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PSICOLOGIA

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Influências da teoria
estruturalista na
história da psicologia
Igor Boito Teixeira e Gabrielle Reichelt Pires

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Reconhecer a contribuição da escola estruturalista para a psicologia.


> Identificar o processo sócio-histórico de construção do pensamento es-
truturalista.
> Descrever as principais críticas ao estruturalismo e seus desdobramentos
para a ciência.

Introdução
O estruturalismo foi um movimento que começou a tomar forma no início do século
XX e cuja proposta inicial era oferecer um novo método de pesquisa científica. Essa
corrente do pensamento partia do pressuposto de que há estruturas formadas por
partes menores que têm significado apenas dentro do sistema, ou seja, considerar
a inter-relação existente entre essas partes é condição fundamental para esse tipo
de abordagem. Assim, a teoria estruturalista se contrapôs ao método empírico
de observação de fatos isolados.
Como esperado, também o estruturalismo foi alvo de contraposições, so-
bretudo dos chamados “pós-estruturalistas”, movimento do qual fez parte, por
exemplo, Michel Foucault. De todo modo, é inegável a contribuição do pensamento
estruturalista para a ciência, estando presente em trabalhos importantes da
antropologia, da linguística, da psicologia, entre outras áreas do conhecimento.

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2 Influências da teoria estruturalista na história da psicologia

Neste capítulo, você vai conhecer as bases do estruturalismo e identificar suas


contribuições para a psicologia e para a ciência como um todo. Também poderá
compreender o processo histórico de desenvolvimento da teoria estruturalista
e as principais críticas feitas a essa escola.

Psicologia e estruturalismo
À medida que se difundia ao longo do século XX, a psicologia foi assimilando
influências de diversas correntes teóricas, dentre as quais merece destaque
o estruturalismo. No entanto, antes de abordarmos a influência dessa teoria
sobre a psicologia, é interessante voltarmos um pouco na linha do tempo.
Até a primeira metade do século XVIII, não existia um estudo exclusivo
do subjetivo; o que hoje denominamos “psicologia” fazia parte da filosofia,
consistindo em um dos modos de se pensar a metafísica, na forma da alma.
A psicologia como hoje a conhecemos passou a existir com os estudos do
filósofo alemão Christian Wolff (1679–1754), que, implementando elementos
físicos e psíquicos, buscou mensurar eventos mentais. Porém, foi apenas no
século XIX que a psicologia, já em sua forma autônoma, foi oficializada nas
universidades alemãs. Há nesse contexto um nome muito relevante para a
história da psicologia e principalmente para o entendimento da psicologia
moderna: Wilhelm Wundt. Esse físico, médico e psicólogo alemão conceituou
a psicologia como uma ciência, postulando que ela deveria ser exercida de
forma empírica e estudar a experiência do sujeito (ARAUJO, 2020).
Outro pensador importante na história da psicologia foi o psicólogo bri-
tânico Edward Bradford Titchener (1867–1927), que ainda jovem dirigiu-se à
Universidade de Leipzig para ter aulas com Wundt, tornando-se um aluno
extremamente aplicado e fiel seguidor dos ensinamentos de seu mestre. Con-
tudo, posteriormente Titchener desvinculou-se de Wundt, criando sua própria
abordagem, que nomeou como “estruturalismo” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).
Embora seja comum o estabelecimento de uma relação entre a obra de
Wundt e o estruturalismo, Schultz e Schultz (2019, p. 103) salientam que “o
rótulo estruturalismo não pode ser aplicado à psicologia de Wundt, mas sim
à obra de Titchener”. Wundt identificava constituintes da consciência, mas
voltava sua atenção principalmente para o sistema desses constituintes
dentro de processos cognitivos maiores, por meio da percepção. Isso des-
toava da visão dos empiristas e associacionistas britânicos, com os quais
Titchener compartilhava ideais mais mecânicos e passivos, sintetizando a
ideia dos componentes estruturais da consciência. Para o psicólogo britânico,
a psicologia deveria concentrar-se em desvendar as experiências conscientes

