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Entre Intenções e Soluções: Análise do Projeto de Arquitetura da Escola


Educar II do SESC-CE.
Jéssica Medeiros Araújo dos Santosi
jessica.ma.arq@gmail.com
Orientador: Prof. Dr.: Renato Medeiros
PPAPMA/UFRN – Projeto de Arquitetura

INTRODUÇÃO discurso dos autores, por meio de textos justificativos da


proposta.
Este artigo foi desenvolvido como produto final da
disciplina de Teoria e Metodologia do Projeto de OBJETIVOS
Arquitetura (TMP), ministrada pela Profa. Dra. Maísa
Veloso, como parte integrante da grade curricular do Compreender e identificar as relações entre teoria e
Mestrado Profissional em Arquitetura, Projeto e Meio prática, com enfoque no processo projetual dos autores,
Ambiente (PPAPMA) da Universidade Federal do Rio abarcando a problemática e os métodos adotados no
Grande do Norte (UFRN). Sendo assim, o propósito Projeto em análise.
principal aqui é tecer uma análise acerca do Projeto de
Arquitetura da Escola Educar II, do Sesc de Fortaleza/CE, MÉTODO
a fim de compreender as relações entre teoria e prática,
entre intenções (discurso dos arquitetos autores do A fundamentação da análise baseou-se nas teorias de
projeto) e soluções (desenhos e representações), além do Bryan Lawson (2011), Edson Mahfuz (1995) e Doris
processo projetual dos autores, com enfoque na Kowaltowski et al. (2011), passeando pela descrição do
problemática e nos métodos adotados. Conforme projeto, destacando as restrições impostas no processo
embasamento assimilado ao longo da disciplina de TMP, projetual, no intuito de traçar uma avaliação da
tal análise estará fundamentada nos textos de Bryan clareza/coerência entre o que foi pensado inicialmente e
Lawson (2011), Edson Mahfuz (1995) e Doris Kowaltowski o resultado final.
et al. (2011).
DISCUSSÃO (ANÁLISE PROJETUAL)
A escolha do projeto em questão foi pautada no tema
almejado para o produto que será apresentado como
trabalho de conclusão do Mestrado Profissional Situando o Projeto no Tempo e no Espaço
(arquitetura escolar com ênfase na flexibilidade espacial).
Entretanto, é válido ressaltar que se trata de um projeto O Projeto de Arquitetura Escolar, desenvolvido pela
de grandes proporções, e, portanto, o interesse pela equipe da Rede Arquitetos (com a autoria dos arquitetos
análise foi motivado tão somente pelos aspectos técnicos Bruno Braga, Bruno Perdigão, Igor Ribeiro e Luiz Cattony)
e soluções projetuais empregadas, dentro do universo da para o SESC Ceará, teve como público alvo crianças e
temática da flexibilidade aplicada ao projeto escolar. adolescentes, uma vez que atende as demandas da
Educação Infantil ao Ensino Fundamental I e II.
A saber, além desta introdução, o texto se distribui ao
longo de mais quatro tópicos, começando pela descrição A escola está implantada no bairro Damas, em Fortaleza,
acerca dos dados gerais do projeto (localização, data de em um terreno longitudinal no sentido Leste-Oeste, com
execução, autoria, etc) no tópico 2, seguido da exposição dimensões aproximadas de 350,00m por 50,00m, o que
das restrições impostas aos autores no processo do possibilitou a distribuição do programa em uma área
projeto, por meio do tópico 3. O quarto tópico trará um construída de 14.000 m². Quanto aos acessos, possui
olhar sobre aspectos teóricos e práticos da proposta duas frentes para as vias principais, além de contar com
arquitetônica, e o tópico 5 corresponde a uma análise do três acessos transversais em sua porção sul (figura 01).
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Restrições Impostas ao Projeto
Figura 01: Esquema indicando acessos e dimensões do
terreno. Falar sobre projeto implica em, além de outros aspectos,
compreender os elementos que antecedem a sua
elaboração propriamente dita. É sob este viés que se
pretende, neste tópico, avaliar as principais
exigências/restrições impostas ao livre exercício
projetual e problemática do projeto da Escola Educar II,
com base na teoria de Lawson (2011).

