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WILLYANS MACIEL

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

FACULDADE SÃO BRAZ

CURITIBA/PR

2018
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Sumário

Introdução ....................................................................................................... 03

Aula 1 – Filosofia da educação, introdução conceitual e histórica..................... 04

Aula 2 – Epistemologia e as origens do conhecimento ..................................... 18

Aula 3 – Origens da filosofia: pré-socráticos ..................................................... 30

Aula 4 – As origens da filosofia: período clássico ............................................. 41

Aula 5 – Pós-socráticos e a sofisticação da filosofia ........................................ 54

Aula 6 – Patrística e Escolástica ....................................................................... 65

Aula 7 – Filosofia moderna e a educação ......................................................... 79

Aula 8 – Filosofia da educação no cenário atual ............................................... 92

Referências..................................................................................................... 104

Currículo do professor-autor ........................................................................... 105

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Introdução

A relação entre a filosofia e a educação é longa e produtiva. A filosofia,


por si mesma, surge como um esforço educativo, uma tentativa de combater a
ignorância e aqueles que pretendiam aproveitar-se da ignorância alheia,
divulgando métodos, ideias, conhecimentos, e fundando escolas para que outros
fizessem o mesmo.
A filosofia trouxe para a nossa civilização a ideia e que todos poderiam
educar-se para investigar e, na medida do possível, compreender a natureza,
sem depender do juízo de outros ou da explicação fantástica da Mitologia.
Com isso em mente, lhe dou as boas-vindas à disciplina de Filosofia da
Educação. Nesta disciplina abordaremos o nascimento da Filosofia e sua
evolução ao longo da história da civilização ocidental. Daremos ênfase às
características que exerceram influência na Pedagogia, bem como as
possibilidades de análise e intervenção da filosofia, ou de suas ferramentas, nas
práticas educativas.
Para que esse processo se concretize, faremos uma introdução conceitual
e histórica; passaremos pela ideia de conhecimento, sua formação e
importância; contrastaremos momentos da história da filosofia com a história da
civilização ocidental de modo amplo; e exploraremos o ramo específico da
Filosofia da Educação.
A fim de produzirmos um diálogo produtivo, complementaremos as
informações por meio das videoaulas e discussões no ambiente virtual de
aprendizagem (AVA).

Tenha um bom estudo!

Prof. Willyans Maciel

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Aula 1 - Filosofia da educação, introdução conceitual e histórica

Fonte: http://www.freepik.com/free-vector/silhouette-with-academic-icons_760403.htm

Olá estudante! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina Filosofia da


Educação. Nesta aula procuraremos responder à pergunta fundamental: “O que
é Filosofia da Educação?”.
Para isso, traçaremos um panorama geral das investigações em
educação ao longo da história da filosofia, dividindo essas investigações de
acordo com as correntes de pensamento nas quais se encaixam. Exploraremos
ainda o escopo, a formação, os principais pensadores e quais são os pontos de
investigação da filosofia da educação.

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Desde que surgiu no mundo, na Grécia Antiga, a filosofia toca questões
em educação. Seu primeiro esforço é uma tentativa de combater a ignorância
sobre as questões da natureza e da humanidade.

O que é Filosofia da Educação

A filosofia da educação, como disciplina independente, é relativamente


nova, não obstante, questões acerca da educação permeiam a filosofia desde o
seu surgimento, com filósofos se dedicando mais ou menos a ela, dependendo
do escopo de seu trabalho.
Atualmente a filosofia da educação se constitui como uma disciplina
academia e um ramo da investigação filosófica e pedagógica, possuindo escopo
e teorias próprias.
Nesse cenário, a filosofia da educação se organiza em dois ramos
centrais, ou dois sentidos de aplicação do termo:

 Metaeducação: o estudo filosófico dos problemas da educação;


 Filosofia aplicada: aplicação das ferramentas da filosofia na educação.

Metaeducação

O termo “meta” é de origem grega e trata de algo mais fundamental, que


está para além do aspecto de que se trata.
Entre os exemplos de sua aplicação, temos a “metafísica” que é aquilo
que está para além da física, ou filosofia primeira, como Aristóteles se referia.
O termo se origina da compilação de trabalhos de Aristóteles. O editor
compilou, primeiramente, os trabalhos que receberam o título de física, e depois
compilou os trabalhos dedicados aos objetos abstratos e problemas de filosofia
primeira, aos quais chamou de “metafísica”, ou seja, aqueles trabalhos que estão
após a física.
Autores como Tomás de Aquino defenderam que esta poderia ser uma
divisão metodológica, após compreendidos os elementos básicos do mundo

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físico, se poderia investigar as questões mais profundas, mas delicadas e
abstratas.

Divisão metodológica: divisão que serve à aplicação de um


método, seja para realização de um trabalho teórico, seja para
a aquisição de conhecimentos empíricos.
Vocabulário

Em termos de estrutura da natureza, no entanto, os conceitos presentes


na metafísica eram mais fundamentais do que aqueles presentes na física.
Tratavam, entre muitas outras coisas, das leis da natureza e da forma como
estas leis são subordinadas à causalidade.
Desta maneira, o termo “metafísica” passou a designar um trabalho que
explica como uma determinada área funciona, ou deveria funcionar, por qual
razão essa área existe, qual a sua função ou escopo, entre outras questões.
Tocar música é a própria disciplina musical, mas explicar o que é música
e por que a tocamos é um trabalho metamusical, um trabalho que não pode ser
realizado, simplesmente executando uma música no instrumento.
No caso da educação, a pergunta fundamental da Metaeducação seria:
“O que é Educação? ”. Uma pergunta que não pode ser respondida em termos
educacionais, sob o risco de circularidade.

Circularidade: divisão que serve para a aplicação de um


método, seja para realização de um trabalho teórico, seja para
a aquisição de conhecimentos empíricos em uma definição ou
argumentação. Trata-se do recurso a um entendimento prévio
do termo que se pretende definir, ou utiliza o termo que se
Vocabulário pretende definir na sua própria definição ou argumentação.
Exemplo: professor é aquele que ensina, ensinar é o papel do
professor.
.

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Filosofia aplicada

Para além das ferramentas de análise que se pode utilizar, da filosofia na


educação, e de um subcampo da filosofia, o aspecto que chamamos aqui de
filosofia aplicada é na verdade uma intersecção teórico prática entre a filosofia e
a prática educativa.
Quando pensamos em qualquer área como aplicada, temos a impressão
inicial de que se trata de aplicar os métodos daquela área para resolver os
problemas de outra.
Essa segunda área, por seu turno, se mantém passiva, recebendo a
solução que vem da primeira área, para o problema que ela mesma não foi capaz
de resolver.
Nada poderia estar mais longe da realidade quando falamos em filosofia
aplicada.
A filosofia, como uma área teórica, só terá resultados práticos se
combinada com o conhecimento empírico que se origina nas áreas práticas às
quais ela se aplica.
Parece-lhe um pouco confuso? Então vamos deixar isso mais claro.
Cada área do conhecimento e trabalho humanos possui seu próprio
ambiente de aplicação e seus próprios métodos. Seria tolo de nossa parte, como
se percebeu ao longo do século XX, pensarmos que a filosofia, sem conhecer
estes métodos e ambiente de aplicação poderia solucionar problemas práticos
das diferentes áreas.
Muitas contribuições relevantes foram feitas no passado, mas as
melhores contribuições acontecem quando o conhecimento empírico, oriundo
das áreas práticas, neste caso, a educação, é absorvido e utilizado pelas áreas
teóricas, neste caso, a filosofia, para gerar teorias que refletem a realidade e
suas necessidades.
Como veremos ao longo desta disciplina, o filósofo de gabinete está
acabado. Só nos resta realizar um trabalho alinhado com a prática para gerar os
novos campos de atuação da filosofia, a filosofia da educação é um destes
campos.

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Para que as ferramentas da filosofia possam ser efetivamente úteis no
trabalho em educação, elas devem ser encaradas como ferramentas a serem
utilizadas e analisadas de acordo com as necessidades práticas da educação.

Confusões comuns

Três áreas relacionadas, porém, diferentes, são geralmente confundidas,


cabendo-nos fazer a distinção entre elas:

 Filosofia da educação: Trata-se do principal tópico que trabalhamos aqui;


 Teoria educacional: São as teorias que aparecem dentro da educação,
sem a presença da filosofia;
 Filosofia educacional: a forma como se organiza, ou os valores a que uma
entidade educacional adere.

Teoria educacional

É uma subárea da educação, não especificamente definida pela aplicação


da filosofia para solucionar suas questões. Nesta subárea se utiliza conceitos e
métodos próprios da educação para resolver questões pontuais pertinentes aos
processos de educação e suas dificuldades.
Naturalmente, a teoria educacional pode considerar aspectos da filosofia,
em particular considera muitos elementos de filosofia da mente, especialmente
no que concerne a forma como processamos alguns elementos da
aprendizagem e conhecimento. Porém não é definida pelo uso destes
elementos.

Você sabia que a Filosofia da mente é uma subárea da


filosofia que trata dos problemas ligados à mente humana,
como ela se forma, qual a natureza dos estados mentais e
fenômenos psicológicos? Essa subárea se conecta com as
diversas ciências para oferecer as melhores interpretações
Curiosidade dos fenômenos mentais.

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Para saber mais sobre o tópico apresentado, consulte a
entrada da Enciclopédia da Filosofia da Mente, disponível em:
<http://www.infoescola.com/filosofia/filosofia-da-mente/>.
Saiba mais

Filosofia educacional

Trata-se da forma ou método de conduzir a educação, baseado em


princípios e valores selecionados de uma sociedade, escola ou indivíduo.
Se, por exemplo, somos contratados para atuar em um colégio católico,
sabemos que esta instituição pode direcionar a sua abordagem para os
princípios católicos, em maior ou menor medida.
Já um colégio que se pretende democrático, terá de levar em
consideração a opinião de seus estudantes ou de seus representantes legais
nos processos de formação do currículo e escolha de opções na tomada de
decisão.
Pode-se, dentro da filosofia da educação, formular uma filosofia
educacional, mas esta necessariamente levará em consideração outros
elementos, e não deve ser confundida com a filosofia da educação como um
todo.

Questões em filosofia da educação

Como uma área ou disciplina independente, a filosofia da educação tem


suas questões próprias, que vão além da mera teoria da educação e
interconectam a prática educativa com as ferramentas da filosofia.
Entre as diversas questões que podem ser levantadas pela Filosofia da
Educação, encontramos as seguintes:

 A relação entre teoria e prática educacional.


 O que constitui a educação.

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 Os valores e normas considerados e manifestos através do processo de
educação.
 A legitimidade da educação como uma disciplina acadêmica.

Essas são as principais questões, talvez, as mais fundamentais, mas não


significa que outras questões não possam ser levantadas, nem tão pouco
significa que não se possa levantar questões mais práticas, envolvendo métodos
de investigação e ensino específicos ou a análise filosófica de tais métodos de
investigação e ensino.
Cada um desses itens é aberto a interpretações e múltiplas visões, com a
finalidade de promover o debate, característica fundamental das disciplinas
acadêmicas e áreas do conhecimento humano.

Objetos de estudo da filosofia da educação

Como uma disciplina independente, é de importância crucial que a


filosofia da educação defina seu objeto de estudo.
Um objeto de estudo é o conteúdo acerca do qual serão formuladas as
teorias ou ao qual se aplicará as ferramentas, provenientes da área teórica que
procede o estudo.
Poderíamos dizer, sem incorrermos em erro, que o objeto de estudo da
filosofia da educação é a educação. Isto, no entanto, seria simplista demais e
não esclarece satisfatoriamente a nossa curiosidade quanto a esse tema. Assim,
para sermos mais específicos, dizemos que a filosofia da educação possui três
objetos de estudo específicos:

 A própria educação.
 O conhecimento.
 Os métodos e práticas educacionais.

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Esses três elementos compreendem todos os aspectos da educação que
podem ser investigados pela filosofia da educação, desde a sua natureza geral
até a prática cotidiana específica.
No processo de investigação empírica e formulação de teorias pode-se
utilizar, inclusive, mas não restritivamente, métodos quantitativos de coleta de
dados para verificarão da eficácia de aplicação de uma teoria ou da necessidade
de uso de determinado método.

Investigação empírica: por vezes referida como “pesquisa


empírica”, trata da verificação de evidências factuais na
realidade. Ela tem por base a observação e a experimentação
da realidade.

Vocabulário

Ambiente acadêmico

Como disciplina acadêmica, a filosofia da educação geralmente aparece


em departamentos de educação e não de filosofia.
Naturalmente que há pesquisa em educação nos departamentos de
filosofia, como sempre houve. No entanto, essa pesquisa não é dedicada
exclusivamente à aplicação educacional ou à explicação da educação, com
vistas à sua utilização na própria educação, como é o caso da filosofia da
educação.
Em filosofia da educação, o trabalho é todo direcionado para a aplicação
prática, e, portanto, como já levantada anteriormente, é uma área do
conhecimento humano dedicada a intersecção entre a teoria e a prática.
Pesquisas em filosofia da educação podem ainda aparecer em
departamentos de filosofia, no entanto, uma disciplina com este nome e escopo
não é comum nos currículos de bacharelados e pós-graduações strictu sensu
(mestrado e doutorado) em filosofia.
O motivo é simples e possui dois aspectos: o primeiro é que as
contribuições da filosofia para a educação podem vir de diversas áreas, como

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acontece com outros ramos do conhecimento humano. Desta forma, diferentes
áreas da filosofia podem formular teorias e ferramentas úteis para a educação,
propositalmente ou não.
O segundo, consiste em que a educação como um departamento nas
universidades, deve ser livre para adotar ou recursar teorias de quaisquer áreas
e mesmo mesclar estas teorias, respeitados os aspectos teóricos, de
concordância e consistência entre os diferentes métodos.
Ferramentas para uso na educação vem de diversas fontes, da psicologia
do aprendizado, da teoria educacional, da filosofia, ciência cognitiva e diversas
outras fontes. Subordinar a filosofia da educação a um departamento específico
seria leva-la necessariamente ao fracasso por adesão a um modelo sistemático
único, o que vai na contramão dos desenvolvimentos da própria filosofia.

Histórico da filosofia da educação

A história da filosofia da educação é a história da própria filosofia, uma


vez que esta área, embora tome corpo a partir do período moderno, se formou
ao longo da história da filosofia.
A história da filosofia, por seu turno, é inseparável da história da
humanidade, particularmente da civilização ocidental, de modo que precisamos
analisar ambas em conjunto, seguindo os períodos históricos da disciplina e
civilização.

Civilização ocidental

Com os conflitos entre as civilizações que se encontravam na intersecção


entre Europa e Ásia, conflitos culturais, econômicos e bélicos, o mundo se dividiu
entre ocidente e oriente.
Especificamente ocorreu uma divisão entre Grécia e Pérsia, mas como
estas eram as duas grandes nações do mundo, intelectual e politicamente,
naquele período, a sua divisão significou uma reorganização geográfica e
política da qual a nossa cultura e tradição é descendente.

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Assim, surge o conceito de civilização ocidental, baseada nos princípios
do mundo grego, na democracia, no conceito de república, no estudo da filosofia
e no desenvolvimento das ciências e tecnologia, como as conhecemos.

Histórico da filosofia da educação

Como dissemos anteriormente, a história da filosofia da educação é


inseparável da história da filosofia.
Essa começa, portanto, na Grécia antiga especialmente com Platão, na
obra A República, e se desenvolve ao longo da história da filosofia até os tempos
atuais.
Isto não significa que autores anteriores, como os pré-socráticos, que
veremos mais adiante na disciplina, não estivessem preocupados com a
educação, naturalmente que estavam. Isto significa que a obra de Platão é o
primeiro marco teórico da história da filosofia da educação.

Linhas de pensamento da filosofia da educação

Nesta sessão elencaremos algumas linhas de pensamento que


permearam a filosofia, no que concerne à educação. Essas linhas ficarão mais
evidentes nas próximas aulas da disciplina, conforme nos aventurarmos pelos
diversos períodos da filosofia e da civilização ocidental.
Neste primeiro momento, é suficiente conhecermos as linhas e alguns
aspectos de suas abordagens, para que possamos compreender melhor o seu
funcionamento conforme elas aparecerem nas próximas aulas.
As principais linhas incluem:

 Idealismo;
 Realismo;
 Escolástica;
 Pragmatismo;
 Filosofia analítica.

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Essas linhas não estão em ordem cronológica, mas de aproximação
teórica. Veremos, por exemplo, Platão e Kant na mesma linha, mesmo
separados por mais de dois mil anos, enquanto Aristóteles, discípulo de Platão
estará na mesma linha de pensadores do século XX, como Broudy e Adler.

Idealismo

O idealismo é uma posição que trata da superioridade das ideias, em


termos de investigação filosófica e explicação do mundo exterior. Isto não
significa questionar a existência do mundo exterior, como eventualmente é mal
compreendida esta posição, mas garantir a superioridade das ideias em relação
à experiência empírica, considerando o sujeito como fundamental.
Entre os principais nomes desta linha se destacam:

 Platão (424a.C.-348a.C.);
 Immanuel Kant (1724-1804);
 Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831).

Descartes é considerado o primeiro idealista da modernidade, embora sua


classificação adequada seja racionalista, porém não é relevante em termos de
filosofia da educação, por não ter formulado posicionamentos específicos nesta
área.
Não obstante, Descartes é um dos principais responsáveis pelo
desenvolvimento da ciência na modernidade e do conceito de disciplina como
utilizamos até hoje.

Realismo

O realismo se caracteriza por uma maior relevância dos métodos


empíricos e pela independência da realidade em relação a nossas estruturas
conceituais, pontos de vista ou crenças.

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Nesta linha, a realidade possui sua natureza e existência garantidas
independente de estarmos conscientes disto. É uma linha mais próxima da forma
como trabalhamos atualmente, o que pode ser visto pela presença de
pensadores contemporâneos nesta linha, o que não acontece no idealismo.
Destacam-se como pensadores do realismo, relevantes para a educação:

 Aristoteles (384a.C.-322a.C.);
 Avicenna (980 -1037);
 Ibn Tufail (1105-1185);
 John Locke (1632-1704);
 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778);
 Mortimer Jerome Adler (1901-2001);
 Harry S. Broudy (1905-1998).

Escolástica

A escolástica é uma linha da idade média, relevante pela formação de um


currículo estruturado e formatação acadêmica que originou o conceito de escola
atual, com estudantes, professores, organizados em classes e com um currículo
de áreas de estudo específico.
Os principais nomes desta linha foram: Tomás de Aquino (1225-1274) e
John Milton (1608-1674).
Destaca-se ainda a Patrística, que participa da fundação da escolástica e
será estudada mais adiante na disciplina.

Pragmatismo

Linha contemporânea da filosofia, de influência majoritariamente


americana e inglesa, o pragmatismo trata do êxito prático das ideias que
compõem uma teoria. Aproxima-se conceitualmente ao empirismo e ao
utilitarismo, procurando ser uma linha geral de aplicação de métodos comuns a
estas duas linhas.

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Entre os destaques desta linha surgida no século XIX, encontramos:

 John Dewey (1859-1952);


 William James (1871-1965);
 Nel Noddings (1929-);
 Richard Rorty (1931-2007).

Filosofia analítica

Figura 1.2: Bertrand Russell, ícone fundador da filosofia analítica

Fonte: http://www.philosophybasics.com/photos/russell.jpg.

A filosofia analítica é o ramo mais recente da filosofia, um ramo de


aspiração prática e antissistemática, que procura trabalhar de modo mais
próximo ao senso comum e a possibilidade de colaboração entre as diferentes
áreas. Também emprega com mais ênfase os métodos da lógica, matemática e
ciências naturais.

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Entre os principais representantes desta linha temos:

 G.E. Moore (1873-1858);


 Bertrand Russell (1872-1970);
 Gottlob Frege (1848-1925);
 Richard Stanley Peters (1919-2011).

Inseparável da história da filosofia e da humanidade, a filosofia da


educação é hoje uma disciplina em si mesma, existindo nos departamentos de
educação e tendo como escopo da educação, conhecimento e os meios de
educar.
Não obstante, é ainda uma aplicação dos métodos da filosofia,
combinando-os com a prática educacional, para obter melhores resultados ou
explicar o funcionamento e natureza da educação e seus métodos.
As diferentes linhas da filosofia têm papel relevante em oferecer
ferramentas e conteúdos teóricos para as atividades da filosofia da educação,
que não deve se subordinar a uma área específica, mas deve coletar o que há
de melhor nas áreas que podem contribuir com seu trabalho.

Atividade de Aprendizagem

Como uma área de intersecção teórico prática, deveria a filosofia da


educação se direcionar de modo mais focado nas linhas da filosofia que
apresentam elementos de empirismo? Por quê?

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Aula 2 – Epistemologia e as origens do conhecimento

Olá estudante! Seja bem-vindo à segunda aula. Nesta aula exploraremos


a Epistemologia, também chamada Teoria do Conhecimento. Entenderemos o
que é e para que serve a epistemologia, qual a importância do conhecimento
para nossa espécie e para a formação das grandes áreas da filosofia e da
educação.
Exploraremos, ainda, a transmissão do conhecimento ao longo do
desenvolvimento da humanidade e como esta transmissão se transforma no que
hoje chamamos de educação.

Desde logo, na investigação filosófica, surge a pergunta: O que é


conhecimento? Esta é talvez a primeira pergunta acerca da capacidade humana
de estruturar e transmitir informações de modo ordenado. Não é por acaso que
um dos ramos mais importantes da filosofia é a Epistemologia.

Epistemologia

A epistemologia é um dos mais importantes ramos da filosofia e também


um dos que mais tem ligação com a educação.
Trata-se de um ramo dedicado exclusivamente ao conhecimento. Seu
escopo é o estudo da natureza do conhecimento, da racionalidade e justificação
das crenças e dos sistemas de crenças.
A epistemologia é o ramo da filosofia que se ocupa de formular as teorias
sobre como o conhecimento funciona, o que ele é, e para que serve.
De fato, na origem do termo, epistemologia é uma palavra composta por
dois termos gregos:

 Episteme: conhecimento, em um sentido rigoroso, próximo do que


chamaríamos de conhecimento científico;
 Logos: estudo do discurso.

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Como “logos” é um termo amplo e de grande variedade de interpretação,
normalmente é traduzido por “teoria” ou “ciência”, podemos ver este uso em
outras áreas, como a biologia, em que a combinação das palavras “bios”, que
significa “vida”, e “logos”, neste caso, usado como “ciência”, formam a “ciência
da vida” ou o “estudo da vida”.
Como a epistemologia precisa trabalhar com elementos pré-científicos,
para questionar e sofisticar inclusive a ideia de conhecimento científico, opta-se
pelo uso do termo “teoria”. Assim, a epistemologia é a Teoria do conhecimento.

A epistemologia não possui apenas uma teoria, mas trata de


todas as teorias que, em sua formulação ou consequências,
tratam de explicar ou explorar o conhecimento.
Importante

Questões em epistemologia

A epistemologia procura tratar da natureza, origem, limites, possibilidade,


reconhecimento e relações sujeito-objeto do conhecimento. Para tanto, possui
quatro áreas fundamentais, que organizam essas questões:

 Análise filosófica da natureza do conhecimento e como o conhecimento


se relaciona com os elementos de sua definição clássica, a verdade, a
crença e a justificação;
 Os problemas relativos ao Ceticismo, especialmente os questionamentos
sobre a possibilidade de conhecimento e a possibilidade de se afirmar
possuir conhecimento;
 Os critérios de conhecimento e justificação;
 O alcance, ou limites, do conhecimento e as origens da crença justificada.

Essas quatro áreas fundamentais formam o conjunto de investigações da


epistemologia. Nesta aula investigaremos as mais prioritárias, em particular, a

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primeira, a análise filosófica da natureza do conhecimento, e como o
conhecimento se relaciona com sua própria definição clássica.

Conhecimento

A definição clássica de conhecimento é “crença verdadeira justificada”.


Uma definição simples em três elementos, que pretende tratar de um dos
aspectos mais complexos da história da humanidade.

Definição: uma proposição ou sentença que inclui tudo sobre


o que se pretende definir e nada mais.
Vocabulário

Figura 2.1: Definição clássica de epistemologia expressa por conjuntos

Fonte: Wikimedia Commons.

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Para se compreender o que é o conhecimento em sua definição clássica,
precisaremos entender esses elementos, mesmo para depois questioná-los e
analisar os possíveis problemas dessa definição.

Crença

O primeiro elemento do conhecimento é a crença. É preciso que


acreditemos no conteúdo de que dispomos para que este seja considerado
conhecimento.
A crença é, portanto, a expressão de fé ou confiança. Inclui a verdade,
para as questões nas quais há verdade, e as opiniões que aceitamos como
verdadeiras nas questões em que o conceito de verdade não cabe.
Alguns aspectos da nossa vida cotidiana são puramente optativos, como
as escolhas alimentares que fazemos por mero gosto. Existem verdades em
alguns aspectos, mas a nossa preferência, em geral, não é pautada por esses
aspectos, mas por aspectos meramente de gosto e opinião.
Outros aspectos exigem a ideia e o conceito de verdade, como quando
procedemos a uma investigação científica ou quando transmitimos um conteúdo
a nossos estudantes.

Verdade

A crença de que algo é verdade não é suficiente para a verdade. Mas se


algo é "conhecido" aceita-se que é verdadeiro.
Isso significa dizer que podemos estar enganados acerca da verdade de
algo, e neste caso não temos conhecimento efetivo sobre este algo. A rigor, não
há conhecimento falso.
O que é conhecido é tido como verdadeiro. Se descobrimos que nossa
descoberta é falsa, não é por que tínhamos um conhecimento falso, mas sim por
que não tínhamos conhecimento em absoluto.
O senso comum nos dá uma pista sobre isso, quando dizemos que se
alguém afirma algo falso, então essa pessoa não sabe do que fala. Indica-se
assim que o conhecimento é sempre verdadeiro.

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“Saber” é a expressão do conhecimento, ou do domínio do conhecimento,
é possuir um conhecimento. Se eu digo que sei algo, digo que tenho
conhecimento de, pelo menos, um item verdadeiro acerca daquilo sobre o qual
eu afirmo saber algo.
Caso esse item seja falso, admitimos que eu não sei, mas meramente
pensava saber, ou tinha uma opinião que se provou falsa.

Justificação

A justificação, o terceiro elemento do conhecimento, é a explicação ou a


definição aceitável de alguma maneira para a minha crença verdadeira.
Não basta acreditar que algo é verdadeiro (crença verdadeira), é preciso
oferecer razões para tal. Em geral, iremos questionar o porquê de algo ser
verdadeiro ou o porquê de acreditarmos em algo.
Isso acontece em todos os aspectos da interação humana, é parte da
nossa curiosidade natural e um aspecto emprestado para a teoria do
conhecimento. Para que algo seja visto como conhecimento, é preciso que
sejamos capazes de justificá-lo.
A ciência, em muitos aspectos, trabalha dessa forma. Assim, não basta
formular teorias, antes de testá-las, na realidade é preciso passá-las pelo crivo
da justificação. Se elas fizerem sentido, então podem seguir adiante para os
testes empíricos.
Caso não façam sentido na justificação, evitamos desperdiçar nosso
tempo e recursos com uma teoria que, muito provavelmente, não ofereceria
resultados satisfatórios.

Gettier Problem

Vamos exercitar a nossa compreensão da epistemologia, por meio de um


pequeno desafio para a definição clássica de conhecimento e assim ilustrar
como funciona a investigação em epistemologia.

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Na verdade, o problema proposto por Edmundo Gettier é tudo menos um
“pequeno desafio”. Gettier apontou um grande problema para a noção clássica
de conhecimento e obrigou toda a comunidade acadêmica a se mobilizar na
busca de uma reformulação da definição de conhecimento, ou de uma resposta
adequada para Gettier.
Mas, afinal, o que Gettier fez?
O autor aponta uma questão aparentemente simples, de que às vezes
temos uma crença, verdadeira e justificada, sem termos conhecimento de fato.
Essa questão surpreendentemente simples é demonstrada pelo Gettier
case, que veremos a seguir.

Gettier case

Dois homens, Smith e Jones, aguardam o resultado de uma entrevista de


emprego. O tempo é curto e ambos foram agendados para o mesmo horário, de
modo que aguardam lado a lado pela resposta de suas entrevistas.
Ambos os homens têm dez moedas em seus bolsos. Smith sabe que
Jones tem as 10 moedas, pois o viu contar suas moedas há algum tempo. O que
Jones não sabe é que ele mesmo tem dez moedas.
Uma coincidência estranha, mas perfeitamente possível.
Como dito anteriormente, ambos concorrem à mesma vaga de emprego
e aguardam ansiosamente pela chamada.
Smith, por sua observação dos olhares, cumprimentos e a forma de agir
do entrevistador, acredita que Jones será contratado.
Então, Smith acredita que, aquele homem que possui dez moedas no
bolsa será contratado. Podemos reformular a crença de Smith desta maneira, e
o próprio Smith poderia pensar isto, o homem que tem em seu bolso dez moedas
será contratado hoje.
Porém, o homem que será contratado é Smith, que também tem dez
moedas em seu bolso.
Vejamos:

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“O homem que tem dez moedas será contratado” é verdadeiro, pois de
fato o homem contratado tem dez moedas no bolso, é justificado, podemos
explicar a presença das dez moedas, e Smith acredita nesta proposição.
Então Smith acredita em uma verdade justificada, que o homem que tem
dez moedas será contratado, mas, ainda assim, não tem conhecimento sobre
quem é o homem que será contratado, no caso ele mesmo.
Esse problema mostra que a definição clássica de conhecimento não era
uma definição de conhecimento, na medida em que falta algo a ser dito sobre o
que é conhecimento, pois nesta situação, mesmo atendendo a todos os critérios
da definição, ainda não temos conhecimento.

Respostas a Gettier

Uma das questões levantadas pelos autores que reagiram a Gettier foi:
prever o resultado pelas razões erradas faz conhecimento?
Poucos tentaram oferecer uma resposta nos termos da definição clássica,
a maioria tem se esforçado para apresentar novas formulações da ideia de
conhecimento.

Por que o conhecimento é relevante para a educação

O conhecimento é o cerne da educação. O processo de educação envolve


diversos aspectos, mas o conhecimento é a base do processo.
Independentemente dos problemas que possamos encontrar na definição
de conhecimento, questões que ainda são e serão por muito tempo investigadas
pela epistemologia, o conhecimento é fundamental para a educação.
Sem o conhecimento, não temos conteúdo para transmitir aos nossos
estudantes e produzir em conjunto com eles. Destarte, no que pese a
preocupação com as questões da epistemologia, continuamos utilizando a
definição clássica, e outras definições, em busca de novos conhecimentos.

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Respostas às necessidades

Compreender a estrutura básica do conhecimento e a forma de


transmissão de conhecimento, é compreender a forma como os seres humanos
atendem suas necessidades.
O conhecimento está conosco desde a pré-história e trata de uma das
maneiras mais fundamentais de nos relacionarmos com o mundo.

Novos conhecimentos

A nossa compreensão do mundo evolui através da aquisição do


conhecimento, e baseados nesses conhecimentos formulamos modelos
educacionais.
Cada vez que a nossa espécie adquire novos conhecimentos, os modelos
educacionais se expandem ou se reestruturam para absorver e transmitir esses
novos conhecimentos, mantendo a humanidade a par, ou o mais possível a par
dos novos desenvolvimentos conquistados.

Aspectos do conhecimento

Em termos educacionais, reconhecemos três aspectos do conhecimento


ao longo da história da humanidade:

 Cumulativo;
 Ordenado;
 Surge da necessidade.

A informação está disponível na natureza e a capturamos por nossos


sentidos, mas para convertê-la em conhecimento precisamos atender a esses
três elementos.
Tais aspectos são próprios da filosofia da educação e não entram em
conflito com as discussões promovidas em epistemologia. Tratam de aspectos

25
diferentes do conhecimento, neste caso, focando como o conhecimento se
estrutura na nossa sociedade para atender às necessidades humanas.

Ordenado e cumulativo

O conhecimento difere de simples informação ao atender aos três


aspectos abordados, principalmente pela ordenação. Nesta visão, conhecimento
pode ser descrito como informação acumulada e ordenada.
Ao acumular e ordenar o conhecimento, damos margem para: nossa
capacidade construtiva, a reflexão, formular novos conhecimentos; e estrutura a
partir desses conhecimentos que podem ser transmitidas a outros seres
humanos, em um processo que chamamos de educação.

Surge da necessidade

Desde o primeiro homem a utilizar uma ferramenta, a necessidade esteve


por trás das descobertas e invenções mais relevantes para a sobrevivência e
prosperidade.
Isso não poderia ser diferente, já que utilizamos ferramentas por
necessidade, para atender às nossas demandas e às dificuldades que
enfrentamos em relação ao ambiente em que vivemos.
As invenções e descobertas são o resultado da soma entre a capacidade
construtiva humana e a necessidade.
Aqui, entende-se a capacidade construtiva não como a capacidade de
desenvolver elementos materiais, mas sim a capacidade anterior a ela, que
subjaz a nossa própria sobrevivência, à capacidade de construir estruturas
conceituais que, por sua vez, irão possibilitar todas as construções humanas.

26
Demandas do conhecimento

Ainda nos primeiros estágios da linguagem, e sem muitas possibilidades


de comunicação, nossos antepassados se utilizavam de sangue de animais
caçados e plantas esmagadas para realizar pinturas em rochas, as famosas
pinturas rupestres.
Eles buscaram registrar os eventos que podiam, em muitos casos
possibilitando aos outros a compreensão de ciclos de caça, coletas, os perigos
a que estavam sujeitos.
Isso certamente teve impacto na capacidade de sobrevivência desses
grupos. E nada mais é do que um processo de acúmulo e transmissão de
conhecimento baseado nas necessidades da época.
Atualmente, nossas necessidades são diferentes e se dividem entre as
necessidades individuais e as coletivas. As necessidades coletivas são
chamadas de “demandas sociais”, às quais buscamos responder por meio de
planos e estruturas.
Não obstante o funcionamento da nossa relação com o conhecimento
ainda ser o mesmo, procuramos atender às nossas necessidades, seja como
indivíduos, seja como sociedade, por meio da aquisição de novos
conhecimentos e da sofisticação da nossa compreensão acerca do próprio
conhecimento.

Desenvolvimento

A relação da humanidade com o conhecimento começou na pré-história e


levou muito tempo para se desenvolver como um modelo educacional.
Esse processo de desenvolvimento, no entanto, é de grande relevância
para nosso trabalho nesta disciplina, não apenas porque o conhecimento é
fundamental para a educação, mas também porque é o conteúdo de uma das
principais áreas da filosofia, a Epistemologia.
A principal razão para a relevância desse processo é o desenvolvimento
do conhecimento das ferramentas que possibilitam o surgimento da filosofia.

27
Em um primeiro momento, falamos de pinturas rupestres em paredes e
uma transmissão quase acidental de conhecimento. Mas, em algum momento,
a linguagem começa a se sofisticar e a fala se desenvolve.
A partir disso, a educação oral já é possível. Este desenvolvimento da
linguagem combinou-se com a criação da agricultura e permitiu a fundação das
primeiras comunidades fixas, bem como o efetivo início do que viria a ser a nossa
civilização ocidental.
A partir desse primeiro passo, em direção à civilização ocidental, o
acúmulo do conhecimento tornou-se um pouco mais fácil, pela existência de uma
linguagem sofisticada, permitindo uma tradição oral eficiente, graças a uma
proximidade maior dos humanos que faziam uso de tal linguagem.
A partir da criação da escrita, que inicia o período que efetivamente
chamamos de “história”, foi possível manter registros do que ali acontecia, que
serviriam a outros que viriam no futuro.
Não é por acaso que esse período é o marco de fundação da história, que
estabelece a transição da era pré-histórica para a era histórica, uma vez que a
partir da escrita é possível realizar registros, contar a história da humanidade e
educar mais facilmente as novas gerações.
A escrita e a fala, por demandarem um treinamento específico, estimulam
a capacidade intelectual dos seres humanos. Assim, a partir desses
desenvolvimentos, faz-se possível o surgimento da mitologia, o contexto no qual
irá surgir a filosofia.

Conhecimento científico

O último item a ser tratado, no que concerne ao conhecimento, é o


conhecimento científico.
É uma forma de conhecimento baseado no método científico, que se vai
desenvolver um século depois. Ele é parte do escopo da epistemologia e o tipo
de conhecimento que hoje identificamos como relevante para ser transmitido
pela educação.

28
O conhecimento científico, baseado em evidências verificáveis,
observáveis, com experimentos replicáveis e raciocínio dedutivo, coloca-se à
prova da falseabilidade.

Compreender o conhecimento é importante para se perceber o que faz a


filosofia da educação e como a utilizamos. A epistemologia pode servir de
ferramenta à educação para compreender como o conhecimento funciona e se
desenvolve.
Também a história do conhecimento, e sua relação com a humanidade,
mostra como se deu o contexto para as origens da filosofia, que estudaremos na
próxima aula.

Atividade de Aprendizagem

Como o progresso da concepção de conhecimento e sua formação


influenciam na educação e como as ferramentas da epistemologia podem ser
aplicadas em sala de aula?

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Aula 3 - Origens da filosofia: pré-socráticos

Olá estudante! Nesta aula começaremos a explorar as origens da filosofia. Entre


os principais tópicos trataremos dos filósofos pré-socráticos, o que caracteriza o
seu período, quais suas teorias e como se organizavam. Falaremos ainda da
fase mitológica e como a filosofia emergiu desta fase. Vamos ao estudo!

Com os desenvolvimentos da humanidade, em termos de conhecimento


e transmissão de conhecimento, não tardou em termos cidades organizadas e
começarmos a procurar uma forma de explicar o mundo. A primeira forma dessa
tentativa foi a mitologia.

Pré-socráticos contra a mitologia

Os pré-socráticos são uma linhagem de filósofos que começa em torno de


VI a.C. como uma reação à explicação mitológica do mundo, uma explicação em
voga na época, de fato, o padrão da sociedade, que lançava mão de deuses e
heróis para explicar os fenômenos naturais.
O nome pré-socráticos implica que são aqueles filósofos anteriores ao
famoso Sócrates, mestre de Platão.
Essa afirmação não é totalmente precisa, pois a classificação dos filósofos
pré-socráticos ou da filosofia pré-socrática não trata de uma data específica,
trata-se antes de uma corrente filosófica que aborda questões em um estilo que
é anterior ao apresentado por Sócrates.
De fato, há filósofos considerados pré-socráticos que viveram e
produziram ao mesmo tempo que Sócrates, seus contemporâneos, portanto. Há
pouco registro sobre filósofos pré-socráticos após esse período, mas, em tese,
seria possível.

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Sócrates

Sócrates aparece nos relatos de Platão, como principal personagem de


seus diálogos, e também nos trabalhos de Aristóteles, como o mestre de Platão.
Seu principal papel foi alterar o curso da filosofia para uma linha mais
voltada para a ética e a política.

Anti-mitologia

Os filósofos pré-socráticos encabeçaram uma empreitada contra a


mitologia, para estabelecer uma cultura mais racional acerca dos fenômenos da
natureza.
Mas o que foi a mitologia?
A mitologia tratou de explicar o mundo de maneira que por trás de todos
os eventos haviam causas fantásticas envolvendo, por exemplo, deuses e
heróis.
A mitologia foi a explicação do mundo que precedeu a ciência e a filosofia.
Não podemos ignorá-la como parte do processo pelo qual a humanidade passou
para chegar até o ponto em que estamos atualmente, como uma das muitas
explicações do mundo ao longo dos tempos.
Mesmo sendo uma explicação baseada em ideias que hoje chamaríamos
de sobrenaturais, a mitologia baseia-se em uma estrutura complexa que reflete
a capacidade construtiva e a racionalidade humanas.
Na mitologia grega, vemos que haviam deuses, semideuses e outras
entidades para todos os fenômenos conhecidos da natureza. Essas entidades
eram organizadas por meio de relações entre eles, vivendo em locais específicos
e tendo, ainda, uma cidadela só para eles, no monte Olimpo.
Dessa maneira, embora possamos hoje chamar de uma classificação
sobrenatural, por tratar de deuses e outras entidades, para os gregos o
fantástico, o mitológico, eram parte do mundo, parte da forma como a natureza
se organizava.

31
A relação entre os homens e seus deuses na mitologia era complexa,
baseava-se na ideia de que sacríficos e orações realizados pelos humanos
nutriam os deuses e, em troca, esses deuses mantinham os fenômenos da
natureza em equilíbrio, trabalhando em favor da humanidade, e não de modo a
prejudicá-la, em suas colheitas, pescas e outras atividades.
Porém, a humanidade é curiosa, investigativa e difícil de manter sob
controle. Explicações não satisfaziam a todos e não tardou que algumas falhas
fossem notadas.
Os deuses nem sempre respondiam ou favoreciam os humanos, em
resposta a suas orações e sacrifícios. Os humanos, por seu turno, começam
então a compor novas maneiras de explicar os mesmos fenômenos da natureza,
maneiras que dispensavam o recurso às divindades.

Objetivo

O principal objetivo dos pré-socráticos foi entender o universo e os


fenômenos da natureza, a partir dos elementos que a própria natureza nos dava
a conhecer, eliminando assim a necessidade de recorrer a explicações baseadas
nas divindades e seus heróis.
Com essa abordagem, podemos dizer que os pré-socráticos foram
responsáveis pelo surgimento não apenas da filosofia como a conhecemos hoje,
mas também das ciências naturais, pois procuraram investigar detalhadamente
as origens dos fenômenos da natureza.

Tales de Mileto, o primeiro filósofo

Segundo nos reporta Aristóteles, Tales de Mileto foi o primeiro individuo a


merecer o título de filósofo devido a sua investigação.
A investigação de Tales de Mileto tinha por objetivo promover o
afastamento da visão mitológica do mundo, sobre a qual falávamos na sessão
anterior.

32
Em lugar dessa explicação mitológica, Tales pretendia instituir a busca
das causas primeiras, ou, no caso de sua teoria, da causa primeira única, que
poderia explicar todas as coisas e fenômenos da natureza.
Essa explicação seria diferente da mitologia, pois teria como base
exclusiva a razão e observação da própria natureza, sem recurso a divindades,
heróis ou outros seres fantásticos, mas pautando-se pela racionalidade humana,
eliminando qualquer elemento que não pudesse ser por ela processado.
Com isso, Tales fez mais do que instituir um novo modelo de investigação,
trouxe a sabedoria para o alcance do homem comum. Se a explicação da
natureza poderia ser atingida, ela poderia ser também aprendida e ensinada, de
modo que agora era possível se criar escolas de filosofia.
Essa inovação metodológica, científica e, por que não, educacional, levou
Tales à questão de saber qual a natureza das coisas, que as faz se comportarem
da maneira como se comportam, e não de outras maneiras. Especialmente,
notou certa previsibilidade no comportamento dos objetos no mundo.
O termo grego arché, utilizado por Tales para se referir a essa natureza
das coisas, é por vezes traduzido por "princípio". Essa tradução é imprecisa, um
princípio é algo anterior, algo primitivo em relação à coisa que analisamos, seja
em termos lógicos ou cronológicos.
A arché de Tales não é apenas primitiva em relação às coisas do mundo,
mas absoluta e constituinte das coisas. Tales e os filósofos pré-socráticos de sua
escola procuravam definir a substância da qual todo objeto material seria
composto.
De uma maneira quase romântica, poderíamos dizer que a arché é a
substância que constitui os tijolos da realidade.
Por esse proceder, que instaura Tales na qualidade de primeiro filósofo,
ele também é considerado o primeiro cientista ocidental. O trabalho de buscar a
substância constitutiva dos objetos do mundo pode ser descrito como análogo
ao que os físicos nucleares fazem na atualidade.

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Teorias pré-socráticas

A primeira teoria pré-socrática é estabelecida justamente por Tales de


Mileto, que defende que tudo se origina da água, em uma tentativa de explicar a
natureza a partir de uma causa primeira.
A partir da água se comporiam os outros elementos e, por conseguinte,
todos os componentes do mundo conhecido.
Embora famoso por essa afirmação e teoria, Tales também foi o
formulador de teoremas em geometria, sendo que um dos teoremas formulados
que leva seu nome, o Teorema de Tales, é um importante marco na história da
geometria.
Quanto à explicação da natureza dos objetos do mundo, diferentes
elementos cumpriram este papel de acordo com filósofos que vieram depois de
Tales. A maioria trabalhou com a ideia de algum elemento, como a terra ou o ar.
Anaximandro, diferindo dos demais, desenvolveu o conceito de ápeiron,
o ilimitado e indefinido, como a origem de todos os objetos no mundo,
inaugurando uma forma abstrata de pensar em filosofia.

Ápeiron: termo grego que, na filosofia de Aximandro, aquilo


que é indeterminado ou infinito.
Vocabulário

Mudança na escola

Com o tempo, o foco da escola mudou do cosmos como um todo para o


homem, mas ainda com uma abordagem de observação e estudo da natureza e
suas leis.
O homem é parte da natureza, então, não se pode dizer que os pré-
socráticos tenham abandonado seu foco principal, como investigadores da
natureza, mas apenas alguns deles expandiram o trabalho para tratar do homem,
para além dos fenômenos naturais de modo geral.

34
Graças ao trabalho de Platão, Aristóteles e de alguns historiadores
gregos, fragmentos e comentários foram mantidos, de modo que essa
abordagem não se perdeu. Não obstante, hoje, muito do trabalho dos pré-
socráticos não é conhecido, ou é conhecido apenas em parte, devido à perda de
registros.

Escolas pré-socráticas

Com o tempo, a corrente pré-socrática se expandiu e passou a se dividir


em diferentes escolas, dependendo da abordagem que se pretendia para o novo
método de trabalho.
Essas escolas são a expressão da variedade do conhecimento humano
que já começava a se manifestar. Representam interesses específicos dentro da
tradição pré-socrática e do estilo de fazer filosofia iniciado por eles.
As principais escolas, das quais temos conhecimento atualmente, foram:

 Escola Jônica;
 Escola da Pluralidade;
 Escola Itálica;
 Escola Eclética;
 Escola Eleática.

Essas escolas compunham um cenário de profícuo debate e investigação,


embora não se constituíssem exatamente como escolas, no sentido
contemporâneo do termo, mas como uma linha de investigação filosófica.
A forma de ensino adotada era, em geral, a de mentor e aprendiz, sendo
que várias dessas escolas são caracterizadas mais por essa relação, do que
pela consistência das ideias entre seus membros.
De fato, em diversos casos, os discípulos discordam diametralmente de
seus mestres. O que, considerando o início da filosofia, pode ser entendido como

35
a expressão do aperfeiçoamento inerente àquele período de descobertas e
formulações inéditas.

Escola Jônica

A escola Jônica é a principal escola a ser questionada quanto à sua


unidade. Embora existam fortes relações de mentor e aprendiz, bem como fortes
relações quanto aos temas trabalhados, em muitos aspectos, os membros dessa
escola divergem enormemente.
Entre os principais pensadores da escola Jônica encontramos: Tales de
Mileto; Anaximandro; Anaximenes e Heráclito.
Tales de Mileto é o primeiro filósofo, sobre o qual já falamos
anteriormente.
Anaximandro, segundo Aristóteles, é discípulo de Tales e formulador do
sistema de esferas da realidade, que se organizariam de modo geométrico,
explicando a natureza com base nos cinco elementos como forças primordiais,
cuja colisão produziria a harmonia. Também propôs o conceito de apeiron, como
uma substância abstrata que seria a base dos objetos físicos do mundo.
Anaximenes, mais próximo de Tales do que de Anaximandro, embora
fosse discípulo deste último, propôs o aer, o “vapor”, como fundamental.
Formulou ainda uma explicação complexa da natureza dos fenômenos, como o
arco-íris e os terremotos, com base no choque e alteração dos elementos, por
exemplo, a falta de água em uma porção de terra levaria ao decaimento e,
consequentemente, aos terremotos.

Você sabia que Max Born, um dos maiores físicos da história,


comentando sobre a ideia de que a interpretação adequada
das partículas elementares da mecânica quântica é a que
estabelece que elas são diferentes manifestações de uma
substância primordial comum a todas as coisas? Ele propôs
Curiosidade que déssemos a essa substância o nome de apeiron. Isso
demonstra, além da boa formação de Born, o alcance e a
amplitude do trabalho de Anaximandro e dos filósofos pré-
socráticos em geral.

36
Aristóteles foi o primeiro a, formalmente, classificá-los como uma escola
única, utilizando o termo physiologoi, expressão grega que pode ser traduzida
como "aqueles que discursavam sobre a natureza", pois seu trabalho era
fundamentalmente explicar o que hoje chamamos de matéria e sua natureza.
Sendo physio o nosso mundo físico, natural, e logoi uma declinação de
“logos”, a palavra ou estudo, esses pensadores seguiam a linha proposta por
Tales: a investigação da natureza de todos os objetos que compõem o mundo
físico, com base no próprio mundo físico e seus indícios.

Escola da Pluralidade

Diferente da escola Jônica, que tem esta denominação devido à sua


localização geográfica, a escola da pluralidade recebe este nome devido à sua
atuação.
Os filósofos desta linha focam seus trabalhos nos pontos mais prováveis
de cada escola. Analisam o que é feito em cada uma e tiram suas conclusões
sobre o que parece ser, mais provavelmente, o caso.
Entendiam que havia uma pluralidade de teorias e nenhuma delas havia
sido capaz de se provar correta, de modo que aderir a uma teoria apenas seria
ignorar a possibilidade de estar completamente errado.
Assim, entendiam a aceitação dos pontos mais prováveis como uma
metodologia de precaução. Os defensores ávidos de uma teoria única podem
acabar por aceitar conclusões não adequadas para continuar a defender a teoria
à qual aderem.
Por outro lado, se focamos os aspectos mais prováveis de cada uma, não
teremos apego a uma teoria e poderemos mantermo-nos honestos
intelectualmente, recusando qualquer afirmação que se prove incorreta ou
inadequada.
Entre os principais nomes desta escola encontramos: Empédocles de
Agrigento; Anaxágoras de Clazômena; Leucipo de Abdera; e Demócrito de
Abdera.

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Escola Itálica

Refere-se à escola desenvolvida na península itálica, uma escola


controversa. Apresentou apenas desenvolvimentos, incontestavelmente
importantes, na matemática grega e aderiu a tendências místico-religiosas,
procurando conciliá-las com a perspectiva científica.
Essa abordagem não era muito bem vista pelos filósofos posteriores,
como Aristóteles.
Entre os principais nomes desta escola estão: Pitágoras, Filolau e
Árquitas.

Escola Eclética

A escola eclética é também outra escola caracterizada não por sua região
de desenvolvimento, mas por sua forma de proceder. Os filósofos que a
representavam acreditavam que a adesão a uma única arché não resolvia o
problema do movimento.
Essa filosofia aborda a questão de como objetos parados se colocam em
movimento. A posição da escola era a de que ao postular várias arché seria
possível explicar as questões relativas ao movimento.
Destacamos como nomes mais importantes: Arquelau e Diógenes.

Escola Eleática

Esta escola envolvia os filósofos da região de Eleia. Entre eles


ressaltamos: Xenófanes, Parmênides de Eleia, Zenão de Eleia e Melisso de
Samos.
Defendiam a necessidade, a imutabilidade e a unidade do Ser. Essa
escola também foi conhecida por algumas soluções práticas nada convencionais
para o modelo de discussão da época.
Particularmente, isso foi representado em uma situação de discussão
conhecida como Aquiles e a tartaruga, um paradoxo proposto por Zenão, em que

38
se discutia que Aquiles jamais venceria a tartaruga, se considerássemos as
medidas das distâncias e a proporção de espaço percorrido por Aquiles e pela
tartaruga no mesmo período de tempo.
Essa situação foi, em um dos casos, reproduzida na distância entre o
grupo que discutia e um portão. Trata-se do seguinte raciocínio:
Em um período de tempo determinado se percorre metade do caminho,
na metade desse período se percorrerá a metade da metade e assim por diante.
Ou existe um ponto de corte dessa realidade ou não seria possível chegar até o
portão.
Zenão, o próprio propositor do problema, resolveu a questão caminhando
até o portão e, assim, constrangeu todos os colegas que participavam dessa
discussão ao demonstrar que o movimento não era impossível, como parecia
demonstrar o problema, mas que agora parecia fútil dada a realidade da
demonstração de Zenão.
O problema de Aquiles se coloca da seguinte maneira:
A tartaruga larga antes de Aquiles, percorrendo metade do caminho.
Então Aquiles larga e no tempo que ele percorre metade do caminho, a tartaruga
já percorreu mais um pouco, estando ainda à frente de Aquiles.
No tempo em que Aquiles percorre mais esse pouco, a tartaruga já
percorreu mais um pouco, mas ainda em um tempo menor, mas suficiente para
se manter à frente de Aquiles, e assim sucessivamente, de modo que não seria
possível dizer, dentro desses critérios, que Aquiles poderia ultrapassar a
tartaruga.
Não obstante, é obvio que Aquiles ultrapassaria a tartaruga. Assim, os
pensadores gregos da época perguntam: Como isso é possível, considerando
apenas a natureza do tempo e do espaço?
Esse raciocínio, mais do que render uma boa discussão a Zenão de Eleia,
foi responsável pela visão de Aristóteles, que veremos mais adiante, de que o
conhecimento empírico seria fundamental para a boa filosofia.

39
Nessa aula você conheceu a primeira escola de filosofia, na verdade um
conjunto de diversas escolas, que nos dá uma visão de como a filosofia
estabeleceu as bases para diversas ciências e para a educação.
Vimos ainda que a época dos pré-socráticos foi um período de grande
exploração e desenvolvimento para a história da filosofia, com lições importantes
de alguns filósofos relevantes até os dias de hoje, em maior ou menor medida.

Atividade de Aprendizagem

Conhecendo a evolução dos primeiros passos da filosofia, disserte, em


até quinze linhas, sobre como esse processo influencia na formatação da
estrutura da educação que temos hoje, em relação ao senso comum. Tenha em
mente que, embora possa errar eventualmente, o senso comum não é
necessariamente ruim, é apenas não científico ou filosofia em si mesmo.

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Aula 4 - As origens da filosofia: período clássico

Olá estudante! Seja bem-vindo à quarta aula da disciplina de Filosofia da


Educação. Nesta aula trataremos da Filosofia Grega Clássica e de seus mais
importantes representantes, Sócrates, Platão e Aristóteles, além de seus
métodos e de como se desenvolveu a ideia ocidental de mentoria.

O período clássico da filosofia grega é o período no qual se iniciam as


discussões sobre a ética, a política e diversos outros aspectos da humanidade,
para além das discussões sobre a natureza dos objetos do mundo, que
caracterizaram os pré-socráticos.

Período clássico

Quem nunca ouviu falar de um destes três filósofos, Sócrates, Platão e


Aristóteles, mesmo que só de passagem?
O período clássico da filosofia grega, ou como é eventualmente chamado
Filosofia Clássica Grega, inicia com o surgimento da figura de Sócrates, o
desenvolvimento de Platão e culmina nos trabalhos de Aristóteles.

Mentoria

Este período também se caracteriza pela relação de ensino entre seus


principais expoentes: Sócrates, Platão e Aristóteles.
Encarnam a concepção ocidental da relação de mentoria, uma relação em
que o saber é construído conjuntamente. Os mentores não apenas transferem
seus conhecimentos, mas ensinam seus métodos, criando nos aprendizes o
interesse pela investigação e pela verificação das informações.
Um modelo que influenciou, em grande medida, a forma como o mundo
ocidental vê a educação.

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Cronologia

Compreendido como estando entre os pré-socráticos e pós-socráticos,


esse período faz parte da fundação da filosofia como a conhecemos hoje.
Por outro lado, embora o uso de períodos de tempo para essa
classificação, como vimos na aula anterior, não seja totalmente adequado, haja
vista que muitos filósofos pré-socráticos, na verdade, foram contemporâneos de
Sócrates.
A divisão entre pré e pós-socráticos trata mais do estilo de investigação,
dos tópicos abordados e da forma da filosofia desenvolvida, do que do período
em que se realizou o trabalho em questão.
O período clássico, por sua vez, é justamente o estilo de filosofia que
promoveu a divisão e para caracterizá-lo se utiliza a relevância dos três filósofos
que compuseram esse período: Sócrates, Platão e Aristóteles.
A cronologia desse período segue a ordem acima exposta, sendo que
Sócrates foi mestre de Platão que, por sua vez, foi mestre de Aristóteles.

As expressões “mestre” e “mentor” são utilizadas como


equivalentes, dependendo da referência utilizada, assim como
o são “aprendiz” e “discípulo”.
Importante

Características

O período clássico foi um período de grande amadurecimento da filosofia,


em que ela se desenvolveu para uma forma mais estruturada.
Os principais desenvolvimentos do período incluem ética e política, para
além da investigação da natureza, que foi mantida e expandida, marcando
também o início do que hoje chamaríamos de divisão disciplinar, como veremos
mais claramente em Aristóteles.

42
Sócrates

Figura. 4.1: Sócrates

Fonte: © Wikimedia Commons

Platão credita a Sócrates ser o grande responsável por direcionar a


filosofia para os ramos da ética e da política, tirando estes ramos das mãos
exclusivas dos sofistas e homens mais envolvidos com a política.

Sofistas: professores particulares da Grécia Antiga que


pretendiam levar seus estudantes a dominar as habilidades
necessárias para o bom desempenho em sociedade.
Embora muitos sejam acusados de charlatanismo ou de
aproveitar-se de seus estudantes, vários outros são
Vocabulário importantes para a filosofia, como é o caso de alguns filósofos
pré-socráticos, que também eram sofistas.

O próprio fato de a filosofia grega ser dividida em pré-socráticos e pós-


socráticos, já nos mostra a amplitude da relevância de Sócrates.

