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DEFINIÇÃO DE COMPORTAMENTO 1

HÉLIO JOSÉ GUILHARDI

Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento


Campinas - SP

As atividades de um organismo compõem um todo indivisível. Para fins de estudo, porém, elas
podem ser divididas em unidades arbitrárias, cada qual denominada resposta. Os critérios de
fracionamento das atividades do organismo podem atender a diferentes objetivos do estudo.
Assim, por exemplo, um cliente pode se queixar de “ataques de pânico”, então o “ataque”
devidamente definido pelo psicoterapeuta poderá ser considerado um episódio de pânico. Trata-
se de uma sensação de “aperto” no peito? Sentiu que estava perto de desmaiar? Notou que suas
pernas estavam trêmulas? Precisou parar de dirigir imediatamente e permaneceu imóvel no
carro com forte sudorese? O episódio, como se vê, pode ser decomposto em diferentes
respostas; o psicoterapeuta pode decompor os sintomas em “mais graves” ou “menos graves”,
dar orientações diferenciadas, tais como, “Se tiver sensações aversivas em casa tente não
interromper o que está fazendo”, “Se estiver no trânsito, ao mínimo sinal de desconforto,
estacione onde conseguir!”. A decomposição, convém repetir, é arbitrária, sujeita a critérios do
psicoterapeuta. A resposta é um evento efêmero, deixa de existir tão logo complete sua emissão,
como tal não é um evento nem um conceito útil na Análise do Comportamento. O que se pode
fazer com uma resposta que já não existe mais? Surge então, o conceito de classe de respostas,
que é o agrupamento de respostas que têm alguma coisa em comum entre elas. O elemento
comum, que permite agrupá-las dentro de uma classe arbitrária, pode variar. Dois critérios
prevalecem:

1. As respostas não têm o mesmo fenótipo, mas têm a mesma função. É o caso do episódio de
pânico descrito: as sensações corporais e suas localizações no corpo não se assemelham,
mas todas têm a mesma função: são aversivas. Se, porém, o cliente, após fazer exercício
físico intenso, sentir aumento da frequência cardíaca, reconhecer que esta alteração é
esperada e, como tal, não se preocupar com ela, não lhe é aversiva, então, não pertencerá à
classe de respostas de pânico, uma vez que alteração dos batimentos cardíacos – embora
pertença à classe de respostas do pânico quanto ao seu fenótipo – não é aversiva para ele;
não tem a mesma função. Veja em outro exemplo, as respostas: mandar uma mensagem
para alguém ou chamá-la pelo celular ou ir até a casa dela e bater na porta pertencem à
mesma classe de resposta “entrar em contato com”, embora tenham fenótipos que não se
comparam. O que permite agrupá-las é a função que é comum às três. Outro exemplo de
respostas com fenótipos diferentes, mas com a mesma função, pode ser encontrado nas
relações de equivalência. Assim, por exemplo, a palavra escrita “casa”, a palavra dita
“casa”, e o desenho de uma “casa” diferem quanto ao fenótipo, mas evocam o mesmo
conceito “casa”. Pertencem à mesma classe pela função. O conceito de equivalência pode
acontecer na condição do cliente que se queixa de “ataques de pânico”. Suponha que seus
amigos o convidem para passar uma semana de férias na praia, e ele começa pensar: “O que

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DEZEMBRO/2022
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vai acontecer comigo se tiver um ‘pânico’ na praia?”; “Será que na praia existe um Pronto
Socorro confiável?”; “Que posso fazer se tiver sensação de que vou morrer num
congestionamento na volta?” etc. Nesta condição, os pensamentos têm funções equivalentes
às sensações corporais aversivas.
2. As respostas têm fenótipos semelhantes, não importam as suas funções. Assim, subir uma
escada para ir dormir no quarto, subir uma escada para trocar uma lâmpada, subir uma
escada para limpar a calha entupida, pertencem à mesma classe de respostas, quanto ao
fenótipo, não quanto às suas funções. Um exemplo mais rigoroso seria o que se espera de
um ator que declama um poema de memória. A repetição sem troca de palavras, sem
omissão de verso, pertence à classe de “declamar poesia com boa memória”; qualquer
equívoco pertence à outra classe “não saber a poesia de memória!”. Permitem-se algumas
variações de gestos, de entonação etc. (afinal uma resposta nunca se repete da mesma
forma), mas a repetição precisa de cada palavra – cópia oral do texto – é que permite
considerar duas ou mais encenações como pertencentes à mesma classe de respostas
“declamar o poema sem erros”.
Analogamente, o ambiente também é um todo indivisível. Para fins de estudo, porém, ele pode
ser dividido em unidades arbitrárias, cada qual denominada estímulo. Os critérios de
fracionamento dos estímulos podem atender a diferentes objetivos do estudo. Assim, a
passagem de uma ambulância, em alta velocidade, soando a sirene, pode despertar numa pessoa
a expressão “Que máquina potente; isto é um verdadeiro motor V8...”, enquanto outra pessoa
poderia dizer: “A sirene tem para mim o significado de morte trágica… Quando ouço o som de
uma ambulância, perco o sono e fico pensando que não quero morrer!…” Se essas pessoas
fossem clientes, despertariam no psicoterapeuta diferentes maneiras de lidar com os estímulos:
para uma, a sirene e a alta velocidade da ambulância têm função de SD, para outra têm função
de Sav. Dessas condições resultam análises e intervenções diferentes; num caso a discussão se
refere a modelo de carros, potência do motor, velocidade etc.; no segundo, a doenças,
hospitalização, morte, acidentes em estradas etc. Estes temas são comuns no processo
psicoterapêutico e podem evocar diferentes procedimentos de ajuda. Assim, uma possibilidade
é enfraquecer as reações do cliente frente às funções aversivas da ambulância e colocá-lo sob
controle das funções positivas dela, tais como seu papel de socorrer uma pessoa doente ou
adoentada, salvar vidas etc. Além dessa estratégia, o psicoterapeuta também deve conduzir o
processo de ajuda na direção de reduzir ou eliminar as funções aversivas distorcidas e
exageradas dos temas doença, hospital, pronto-socorro, UTI, cirurgia, anestesia, quimioterapia,
tumor etc.

Os estímulos devem ser fracionados e suas funções modificadas com vistas a melhorar a
qualidade de vida do cliente. O estímulo é um evento efêmero, deixa de existir tão logo cumpra
sua função, como tal, não é um evento nem um conceito útil na Análise do Comportamento.
Surge, então, o conceito de classes de estímulos, que é o agrupamento de estímulos que têm
alguma coisa em comum entre eles. O elemento comum, que permite agrupá-los dentro de uma
classe arbitrária (definido pelo analista do comportamento sob controle dos objetivos de sua
investigação) pode variar. De forma análoga, conforme apresentada na definição de classe de

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respostas, a definição de classes de estímulos também está condicionada por critérios
arbitrários, três dos quais podem ser:

1. Funções adquiridas dos estímulos. Assim, uma luz pode ser SD e um som Spré-aversivo
para um sujeito experimental, enquanto, que som pode ser SD e luz Spré-aversivo para
outro. Som e luz, embora sejam estímulos diferentes, pertencem à mesma classe, pois
têm a mesma função de SD, para cada sujeito, respectivamente; bem como som e luz,
embora sejam estímulos diferentes, pertencem à mesma classe, pois têm a mesma
função de Spré-aversivo, para cada sujeito, respectivamente;
2. Relações de equivalência adquiridas pelos estímulos. Assim, diferentes estímulos
podem pertencer à mesma classe, mesmo que não sejam fisicamente semelhantes e
pertençam a diferentes naturezas. (Este é um caso especial do anterior.) A palavra escrita
(em um papel, em uma tela, em uma lousa...) “casa” tem função equivalente à palavra
“casa” dita de forma audível, ambas têm função equivalente ao desenho (ou foto ou
vídeo) de uma casa e finalmente, todas equivalem a uma casa real. Os estímulos que
evocam o mesmo comportamento são de diferentes naturezas, mas pertencem – por
processo de exposição a contingências de reforçamento – à mesma classe de SDs, os
quais têm função de evocar a mesma classe de resposta sob controle do conceito “casa”.
3. Semelhanças na natureza física entre estímulos. Assim, luz branca, luz verde e luz
amarela, por exemplo, podem pertencer à mesma classe de estímulos com função de
SD, ou de Spré-aversivo, enquanto som agudo, som grave, som intenso e som brando,
por exemplo, podem pertencer à mesma classe de estímulos com função de Spré-
aversivo ou de SD. Pertencem à mesma classe por estimularem o mesmo órgão sensorial
e por pertencerem à mesma classe de ondas (luminosas umas; sonoras outras). A função
adquirida por um estímulo pode ser evocada por outro estímulo, fisicamente
semelhantes, pelo processo de generalização de estímulos: uma mesma resposta é
evocada por estímulos da mesma classe. Assim, quando o motorista se comporta sob
controle das luzes de um semáforo, ele está respondendo com três possíveis classes de
respostas (parar, reduzir e avançar) à classe de estímulo que define um semáforo, qual
seja a presença de três luzes (verde, amarela e vermelha), que acendem e apagam em
sucessão. Tal comportamento discriminativo ocorre independentemente do tamanho do
equipamento, da altura em que está fixado, se é dia ou noite e de outras particularidades
não funcionais do semáforo. De modo análogo, se for pedido a uma criança que mostre,
em uma loja de móveis, quais são as mesas, ela selecionará uma mesa retangular, uma
oval, uma alta, uma baixa, uma com seis pés, outra com três etc., ou seja, ela responde
da mesma maneira – qual seja apontando – os móveis que pertencem à mesma classe
de estímulos. Por outro lado, ela pode, diante de diferentes cadeiras, afirmar que são
todas cadeiras e não são mesas, mesmo que sobre as cadeiras estejam apoiados itens que
geralmente ficam sobre mesas (uma fruteira, um vaso etc.). Um conceito é uma
generalização intra-estímulos (aqueles que pertencem a uma mesma classe) e
discriminação inter-estímulos (aqueles que não pertencem à mesma classe): todas as
diferentes mesas pertencem a uma mesma classe de estímulos, todas as diferentes

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cadeiras pertencem, por sua vez, a uma mesma classe de estímulos, mas ocorre a
discriminação entre uma classe e outra. Acompanhe os exemplos: diferentes móveis
podem ser agrupados dentro de uma mesma classe denominada “cadeira”
(generalização intra-móveis com determinadas características). Diferentes móveis
podem ser agrupados dentro de uma mesma classe denominada “mesa” (generalização
intra-móveis com determinadas características). Se alguém vê uma pessoa sentada
sobre uma mesa, ela não dirá que essa pessoa está sentada em uma cadeira, mas sim em
uma mesa, não obstante esta mesa estar sendo usada como se costuma usar uma cadeira.
Desta maneira, há uma discriminação inter-móveis: “Tal pessoa está sentada sobre a
mesa”, dirá um observador. De maneira análoga, se alguém chega com alguns livros
nos braços e rapidamente os coloca sobre uma cadeira, um observador não dirá que ela
colocou os livros sobre uma mesa, não obstante esta cadeira estar sendo usada como se
costuma usar uma mesa. Desta maneira, há uma discriminação inter-móveis: “Esse
alguém colocou os livros sobre a cadeira”, dirá o observador.

As propriedades funcionais dos estímulos e das respostas não estão no estímulo em si nem na
resposta em si, mas nas contingências de reforçamento das quais fazem parte. Assim, se há
reforçamento positivo diferencial produzido na presença da luz amarela e há extinção na
presença da luz verde, a primeira adquire função de SD e a segunda função de S∆, ou seja,
quebra-se a generalização de estímulos evocadores e ocorre discriminação entre eles. Se for
dito a um vendedor de móveis “Quero uma mesa modelo Luíz V”, ele mostrará para o cliente
mesas que atendam ao modelo solicitado e não apontará para nenhuma outra mesa, que pertença
a outro estilo. Quebra-se a generalização do conceito mesa e forma-se uma discriminação.
Neste ponto, cabe uma definição conceitual de estímulo. Ela engloba tanto a função de
estímulo exercida por eventos naturais (luz, som, chuva, sol, mar, deserto, terremoto,
inundação, vento, fogo etc.), como a função de estímulo exercida por comportimentos
humanos (bem como, com certeza, manifestações de organismos não humanos. Assim, por
exemplo, a aproximação de um cachorro bravo ou o aparecimento de uma barata perto do sofá
têm funções de Sav e evocam e comportamentos de fuga-esquiva). Estímulo é qualquer evento
ou circunstância externo à resposta que a influencia.
Estímulo, para o analista de comportamento, é um evento físico ou comportamental –
necessariamente funcional –; ele se define pela interação com alguma manifestação da pessoa
que se comporta no episódio de interesse. Dizer em voz alta, em um lugar público “Amauri!”,
provavelmente, não controlará comportamentos daqueles que não se chamam “Amauri” (exceto
para os que tiverem curiosidade sobre o que está acontecendo com o “Amauri” ...), para elas
esse nome não tem função de estímulo; será, no entanto, um estímulo para o “Amauri”. Por
outro lado, em um ambiente público fechado, tal como no cinema, alguém gritar “Fogo”, quase
certamente evocará nos presentes comportamentos de correr, gritar, chorar etc.; será um
estímulo para todos.
De maneira equivalente, as manifestações que interessam ao analista de comportamento são
necessariamente funcionais; elas se definem pela interação com algum evento antecedente e
com algum evento por ela produzido (consequência selecionadora). Assim, uma pessoa ao gritar
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no meio do supermercado um nome, por exemplo, “Daniel”, imediatamente evocará perguntas,
tais como “Por que ele gritou ‘Daniel’? Será seu nome? Está chamando alguém?” etc. Essas
perguntas mostram que a manifestação, pura e simples, não basta; procura-se saber qual é sua
função. Para o analista de comportamento a palavra “Daniel”, dita em voz alta, não é uma
manifestação funcional.
Nem as atividades isoladas do organismo nem tampouco os aspectos individualizados do
ambiente são o objeto de estudo do analista de comportamento. Seu objeto de interesse e de
intervenção é a interação entre organismo e ambiente. Tal interação recebe o nome de
comportamento. Assim sendo, o comportamento não é diretamente observado, mas inferido a
partir da observação da influência recíproca entre organismo e ambiente. Dessa forma, a
representação esquemática do objeto de estudo do analista de comportamento será:

A O

A seta de interação recíproca é a representação do comportamento.

Tal representação conceitual, no entanto, é muito esquematizada para ser funcionalmente útil.
Ela não instrumenta o estudioso a lidar efetivamente com o comportamento. Há necessidade de
dar um passo além e expressar num outro paradigma como se dá tal interação. Assim, as
interações entre organismo e ambiente são decompostas em múltiplas possíveis formas de
influências, as quais recebem o nome de Contingências de Reforçamento. A representação mais
simples de uma Contingência de Reforçamento envolve três componentes (daí ser chamada de
tríplice contingência), quais sejam:

ANTECEDENTE RESPOSTA CONSEQUÊNCIA

A ocasião em que a Alguma atividade do Algum evento produzido


resposta ocorre organismo pela resposta

Deve ser destacado que “atividade do organismo” tem um significado restrito a manifestações
em suas interações com eventos com funções evocadoras e eliciadoras e com funções
selecionadoras. O funcionamento fisiológico do organismo em si não é objeto de estudo do
analista de comportamento. Assim, batimento cardíaco, trocas gasosas nos pulmões, secreção
de urina, digestão, produção de insulina, mecanismos de atuação de neurotransmissores no
cérebro não são objeto de estudo nem de intervenção da Análise de Comportamento; pertencem
à Biologia, em geral, e à Fisiologia, Genética, Endocrinologia etc., em particular. No entanto,
batimentos cardíacos acelerados detectados em pessoas com síndrome do pânico, alteração de
glicemia em portadores de diabetes, evocados e eliciados por eventos ambientais, dificuldades
alimentares apresentadas por pessoas com anorexia, entre muitos outros exemplos, nos quais
as atividades fisiológicas e seus produtos têm a ver com interações ambientais evocadoras,
eliciadoras e selecionadoras, são objeto de interesse, de análise e intervenção do analista de
comportamento.

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O esquema que se segue é uma representação mais didática da conceituação de comportamento:

Interações
A recíprocas O

Comportamento é interação, representado pela seta de duplo sentido

Comportamento se define e se operacionaliza por meio de


contingências de reforçamento. A interação se expressa, portanto, pelas
contingências de reforçamento, a mais simples das quais é a tríplice

A R C

Contingências de reforçamento definem comportamentos.


Descrever contingências é descrever comportamentos

Pode-se perguntar: qual é a diferença entre os conceitos de comportamento e de contingência


de reforçamento? O primeiro se resume em afirmar que se trata de uma interação entre
organismo e ambiente, no entanto, sem definir nenhum desses três termos. As contingências
de reforçamento, por sua vez, identificam quais são os termos funcionais da interação e como
se influenciam reciprocamente. Deve-se avançar, portanto, à análise dos termos:

Organismo, para o analista de comportamento, limita-se às manifestações desse organismo,


mas não se estende às manifestações fisiológicas dele, tema que interessa e é objeto de estudo
da Biologia, da Fisiologia, da Medicina etc. Ao analista do comportamento interessam as
manifestações do organismo vivo que interage com o ambiente (a ser definido em seguida),
como tal deve se afirmar Manifestações Funcionais da pessoa sob estudo. Assim, uma pessoa
assaltada sob ameaça de morte sente reações respondentes (aceleração dos batimentos
cardíacos, alteração da pressão sanguínea, amortecimento nos membros, tontura etc.), que são
eliciadas no contexto do perigo iminente e têm funções aversivas. Não são essas reações
respondentes a única preocupação do analista de comportamento, mas as principais são as
manifestações operantes evocadas pela circunstância a que a pessoa está exposta. Por outro
lado, uma pessoa que sofre de transtorno de pânico, ou de ansiedade generalizada (TAG), tem,
quase sempre, dificuldade para identificar quais eventos ambientais têm funções eliciadoras das
manifestações respondentes aversivas (elas, em geral, relatam “Do nada... de repente... meu
coração dispara, minhas mãos amortecem...”). Ou seja, as manifestações aversivas em si
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passam a ter funções evocadoras e eliciadoras; são manifestações corporais com funções de
evento-ambiente evocador e eliciador. Note que, na condição do assalto, as reações
respondentes aversivas têm função de manifestações funcionais eliciadas, ou seja, são parte
do organismo e no pânico têm funções evocadoras (pensamentos de estar tendo um ataque
cardíaco, de morrer, pedir socorro, parar o carro, correr para o quarto, tomar algum remédio
etc.) e eliciadoras de mais reações respondentes aversivas (perder o equilíbrio e cair, imobilizar
movimentos, vomitar, ter diarreia etc.), ou seja, são parte funcional do ambiente.