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fundamentais, estudando a consciência em fragmentos apartados para poder


determinar sua estrutura (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).
Titchener sustentava o paralelismo psicofísico, alegando que os fatores
mentais estão sempre acompanhados dos processos fisiológicos, de forma
que um não é consequência do outro, mas o fisiológico elucida o mental
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). Assim, ele foi criando uma psicologia muito próxima
das ciências naturais, aplicando a ela métodos de observação e experimen-
tação. A observação deveria ocorrer com o uso da introspecção, sendo, desse
modo, uma auto-observação. Tal método seria usado com indivíduos treinados
para exercer esse tipo de observação, que passariam por experiências em
ambientes laboratoriais controlados. A partir dessa providência, Titchener
excluía da sua psicologia estudos com crianças e animais (FIGUEIREDO, 2008).
Pelas ideias de Titchener, o estruturalismo tornou-se a primeira escola
norte-americana de pensamentos na psicologia. Sua obra promoveu o pro-
gresso das pesquisas psicológicas e inspirou uma geração inteira de psicólogos
experimentais, estruturalistas e de diversas outras linhas que vieram a se
contrapor ao estruturalismo (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

O método da introspecção utilizado por Titchener a partir de uma


adaptação do método introspectivo de Wundt já era usado anterior-
mente. Na Grécia Antiga, Sócrates já empregava esse método em suas conjecturas
filosóficas, e na Idade Moderna a introspecção já era usada na física em estudos
da luz, do som e da fisiologia sensorial (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

O estruturalismo também se desenvolveu, para além da psicologia, em


outras áreas das ciências humanas, que o explicaram de maneiras diferentes.
Sendo assim, não há uma única definição de estruturalismo, embora todas elas
considerem que se trata de uma ciência das estruturas (LEITE, 2021). Uma das
áreas em que o estruturalismo se destacou bastante foi nas ciências sociais,
que a partir dessa teoria entendiam o ser humano como um ser pertencente
à natureza cujos atos, portanto, também poderiam ser analisados pelos seus
vínculos naturais.
Piaget, por sua vez, percebeu que os pressupostos do estruturalismo
estavam presentes também na psicologia da gestalt. Para o autor, na gestalt
a percepção é vista como uma totalidade: os fenômenos perceptivos, como,
por exemplo, uma figura ou uma melodia, não se dão por associações mentais,
mas de maneira direta. Esse entendimento, portanto, tem claras influências
do estruturalismo (PIAGET, 2003).

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Somado a essa perspectiva, Piaget passa a pensar sobre a psicogênese


da estrutura, pontuando a necessidade de entender as estruturas na relação
com o tempo, e não mais como algo estático e permanente. Ele introduz no
estruturalismo a percepção de uma estrutura como mecanismo, estruturante
e estruturado, que se modifica de acordo com o tempo, num princípio de
equilibração. Dessa forma, ao incluir a dimensão do tempo na estrutura,
Piaget marca uma importante crítica à gestalt, apontando que sua noção de
totalidade não considera a temporalidade e, como consequência, não pondera
o próprio sujeito dentro dessa estrutura. A partir disso, o autor não apenas
destaca a necessidade de pensar as estruturas na relação com o tempo, mas
também coloca o sujeito no cerne delas (PIAGET, 2003).
O estruturalismo também fez parte da evolução realizada na psicanálise a
partir de Jacques Lacan, para quem o inconsciente se estrutura como lingua-
gem (LACAN, 1995, 1998). Para chegar a essa conclusão e formular sua teoria,
o psicanalista francês foi influenciado pelo pensamento de Ferdinand de
Saussure, importante linguista e filósofo suíço, cuja teoria aborda questões
relevantes dentro do campo do estruturalismo. Além disso, Lacan também
aprofundou seus estudos na antropologia, sobretudo nas obras de Claude
Lévi-Strauss, autor a partir do qual Lacan entrou pela primeira vez no estru-
turalismo (LACAN, 1998).
O conceito saussuriano mais importante para a construção da teoria de
Lacan foi o de signo linguístico, uma entidade psíquica constituída por duas
partes indissociáveis: o significado e o significante. Segundo Saussure (2006),
os objetos, as ações, as ideias, os sentimentos, etc. são inseridos na língua
como uma unidade que comporta um conceito (significado) e uma imagem
acústica (significante). Esta, como salienta o autor:

