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INSTITUTO DE LETRAS – IL
DEPTO. DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS – LIP
Segundo Miriam Lemle (2011), para que alguém aprenda a ler e escrever é
necessário considerar algumas questões próprias dessas habilidades. A primeira questão
é perceber que o aprendiz precisa ter a noção de símbolo: algo que estabelece uma
relação arbitrária entre ele (escrita) e a coisa simbolizada (som da fala). A segunda
questão é sobre o discernimento dos “símbolos” representados na escrita. O aprendiz
precisa diferenciar que cada risquinho é um símbolo do som da fala. A terceira questão
é a capacidade do aprendiz de perceber as diferenças entre os sons para poder escolher a
letra correta que represente cada som, ou seja, é preciso distinguir “vim” e “vi”; “fé” e
“pé”. A quarta é captar o conceito da palavra. Como a palavra é o acasalamento de som
e sentidos usados na expressão, é necessário que quem aprenda a escrever saiba isolar
corretamente as unidades que são palavras. O aprendiz também precisa compreender o
conceito de sentença, ou seja, que há divisões na escrita representadas pelo início com
letra maiúscula e o fim com o ponto. Outra noção necessária no aprendizado é a
espacial: em que a ordem das letras é da esquerda para direita e de cima para baixo, que
instruirá o aluno a maneira que se deve movimentar os olhos no ato da escrita. A autora
destaca que nesse processo há, na verdade, duas relações simbólicas: uma em relação a
representação de conceitos por meio de sons e a outra é a representação de sons por
meio de letras.
Para Lemle, essas habilidades básicas podem ser adquiridas de forma espontânea
pelas crianças, mas também podem ser estimulados na educação infantil. Entretanto, há
casos em que a criança não tem tais estímulos, o professor pode aplicar algumas
atividades específicas (uso de símbolos, desenhos de formas, usar canções, rimas,
identificar palavras em sentenças etc) para lidar com cada questão e para desenvolver
seus alunos.
Além disso, segundo Miriam Lemle, há alguns aspectos complicadores que devem
ser levados em consideração pelo alfabetizador no processo de aprendizado da leitura e
escrita. O primeiro deles é sobre a relação entre sons e letras, já que o casamento entre
sons e letras nem sempre é uma relação monogâmica. No português há poucos casos de
correspondência biunívoca entre sons da fala e letras do alfabeto, como é para p /p/; b
/b/; t /t/ em que cada letra corresponde a um único fonema.
Essas diferenças de correspondências devem ser explicadas pelo professor não como
erro da fala. Isso seria um equívoco linguístico. O professor deve estar apto para
explicar as modificações da língua falada, que é afetada pelo contexto e ambiente de
cada, alterando essas correspondências. Esse é o caso para a palavra “sal”. Anos atrás, o
‘l’ era pronunciado como [l], mas com o passar dos anos a pronuncia mais usual passou
a ser [u]. Além disso, o professor pode observar as regularidades das correspondências
múltiplas (e não biunívoca) entre letras e sons e sons e letras e apresentar para o aluno
como uma regra que facilita o aprendizado. Nota-se que essas regularidades de
correspondência múltiplas vão ser diferentes a depender do contexto social do aluno.
O professor apresenta para o aluno os casos em que a opção por uma ou outra letra
para representar um som é foneticamente arbitrária. Para explicar melhor esses casos, o
professor pode contextualizar com algumas informações da história da língua e suas
modificações, ao longo do tempo, já que algumas irregularidades da língua são
explicadas pelas memórias históricas e suas relações com o Latim. Explicações assim
podem aumentar o interesse do estudante pela língua. Outra alternativa é que o
professor faça alguma atividade para que o aluno investigue os casos em que duas ou
mais letras representam o mesmo som. E atividades com música podem ajudar na
identificação de sons e como eles são escritos. Nota-se que o professor ser muito
rigoroso com a escrita da criança, já que isso pode inibir sua expressão escrita.