Ambiente, para o analista de comportamento, é todo evento com função evocadora (de
manifestações operantes), eliciadora (de manifestações respondentes) e selecionadora (de
manifestações operantes) produzidas por essas manifestações. Neste sentido, então, o ambiente
abrange tanto eventos naturais como manifestações do organismo, eventos históricos (do
passado) e distantes fisicamente, porque eles se tornam atuais e próximos desde o momento em
que são evocados como comportamentos atuais, com fenótipo de memória, pensamento,
imaginação etc. Assim, a humilhação que um pai causou no filho de 10 anos torna-se atual
quando, o garoto agora adulto, pensa nela, reorganiza a visão daquele evento e se lembra das
palavras e gestos do pai... Tal reconstituição do que ocorreu no passado pode incluir ouvir sons
e sentir cheiros que estavam presentes naqueles momentos terrivelmente aversivos. Uma
diferença da visão clássica exposta pelo modelo explicativo mecanicista, em que causa é um
evento necessário e suficiente para explicar o movimento e antecede o efeito – que prevalece
nas abordagens psicoterapêuticas vigentes –, com a visão do papel do ambiente na análise do
comportamento é que o ambiente pode vir antes das manifestações funcionais na pessoa (ele
tem funções evocadoras e eliciadoras) bem como pode vir depois (ele tem função
selecionadora) e as interações entre ambiente e organismo são funcionais (não mecânicas), ou
seja, substitui o modelo explicativo mecanicista (nascido na Física) pelo modelo explicativo
darwiniano de seleção dos comportamentos pelas suas consequências (nascido na biologia).

Interação, para o analista de comportamento, é descrita e operacionalizada quando o termo


“interação” se revela como interações entre os termos das contingências de reforçamento (a
tríplice contingência é tão somente o modelo, aliás o mais simples, dentre as possíveis
contingências de reforçamento e suas influências recíprocas). Desta maneira, os eventos
funcionais antecedentes interagem com as manifestações funcionais da pessoa como
evocadores e eliciadores, enquanto os eventos funcionais produzidos pelas manifestações
interagem como selecionadores. As manifestações funcionais, por seu turno, interagem como
evocadas, eliciadas ou neutras pelos eventos funcionais antecedentes e como fortalecidas,
enfraquecidas ou mantidas pelas funções dos eventos selecionadores ou se mostram alheias aos
eventos evocadores e eliciadores em pauta.

Voltando à pergunta que evocou a análise exposta sobre a diferença entre comportamento e
contingências de reforçamento, pode-se afirmar que o primeiro termo é estrutural, porque
nomeia sem definir as funções dos três termos (organismo, ambiente e interação), enquanto a
contingência de reforçamento só existe como descrição das interações recíprocas entre os três
termos. A contingência de reforçamento é o instrumento que o analista de comportamento
tem para analisar, decompor e reconstruir o episódio comportamental de interesse.

Segue-se uma revisão do que foi exposto:

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Pretendo sugerir que seja evitado o uso dos termos “respostas” e “estímulo” ao se analisar um
episódio comportamental. Assim, todo evento – seja ele uma manifestação do organismo, seja
ele uma mudança no ambiente físico – que tenha a função de evocar, eliciar ou selecionar um
comportamento deve ser chamado de EVENTO COM FUNÇÃO EVOCADORA ELICIADORA
ou EVENTO COM FUNÇÃO SELECIONADORA. Por outro lado, os eventos afetados pelas
funções evocadoras e eliciadoras ou selecionadoras devem ser chamados de EVENTOS
EVOCADOS E ELICIADOS ou EVENTOS SELECIONADOS. Adicionalmente, o objeto de
estudo do analista do comportamento não são todas as manifestações das pessoas sob estudo,
mas apenas aquelas que foram evocadas, eliciadas ou selecionadas na interação com eventos
com funções evocadora, eliciadora e selecionadora. Assim, por exemplo, a pergunta “Onde fica
a Igreja do Carmo?” produz um EVENTO EVOCADO, tal como: “Siga nesta rua por quatro
quarteirões e, na esquina vire à sua esquerda…” trata-se de um EVENTO EVOCADO
FUNCIONAL, o que o distingue de outras manifestações do informante que ocorrem contíguas
à pergunta, pois ele pode simultaneamente atender ao celular e iniciar uma conversa,
manifestações que nada têm a ver com o pedido de informação (estão sob controle de outros
antecedentes), apenas ocorreram numa sequência temporal após a pergunta sobre a direção a
seguir e, portanto, não têm função de EVENTO EVOCADO pela pergunta feita.

Conclusão: todas as manifestações da pessoa que são objeto da análise do episódio


comportamental de interesse devem ser identificadas como MANIFESTAÇÕES EVOCADAS-
ELICIADAS OU SELECIONADAS FUNCIONAIS; o adjetivo “funcional” exclui outras
manifestações, que podem estar ocorrendo, mas que não têm relação funcional com o EVENTO
EVOCADOR… assim, as interações entre as classes funcionais devem ser esquematizadas da
seguinte forma:

Interações Funcionais entre Ambiente e Organismo: Esquema Conceitual

FUNÇÕES: INTERAÇÕES ENTRE AS MANIFESTAÇÕES


EVOCADORAS FUNÇÕES DOS TERMOS FUNCIONAIS: EVOCADAS
ELICIADORAS ELICIADAS E
SELECIONADORAS SELECIONADAS
(substitui o termo ambiente e o (substitui o termo organismo e
DAS CONTINGÊNCIAS DE o amplia e o atualiza)
amplia e o atualiza)
REFORÇO AUMENTO

A apresentação dos componentes das interações, como se pode ver no Esquema Conceitual
acima, deixa de conter condições estáticas (organismo e ambiente) e as substitui por funções
do ambiente e do organismo. Desta maneira, o ambiente físico, bem como as manifestações das
pessoas, tem funções evocadoras, eliciadoras e selecionadoras. Note que os comportimentos
humanos – agora reconhecidos como manifestações funcionais – podem ter funções
evocadoras e eliciadoras. Além disso, o ambiente físico, bem como as manifestações da
pessoa, tem funções selecionadoras. Note que os comportimentos humanos – agora
reconhecidos como manifestações funcionais – podem ter funções selecionadoras.

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Sequência de Decisões para Compor a Tríplice Contingência

1. Identifique quem será o sujeito do estudo: o pai? A mãe? O cliente? Seu parceiro? O
filho? O irmão?...
2. Identifique qual comportamento será o objeto do estudo: agressão? A subserviência? O
pânico? A fobia? A procrastinação? A depressão?
3. Identifique qual o evento presente que evoca-elicia o comportamento sob estudo: um
pedido? Uma ordem? A indiferença? A desobediência? A nota baixa? A agressão? O
celular? O amigo do parceiro? O atraso? O sal na comida? A sogra? A queixa da escola?
4. Identifique qual a contingência motivacional relacionada com o comportamento em
estudo que a está influenciando. Algumas frases do falante dão indícios de contingências
motivacionais presentes para o ouvinte, tais como: “Até quando sua mãe vai ser mais
importante que nossa família?”; “Minha foto em close é um cartão de crédito!…”;
“Quando você vai decidir arrumar o seu quarto?”; “Você pretende arrumar um
emprego?”; “Quando vai parar de dizer que vive ansioso?”.
5. Relacione a história de contingências do cliente com as manifestações evocadas,
eliciadas e selecionadas com os eventos evocadores, eliciadores e selecionadores que
têm operado na vida cotidiana atual do cliente e que são de interesse significativo no
processo psicoterapêutico (o “interesse significativo” pode ser identificado nas queixas
espontâneas do cliente e nas suas dificuldades identificadas pelo psicoterapeuta).

Objetivos da Tríplice Contingência

O estudo da tríplice contingência dá oportunidade para dois processos interativos e


complementares de investigação e de intervenções, quais sejam análise e síntese dos episódios
comportamentais.

A análise envolve a decomposição do episódio nos termos das contingências de reforçamento.


No caso da tríplice contingência os termos são:

a. eventos com funções evocadoras e eliciadoras;


b. manifestações funcionais evocadas, eliciadas e selecionadas;
c. eventos com funções selecionadoras.

O processo de análise ocorre em dois estágios:

1. Identificação e descrição dos componentes de cada termo da contingência em estudo.


Assim, por exemplo, o pai chegou do trabalho (evento com funções evocadoras e
eliciadoras), Júnior se trancou no quarto com um livro escolar aberto sobre a
escrivaninha (manifestações funcionais evocadas, eliciadas e selecionadas de Júnior), o
pai abriu a porta e comentou: “Que bom! Estudando, filho?” (evento com função
selecionadora);

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2. Atribuição de funções prováveis (a serem confirmadas) para cada termo. Assim, a
chegada do pai tem função pré-aversiva, Júnior entrar no quarto e abrir o livro tem
função de fuga-esquiva de prováveis críticas e sanções do pai e o comentário do pai tem
função de reforço negativo (o comportamento de fuga-esquiva foi bem-sucedido). A
frase do pai tem fenótipo de reforço positivo (o pai pretende estar elogiando o filho),
mas sua real função é de reforço negativo (sinaliza para o filho que não será criticado,
ameaçado, punido, enfim!).

Aqui se encerra o processo de análise do episódio comportamental.

O processo de síntese comportamental se caracteriza por interpretações e intervenções que


sintetizam o processo comportamental analisado. Cabe neste ponto expor em que consiste uma
interpretação para o Analista do Comportamento. Ela é uma sistematização de dados do
episódio comportamental de interesse e não livres asserções – invenções descritivas ou
explicativas sem apoio em evidências empíricas sistematizadas. Veja os exemplos, a partir de
duas metáforas:

A.

“Trata-se de um triângulo” é uma interpretação baseada em dados empíricos: três pontos


distribuídos de maneira específica no espaço.

B.

“Trata-se de uma lança” é uma interpretação arbitrariamente evocada; não há evidência


empírica que favoreça esta interpretação em detrimento de outras.

Veja interpretações dadas ao seguinte sonho:

João (42) sonhou que era criança, estava sentado na calçada do outro lado da rua, de onde via
a maternidade, onde estava sua mãe com seu irmãozinho recém-nascido, ardendo em chamas…

A. “Você está com raiva de sua mãe e de seu irmão e deseja que morram… Mostra sua
agressividade!”

B. “Você estava se sentindo desamparado, sozinho na calçada sem esperança de ser


acolhido pela sua mãe… Mostra sua carência de afeto materno!”

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Nenhuma das duas se sustenta em evidências empíricas sistematizadas. Cabe ao psicoterapeuta
colher mais dados sobre a história de contingências e sobre as contingências de reforçamento
presentemente em operação… em suma, o psicoterapeuta deve se abster de fazer interpretações
prematuras; seu compromisso é coletar mais e mais dados até se sentir apoiado em evidências
– não em crenças, em preferências, em ideologias, pessoas… – para, só então, fazer uma
interpretação. E mais, ele deve estar ciente de que toda interpretação está sujeita a retificações
e reformulações mais confiáveis, quando novas evidências evocarem revisões e atualizações.
Assim, no episódio de interação entre o Júnior e o pai, os processos comportamentais entre eles
poderiam ser explicitados (ou seja, interpretados). Assim, o episódio de interação entre Júnior
e seu pai pode ser sintetizado da seguinte maneira: “Trata-se de um episódio de comportamento
de fuga-esquiva de Júnior, mantido por reforçamento negativo aplicado pelo pai, que dá sinais,
ao dizer ‘Estudando, filho?’, de que não aplicará sanções nem fará comentários aversivos”. (A
síntese, assim apresentada, não se baseou exclusivamente no episódio narrado, mas incluiu
outros episódios, selecionados pelo psicoterapeuta, da história de contingências das relações
entre Júnior e seu pai, que lhe permitiu chegar à síntese de que, nas relações entre ambos,
prevalecem contingências coercitivas camufladas pelo fenótipo de contingências reforçadoras
positivas.)

A síntese avança, então, para o processo de alterar – em benefício do cliente e se possível


também das pessoas que interagem sistematicamente com ele – as contingências aversivas e
substituí-las por contingências positivas construtivas. Este processo envolve enfraquecer
comportamentos indesejados das pessoas envolvidas: Júnior deve deixar de emitir
comportamentos de fuga-esquiva e passar a emitir comportamentos construtivos – aqueles que
produzem consequências reforçadoras positivas – como, por exemplo, estudar de forma
disciplinada e, desta maneira, produzir reforços naturais (aprender) e arbitrárias (boas notas e
elogios do pai). O pai, por outro lado, também precisa deixar de emitir comportamentos de
crítica, parar de aplicar sanções para déficits acadêmicos do filho e flexibilizar suas exigências
para que Junior emita comportamentos com melhores desempenhos nas atividades acadêmicas.
Deve, por sua vez, passar a emitir comportamentos de acolhimento para o filho e participar das
atividades dele, aplicando procedimentos de reforçamento positivo diferencial para
desempenhos – em múltiplas e diferentes atividades, tais como lazer, práticas de esporte,
participação em atividades sociais com os colegas da escola etc. e não apenas nas acadêmicas
– privilegiando consequências reforçadoras positivas amenas e, sempre que possível, naturais,
contingentes à avanços graduais nos desempenhos e no envolvimento nas atividades.

A síntese se completa, enfim, com a aplicação de contingências de reforçamento que alteram,


mudam ou constroem novos comportamentos. Às novas contingências dá-se o nome de
procedimentos psicoterapêuticos: começa a partir do desfecho, da análise dos comportamentos
do episódio comportamental em foco, se desenvolve com a intervenção nas contingências
indesejadas, substituindo-as por contingências mais favoráveis e se completa com a
demonstração dos resultados comportamentais, comprovadamente alcançados por meio dos
procedimentos implementados! (Procedimentos psicoterapêuticos são contingências de
reforçamento aplicadas.)

Claude Bernard (1967) resumiu a interação entre análise e síntese com a seguinte frase: “A
síntese junta o que a análise dividiu e essa síntese, por consequência, confirma a análise”.

11
Figura 1. CONCEPÇÃO ATUALIZADA DA TRIPLÍCE CONTINGÊNCIA
GUILHARDI (2022)

12
COMPONENTES DA NOVA SISTEMATIZAÇÃO DA TRÍPLICE CONTINGÊNCIA:
FUNÇÕES EVOCADORAS E ELICIADORAS, MANIFESTAÇÕES FUNCIONAIS E
FUNÇÕES SELECIONADORAS

As considerações conceituais até agora apresentadas serviram de fundamento para a proposta


de uma nova concepção de tríplice contingência, que será apresentada nas páginas seguintes, a
qual visa, fundamentalmente, instrumentar o analista do comportamento a compor os três
termos das contingências, de maneira estritamente funcional. Assim, o termo convencional
Antecedente foi substituído por Funções Evocadoras e Eliciadoras; o termo convencional
Respostas foi substituído por Manifestações Funcionais (do Homo sapiens); o termo
convencional Consequências foi substituído por Funções Selecionadoras. A Figura 1,
denominada Concepção Atualizada da Tríplice Contingência, mostra o novo esquema das
interações entre os componentes da tríplice contingência.

FUNÇÕES EVOCADORAS E ELICIADORAS

As Funções Evocadoras e Eliciadoras incluem três classes de contingências de reforçamento.


A Figura 2, Funções Evocadoras e Eliciadoras, mostra em detalhes as três colunas que
compõem essas funções.

Figura 2. FUNÇÕES EVOCADORAS E ELICIADORAS

13
Assim, conforme apresentados na coluna A, estão as Funções de Eventos ou de
Contingências de Reforçamento, que Evocam e Eliciam Manifestações Funcionais do
Homo sapiens. Suponha, por exemplo, que uma luz se acende na gaiola experimental do sujeito
da investigação (pode ser, por exemplo, um rato ou pombo), ou, no caso de um episódio
comportamental com humanos, a convocação feita pelo coordenador de uma equipe de trabalho
de uma Empresa Multinacional para que seus colaboradores venham fazer horas extras,
necessárias para atingir os objetivos de produção dentro do prazo estipulado pela diretoria geral.
Tanto a luz acesa na gaiola, como a convocação do supervisor, são exemplos de eventos – na
verdade são contingências de reforçamento – atuais e presentes –, que evocam e eliciam
comportamentos. (Convém esclarecer que nas análises que se seguirão, será dada prioridade
para os eventos operantes. Assume-se que os eventos respondentes estarão sendo eliciados, mas
a eles somente será dado destaque, quando as manifestações funcionais respondentes forem
foco das intervenções psicoterapêuticas, como, por exemplo, nas queixas de fobias e de
episódios de pânico paralisantes.)

Suponha que na condição experimental estão envolvidos três ratos e que na condição da
Empresa foram convocados Flávio, Lucas, Beto e outros. O que se observa é que o rato A, na
presença da luz, pressiona uma barra fixada na parede da gaiola e que Flávio prontamente
responde para o coordenador que pode contar com a presença dele no sábado. Os ratos B e C,
mesmo com a luz acessa, se mantêm imóveis; por sua vez, Lucas e Beto nada falam no momento
da convocação.

O rato A está privado de água e, quando a luz se acende, ele prontamente pressiona a barra e,
desta maneira, produz uma gota de água, a qual lambe sem demora. Pode-se concluir que a
privação de água é uma operação ou uma contingência de reforçamento motivacional. O rato
B está igualmente privado de água, não obstante, quando a luz se acende, não pressiona a barra.
O que há de diferente entre os ratos A e B, uma vez que ambos estão sob a mesma contingência
motivacional, mas seus comportamentos em relação à barra não são os mesmos? Pode-se
concluir, então, que a contingência motivacional (privação de água) é uma condição
necessária, mas não suficiente para que o comportamento em estudo seja emitido. O rato C
não está privado de água (a condição necessária não está presente) e, mesmo quando a luz se
acende, o comportamento de pressionar a barra não ocorre. Compreende-se a ausência de
pressão à barra, pois – convém repetir – a contingência motivacional de provação não está
presente. Permanece ainda, sem resposta, a pergunta: por que o rato B, mesmo estando privado
de água, não emite o comportamento alvo? Que outra condição é necessária, em conjunto com
a contingência motivacional, para emissão da pressão a barra?