não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica
desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos;
tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é somente nesse
sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais
abstrato (SAUSSURE, 2006, p. 106).

Portanto, assim como o conceito, a imagem acústica tem um caráter


psíquico, que podemos verificar, por exemplo, quando, sem movimentar
os lábios ou a língua, falamos com nós mesmos ou recitamos mentalmente
um poema. É por isso que dizemos que o signo linguístico é virtual, é uma
entidade psíquica. Por uma questão terminológica, Saussure substituiu
“conceito” e “imagem acústica” por “significado” e “significante”, respecti-
vamente (SAUSSURE, 2006).

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Como exemplo de signo linguístico, Saussure lançou mão do signo “ár-


vore”, que evoca, ao mesmo tempo, o significado “árvore” e a sequência de
sons á-r-v-o-r-e, que é o significante. É importante observar que não existe
razão para que esse significado seja designado por essa sequência de sons
específica; isso fica claro quando pensamos que em outras línguas o mesmo
significado está relacionado com significantes diferentes (p. ex.: tree, em
inglês, ou arbor, em latim). Em função disso, diz-se que o signo linguístico é
arbitrário, uma vez que o significante é imotivado em relação ao significado
(SAUSSURE, 2006).
Reinterpretando esses conceitos saussurianos, Lacan coloca em destaque
o significante e afirma que pode haver vários sentidos em um significado, o
que é estabelecido como a possibilidade do inconsciente e do surgimento
do sujeito. Isso porque, para este autor, um significante é o que significa o
sujeito para outro significante. Dessa forma, Lacan inverte a lógica saussu-
riana e coloca o significante sobre o significado, afirmando que o significante
tem precedência lógica e não se une a um sentido de modo unívoco, dando
origem ao que compreendeu como sujeito do inconsciente (BARROSO, 2015;
LACAN, 2002).
Ou seja, Lacan entende que um significante pode estar relacionado a signi-
ficados completamente distintos e que, por meio da articulação significante,
um novo sentido pode emergir, modificando a compreensão que sustentava o
sintoma (BARROSO, 2015). Assim, ao perceber o sujeito como efeito produzido
por significantes, Lacan insere a psicanálise no campo do estruturalismo.
Contudo, a mudança que Lacan determina, invertendo os postulados de Saus-
sure, também demarca o início do movimento pós-estruturalista (BARROSO,
2015; COUTO; SOUZA, 2013; LACAN, 1998).
Para além de Lacan, destacaram-se no movimento pós-estruturalista
pensadores como, por exemplo, Foucault (2013), que criticava o estruturalismo
apontando que esta escola não se dedicava ao desdobramento dos fatores
subjetivos. Assim, o desenvolvimento de novas correntes teóricas e o contexto
histórico da segunda metade do século XX fizeram com que o estruturalismo
fosse perdendo força para a corrente pós-estruturalista; entretanto, sua
influência permanece até hoje (MOTA, 2022).
Nesta seção, abordamos o início da psicologia estruturalista, refletindo so-
bre a importância de seus conceitos fundamentais. Como vimos, ao passo que
Wundt teorizou a existência de uma estrutura comum, cognitiva e psicológica,
Titchener postulou as bases da teoria do existencialismo dentro do campo da
psicologia, nomeando-a como “estruturalismo”. Seus pressupostos aparecem
em teorias relevantes da psicologia, como na gestalt terapia, nos estudos de

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Piaget e até mesmo na psicanálise, com Lacan. A seguir, estudaremos mais


detalhadamente o desenvolvimento do estruturalismo, identificando suas
influências nos estudos psíquicos.