A fim de solucionar um determinado problema, a


Fonte: www.archdaily.com.br atividade de projetar envolve um processo mental
(com edições da autora, 2023).
sofisticado, capaz de manipular muitos tipos de
informações, entrelaçando-as num conjunto coerente de
O projeto iniciado em 2017 foi pensado mediante a
ideias e, finalmente, gerando alguma concretização
previsão de uma construção em etapas, tendo em vista
dessas ideias, por meio de soluções ao problema
que parte da escola já funcionava na porção leste do
proposto (Lawson, 2011, p.25). Entretanto, apesar de ser
terreno, e, sendo assim, conforme solicitado pelo cliente,
considerada como uma ação complexa, Lawson (2011,
a execução dos novos blocos de aulas não deveria
p.26) evidencia que o processo de projeto pode ser
interromper as atividades escolares em curso. A saber, a
analisado, decomposto, desenvolvido e praticado.
fase 1, já construída (concluída no ano de 2022), se deu
na parte mais vazia do terreno, a partir da sua porção
É sob esta perspectiva que importa, em primeiro
oeste, tendo acesso pela via principal deste lado e em
momento, analisar o problema, a fim de compreender os
uma das transversais, e conta com o bloco didático do
aspectos essenciais e os objetivos projetuais que devem
ensino fundamental II, bloco de atividades
ser alcançados, e estão associados a valores,
extracurriculares, refeitório, reforma do ginásio e
particularidades, e a limitações ou restrições, que podem
passarelas de conexão. A fase 2, apenas em projeto,
ser internas ou externas ao projeto. A saber, as restrições,
incorpora a porção leste e sua via de acesso, além da
tanto internas quanto externas, podem ser geradas por
demolição da estrutura preexistente, que pôde se manter
projetistas, clientes, usuários e legisladores (Lawson,
funcionando enquanto a primeira parte da obra foi
2011, p.95).
construída (figura 02).
Em se tratando das restrições externas, estas relacionam
Figura 02: Esquema indicando as fases previstas para a
construção.
o objeto projetado com o contexto e, em cada caso, uma
das pontas da relação - os limites do terreno, o sol, a rua
- é externa ao problema. Além disso, normas e legislações
são exemplos de restrições externas, atuantes sobre
aspectos que podem incidir sobre o problema. Já as
restrições internas correspondem a outras questões e
exigências que se apresentam junto à demanda projetual,
podendo ser em termos de circulação humana e
distribuição de serviços, ou de ligações e barreiras visuais
e acústicas necessárias para abrigar as várias funções
comunitárias e privadas da edificação.

Para Lawson (2011, p.98), “a importância essencial do


campo de uma restrição está na liberdade de que o
projetista dispõe”, e sob esta ótica entende-se que como
Fonte: www.archdaily.com.br
(com edições da autora, 2023). em uma equação matemática, restrições e liberdade de
criação atuam como elementos indiretamente
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proporcionais, isto é, quanto maior o número de como missão definir com precisão as atividades dos
restrições, menor a liberdade de criação do projetista. usuários e prever suas implicações sociais e psicológicas.
Quando abordamos o processo de projeto na arquitetura
Segundo Lawson (2011, p.102), são quatro as funções das a discussão é ampla e abrange inúmeras vertentes de
restrições que atuam sobre o projeto, nominadas como pensamento. Kowaltowski (2011) explica que não
radicais, práticas, formais e simbólicas. As restrições existem métodos universais que definem essas etapas de
radicais são aquelas decisivas, isto é, que estão na raiz, criação, mas diferentes tipos de procedimentos que se
que são fundamentais. Já as restrições práticas estão adequam à diversos problemas, à individualidade dos
relacionadas aos aspectos do problema ligados à projetistas, às necessidades do cliente, dentre outros
realidade de produzir, fazer ou construir o projeto fatores.
(capacidade de resistência do terreno, o material usado
na construção, etc), enquanto que as restrições formais Segundo Lawson (2011, p. 97), a principal influência que
têm a ver com a organização visual do objeto. Por fim, as determina as formas do Projeto é chamada de gerador
restrições simbólicas – estão relacionadas a questões primário. Entende-se, portanto, que, para o projeto em
históricas. questão existem dois geradores primários: o formato do
terreno (consideravelmente longitudinal) e as
A partir do discurso dos arquitetos foi possível pontuar as preexistências (a capela, o ginásio e a edificação antiga).
restrições específicas do projeto da Escola Educar II, as Por meio do discurso dos autores ficou claro que ambos
quais foram reunidas no quadro-resumo ilustrado na os fatores foram determinantes para a solução final.
Figura 03.
Um outro aspecto de interesse para esta discussão diz
Figura 03: Quadro-resumo das Restrições de Projeto. respeito à evolução do partido. Os autores do projeto em
questão destacam que a convivência surge como
condicionante e norteador da distribuição do programa
de necessidades, isto é, a criação de espaços de
convivência (como os pátios centrais) pode ser
considerada como a “ideia forte”, ou o “fio condutor” em
volta do qual a realidade do edifício tomou forma
(Mahfuz, 1995, p.19). A figura 04 demonstra a evolução
do partido, evidenciando que a implantação dos novos
blocos ocupa os vazios das estruturas existentes no
terreno distribuindo o programa, se conectando com os
acessos e direcionando os fluxos. Vale destacar que, tão
importante quanto os espaços construídos, foram os
vazios criados, responsáveis por gerar os almejados locais
de convivência.

Figura 04: Esquema da evolução do partido.

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

Um Olhar Sobre a Proposta Arquitetônica

Segundo Kowaltowski et al. (2011, p.85) o projeto


arquitetônico é um desafio complexo, que envolve
questões criativas, formulação de hipóteses, verificação
de ideias, dentre outras questões e que também tem
Fonte: www.archdaily.com.br
(com edições da autora, 2023).
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que aumenta ou diminui a partir do módulo
Após entender a evolução do partido, é possível inferir inicial e de acordo com as necessidades do
que, de acordo com a classificação de Mahfuz (1995, programa ou do terreno, além de minimizar
p.45) a criação do projeto em análise pode ser descrita perdas de material com o melhor
aproveitamento das peças (Braga et al., 2023, on-
por dois métodos: tipológico e normativo. O método
line).
tipológico pode ser evidenciado a partir do tipo formal,
exemplificado pela existência dos pátios, ao redor dos
Um exemplo europeu de projeto flexível é analisado no
quais se distribuiu o programa de necessidades, gerando
artigo An Innovative School Revisited – Leith Academy and
uma perceptível relação entre cheios e vazios (segundo
the projects that followed, de Don Mackenzie (2004, apud
os autores do projeto, os blocos se distribuem dentro de
Alberto; Sinder, 2011, p.3) que analisa instituições de
uma lógica construtiva e distribuição programática).
ensino consideradas inovadoras no momento em que
foram concebidas. A escola Leith do Reino Unido foi
O tipo deve ser entendido como a estrutura
interior de uma forma, ou como um princípio que
examinada ao longo de 13 anos desde sua construção.
contém a possibilidade de variação formal Essa escola concebida a partir de um “planejamento para
infinita, e até de sua própria modificação a mudança”, desenvolvido pelo Programa da OECD
estrutural. Para ilustrar a definição de tipo, pode- (Organization for Economic Cooperation and
se pensar no tipo “edifício pátio” o qual, grosso Development) sobre construções educacionais (PEB-
modo, seria imaginado como uma massa, de Programme on Education Building), foi avaliada em
qualquer forma, com um vazio no seu interior, relação as suas instalações, as adaptações internas de uso
também de qualquer forma. O importante é essa e sua influência em projetos subsequentes (na cidade de
relação entre a massa e o vazio que ela contém, Edimburgo). A conclusão sobre o projeto dessa escola é
a qual pode tomar qualquer forma quando
que o sistema modular deve ser usado como estratégia
materializada (Mahfuz, 1995, p.51).
de expansão sendo um dos elementos principais para
favorecer flexibilidade para a mudança. O diagnóstico da
Já o método normativo consiste na concepção das formas
Leith Academy é que mais de uma década depois, as
arquitetônicas a partir de princípios reguladores. No caso
instalações da escola permanecem excepcionais. Os
do projeto da Escola Educar II nota-se que o método
sistemas do edifício geralmente trabalham muito bem. A
normativo pode ser exemplificado por meio do uso de
maioria dos professores de ciências tem feito uso das
módulos, organizados como em uma “malha estrutural”
bancadas flexíveis dos laboratórios para variar o layout da
(modulação estrutural de 1,20m, em estrutura metálica).
sala para diferentes fins (Mackenzie, 2004, apud Alberto;
Sinder, 2011, p.3).
No que tange a referências teóricas e conceitos
empregados, a revista Arquitetura e Aço apresentou uma
Neste momento da análise, é válido comentar que a
matéria referente ao projeto da Escola Educar II, com o
relação significativa do homem com os espaços de
título: “Escola é exemplo de flexibilidade e polivalência
arquitetura se dá primordialmente por meio dos
espacial”, e aqui o que importa destacar é que a revista
materiais. Essa força emocional da matéria foi ressaltada
tece alguns comentários acerca do tema da flexibilidade
por críticos e arquitetos envolvidos com a abordagem
espacial, evidenciando que este conceito foi um dos
fenomenológica, como Tadao Ando, Steven Holl, Vittorio
principais norteadores do projeto. Para alcançar tal
Gregotti, Kenneth Frampton, Williams & Tsien, Peter
objetivo, os arquitetos tomaram algumas decisões
Zumthor, Juhani Pallasmaa, entre outros. Segundo este
projetuais, como por exemplo o uso de um sistema
último, a experiência da arquitetura é uma interação
construtivo regido por modulação estrutural e também
entre nossas memórias corporificadas e nosso mundo
através do emprego de segunda pele, com brises, como
(1986, apud Kate Nesbitt, 2006, p.488). Pode-se dizer que
descrevem os autores do projeto:
ela nos reconecta com o lugar e com a verdadeira