Flávio está reformando o seu apartamento e, conforme pode-se concluir de sua frase para
Fernanda – sua esposa – “Bem dizem que reforma sempre fica mais cara do que o planejado…”,
está precisando de um dinheiro extra. Trabalhar no sábado é uma forte contingência
motivacional para ele; é a oportunidade de receber um dinheiro adicional, para novo “fôlego”
na reforma! Lucas, por sua vez, havia programado uma viagem com a esposa e os dois filhos
para o fim de semana. Já havia pagado o aluguel da casa da praia e estava planejando, inclusive,
voltar na segunda-feira e pretendia pedir dispensa do trabalho nesse dia. A contingência
motivacional (a programação da viagem) o induz a não atender ao pedido de seu coordenador.
14
Beto está vivendo uma séria crise conjugal com Joana; falam inclusive em separação e, para
ele, afastar-se da convivência com ela no final de semana equivale a empurrar seu casamento
ainda mais precipício abaixo!… A contingência motivacional o faz optar por estar ao lado de
Joana, focado na recuperação de sua vida conjugal. Nos dois casos, de Lucas e de Beto, a
contingência produzida pela convocação ao trabalho extra no sábado compete com as
respectivas contingências particulares, que tendem a privilegiar a emissão de uma resposta
negativa para a convocação de trabalhar no sábado. Conclui-se, então, que as contingências
motivacionais – a privação de água, no caso do rato A e os custos da reforma na condição de
Flávio – aumentaram a probabilidade de um e outro se comportarem sob controle da função de
SD das contingências presentes (luz acesa no caso do rato; convocação para o trabalho no
sábado, no caso de Flávio) e ambos emitiram resposta (pressionar a barra, no caso do rato A e
confirmar a presença no sábado, no caso de Flávio), que lhes produzirá reforçamento (água para
um; dinheiro extra para outro). As contingências motivacionais são necessárias, porém não
bastam, pois como se viu: o rato B está em privação e não pressiona a barra, enquanto o rato C,
por não estar privado, também não a pressionou. De modo equivalente, Flávio está ávido por
algum dinheiro extra, enquanto Lucas perderá o programa e o dinheiro já gasto, e Beto vai
complicar ainda mais seu relacionamento com Joana se ceder ao chefe! Há competição entre as
contingências motivacionais das vidas particulares de Flávio e Beto e as contingências
profissionais: para Flávio a convocação é uma contingência motivacional, que dá acesso ao
reforço dinheiro; para Beto e Lucas a convocação é um contingência que, em competição com
as presentes nos respectivos contextos familiares, têm função aversiva. Assim, para Beto, ir
trabalhar produzirá perda de reforços positivos disponíveis na viagem – para ele o dinheiro
extra do sábado não tem relevante função positiva –, enquanto dizer “não” ao seu supervisor
pode lhe trazer consequências aversivas (pelo menos ele pensa desta maneira), tais como
avaliações negativas e suas possíveis consequências. Recusar-se a trabalhar, Beto acredita pode
gerar punições positivas e negativas para ele. Vir trabalhar é então, comportamento de fuga-
esquiva no contexto profissional. Por sua vez, Lucas está, potencialmente, exposto às mesmas
contingências aversivas temidas por Beto, mas, na presente condição, Lucas está exposto à
contingências motivacionais, na sua vida conjugal, mais aversivas do que as possivelmente
aversivas do trabalho... Acrescente-se que Lucas não tem a mesma história de contingências de
Beto e, como tal, as reações do supervisor – imaginadas por Lucas – não o afetam nem
minimamente.

A Figura 3, denominada Interações entre as Funções Evocadoras e Eliciadoras (ilustrada


com sujeitos experimentais) e a Figura 4, denominada Interações entre as Funções
Evocadoras e Eliciadoras (ilustrada com pessoas) mostram as influências recíprocas entre as
três colunas que definem as funções evocadoras e eliciadoras.

15
Figura 3. Interações Entre as Funções Evocadoras e Eliciadoras
(ilustração com sujeitos experimentais)

*Luz acesa é um estímulo físico (pode não ter função nenhuma, como se verá com o rato C);
SD é função do estímulo físico.

16
Figura 4. Interações Entre as Funções Evocadoras e Eliciadoras
(ilustração com pessoas)

Na Figura 3. a coluna C dá destaque às funções dos componentes da tríplice contingência


advindas da história de contingências.

O rato A foi exposto a um procedimento discriminativo (essa é sua história de contingências),


que consistiu no seguinte:

a. O comportamento de pressão à barra foi selecionado pela gota de água, estímulo


reforçador, desde que esteja privado de água;
b. Diante da luz acesa (SD) a pressão à barra produz o reforço água;
c. Diante da luz apagada (S∆) a pressão à barra não produz reforçamento (extinção).

A presença do SD, a contingência motivacional e a história de contingências, ou seja, a


interação entre os três itens, evocaram a resposta de pressão à barra. Isso esclarece por que o
rato A, na presença da luz (que tem função de SD para ele), desde que esteja privado de água,
pressiona a barra. A contingência motivacional em interação com a história de contingências
(qual seja, o treino discriminativo) evocam a pressão à barra.

O rato B foi exposto às mesmas contingências que o rato A; o que os distingue é contingência
motivacional presente: o rato B não está privado de água. Desta maneira entende-se por que
não pressiona a barra na presença da luz acesa. Sua função SD está desativada. Bastaria a
introdução da contingência motivacional para levá-lo a se comportar como o rato A.

17
O rato C foi exposto às mesmas contingências que o ratos A e B, porém no seu treino
discriminativo as funções do estímulo luz foram invertidas: na presença da luz acesa nenhuma
pressão à barra produz reforço, ou seja, a função da luz acesa é S∆; enquanto na presença da
luz apagada pressões à barra produz reforço, ou seja, a função da luz apagada é SD. Entende-
se, portanto, porque o rato C, mesmo estando privado de água na presença da luz acesa, não
pressiona a barra; basta apagá-la e ele emitirá a resposta. Agora está clara a resposta à pergunta:
por que o rato B não pressionou a barra mesmo estando privado de água? Não pressionou
porque não houve interação entre a contingência motivacional e a história de contingências (luz
acesa não é SD); ambas precisam ocorrer de maneira interativa!

Estas informações levam à seguinte conclusão: são as interações recíprocas entre (1) a
contingência motivacional (privação de água), com (2) a história de contingências: aquisição
do comportamento de pressão à barra e treino discriminativo que dê origem à luz a função de
SD, com (3) a presença atual do estímulo discriminativo para que o comportamento sob
investigação seja emitido. Ausência de uma dessas três condições frustra a emissão do
comportamento alvo; a pressão à barra só ocorre se as três condições estiverem presentes.
Não ocorreu com o rato B porque a contingência motivacional não estava presente; não ocorreu
com o rato C porque o SD não estava presente.

Avance agora para a análise dos comportamentos dos funcionários da Multinacional:

Flávio está habilitado para o trabalho e as contingências motivacionais (necessidade de dinheiro


para reforma) aumentam a probabilidade de ir trabalhar no sábado; adicionalmente, sua história
de contingências o tornou responsável com seus compromissos, até o ponto em que concluir a
reforma é mais importante do que descansar no fim de semana. Logo, Flávio diz sim e vai
trabalhar.

Lucas está exposto a contingências motivacionais que aumentam a probabilidade de dizer “não”
para o seu superior, uma vez que está tudo certo – inclusive os pagamentos – para viajar, no
entanto, sua história de contingências o ensinou algumas regras que guiam seus
comportamentos, tais como: “O chefe sempre tem razão…”; “Dizer não à uma obrigação pode
causar perdas significativas (de emprego, de promoção, de dinheiro, de responsabilidade etc.)”;
“Faltar à responsabilidade causa sentimento de culpa…” (assim não vai curtir o passeio se não
for trabalhar); “Perder bens materiais e pessoais em favor do cumprimento do dever reverte em
ganhos a médio-longo prazo” etc. Sob controle das regras de sua história de contingências,
Lucas prefere perder o dinheiro investido no passeio, frustrar a esposa e os filhos e dizer “sim”
ao chamado para trabalhar no fim de semana. Neste caso, a história de contingências gerou
valores (o que lhe é reforçador e o que ele é aversivo) e crenças que superam as influências das
contingências motivacionais. A história de contingências foi mais forte.

Beto, por sua vez teve uma história de contingências em que foi privado de afeto, assim, sua
autoestima é muito baixa. Beto é emocionalmente dependente de Joana, é ciumento, cobra
continuamente evidências de que ela o ama, restringe atividades de independência da esposa,
circunstâncias que levaram à crise marital que está vivendo. A ameaça de perder Joana tem para
Beto uma função aversiva insuportável: o risco da separação (contingência presente aversiva)
ganhou a dimensão atual como resultado de sua história de contingências. Nestas
18
circunstâncias, Beto diz “não” ao trabalho no sábado. Note que a mesma operação
motivacional - convocação para trabalhar no sábado - tem diferentes funções motivacionais,
como resultado de suas interações com a história de contingências. As funções são resultado
das interações. Isso fica claro, quando se constata os comportamentos de Lucas e de Beto.

Essas informações levam a seguinte conclusão: são as interações recíprocas entre as colunas
A, B e C que levam à compreensão do porquê o comportamento sob estudo foi emitido ou não.

É necessário que as três condições apresentadas na coluna Funções Evocadoras e Eliciadoras


(primeira coluna na Figura 1) estejam em operação de maneira integrada para compreender por
que evocam e eliciam ou não as Manifestações Funcionais do Homo sapiens e de outros
organismos (coluna do meio na Figura 1).

MANIFESTAÇÕES FUNCIONAIS

Na coluna Manifestações Funcionais do Homo Sapiens se faz necessária a distinção entre


organismo intacto e não intacto. Esta distinção se estende ao longo de um contínuo que vai de
um extremo (apenas conceitual) em que o organismo é classificado como intacto até outro
extremo (apenas conceitual) em que o organismo se torna ou se apresenta progressivamente
menos intacto. Veja a Figura 5, denominada Representação Conceitual do Organismo
Intacto e não Intacto:

Figura 5. Representação Conceitual do Organismo Intacto e Não Intacto

Há critérios médicos e orgânicos para classificar um organismo não intacto, mas esses não
pertencem a Análise do Comportamento. Para esta, organismo intacto é aquele que se comporta
sob controle das contingências de reforçamento regulares e próprias da comunidade a que
pertence: emite classes de comportamentos evocados e eliciados por classes de funções de
eventos antecedentes; tais classes de comportamento são selecionadas por classes de eventos
com função de consequências, na convivência com os membros da comunidade a que
pertence. Organismo não intacto é aquele que está, naturalmente, exposto de forma continuada
às contingências de reforçamento vigentes na comunidade a qual pertence, no entanto, se
comporta, funcionalmente, com déficits e excessos comportamentais, em relação àqueles
conceitualmente intactos, de maneira que se faz necessário programar e implementar mudanças
19
significativas (isto é, que incluem novas classes de controle de estímulos e novas classes de
consequências selecionadoras) nas contingências de reforçamento, que tornam aquela pessoa
participante minimamente funcional no ambiente sócio-físico-cultural em que vive.

A metáfora da caixa d’água

Suponha um sistema hidráulico tecnicamente bem planejado e executado. Um sistema simples


poderia ser assim descrito: uma caixa da água armazena um volume de água, por exemplo, de
mil litros e está colocada no nível mais alto do sistema. Dela sai um cano com uma polegada
de diâmetro, que se estende por um percurso, com mudanças de direção de 90 graus ou menos
acentuados, até uma torneira, que está no nível mais baixo do sistema. Se a torneira estiver
fechada, a água permanece sem se deslocar ao longo do sistema; se aberta, ela deixa escoar a
água, enquanto houver origem da caixa d’água. Esse sistema hidráulico é um sistema, um
organismo se preferir adiantar o significado da metáfora, intacto. O sistema hidráulico em será
exposto às circunstâncias de uso cotidiano: a caixa se manterá cheia (uma boia de controle de
fornecimento de água mantém a caixa cheia) e enviará água pelos encanamentos até a torneira,
de onde sairá água para uso doméstico. O funcionamento do sistema é uma metáfora das
manifestações funcionais humanas: se o sistema operacional mecânico está intacto, então, a
água flui normalmente (funcionalmente). Se o organismo está intacto, então, os
comportamentos instalados pelas contingências de reforçamento fluem normalmente
(funcionalmente). O sistema hidráulico, no entanto, pode não ser intacto (por exemplo, a
instalação foi feita de maneira desastrosa: a caixa d’água está em nível mais baixo do que o da
torneira ou a pressão da água vinda da rua não é suficiente para levá-la até o nível da caixa!…).
O sistema, por outro lado, pode deixar de estar intacto. Assim, a caixa pode ter um ou dois furos
por onde escapa a água e não mantém o fluxo esperado do líquido pelas tubulações; as conexões
entre os canos não estão adequadamente vedadas e os vazamentos restringem o fluxo de água
que chega à torneira, e aparecem manchas de umidade ou começam a cair gotas de água em
várias partes da casa… O sistema não intacto limita ou impede o fluxo normal da água. O
organismo não intacto não responde às contingências de reforçamento próprias da comunidade
socioverbal a que a pessoa pertence e o fluxo comportamental esperado não ocorre. O conserto
dos problemas do sistema – equivale a retificação ou criação de novas contingências de
reforçamento, que passam a instalar e manter os comportamentos próprios para as interações
da pessoa com seus pares – pode ser completa: troca-se a caixa da água por uma nova, as
conexões são devidamente vedadas etc. e o fluxo da água – o fluxo de comportamentos – se
restabelece plenamente. Pode, no entanto, ser inviável a retificação plena do sistema: os buracos
na caixa são apenas parcialmente fechados, as conexões continuam vazando, o encanador
procede a fazer “gambiarras”, o sistema, já velho e todo desgastado, não permite reparados
plenos e resta, então, consertos possíveis…, mas limitados. Disso resulta um fluxo limitado de
água, acompanhado de goteiras e umidade indesejadas. Equivale – na metáfora com humanos
– que não existem contingências de reforçamento com plena efetividade: há necessidade de
desenvolvimento de novos procedimentos para instalar e manter comportamentos desejados
(como corre, por exemplo, com o desenvolvimento de técnicas de fading in e fading out) ou
os avanços se restringem aos limites, até agora conhecidos, do organismo não intacto.

20
Pessoas – organismos não intactos – têm funções evocadoras positivas que resultam em
desenvolvimento da Análise do Comportamento. As limitações comportamentais de uma
pessoa têm funções aversivas, que evocam comportamentos de fuga-esquiva dela própria (ela,
por si mesma, procura ajuda, por exemplo); dos familiares, que são responsáveis por ela, quando
seu grau de autonomia não lhe permite buscar ajuda por si; e dos analistas de comportamento:
os pesquisadores, que se interessam pela correta conceituação comportamental e pela pesquisa
das variáveis que precisam ser identificadas e modificadas com objetivo de propor caminhos
de ajuda baseados em evidências experimentais e dos psicoterapeutas – procurados para aplicar
procedimentos regeneradores – estendem os achados experimentais para o contexto clínico
(fazem pesquisa translacional) e desenvolvem e testam modificações em procedimentos e, desta
maneira, têm uma atuação de significado e relevância social e humana (produzem mudanças na
qualidade de vida do cliente e das pessoas que interagem com ele).

Todo esse processo de interação entre a pessoa – organismo não intacto – com as pessoas da
sua convivência e com a comunidade científica e de prestação de serviço, resulta no
desenvolvimento de contingências de reforçamento – nomeadas de procedimentos
psicoterapêuticos – que podem se sobrepôs às limitações do organismo e vir a instalar e manter
comportamentos desejados. O conhecimento conceitual e tecnológico da Análise do
Comportamento muito se deve às funções aversivas provenientes de pessoas com
desenvolvimento atípico e àquelas que, por funcionamento neurofisiológico (ou endógeno)
também atípico (pessoas com diagnóstico de psicose, esquizofrenia e outros, por exemplo),
evocam pesquisa e variabilidade comportamental psicoterapêutica dos analistas de
comportamento, que resultaram em progressos tecnológicos que – como têm sido amplamente
demonstrado – beneficiam inúmeras pessoas, que viviam privados de desenvolvimentos
comportamentais vistos como inalcançáveis, e que hoje, se provaram possíveis.

Vale fazer duas digressões conceituais:

1. Pessoa – organismo não intacto – estabelece uma condição aversiva, que evoca
comportamentos de fuga-esquiva, que produzem ajuda; outros autores atribuem à
pessoa – organismo não intacto – a função de estímulo discriminativo, que foca em
comportamentos, que produzem ajuda (o sucesso pode ser entendido como reforço
negativo na primeira opção ou como reforço positivo na segunda);

2. Comportamento de fuga-esquiva deve ser entendido como função de comportamento e


não deve ser avaliado moralmente ou por critérios estranho à postura das ciências
naturais. Assim, tomar antibiótico, que comprovadamente controle com sucesso uma
infecção bacteriana, é comportamento de fuga-esquiva com função de devolver a saúde
do paciente; desenvolver tecnologia comportamental, que propicia o desenvolvimento
– que de outra maneira estaria vetado – de pessoas – organismos não intactos –,
ampliando sua integração e participação na comunidade socioverbal a pertencem e
desenvolvendo sentimentos positivos (bem-estar e alívio são sentimentos positivos, por
exemplo), também é comportamento de fuga-esquiva. (Há comportamentos de fuga-
esquiva que têm função distorcidas – usar substâncias como recurso para aliviar

21
condições aversivas da vida – é um exemplo de comportamento de fuga-esquiva em que
prevalecem funções distorcidas; a pessoa mais se prejudica do que se beneficia).

As manifestações funcionais incluem respostas operantes e respondentes. Embora sejam


regidas por leis diferentes, as duas classes se influenciam reciprocamente. Nas contingências as
duas classes coexistem; uma é evocada (a operante), outra é eliciada (a respondente) e critérios
arbitrários dão ênfase a uma classe em relação à outra e, assim, surgem e são mantidos termos
que os definem. Assim, por exemplo, numa briga existem eventos evocadores e eliciadores,
manifestações funcionais evocadas e eliciadas e funções selecionadoras positivas e negativas,
no entanto, dá-se destaque a sentimentos de raiva e de agressividade. Onde estão a raiva e a
agressividade? Estão nas práticas da comunidade verbal; não estão nos termos das
contingências em operação. Enquanto o analista de comportamento organiza os componentes
da tríplice contingência, que sistematizam o episódio comportamental em estudo, a comunidade
verbal se refere ao episódio com frases tais como “João é briguento… se fica com raiva já viu
o que fez no sábado à noite na balada!”; “Jonas não leva desaforo para casa… Mexeram com a
namorada dele e deu B.O!”; “Fico me perguntando: por que as pessoas são tão agressivas? Você
viu a pancadaria nas arquibancadas domingo?” Tais frases envolvem vários mitos explicativos
de ações humanas, tais como raiva, agressividade, impulsividade etc. ou personalidade
agressiva, temperamento impulsivo, caráter explosivo etc. Há dois problemas básicos com
“explicações” mentalistas como as exemplificadas:

1. São causas inventadas e, como tal, não têm status empírico: não podem ser observadas
(apenas se observam seus supostos defeitos);

2. Não tendo a existência empírica, não podem ser manejadas visando alterá-las em favor
de convivência mais harmoniosa entre as partes envolvidas; só podem ser evocadas
como causas e lamentações pelos seus produtos perniciosos, mas não podem ser
modificadas.