Desenvolvimento e contexto sócio-histórico


do estruturalismo
Na seção anterior, vimos que o nome “estruturalismo” aparece na psicologia
no século XX. Entretanto, tal campo de pensamento já havia sido, se não
desenvolvido suficientemente, ao menos idealizado. Pode-se dizer que o
início do estruturalismo se dá em meados do século XVIII, a partir das refle-
xões linguísticas de Humboldt, autor cujo pensamento é, segundo Câmara
Jr. (2001, p. 48), “antipositivista e não se compadece com o método empírico
da observação dos fatos isolados com fins a uma reunião ocasional ulterior”.
Embora tenha inúmeras ramificações, o pensamento estruturalista poderia
ser separado em dois momentos distintos. O primeiro momento tem seu
ápice entre os anos 1950 e 1960, na França, e se estende até meados de 1966.
Conhecido como “alto estruturalismo”, esse período marca de forma mais
específica os estudos influenciados pela teoria de Ferdinand de Saussure
na linguística. Por sua vez, o segundo momento, que ocorreu após 1968,
focaliza a desconstrução gradual dos pressupostos estruturalistas, sendo
observado um aumento significativo de críticas metodológicas e epistemo-
lógicas à escola, com sucessivos movimentos de diferenciação em relação
ao estruturalismo (DOSSE, 2007).
O movimento estruturalista se desenvolveu em um cenário marcado
pela frequente suspeita em relação à ideia de que o discurso encobriria a
realidade e por um panorama pessimista e crítico da modernidade ocidental.
Nesse contexto, o estruturalismo se contrapunha metodologicamente à
vertente do pensamento existencialista, descartando a perspectiva sartriana
de liberdade, para compreender de que forma o comportamento humano é
estabelecido pelas estruturas culturais, sociais e psicológicas. Ainda, cabe
destacar que o desenvolvimento do pensamento estruturalista foi direta-
mente influenciado por uma série de acontecimentos: a ascensão das ciências
humanas e a demanda por espaços institucionais; a vivência da Segunda
Guerra Mundial, que contribuiu fortemente para o pessimismo da época; o
processo de emancipação das colônias europeias; os crimes cometidos por
Stalin, que fragilizaram o movimento marxista e os países comunistas; e a
invasão soviética da Hungria, em 1956 (COSTA; VERGARA, 2012).

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Nesse cenário, quando as ciências da natureza se estabeleceram como