A autora destaca que é importante que no processo de ensino o professor saiba que
as diferenças entre correspondência de sons e letras variam de dialetos para dialetos e
que essas diferenças podem ter uma carga social que deve ser trabalhada para não gerar
estigmas. O professor deve apresentar cada variante linguística como resultado de
processo linguísticos que por natureza não tem em si diferenças qualitativas.
As relações morfológicas das palavras também devem ser apresentadas aos alunos
para explicar letras em posição de concorrência. Esse é o caso de ‘beleza” que pelo o
som poderia ser escrito como ‘belesa’, mas ao entender que ‘eza’ é uma forma (sufixos)
comum na língua para se transformar algo que tem características de qualidade
(adjetivo) para algo que seria o nome dessas qualidades (substantivos). O estudo de
sufixos e prefixos ajudam o estudante a memorizar os casos de letras concorrentes, esse
estudo pode ser feito com jornais, revistas, músicas.
Miriam Lemle aponta que por meio da análise dos erros de escrita que o
alfabetizando tem cometido, é possível verificar em que etapa do processo de aquisição
o aluno se encontra. As falhas referentes à fase de dominar as capacidades prévias para
a escrita, ou falhas de primeira ordem, são aquelas que se relacionam a pronuncia
prolongada de palavras, como em “ppai” em vez de “pai”; omissões de letras; troca de
letras semelhantes; troca da ordem em que as letras estão dispostas na palavra e
dificuldade de classificar sons diferentes, como em “sabo” em vez de “sapo”.
O que a autora questiona é como a realocação dos dados fonéticos feitos por
uma nova geração afeta a estrutura da língua. No exemplo do Latim, quando se observa
uma série de transformações das palavras, é possível verificar um certo rodizio em que
alguns fonemas forneceu palavras portadoras de seus representantes a outro fonema e
recebeu palavras novas de um terceiro fonema, conforme em: capillu > cabelo (/p/ >/b/);
de caballu > cavallu /b/ > /v/. Essas alterações também podem ocorrer em relação a
traços distintivos dos fonemas (como na alteração de consoantes longas por breves, por
exemplo, em gatto > gato) ou mesmo um fonema deixa de exisitir. Outra possibilidade é
a alteração fonotática em que há mudanças nas estruturas de sílabas possíveis e na
distribuição de fonemas pelas posições na sílaba, como em passagem > passage, em que
a estruturação silábica terminada por consoante (sílaba travada) deixa de existir nesse
caso. A gramática da língua também pode sofrer alterações com essas mudanças. Esse
foi o caso na língua latina em que houve extinção do ‘m’ final nas palavras com função
de sinalizar o objeto direto (no acusativo).
Para Miriam Lemle, ao se tratar do processo de alfabetização, é necessário tratar
também sobre as diferenças entre língua falada e língua escrita. No contexto da nossa
sociedade ocidental, há o interesse de que a língua escrita tenha grande alcance de
comunicação para pessoas de diferentes nacionalidades e épocas. Entretanto esse
interesse se esbarra no processo complexo que se torna a alfabetização. Em outras
palavras, para que a escrita esteja próxima dos alfabetizandos é necessário que ela seja
próxima da língua falada, mas para que a escrita seja duradoura e que atenda a várias
culturas e comunidades, é necessário que ela seja mais rígida. Diante disso, é há uma
escolha a ser feita dentre as duas opções. No caso do Brasil, escolheu-se a ortografia,
inclusive por causa de acordos internacionais. Seria inviável que uma língua se
adequasse na escrita com mudanças e transformações de milhões de pessoas e muitas
culturas e nacionalidades. É impossível a língua escrita ser abrangente e fiel
foneticamente. Entretanto, isso acabaria deixando o aprendizado mais complexo e
difícil. Outro ponto que deve ser considerado é que a medida em que haja uma
correspondência entre fala e escrita, surge a necessidade de uma convecção em relação a
pronuncia das palavras. Isso promoveria status privilegiado para aquela variante que
fosse tida como o modelo de fala.
Referências Bibliográficas: