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O REGISTO DE NASCIMENTO COMO MECANISMO DE PROTECÇÃO

EFECTIVA DOS DIREITOS DA CRIANÇA EM MOÇAMBIQUE: O CASO DA


PROVÍNCIA DE CABO DELGADO NO PERÍODO DE 2017 A 2021.

Rui Lágrima Inácio Ezequiel Chichango1


Código: 706230189

Resumo

O presente artigo constitui uma avaliação no módulo de Direito da Família, Protecção de


Menores, cujo objectivo de estudo é descrever a importância do registo de nascimento como
mecanismo de protecção efectiva dos direitos da criança em Moçambique: o caso da província
de Cabo Delgado no período de 2017 a 2021. Nestes termos, abordar-se-á sobre o registo de
nascimento e sua importância; criança e direitos da criança; situação de cobertura dos serviços
de registo civil na província de Cabo Delgado no período de 2017 a 2021; relação entre o
registo de nascimento e os direitos da criança; os mecanismos de protecção dos direitos da
criança na província de Cabo Delgado, através do registo de nascimento, no período de 2017 a
2021, tendo em conta a abrangência e a efectiva protecção dos direitos da criança por meio do
registo de nascimento.

Palavras-chave: Criança. Direitos da Criança. Direitos Fundamentais. Registo de


Nascimento. Protecção de Direitos Humanos.

Abstract

This article constitutes an evaluation of the Family Law module, Protection of Minors, whose
study objective is to describe the importance of birth registration as a mechanism for effective
protection of children's rights in Mozambique: the case of the province of Cabo Delgado in
the period from 2017 to 2021. In these terms, birth registration and its importance will be
discussed; child and children's rights; coverage situation of civil registration services in the
province of Cabo Delgado from 2017 to 2021; relationship between birth registration and
child rights; the mechanisms for protecting children's rights in the province of Cabo Delgado,
through birth registration, in the period from 2017 to 2021, taking into account the scope and
effective protection of children's rights through birth registration.

Keywords: Child. Children's Rights. Fundamental rights. Birth Registration. Protection of


Human Rights.

Introdução

O tema deste artigo é “O Registo de Nascimento Como Mecanismo de


Protecção Efectiva dos Direitos da Criança em Moçambique”, com enfoque para o registo

1
Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Gestão e Informática da Universidade Católica de Moçambique
- Pemba. Este trabalho é orientado pelo Doutor Jerónimo Mussirica, na Cadeira de Direito da Família (Menores).
E-mail: chichangoruilagriamas@yahoo.com.br.
1
de nascimento como mecanismo de protecção efectiva dos direitos da criança na província de
Cabo Delgado no período de 2017 a 2021.
O tema surge da necessidade de analisar e descrever a situação de protecção
dos direitos da criança na província de Cabo Delgado, tendo em conta que, por um lado,
segundo o Resumo do Relatório da UNICEF sobre a Situação das Crianças em Moçambique,
2021, pág. 19, há uma crise em curso que afecta as crianças em Cabo Delgado. A
instabilidade provocada pelo conflito exacerbou as taxas de migração, com cerca de 850.000
pessoas, sendo aproximadamente metade das quais crianças, fugindo do seu local de origem
para outros locais e quase 2.000 crianças separadas das suas famílias, estando expostas a
perigos contínuos e frequentes, com a restrição do seu acesso a serviços básicos e aumento
das suas experiências adversas na infância. Por outro lado, segundo a contextualização sobre a
situação dos deslocados Internos e a Resposta a Nível Nacional e Local, do Serviço Provincial
de Justiça e Trabalho de Cabo Delgado (SPJT), desde o início dos ataques terroristas em
Outubro de 2017, na província de Cabo Delgado, que, para além, de ceifar vidas humanas e
provocar o deslocamento massivo de cerca de um milhão de pessoas nos distritos afectados a
procura de abrigo em locais mais seguros, sobretudo na Cidade de Pemba, a situação do
terrorismo impôs grandes desafios ao sector de administração da justiça, tendo em conta a
destruição de infraestruturas públicas e privadas, culminando com o encerramento das
Conservatórias do Registo Civil de Mocimboa da Praia, Quissanga, Macomia, Muidumbe e
Palma, e estando paralisadas, naturalmente, as actividades de registo de nascimento, com
destaque para as crianças e enquadra-se nos debates que têm sido levadas à cabo por diversos
autores e organizações da sociedade civil sobre cidadania das crianças e da infância.
A al. a) do número 1 do artigo 1 do Código do Registo Civil (CRC), aprovado
pela Lei n.º 12/2018 de 4 de Dezembro, sobre o objecto e abrigatoriedade do registo, tem o
nascimento como um facto sujeito a registo obrigatório. Se o registo de nascimento é um
direito humano fundamental que ajuda a assegurar que os outros direitos das crianças sejam
respeitados em Moçambique, a pesquisa vai procurar responder ao seguinte problema: Houve
protecção efectiva dos direitos da criança na província de Cabo Delgado no período de 2017 a
2021 através do registo de nascimento?
Para responder ao problema, o trabalho apresenta duas hipóteses, sendo uma
principal que estabelece o seguinte: o registo de nascimento constituiu mecanismo de
protecção efectiva dos direitos da criança na província de Cabo Delgado no período de 2017 a
2021; e outra secundária ou contraposta, que estabelece o seguinte: o registo de nascimento

2
não constituiu mecanismo de protecção efectiva dos direitos da criança na província de Cabo
Delgado no período de 2017 a 2021, e ao longo da sua abordagem centrar-se-á nos seguintes
objectivos, objectivo geral: descrever a importância do registo de nascimento como
mecanismo de protecção efectiva dos direitos da criança em Moçambique: o caso da província
de Cabo Delgado no período de 2017 a 2021; e objectivos específicos: a) definir o conceito de
registo de nascimento e sua importância; b) definir o conceito de criança; c) definir o conceito
direitos da criança; d) descrever a situação de cobertura dos serviços de registo civil na
província de Cabo Delgado no período de 2017 a 2021; e) explicar a relação entre o registo de
nascimento e os direitos da criança, e f) descrever os mecanismos de protecção dos direitos da
criança na província de Cabo Delgado, através do registo de nascimento, no período de 2017 a
2021.
Metodologicamente, será uma pesquisa teórica e descritiva, pois o autor irá
contemplar uma revisão bibliográfica rigorosa e disponível, incluíndo relatórios de
instituições públicas e de Agências das Nações Unidas, sem descurar as consultas aos sites
electrónicos na internet para fundamentar os assuntos ou matérias que constituem objecto de
pesquisa, descrevendo também os fenómenos ocorridos na província de Cabo Delgado no
período que varia de 2017 a 2021, na área do registo de nascimento para a protecção da
criança, com vista a uma análise rigorosa do objecto da pesquisa.
Na sua abordagem, o trabalho iniciará com conceptualização de registo de
nascimento e sua importância; conceptualização de criança e direitos da criança; descrição da
situação de cobertura dos serviços de registo civil na província de Cabo Delgado no período
de 2017 a 2021; explicação da relação entre o registo de nascimento e os direitos da criança;
descrição os mecanismos de protecção dos direitos da criança na província de Cabo Delgado,
através do registo de nascimento, no período de 2017 a 2021.

1. Conceito de registo de nascimento e sua importância

De acordo com o portal da Direcção Nacional dos Registos e Notariado de


Moçambique, (2018?), o registo de nascimento é definido como o acto obrigatório de ir
declarar perante as autoridades civis o nascimento do indivíduo para que possa ter
reconhecimento legal dos seus direitos e só ocorre uma única vez na vida, nos termos da al. a)
do número 1 do artigo 1 e números 1 e 2 do artigo 4, todos do Código do Registo Civil,
aprovado pela Lei n.º 12/2018 de 4 de Dezembro, artigo 7 da Convenção sobre os Direitos da

3
Criança, ratificada por Moçambique pela Resolução n.° 19/90 de 23 de Outubro e artigo 215
da Lei da Família, aprovada pela Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro. E ainda acrescenta
(artigos 215 da Lei da Família, 7 e 8 da Convenção sobre os Direitos da Criança e n.ºs 2 e 3 do
artigo 120 da Constituição da República de Moçambique [CRM], revista pela Lei n.º 1/2018
de 12 de Junho) que:

É a partir do registo de nascimento que o Estado reconhece a existência da pessoa,


permitindo assim planificar o desenvolvimento do pais Com o registo efectuado a
pessoa passa a gozar dos direitos fundamentais nomeadamente o direito ao nome, a
filiação, a cidadania e consequentemente a nacionalidade e outros. O não registo do
nascimento é uma violação do direito humano inalienável da criança à identidade.
Sem ele, a criança não pode aceder aos serviços sociais básicos na idade apropriada,
incluindo o ingresso escolar depois da 5ª classe. No caso de separação da família
durante uma calamidade natural tais como cheias, por exemplo, sem tal registo de
nascimento, a reunificação das crianças às suas famílias torna-se numa tarefa difícil.
As crianças que não estão registadas também ficam mais vulneráveis à vários abusos
associados à idade, incluindo os casamentos prematuros, trabalho infantil,
recrutamento militar, exploração sexual, detenção em instalações prisionais para
adultos e condenação como adulto. A criança precisa também de certidão de
nascimento para herdar propriedade de um pai falecido (Direcção Nacional dos
Registos e Notariado, [2018?]).

Segundo o Relatório da UNICEF sobre a Situação das Crianças em


Moçambique de 2021, o registo de nascimento é definido como um direito humano
fundamental que ajuda a assegurar que os outros direitos das crianças sejam respeitados em
Moçambique e abre o acesso à educação e protege contra o recrutamento precoce e as uniões
prematuras, sendo gratuito se for realizado dentro do prazo legalmente estipulado de 120 dias
e dispensadas as taxas para crianças desfavorecidas, se o declarante apresentar um certificado
de pobreza no momento do registo.
Dos conceitos acima apresentados, pode-se resumir o registo de nascimento
como o acto através do qual o Estado reconhce o indivíduo com o nome que lhe foi dado
como membro e cidadão de determinado país. Constitui a porta de acesso para o exercício de
vários direitos e marca o reconhecimento da importância de cada indivíduo para o Estado, o
que permite ao indivíduo reconhecido, através da apresentação da certidão de nascimento, o
acesso aos serviços básicos, como a saúde, educação, protecção legal, entre outros.

2. Conceito de criança e direitos da criança

O conceito de criança está previsto no artigo 1 da Convenção sobre os Direitos


da Criança (CDC), artigo 2 da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, ratificada
4
por Moçambique, através da Resolução n.º 20/98 de 26 de Maio; no número 1 do artigo 3 da
Lei n.º 7/2008 de 9 de Julho, sobre a promoção e protecção dos direitos da criança, bem como
no glossário da Lei n.º 19/2019 de 22 de Outubro, sobre a prevenção e combate às uniões
prematuras, como todo o ser humano menor de dezoito anos, salvo se, nos termos da lei que
lhe for aplicável, a maioridade for atingida mais cedo.
Segundo o Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (2016, p. 30
– 33), o conceito de criança adoptado na legislação moçambicana apresenta incongruências
nalguma matéria regulada no Código Penal e na Lei do Trabalho, que não cabe trazé-la a
abordagem por não constituir objecto da presente pesquisa. No entanto, tem subjacente em si
quatro princípios, nomeadamente: a) princípio da não-discriminação; b) interesse superior da
criança; c) Direito a vida, sobrevivência e desenvolvimento, e d) Respeito pela opinião da
criança, cuja abordagem far-se-á no ponto referente à descrição os mecanismos de protecção
dos direitos da criança na província de Cabo Delgado, através do registo de nascimento, no
período de 2017 a 2021.
Nos termos da conjugação dos artigos 4 da Lei n.º 7/2008 de 9 de Julho, sobre
sobre a promoção e protecção dos direitos da criança, e 2 da Convenção sobre os Direitos da
Criança, pode-se interpretar como direitos da criança todos os direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana, que coincide com o conceito geral dos direitos humanos enquanto valores
universais inerentes a todos os seres humanos, independentemente da sua raça, sexo,
nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos
incluem o direito à vida e à liberdade, liberdade de opinião e expressão, o direito ao trabalho e
à educação, entre outros, previstos em diversos instrumentos mencionados no presente
trabalho, incluindo na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Todos têm direito a
estes direitos, sem discriminação.

O caráter constitucional dos direitos fundamentais implica que estes se apresentem


cimeiramente localizados dentro do Ordenamento Jurídico, comungando das
características próprias das normas e dos princípios de natureza constitucional. E
qual é a importância deste facto? Ela é concernente a dois aspetos: – a supremacia
hierárquica; – a rigidez constitucional. A supremacia hierárquica implica que
nenhuma outra norma ou princípio, que não tenha a mesma qualidade, possa
contradizer o sentido normativo que deles se extrai. A rigidez constitucional
representa a circunstância de a respetiva alteração obedecer a mecanismos que
tornam essa operação mais difícil, por força da existência de diversos limites à
revisão constitucional. O resultado mais visível desta colocação suprema no sistema
jurídico liga-se ao caráter “couraçado” que passa a acompanhar os direitos
fundamentais, conceptualmente sempre direitos constitucionais: a da
inconstitucionalidade das normas e dos princípios que os ofendem. Isso tem a
consequência prática de poderem ser postos em ação diversos mecanismos com o
fito de destruir essas normas e esses princípios, violadores dos direitos
5
fundamentais, assim melhor se preservando essa parte da Ordem Constitucional
(Gouveia, 2015, p. 312 – 313).

Segundo o Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da


Universidade de Coimbra (Introdução ao Sistema de Direitos Humanos, 2013), os direitos
humanos, baseados no conceito inerente a dignidade de todos os seres humanos, caracterizam-
se por ser universais – os direitos humanos são para todos, independentemente do lugar de
origem, sexo, idade, profissão, grau de instrução, cor, raça, religião, estado civil e de saúde;
inalienáveis - não se podem negociar ou comercializar. Estes existem independentemente do
que suceder, ou seja, não se pode desistir deles, nem se podem transferir para os outros,
continuam sendo os mesmos direitos, mesmo que estejam a ser violados; indivisíveis - porque
formam um todo indivisível, nenhum direito é mais importante do que o outro, pelo que não
se pode abrir espaço para se gozar de uns e ser excluído de outros; e interdependentes –
porque estão ligados entre si. Num direito humano pode se encontrar tantos outros, por
exemplo: o direito à vida, comporta o direito à saúde, e este comporta o direito à assistência
médica e medicamentosa e assim sucessivamente.
Para além destes direitos da criança conforme acima exposto, o artigo 5 da Lei
n.º 7/2008 de 9 de Julho, sobre sobre a promoção e protecção dos direitos da criança, prevê
ainda outros direitos, especiais, da criança, de crescer rodeada de amor, carinho e
compreensão, num ambiente de felicidade, segurança e paz, viver numa família onde se
desenvolva o respeito pelos seus membros, particularmente pelos mais velhos, e se fortaleça a
identidade moçambicana, as suas tradições e valores sócio-culturais e de ser formada para
cumprir o seu dever de servir correctamente à sociedade e respeitar o bem comum.

3. Descrição da cobertura dos serviços de registo civil na província de Cabo Delgado


no período de 2017 a 2021

No início até meados do período em alusão, segundo a extinta Direcção


Provincial da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos de Cabo Delgado (2019, p. 5), os
serviços de registo civil cobriam todos os distritos da província, possuindo cada distrito uma
Conservatória e Postos do Registo Civil, como órgão normais do registo civil, de acordo com
as als. b) e c) do artigo 9 do Código do Registo Civil, aprovado pela Lei n.º 12/2018 de 4 de
Dezembro, com competência para lavrar os nascimentos, nos termos da conjugação dos
artigos 11, 12, 15 e al. a) do artigo 1 do mesmo diploma legal.

6
Segundo o Plano de Reconstrução de Cabo Delgado ([PRCD] 2021, p. 6) e o
Serviço Provincial de Justiça e Trabalho de Cabo Delgado ([SPJT] 2023), as acções
terroristas, iniciadas em Outubro de 2017 em Cabo Delgado, afectaram com maior severidade
os distritos da zona norte da província. Como resultado registou-se a destruição de
infraestruturas económicas e sociais, públicas e privadas, e impactos negativos nas
comunidades locais, gerando o estado de emergência humanitário devido o agravamento de
famílias, incluindo crianças, em situação de vulnerabilidade, tendo, portanto, reduzido o nível
de cobertura do registo de nascimento de 17 distritos para 12, devido à destruição total dos
acervos registrais e o encerramento das Conservatórias do Registo Civl de Mocimboa da Praia
a 23 de Março; Quissanga a 24 de Março; Muidumbe a 7 de Abril; Macomia a 28 de Maio de
2020, todas em 2020, e de Palma a 24 de Março de 2021.

4. Explicação da relação entre o registo de nascimento e os direitos da criança

O registo de nascimento constitui um direito humano essencial e prioritário, pois é a


forma de reconhecimento oficial e legal dos cidadãos, por parte do Estado. Este
registo estabelece a identidade e uma ligação directa ao estatuto de cidadania e aos
direitos, benefícios e obrigações inerentes a essa cidadania. Não conceder o registo
do nascimento a uma crianca, é uma violação do direito humano inalienável da
crianca a identidade. Sem ele, a crianca não pode aceder aos serviços sociais básicos
na idade apropriada, incluindo o ingresso escolar. As crianças que não estão
registadas ficam mais vulneráveis a vários abusos associados a idade, por não terem
acesso aos serviços básicos (...) (Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da
Criança [ROSC], 2016, p. 34).

Analisado rigorosamente o conceito de registo de nascimento, nos moldes


apresentados no presente trabalho, como um direito humano fundamental que ajuda a
assegurar que os outros direitos das crianças sejam respeitados em Moçambique e abre o
acesso à educação e protege contra o recrutamento precoce e as uniões prematuras, e que se
traduz no acto obrigatório de ir declarar perante as autoridades civis o nascimento do
indivíduo para que possa ter reconhecimento legal dos seus direitos, tem uma relação
intrínseca com os direitos da criança, pois o n.º 1 do artigo 7 da Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança estabelece que a criança será registada imediatamente após o
nascimento e terá, desde que nasce, direito a um nome, a adquirir uma nacionalidade,
conjugado com o n.º 1 do artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),
que estabelece que todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
Conforme o conceito apresentado no presente trabalho:

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Nacionalidade é rotineiramente conceituada como o vínculo jurídico-político que
une o indivíduo ao Estado. Diz-se jurídico-político tal vínculo pois comporta
componente normativo (as regras constitucionais definidoras dos requisitos para a
aquisição e perda da nacionalidade) ao lado de componente político, do âmbito
interno de cada Estado, consistente na discricionariedade deste para determinar
quem são seus nacionais (ou melhor, para determinar em seu ordenamento jurídico
quais os requisitos para a aquisição da nacionalidade pelo indivíduo). Ademais dessa
dimensão jurídico-política, há o conceito sociológico de nacionalidade, que consiste
no pertencimento do indivíduo nacional de determinado Estado ao seu povo, à
nação. Assim, ser nacional significa pertencer a determinado grupo de pessoas
ligadas entre si pela cultura, tradições, hábitos e costumes (Husek, 2022, p. 3).

É sobre este aspecto da nacionalidade, regulada no Título II da CRM, que são


reconhecidos os direitos fundamentais da criança, nos termos dos artigos 47 da CRM e 4 da
n.º 7/2008 de 9 de Julho, sobre sobre a promoção e protecção dos direitos da criança,
enquanto que valores universais, inalienáveis, indivisíveis e interdependentes, inerentes a
todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, idade, nacionalidade, etnia,
idioma, religião ou qualquer outra condição, incluindo o direito à vida e à liberdade, liberdade
de opinião e expressão, o direito ao trabalho, à saúde e à educação, entre outros. E esta, pode
ser provada por meio do registo de nascimento, através de Certidão, Boletim ou Bilhete de
Identidade, nos termos do artigo 273 do CRC.

5. Descrição os mecanismos de protecção dos direitos da criança na província de Cabo


Delgado, através do registo de nascimento, no período de 2017 a 2021

Nos termos do n.º 1 do artigo 7 e artigo 8 da CDC, os Estados Partes garantirão


a implementação destes direitos em conformidade com a legislação nacional e as obrigações
decorrentes de instrumentos internacionais relevantes neste domínio, em particular se, de
outro modo, a criança ficasse apátrida, como também se comprometem a respeitar os direitos
da criança, a preservar a sua identidade, incluindo a sua nacionalidade, o nome, e as relações
familiares, nos termos da lei e sem ingerência ilegal e prestando-lhes a assistência e a
protecção adequadas, de forma a reestabelecer rapidamente alguns ou todos os elementos sua
identidade, que hajam sido ilegalmente privados do seu uso.
A imposição imposta pelo n.º 1 do artigo 7 da CDC, conjugado com a al. a) do
artigo 1 do CRC tem por objecto promover e proteger os direitos da criança, tal como se
encontram definidos na Constituição da República, na Convenção sobre os Direitos da
Criança, na Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança e demais legislação de
protecção à criança, reconhecendo os princípios da a) não-discriminação; b) interesse superior

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da criança; c) Direito a vida, sobrevivência e desenvolvimento, d) Respeito pela opinião da
criança, que significam que:

a. O princípio da não-discriminação: O artigo 121 da CRM (2004) prevê que


todas as crianças têm direito à protecção da família, da sociedade e do Estado sem
qualquer tipo de discriminação e a criança não pode ser discriminada,
designadamente, em razão do seu nascimento, nem sujeita a maus tratos. Esta
provisão é reforçada pelo artigo 2 da Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da
Criança, ao especificar que a mesma é aplicável a todas as crianças
independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião,
grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, condição física e psíquica,
estendendo-se também para crianças refugiadas. Na prática, continuam havendo
várias situações em que a criança é discriminada: na comunidade, quando uma
criança é deficiente, sofre discriminação no seio da família e comunidade, chegando
ao ponto de não estudar por não ser prioridade e/ou por falta de meios de transporte
públicos adequados. A criança deficiente também sofre maus tratos devido a sua
condição. Mesmo aquela criança que vai à escola, ela é discriminada ao não
encontrar infra-estruturas adequadas, meios de aprendizagem compatíveis com a sua
condição e professores qualificados para lidar com a situação. (...). Melhorar o
acesso aos serviços pelas crianças e eliminar as disparidades regionais na sua
disponibilização, incluindo eliminar outros factores que propiciam a discriminação
da criança, reforçar a sensibilização das comunidades e do público sobre os direitos
da criança, é fundamental para eliminar os focos de discriminação contra a criança.
b. O interesse superior da criança (...), consagrado no artigo 47º da CRM (2004) e
no artigo 7º da Lei de Protecção e Promoção dos Direitos das Crianças, continua não
sendo adequadamente integrado em todas as disposições legais nem sendo
implementado na prática nas decisões políticas, económicas, judiciais e
administrativas. (...). Contudo, notamos que tanto a nível político assim como
comunitário esta prioridade não se faz sentir, sendo os interesses materiais e
económicos dos adultos muitas vezes colocados acima daqueles das crianças. Os
recursos limitados atribuidos aos sectores sociais e referenciados anteriormente
representam outro indicador da falta de implementação deste princípio.
c. Direito a vida, sobrevivência e desenvolvimento. Apesar de alguns indicadores
relativos à sobrevivência e ao desenvolvimento das crianças terem melhorado como
resultado dos esforços realizados na implementação de políticas e programas para a
sua mitigação (declínio da mortalidade infantil e de menores de 5 anos: 141/1000
em 2008 para 97/1000 em 2011; alargamento do acesso a fontes melhoradas de
água: 35% em 2008 para 40% em 2011; alargamento do acesso ao saneamento
melhorado: 19% em 2008 para 24% em 2011; expansão da cobertura de testagem e
tratamento do HIV/SIDA: 15% em 2008 para 26% em 2011; e cobertura da
prevenção da transmissão vertical, 49% em 2008 para 72% em 2011), os níveis de
mortalidade materna e neonatal e de desnutrição crónica continuam preocupantes.
Em particular, a desnutrição crónica, que afecta 43% das crianças menores de cinco
anos, representa uma séria ameaça para o desenvolvimento individual (físico,
cognitivo e, portanto, académico e socioeconómico) da própria criança, (...).
d. Respeito pela opinião da criança. Apesar de algumas iniciativas (programas de
criança para crianças nos meios de comunicação social), tendo em conta também a
noção de criança dominante no país, que as encara mais como um objecto da acção
dos adultos do que como um sujeito de direitos, a solicitação e a consideração das
opiniões das crianças sobre os assuntos que lhes dizem respeito continuam fracas,
tanto a nível das famílias, assim como das escolas e das comunidades. (...). Há
necessidade por isso, que seja assegurada uma maior inclusão e participação da
criança nos processos administrativos e judiciais respeitando a sua opinião, como
previsto na CRM (2004), na Lei da Família e na Lei de Promoção e Protecção dos
Direitos das Crianças. No que diz respeito ao Parlamento Infantil, este ainda não é
suficientemente inclusivo e os critérios de adesão e participação das crianças neste
mecanismo é questionado pelas próprias crianças (Fórum da Sociedade Civil para os
Direitos da Criança [ROSC], 2016, p. 31 – 33).
9
A protecção dos direitos da criança através do registo de nascimento, com o
fenómento das acções terroristas, iniciadas em Outubro de 2017 em Cabo Delgado, que
afectou com maior severidade os distritos da zona norte da província em apreço, viu-se
reduzir o nível de cobertura e abrangência às crianças ao passar de um total de 17 distritos
para 12, devido à destruição total dos acervos registrais e o encerramento das Conservatórias
do Registo Civl de Mocimboa da Praia, Quissanga, Muidumbe, Macomia e Palma, mas foi
garantido nos restantes distritos, embora com restrições devido à ameaças de ataques
terroristas e implementação de medidas de prevenção e combate à COVID-19.