ciências autônomas, isto é, apartadas da filosofia, ganhou corpo um severo
racionalismo, que acreditava estar em posse de todas as verdades da exis-
tência, que, por sua vez, seriam obtidas pela experiência, pela análise de
fatos empíricos. Esse racionalismo é o positivismo em sua forma germinal e
pura. O positivo (de positivismo) faz referência a essa forma de apreender a
realidade, em contraposição à metafísica (VERISSIMO, 2017).
Para os estruturalistas, um conhecimento só poderia ser concebido como
tal se fosse inspirado num modelo científico e tivesse por pretensão se tornar
ciência. Tal pensamento marcou a era do cientificismo, que gradualmente
gerou amplas problematizações epistemológicas e éticas sobre o objeto de
estudo das disciplinas do conhecimento e sobre a validade de seus conceitos.
Desse modo, o discurso científico passou a ser visto como um sistema padro-
nizado, e, consequentemente, a ideia de ciência tinha o objetivo de ordenar
padrões sociais, culturais e cognitivos exteriores a ela (COSTA; VERGARA,
2012). Ou seja, nessa época a ciência queria se firmar como uma estrutura
não contaminada pelo mundo que observava, premissa essa que depois
passou a ser duramente criticada e combatida, inclusive pelo movimento
pós-estruturalista, que defendia que tal ideia não passava de um ponto de
vista que não reconhecia a si mesmo como ponto de vista.
Como vimos na citação apresentada no início desta seção, Câmara Jr. (2001)
relaciona o positivismo a certa forma de observação dos fatos. Os positivistas,
conforme descrevemos, se baseiam em fatos empíricos, que representam leis
a que o pensamento deve se curvar. Em outras palavras, para essa corrente
apenas o que é de origem experimentada pode determinar leis e axiomas
do trabalho do pensamento, e não o oposto, isto é, o pensamento não deve
originar leis e depois verificar sua validade. É considerando isso que Câmara
Jr. (2001) afirma que tal forma de observação compreende os fatos de maneira
isolada, tendo em vista uma futura reunião ocasional dessas partes.
O estruturalismo, por sua vez, apreende a estrutura como uma forma,
constituída por partes menores que, dentro desse sistema, ganham signifi-
cação. Ou seja, essa corrente do pensamento compreende a estrutura como
um todo do qual as partes não podem ser separadas, pois, se o fossem,
perderiam seu sentido, uma vez que este depende da inter-relação existente
entre os constituintes do sistema. Assim, para o estruturalismo nenhum fato,
mesmo que empiricamente observado, tem significado se tomado de maneira
isolada: todo sentido se manifesta dentro da estrutura e a partir da relação
entre suas partes constituintes (CÂMARA JR., 2001).

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8 Influências da teoria estruturalista na história da psicologia

Um exemplo relevante de análise estruturalista foi a empreendida pelo


linguista Ferdinand de Saussure, quando propôs que as línguas são estrutu-
ras cujas partes só têm significado dentro do sistema. Além disso, Saussure
defendeu que as línguas deveriam ser submetidas a uma análise sincrônica,
isto é, uma análise que considerasse apenas um determinado momento da
língua, em detrimento da análise diacrônica — interessada nas mudanças
linguísticas ocorridas ao longo do tempo —, que vinha sendo empreendida
nos estudos linguísticos ao final do século XIX e início do XX (SAUSSURE, 2006).
Assim, podemos compreender melhor por que Titchener era um estru-
turalista: ele anteviu que haveria na consciência partículas menores que a
compõem e lhe dão sentido (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). Segundo Câmara Jr.
(2001), também a psicologia fisiológica de Wundt parecia considerar essa
questão, mas, como já mencionamos na seção anterior, não é adequado
entender seu pensamento como estruturalista.
Conforme vimos antes, as décadas de 1950 e 1960, pós-Wundt, foram um
momento de intensa produção intelectual na França. Posteriormente deno-
minado “momento estruturalista”, esse movimento foi vivido por linguistas,
antropólogos, semiólogos, psicanalistas, psicólogos e outros intelectuais
que buscavam fomentar a cientificidade nas ciências humanas (SALES, 2003).
Porém, não foi somente nas ciências humanas que o termo “estrutura” come-
çou a ser empregado. Aliás, ele foi usado inicialmente na arquitetura, para
se referir à construção de edifícios, e então, a partir do século XVII, seu uso
se expandiu em duas direções:

em direção ao homem, especialmente por meio da comparação de seu corpo com


uma construção arquitetônica, e em direção às suas obras, principalmente à língua.
Fazendo referência à existência de um conjunto que pode ser pesado em termos de
suas partes componentes e ainda às relações que essas partes estabelecem entre
si, a estrutura ganhou terreno na anatomia e na gramática (SALES, 2003, p. 161).

O conceito de estrutura se ampliou de forma efetiva para as ciências hu-


manas ao final do século XIX, obtendo sua consagração na obra As regras do
método sociológico, de Émile Durkheim (SALES, 2003). Aliás, foi influenciado
pelo trabalho de Durkheim que o psicólogo romeno naturalizado francês
Serge Moscovici desenvolveu a teoria das representações sociais, que busca
entender as estruturas dessas representações, construídas a nível social e
psicológico pelos sujeitos. Entretanto, descrever o fenômeno das represen-
tações sociais não é a única preocupação dessa abordagem estruturalista;
ela também busca compreender como tais elementos se relacionam e geram
uma estrutura maior, o chamado “pensamento social” (LEITE, 2021).

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Foi dentro da psicologia de Edward Titchener, entre o fim do século XIX


e o começo do século XX, que o estruturalismo ganhou força, reagindo ao
associacionismo e à psicologia funcional. Então, essa corrente do pensamento
foi difundida mundo afora: nos Estados Unidos, por Titchener, e na Rússia, por
Mikhail Bakhtin e Yuri Lotman, além de estar presente no trabalho de grandes
intelectuais europeus, como Saussure, Lévi-Strauss, Lacan e Freud — embora
alguns destes tenham negado seu vínculo com o pensamento estruturalista
(LEITE, 2021).
Podemos concluir, portanto, que o estruturalismo se posiciona contra o
humanismo e o historicismo característicos do pensamento existencialista,
pois, para os estruturalistas, o sujeito não está condenado a ser livre, como
afirmava Sartre, e sim demarcado por estruturas que raramente é capaz
de perceber. Essas estruturas foram estudadas em diferentes áreas, com
diversas aplicabilidades, e nenhuma vertente do pensamento estruturalista
rejeitava a ideia de que somos limitados por tais estruturas, que podem ser
culturais, sociais, linguísticas, cognitivas, econômicas, etc. Dessa forma, para
os estruturalistas, a ideia do livre-arbítrio e da plena consciência das suas
transformações não seria nada além de ilusão (VASCONCELOS, 2014).
Nesta seção, você conheceu um pouco da história do desenvolvimento
do estruturalismo, compreendendo o conceito de estrutura e identificando a
influência dessa corrente do pensamento sobre a psicologia. A seguir, vamos
refletir sobre as relações entre a teoria estruturalista e as ciências em geral,
além de identificar as principais críticas a essa escola.

Contribuições do estruturalismo e
principais críticas a esse movimento
Como pudemos identificar nas seções anteriores, o movimento estruturalista
foi abundantemente criticado dentro da psicologia. Titchener, por exemplo,
recebeu diversas críticas por deixar de lado áreas da psicologia moderna que
cresciam, por não acreditar que se encaixassem em seus métodos e conceitos
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). As definições estruturalistas que postulavam o que
deveria ou não ser estudado eram bastante limitadas, e os estudos dentro
do campo tornavam-se cada vez mais numerosos. Dessa forma, a psicologia
moderna ultrapassou o estruturalismo de Titchener, e diversos pensadores
se propuseram a investigar as bases dessa teoria e oferecer contribuições,
fortalecendo-a ou apontando suas incongruências.

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10 Influências da teoria estruturalista na história da psicologia