O psicoterapeuta TCR fará uma análise do episódio descrito, que ocorreu na saída da balada,
sob controle do conceito de tríplice contingência. Ao comparar a descrição/explicação do
episódio em termos comportamentais com a descrição mentalista, pode-se destacar os seguintes
pontos:

1. A raiva e a agressividade são termos aos quais se atribuem funções de causa de


comportamentos. Na melhor das hipóteses, são termos que aglutinam eventos
comportamentais a serem explicados;

2. A apresentação do episódio comportamental em termos das contingências fatia o


episódio em seus comportamentos históricos (por exemplo, a história de contingências)
e atuais; uma análise microscópica do ocorrido;

22
3. A descrição analítica do episódio – diferentemente da explicação mentalista – inclui
exclusivamente eventos empíricos, que são observáveis e manipuláveis: descrever e
explicar;

4. A intervenção, que tem por objetivo alterar – em futuras circunstâncias análogas e


equivalentes – comportamentos indesejados, não é possível numa interpretação
mentalista, mas é possível em uma análise comportamental;

5. A compreensão do episódio comportamental exige que a análise siga-se de síntese


comportamental. A síntese é um processo que explícita as interações entre os termos da
contingência, firmando quais são as funções de cada um deles;

6. A síntese é uma interpretação, do que foi chamado de hipótese de trabalho (por


Bachrach, 1969), pois não pretende ser definitiva (novas evidências podem alterará- la)
e se restringe à conexão entre os dados empíricos; sua utilidade se limita a produzir
melhor ação psicoterapêutica;

7. A interpretação mentalista é inventada, não pode ser testada e é definitiva, ou seja, se


apresenta como um postulado de verdade que deve ser aceito sem comprovação;

8. Análise e síntese instrumentam o psicoterapeuta a compreender (explicar) o episódio


comportamental e a intervir visando a produzir mudanças; interpretação mentalista
apresenta explicação metafísica e não instrumenta para produzir mudanças.

Figura 6. Contingências de Reforçamento Que Sistematizam o Episódio


Comportamental que envolveu Edu, Luciana e desconhecido

Funções evocadoras Manifestações Consequências


e eliciadoras Funcionais: selecionadoras

Evento atual Contingências História de


motivacionais contingências
Desconhecido - Estado “Homem não Taquicardia, respiração Aprovação dos
“puxa” o cabelo alcoólico leva desaforo acelerada, esmurrar, amigos, sinais de
de Lu - Presença de para casa”: chutar, empurrar, dizer reconhecimento de
(namorada de amigos tocar Lu é palavrões, pensar “Sou Lu, mediação do
Edu) - Choro de Lu imperdoável foda, humilhei o segurança para evitar
cara...”, complexo revide, elogios dos
comportamental familiares machistas
denominado “raiva”, etc.
“agressividade” ...

23
De maneira equivalente, o comportamento de procrastinação na conclusão de uma tese de
doutoramento, inclui eventos evocadores e eliciadores, manifestações funcionais evocadas e
eliciadas e funções selecionadoras positivas e negativas. Onde está a procrastinação? Está na
prática da comunidade verbal; não está nos termos das contingências em operação.

A Análise do Comportamento não usa como critério de ocorrência do comportamento,


exclusivamente a concordância entre observações de dois ou mais observadores – critério que
surgiu no positivismo de Comte – que certificam a ocorrência da manifestação pública da
pessoa, pois não incluem manifestações encobertas que só são acessíveis à pessoa que se
comporta. Os comportamentos encobertos são regidos pelas mesmas leis que regem os
comportamentos públicos, têm a mesma natureza (manifestações funcionais do organismo
com componentes evocados e eliciados e selecionados por contingências de reforçamento). A
única característica que os distingui é sua acessibilidade: os operantes públicos podem ser
observados por outras pessoas; os operantes encobertos só são acessíveis a quem se
comporta. A identificação e nomeação dos eventos encobertos são produtos das práticas
verbais da comunidade à qual a pessoa que se comporta pertence. Skinner (1945, 1953 e 1957)
propõem quatro práticas da comunidade verbal que trazem os comportamentos encobertos para
o âmbito de eventos empíricos. (Tais práticas não são objeto de análise do presente texto.)
Assim, por exemplo, o termo pensamento é evocado para comportamentos verbais e não
verbais, públicos e encobertos, logo ele é comportamento, se assim for conceituado e se assim
se lidar com ele; e ele é um conceito metafísico, inventado, se for conceituado como agente
causal de comportamento.

Sugere-se que pensamento/pensar propicia esclarecedoras e importantes análises dos conceitos


de comportamentos públicos e encobertos e de comportamentos verbais e não verbais. Desta
maneira, cabem análises mais detalhadas sobre pensamento/pensar, uma vez que a discussão
do uso dos termos e suas inserções em contingências de reforçamento – a única e confiável
maneira de conceituar e influenciar comportamento – remetem o analista do comportamento a
uma compreensão mais abrangente e fundamentalmente comportamental das manifestações
funcionais públicas e encobertas do Ser Humano.

Pode-se perguntar “Papai Noel existe?” As contingências verbais aplicadas com crianças até
certa idade, fazem com que Papai Noel exista para elas; a partir de certa idade, mudam-se as
contingências verbais aplicadas às mesmas crianças e elas compreendem que Papai Noel não
existe como uma pessoa com determinadas características; é tão somente uma personagem
inventada. Papai Noel, enfim, existe e não existe como produto de contingências verbais
praticadas por determinados grupos.

De maneira análoga, pode-se perguntar “Existe pensamento?”. Há práticas da comunidade


verbal que criam o pensamento; há outras práticas da comunidade verbal que negam sua
existência.

Existe uma substância empírica que possa ser denominada pensamento? Se não se pode
identificá-lo de maneira empírica – é um termo inventado, que se pretende que nomeie um
24
comportamento encoberto – pode-se afirmar que pensamento não existe. Compare os verbos
(eles indicam ações, movimentos) andar com pensar. O primeiro se expressa por diferentes
fenótipos de uma mesma classe de respostas (andar apressado, andar lentamente, andar
erguendo os joelhos, andar arrastando os pés etc.; são diferentes fenótipos), a qual se define
pelo seu efeito de deslocamento da pessoa. O segundo se expressa por diferentes fenótipos
dentro de diferentes classes de respostas (como se verá adiante), as quais se definem como: 1)
processo de solução de problemas ou 2) como a solução do problema. Assim, solucionar um
problema matemático envolve sistematizar operações intraverbais – qual seja, o processo – e
apresentar o resultado final do processo – qual seja, a solução do problema. Como se pode
concluir, não existe um substantivo arbitrário inventado do andar; mas existe um substantivo
arbitrário inventado do pensar, qual seja, o pensamento!

Cabe lembrar que o modelo de Homo sapiens que predomina na Psicologia é dualista: o Ser
Humano seria – dentro desta conceituação – composto por duas substâncias de diferentes
naturezas. Uma delas – a mente ou psique – é metafisica (não pertence ao mundo empírico),
inventada (sua natureza nunca foi identificada nem descoberta) e tem poderes causais (como
uma natureza imaterial pode causar manifestações de uma natureza material nunca foi
demostrado). A outra é parte da Natureza – o corpo humano faz parte do Universo material – e
se manifesta sob controle de leis empíricas descobertas, demonstradas e manipuladas. Os
comportamentos humanos são, portanto, manifestações do organismo do Homo sapiens e são
regidas por leis sistematizadas pela Ciência do Comportamento.

A mente ou psique é fatiada por diversas entidades, todas elas metafisicas, inventadas e com
poderes causais justamente como a própria mente. São elas: personalidade, livre arbítrio, força
de vontade, inconsciente, superego, id, ego, inconsciente coletivo, autocontrole,
responsabilidade, ética, entre outras. O pensamento pode ser incluído nessa mesma classe de
entidades metafísicas, inventadas, com poderes causais. São comuns frases, tais como: “Pensei
nas consequências antes de agir...”, “Parti para a briga porque não pensei antes de agredir...”,
Penso muito nos necessitados, por isso coordeno um grupo de acolhimento comunitário...” etc.
Todas essas frases se fundamentam na crença de que o pensamento tem função causal de ações.
Se o substantivo pensamento for substituído pelo verbo pensar, o conceito muda, bem como
suas propriedades e naturezas. Pensar adquire o status de comportamento. Leia o que escreveu
Skinner (1957, p.449) sobre pensamento:

"O ponto de vista mais simples e satisfatório é que o pensamento é


simplesmente comportamento — verbal ou não, encoberto ou público. Não é
um processo misterioso responsável [não tem função causal] pelo
comportamento, mas é o próprio comportamento em toda a complexidade de
suas relações de controle, relativas tanto ao homem que se comporta como
ao ambiente em que ele vive [negrito adicionado]. Os conceitos e métodos
que emergiram da Análise do Comportamento, verbal ou não, são os mais
apropriados para estudar o que tradicionalmente tem sido chamado de mente
humana.”

25
Como já dito, um verbo implica necessariamente a ação da pessoa e, se for assim entendido,
pensamento será substituído por pensar, que por sua vez deverá ser definido por ações,
movimentos, gestos etc., aos quais a comunidade verbal acopla o verbo pensar.

O verbo pensar é, portanto, evocado por manifestações corporais (movimentos e posturas), às


quais a comunidade verbal atribui a função de SD que evoca frases que incluem o verbo pensar,
sendo a mais difundida: “Ele/ela está pensando”.

Na Análise do Comportamento é inaceitável dizer “Ele/ela está tendo um pensamento!”. Assim,


a postura de “O Pensador” de Rodin evoca a frase “Ele está pensando”. A figura na escultura
é então, um SD que evoca o verbo pensar; não evoca o substantivo pensamento. Conclui-se,
portanto, que pensamento é conceito inventado pelo comportamento pensar, o qual – como
todos e qualquer comportamento – é evocado por diferentes SDs e selecionado pelas
consequências que produz. Como ele se manifesta? Pensar é uma manifestação funcional do
Homo sapiens e tal manifestação ocorre sob quatro fenótipos comportamentais:

1. Comportamento verbal público;

2. Comportamento verbal encoberto;

3. Comportamento não verbal público;

4. Comportamento não verbal encoberto.

Veja alguns exemplos:

COMPORTAMENTO
VERBAL PÚBLICO

O professor disse para os alunos: “Deixem-me pensar na melhor maneira de lhes explicar este
conceito. Ele é complexo!”. Seguem-se verbalizações orais verbais públicas emitidas pelo
professor sob controle do conceito dito complexo, as quais refraseiam os termos do conceito
original e os enriquecem, para melhor esclarecimento, com exemplos. As verbalizações
explicativas do professor são pensar. Pensar é comportamento verbal público.

Elas não justificam afirmar que o professor teve um pensamento – agente causal – que o levou
a emitir tais verbalizações. Repito: as verbalizações explicativas são o comportamento pensar
(não são pensamento).

26
COMPORTAMENTO
VERBAL ENCOBERTO

O professor diz para o aluno: “Diga-me qual o resultado da seguinte operação: a raiz quadrada
de 64, mais o triplo de nove, mais o quadrado de 12, menos 7 × 7.” O aluno envolve-se numa
sequência de operações matemáticas encobertas – comportamentos intraverbais encobertos –
que o levam a dizer: “Professor, o resultado é 130.” Os comportamentos intraverbais
encobertos emitidos pelo aluno são pensar. Pensar é comportamento verbal encoberto.

A sequência de operações matemáticas encobertas pode ser reconstituída por meio de


comportamentos verbais, que se tornam agora pensar público oral – se narrado em voz alta –
ou pensar público textual – se apresentado por escrito. Assim:

(√64=8) + (9x9x9=27) + (12x12=144) – (7x7=49)


8+27=35
35+144=179
179-49=130

Os comportamentos verbais, agora textuais, intraverbais públicos são o pensar. Pensar é


comportamento verbal textual público.

COMPORTAMENTO NÃO
VERBAL PÚBLICO

Mário, ao passar pelo monumento “O Pensador” de Rodin pergunta para seu filho Pedro:

Mário: – O que aquele homem (aponta para “O Pensador”) está fazendo?

Pedro: – Ele está sentado... Está chorando, pai?

Mário: – Chorando, não! Veja, ele está com a mão no queixo, não nos olhos!...

Pedro: – Já sei. O homem está pensando!

O monumento é um SD que evoca – pela posição do Seu Humano ali esculpido – a verbalização
“Está pensando!”. A posição de “O Pensador” é o comportamento não verbal público
pensar. Pensar é comportamento não verbal público.

Trata-se, por certo, de uma metáfora sob controle da posição análoga de uma pessoa, a qual
nessa posição, evoca frases do tipo: “Ei, tá pensando na vida?”.

De maneira equivalente, Tina e Diná passeiam por uma reserva florestal e avistam à distância
um homem sentado imóvel diante de um lago, com a cabeça voltada em direção ao sol poente:

27
Tina: – O que aquele homem está fazendo ali sentado?...

Diná: – Está admirando o pôr do sol, acho eu.

Tina: – É uma possibilidade, mas poderia dizer que ele está pensando... Nesse lugar a gente
tende a ficar pensando na vida.

Diná: – Concordo... ou fazendo as duas coisas! [emitindo os dois comportamentos encobertos].


Tenho certeza, porém que não está pescando... Não está com uma vara na mão!

A posição descrita do homem à beira do lago é um SD que evoca – pela posição ali adotada por
ele –, a interpretação de que poderia estar emitindo vários diferentes comportamentos
encobertos. As amigas concordaram que ele poderia estar ali pensando. A posição da pessoa
naquela paisagem é o comportamento não verbal público pensar. Pensar é
comportamento não verbal público.

Note que, “O Pensador” de Rodin e a pessoa solitária sentada na reserva florestal, conforme
descrita, se equivalem! Seria plausível, por exemplo, chamá-lo de “O Pensador do Lago”.

Ricardo, enquanto espera por alguns documentos no cartório, encostado no balcão, observa um
funcionário no fundo da sala e se pergunta: “O que faz aquela pessoa que está mexendo em
uma pilha de documentos, troca a posição de alguns na pilha, se detém lendo um ou outro...?”.
Ricardo se diverte tentando adivinhar o que o funcionário estaria fazendo: estaria organizando
os documentos em ordem alfabética? Estaria procurando um documento específico? Estaria
pensando em como atender a um pedido que lhe fez seu coordenador? Poderia estar pensando
“Os dados que ele me pediu estão num desses papéis... Lembro-me de ter visto o documento
por aqui outro dia” ...

Os gestos, movimentos de mexer nos documentos, passar a mão pelo cabelo, segurar por
momentos o queixo compõem o comportamento não verbal público pensar. Pensar é
comportamento não verbal público.

Ricardo, se fosse o caso, poderia perguntar para o funcionário: “O que você está fazendo?” Tal
pergunta é SD que poderá evocar algumas respostas:

1. “Estou procurando um documento para meu supervisor.” (comportamento intraverbal


procurar);

2. “Estou arrumando esta bagunça e pondo os documentos em ordem por data.”


(comportamento intraverbal arrumar);

3. “Estou pensando, enquanto mexo nos documentos, se descubro uma melhor maneira
de organizar toda essa documentação.” (comportamentos intraverbais pensar, descobrir
e organizar).

28
Ricardo não fez nenhuma pergunta para o funcionário e concluiu para si mesmo: “Ele está
pensando em...” Portanto, identificou os movimentos do funcionário de mexer, conforme
descrito, nos documentos como pensar. Pensar é comportamento não verbal público.

A diferença entre os três exemplos apresentados é que o pensar de “O Pensador” de Rodin só


pode ser entendido como uma metáfora, pois pessoas naquela posição estão, em geral, pensando
–; por outro lado, “O Pensador do Lago”, assim como “O Pensador do Cartório” podem fornecer
informações sobre o comportamento que estão emitindo e as pessoas, se lhes fizerem a pergunta
sobre o que estão fazendo, poderão afirmar: “Eles disseram (logo, trata-se de comportamento
intraverbal) que estavam pensando. Neste caso, pensar é comportamento verbal – da classe
funcional intraverbal – público.

COMPORTAMENTO NÃO
VERBAL ENCOBERTO

Esta classe de comportamento só pode ser identificada pela pessoa que se comporta, assim, um
técnico que conserta aparelhos eletrônicos pode se comportar sob controle de um protocolo (até
aqui é comportamento intraverbal) para identificar o problema do aparelho. Suponha que não
consegue, por esta via, encontrar o defeito do equipamento. Em seguida ele passa a emitir
variabilidade comportamental – assemelha-se a um processo de “ensaio e erro”, garimpando
onde está o problema: seus comportamentos são não verbais... Afinal, o problema é detectado
e o equipamento consertado. O técnico poderia dizer: “Este aparelho me deu muito trabalho...
tive que ‘quebrar a cabeça’, fiquei pensando e testando item por item até achar a solução. O
comportamento de testar item é pensar não verbal encoberto. Só é acessível para a pessoa que
se comporta, a menos que um observador externo acompanhe os movimentos públicos do
técnico e conclua: “Ele está pensando para encontrar o defeito”. Neste caso, o comportamento
de pensar, assim nomeado pelo observador externo, é comportamento não verbal público, qual
seja, testar item por item até achar o problema. Pensar é comportamento não verbal encoberto.

Pode-se considerar que o comportamento pensar não verbal encoberto, seja aquele que ocorre
em condição de privacidade. Nesta condição, pode-se considerá-lo encoberto, enquanto a
privacidade estiver garantida; no entanto, se for quebrada a privacidade passa a ser pensar não
verbal público.

As quatro classes de comportamento pensar propostas por Skinner serão apresentadas em


paradigma de tríplice contingência. Assim:

29
Figura 7. Pensamento é Comportamento
Contingências de Reforçamento das Quatro Classes
do Comportamento Pensar

Skinner propôs que há quatro classes comportamentais de pensar, conforme apresentados na


Figura 7. Pode-se acrescentar que, em cada classe, há variabilidade comportamental, que resulta
em diferentes fenótipos comportamentais. Assim, cada pessoa emitirá – dentro da mesma classe
comportamental – fenótipos comportamentais próprios, os quais, não obstante as diferenças,
produziram a mesma consequência desejada.

As interações entre as Funções Evocadoras e Eliciadoras e as Manifestações Funcionais têm


função de SD, para um observador do episódio comportamental. O observador, sob controle de
tais SDs, dirá que a pessoa observada emitiu o comportamento pensar. Como se pode ver na
Figura 7, o comportamento pensar pode se manifestar como comportamento verbal público e
encoberto e não verbal público e encoberto.

As situações apresentadas como exemplo na Figura 7, podem evocar o comportamento pensar,


porém não apenas ele; há outras possibilidades, de tal maneira que a mesma interação entre
Funções Evocadoras e Eliciadoras e Manifestações Funcionais pode evocar outros
comportamentos, em geral sob controle de outros aspectos presentes no contexto, como se
segue. O comportamento pensar é evocado prioritariamente em situações acadêmicas, tais
30
como em atividades científicas, em discussões filosóficas, em programação de pesquisa, em
redação de artigos científicos, de livros, de teses etc. Pensar também é evocado, em geral, em
situações de tomada de decisões, tanto em circunstâncias de rotina cotidiana, como em crises.
Em situações de lazer, fala-se em nos comportamentos brincar, se distrair, se divertir; em
situações de trabalho braçal prevalecem fazer, consertar; em esportes são mais comuns jogar,
disputar, treinar; numa partida de tênis fala-se em pensar (em estratégias) e se concentrar
(nos movimentos); numa disputa de xadrez entre grandes mestres prevalecem pensar e
raciocinar etc.

Há uma discussão sobre a expressão Análise do Comportamento (inclui exclusivamente


comportamentos operantes) e análise de comportamento (inclui componentes operante e
respondentes). As pesquisas e formulações conceituais sobre comportamentos operantes (têm
tradição americana) e sobre comportamentos respondentes (têm tradição russa), sob influência
da Guerra Fria, seguiram caminhos independentes, o que resultou em lamentável perda de
conhecimento sobre as manifestações funcionais do Homo sapiens. Os analistas de
comportamento – com raras exceções – se afastaram da pesquisa com manifestações
respondentes, resultando, por um lado, em importantes avanços na área operantes e, por outro,
em um abandono pela interação operante-respondente. No mundo ocidental, os estudos dos
respondentes não alcançaram um patamar equivalente aos estudos dos operantes. Dificuldades
comportamentais, tais como fobias, ansiedade, pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, entre
outros, têm sido estudados e manejados sob forte enfoque operante, desconectado de enfoque
respondente, o que, pode se afirmar, resulta em perdas conceituais e de instrumentalização para
lidar com eles. A poucos analistas de comportamento se familiarizaram com os trabalhos de
cientistas russos, tais como Sechenov (1829-1927), Pavlov (1849-1936) e Bechterew (1857-
1927) e seguidores. Pavlov é o mais conhecido e suas pesquisas com respondentes
condicionados foram acolhidas e divulgadas no seio da psicologia experimental ocidental.
Muito pouco além disso, infelizmente2.

A riqueza das discussões conceituais de estudos experimentais conduzidos por Pavlov com
macacos e cachorros apresentadas em seu livro Obras Selecionadas (há uma versão reduzida
de seus estudos na coleção Os Pensadores (1980), publicado pela editora Abril) são
fascinantes. A meticulosa análise que Pavlov fez dos estudos de Koffka e Köhler – fundadores
da Gestalt (não confundir com Gestalt-terapia) –, nos quais condenou a criação do conceito de
“insight”, proposto por esses autores como explicação dos comportamentos de chimpanzés e,
posteriormente, a replicação que fez com seu sujeito experimental, o chimpanzé Raphael, nos
estudos da Gestalt, nos quais comprovou que o aprendizado se dá por processo de ensaio e erro
(reforçamento diferencial) e não por “insight”, conceito mentalista, vale por um curso de
metodologia científica. Segue a transcrição que aparece na edição brasileira do livro Pavlov
(1980, p.99) (da coleção “Os Pensadores”) da nota de rodapé que resume o posicionamento

2
O Estado soviético deu todo apoio às teorias de Pavlov, vendo nelas uma expressão da filosofia materialista
dialética. Em 1927, o governo construiu a cidade-laboratório de Koltuchi (posteriormente chamada Pavlovo), a
fim de que ele pudesse continuar suas pesquisas, sem preocupações com problemas materiais. (Pavlov, 1980, p.
VII)
31
dele em relação à natureza do objeto de estudo da Ciência Natural que ele, com destaque, ajudou
a consolidar. Assim:

“O trabalho "Resposta de um Fisiólogo aos Psicólogos" foi publicado na


Psychological Review, 1932, 39, n.° 2, a propósito de dois trabalhos citados
no texto, o primeiro tomo de Guthrie "Conditioning as a Principle of
Learning", e o segundo de Lashley "Basic Neural Mechanisms in Behaviour".
Neste artigo Pavlov formula, em toda sua plenitude, os princípios
metodológicos fundamentais da teoria do reflexo: o princípio do
determinismo, o da análise e da síntese, e o da estrutura como base de todas
as funções. Estes princípios materialistas são contrapostos, por Pavlov, às
concepções idealistas dos eruditos norte-americanos. Em resposta publicada
na mesma revista, no ano de 1934 (tomo 41) - "A Teoria Pavloviana dos
Reflexos Condicionados", Guthrie expõe, de uma maneira mais clara ainda,
suas concepções idealistas e insiste na impossibilidade de se conhecer a
natureza dos processos psíquicos, por meio de métodos fisiológicos objetivos.
(N.dos E. E.)”

Veja alguns outros artigos que fazem parte dos Selected Works de Pavlov (Livro traduzido
para o inglês e publicado pela editora Foreign Languages Publishing House de Moscou,
sem data): Experiment with Raphael, Experiment with Apes and Criticism of Köhler´s
Concepts, Criticism of Köhler´s Idealistic Conceptis, Reply of a Physiologist to
Psychologists, entre outros. Os autores-pesquisadores russos mencionados, aderiram
profundamente aos métodos das Ciências Naturais! Não cabia em suas pesquisas e
escritos concessão ao mentalismo. Respiravam e pesquisavam sem ter que carregar o fardo
de conceitos inventados que se desviam do foco da causalidade empírica. Pavlov era
simplesmente brilhante. Leia como ele se apresentou (no artigo Reply of a Physiologist to
Psychologists, publicado na revista Psychological Review, vol.37, nº5, 1930):

“Eu sou psicólogo empírico e conheço a literatura psicológica apenas por


meio de poucos Manuais e pelo insignificante número – se comparado com o
material disponível – de artigos psicológicos que pude ler. No entanto, ao
longo de toda minha vida sempre fui consciente, e continuo sendo, um
observador e um analista de mim mesmo e de outros dentro do âmbito de vida
que está acessível para mim, o que inclui literatura e pintura. Eu, com
convicção, rejeito e não aprovo qualquer teoria que propõe uma inclusão
completa de tudo aquilo que constitui nosso mundo subjetivo, mas isso não
significa que eu me recuso analisá-lo ou tentar simplesmente interpretá-lo,
em seus pontos individuais. Esta interpretação tem que ser feita de modo a
levar seus fenômenos separados a se harmonizarem com os dados do nosso
conhecimento positivo moderno no campo das Ciências Naturais. Para esse
objetivo é necessário constantemente procurar aplicar do modo mais amplo
estes dados a cada fenômeno em particular. Estou convencido que uma
interpretação puramente fisiológica de tudo aquilo que foi determinado de
atividade psíquica tem ganhado uma base segura e que na análise do
32
comportamento de animais superiores, entre os quais o homem está incluído,
todo esforço deveria ser legitimamente feito para interpretar os fenômenos
em uma perspectiva puramente fisiológica, baseada em processos fisiológicos
demonstrados. No entanto, é claro para mim que muitos psicólogos, por assim
falar, de uma maneira ciumenta protege o comportamento de animais e do
homem das explicações puramente fisiológicas, ignorando-as,
consistentemente, e se negando a usar qualquer uma delas de uma maneira
objetiva.” (P. 448 no livro Selected Works)

Em relação à adoção dos termos Análise do Comportamento, a TCR adota Análise de


Comportamento, porque, enquanto a primeira expressão se restringe ao comportamento
operante, a segunda inclui o comportamento respondente; ambos coexistem e interagem entre
si de maneira indissociável (daí a adoção do neologismo comportimento, que pretende
explicitar que ações, sentimentos e emoções compõem um todo indivisível). Nos estudos
psicoterapêuticos com Seres Humanos não se pode, porém, desdenhar a relevância de
reconhecer a presença dos respondentes, mesmo que relativamente menos se saiba sobre eles
do que se sabe sobre os operantes. Há dois conceitos pavlovianos que são úteis no processo
psicoterapêutico: estímulo condicional (erroneamente denominado de estímulo condicionado)
e resposta condicional (e não resposta condicionada). O primeiro identificado por CS
(conditioned stimulus) o segundo por CR (conditioned responce). Os CS e CR ampliam as
possibilidades de eliciar respostas condicionais respondentes sob influência de aspectos do
ambiente – previamente neutra – que adquirem funções eliciadoras. A ampliação de funções
eliciadoras do ambiente e ampliação do repertório respondentes da pessoa podem ser benéficos
ou podem ser desvantajosas. Assim, um ambiente (fonte de CS) acolhedor elicia respondentes,
(CR) que leva uma pessoa a afirmar que se sente calma, em paz, relaxada (músculos
involuntários relaxados, batimentos cardíacos e pressão sanguínea dentro de limites seguros,
músculos esqueléticos relaxados) – aqui o ambiente tem função eliciadora –, aumento de
concentração, pensamentos confortadores – aqui o ambiente tem função evocadora – etc. Pense
como você se sente ao se recolher voluntariamente, sem pressa, sem pressão, sem ameaças
dentro de uma catedral... Análise equivalente pode ser feita quando a pessoa mergulha numa
balada que a apaixona: os respondentes são diferentes, mas prevalece o bem-estar, o bem-
querer! Por outro lado, um ambiente (fonte de CS) ameaçador elicia respondentes (fonte de CR)
que leva uma pessoa afirmar que se sente ansiosa, com medo, assustada, apreensiva (Os
batimentos cardíacos estão alterados, a pressão sanguínea sobe ou baixa para níveis
preocupantes, bem como outros sinais corporais aversivos podem ser identificados). Assim, por
exemplo, uma pessoa verifica os resultados de um exame solicitado para determinar se seu
tumor é cancerígeno. Ao receber o envelope com os resultados está diante de um CS aversivo:
qual o resultado? Há componentes operantes e respondentes se manifestando e, provavelmente,
a pessoa ficará mais sob controle das manifestações aversivas respondentes funcionais do seu
corpo do que das manifestações operantes funcionais, que podem se manifestar num segundo
momento e podem se expressar com pensamentos e ações, tais como “Vou procurar uma
segunda opinião”, “Não vou correr riscos maiores; quero marcar imediatamente a cirurgia!”
etc.

33
O objetivo do analista do comportamento não é estudar as manifestações respondentes nem as
manifestações operantes (elas são objeto de estudo de outros profissionais, tais como o
fisiologista, o médico, o fisioterapeuta etc.); seu objetivo é estudar e intervir nas interações
entre circunstâncias ambientais e as manifestações funcionais, tanto as respondentes como as
operantes. Assim, o analista de comportamento não dirige suas análise e intervenções para
manifestações corporais. Seu objeto de interesse não são as alterações nos batimentos cardíacos,
na pressão arterial, sensações de amortecimento nas mãos, tontura etc. (manifestações
respondentes) bem como não são seu objeto de interesse contrações musculares quando a
pessoa corre ou fala nem as respostas emitidas quando imagina e pensa (manifestações
operantes encobertas), mas seu objeto de interesse está focado no que as determina e as
seleciona (contingências de reforçamento). É, assim, por exemplo, que o analista pode afirmar
que uma pessoa está ansiosa, com medo, com raiva, triste etc., ou seja, atribuir um nome, que
lhe foi ensinado pela comunidade verbal, que pretende destacar a conexão entre as
manifestações corporais respondentes com circunstâncias ambientais eliciadoras. Raciocínio
análogo pode ser aplicado quando os nomes dados as interações das manifestações corporais
respondentes com circunstâncias ambientais eliciadoras e evocadoras são positivos, tais como
a pessoa está feliz, “curtindo” alegremente, comemorando etc. Convém, mais uma vez, destacar
que, neste exemplo, se deu destaque a respondentes, no entanto, também estão sendo emitidos
operantes. A ênfase nas respostas respondentes ou nas operantes decorre de quais classes
comportamentais exercem maior controle sobre o observador, seja este a própria pessoa que se
comporta ou outra. Assim, num “ataque de pânico” prevalecem – no relato da pessoa – as
manifestações respondentes; na situação de prova de vestibular prevalecem – no relato do
candidato – as manifestações operantes: “Esta questão está fácil…” (ela tem função de SD);
“Esta questão está confusa…” (tem função de S∆ ou Spré-aversivo). Com certeza, no primeiro
exemplo, também ocorrem manifestações operantes (pedir ajuda, por exemplo) e no segundo,
manifestações respondentes (diarreia, falta de ar, sensação de estar tendo “um branco”, por
exemplo).

É importante destacar que há dois estágios de análise das manifestações corporais:

1. Manifestações respondentes e operante identificadas e listadas sem conexão com


circunstâncias ambientais. Estas não são objeto de análise nem de interesse do analista
do comportamento;

2. Manifestações respondentes e operante identificadas como parte da interação do


organismo com eventos e circunstâncias evocadoras e eliciadoras. Estas interações são
objeto de análise e de intervenção do analista do comportamento. Se as interações são
de natureza aversiva ou coercitiva os nomes adotados são correspondentes: a pessoa está
sofrendo, está deprimida, está triste, está estressada, sente-se prisioneira etc. Se as
interações são de natureza positiva, gratificante, vitoriosa etc. os nomes adotados são
correspondentes: a pessoa está feliz, alegre, sente-se vitoriosa, sente-se livre etc.

A expressão “manifestações funcionais” só se aplica à segunda condição: quando elas


fazem parte da interação com o ambiente.
34
Os termos usados para indicar as interações entre manifestações e ambiente são denominações
arbitrárias usadas pelas diferentes comunidades verbais e, como tal, sujeitas a interpretações
que não se apoiam em evidências consistentes e sistemáticas. Pecam, portanto, pela imprecisão.

A TCR propõe que as interações entre manifestações funcionais e os eventos evocadores-


eliciadores e os eventos selecionadores sejam identificados como contingências de
reforçamento que regem as interações: elas são sistemáticas, apoiadas em evidências empíricas
e instrumentam o observador a interferir nelas em direções desejadas. Assim, por exemplo,
afirmar que uma pessoa está “deprimida” pode não dar acesso correto aos determinantes do
estado de depressão; ela pode estar angustiada, ansiosa, preocupada etc. e, além disso, o rótulo
“deprimida” não dá indícios seguros do que fazer para ajudá-la. Por sua vez, descrever que a
pessoa que se vê ameaçada de ser demitida (estímulo pré-aversivo), tem gerado manifestações
corporais funcionais respondentes, tais como perda de apetite, irritabilidade, perturbação do
sono etc., bem como operantes, tais como rever o currículo, fazer contato com outros
profissionais de seu conhecimento, visando a encontrar outro emprego, bem como se sentir
melhor, aliviada após seus contatos preliminares com novas oportunidades de trabalho permite
dispensar termos tais como deprimida, ansiosa, angustiada e substituí-los por evidências
comportamentais funcionais que focam nas circunstâncias que estão perturbando a pessoa e nas
alternativas possíveis de alterar de maneira construtiva a situação.

Na prática psicoterapêutica há inúmeros exemplos das funções aprendidas de CS reforçadores


e aversivos – que adquiriram tais funções em episódios do desenvolvimento comportamental e
emocional da pessoa – e que eliciam CR que fazem parte das queixas dos clientes, tais como
fobias, ataques de pânico, estado crônico e agudo de ansiedade, transtorno obsessivo-
compulsivo etc. Convém repetir que as manifestações funcionais respondentes se expressam
associadas com manifestações funcionais operantes, mas que, por suas funções aversivas,
controlam primordialmente as queixas dos clientes, ficando os operantes, inicialmente, num
segundo plano.

Outro conceito respondente experimentalmente investigado é o da extinção: a sistemática


interrupção da associação entre o CS e o US (uncontitioned stimulus, estímulo incondicional).
Pavlov demonstrou que a interrupção da associação entre o som (CS) com o alimento (US)
enfraqueceu a função eliciadora do som e a salivação deixou de ser eliciada durante a
apresentação do som. Outros estudos investigaram o condicionamento de segunda ordem: um
estímulo neutro pode adquirir função eliciadora condicional se for associado com o estímulo
eliciador condicionado de primeira ordem, sem que tenha sido associado diretamente com o
estímulo incondicional. Assim, a luz que precede sistematicamente a apresentação do som
(estímulo condicional) é suficiente para eliciar salivação na ausência do som e do alimento. O
potencial, que o conceito de estímulo condicional de segunda ordem traz, para a compreensão
de distúrbios comportamentais ditos “psicológicos” (o termo “psicológico” assim apresentado
significa que a queixa do cliente não está fundamentada em alterações orgânicas), é que ele
fornece pistas para localizar os determinantes das manifestações da queixa.

Em suma, a classe de comportamentos respondentes se amplia através da associação do


estímulo incondicional com estímulos circunstanciais originalmente neutros quanto à função

35
eliciadora, ampliando ontogenéticamente (por experiência individual das pessoas) a eliciação
de manifestações respondentes positivas e aversivas. Por outro lado, as manifestações
respondentes aversivas podem ser enfraquecidas por procedimentos de extinção respondentes
e por inibição recíproca, conceito este que foi proposto por Sherrington, que em seus estudos
de leis inervacionais, mostrou que a excitação de um grupo muscular era inversamente
proporcional à excitação do grupo muscular oposto, ocorre uma relação excitação-inibição e
nisto consiste o a tese de que para um estímulo muscular nervoso excitatório, há um estímulo
muscular inibitório correspondente. O conceito da inibição recíproca foi utilizado por Wolpe
e usado na técnica de dessensibilização sistemática, que pode ser assim apresentada: se a pessoa
estiver relaxada não pode estar, simultaneamente, ansiosa. Desta maneira, ao evocar no cliente
uma imagem ou pensamento que tem função eliciadora aversiva, enquanto ele se mantém
relaxado, o efeito aversivo da imagem ou pensamentos sofrerá extinção (princípio da inibição
recíproca de Sherrington e da extinção respondente de Pavlov). A técnica incluir alguns
componentes adicionais: a hierarquia eliciadora de ansiedade ou fobia deve ser apresentada em
ordem crescente de aversividade: começa por aquela avaliada pelo cliente como a menos fóbica
e avança progressivamente até ser apresentada a avaliada como a mais fóbica das imagens ou
pensamentos. De maneira análoga, a técnica de prevenção da resposta compulsiva, utilizada
com clientes portadores do transtorno obsessivo-compulsivo, se propõe a quebrar a relação
supersticiosa criada pelo cliente entre o pensamento ou imagem ou impulso aversivo (obsessão)
com os atos motores que têm função (também supersticiosa) de anular (pelo menos
temporariamente) a obsessão aversiva. Se for quebrada a relação, ocorrerá a extinção
respondentes, pois o evento aversivo imaginado não acontecerá, mesmo que a resposta evitativa
supersticiosa (a compulsão) não tenha sido emitida. Assim, por exemplo, o pensamento
aversivo: “Minha mãe morrerá de maneira trágica...” perde suas funções aversivas ao deixar de
ser associado com o evento trágico imaginado: a mãe prossegue sua vida cotidiana normal, sem
que tenha sido emitida a resposta compulsiva que teria função de protegê-la, como por exemplo,
fazer uma mesma oração três vezes. (Atente para alguns conceitos: o pensamento aversivo
supersticioso “Minha mãe morrerá de maneira trágica…” é comportamento operante que tem
três funções:

a. CS: elicia respondentes aversivos;


b. Spré-aversivo: evoca imagens e pensamentos – operantes encobertos – que preveem
como ocorrerá a morte trágica da mãe;
c. Spré aversivo: evoca compulsões – comportamentos operantes públicos ou encobertos
ritualísticos –, que têm a função supersticiosa de evitar a ocorrência do evento trágico
previsto na obsessão, o qual é um comportamento operante de esquiva.

No caso do pânico, as manifestações respondentes funcionais (coração batendo acelerado, falta


de ar, amortecimento nos braços etc.) associadas com manifestações operantes funcionais
(“Vou ter um ataque cardíaco…”, “Tenho que pedir ajuda para ser levado ao pronto-socorro
etc.) podem ser enfraquecidas por inibição recíproca, evocada/eliciada sob controle de
instruções, tais como: “Deite-se ou sente-se numa posição confortável, relaxe o seu corpo,
expire profundamente e volte à respiração normal, tente pensar em uma cena tranquilizadora,
aguarde o efeito da adrenalina cessar” etc., associada a comportamentos operantes de
36
enfrentamento, tais como: “Não desista de sua atividade corrente, tão logo se sinta melhor, volte
a dirigir seu carro, entre no elevador, participe da reunião profissional onde está sendo esperado,
continue sua caminhada pelo parque etc., ou seja, teste a transitoriedade da catastrofização dos
sintomas que você elaborou durante a crise”. O procedimento envolve as seguintes técnicas
comportamentais: inibição recíproca, extinção operante, extinção respondentes, reforçamento
negativo (principalmente natural: ao emitir comportamentos operantes de enfrentamento, a
pessoa sente que os sinais aversivos desaparecem, o que produz alívio natural) e reforçamento
positivo (a pessoa passa a produzir reforços positivos – em geral naturais – com seus
comportamentos de enfrentamento).Todos os procedimentos psicoterapêuticos incluem
processos operantes e respondentes. Dependendo das circunstâncias e das manifestações
corporais funcionais, que prevalecem, ganham destaque os processos operantes ou os
respondentes.

Segue-se a transcrição em que Brady (1983) descreve o papel do condicionamento respondente


na ampliação dos comportamentos respondentes sob controle de estímulos condicionais
positivos (por exemplo, alimento) e aversivos (por exemplo, choque elétrico), que ajuda a
entender a difusão de comportamentos ontogeneticamente, assim instalados, de relevância
clínica. Assim:

“Os primeiros estudos sobre condicionamento respondentes (Dykman e Gantt,


1958; Deane e Zeaman, 1958) apresentaram resultados sistemáticos de como
estímulos ambientais e outros (por exemplo, sons e luzes), os quais inicialmente
produziram apenas mudanças mínimas na atividade circulatória poderiam eliciar
respostas cardiovasculares condicionais (por exemplo, aumento na frequência
cardíaca) de magnitude e duração substanciais, quando emparelhados
repetidamente com estímulos ambientais incondicionais (por exemplo, alimento
ou choque elétrico), os quais normalmente eliciam tais mudanças. Se tais
estímulos condicionais sonoros ou luminosos (isto é, CS) forem
subsequentemente apresentados um número de vezes sem os estímulos
incondicionais alimento ou choque elétrico (isto é, UCS), a magnitude e a
frequência do aumento da resposta condicional de batimentos cardíacos (isto é, da
CR), eliciados pelo CS diminui e ocorre a extinção respondente. Quando decorre
um período de tempo entre tal extinção e subsequentes apresentações do CS, no
entanto, observa-se recuperação espontânea da CR na forma de temporário
reaparecimento da resposta eliciada pelo CS. [Note que o destaque dado por
Brady, nos dois estudos citados, à atividade circulatória – em cachorros e humanos
no primeiro – e – em humanos – no segundo, como exemplo de manifestações
respondentes, se justifica porque o capítulo de Brady se refere à Análise
Comportamental de Fatores de Risco Circulatório, no entanto os dados e análises
apresentadas têm generalidade e podem ser estendidas a outras classes de
respondentes.]

O poder de eliciar uma CR, que é desenvolvido em um procedimento de


condicionamento, do CS, se estende para outros estímulos, sendo o grau desta
‘generalização de estímulos’ determinado pelas semelhanças e diferenças entre os
37
outros estímulos e o CS. Uma vez que outros estímulos diferem do CS em
magnitude e frequência com que eliciam a CR, também ocorre ‘discriminação de
estímulos’. Na verdade, a discriminação pode se tornar progressivamente mais
pronunciada por emparelhamentos repetidos do UCS apenas com um CS
específico (isto é, produzir condicionamento respondente, desde que seja evitada
a ocorrência de outros estímulos, que não sejam emparelhados com o UCS).

[...] Tem sido claramente demonstrado, por exemplo, que condicionamento de


segunda ou mais ordem superior pode ocorrer quando um CS bem estabelecido é
pareado com um estímulo neutro. O estímulo neutro adquire o poder de eliciar a
CR reativa. Embora não tenha sido determinado empiricamente até que ponto este
processo pode ser estendido, o desenvolvimento de propriedades eliciadoras dos
CS dois ou três passos distantes do UCS original não é incomum. E o esforço
investigativo persistente, principalmente de origem russa, para estender o modelo
conceitual de condicionamento clássico ou Pavloviano (isto é, respondente) para
abarcar estímulos verbais e respostas somáticas (Razran, 1961) sugere
importantes direções potenciais para o desenvolvimento da teoria e prática da
medicina comportamental.” (pp. 88 e 89)

É desafiador e estimulante refletir, após a leitura do papel do condicionamento respondente


como coparticipante do papel do condicionamento operante na compreensão do
comportamento humano complexo, o que escreveu Thompson (2012) sobre seu artigo
publicado no JEAB (2007):

“Neste artigo eu propus que repertório integrado de comportamento operante de


um organismo tem o status de um sistema biológico, semelhante a outros sistemas,
como os sistemas nervoso, cardiovascular ou imunológico. Sugiro que uma boa
parcela do que é visto como biológico (frequentemente considerado inacessível
ou hipotético) poderia ser transformado em variáveis publicamente mensuráveis
com o uso de tecnologias presentemente disponíveis e em desenvolvimento. Além
disso, tais variáveis endógenas poderiam servir como operações motivacionais
(estabilishing operation, no original), estímulos discriminativos, eventos
mediadores combinados e consequências mantenedoras [eu diria selecionadoras]
dentro de uma análise funcional do comportamento, sem ter que ser reduzida a
explicação reducionista.”

A Figura 8, denominada Manifestações Funcionais do Homo Sapiens, mostra as funções


evocadas e eliciadas e seu papel na produção de funções selecionadoras.

38
Figura 8. MANIFESTAÇÕES FUNCIONAIS DO HOMO SAPIEN

FUNÇÕES SELECIONADORAS

As Funções Selecionadoras são necessariamente produzidas pelas Manifestações


Funcionais. Podem pertencer a duas classes de procedimentos: adição ou subtração.

Na primeira classe, a manifestação funcional emitida, pode produzir uma consequência pela
adição (daí o termo “positivo”, dado ao procedimento, emprestado da linguagem matemática),
de um evento com função reforçadora positiva. O termo “evento” inclui um item, por exemplo,
um chocolate; ou uma manifestação funcional, por exemplo, um elogio, um abraço; ou uma
classe de contingências de reforçamento positivo, por exemplo, um vestibulando ao ser
aprovado produz o direito de frequentar o curso universitário de sua escolha, a possibilidade de
mudar de cidade, de iniciar um novo estilo de vida em uma “república” ... Em todos os exemplos
o evento selecionador pertence a classe de reforço positivo. O procedimento que aumenta ou
mantém um comportamento que produz a consequência reforçadora positiva chama-se
reforçamento positivo.

39
A manifestação funcional emitida pode produzir, por outro lado, uma consequência pela
adição de um item aversivo, por exemplo, um choque elétrico, uma queimadura, uma fratura
óssea; uma manifestação funcional, por exemplo, uma crítica, uma “explosão” com palavrões
e golpes físicos, uma ameaça, um comentário irônico; ou uma classe de contingências de
punição positiva, por exemplo, “Você terá que refazer essa escada e pagar o material” (dita ao
pedreiro), “Seu texto está fora das normas para apresentação; refaça mesmo que tenha que ficar
além do horário de trabalho…” Em todos os exemplos, o evento selecionador (aquele que é
adicionado) pertence a classe de reforço negativo ou de estimulação aversiva (estes dois termos
têm sido usados como análogos). O procedimento que enfraquece o comportamento que
produz a consequências aversiva chama-se punição positiva.

Na segunda classe, a manifestação funcional emitida produz uma consequência pela


subtração (daí o termo “negativo”, dado ao procedimento, emprestado da linguagem
matemática), de um evento que tem função positiva. De forma análoga à descrita no
procedimento positivo, o “evento” pode ser um item, por exemplo, a proibição do uso de
celulares (evento reforçador positivo) por um tempo determinado, a cassação da carteira de
habilitação (a carteira tem função reforçadora positiva) por excessos de velocidade; ou uma
manifestação funcional, por exemplo, a frase “Não gosto de criança que faz feiuras; nem
chegue perto de mim, sua feia!” (atenção e presença da mãe têm funções reforçadoras
positivas); ou uma classe de contingências de punição negativa, por exemplo, manter-se em
silêncio, evitando qualquer forma de interação com outro por um tempo indeterminado. Em
todos os exemplos o evento selecionador (aquele que é subtraído) pertence a classe de reforço
positivo. O procedimento que enfraquece o comportamento que subtrai a consequência
reforçadora positiva chama-se punição negativa.

A manifestação funcional emitida pode produzir uma consequência pela subtração de um item
aversivo, por exemplo, desligar uma luz ofuscante, diminuir a altura de um som ensurdecedor,
suspender o vento gelado que entra pela janela do carro (luz, som e vento são eventos
aversivos); ou uma manifestação funcional, por exemplo, a frase “Desculpe minha grosseria,
foi mal!”, “Devo-lhe uma cerveja, esqueci do seu niver!” (fazer grosseria ou esquecer o niver
são comportamentos aversivos); ou uma classe de contingências de reforçamento negativo, por
exemplo, “Comecei a fazer terapia, depois de sua insistência!…”, “Procurei uma nutricionista,
cansei – literalmente – de suportar meu excesso de peso!…” (a insistência e o excesso de peso
têm funções aversivas). Em todos os exemplos, o evento selecionador (aquele que é subtraído)
pertence à classe de reforço negativo ou estimulação aversiva (os dois termos têm sido
considerados análogos: choque elétrico é um reforço negativo ou um estímulo aversivo;
suspensão de atenção é um reforço negativo ou uma condição aversiva; só o primeiro se define
por sua função). O procedimento que fortalece aquele comportamento que subtrai (ou adia ou
enfraquece) a consequência aversiva chama-se reforçamento negativo.

Veja a Figura 9 que resume as contingências selecionadoras:

40
Figura 9. Quadro Representativo dos Procedimentos Selecionadores

Estímulos Apresentação Remoção ou interrupção


(adição) (subtração)

Estímulo reforçador Reforçamento Punição


(reforço positivo) positivo negativa

Estímulo aversivo Punição Reforçamento


(reforço negativo) positiva negativo

Observação: Afirmar que os procedimentos (reforçamento) são positivos ou negativos têm


apoio na linguagem da aritmética. Afirmar que o reforço é positivo ou negativo se apoia em
práticas da comunidade verbal: positivo o que é bom, agrada...; negativo é o que é ruim,
desagrada... O correto seria definir o reforço pela sua função: positivo é aquele que fortalece a
resposta que o produz e enfraquece a resposta que o remove; negativo é aquele que enfraquece
a reposta que o produz e fortalece a resposta que o remove. (Conforme a Figura 9)

Do ponto de vista da TCR, são contingências coercitivas: punição positiva, punição negativa,
reforçamento negativo, reforçamento positivo intenso, extinção operante, extinção respondente
e extinção do reforçamento negativo.

A extinção é um procedimento que envolve duas etapas: a primeira é caracterizada por


reforçamento positivo ou reforçamento negativo, o que significa que o comportamento de
interesse está sendo emitido e mantido. A segunda etapa se define: a) pela interrupção do
reforçamento positivo: o comportamento é emitido e não ocorre nenhuma consequência
funcional. O comportamento, então, sofre uma diminuição gradual até se completar a extinção;
fala-se que o comportamento passa a ser emitido no mesmo patamar que tinha antes do
condicionamento (volta ao seu nível operante); b) pela interrupção da remoção do evento
reforçador negativo (estímulo aversivo), ou seja, o comportamento de fuga-esquiva não é mais
funcional e, então, ele se enfraquece como resultado do processo de extinção.

O procedimento de extinção de reforçamento positivo, bem como o procedimento de extinção


de reforçamento negativo são aversivos. Usando terminologia proposta por Sidman, poderia ser
dito que os procedimentos de extinção são coercitivos. Embora Sidman (2011, pp. 56-64) tenha
listado apenas punição positiva, punição negativa e reforçamento negativo como procedimentos
coercitivos e não apresentasse, explicitamente, a extinção como mais uma classe de
procedimento coercitivo, ele, em páginas subsequentes (p.290) escreveu:

“O dito predominante em educação é que aprender ocorre por meio de tentativa e


erro, que aprendemos a partir de nossos erros. Mas um professor eficiente jamais
forçará erros; este é um modo seguro de perpetuá-los. Assim é que a coerção volta
à cena: reter reforçamento é punir. Faremos tudo que pudermos para sair de
41
uma situação na qual o reforçamento não está vindo. Se não pudermos fugir,
aprenderemos a nos esquivarmos dela. Se não pudermos nem fugir nem nos
esquivar, contra-atacaremos.

Reforçar o sucesso dos alunos na aprendizagem clássica por tentativa e erro é mais
efetivo do que a prática usual de ignorar seus sucessos, no entanto, não elimina a
coerção; a extinção de erros é ainda necessária na aprendizagem por tentativa e
erro. Enquanto tratarmos a educação como um processo de tentativa e erro, não
reforçamento de erros permanecerá como elemento coercitivo. (grifos
adicionados).”

Os experimentos em laboratório com animais demonstram os comportamentos dos sujeitos


experimentais no processo de extinção: ocorre aumento na emissão das respostas que vinham
sendo reforçadas; aumenta a variabilidade dessa classe de comportamentos; são emitidas outras
classes – usualmente com fenótipos agressivos –, que não estavam presentes durante o correr
do processo de reforçamento positivo. Apresente ao sujeito experimental a oportunidade de
emitir uma resposta que remove o S∆ e apresenta o SD e ele emitirá essa resposta, ou seja ele
emitirá uma resposta de fuga do S∆ (reforçamento negativo) e que produz o SD (reforçamento
positivo condicionado). Pode-se perguntar se a emissão da resposta deve-se a remoção do S∆
(condição aversiva) ou à apresentação do SD (condição reforçadora positiva)? O S∆ é um
estímulo presente, enquanto o SD é um estímulo ausente. Argumentar que o sujeito
experimental emite a resposta para produzir o SD é um raciocínio finalista: a resposta seria
reforçada por um evento futuro. A melhor compreensão do episódio comportamental pode ser
assim descrita: o rato, sob controle de um evento aversivo (S∆) emite uma resposta que o
elimina; essa mesma resposta produz um evento reforçador positivo condicionado (SD) na
sequência descrita (o S∆ é trocado pelo SD). O comportamento de pressão à barra é evocado
pelo S∆ e mantido pelas duas consequências que produz. De qualquer maneira, pode-se concluir
que o procedimento de extinção é uma contingência coercitiva.

Funções selecionadoras imediatas e funções


selecionadoras a médio-longo prazo

Funções selecionadoras a curto prazo são, em geral, facilmente identificáveis e suas influências
sobre o comportamento, que as produziu, podem ser descritas. Há, no entanto, um desafio
importante em circunstâncias aparentemente óbvias. Assim, por exemplo, o salário que o
trabalhador recebe por tarefas cumpridas ou por período de tempo trabalhado é, quase sempre,
apresentado como um exemplo de reforçamento positivo. Skinner sinaliza que é precipitada tal
afirmação; o trabalhador se mantém trabalhando porque o salário que recebe o protege de
privações na sua vida cotidiana e da sua família. Assim, com o salário ele paga moradia, se
alimenta, se protege do frio, pode pagar um seguro saúde etc. (bem… cabe a questão que nos
aflige: quantos com seu salário conseguem se proteger dessas aversivas vicissitudes da vida?),
ou seja, a contingência em operação é de reforçamento negativo, não positivo! Ainda Skinner,
adverte que os efeitos prazerosos – próprios de reforçamento positivo – não estão presentes na
rotina do trabalhador; seus sentimentos são melhor nomeados de ansiedade, de preocupação, de
insatisfação etc. Trabalhar, nestas condições, é comportamento de fuga-esquiva. Neste
exemplo, cabe se questionar se o comportamento do trabalhador está sendo selecionado e
42
mantido por consequências próximas – o dinheiro – ou por consequências a médio prazo: ter
onde morar, poder se alimentar etc. O dinheiro é um reforço condicionado generalizado, mas
não é ele que mantém o comportamento de trabalhar, mas ao que ele dá acesso (evita condições
aversivas de viver).