A modulação estrutural torna o edifício capaz de
essência da missão do construir, possibilitando um novo
mudar e crescer dentro de uma lógica sistêmica interesse quanto à questão sensorial despertada pelos
e a segunda pele, com brises horizontais, facilita materiais, pela luz, pela cor, e quanto à relevância do
mudanças nos espaços internos sem aspecto simbólico e tátil do detalhe.
repercussões no caráter geral da construção. A
obra foi planejada como um sistema modular,
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A articulação destes materiais e superfícies na ambientes internos, uma vez que a posição das aberturas
arquitetura se dá por meio dos detalhes, nos quais deve permitir a ventilação cruzada nos ambientes
manifestam-se as diversas linguagens arquitetônicas ao internos, para garantir o conforto térmico dos usuários e
longo da história. A eles, e não à planta, portanto, pode a retirada do ar quente. Nesse contexto, por meio dos
ser atribuída a função de gerador do projeto, base de desenhos técnicos do projeto (figuras 05 e 06) é possível
todas as teorias e práticas arquitetônicas (Marco Frascari, observar que os arquitetos, dispuseram os blocos de
1984, apud Nesbitt, 2006, p.539), pelos quais se pode modo que as maiores fachadas ficassem orientadas no
entender toda a obra e seus ambientes (Norberg Schulz, sentido norte-sul, favorecendo o conforto térmico,
1965, apud Nesbitt, 2006, p.32). Segundo Frascari (1984, conforme as recomendações citadas no parágrafo
apud Nesbitt, 2006, p.549) o detalhe é a unidade mínima anterior.
de significação na produção de sentido da arquitetura.
Para ele, a partir da ordem particular de cada detalhe, O conforto térmico foi proporcionado por
pode-se estabelecer a ordem de todo o conjunto diversas estratégias. A primeira é a possibilidade
harmônico da obra arquitetônica. de ventilação natural nos ambientes de
circulação vertical e horizontal. Além disso, os
pátios criados trazem a vegetação para dentro do
Outro aspecto digno de menção diz respeito a relação
edifício, melhorando a umidade do ar e as
com o contexto/lugar/clima, tendo em vista que, de esquadrias foram protegidas por brises
acordo com Rodrigo Oliveira (2012, p.165) é prudente horizontais metálicos fixos. Assim, o bem-estar
afirmar que o arquiteto atua de forma a conceber dos alunos, professores e funcionários é
espaços agradáveis, que busquem aproveitar os garantido por ambientes ergonomicamente
benefícios do clima e se proteger do seu rigor, para uma confortáveis, com abundante entrada de luz
melhor utilização dos recursos naturais e valorização do natural e ventilação, e reforçado pela estreita
lugar. Uma edificação projetada para o clima no qual está relação entre espaços construídos e áreas verdes
inserida é considerada confortável quando facilita a de socialização. As salas de aula possuem
ventilação natural, a entrada de luz solar e filtra os raios esquadrias nas paredes opostas, permitindo a
ventilação cruzada e evitando acúmulo de CO2
solares indesejáveis, economizando energia elétrica.
nos seus ambientes internos (Braga et al, 2023,
on-line).
Em se tratando do lugar em que a escola analisada está
inserida, Oliveira (2012, p.166) explicita que, por estar Além disso, ainda por meio dos desenhos técnicos
localizada em uma região tropical, próxima ao Oceano (figuras 05 a 07) nota-se que os arquitetos mantiveram
Atlântico, a cidade de Fortaleza-CE possui um clima um partido mais horizontal, com exceção do bloco
quente e úmido, com temperaturas do ar elevadas didático (com três pavimentos), de maior área, que ocupa
durante todo o ano. o acesso principal a oeste e marca a entrada da escola.
Em termos de conforto térmico, a decisão de posicionar
Diante disto, faz-se necessário projetar mediante o bloco mais alto na extremidade oeste do terreno faz
algumas recomendações, como por exemplo, analisar a com que a ventilação, predominantemente vinda do
forma do edifício em relação à orientação solar e aos Sudeste, não seja comprometida nos demais blocos (mais
ventos dominantes da região (as menores fachadas baixos).
devem ser orientadas para leste e oeste e as maiores, Figuras 05: Planta Baixa Pavimento Térreo.
para norte e sul, de modo que os ventos dominantes do
Sudeste possam atravessar a edificação.) Outra
importante recomendação diz respeito a insolação das
fachadas, tendo em vista que as fachadas e aberturas
devem ser protegidas da radiação solar, e, nesse caso faz-
se necessário a indicação de elementos de proteção solar,
como brises, cobogós, pergolados, beirais, marquises, Fonte: www.archdaily.com.br
varandas ou outros elementos de proteção. (com edições da autora, 2023).