Considerações finais

Como no desenrolar do presente trabalho se fez menção, o registo de


nascimento constitui um direito humano essencial e prioritário, pois é a forma de
reconhecimento oficial e legal dos cidadãos, por parte do Estado. Este registo estabelece a
identidade e uma ligação directa ao estatuto de cidadania e aos direitos, benefícios e
obrigações inerentes a essa cidadania. Não conceder o registo do nascimento a uma criança, é
uma violação do direito humano inalienável da criança a identidade. Sem ele, a criança não
pode aceder aos serviços sociais básicos na idade apropriada, incluindo o ingresso escolar. As
crianças que não estão registadas ficam mais vulneráveis a vários abusos associados a idade,
por não terem acesso aos serviços.
Nos termos do n.º 2 do artigo 7 da Convenção sobre os Direitos da Criança, é
da responsanbilidade do Estado Moçambicano garantir a promoção e a efectiva protecção dos
direitos da criança, através da sua implementação em conformidade com a legislação
nacional. O Código do Registo Civil impõe que haja uma Conservatória de Registo Civil em
cada distrito e um Posto do Registo Civil em cada sede de posto administrativo, de acordo
com o n.º 1 do artigo 15 do Código do Registo Civil. No entanto, com impacto negativo das
acções terroristas, que forçaram o encerramento dos serviços de registo de nascimento nos
distritos de Mocimboa da Praia, Quissanga, Macomia, Muidumbe e Palma, e consequente
redução da assistência e protecção dos direitos da criança, através do registo de nascimento
nos distritos supracitados e nos locais de acolhimento, havendo necessidade de reforçar a
capacidade institucional do Estado Moçambicano para garantir este serviço básico às crianças
e cumprir em pleno os seus compromissos internacionais no seio da comunidade
internacional.

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Referências Bibliográficas

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Protecção dos Direitos da Criança, in Boletim da República I série n.º 28 de 9 de Julho;

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 19/2019, de 22 de Outubro, Lei da Prevenção e


Combate contra às Uniões Prematuras, in Boletim da República I série n.º 203 de 22 de
Outubro;

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018, de 4 de Dezembro, Lei que revê e


aprova o novo Código do Registo Civil;

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Resolução n.º 19/90, de 23 de Outubro, Resolução que


ratifica a Convenção sobre os Direitos da Criança, in Boletim da República I série n.º 42 de
23 de Outubro;

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Resolução n.º 20/98, de 26 de Maio, Resolução que


ratifica a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, in Boletim da República I
série n.º 21 de 2 de Junho;

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Resolução n.º 8/88, de 25 de Agosto, Resolução que


ratifica a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, in Boletim da República I série
n.º 34 de 25 de Agosto;

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REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Plano de Reconstrução de Cabo Delgado das Zonas
Afectadas pelo Terrorismo (PRCD 2021 - 2024), Maputo, Setembro, 2021;

NAÇÕES UNIDAS, Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos,


Declaração Universal dos Direitos Humanos;

NAÇÕES UNIDAS, Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), A Situação das Crianças em Moçambique, 2021, Págs. 38 – 39;

CABO DELGADO, Direcção Provincial da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos


(DPJCR), Relatório Balanço Anual do PES, Pemba, 2019, Pág. 5;

CABO DELGADO, Serviço Provincial de Justiça e Trabalho (SPJT), Ponto de Situação dos
Projectos e Acções de Reconstrução em Cabo Delgado, Pemba, 2023;

UNIVERSIDADE DE COIMBRA, Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito,


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https://igc.fd.uc.pt/manual/pdfs/01_manual_introducao.pdf, acesso em 27/11/2023;

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Nacional dos Registos e Notariado, Sistema de Registo Civil e Estatísticas Vitais, disponível
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MOÇAMBIQUE, Instituto Nacional de Estatística, Características Sociodemográficas das


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