Um movimento que teceu duras críticas ao estruturalismo foi o chamado


“pós-estruturalismo”, do qual fizeram parte Michel Foucault, Jacques Lacan
e Jacques Derrida. Surgido no final dos anos 1960, esse movimento tinha
como objetivo substituir o sistema linguístico de Saussure, que carregava
uma compreensão de linguagem cristalizada, por uma noção de linguagem
aberta e maleável, propícia à mudança (VASCONCELOS, 2014).
Para tanto, num primeiro momento os pós-estruturalistas se concentraram
em elaborar críticas ao entendimento saussuriano de signo como uma unidade
formada por um significante e um significado. Derrida (1991), por exemplo,
afirma que tal pressuposto seria apenas uma ficção, pois entende que os
significantes não estão vinculados ao significado; eles apenas apontam para
outros significantes. Em outras palavras, o autor compreende que, em vez de
existir uma estrutura que gera significados fixos, há uma cadeia infinita de
significantes que se reatualizam o tempo todo, e, assim, o sentido é sempre
postergado e, em sequência, ausente.
É importante destacar que o pós-estruturalismo não busca se diferenciar
do estruturalismo apenas por negar seus pressupostos, mas também por
levar os termos expressos às suas últimas consequências. O que os autores
do pós-estruturalismo percebem e questionam é a compreensão de que,
se nossos pensamentos e modos de agir são condicionados por estruturas
inconscientes, então a própria abordagem estruturalista nas ciências humanas
é apenas uma resposta lógica às estruturas indissociáveis da cultura ociden-
tal da atualidade, na medida em que essas estruturas seriam, justamente,
estruturadas e estruturantes (VASCONCELOS, 2014). Não haveria, portanto,
um ponto de vista privilegiado, isto é, uma abordagem objetiva, pois esta
apenas responderia ao que suas estruturas constituintes permitem.
Consequentemente, os pós-estruturalistas colocam em questão o fato
de que os teóricos estruturalistas, ao requererem análises supostamente
objetivas da realidade social que pesquisam, acabam desenvolvendo, con-
traditoriamente, as condições que possibilitam as críticas à objetividade
da própria teoria. Desse modo, ao tentar provar que há estruturas que não
reconhecemos em nós mesmos, que guiam nossos comportamentos e visões
de mundo, os estruturalistas reafirmam a impossibilidade de confirmar a
própria teoria, uma vez que também são constituídos por essas estruturas
que embaçam a própria objetividade científica.
A lógica apresentada pelos pós-estruturalistas é que, se não existem
pensamentos que não sejam determinados por estruturas inconscientes,
a própria teoria estruturalista de que “não há pensamento que não seja
determinado por estruturas inconscientes” é formulado por essas estruturas

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inconscientes; logo, “o estruturalismo, frente à crítica pós-estruturalista,


poderia ser desse modo comparado ao paradoxo do cretense, que jura dizer
a verdade ao afirmar que todos os cretenses sempre mentem” (VASCONCELOS,
2014, p. 107).
Sendo assim, o pós-estruturalismo critica a presunção cientificista e
totalizante do estruturalismo, ainda que partilhe e amplie alguns dos seus
conceitos. Entre os seus questionamentos, os autores pós-estruturalistas —
que, cabe ressaltar, foram fortemente influenciados por pensadores como
Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger — também ressaltam uma crítica ao
sujeito humanista, livre e consciente, além de problematizar a convicção
radical na razão e na ciência e recusar a ideia de linguagem que considera
haver uma representação da realidade que a precede (UBERTI, 2006).
Faz-se necessário destacar que o movimento pós-estruturalista agrega
vertentes teóricas bastante singulares e distintas, que se aproximam de forma
máxima pela premissa de se manifestarem num mesmo momento histórico
(DERRIDA; ROUDINESCO, 2004). De todo modo, existem diversos autores do pós-
-estruturalismo que vão trabalhar com a ideia de multiplicidade, entendendo
que não é possível pensar a multiplicidade a partir da racionalidade binária,
uma vez que a própria percepção de multiplicidade desconstrói o binarismo
(DERRIDA; ROUDINESCO, 2004; FOUCAULT, 2014; UBERTI, 2006).
Um desses autores é Michel Foucault, que elaborou uma dura crítica ao
modelo cientificista, compreendendo-o como um campo de condições de
possibilidades que permitem que esse discurso seja proferido, havendo
diversas situações que sustentam tal condição (FOUCAULT, 2014). Dessa forma,
a categorização científica, que se baseia numa valoração hierárquica de tra-
balhos intelectuais, estaria apenas expressando o que Foucault chamou de
“vontade de saber”. Isto é, tal hierarquia diz respeito não ao valor científico
ou da objetividade, mas sim ao valor dos jogos de poder e das possibilida-
des de existência de um discurso. Esses jogos de poder, na visão do autor,
são múltiplos e constituídos ao longo dos séculos, permitindo que certos
discursos de saberes fossem privilegiados em detrimento de outros. Conse-
quentemente, tais jogos de poder determinam certas possibilidades para o
sujeito enunciar a si mesmo. Trata-se, portanto, de “uma vontade de saber,
anônima e polimorfa, suscetível de transformações regulares e considerada
num jogo de dependência determinável” (FOUCAULT, 2014, p. 12).
Desse modo, não há o abandono completo da ideia de estrutura, mas
uma problematização sobre a impossibilidade de o estruturalismo alcançar
o que queria. As estruturas e os jogos de poder são, então, levados a outro
nível, considerando-se uma multiplicidade de possibilidades e modos de

