo
como combustível. Nestes motores, a ignição se inicia pela compressão da mistura ar-
combustível, sendo este último injetado dentro da câmara de combustão, na qual ocorre a
mistura. Portanto, nos motores com ignição por compressão, a combustão é espontânea, não
necessitando de uma fonte de ignição.
Os motores também são classificados pelo tipo de ciclo que estes executam em: (1)
quatro tempos (Ciclo Otto); e (2) dois tempos. No motor de quatro tempos, ao longo de um
ciclo completo, os pistões executam quatro movimentos, dois para cima e dois para baixo. No
caso dos pistões executarem somente dois movimentos, um para cima e outro para baixo, ao
longo de um ciclo completo, o motor é denominado de dois tempos. Para o motor do Ciclo
Otto (Figura 2), os quatro tempos são denominados: (1) admissão; (2) compressão; (3)
expansão; e (4) exaustão. Na admissão (Figura 2a), o pistão se move do Ponto Morto Superior
(PMS), posição mais elevada que este alcança, até o Ponto Morto Inferior (PMI), posição mais
baixa que este alcança, ao mesmo tempo em que a válvula de admissão se abre. Ao se
movimentar para baixo, o pistão promove um aumento de volume na câmara de combustão,
causando um abaixamento na pressão da câmara e criando um diferencial de pressão entre o
sistema de admissão de mistura ar-combustível, que está à pressão atmosférica, e a câmara,
que está a uma pressão mais baixa. Como consequência deste diferencial de pressão, a
mistura ar-combustível é admitida para dentro da câmara de combustão. No próximo tempo
do ciclo, o de compressão (Figura 2b), quando o pistão alcança o PMI, a válvula de admissão se
fecha e o pistão inicia o movimento para cima, comprimindo a mistura ar-combustível, à
medida que o volume da câmara diminui. Neste processo, tanto a temperatura quanto a
pressão da mistura aumentam. Ao final da compressão, com o pistão próximo ao PMS, a
mistura é ignitada e a combustão desta se inicia. Na seqüência (Figura 2c), com todas as
válvulas fechadas, a pressão elevada gerada pelo processo de combustão promove a expansão
dos gases de queima do combustível; e esta expansão, por sua vez, exerce uma força sobre o
pistão, movimentando-o para baixo. É durante a expansão da mistura de gases de queima que
a potência do motor é gerada. Na última etapa, a de exaustão (Figura 2d), com o pistão se
aproximando do PMI, a válvula de exaustão é aberta e, devido ao fato da pressão e da
temperatura ainda estarem elevadas na câmara de combustão, gera-se um diferencial de
pressão entre a câmara e o sistema de exaustão que está à pressão atmosférica. Desta
maneira, o pistão se move para cima, ocupando o volume esvaziado pelos gases que foram
expelidos da câmara. Quando o pistão se aproxima do PMS, a válvula de admissão começa a
abrir para, quando o pistão atingir o PMS, se iniciar um novo ciclo. Ainda quando o pistão se
aproxima do PMS, a válvula de exaustão começa a se fechar, completando o fechamento com
o pistão na posição de PMS. Portanto, há um período, ao final da etapa de exaustão e início da
etapa de admissão, em que ambas as válvulas estão abertas, e este período é denominado
“superposição de válvulas”.
A combustão nos motores do Ciclo Otto é iniciada por uma centelha produzida pela
vela de ignição e a combustão nos motores do Ciclo Diesel é iniciada espontaneamente pelas
altas pressões e temperaturas da mistura combustível na câmara.
Admissão Exaustão Admissão Exaustão

Vm PMS

Vt Vd

PMI

(a) Admissão (b) Compressão


Admissão Exaustão Admissão Exaustão

PMS

PMI

(c) Expansão (d) Exaustão

Figura 2. Ciclo de quatro tempos de um motor com ignição por centelha. PMS = Ponto Morto
Superior; PMI = Ponto Morto Inferior; Vm = volume morto; Vd = volume deslocado; e Vt é o
volume total que define a câmara de combustão (adaptado de Heywood, 1988).
A distância entre o PMS e o PMI multiplicada pelo diâmetro do cilindro determina o
volume da mistura ar-combustível que é admitida no motor em cada ciclo, que é igual ao
volume deslocado. Este volume quando multiplicado pelo número de cilindros no motor é
comumente denominado “cilindrada do motor” e é medido em litros (L) ou centímetros
cúbicos (cm3 ou cc). Desta maneira, um motor 2.0 é um motor cujo volume admitido de
mistura ar-combustível é de 2 L ou 2000 cc distribuídos em todos os cilindros. De maneira
geral, quanto maior a cilindrada, maior será o consumo de combustível e maior será a potência
do motor (pois um maior volume de mistura combustível ao queimar promove uma maior
expansão dos gases, que, por sua vez, aplica uma maior força sobre o pistão, gerando assim
uma maior potência).
A razão entre o volume total existente no cilindro, Vt (pistão no PMI), e o volume da
câmara de combustão, Vm (pistão no PMS), é denominada razão de compressão ou taxa de
compressão, e indica quantas vezes a mistura ar-combustível (ou simplesmente o ar, no caso
dos motores Diesel), aspirada para dentro dos cilindros pelo pistão, é comprimida dentro da
câmara de combustão antes que se inicie o processo de queima. Desta maneira, em um motor
a gasolina cuja taxa de compressão é especificada de 9:1, o volume aspirado para dentro do
cilindro é comprimido nove vezes antes que a centelha da vela inicie a combustão. Do ponto
de vista termodinâmico, a taxa de compressão é diretamente responsável pelo rendimento
térmico do motor. Portanto, quanto maior a taxa de compressão, melhor será o
aproveitamento energético do motor com relação ao combustível sendo consumido. Os
motores Diesel, portanto, consomem menos combustível que um similar a gasolina (taxas de
compressão usuais entre 6:1 e 9:1), gerando a mesma potência, por trabalhar com taxas de
compressão altíssimas (entre 14:1 e 22:1, dependendo do tipo de motor). Aumentos na taxa
de compressão são tecnicamente limitados pelas propriedades do combustível, os quais, pelas
suas características químicas, apresentam um limite de compressão antes de se autoignitar.
Admissão Exaustão

PMS
Número de vezes
em que a mistura é
comprimida até que
o pistão atinja o
PMS, saindo do
PMI

PMI

Figura 3. Representação do conceito de taxa de compressão em um motor.


Referências Bibliográficas
Heywood, J.B. 1988. Internal Combustion Engine Fundamentals, McGraw-Hill, 930 p.

Você também pode gostar