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O problema socrático

Sócrates existiu como um personagem histórico ou é apenas uma


construção de Platão? E havendo existido, para além do que Platão lhe credita,
qual foi a sua real posição filosófica?
O problema socrático é, como chamamos, a dificuldade ao estudar-se
Sócrates. Este foi o personagem principal dos diálogos platônicos, referido nos
trabalhos de Xenofonte, Aristófanes e Aristóteles.
De modo geral, Sócrates é considerado um personagem histórico factual.
Teria vivido na Grécia Antiga, durante o século IV a.C. Não obstante, todas as
fontes que tratam do filósofo são textos filosóficos ou dramáticos.
Não há qualquer texto histórico que se refira à época em que Sócrates
viveu e que fale de sua pessoa. Isso poderia ser visto como uma situação
compreensível de um tempo antigo, em que talvez os historiadores não tenham
visto a importância daquele personagem.
Mas as dificuldades não param por aí, nos textos filosóficos encontramos
contradições quando os comparamos. Contradições quanto às posturas e
posições de Sócrates.
O problema, para o estudo, é que isso torna difícil definir o que é Sócrates
e o que é o autor que dele fala, procurando colocar em sua autoridade teorias
que lhe são próprias. Ainda é possível que Sócrates tenha mudado de posição
ao longo da vida, e que autores diferentes relatem períodos diferentes de seu
pensamento.
Essas variações passam por questões mais filosóficas e vão até questões
mais cotidianas, como quando Platão afirma que Sócrates não aceitaria dinheiro
para ensinar de forma alguma. Xenofonte, também discípulo de Sócrates,
afirmou que seu mestre era pago pelo ensino que ministrava.
Dentro do próprio contexto de diálogos de Platão, que são considerados
a fonte mais completa de informações sobre a filosofia e a vida de Sócrates,
encontramos algumas contradições nas posições que Platão atribui a Sócrates,
em muitos casos associadas ao desenvolvimento filosófico de Platão.

44
Assim, a tradição filosófica atual compreende que a clarificação da
posição verdadeira de Sócrates como filósofo é aparentemente impossível, o
que classifica o Problema de Sócrates como insolúvel em uma visão geral.
Ao compararmos as fontes, no entanto, algumas conclusões podem ser
extraídas acerca da posição de Sócrates e, pelo menos, oferecem uma posição
consistente para compreender a importância do pensador para a filosofia
ocidental.

Método Socrático

Talvez a criação mais importante de Sócrates, o Método Socrático é uma


técnica de investigação e ensino que se vale da inquisição. Tal método é
baseado em três elementos:

 Perguntas e respostas que levavam o interlocutor a pensar;


 Modo aporético de terminar (sem conclusão definitiva);
 Compreensão da complexidade das questões.

Sem pretender persuadir o opositor, Sócrates manifesta sua oposição à


retórica, como uma arte cujo objetivo seria agradar os ouvintes, e também à
oratória que, segundo ele, convence os ouvintes por meios emocionais, sem
recurso à lógica ou a uma prova.
O Método Socrático consiste em dividir o problema a ser discutido em
questões menores. Assim, essas questões, em tese, poderiam ser respondidas
mais facilmente, ou, no pior dos casos, levariam o interlocutor a pensar no
problema por diferentes ângulos.
Ao fazer isso, poderia entender as possibilidades lógicas do problema,
eliminar as contradições e, no limite, ambos os debatedores seriam levados até
a solução do problema.
Trata-se de um método negativo, em que se levanta uma hipótese que é
questionada e se busca demonstrar que a hipótese leva a contradições. Se não

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formos capazes de demonstrar que a hipótese é inaceitável, por levar a
contradições, encontramos um candidato aceitável para a posição de verdade.

Pioneirismo

Além de seus desenvolvimentos metodológicos, Aristóteles credita a


Sócrates ser o primeiro a buscar as definições universais para virtudes morais.
Ao fazê-lo, contribuiu para as áreas da:
 Epistemologia, ao tratar de entender a extensão e limites do
conhecimento humano;
 Política, ao defender a ideia de um governante ideal, o rei filósofo;
 Ética, ao escolher o foco na virtude como a melhor forma de viver.

Crítica à democracia e morte

Sócrates foi acusado de criticar a democracia, ao formular sua visão


acerca da política e propor a ideia de um rei filósofo. Oficialmente, foi
considerado culpado de corromper a mente dos jovens de Atenas com suas
ideias heréticas.
Adicionalmente, foi acusado de não acreditar nos deuses do Estado.
Porém, alguns estudos consideram que a motivação para a prisão e condenação
de Sócrates, que resultou em sua execução por ingestão do veneno cicuta, tenha
mais relação com a referida crítica à democracia ateniense, em um período em
que Atenas lentamente se recuperava de uma humilhante situação imposta por
Esparta.

Sócrates apresentado por Cícero

Cícero apresenta e elogia o legado de Sócrates, afirmando que ele trouxe


a filosofia para o alcance humano, introduziu o pensar filosófico no seio das

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cidades e apresentou a necessidade de que todos examinem a vida, a moral, o
bem e o mal.
Independentemente das complicações advindas do estudo da figura de
Sócrates, o fato é que a sua influência foi relevante não apenas, como afirma
Cícero, para o povo de Atenas, mas para toda a humanidade.

Platão

Figura 4.2: Platão

Fonte: © Wikimedia Commons

O discípulo de Sócrates, Platão, procura continuar o trabalho de seu


mestre, sendo distinguido por três características:

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 Transmitiu os ensinamentos e reflexões de Sócrates através de diálogos;
 Utiliza longas alegorias para explicar suas posições;
 Leva o interlocutor até a conclusão.

Platão foi o fundador da escola chamada Academia de Atenas, sua


relevância na história da filosofia é, em parte, explicada pelo fato de que sua
obra sobreviveu quase intacta por mais de 2.400 anos, diferente da grande
maioria de seus contemporâneos.
Outro aspecto dessa preservação está no fato de Platão ser o responsável
por nos permitir acesso ao pensamento de muitos filósofos, anteriores e
contemporâneos, da Grécia Antiga. Entre eles destacamos: Sócrates, Heráclito,
Parmênides e Pitágoras.
Naturalmente, esse levantamento dos filósofos gregos influenciou o
pensamento de Platão e, especialmente, o de Pitágoras. O discípulo de Sócrates
ainda introduziu o método de diálogo e com sua obra “A República” fundou o que
veio a ser um dos mais relevantes ramos da filosofia, a filosofia política ocidental.
Em seus diálogos tratou, por meio de seus personagens, de temas em
praticamente todas as áreas da vida humana, seja pública ou privada. Entre os
principais temas abordados, encontramos: arte, política, sexualidade, religião,
medicina, justiça, vício e virtude, sofrimento e prazer, crime e castigo, natureza
humana, amor e sabedoria, entre muitos outros.

Platão e o tema da filosofia

Uma característica marcante de Platão foi sua consciência sobre o modo


como a filosofia deveria ser compreendida e desenvolvida, o que o filósofo
poderia esperar atingir com ela e qual deveria ser seu escopo.
Pode-se dizer que Platão foi o inventor do tema da filosofia, descreveu a
filosofia como um exame rigoroso e sistemático dos assuntos éticos, metafísicos,
políticos e epistemológicos, alcançado por meio de um método distintivo.

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Racionalismo e realismo

As posições de Platão são descritas da seguinte forma:

 Racionalista: definiu o raciocínio como uma operação mental discursiva


que deveria ser pautada pela lógica, utilizando-se de proposições para
extrair conclusões;
 Realista: no que concerne à existência de universais, as formas ideais de
todas as coisas;
 Idealista: seu realismo sobre os universais o comprometia com sua teoria
das ideias;
 Dualista: postulava a existência de duas substâncias que seriam
irredutíveis uma à outra.

Assim, Platão contribuiu para a formação de muitas das teorias presentes


no debate filosófico.

Amplitude de temas

Para além da ética e política, desenvolvidas por Sócrates, Platão


contribuiu para ampliar a atuação da filosofia, tornando-se um ícone da
metafísica com a sua Teoria das Ideias.
Também conhecida como Teoria das Formas, a Teoria das Ideias é uma
formulação abstrata, de acordo com a qual as formas não materiais são as que
possuem o tipo mais fundamental de realidade.
Essas formas seriam substâncias imutáveis, mesmo sem possuir uma
existência física, que dariam estabilidade ao mundo. O mundo material seria
secundário a essas formas e, mais do que isto, seria dependente delas.

Mito da caverna

Em sua mais famosa alegoria, o mito da caverna ou alegoria da caverna,


Platão tratou de descrever a procura dos homens pela conexão metafísica entre

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o mundo mutável e as formas imutáveis, ou seja, a busca de aquisição do
conhecimento sobre o mundo.
Esse processo apresenta algumas dificuldades inerentes, como a busca
de algo que nunca vimos, e a dificuldade de se formular sozinho uma ideia que
ultrapassa o mundo físico que conhecemos.
Ainda explorou a dificuldade de se levar outros ao conhecimento, pois este
movimento envolve dor e abandono de uma situação que, por pior que seja,
parece cômoda ao indivíduo.
Essa alegoria é, muitas vezes, vista como uma associação com a
educação em todos os tempos.

Você sabia que a alegoria da caverna é uma das mais longas


explicações de Platão? Para saber mais sobre a forma e as
consequências dessas explicações, pesquise em:
<http://www.infoescola.com/filosofia/alegoria-da-caverna/>.
Curiosidade

Legado

Ao estudar Platão, autores contemporâneos consideram que a adesão às


ideias do filósofo é uma tendência natural para matemáticos, uma vez que sua
posição levanta questões sobre a realidade dos objetos matemáticos, como foi
discutida por autores como Sir Bertrand Russell, A. N. Whitehead, Gottlob Frege,
Georg Cantor, Kurt Gödel, entre outros.
Também em física, desde Galileu Galilei até Werner Heisenberg, Stephen
Hawking, Roger Penrose, entre outros, encontramos uma grande tradição
platônica.

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Aristóteles

Figura 4.3: Aristóteles

Fonte: © Flickr

Conhecido em alguns departamentos de filosofia como “o homem mais


sensato da história da filosofia”, Aristóteles começa seus estudos com Isócrates,
mas depois muda-se para Atenas para estudar com Platão.
É considerado o pai das ciências e um dos fundadores da ideia de
disciplinas científicas e acadêmicas, tal como as conhecemos hoje.
Aristóteles viveu no século V a.C., além de discípulo de Platão foi
preceptor de Alexandre Magno, sendo que sua influência e trabalho se
estenderam por todas as áreas da filosofia e da ciência conhecidas à época.

Corpus Aristotelicum

O conjunto da obra de Aristóteles versa sobre temas que vão da lógica e


da física, até a ética e poesia. Inclui ainda trabalhos em retórica, metafísica e
política.
De toda sua obra, apenas 29 trabalhos sobreviveram ao tempo, mas este
pequeno volume já é suficiente para influenciar toda a história da filosofia, além
de ser muito mais do que deixaram os pré-socráticos.

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Esse conjunto de obras, que chamamos de Corpus Aristotelicum, chegou
até nós pelo trabalho dos compiladores da era escolástica, que estudaremos
mais adiante.
Por meio dessas compilações, organiza-se também o processo de estudo
da obra de Aristóteles, que se inicia pela física e passa depois para a metafísica.
A compilação de trabalhos da obra conhecida como Física, formou o
padrão de interpretação do mundo até que novas descobertas foram realizadas
no Iluminismo e a Mecânica Clássica foi formulada.

Filosofia como análise

Aristóteles funda o conceito de filosofia como análise e valoriza o


raciocínio analítico. Entre os principais elementos de sua visão filosófica estão:
causalidade, argumentação, lógica e método.
O filósofo formula também o Princípio de Não Contradição, segundo o
qual a contradição seria impossível na realidade, e tentar provar a existência de
contradição seria admitir o direito de exigir uma prova.
Isso significa que exigir uma prova supõe que o contraditório é falso e,
portanto, que a contradição não é o caso, o que prova o Princípio de Não
Contradição.
A hipótese do éter, uma substância que deveria compor a abóboda
celeste e se mantém influente até o século XIX, é um dos principais elementos
da física aristotélica.
Em termos de causalidade, o autor sugeriu que existem quatro tipos de
causa que explicam todas as coisas:

 Causa material
 Causa formal
 Causa eficiente
 Causa final

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A lógica formal moderna incluiu os estudos em lógica de Aristóteles, a
partir do final do século XIX.

Ética e moral

Aristóteles foi o autor da obra Ética a Nicômaco, além de alguns tratados


sobre ética e moral, constituindo-se em um marco do estudo e desenvolvimento
da ética como disciplina.
A obra Ética a Nicômaco, baseada no pai de Aristóteles, Nicômaco, traz
uma visão acerca das práticas virtuosas, como sendo o único caminho para o
ser humano se desenvolver de forma plena e atingir a felicidade.

O período clássico é de grande relevância para a filosofia da educação.


Apresenta métodos e conceitos que vão dar base a toda a ciência e filosofia
ocidental, auxiliando-nos a compreender as origens das disciplinas ao longo da
história. Contribui, ainda, com alguns métodos e técnicas que funcionam até
hoje.
Ainda no referido período, começa a fundação do que viriam a ser as
disciplinas científicas e, por consequência, as disciplinas acadêmicas, que hoje
chamamos de matérias escolares.

Atividade de Aprendizagem

Considerando os desenvolvimentos de Sócrates, Platão e Aristóteles,


como você vê a aplicação das ferramentas da filosofia clássica na educação
atual? Sua resposta deve incluir uma rápida análise dessas ferramentas que, de
alguma maneira, ainda são úteis nos dias de hoje e das que estão
completamente obsoletas.

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Aula 5 - Pós-socráticos e a sofisticação da filosofia

Olá estudante! Seja bem-vindo à quinta aula da disciplina de Filosofia da


Educação. Nesta aula estudaremos as três correntes da filosofia pós-socrática:
Ceticismo, Epicuristas e Estoicos, bem como a sofisticação e influência dessas
correntes na filosofia.

Após os desenvolvimentos promovidos por Sócrates, era impossível que


a filosofia retornasse a discussões mais simples. Com a adição dos temas
propostos por Platão e Aristóteles, embora este último não fosse tão popular
entre os pós-socráticos, o debate em filosofia assumiu grandes proporções e se
tornou mais complexo, tornando-se uma profícua área de investigação.

Sócrates

Como vimos em aulas anteriores, Sócrates foi tão influente que dividiu
não apenas o que veio antes de si, mas o que veio depois, estabelecendo a
divisão básica da filosofia grega em pré-Socráticos e pós-Socráticos.

Pós-socráticos

Esta corrente filosófica volta-se mais para a política e a ética, seguindo a


linha desenvolvida no tempo de Sócrates, formando um maior corpo filosófico e
maior volume de discussões e correntes na filosofia.
O período pós-socrático é composto por três correntes particulares:
Ceticismo, Epicurismo e Estoicismo.
Haviam outras correntes em voga, mas essas são as mais relevantes e
se destacam na formação da filosofia.

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Ceticismo

A escola cética focou em questionar se a razão seria capaz de chegar à


verdade sobre todas as coisas. Diferindo da história anterior da filosofia, na qual
não se encontra um questionamento direto sobre a capacidade da razão de
atingir o conhecimento, a escola cética levantou essa possibilidade.
O objetivo dessa escola não era afirmar que o conhecimento não era
possível, mas mostrar que, em muitos casos, o proceder dos filósofos era
dogmático e pouco pautado por razões factuais, sendo em muitos casos
inclusive negado pela realidade.
A questão dos céticos não é dizer que o conhecimento humano não pode
atingir certas coisas, mas questionar se podemos justificar a aquisição de
determinados conhecimentos que temos como certos.

Procedimento cético

O procedimento cético era simples, mas muito difícil de ser adotado pelas
correntes ávidas por encontrar verdades absolutas. Trata-se de evitar fazer
afirmações categóricas acerca da verdade.
Os céticos também costumavam apontar a falta de evidências empíricas
para as afirmações de outras escolas. Por isso, podem ser considerados a
primeira escola empirista.
O Empirismo, embora não totalmente formulado na época, é uma posição
em filosofia que aceita a experiência como base para a análise da natureza,
procurando rejeitar as doutrinas dogmáticas.

Evidência empírica: é uma expressão usada para significar


um conjunto de fatos comprovados por meio da observação
direta da realidade e se baseia na doutrina filosófica do
empirismo, a qual defende que todo o conhecimento humano
deriva, direta ou indiretamente, da experiência prática.
Vocabulário

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Doutrinas dogmáticas: são aquelas baseadas em verdades
inquestionáveis, sobre as quais as pessoas que a elas aderem
não têm o poder de alterar ou testar na realidade.

A primeira vez que aparece na história da filosofia é na Escola Empírica,


dedicada à prática da medicina na antiga Grécia. Se pensarmos na sua atuação,
faz sentido que essa escola se pautasse pela experiência e não por doutrinas.
O termo tem, naturalmente, origem na expressão grega empeiría
(ἐμπειρία), que designa a habilidade obtida através da prática. Posteriormente,
foi associado ao termo latino experientia, que é a origem da palavra experiência
em português.
Os empiristas costumam defender a experiência sensorial como base do
conhecimento, havendo variação entre os que aceitam o papel da razão em
combinação com a experiência e aqueles que defendem que a experiência
sensorial é a única forma possível de aquisição de conhecimento.
Tal escola contrasta com o racionalismo, como veremos na era moderna
da filosofia, que estabelece a origem do conhecimento como independente dos
sentidos, focada exclusivamente na razão.

Rivalidade

Os céticos foram inimigos teóricos declarados dos estoicos, acusando-os


de dogmatismo, pois faltavam evidências empíricas suficientes para grande
parte das afirmações dos estoicos.
Além disso, as formas lógicas dos argumentos estoicos eram
consideradas insustentáveis. Não se pode provar as proposições sem recorrer a
proposições anteriores, o que levaria a uma regressão ao infinito.
A escolha de um princípio, o que poderia parar a regressão ao infinito, é
arbitrária e, portanto, injustificável.

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Epicuristas

Como o nome da escola indica, os epicuristas eram baseados nas ideias


do filósofo Epicuro.
Epicuro expandiu as consequências do materialismo atômico, procurando
utilizá-lo como uma evidência que possibilitasse recusar toda forma de
misticismo e superstição. Acabou assim com a ideia, pelo menos no seio da
filosofia, de que poderia haver alguma intervenção divina na realidade.

Ética epicurista

A ética epicurista era baseada no prazer, o que significa dizer que os


epicuristas viam o prazer como o maior bem possível, porém este era um prazer
negativo, por ser mais associado à ausência de dor do que a uma forma positiva
de aquisição de prazeres pela satisfação.
Buscavam a vida modesta, a aquisição de conhecimento do
funcionamento do mundo e a limitação dos desejos, como fontes desse prazer
negativo.
O principal elemento de sua ética era a combinação de dois conceitos
clássicos gregos, que juntos formavam o estilo de vida do epicurista. São eles:

 Ataraxia – estado de grande tranquilidade.


 Aponia – estado de ausência de dor corporal.

A mais alta forma de felicidade seria dada pela soma de ataraxia com
aponia.

Estoicos

Fundado por Zenão de Cício (336 a.C. - 264 a.C.), o estoicismo foi uma
doutrina filosófica de grande destaque na Grécia Antiga, que perdurou até o

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Império Romano com o Imperador Filósofo e último estoico, Marco Aurélio (121
– 180) que foi imperador em 161.
Era uma filosofia sistemática, ou seja, que pretendia explicar o mundo em
sua totalidade, não apenas uma área do conhecimento, que se utilizava de um
sistema estruturado de explicação que conectava todas as áreas.
Nesse sentido, a ética dos estoicos, por exemplo, era uma explicação do
mundo como um todo do ponto de vista do bem e do mal, assim como a Lógica
era uma explicação completa do mundo do ponto de vista do verdadeiro e do
falso e a física uma explicação do ponto de vista do que existe.
A distinção entre essas áreas seria meramente metodológica e não uma
divisão efetiva na realidade.
A filosofia estoica pretendia ser também uma Lex devina, um modo de
vida, defendendo a ideia de "vida boa", como uma vida em conformidade com a
ordem natural do mundo.
Por essa mesma razão, foram opositores da “Akrasia”, pois de acordo com
a visão desses pensadores, se desejarmos saber qual a filosofia de um indivíduo,
devemos olhar para suas ações e não apenas para suas palavras.

Akrasia: refere-se a não ter comando sobre si. Neste


contexto, trata da ação ou modo de vida que não está em
conformidade com a filosofia ou doutrina pregada pelo
indivíduo que comete a ação ou adere ao modo de vida. Por
exemplo: sacerdotes que agem de modo condenável pela sua
Vocabulário religião.

Erros de julgamento

Um conceito fundamental para os estoicos é o de emoções destrutivas,


aquelas que nos levam ao sofrimento. Elas impedem a vida boa e resultam de
erros de julgamento, especialmente quanto à compreensão da relação entre
determinismo e liberdade.
A vontade humana é livre em alguma medida, mas o universo é
determinado. A compreensão desta relação permite a felicidade humana, a
ignorância levaria ao sofrimento.

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Aspecto prático

Em termos práticos, os estoicos recomendavam o ensino do autocontrole


e da força moral (firmeza) para pensar com mente clara, entender a razão
universal, superar as emoções destrutivas e assim atingir a felicidade.
Era, portanto, uma doutrina de treinamento e autoaperfeiçoamento, com
vista a adaptar nossa forma de vida ao que se entendia ser a lei da natureza e a
forma como o universo funciona.

Aspecto teórico

O universo estoico é determinista, o homem que compreende a razão


universal é virtuoso e autônomo, vive feliz mesmo na desgraça, o que não
compreende é arrastado pela vida, de acordo com o que lhe acontece.

Outros aspectos

Entre outros aspectos da corrente estoica, encontramos a adesão à lógica


formal, a ética naturalista e o monismo físico.
Isso significa dizer que defendiam a existência de uma única substância,
a substância física, divergindo, portanto, de autores como Platão. Defendiam
uma ética focada no funcionamento da natureza e que não colocava os homens
como especialmente deslocados. E manifestavam uma adesão aos princípios da
lógica formal.

Vontade livre humana e determinismo

A questão da vontade livre humana em relação ao determinismo era uma


das principais discussões daquele período. Uma discussão que, podemos dizer
sem receio, ainda pode ser levantada nos dias atuais. As posições no debate
eram as seguintes:

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 Os estoicos defendiam que a vontade humana só é livre, quando está em
conformidade com a natureza;
 Os epicuristas defendiam que deveria haver alguma liberalidade nesta
determinação;
 Os céticos duvidavam da capacidade dos argumentos dos estoicos.

Vamos explorar a questão pelo viés estoico, por ser deles a principal
formulação do problema, mas tenhamos em mente que essa formulação
considera as críticas e objeções das outras escolas.
A deliberação, expressão da vontade livre, em filosofia estoica é uma
questão ética, que tem suas bases na forma como os estoicos concebiam o
mundo, na sua física, que é organizada de forma necessária, o que os levou a
um determinismo absoluto das causas e dos efeitos.
Descreveram um princípio imanente de organização que chamaram de
“pneuma”. O pneuma, que é ativo e racional, está no mundo todo, todos os
corpos são constituídos em parte por pneuma; a sua forma é a de um fluido que
age por tensão (tonus) e mantém unida a matéria, que é inerte e passiva.

Imanência: é um conceito filosófico e metafísico que se refere


ao caráter daquilo que tem, em si, o próprio princípio e fim. É,
portanto, contrário ao conceito de transcendência, que significa
o caráter daquilo que tem uma causa que lhe é exterior e
superior.
Vocabulário

Por estar em tudo e prover a unidade de tudo, o “pneuma” mantém


também a individualidade dos seres, semelhante à ideia moderna de alma, em
que cada pessoa seria composta de uma porção de pneuma, mais ou menos
tonificado, e uma porção de matéria inerte.
Esse princípio ativo rege os acontecimentos do universo, para fazer mais
uma analogia como um deus que é ele mesmo o mundo, um motor inicial
impessoal que se converte em alma do mundo, determinando assim os
acontecimentos, pois todos os seres derivam Dele.

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Esse nosso “deus” (ou a analogia de um deus que criamos aqui) é a razão
do mundo (dá sentido ao mundo), e dado que é Ele mesmo que constitui o
mundo, nada pode acontecer senão de acordo com essa razão.
No entanto, sabemos que os estoicos postulavam a liberdade humana,
como se pode ler em Cícero, quando fala de Crisipo.
Nesse caso, percebemos a noção de multiplicidade das causas, como
ficou conhecida, postulada por Crisipo. Essa não deve ser confundida com a
noção aristotélica de multiplicidade das causas, sobre a qual falamos na aula
anterior. Não há lugar para a contingência nos trabalhos estoicos, diferente dos
trabalhos de Aristóteles. Aqui tudo é necessariamente determinado.
Passamos, então, à questão ética da liberdade humana e como ela é
possível sendo o mundo absolutamente determinado. Como podemos atribuir
responsabilidades?

Punindo criminosos e atribuindo responsabilidades em universo


determinista

Mesmo uma filosofia que supõe que todos os acontecimentos no mundo


têm uma razão, não se pode abster de punir os criminosos e justificar essa
punição. Ao mesmo tempo, gostaríamos de recompensar o bom comportamento.
Ora, se todos os acontecimentos são determinados pela razão do mundo,
o criminoso poderia simplesmente argumentar que sua ação não podia ser
evitada por ele. Deste modo, não poderia ser punido por agir de acordo com a
razão do mundo.
Para que seja possível responsabilizar, é preciso postular a liberdade do
homem, o que os estoicos fazem por vias que não agradam aos céticos, mas
fazem-no.
A vontade deve respeitar a razão do mundo e viver de acordo com ela, ou
seja, o ser humano deve agir de acordo com sua própria natureza racional. A
liberdade, então, aparece na aceitação da lei moral, não se rebelando contra a
natureza racional, o homem é livre.

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Explorando melhor a questão

Se não formos rigorosos, poderemos dar o caso por encerrado, mas se


formos, vamos explorar melhor o caso. Então, acompanhe-me na discussão que
segue.
Sabe-se que Sêneca se viu dividido entre a filosofia estoica e seus
deveres políticos quando, em Roma, foi ministro de Nero, talvez o pior imperador
que Roma já teve.
Se cada escolha é baseada na natureza de cada homem, e esta natureza
é determinada necessariamente, como se pode atribuir ao homem a deliberação
e a intenção suficientes para que ele contrarie a racionalidade do mundo, como
parece acontecer nos deveres políticos de Sêneca, que servia a um imperador
terrível?
Para o estoico, o homem é louco quando dominado por suas paixões, mas
sendo o mundo determinado poder-se-ia dizer que o homem está a seguir a
razão do mundo, como a doença é um mal necessário ao bem.
Para resolver esse problema, evitando os ataques dos epicuristas, os
estoicos utilizam a ideia de assentimento.
O assentimento depende da natureza da pessoa, como no caso da pedra
cilíndrica que rola, apresentado por Crisipo através de Cícero, se a natureza do
indivíduo for determinada a não assentir em caminhar, esse indivíduo não
assentirá, isto é, se a pedra for quadrada não rolará.
Caso essa pedra seja determinada a assentir, ela assentirá (pedras
cilíndricas sempre rolam quando em planos inclinados). O que está em poder do
indivíduo é o assentimento, pelo fato de que este (o assentimento) vem a ser
pela natureza individual, de maneira que a natureza individual é uma das causas
antecedentes do caminhar do indivíduo.
Sem isso, o efeito não se produziria, mas isso não significa que ele possua
algo como o que chamamos hoje de "vontade livre"; o caminhar é o cruzamento
de duas cadeias causais provenientes da mesma causa inicial, uma externa ao
indivíduo, que não impede que ele caminhe, e uma interna que passa por sua
natureza, determinando-o a assentir em caminhar.

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Sendo assim, as causas externas e a natureza individual (causa interna)
são causas antecedentes, auxiliares e próximas, como queria o filósofo Crisipo.
Se o efeito só pode se produzir quando do encontro das duas cadeias
causais, em um sentido, o assentimento está in nostra potestate, que se traduz
por "em nosso poder", e deve ser interpretado simplesmente dessa forma, como
algo que necessita da presença do indivíduo, mas que, ainda assim, não poderia
ser diferente.
Destarte, chegamos à conclusão que parece demonstrar como os
estoicos atribuíam algum poder causal ao indivíduo, sem, no entanto, contrariar
a postulação de um mundo absolutamente determinado, e que a atribuição de
algum poder causal ao indivíduo não implica atribuição de vontade livre.
Essa conclusão é satisfatória? De maneira alguma. As discussões
continuaram e continuam até os dias de hoje, porém acompanhar esse
desenvolvimento, além de um bom exercício filosófico e mental, nos auxilia a
entender como funcionavam os debates e o modelo de ensino dessas correntes
filosóficas.

O período pós-socrático não apenas inicia a sofisticação da filosofia, mas


contém diversas ferramentas e práticas que podem ser úteis à filosofia da
educação e foram úteis para a história da filosofia.
A mais relevante contribuição desse período não está em uma escola
específica ou em uma teoria, mas na disputa entre as escolas, em um debate
honesto e profícuo, que deve ser parte da base da educação e a maior parte da
formulação, ao menos teórica, das ciências.
Em termos de contribuições diretas, os estoicos oferecem estruturas
conceituais sofisticadas, os epicuristas também o fazem, mas em sentido oposto.
Por outro lado, os céticos nos oferecem ferramentais de análise e julgamento,
para sermos criteriosos com as posições que adotamos.

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Atividade de Aprendizagem

Como a disputa entre céticos e estoicos, no que concerne à argumentação


e adesão a doutrinas dogmáticas, pode ser útil para pensar sobre a educação
atual?

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Aula 6 - Patrística e escolástica

Olá estudante, seja bem-vindo à sexta aula da disciplina de Filosofia da


Educação. Nesta aula você estudará a importância da filosofia da Idade Média,
por meio de suas duas linhas teóricas e escolares, a Escolástica e a Patrística,
e conhecerá os métodos, os objetivos e a estrutura de conhecimento utilizada
por essas correntes e seus pensadores.

A filosofia da Idade Média é dominada pela Igreja Católica Apostólica


Romana em todos os sentidos. As duas linhas de estudo desse período surgem
e se desenvolvem dentro da igreja, apresentando uma grande ligação com os
temas de interesse do clero.

Idade Média

Este período da história humana é marcado pela passagem do mundo


antigo para uma época de padronização das sociedades sob a influência de
grandes instituições, em nações ou regiões específicas do mundo.
Em termos de civilização ocidental, em particular a sociedade europeia,
essa instituição foi a Igreja Católica Apostólica Romana.
Entre as características específicas desse período, destacamos o poder
da igreja sobre o Estado; o pouco interesse no letramento da população; a
sobreposição da fé sobre a razão, em níveis variados como veremos ao longo
desta aula; e a ciência e a filosofia praticadas apenas pelo clero.
A despeito desse cenário, que não parece muito promissor para o
conhecimento e educação, temos o desenvolvimento de escolas e modelos
escolares através da formação clerical, o que posteriormente culminaria no
desenvolvimento das escolas modernas.
As principais correntes filosóficas do período são a Patrística e a
Escolástica.

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Patrística

O termo “patrística” descreve um grupo de padres que se reúne para


realizar um trabalho determinado, ou o próprio trabalho desenvolvido por eles.
Como escola ou corrente filosófica, trata-se dos estudos filosóficos
realizados por membros da igreja católica na primeira fase da Idade Média,
estendendo-se desde os primeiros anos do cristianismo até o século IX.
Nesse período, destaca-se o filósofo e clérigo Agostinho de Hipona, com
o objetivo geral de racionalizar a fé cristã.

Objetivos

Já referimos o objetivo de racionalização da fé cristã, mas o que isto


significa?
Em primeiro lugar, significa uma reação aos desenvolvimentos teológicos
e filosóficos dos povos árabes muçulmanos, que já realizavam um trabalho de
aproximação da sua doutrina com a filosofia de Aristóteles.
Lembremos que já havia uma separação entre ocidente e oriente desde
há muito, reforçado pelas guerras entre Pérsia e Grécia; depois, pela divisão do
Império Romano e com o advento e fortalecimento do islamismo no oriente
médio, de maioria árabe, e do cristianismo na Europa, essa divisão e
consequente tensão se amplia.
Não obstante, essa divisão sempre foi muito tênue, ao mesmo tempo que
o cristianismo, embora fortalecido pelo império, sofria para se estabelecer como
religião hegemônica na Europa.
Então, para fazer frente à mencionada racionalização dos árabes, à sua
expansão e ao perigo de retração do cristianismo, a igreja precisava de uma
estruturação argumentativa de sua fé.
Nessa época, desenvolveram-se trabalhos que procuravam oferecer uma
argumentação lógica e ontológica para a existência de uma única divindade, que
fosse ao mesmo tempo uma e onipotente. Além de se buscar uma melhor

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compreensão do formato e justificação para a fé cristã, afim de ampliar a
evangelização.

Ontológico: é o ramo da filosofia que estuda a natureza do


ser, da existência e da própria realidade.

Vocabulário

Esse último elemento culminou no desenvolvimento da teologia como


disciplina independente.

Destaques teóricos

O período aqui tratado se inicia com discussões focadas na relação entre


judaísmo e cristianismo, procurando estabelecer suas similaridades e diferenças
doutrinárias, bem como o estabelecimento do que seria o Velho Testamento
Canônico. Afinal, várias linhas do cristianismo disputavam interpretações.
Evolui, então, para avaliar a consistência da fé cristã, ponto em que
começam a tratar das questões de argumentação lógica e ontológica para a
defesa da existência do Deus cristão.
Essa compreensão do formato e justificação da fé cristã tinha por objetivo,
além de resolver as disputas dentro do próprio cristianismo, estabelecer a
religião no Império Romano, que havia aderido a ela recentemente, contrariando
e restringindo a religião anterior.
O desenvolvimento da Teologia como disciplina é outro destaque deste
período, resultado desses trabalhos.

Conselho de Niceia

O Conselho de Niceia foi um evento de discussão entre as diversas


vertentes do cristianismo. Nele ocorreram debates, análises e discussões, afim

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de estabelecer o cânone do cristianismo, especialmente no que diz respeito à
padronização dos trabalhos filosóficos, com vista a determinar a natureza do
messias cristão, Jesus Cristo, e sua relação com a divindade cristã.
Com o consenso alcançado, o Conselho de Niceia divide a patrística em
duas fases.

Discussões

Devido às decisões no sentido de um consenso, conseguidas no


Conselho de Niceia, o direcionamento da patrística muda, já que muitas
questões simplesmente deixaram de ser objeto de investigação, por atingirem
uma decisão institucional, em alguns casos administrativa.
Assim, dividimos as investigações da patrística, com base no Conselho
de Niceia, em dois momentos:

 Pré-Niceia: relação entre cristianismo e judaísmo; estabelecimento


canônico do Velho Testamento;
 Pós-Niceia: consistência da fé para fortalecer-se no Império Romano
Cristianizado.

Agostinho de Hipona

O Conselho de Niceia dividiu a patrística em termos das questões


abordadas, mas houve outra divisão relevante quanto ao estilo de trabalho dessa
escola. Essa divisão baseada nos trabalhos de Agostinho de Hipona
compreende os períodos:

 Pré-Agostinho: instituição do platonismo cristão, em que todas as


decisões eram baseadas na fé.
 Pós-Agostinho: a razão passa a ser a principal ferramenta de justificação
da fé.

68
Agostinho se constituiu, por essa influência no estilo e direcionamento
filosófico, no mais importante pensador da patrística. Fundou as bases filosóficas
da Igreja Católica, que seriam fortalecidas na escolástica, que vem a seguir, e
levantou questões influentes na história da filosofia posterior.
Seu trabalho foi não apenas de revisão ou aperfeiçoamento, mas de
reforma da filosofia patrística. De fato, pode ser dito que o trabalho anterior a
Agostinho não era puramente filosófico, mas uma adesão direta à fé, com
algumas justificativas tiradas da filosofia de Platão.
Com Agostinho, a patrística foi além do platonismo cristão e se
desenvolveu como uma escola de pensamento propriamente dita.

Pré-Agostinho

No período pré-agostiniano, vemos o platonismo tomar para si todas as


discussões e formulações da patrística.
Formulado a partir de uma abordagem idealista da filosofia de Platão,
filósofo grego estudado em aulas anteriores, especialmente em sua teoria das
ideias, o platonismo se uniu à filosofia cristã, formando o platonismo cristão.
A fé, segundo o platonismo cristão, deveria ser a essência e o fundamento
da vida e de todos os seus aspectos. As decisões mais sofisticadas e juízos
morais deveriam ser baseados na fé e não na razão. Clemente de Alexandria e
Orígenes se destacam nessa vertente, ao afirmar que a razão tinha pouco a dizer
em matéria moral.

Questões de Agostinho

Entre as questões levantadas por Agostinho, temos o livre arbítrio; o


pecado original; a guerra justa; e a refutação dos acadêmicos por argumentos
céticos.
Conhecedor de outras religiões e da filosofia por trás delas, Agostinho
busca na razão a justificação para a fé, explorando esses temas e formulando

69
teorias para explicá-los. Porém, nunca pretendeu que a razão subjugasse a fé,
pois seu objetivo era que a razão oferecesse motivos para se aderir à fé.
Agostinho tinha uma experiência pessoal com esse caso, já que Ambrósio
de Milão foi quem o convenceu a aderir ao cristianismo, doutrina pela qual nunca
havia manifestado grande interesse.
Quanto à questão da liberdade humana, utilizou-se do conceito de Graça
Divina como garantidor da liberdade. Já no que diz respeito à relação entre
razão, conhecimento natural e fé, Agostinho procedeu de modo cético ao afirmar
que se alguma passagem da bíblia contradissesse a razão ou o conhecimento
que temos da realidade, essa passagem deveria ser reinterpretada.
Em sua obra De Genesi ad Litteram, Agostinho defendeu que um Deus
benevolente não nos proveria de uma razão ou uma realidade enganadora, de
modo que deveríamos confiar na capacidade da razão e na experiência.
Esse foi um dos elementos de abertura intelectual da igreja, que
eventualmente culminaram no Renascimento e na era moderna, séculos depois,
com a valorização das ciências.
Em termos de teoria do conhecimento, um dos elementos mais relevantes
para nossa pesquisa em educação, Agostinho contrariou Platão. Defendeu que
o testemunho de outros, mesmo que falso ou inverificável, pode nos trazer novos
conhecimentos.
Quanto ao problema das outras mentes, desenvolveu o “Argumento a
partir da analogia a outras mentes”, antecipando o debate moderno, com uma
solução que seria o padrão até Descartes.

Após Agostinho

Após os trabalhos de Agostinho de Hipona, temos um leque de questões


mais amplo na patrística. A razão se torna mais relevante, embora ainda
subordinada à fé e servindo-lhe de mera justificação.
Havia agora um corpo de discussões e temas levantados por Agostinho,
que possibilitava trabalhos mais sofisticados em filosofia. A importância da

70
inteligência e do conhecimento natural tornaram-se muito valorizados,
especialmente para evitar a fé injustificada ou passiva.
Dessa maneira, era possível estabelecer um ensino patrístico e educar,
não apenas doutrinar, os novos clérigos, bem como fazer frente aos
desenvolvimentos dos opositores da igreja.
Destaca-se também Anselmo de Aosta, cujo trabalho de desenvolvimento
do argumento ontológico para a existência de Deus continua a ser um dos mais
interessantes trabalhos nesta área.
Esse trabalho continua em discussão, especialmente em termos
metodológicos, pois a única forma de recusá-lo é recusando toda a
argumentação, pois uma vez aceitas as premissas de Anselmo, é impossível
apontar qualquer falha lógica em sua estrutura argumentativa, sendo a
conclusão, com base exclusiva na lógica, inevitável.

Escolástica

A partir do século IX, começa, portanto, uma evolução, podemos dizer


assim, da patrística. O nome “escolástica” vem do termo scholasticus, que
significa “que pertence a uma escola”. Pode referir-se a um indivíduo ou a um
corpo de estudos que pertence a uma escola.
Para nosso estudo, o aspecto crucial aqui é que esse conceito se
aproxima muito mais do atual conceito de escola do que os formatos adotados
anteriormente, como a Academia de Atenas de Platão ou as correntes estoicas
gregas ou romanas.
Como vimos anteriormente, os desenvolvimentos de Agostinho
possibilitaram a criação de uma estrutura de ensino para a filosofia produzida na
igreja. Devemos lembrar ainda que por filosofia se deve entender todo o
conhecimento existente na época.
A escolástica utiliza a base desenvolvida na patrística, mas dedica-se
mais à atividade especulativa, formando escolas nas quais os estudantes
realizam debates, leituras, análises e buscam encontrar conclusões acerca da
verdade.

71
Como a teologia já se delineava, desde a patrística, como uma disciplina
independente, ela é deixada de lado, ao menos em parte, nos trabalhos de
filosofia, e os escolásticos passam a se dedicar à formulação de uma filosofia
cristã própria.
A escolástica vai perdurar até o fim da Idade Média, com o surgimento do
Renascimento e consequentemente da era moderna, em que transformações na
realidade da sociedade e na forma como as pessoas entendem o papel da razão
criam a necessidade de um novo modo de pensar.
Não obstante, os desenvolvimentos da escolástica irão figurar como
relevantes para essa passagem e não apenas suplantados por ela.
O grande destaque desse período foi Tomás de Aquino, que contribuiu
para afastar o platonismo cristão, levando a escolástica a uma forma mais
sofisticada de filosofia. Além dele, destacaram-se ainda Erígena, Scoto e
Occam.

Método escolástico

Um dos aspectos distintivos da escolástica foi seu método de estudo e


análise, formado por três fases, que constitui, em grande medida, o que hoje
chamamos de análise filosófica.
Na primeira fase, procedia-se à leitura crítica da obra do autor. Nesta
leitura fazia-se a apreciação das teorias do autor, ou seja, buscava-se não
apenas compreender, evitando-se a rejeição prévia das teorias, mas que a
compreensão não fosse contaminada por uma visão externa.
Uma vez compreendidas as teorias do autor e sua formulação, passava-
se ao estudo das consequências dessa teoria. Sabe-se, desde aquela época,
que uma vez formulada, uma teoria pode ter consequências indesejadas por seu
autor, pois a teoria trata da realidade, que não tem motivos para colaborar com
nossas teorias.
Esses casos eram explorados e catalogados pelos escolásticos.