Por último, e não menos importante, tem-se a


importância da análise da ventilação natural dos
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onde se encontra a rampa, ou pelo extenso parque linear
Figuras 06 e 07: Plantas Baixas Primeiro e Segundo Pavimento. na porção norte do terreno, que une os diferentes setores
do complexo escolar (figuras 08, 09 e 10).

Figuras 08, 09 e 10: Pátios e locais de convivência em geral.

Fonte: www.archdaily.com.br
Fonte: www.archdaily.com.br
(com edições da autora, 2023). Em relação aos materiais empregados, o aço merece
destaque, pois foi largamente utilizado (em pilares, vigas
Análise da Coerência entre Intenções e Soluções e lajes em steel deck, além das escadas e as rampas em
estrutura metálica). Na cobertura foi utilizada telha
Em termos de distribuição do programa de necessidades, metálica termoacústica, cuja face inferior plana,
a equipe da Rede Arquitetos descreve que a fase 1, já proporcionou um acabamento uniforme para os trechos
construída, se deu na parte mais vazia do terreno, a partir onde não há forro. Na fachada, os arquitetos usaram
da sua porção oeste, tendo acesso pela via principal deste brises metálicos como elemento de proteção solar, e
lado e em uma das transversais, e conta com o bloco criam um padrão para o invólucro do edifício (figuras 11
didático do ensino fundamental II, bloco de atividades e 12). Cabe mencionar que os arquitetos optaram por
extracurriculares, refeitório, reforma do ginásio deixar boa parte da estrutura aparente, como uma
interligados através de passarelas de conexão. A fase 2, “narrativa material”, e, segundo Nesbitt (2006, p.535)
apenas em projeto, incorpora a porção leste e sua via de deixar a estrutura a mostra demonstra autenticidade, o
acesso, além da demolição da estrutura preexistente, que que Martin Heidegger considera um ato poético.
pôde se manter funcionando enquanto a primeira parte
da obra foi construída. Segundo os arquitetos, os edifícios Figuras 11 e 12: Uso de Brises nas fachadas.
da fase 1 se distribuem não como blocos isolados, mas
como um sistema regido pela lógica construtiva e
distribuição programática. Sua implantação ocupa os
vazios das estruturas existentes no terreno distribuindo o
programa, se conectando com os acessos e direcionando
os fluxos.

Em se tratando dos fluxos, o bloco didático, de maior


área, ocupa o acesso principal a oeste e marca a entrada
da escola. Além disso, a partir dele o fluxo interno vai se
distribuindo para as demais partes do programa, com o
acesso de serviço acontecendo mais a sul a partir de um Fonte: www.archdaily.com.br
dos acessos secundários. Essa ocupação do terreno, por
sua vez, se dá de forma porosa, criando vazios que geram Na maior parte das circulações da Escola Educar, o piso
pátios internos e marcando acessos com angulações que escolhido foi de porcelanato. Nas salas de aula, a equipe
quebram a rigidez da malha estrutural. Como do escritório Rede Arquitetos optou pelo uso do piso
mencionado no tópico anterior deste artigo, a noção de vinílico, enquanto nas circulações externas foi utilizado
“convivência” surge como condicionante e norteador da granito, com tratamento antiderrapante, ou bloco
distribuição do programa de necessidades, valendo intertravado.
destacar que, tão importante quanto os espaços
construídos, foram os vazios criados, responsáveis por
gerar estes locais de convivência, como o pátio interno
.
Em termos conceituais, segundo Kowaltowski (2011, p.
184), atualmente há uma grande variedade de maneiras Segundo os arquitetos “a fluidez e integração entre os
de aprender e de ensinar, que demanda uma diferentes espaços são os pontos fortes do projeto, pois
diferenciação de arranjos físicos, ou seja, uma permitem que os alunos circulem de forma contínua”
flexibilidade dos espaços construídos, que não pode ser (Braga et al., 2023, on-line). Os espaços de circulação
resolvida com ambientes neutros. O importante para a foram considerados como uma extensão das salas de
flexibilidade nos ambientes de aula é o grande número de aula, de modo que a relação dos usuários com as áreas
atividades diversificadas. A flexibilidade depende da abertas e os jardins foi ampliada. Tal preocupação é
possibilidade de expansão das áreas construídas, de corroborada por diversos pesquisadores do campo da
modificação de layout e das funções. Esses conceitos arquitetura escolar, como Alberto e Sinder (2011), que
dependem, por exemplo, de Modulações inteligentes de afirmam que a sala de aula deixou de ser a protagonista
estruturas e elementos de fechamento de espaços, para no processo de ensino e aprendizagem, tendo em vista
reformas rápidas e simples sem grandes demolições que, o estudante usa a liberdade de buscar informações
(Kowaltowski, 2011, p. 184). e experiências fora da sala de aula, isto é, nas áreas de
circulação, nos jardins e nos pátios. Esses espaços são
Após tecer este breve comentário acerca do conceito da propícios tanto para simples conversas como para
flexibilidade espacial, é oportuno mencionar que, em atividades pedagógicas mais complexas, por isso se
termos práticos, a equipe da Rede Arquitetos conta que tornaram importantes locais de exploração projetual.
a estrutura metálica foi planejada a partir de uma Por fim, destaca-se que no universo da arquitetura, um
modulação de 1,20m, com objetivo de otimizar os dos ápices da prática projetual é contemplar os espaços
processos construtivos e atender às demandas iniciais do tomando vida, a partir da apropriação espacial por parte
projeto: rapidez de obra, construção em etapas e redução dos usuários (figuras 17 e 18), e, é neste sentido que a
de resíduos, e, portanto, verificamos aqui a coerência equipe da Rede Arquitetos conclui seu discurso acerca do
entre problema e solução. projeto, após certificar-se de que o produto final atendeu
às demandas iniciais:
De acordo com a equipe “a polivalência também surge
como princípio importantíssimo, uma vez que a Foi uma experiência muito legal visitar a Escola
flexibilidade de alguns espaços permite que eles sejam Educar já em uso e ver a apropriação espacial por
apropriados de diversas formas, confirmando seu caráter parte dos estudantes, professores e funcionários.
polivalente.” (Braga et al., 2023, on-line). Os amplos Os usuários reagem ao ambiente de forma
espontânea e notamos que atendemos as
corredores e a importância de espaços livres, como os
demandas iniciais que foram colocadas (Braga et
pátios internos (figuras 13 a 16), a praça lateral e a al, 2023, on-line).
passarela coberta, que conecta os blocos, são estratégias
adotadas no projeto que ressaltam esta preocupação. Figuras 17 e 18: Apropriação espacial por parte dos usuários.

Figuras 13, 14, 15 e 16: Pátios e amplos corredores.

Fonte: www.archdaily.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, observou-se que, de modo geral, o


projeto analisado apresentou consistente coerência
entre o discurso e o Produto final. Apesar disto, em
termos práticos, evidenciou-se que há pouca
Fonte: www.archdaily.com.br expressividade da figura do usuário na narrativa dos
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arquitetos (aspecto indispensável na Arquitetura, KOWALTOWSKI, D. et al. O processo de projeto em arquitetura
especialmente em se tratando da Arquitetura Escolar). – da teoria à tecnologia. Oficina de Textos, 2011.

Ademais, cabe ressaltar que a problemática condicionada LAWSON, Bryan. Como Arquitetos e Designers pensam. São
Paulo: Oficina de Textos, 2011.
pelas restrições internas e externas (geradas pelas
demandas do cliente, do usuário, da legislação e etc) teve MAHFUZ, E. C. Ensaio sobre a razão compositiva: uma
como resposta soluções arquitetônicas adequadas, e investigação sobre a natureza das relações entre as partes e o
condizentes com a realidade do uso e do local. todo na composição arquitetônica. Belo Horizonte: UFV
Cultural, 1995.
Por fim, sabendo-se que este artigo se propôs a traçar um
panorama geral acerca dos aspectos do projeto da Escola
Educar II, como resposta ao que foi assimilado na NESBITT, K. (org). Uma nova agenda para a arquitetura.
disciplina de TMP, pode-se afirmar que esta experiência Antologia teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
permitiu não apenas um aprofundamento teórico, mas, (seleção de textos)
sobretudo, foi capaz de aguçar as percepções acerca da
OLIVEIRA, Rodrigo Porto. O projeto de arquitetura para
prática projetual. Afinal, quando a prática não for clima quente e úmido: diretrizes para residências
condizente com a teoria, ou quando as soluções não unifamiliares em Fortaleza-CE. Artigo publicado na Revista
caminharem em acordo com o discurso das intenções, Tecnologia, Fortaleza, v33, n2, p 165-176, 2012. Disponível
entende-se que o projeto não foi capaz de atender às em: https://ojs.unifor.br/tec/article/view/4588 Acesso em
expectativas para as quais ele foi criado (e/ou solicitado). 11.11.2023

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERTO, Klaus Chaves; SINDER, Marcela Barros. A


Flexibilidade no Espaço Escolar: Variações Sobre a
Compreensão do Tema e da Prática Projetual. Artigo
publicado no V Seminário Nacional sobre Ensino e Pesquisa em
Projeto de Arquitetura - PROJETAR 2011 - Belo Horizonte/MG.
Disponível em
http://projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/handle/12345
6789/1665 Acesso em: 02.09.2014.

ARCHDAILY. Escola Educar II SESC-CE / Rede Arquitetos.


Disponível em:
https://www.archdaily.com.br/br/996125/escola-educar-ii-
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25.10.2023

BRAGA, Bruno; PERDIGÃO, Bruno; RIBEIRO, Igor; CATTONY,


Luiz. Escola Educar II SESC-CE / Rede Arquitetos. Disponível
em: https://www.redearquitetos.com/escola-educar-ii-sesc-ce
Acesso em 25.10.2023

CENTRO BRASILEIRO DA CONSTRUÇÃO EM AÇO - CBCA. Escola


é exemplo de flexibilidade e polivalência espacial. Disponível
em: https://www.cbca-acobrasil.org.br/site/noticia/escola-e-
exemplo-de-flexibilidade-e-polivalencia-espacial Acesso em
25.10.2023

KOWALTOWSKI, Doris C. C. K. Arquitetura Escolar: o projeto do


ambiente de ensino. São Paulo: Oficina de Textos, 2011. 272p

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