Acompanhe a análise de outra classe de episódio comportamental: a nota do aluno na escola. É


a nota alta no boletim e os elogios que recebe do pai pelo seu desempenho acadêmico que
selecionam e mantêm seu desempenho acadêmico? Nesta alternativa se estaria descrevendo
contingências de reforçamento positivo. Ou o garoto estudando produz boas notas para evitar
críticas, reprovações, decepção e cobranças do pai etc.? Nesta alternativa se estaria descrevendo
contingências de reforçamento negativo. A identificação dos sentimentos que acompanham o
aluno nas atividades acadêmicas pode dar indícios confiáveis de qual contingência de
reforçamento está em operação. Assim, se o aluno vai para escola prontamente, no trajeto fala
dos colegas, dos professores, comenta o que tem aprendido, faz as tarefas de casa e estuda para
as aulas sem que precisem lembrá-lo de suas obrigações… então, pode-se dizer que a vida
acadêmica dele está sendo mantida por reforçamento positivo, com prevalência de reforços
naturais. Por outro lado, não é difícil prever como se comportará e como se sentirá o aluno que
está exposto contingências coercitivas nas atividades acadêmicas. Tanto na escola como em
casa!

Cabe ao psicoterapeuta focar suas análises e intervenções nas interações das contingências de
reforçamento, que estão operando e se influenciando reciprocamente. Os estudos experimentais
com sujeitos infra-humanos (ratos, pombos, macacos etc.) permitem avançar na compreensão
das leis que governam os comportamentos porque o experimentador tem privilegiado acesso
aos controles experimentais, que viabilizam conclusões fidedignas a respeito das interações
funcionais entre procedimentos e comportamentos. Assim, estudos experimentais desta classe
se caracterizam por:

1. Controle da história de contingências do sujeito experimental;

2. Controle do espaço experimental, com segura e sistemática manipulação das variáveis


experimentais e confiável isolamento de varáveis estranhas aos procedimentos
implementados;

3. Programação de operações motivacionais, tal como privação de água ou alimento;

4. Seleção de uma resposta conveniente para o estudo, em geral simples para ser
observada e mensurada, como, por exemplo, pressão à barra ou bicada no disco;

5. Consistente controle de apresentação e remoção de variáveis sob investigação


(apresentação e remoção de luz, som etc.) e manejo de parâmetros das variáveis
experimentais, tais como, esquemas de reforçamento, frequência de reforços,
intensidade de choque aversivo etc.;

43
6. Manejo de consequência reforçadora com função motivacional produzida pela operação
de privação (água ou alimento), apresentada contingente à resposta de estudo;

As condições presentes nos pesquisas experimentais com sujeitos infra-humano estão longe de
servir como estudos análogos da complexidade da vida cotidiana. Até mesmo os estudos
experimentais que investigam interações de contingências, que manipulam parâmetros de
variáveis, que pesquisam contingências análogas àquelas que governam comportamentos
humanos complexos, estão distantes do que o Ser Humano vive na sua vida cotidiana. É
revelador ler a distinção entre análise experimental e análise aplicada do comportamento feita
por Baer, Wolf e Risley (1968).

No consultório, nenhuma dessas variáveis pode ser controlada pelo interesse do psicoterapeuta;
este deve se dispor a lidar com seu cliente como ele se apresenta na sessões: com suas queixas,
dificuldades, história de contingência, ambiente de vida cotidiana como ele as apresenta etc.
Quanto mais rigoroso é um procedimento experimental, mais confiáveis são as relações das
variáveis manejadas com os resultados obtidos; por outro lado, menor a riqueza de
generalização dos procedimentos usados e dos resultados demonstrados no laboratório para
situações da vida das pessoas. A fidedignidade entre procedimentos e mudanças
comportamentais demonstrada sob o rigor do laboratório experimental animal restringe a
generalidade dos dados para a vida humana; as interações entre procedimentos
psicoterapêuticos no consultório perdem em fidedignidade se comparada com a demonstrada
na pesquisa básica. Há uma relação inversa entre pesquisa experimental e generalização dos
comportamentos para contextos não experimentais.

No processo psicoterapêutico é essencial que o analista do comportamento descreva com


minúcia e precisão o que foi feito – as descrições do que ocorre no ambiente clínico devem ser
tecnológicas, no sentido atribuído ao termo por Baer, Wolf e Risley (1968). Cabe a ele
relacionar o que acontece nas sessões com a história de contingências do cliente, pois é neste
processo histórico que foram instaladas as funções das contingências de reforçamento e que
vêm sendo mantidas e atualizadas. Finalmente, se faz essencial relacionar as principais
contingências em operação no dia a dia do cliente, pois nenhum evento tem função isolada em
um contexto funcional mais abrangente. As funções das contingências de reforçamento são
mutáveis e interrelacionadas e cabe ao psicoterapeuta estar atento a tais interações e dinâmica
das mudanças. Uma apropriada metáfora sobre o processo de viver pode ser evidenciada nos
movimentos de um caleidoscópio: uma imagem se transforma com uma simples rotação do
tubo que contém as contas coloridas. Assim, a vida de um estudante que se prepara para o
vestibular muda rapidamente em muitas classes comportamentais quando é aprovado no Curso
de sua escolha; as dificuldades sociais e afetivas de uma pessoa se transforma quando encontra
alguém que lhe retribui afetos e acolhimento; uma pessoa de meia idade se transforma quando
perde o emprego que vem mantendo por 20 anos; o diagnóstico de uma doença terminal, um
acidente que imobiliza a pessoa exigem novos recomeços ou a entrega ao inevitável… Há,
portanto, contingências que têm função de produzir mutações comportamentais.

Não há porque insistir na distinção – por sinal arbitrária – entre funções selecionadoras
imediatas e funções selecionadoras a médio e longo-prazo, pois convém destacar que
44
comportamento não é evocado-eliciado nem pelo passado nem pelo futuro. O passado já não
existe mais, no entanto, pode-se lembrar dele: lembrar é comportamento presente evocado por
contingências atuais, logo é comportamento presente. O passado, porém, pode ser manter no
presente, quando as contingências que construíram o repertório comportamental no passado
continuam atuando – os padrões comportamentais se repetem porque as contingências de
reforçamento também se repetem. Pode-se perguntar onde estão armazenados os
comportamentos aprendidos no passado? A metáfora do armazenamento ignora que
comportamento não é armazenado; ele é mantido, é transformado, é enfraquecido por
contingências de reforçamento presentes. Comportamentos instalados no passado fazem parte
do repertório de comportamentos da pessoa. Nesta condição há semelhança entre passado e
presente, mas só existe o presente. O futuro, por sua vez, é tão somente conjecturas e previsões
que se acomodam na regra: se as contingências passadas e presentes se repetirem, então, os
comportamentos se repetirão! O futuro só existe como prática cultural. Trata-se de uma utopia,
uma descrição da história de contingências de cada um, que lhe permite fazer uma previsão sob
controle das contingências vividas. Prever o futuro é comportamento verbal presente; não vai
além de descrições do passado e do presente, que não se repetirão. Comportamento é um fluxo
indivisível, em permanente mudança, mantido por interações entre contingências de
reforçamento que jamais se repetem. O futuro é descrição de regras (ou seja, de contingências
de reforçamento prováveis, leis científicas são bons exemplos desta possibilidade), que
sistematizam e sintetizam dados empíricos – neste caso merecem crédito – ou produtos de
contingências verbais mantidos por tradições e superstições – neste caso não merecem crédito
– mas as contingências previstas não estão presentes – o futuro não existe – mas as previsões
sim, e como tal, não são as consequências futuras que estão atuando, mas o que se fala delas e
o que se faz com elas. Assim, afirmar que fumar continuamente está relacionado com câncer
pulmonar no futuro só existe como uma informação, uma asserção, uma advertência – câncer
pulmonar não está presente –, enquanto as contingências atuais estão operando. Assim, fumar
produz efeitos reforçadores, por exemplo, enquanto outras contingências de reforçamento estão
presentes em interação com o efeito reforçador produzido pela nicotina e outras substâncias
inaladas, tais como reforçamento social vindo de outros fumantes, função de esquiva e de fuga
de constrangimento social, sentimentos de pertencimento, autoimagem forjada de se ver como
uma pessoa livre etc. Uma conclusão mais descritiva sobre a indiferença da pessoa às
consequências aversivas a longo prazo produzidas por fumar remete a evidência de que o
comportamento do fumante é mantido por interações entre múltiplas contingências de
reforçamento presentes, que vêm mantendo tal comportamento, e não porque ele está alheio
as consequências perniciosas prováveis a longo prazo como consequência de manter o hábito
de fumar. O fumante “sabe”, no sentido de que é capaz de repetir frases que descrevem o futuro
catastrófico, o que aguarda os que fumam exageradamente, mas as informações de várias fontes
sobre as múltiplas consequências são contingências fracas em relação àquelas que o mantém
fumando. O foco psicoterapêutico, portanto, deve estar voltado para as contingências funcionais
presentes! As consequências presentes competem com as consequências previstas: o que existe
presentemente quase sempre vence a possibilidade futura, que só existe como informação. Em
suma, o psicoterapeuta tem que ter claro que as consequências que importam são as presentes;
não as futuras. Assim, um conselho, uma proibição vinda de um agente de controle
comportamental efetivo que imponha comportamentos que evitam riscos futuros é

45
consequência presente. O psicoterapeuta se interessa pelo passado e o futuro, mas de fato lida
com o presente; nada mais!

Distinção entre funções selecionadoras naturais e arbitrárias

A distinção entre funções selecionadoras naturais e arbitrárias é fundamental para a condução


do processo psicoterapêutico: este pode começar e avançar até certo ponto com apoio nas
funções selecionadoras arbitrárias, no entanto o objetivo do psicoterapeuta é levar o cliente a
adquirir repertório de comportamento que produza, preferencialmente, consequências naturais.

Função selecionadora natural é aquela que é produzida pelo comportamento emitido: abrir a
janela pela manhã expõe a pessoa ao mundo do lado de fora: céu azul, céu nublado, sol, chuva,
vento, brisa, calor, frio etc. São eventos reforçadores positivos ou negativos em si, funções que
derivam da história filo e ontogenéticas do indivíduo. As leis científicas especificam quais
comportamentos produzem quais consequências e tal relação comportamento-consequência é
universal, independente de desejos ou preferências. Assim, se expor por tempo exagerado ao
sol, sem proteção, produz queimadura na epiderme, manejar de forma desajeitada uma faca
afiada produz ferimento, acelerar acima do limite de segurança um carro na curva produz
capotamento ou batida, chupar uma manga madura produz sensações doces nas papilas
gustativas etc.

Função selecionadora arbitrária é aquela apresentada por outra pessoa (familiares, professores,
amigos, parceiros de trabalho, autoridades etc.), a qual, por critérios arbitrários definidos por
ela, implementa interações nas quais por si mesma define:

1. Qual comportamento é desejado ou indesejado;

2. Manipula o que considera reforçador positivo ou negativo;

3. Aplica procedimentos de reforçamento ou punição;

4. Determina o grau de qualidade aceitável do comportamento-alvo.

Em suma, as contingências arbitrárias estão em serviço do agente de poder; podem beneficiar


o outro, mas não necessariamente. Muitos desvios comportamentais são produtos de
contingências arbitrárias, mesmo aquelas com fenótipo de reforçamento positivo. As
contingências arbitrárias tendem a desdenhar as funções que têm para o outro. Contingências
de reforçamento de terceiro nível de seleção sinalizam que o bem comum deve prevalecer sobre
os ganhos individuais.

Atente para as diferenças:

1. O atleta acertar o arremesso de uma bola e fazer pontos na cesta de basquete é exemplo
de consequência selecionadora natural;
46
2. O atleta certar o arremesso e fazer três pontos produz um comentário do treinador, de
outro jogador, do pai etc. “Muito bem, você fez três pontos!” é exemplo de consequência
selecionadora arbitrária;

3. A criança girar a tampa da garrafa e beber o refrigerante é exemplo de consequência


selecionadora natural;

4. A mesma crianças girar a tampa da garrafa de refrigerante e a mãe dizer “Nossa, você
está ficando fortinha; abriu a garrafa sem ajuda!” é exemplo de consequência
selecionadora arbitrária;

5. O cliente com dificuldade de discordar nas interações com seus amigos diz: “Não estou
a fim de comer pizza hoje. Vou ficar em casa assistindo ao jogo do… (time pelo qual
torce)” é exemplo de consequência selecionadora natural;

6. O mesmo cliente dizer para o psicoterapeuta que não foi comer pizza com os amigos e
que ficou em casa assistindo ao jogo do... (time pelo qual torce) e o psicoterapeuta
comentar: “Que bom, você está começando a deixar claro o que prefere fazer… Seu
processo na psicoterapia está avançado é exemplo de consequência selecionadora
arbitrária.

No início do processo psicoterapêutico pode ser necessário e apropriado o psicoterapeuta emitir


comportamentos arbitrários, no manejo de funções antecedentes evocadoras e eliciadoras de
comportamentos desejados, tais como: dar ajuda física e verbal; dar modelos de ações e
verbalizações a serem emitidas; usar fading in de dificuldades progressivas, dar instruções,
realizar ensaios comportamentais etc. Também cabe ao psicoterapeuta emitir comportamentos
com funções de consequências selecionadora arbitrárias de comportamentos desejados, tais
como: elogios explícitos (pretendendo que tenham função reforçadora positiva); comentários
que valorizam a ação emitida; apresentação de itens reforçadores para o cliente (no caso de uma
criança um item comestível, tal como “confete”), reforçar diferencialmente desempenho
aumentando gradualmente o grau de exigência até a emissão do comportamento desejado final
etc.

O psicoterapeuta deve ir esvanecendo os comportamentos arbitrários, de tal maneira a se


certificar que o cliente passa, por si mesmo, a emitir comportamentos desejados e mantém e
amplia as classes de comportamentos tão somente pelas consequências naturais que produzem.
Assim, por exemplo, o psicoterapeuta pode iniciar o desenvolvimento de repertório de interação
social em um jovem, programando ensaios comportamentais em que dá modelos de
comportamentos de aproximação com amigos e, nas encenações, consequencia com elogios e
comentários o desempenho desejado do cliente. O que se espera com esta atividade é que o
cliente comece a ligar para seus colegas e programe com eles atividades em comum sem ajuda
do psicoterapeuta e que essas iniciativas de interação social sejam mantidas pelas reações dos
colegas às aproximações: uns concordam em fazer programa juntos, outros não, mas, afinal, o
cliente passa a ter atividades sociais regularmente. O objetivo de levar o cliente a emitir
47
comportamentos sob controle de contextos naturais e de se manter – e até ampliar – as classes
de interações sociais pelas consequências naturais é levá-lo a se tornar sociável e independente
de circunstâncias restritas (só sair com determinado amigo; só se engajar em atividades
repetitivas etc.) e desenvolva comportimentos de autoconfiança, autoestima e de
responsabilidade pela suas ações, tolerância a frustrações e imprevistos... Os procedimentos
que selecionam e mantêm comportamentos são listados na coluna Funções selecionadoras
por adição e subtração.

A Figura 10, denominada Funções Selecionadoras por Adição e Subtração, mostra os


procedimentos de reforçamento (positivo e negativo), de punição (positiva e negativa) e de
extinção que têm funções selecionadoras.

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Figura 10. FUNÇÕES SELECIONADORAS

Comportimento pode ter função de estímulo


Há uma importante diferença entre classes de respostas e classes de estímulos. As classes de
estímulos sempre têm função de estímulo; as classes de respostas podem ter função de
manifestações comportamentais e podem ter funções de estímulos. Assim, a pergunta do
professor para Joãozinho “Em que estação do ano estamos?” é um comportamento verbal oral

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(do professor) com função de estímulo evocador de determinada manifestação de Joãozinho:
“Estamos no outono!”, ele responderá. A resposta de Joãozinho tem dupla função:
selecionadora da pergunta e função evocadora (estímulo discriminativo) para o que se segue.
Dando continuidade ao episódio comportamental, o professor, sob controle da resposta do
aluno, pode completar: “Muito bem! Você deu a resposta que eu esperava!”. O comentário
elogioso do professor é uma manifestação dele (é um comportamento) que tem a função de
estímulo reforçador positivo (Sr+) para Joãozinho. Ou seja, as classes de respostas podem ter
função de manifestações funcionais sob controle de estímulos: sob controle de SD emite
resposta que produz reforçamento positivo; sob controle de Sav emite resposta de fuga que
produz reforçamento negativo e assim por diante. Podem, adicionalmente, ter função de
diferentes classes de estímulos. Assim, por exemplo, a instrução “Amanhã nossa aula
começará uma hora mais cedo” pode ter função evocadora, ou seja, de estímulo discriminativo
– aumenta a probabilidade do aluno chegar pontualmente mais cedo; pode, por outro lado, ter
função de Spré-aversivo – aumenta a probabilidade de faltar à aula ou de chegar atrasado.
As Figuras 11 e 12, denominadas Interações Comportamentais Verbais entre Seres Humanos
(conceito e exemplo com humanos), mostram as funções evocadoras, eliciadoras e
selecionadoras dos comportamentos humanos.
Os comportamentos de uma pessoa – operantes e respondentes – têm Funções Evocadoras-
Eliciadoras e Funções Selecionadoras não só para pessoas com quem interage, mas também
para si mesma! Seguem mais exemplos. Assim, ao cumprimentar alguém com “Bom dia!”,
evoca uma resposta intraverbal do ouvinte: “Bom dia!”. O comportamento do falante tem
função de estímulo discriminativo (SD) e a resposta do ouvinte de estímulo reforçador
condicionado generalizado (Sr+). Uma pessoa que engasga com um pedaço de pizza, começa a
tossir e a ter dificuldade de respirar, respondentes que evocam comportamentos de ajuda de
alguém próximo… um tapa nas costas, por exemplo! A dificuldade com o pedaço de pizza tem
função de estímulo aversivo para um observador e evoca um comportamento de ajuda e a
normalização da respiração tem efeito de remoção de uma condição aversiva para ambos
(reforçamento negativo e sentimentos de alívio). Uma pessoa, de repente, (isto é, sem que tenha
identificado estímulo com função evocadora do lembrar) se lembra que não tomou o
comprimido de antibiótico no horário programado; imediatamente o engole mesmo sem água.
O comportamento de se lembrar (operante encoberto) tem função de estímulo pré-aversivo
evoca na própria pessoa que se lembrou o comportamento de fuga-esquiva: engolir o mais
rápido possível o comprimido. O comportamento de engolir tem função de reforço negativo:
sua função é fugir da condição aversiva, qual seja, quebrar o protocolo de funcionamento
curativo do remédio. Veja outro exemplo, em que o comportamento da pessoa tem função de
estímulo para ela própria: ao andar apressadamente Jonas (14) tropeça e cai (comportamento
operante público) e seu joelho começa a sangrar. O ferimento tem função selecionadora
aversiva (“Devo tomar mais cuidado com minha pressa”, pensa Jonas) e função de estímulo
pré-aversivo: Jonas prontamente pega na mochila sua garrafa de água e limpa o ferimento e
com um lenço pressiona a área ferida para estancar o sangue, comportamento de fuga-esquiva
das consequências aversivas da queda.

