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FÍSICO-QUÍMICA 1 – PRIMEIRO SEMESTRE DE 2024 – UFMG

PROFESSOR: BERNARDO LAGES RODRIGUES

TRABALHO E CALOR

CONCEITOS IMPORTANTES: (1) trabalho; (2) calor; (3) processos reversível e irreversível

A termodinâmica é a Ciência que fornece uma descrição macroscópica das trocas de energia e
de massa, i.e., a termodinâmica descreve as relações entre as propriedades macroscópicas dos
sistemas. Assim, quando a termodinâmica afirma a validade da equação de estado do gás ideal
para um determinado sistema em determinadas condições (termodinâmicas), isso quer dizer,
por exemplo, que a variação do volume desse sistema, nessas condições, implica na variação
da temperatura, mantidas a quantidade de matéria e a pressão fixas, conforme a relação
𝜕𝑉 𝑛𝑅
(𝜕𝑇 ) = 𝑃
. Enfatiza-se que as relações termodinâmicas resultam de observações de
𝑛,𝑃
propriedades macroscópicas. Nesse contexto, com o objetivo de entender como ocorrem as
trocas de energia em um sistema, discute-se a seguir dois conceitos fundamentais,
importantíssimos para o entendimento da troca de energia: TRABALHO e CALOR.

TRABALHO

Inicia-se a discussão do conceito de trabalho considerando duas situações hipotéticas, em que


um corpo de massa m se desloca de uma distâncias d (Figura 1). Para o deslocamento
apresentado na figura 1(a), realizado sob o efeito de um campo gravitacional de intensidade g,
é necessário realizar um trabalho (w), de magnitude mgd. Diferentemente, na ausência de
campo gravitacional (figura 1b), o trabalho realizado para deslocar o corpo de massa m, na
mesma distância d, é nulo. Esse exemplo ilustra o fato de o trabalho realizado para o
deslocamento de um corpo depender da força na direção do movimento realizado pelo
corpo.

a=g w=mgd a=0 w= 0


F = mg F=0

d d
(a) (b)

Figura 1 – trabalho associado ao deslocamento de um corpo por uma distância d (a) na


presença de um campo gravitacional de intensidade g, na direção do campo; e (b) na ausência
de campo gravitacional.

Formalmente, o trabalho infinitesimal realizado por uma força, 𝐹(𝑟⃗), para deslocar um objeto
de uma distância infinitesimal 𝑑𝑟⃗ é fornecido por 𝑑𝑤 = 𝐹(𝑟⃗)𝑑𝑟⃗ e o trabalho total, realizado
através do caminho percorrido, 𝑟⃗ , é fornecido pela integral 𝑤 = ∫ 𝑑𝑤 = ∫ 𝐹(𝑟⃗)𝑑𝑟⃗. Observa-
se que o trabalho (mecânico, descrito aqui) está relacionado a uma força aplicada e a um
deslocamento do sistema devido a essa força. Dessa forma, vê-se que a realização de trabalho
acarreta um movimento direcionado, em outras palavras, um movimento organizado.
Observa-se, ainda, que trabalho possui unidade de força multiplicada pela unidade de
distância, ou seja, a unidade de trabalho é a mesma de energia. No sistema internacional,
𝑁 × 𝑚 = 𝐽. A relação entre trabalho e energia será discutida no Texto 3 que apresenta
conceito de energia interna.

O TRABALHO DE EXPANSÃO E DE COMPRESSÃO DE UM GÁS

Define-se trabalho de expansão de um gás como o trabalho realizado por esse gás para que ele
aumente o seu volume. Similarmente, o trabalho de compressão é o trabalho que a vizinhança
do gás realiza para que o gás reduza o seu volume. Vê-se, assim, que o trabalho de expansão é
realizado PELO sistema gasoso estudado, enquanto o trabalho de compressão é realizado
SOBRE esse sistema. Um sistema termodinâmico possui, como variáveis fundamentais P, V, T e
n. Assim, vamos expressar o trabalho de expansão e de compressão a partir dessas variáveis.

Inicialmente, imagina-se um gás expandindo. Imagina-se que esse gás possua uma quantidade
n de substância em uma temperatura T, e que ele exerça uma pressão P sobre as paredes do
recipiente, de volume V em que se encontra. Assim, ele deve obedecer uma equação de
estado que pode ser escrita como P = P(V, T, n). Imagine um gás que inicialmente ocupe um
cilindro com área de seção transversal igual a A (Figura 2) e exerça, nessa seção, uma força
𝐹𝑔𝑎𝑠,1 . Imagine, ainda, que essa seção transversal esteja em contato com um ambiente
externo que exerça uma força 𝐹𝑜𝑝 , de sentido contrário ao da força exercida pelo gás. Imagine,
com a expansão, que o gás ocupe um cilindro mais alongado com a mesma área de seção
transversal (A), sob a qual o gás passa a exercer uma força 𝐹𝑔𝑎𝑠,2. O volume do gás após a
𝒙𝟐
expansão é igual ao volume antes da expansão acrescido de ∫𝒙𝟏 𝑨𝒅𝒙. O trabalho de expansão
é o trabalho necessário para vencer a força de oposição à expansão 𝐹𝑜𝑝 (𝑥), considerada
constante e igual a 𝐹𝑜𝑝 nesse exemplo. Assim, o trabalho infinitesimal de expansão é igual à
força de resistência à expansão (𝐹𝑜𝑝 (𝑥)) exercida sobre a seção A, multiplicada pelo
deslocamento dessa seção (dx). Matematicamente

𝑑𝑤 = 𝐹𝑜𝑝 (𝑥)𝑑𝑥 (1)

Integrando-se, obtém-se o trabalho envolvido na expansão do gás entre 𝑥1 e 𝑥2 (Figura 2):


𝑥2
𝑤 = ∫𝑥1 𝐹𝑜𝑝 (𝑥)𝑑𝑥 (2)

0 x1 x2
0 x1
Fop
Fop
Fgás,2
Fgás,1

Figura 2 – Expansão de um gás contra uma pressão constante

Vê-se portanto, que o trabalho de expansão é dependente da força de oposição a expansão do


gás (e não da força exercida pelo gás). De maneira similar, o trabalho realizado para deslocar
um corpo de massa m depende do campo gravitacional a que esse corpo está submetido,
conforme discussão apresentada com a Figura 1.
Vamos agora considerar que o gás que expande é homogêneo, de forma que a pressão
(𝑃𝑔á𝑠 ) exercida pelo gás, definida como força por unidade de área da superfície, é idêntica em
qualquer ponto da superfície do cilindro. Imagina-se o mesmo para 𝐹𝑜𝑝 𝑒 𝑃𝑜𝑝 Nesse caso,
podemos trabalhar algebricamente a equação 1, multiplicando e dividindo pela área A:
𝐹𝑜𝑝 (𝑥)
𝑑𝑤 = 𝐴
𝐴𝑑𝑥 (3)
𝐹
Sendo pressão definida como força por unidade de área (𝑃 = 𝐴 ) e a diferencial de volume de
um cilindro fornecido por 𝑑𝑉 = 𝐴𝑑𝑥, a equação (3) pode ser reescrita como:

𝑑𝑤 = 𝑃𝑜𝑝 (𝑉)𝑑𝑉 (4)

No caso apresentado, com 𝑃𝑜𝑝 constante, a equação (4) pode ser escrita como:

𝑑𝑤 = 𝑃𝑜𝑝 𝑑𝑉 (5)

Integrando, obtem-se a expressão para o trabalho de expansão:


𝑉2
𝑤 = ∫𝑉1 𝑃𝑜𝑝 𝑑𝑉 (6)

Se a pressão de oposição não for constante, pode-se escrever:


𝑉2
𝑤 = ∫𝑉1 𝑃𝑜𝑝 (𝑉)𝑑𝑉 (7)

Observa-se, portanto, que o trabalho de expansão de um determinado sistema não depende


da pressão do sistema estudado, mas da pressão exercida pela vizinhança e em sentido
contrário ao que ocorre a expansão. Assim, o trabalho não é uma função de estado, e está
relacionado à maneira como ocorre a transformação termodinâmica estudada:

O trabalho de expansão em uma transformação reversível

Uma transformação termodinâmica reversível é, por definição, uma transformação em que o


sistema está em equilíbrio termodinâmico a cada instante e o tempo todo. Considerando o
equilíbrio mecânico uma das condições para o equilíbrio termodinâmico, os valores absolutos
de 𝑃𝑔á𝑠 (𝑉) e de 𝑃𝑜𝑝 (𝑉) são iguais. Como os sentidos de 𝑃𝑔á𝑠 (𝑉) e de 𝑃𝑜𝑝 (𝑉) são opostos EM
CADA PONTO, a equação (7), para uma expansão reversível, pode ser reescrita como:
𝑉2
𝑤 = ∫𝑉1 (−𝑃𝑔á𝑠 (𝑉))𝑑𝑉 (7a)

Assim, conforme a convenção adotada aqui, o trabalho de expansão de um gás será negativo,
pois tanto 𝑃𝑔á𝑠 (𝑉) quanto 𝑑𝑉 são positivos em uma expansão reversível.

O trabalho de expansão em uma transformação contra uma pressão constante

Em uma transformação contra pressão constante, tem-se 𝑃𝑜𝑝 (𝑉) = 𝑃𝑜𝑝 , um valor constante.
Dessa forma, a equação (7) pode ser reescrita como
𝑉2 𝑉2
𝑤 = ∫𝑉1 𝑃𝑜𝑝 (𝑉)𝑑𝑉 = ∫𝑉1 𝑃𝑜𝑝 𝑑𝑉 = 𝑷𝒐𝒑 (𝑽𝟐 − 𝑽𝟏) (7b)
O trabalho de expansão em uma transformação no vácuo

No vácuo tem-se 𝑃𝑜𝑝 (𝑉) = 0 e a integral da equação (7) será nula, resultando em um trabalho
de expansão nulo.

Expansão em sólidos e líquidos

Sistemas condensados também podem expandir e contrair (apesar da resposta a variações de


volume a variação de P ou T ser bem menor que a resposta apresentada por sistemas gasosos).
e o trabalho de expansão desses sistemas também é calculado considerando a equação (7),
𝑉2
𝑤 = ∫𝑉1 𝑃𝑜𝑝 (𝑉)𝑑𝑉.

CALOR

O conceito de calor, associado ao conceito de trabalho, é fundamental para entender as trocas


de energia em um sistema termodinâmico. Imagine dois recipientes (A e B) de mesmo volume,
contendo a mesma quantidade (n) da mesma substância pura, no estado gasoso, colocados em
contato (Figura 3(a)). Imagine que a fronteira do sistema global é rígida e adiabática. Imagine,
ainda, que a separação entre os recipientes A e B seja rígida, i. e., o volume e a quantidade de
substância presente em cada recipiente permaneça constante. Assim, as diferenças iniciais
entre os dois recipientes encontram-se nos valores de temperatura e de pressão: P1 e T1 para
o recipiente A, e P3 e T3 para o recipiente B. Imagine T3 > T1.

A B A B
(n, P1, V, T1) (n, P3, V, T3) (n, P2, V, T2) (n, P2, V, T2)

(a) (b)

Figura 3 – dois recipientes de mesmos volumes e quantidades de substância do mesmo tipo


colocados em contato (a) antes do equilíbrio térmico ser atingido, e (b) após o equilíbrio
térmico ser atingido.

Após algum tempo, os recipientes, A e B, colocados em contato nas condições descritas no


parágrafo anterior, estabelecerão uma condição de equilíbrio térmico. Para tanto, haverá fluxo
de calor do gás do recipiente B (inicialmente na temperatura T3, mais elevada que T1) para o
gás do recipiente A. Esse fluxo ocorrerá até a temperatura de equilíbrio (T2) ser atingida
(Figura 3(b)). No caso específico desse exemplo, a pressão dos dois recipientes, na situação de
equilíbrio, será igual, por ambos comportarem a mesma substância, nos mesmos volumes e
temperaturas. Como P = P(V,T,n), tem-se que PA,equilíbrio = PB,equilíbrio. Se os dois compartimentos
possuíssem volumes diferentes, o equilíbrio térmico entre eles seria atingido pelo fluxo de
calor, mas as pressões dos dois recipientes, separados por uma fronteira rígida, não seria
idêntica.

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