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12 Influências da teoria estruturalista na história da psicologia

reagir a esses jogos de poder, como, por exemplo, o chamado “cuidado de


si”, conceito que Foucault elabora em seus escritos, entendendo-o como uma
possibilidade de resistência (FOUCAULT, 2014).
A problemática do discurso e da linguagem é diversa e vasta. De modo
geral, esses estudos demonstram as possibilidades de um acontecimento
existir e de a experiência social ser considerada, linguística e discursivamente,
construída. Por conseguinte, ao superar o paradigma estruturalista da cons-
ciência, o movimento pós-estruturalista cria, por outro lado, o paradigma
linguístico (UBERTI, 2006). Isso porque a linguagem passa a ocupar uma função
central nas problematizações, em que o sujeito, o mundo e a subjetividade são
entendidos como produtos da linguagem. Nesse sentido, o corpo é tomado
como campo de inscrições de jogos de verdades, com investimentos culturais
e discursivos. E esses jogos de verdades tornam o indivíduo sujeito dentro
de um campo político e histórico.
Assim, podemos afirmar que a crítica do pós-estruturalismo não destrói,
nem nega a razão, mas elabora uma problematização acerca do discurso
cientificista de descobridor do bem e da verdade. De todo modo, as con-
tribuições dos estruturalistas para a psicologia são inúmeras, e o método
introspectivo de Titchener é utilizado de forma renovada em diferentes
áreas. Esse método é bastante empregado, por exemplo, na psicofísica, em
que os indivíduos devem verbalizar as sensações que lhes são passadas e
descrever percepções em ambientes experimentais. Os relatos introspectivos
também estão presentes em testes sensoriais, de personalidade, cognitivos
e de raciocínio (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).
Um grande progresso no estruturalismo foi apontado por Piaget, para
quem a visão estruturalista apresentava grande acuidade, uma vez que
podia ir além da biologia e dos fatores sociais para entender as estrutu-
ras do pensamento e do comportamento. Ele sustentava que, por meio
do estruturalismo, as atividades mentais poderiam ser abordadas mais
amplamente, relacionando a consciência com a parte física e a sociedade
como um todo (PIAGET, 2003).
Neste capítulo, você pôde compreender as bases da teoria estrutura-
lista e conhecer as suas influências sobre a psicologia. Como vimos, essa
corrente do pensamento entende a estrutura como uma unidade composta
por partes menores que têm significado somente dentro do sistema. Para
além disso, descrevemos a história do desenvolvimento do estruturalismo,
apresentando algumas ideias de autores importantes não apenas para o

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Influências da teoria estruturalista na história da psicologia 13

movimento, mas para o debate acadêmico como um todo. Por fim, abordamos
as principais críticas ao movimento estruturalista, que marcaram o início do
pós-estruturalismo, movimento que ofereceu contraposições importantes
ao fazer científico e introduziu a ideia do indivíduo como sujeito discursivo
localizado em um campo de multiplicidades e jogos de saber-poder.

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