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As Figuras 11 e 12 apresentam, respectivamente, o paradigma conceitual e experimental da
interação entre duas pessoas, dando destaque às funções de estímulo dos comportamentos entre
elas.

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Figura 11. INTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS VERBAIS ENTRE SERES HUMANOS

CONCEITO

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Figura 12. INTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS VERBAIS ENTRE SERES HUMANOS

EXEMPLO

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Veja as análise das células dos esquemas, que representam interações verbais entre duas
pessoas. O objetivo dos esquemas é mostrar que, nas interações humanas, manifestações entre
elas têm funções evocadoras, eliciadoras e selecionadoras; têm, portanto, funções de estímulo
ou de ambiente.

Na célula 1 Tuco emite um comportimento que tem função de SD para a ouvinte com quem
está interagindo. Em condições cotidianas tal pergunta tem função de SD e fraca função
eliciadora aversiva. Suponha que, após cometer uma contravenção na rodovia o guarda
rodoviário sinaliza para o motorista que deve parar e lhe diz: “Seus documentos, por favor!” A
frase tem função evocadora de operantes, tais como: “Pois não, seu guarda”; pensamentos: “Me
ferrei...”, “Tenho que tentar convencê-lo a não me multar...” etc. e forte função eliciadora: há
aceleração dos batimentos cardíacos, tremor nas mãos, enquanto tenta apresentar os
documentos etc. Nesta alternativa a fala do guarda tem função essencialmente de Spré-aversivo
(evoca operantes de fuga-esquiva e respondentes aversivos).

A distinção entre estímulo pré-aversivo (Spré-av) e estímulo aversivo (Sav) é arbitrária. O


primeiro (por exemplo, uma luz, um som...) é aquele que sinaliza a ocorrência de um estímulo
aversivo incondicional (por exemplo um choque elétrico intenso, um som muito estridente...).
A sistemática associação entre o Spré-av e o Sav resulta em uma nova função do Spré-av, o
qual antes de qualquer associação é um estímulo neutro, ou seja, aquele que não evoca nem
elicia de maneira sistemática nenhuma resposta de interesse experimental ou prático, e que,
como resultado da associação com o Sav passa a ser um estímulo aversivo condicional.

Luz e som, por exemplo, passaram a ter função de evocar comportamentos de fuga e esquiva
e de eliciar respondentes aversivos. Na vida cotidiana, os estímulos classificados como pré-
aversivos têm função aversiva condicional e podem ocupar – em um paradigma de contingência
de reforçamento – a posição do estímulo aversivo. Assim: João é um pai muito exigente e
critica, bate, põe de castigo seu filho Carlos toda vez que este emite comportamento que
desagrada o pai. Criticar, falar alto, por de castigo adquirem função aversiva condicional porque
estão associadas a bater, que, se ultrapassados certos limites, produz dor, sofrimento, ou seja,
pode produzir estimulação aversiva incondicional; criticar, falar alto também adquirem função
aversiva condicional porque estão associados a ficar por tempo indeterminado impedido de
acesso a reforçadores positivos condicionais generalizados (por exemplo, brincar, correr,
interagir com pessoas etc.). A partir de certas ocorrências de associações entre gritos, ameaças
com punição física, restrições e perdas de reforçadores positivos a simples presença dos pai e
advertência – sem necessidade adicional de surras nem de perdas de reforçadores positivos –
bastam para evocar-eliciar comportamentos de fuga-esquiva e manifestações corporais
respondentes aversivas. Assim:

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Figura 13. Paradigma de Contingência com Função Evocadora-Eliciadora Aversiva
Condicional

A R C

A presença do pai, Comportamentos de Evitação de consequências


advertências, olhar de fuga-esquiva aversivas: de punições
censura... positivas e negativas

Na Figura 13 as condições listadas na coluna A têm função aversiva condicional em si (não


cabe, portanto, chamá-las de condições pré-aversivas) e os comportamentos por eles evocados
são de fuga da condição presente e não de esquiva de condição aversiva por vir, mas ainda
ausente. Suponha o exemplo de laboratório: uma luz é ligada e o sujeito experimental não
demonstra nenhum comportamento específico sob controle dela. Diz-se que a luz tem função
neutra para o sujeito. Em seguida, a luz se acende e após um intervalo de 5 segundos é dado um
choque elétrico doloroso. Após repetidas associações luz-choque, a luz adquire função aversiva:
O sujeito mostrar agitação na sua presença; a luz deixa de ter função neutra. Se o sujeito emitir
uma resposta, por exemplo, pressão à barra na presença da luz, ela se apaga e o choque não
ocorre. Tendo adquirido tal resposta, pode se testar a função da luz: na sua presença o
comportamento de pressão à barra ocorre (comportamento de fuga), então a luz, que era neutra,
passa a ter função aversiva condicional (aprendida) demonstrada.

A literatura experimental convencionou chamar a luz de estímulo pré-aversivo, porque o


evento aversivo é o choque, e a resposta de pressão à barra na sua presença é chamada de
esquiva porque sua emissão evita o aparecimento do choque. Tal convenção é arbitrária, pois
o que ocorre pode ser descrito de outra maneira: a luz adquiriu função aversiva, então ela é um
estímulo aversivo (não pré-aversivo) condicional (aprendido) e a resposta que ocorre na sua
presença é de fuga (não de esquiva) do estímulo aversivo condicional (luz) e de esquiva do
estímulo incondicional choque dolorosos. Atribuir à pressão à barra a função de comportamento
de esquiva é discutível e empiricamente insustentável, pois supõe que o sujeito experimental se
esquiva de algo (o choque), que não está presente. Não há evidências de que emitiu
comportamento de esquiva do choque. Chamar a pressão à barra de comportamento de esquiva
do choque é uma interpretação produzida por raciocínio lógico; não comportamental. Para
pensar! Como pode um evento que não existe evocar uma resposta? É apropriado fazer uma
retificação e atribuir à presença da luz a função aversiva. Tal entendimento se fortalece quando
se lembra que a pressão da barra elimina a luz, ou seja, é uma resposta de fuga fortalecida pela
remoção do evento aversivo presente (luz) e não pela não apresentação do choque. Como
entender o comportamento de pressão à barra dos sujeitos experimentais nos procedimentos de
esquiva não sinalizada de Sidman. Os choques dolorosos são apresentados a intervalos pré-
determinados (denominados intervalos S-S) sem nenhuma sinalização exteroceptiva? Uma
possível explicação – pautada no controle exercido por eventos presentes e não futuros – é que
o sujeito experimental, exposto a sucessivos choques, sofreu alterações operantes e
respondentes com funções aversivas e a condição experimental em que são conduzidas as

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sessões adquiriu função presente aversiva que evoca e elicia estados corporais aversivos
discriminados, ou seja, ele se comporta pressionando a barra sob controle de eventos
exteroceptivos (gaiola experimental e outros) e estímulos proprioceptivos e interoceptivos com
funções aversivas. Em suma, o sujeito experimental não responde sob controle do choque por
vir. Em ambas as situações experimentais – procedimento de fuga-esquiva sinalizada e fuga-
esquiva não sinalizada – os comportamentos dos sujeitos experimentais não são controlados
pelo futuro, mas sim pelo presente que incorpora a história de contingências.

Cabe um comentário adicional: suponha que um comportamento produz consequências


reforçadoras positivas imediatas: o prazer erótico, o sabor do chocolate etc. Tais
comportamentos – interações com outra pessoa ou autoestimulação sexual e comer
excessivamente chocolate – são punidos no contexto social ou familiar da pessoa. O
comportamento que é punido (prazer sexual e prazer gustativo) adquire função aversiva
condicional, função essa que interage com as funções reforçadoras positivas produzidas pela
emissão das respectivas classes de comportamento. Desta maneira, o reforço positivo imediato
pode selecionar a emissão do comportamento, mesmo que ele produza consequências aversivas
a médio longo-prazo. Se estas condições aversivas ocorrerem de maneira sistemática a pessoa
ao emitir o comportamento que será punido, dirá que ficou preocupada, que está ansiosa, que
está arrependida (comportimentos aversivos) e, eventualmente, poderá vir a não mais emitir
comportamentos da classe punida ou a se sentir culpada, ansiosa se emiti-las. Está, portanto, se
comportando sob controle de estados corporais aversivos presentes e sob controle de regras e
autorregras que guiam os comportamentos de fuga.

Seguem algumas reflexões conceituais:

A matriz filogenética do Homo sapiens oferece funções de estímulos e funções de


manifestações corporais prontas, tais como os reflexos: não se ensina a pupila contrair quando
é exposta a uma luz intensa, não se ensina o coração acelerar seu ritmo de batimentos, quando
exposto a um barulho intenso e súbito, por exemplo. Também não se ensina que uma superfície
super quente tem função aversiva nem que um choque elétrico intenso também é aversivo, que
toque físico ameno é reforçador positivo e que atenção tem função reforçadora da qual não se
sacia.

Os exemplos se multiplicam, no entanto, todas essas funções do ambiente e do organismo, que


se expressam sem necessidade de aprendizagem prévia, chamadas, por isso mesmo, de funções
incondicionais (existem por determinação filogenética, sem depender de nenhuma condição
de aprendizagem), abrangem uma gama relativamente restrita das funções do mundo que
influenciam a pessoa e das manifestações eliciadas e evocadas delas por funções desse mundo.
A esmagadora maioria das funções do ambiente físico e social e das manifestações funcionais
do organismo são condicionais, isto é, dependem de processos de aprendizagem. Assim, por
exemplo, a primeira sucção de um recém-nascido – que é incondicional – produz consequências
selecionadoras (o leite materno, por exemplo) que influenciam as sucções sucessivas; elas
passam a ser manifestações que resultaram das interações das funções incondicionais com as
condicionais e com o desenvolvimento da pessoa os condicionais prevalecem. (William James,
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1842-1910, o mais importante fundador do Funcionalismo e do Pragmatismo (escola da
Psicologia) teria afirmado que o hábito – funções condicionais – é uma segunda natureza –
equivale a funções incondicionais.)

A célula 2 mostra que o comportamento de Tuco teve função de SD – ou seja, comportamento


pode ter função de estímulo – e evocou uma manifestação funcional de Mara: “Meu nome é
Mara.” O adjetivo funcional pretende destacar que a verbalização de Mara foi evocada pela
verbalização do falante, ou seja, se ela emitiu outros operantes, como por exemplo, abrir sua
bolsa, se mover na cadeira, desligar o celular etc., estas manifestações não foram
especificamente evocadas pela pergunta de Tuco; não são, portanto, manifestações funcionais
sob controle do comportamento de Tuco (podem ser funcionais sob outros controles, mas não
são objeto de interesse no presente episódio de interação). Tem-se insistido que os operantes e
respondentes sempre ocorrem juntos. Onde estão, portanto, os respondentes? Faz-se uma
distinção arbitrária entre a classe de operantes e a classe de respondentes, sob controle dos
comportamentos das pessoas que estão interagindo; nem Tuco nem Mara estão dando
importância aos respondentes, quer de um, quer da outro, neste momento do episódio. Suponha,
então, duas novas contingências: Tuco, ao começar a falar é interrompido por uma tosse que o
impede de prosseguir, pode, até mesmo, ter que tomar alguns goles de água. Os respondentes
ganharam importância para Tuco nesta condição, mas não afetaram Mara: ela esperou a tosse
parar e deu sua resposta, nada além. Atente para outra possível interação: tão logo Tuco termina
sua pergunta um segurança, abruptamente, interrompe Mara e lhe diz: “A senhora estacionou
no lugar proibido e tem que tirar seu carro imediatamente, se não for já eu vou chamar um
guincho…” Neste caso as ações ameaçadoras tornaram-se mais relevantes para Mara, que a
pergunta do Tuco: são eliciados vários respondentes, aceleração dos batimentos cardíacos,
rubor na face, tremor nas mãos etc., ou seja, os respondentes eliciados pelo segurança
prevalecem sobre os operantes evocados por Tuco; ela pode sair rapidamente em direção ao
carro (operante de fuga-esquiva da sanção ameaçadora) sem responder à pergunta feita; poderá
pedir licença para Tuco e sair em seguida; poderá dizer: “Desculpa, o que é mesmo você me
perguntou? Fica assim, exemplificado, o que ocorre quando há competição entre os controles
de estímulos evocadores e eliciadores. Mara, a partir das verbalizações do segurança,
apresentou manifestações evocadas (operantes) e eliciadas (respondentes) funcionais.
Suponha que sob controle do mando ameaçador do segurança, Mara começasse a tossir
intensamente. Qual a função do comportamento de tossir? Uma possibilidade é que –
independente da interação com o segurança – ela tivesse engasgado com uma bala. Nesta
condição tossir seria um comportamento respondente eliciado pela bala. Outra possibilidade
seria ela emitir um comportamento de tossir operante, pretendendo que tivesse função de fuga
da ameaça do segurança (“Me dê um tempo; vou precisar tomar uma água”, poderia estar
pensando).

A célula 3 dá destaque à função de interação entre falante e ouvinte. Na célula 1 Tuco foi
falante; na célula 2 Mara é ouvinte e falante (as funções de ouvinte não estão aqui identificadas
pois elas exigem análises que não são objeto deste texto), no entanto, o episódio
comportamental prossegue a partir de sua função falante. A resposta verbal de Mara tem
função selecionadora de reforçamento positivo para Tuco: prontamente ela disse seu nome. Se
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a pergunta de Tuco não evocasse uma resposta bem instalada e mantida como, por exemplo,
“Preciso de seu comprovante de vacinação contra COVID para continuar nossa entrevista...” a
nova solicitação poderia ter função evocadora de SD e uma resposta possível poderia ser: “Um
minuto. Deixe-me ver na minha bolsa se estou com ela… pronto, aqui está!” No entanto, essa
nova solicitação poderia ter função aversiva para Mara e evocar manifestações punitivas dela
em relação a Tuco, como, por exemplo, “Vocês sempre acham um jeito de dificultar nossa
vida... Por que não me avisaram que deveria trazer o atestado? Vai querer também meu atestado
de batismo? Esta classe de manifestações tem função de fuga-esquiva distorcida – isto é, não é
funcional; não muda o poder de quem está numa posição administrativa, que o autoriza exigir
o cumprimento do pedido… e, neste caso, embora a manifestação selecionadora tenha o
fenótipo de punição positiva, não tem função de enfraquecer o comportamento da autoridade,
da qual Tuco está investido. Os comentários de Mara poderiam ter função evocadora de alguma
sanção (punição) para Tuco, tal como “Suas palavras me autorizam a suspender nossa conversa,
por desrespeito...” etc. Os comportamentos de Mara na célula 3 tem, adicionalmente, função
evocadora para Tuco (como se vê na célula 5): a resposta dela à pergunta de Tuco evoca nova
intervenção de Tuco. Ele dá prosseguimento à sua tarefa de coletar dados sobre Mara. A partir
da célula 6 o processo se repete – no que se refere às funções dos comportamentos de Tuco e
Mara – dando continuidade em direção do objetivo final da interação entre os dois.

A célula 5, como se viu, mostra, que a mesma resposta verbal de Mara (na célula 3), tem função
evocadora e eliciadora de novos comportamentos de Tuco, como se pode ver na célula 6, que
equivale a célula 2, enquanto a 7 equivale a 3. A partir daí a sequência de eventos
comportamentais segue repetindo as respectivas funções.

Qual a consequência selecionadora final das interações?

O esquema das interações verbais entre duas pessoas mostrou que Tuco e Mara interagiram de
maneira harmoniosa: ele fez perguntas, Mara as respondeu e assim avançou o diálogo entre
eles. Para uma completa compreensão do episódio comportamental apresentado, faltaram, no
entanto, alguns esclarecimentos. Assim, por exemplo, o que autoriza Tuco a fazer perguntas
para Mara? O que explica que ela, prontamente, responde às perguntas dele? Por que os dois se
encontram na situação apresentada? Etc.

Segue-se uma possível circunstância que os aproxima. Assim, Tuco é secretário de um


departamento de pesquisa de uma Universidade pública. Mara é estudante de pós-graduação
deste departamento. O pesquisador-chefe conseguiu uma verba para dar continuidade a sua
pesquisa, a qual lhe permite contratar temporariamente estudantes e pagar pelo trabalho deles
pela realização de ensaios clínicos… Mara se interessou pela oportunidade e atendeu ao
protocolo de seleção para a função remunerada. Apresentou-se para Tuco e deu-lhe as
informações solicitadas… (Por sinal, foi selecionada para fazer parte da equipe de pesquisa.)

As informações apresentadas permitem compreender sob que contingências de reforçamento


estão sendo emitidos os comportamentos de Tuco e de Mara. Por certo, um exerce controle
sobre o comportamento do outro e vice-versa, mas tais influências recíprocas só são possíveis
porque Tuco é funcionário do departamento e Mara aluna da Pós interessada em participar da
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pesquisa em curso. Veja quais são as principais contingências de reforçamento que certificam
a validade das consequências selecionadoras, ditas finais, que mantém a ocorrência de cada
unidade de interação, as quais compõem o episódio comportamental como um todo integrado:
o pesquisador-chefe dispõe de uma verba para contratar estagiários, há um protocolo a ser
atendido para o processo seletivo de estudantes interessados em participar. Tuco é o funcionário
a quem, entre suas funções administrativas, coube o papel de cadastrar estudantes para a
pesquisa, Mara é aluna de pós-graduação e, desta forma, atende a um dos requisitos para se
propor a ser selecionada etc. São as consequências selecionadoras finais, que decorrem das
contingências listadas, que mantêm a fluência do episódio comportamental descrito.

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