72
Na segunda fase, procedia-se à exploração de outros documentos e obras
relacionadas com o tema tratado pelo autor. Podiam ser obras de autores que
concordassem com o autor que estudassem, ou obras de autores que dele
discordassem.
Também poderiam ser utilizadas obras e textos que explicassem
conceitos que não estivessem claros na obra que estudassem. Em particular, se
preferia documentos da igreja e de estudiosos anteriores.
Nessa segunda fase, não apenas se comparavam os textos, mas se
selecionavam as discordâncias entre as diferentes fontes. Essas discordâncias
eram anotadas em pequenas sentenças, produzindo a sententiae.
A sententiae é uma coleção dessas sentenças curtas, mas de tamanhos
variados, em que se listava a discordância entre as fontes. Além de anotações
de sentenças do leitor, poder-se-ia incluir passagens do texto original para
comentário comparativo.
Na terceira fase desse processo, se utilizava a simplificação da sententiae
para formular duas posições argumentativas, a partir das quais se procurava um
acordo livre de contradições acerca do trabalho do autor.
As ferramentas para se buscar esse acordo eram a análise filológica e
lógica formal. Inicialmente, utilizava-se a análise filológica para eliminar as
possíveis confusões de significado das palavras.
Em muitos casos, a discordância era solucionada simplesmente
verificando-se que o autor empregou uma expressão em sentido diverso do
usual.
Na sequência, se promovia a análise pela lógica formal. Nesta fase, não
havia possibilidade, ao menos teoricamente, de má compreensão, pois esses
casos eram explorados na análise filológica, então se explorava a argumentação
e estrutura do texto do autor, através das sententiae, para verificar a consistência
argumentativa.
A posição inconsistente era rejeitada e sua opositora considerada como
candidata adequada à verdade. Caso ambas fossem inconsistentes, havia duas
possibilidades:

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 Inconsistência subjetiva, devido ao leitor. Neste caso, se procedia a nova
análise.
 Inconsistência de fato, devido a erros dos autores. Neste caso, se
rejeitavam ambas as posições.

Aquino e os subperíodos da escolástica

O principal filósofo do período da escolástica foi Tomás de Aquino. Ele era


um proponente da teologia natural, a ideia de que a teologia deveria, por meios
filosóficos, confirmar a existência de Deus. Também originou o Tomismo,
doutrina que leva seu nome, uma tentativa de conciliar o pensamento de
Aristóteles com o cristianismo.
O tomismo veio a ser a principal corrente filosófica da Igreja Católica e,
por essas contribuições, considera-se que Aquino revolucionou a filosofia
escolástica. Assim, dividimos o período em três partes:

 Inicial: antes de Aquino;


 Filosofia de Aquino;
 Pós-Aquino.

Antes de Aquino

Como a escolástica é um desenvolvimento da patrística, a primeira fase


deste período é ainda muito ligada à filosofia de Agostinho e ao platonismo
cristão, característicos do período da patrística.
Verifica-se uma ausência de distinção entre natural e sobrenatural, a
prevalência da fé sobre a razão e ainda pouca separação entre teologia, como
disciplina, e a filosofia, a despeito do desenvolvimento da teologia, ocorrido no
final do período da patrística.

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Filosofia de Aquino

Tomás de Aquino, Albertus Magnus e outros pensadores membros da


igreja ligam-se à filosofia de Aristóteles para definir a filosofia da igreja católica,
para realizar este trabalho argumentam em favor da ênfase no uso da razão,
fazem uso de uma coleção de novas traduções do trabalho de Aristóteles,
conhecidas como Novas Fontes Aristotélicas, propondo uma síntese da doutrina
cristã com as teorias aristotélicas.
Consequentemente, há uma recusa das teorias de Platão e do platonismo
cristão. Para os pensadores dessa fase, a razão e a argumentação eram a base
da filosofia e deveriam ser utilizadas em todos os empreendimentos filosóficos.
Não obstante, Aquino defendeu que a possibilidade de conhecer a
verdade última só existe por meio da Graça Divina, de modo que deveríamos
limitar nossas ambições às coisas que podem ser conhecidas.
Essas, por sua vez, são muitas e não dependem da intervenção divina.
Entre elas, estão as coisas que se pode aprender pelos sentidos, o que mostra
uma influência da valorização do conhecimento empírico, como vemos em
Aristóteles.
Os seres humanos, defendeu Aquino, não podem atingir o conhecimento
por si mesmos, mas apenas quando expostos àquelas coisas que foram feitas
para ser conhecidas pelos sentidos. Uma posição carregada de elementos
religiosos, mas que, em termos práticos, é empírica.
Na ética, defendeu a lei natural, que faz com que a nossa razão dite a
ação virtuosa como correta. Nem todas as ações, no entanto, são oriundas da
lei natural, guardando espaço para explicar as infrações e as ações de grande
valor moral.
Também recorreu à Ética a Nicômaco, de Aristóteles, para selecionar
quatro virtudes cardinais: a temperança, a prudência, a justiça e a coragem.
Combinadas com essas quatro virtudes naturais, temos as três virtudes
teológicas sobrenaturais: a fé, a caridade e a esperança.

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Para afastar as críticas de que Aristóteles era utilizado pelos árabes,
Aquino se dedicou a refutar a interpretação de Averroís quanto aos textos de
Aristóteles.

Após Aquino

Após o período da filosofia de Aquino, temos o declínio da escolástica


como instituição e organização educacional. Os estudos realizados, no entanto,
permanecem a ser analisados e investigados no campo teórico. Pensadores
contemporâneos como Giovanni Ventimiglia, Oderberg David e Peter King
continuam a explorar alguns dos temas escolásticos.
A Igreja Católica ainda utiliza alguns elementos do modelo escolástico,
que acabam culminando na educação jesuíta. Com o fim da Idade Média,
chegamos ao fim da escolástica e ao início da Idade Moderna.

Navalha de Occam

Um destaque, um pouco à parte do movimento geral da filosofia da Idade


Média, é dado a Guilherme de Occam (William of Ockham), pela criação de uma
Lex Parsimoniae (Lei da Parcimônia), chamada Navalha de Occam, que permite
distinguir entre teorias equivalentes e formular modelos teóricos.
O corolário desta lex parsimoniae é: "entia non sunt multiplicanda praeter
necessitatem" (as entidades não devem ser multiplicadas para além da
necessidade).
Isso significa que entre duas teorias equivalentes, com os mesmos
resultados práticos ou de estruturas teóricas, devemos sempre preferir a mais
simples, pois não devemos postular a existência de elementos desnecessários
em nossas teorias.
Assim, se para explicar um fenômeno precisamos recorrer à suposição de
existência de uma entidade, física ou abstrata, o faremos. Porém, se temos uma
teoria que explica o mesmo fenômeno, mas não exige a suposição de tal
entidade, então deveremos sempre preferir esta segunda teoria.

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Até hoje, a Navalha de Occam é utilizada para recusar teorias que
incorrem em infração ontológica desnecessária e teorias dogmáticas.
Em termos educacionais, entendeu-se que teorias mais simples seriam
mais fáceis de se entender e, portanto, deveriam ser preferidas nos ambientes
escolares. Não obstante, teorias complexas podem ser necessárias e, neste
caso, devemos optar pelo modelo educacional mais simples para ensinar essas
teorias complexas.
Em tempos contemporâneos, Sir Karl Popper foi favorável à Navalha de
Occam, afirmando que costumamos preferir teorias mais simples, pois são mais
adequadas à verificação pelo critério de falseabilidade da ciência. Seria mais
fácil comprová-la ou provar que é falsa, acelerando o avanço da ciência.
Além disso, teorias mais simples podem ser, em geral, aplicadas a casos
mais amplos e genéricos, explicando uma quantidade maior de fenômenos.

Você sabia que existem muitas argumentações a favor e contra


a Navalha de Occam? Saiba mais sobre o tema, acessando:
<http://brazil.skepdic.com/occam.html>.

Curiosidade

A filosofia da Idade Média, embora fechada nos círculos da igreja,


desenvolveu ferramentas e métodos relevantes que estimularam o
desenvolvimento da filosofia e da educação.
Em termos de filosofia, promoveu grande desenvolvimento das
discussões conceituais e separou a teologia como disciplina independente,
liberando a filosofia para as questões mais próprias da razão.
Em termos de educação, ajudou a fundar o modelo educacional que seria
padrão para os desenvolvimentos dos séculos seguintes, como educação
clássica.

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Atividade de Aprendizagem

Avalie como os métodos de investigação e estudo da Idade Média podem


ser utilizados na educação de hoje, para sofisticar o aprendizado, estimular os
estudantes e selecionar teorias educacionais.

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Aula 7 - Filosofia moderna e a educação

Olá estudante! Seja bem-vindo à sétima aula da disciplina de Filosofia da


Educação. Nesta aula trataremos da Filosofia Moderna, do Renascimento, do
Racionalismo e do Empirismo, dos principais autores desse período (Immanuel
Kant, John Locke e Jean-Jacques Rousseau), dos problemas identificados e
trabalhados, bem como dos métodos desenvolvidos e das principais questões
discutidas.

Quando ultrapassamos a Idade Média, temos a impressão de que um


grande período da história humana foi deixado para trás, e agora trataremos de
um período mais próximo da nossa realidade.
Essa impressão tem razão de ser, pois é no renascimento e na era
moderna que surgem diversas visões teóricas e formas de organização social,
que são o padrão da nossa civilização até hoje.

1. Era moderna

A era moderna é um período da civilização ocidental e da filosofia, iniciado


com o Renascimento e finalizado com a Idade Média.
Em termos de filosofia, alguns autores consideram que a era moderna se
inicia nos séculos XV e XVI, com o surgimento da Filosofia do Renascimento,
porém, é unânime que a era moderna toma corpo, ganha objeto e métodos no
século XVII, a partir dos trabalhos do médico, matemático e filósofo francês René
Descartes.
Esse é um período de grandes transformações na sociedade, marcado
especialmente pela redução do poder da Igreja Católica e por mudanças na
forma de governo de diversas nações.
A priorização da razão e da investigação em todos os ramos de estudos
humanos, a proliferação da educação e da leitura, e a criação de escolas são
marcantes nesse período.

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Para a educação, é um período especialmente importante pelo
fortalecimento do conceito de disciplina, que culmina na formação das ciências
diversas, em especial das ciências naturais.

Estilo de trabalho

Diferente do período imediatamente anterior (Idade Média), e, justamente,


pela grande abertura intelectual provocada pelo movimento renascentista, a era
moderna não possui uma escola única, mas sim tem escolas concorrentes entre
si, sendo o período mais marcado por um estilo de trabalho, do que por uma
linha filosófica específica.
Um dos aspectos mais marcantes desse período e de seu estilo de
trabalho é a presença de características científicas, ou seja, o uso da razão como
critério e da lógica como objetividade dos estudos.
A busca por comprovação das teorias, a sequenciação dos dados e
resultados, o teste e avaliação dos métodos, as informações, as conclusões, e
as hipóteses comuns terminam por fixar o formato da filosofia da era moderna.
Entre as principais áreas exploradas nesse período encontramos:

 Filosofia da mente: problema mente-corpo identificado por Descartes.


 Epistemologia: Teoria do Conhecimento, disputa entre racionalistas e
empiristas.
 Metafísica: sempre presente na história da filosofia, ainda mais quando se
pretende proceder de modo investigativo.

Os principais representantes dessa época são os racionalistas e


empiristas, entre os quais o filósofo alemão Immanuel Kant aparece como
responsável por organizar as linhas de ação dessas áreas do conhecimento e
propor a unificação delas.

80
Racionalismo

Segundo a corrente racionalista, da qual Descartes, Spinoza e Frege


faziam parte, todo conhecimento provém do raciocínio dedutivo ou é inato. Como
as ideias já nascem conosco, o que temos de fazer é organizá-las por meio do
raciocínio dedutivo.
Isso significava uma recusa da relevância do mundo natural para a
obtenção do conhecimento, mas não uma falsidade ou desconfiança desse
mundo. Era mais uma afirmação da capacidade da mente.
Esse posicionamento variava de racionalistas mais radicais, que
defendiam que todo conhecimento era inato, a racionalistas mais moderados que
aceitavam, de algum modo, o papel das experiências sensoriais na formação do
conhecimento.
Como um racionalista fundamental desse período, Descartes esforçou-se
por enfatizar a importância de analisarmos com cautela os elementos que
compõem as teorias, contribuindo, assim, para o desenvolvimento e
aperfeiçoamento não apenas filosófico, mas científico.

Método cartesiano e as disciplinas modernas

Figura 7.1: Imagem do filósofo René Descartes

Fonte: © https://static6.depositphotos.com/ Deposit Photos

81
Descartes, através do conceito de reducionismo e métodos de aplicação
deste conceito, ofereceu uma base para a melhor formulação das ciências
naturais. Isto impulsionou o desenvolvimento das disciplinas científicas e,
posteriormente, acadêmicas.
A educação não poderia ignorar tais desenvolvimentos, na verdade, se
desenvolveu a partir deles, os quais, como mostrou Descartes, facilitaram o
aprendizado e a exploração dos conhecimentos.
Com isso, e a influência prévia da escolástica, surgiu a base do sistema
de disciplinas fundado nas ciências em educação.

Reducionismo

É uma posição filosófica que se caracteriza pelo postulado de que é


possível reduzir as propriedades do todo de qualquer objeto de análise à soma
das propriedades de suas partes constituintes, o que possibilitou reduzir a
quantidade de elementos em teorias e conclusões.
Pode ser aplicado a teorias, significados, fenômenos naturais, objetos e
explicações didáticas. Existem três formas básicas do reducionismo:

 Metodológico: redução de explicações, sejam filosóficas ou científicas, ao


menor enunciado possível.
 Teórico: redução de uma teoria a outra em termos de poder de predição
e explicação.
 Ontológico: redução da realidade à menor quantidade possível de
entidades ou substâncias.

Empiristas

Os empiristas se opunham aos racionalistas, afirmando que o


conhecimento é impresso em nossa mente, por meio dos dados dos sentidos.
Assim, nessa visão, as ideias se originam de duas formas: a sensação e a
reflexão.

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Segundo os empiristas, como John Locke, George Berkely e David Hume,
e para usar o termo introduzido por Locke, a mente é uma “tábula rasa”, o que
significa que nós não temos ideias inatas, mas apenas aquelas que são
impressas em nossa mente, por meio da experiência.
Ainda, neste processo, as ideias poderiam ser simples ou complexas,
sendo as complexas mais ligadas à reflexão.

Unificação em Kant

Kant, fundador do idealismo alemão, procurou unificar as posições


empirista e racionalista. Embora não tenha sido totalmente bem-sucedido em
sua tarefa de unificação, formulou posicionamentos relevantes que alteraram o
curso de diversos ramos da filosofia.
Em suas obras, estabeleceu que a mente e o mundo deveriam ser
entendidos segundo as mesmas características.

Figura 7.2: Monumento ao filósofo Immanuel Kant

Fonte: © https://st4.depositphotos.com/ Deposit Photos.

83
Desenvolvimentos posteriores

Após os autores referidos, um grande movimento antissistemático se


iniciou e que culminaria na formação da filosofia analítica e das grandes
mudanças no interior da filosofia, no século XX, que veremos na próxima aula.
Nessa fase de declínio das correntes da era moderna, temos Soren
Kierkegaard defendendo que os sistemas complexos eram inadequados para
guiar as vidas humanas e o significado de todos os fenômenos do mundo.
Nietzsche defendeu o papel do indivíduo e da liberdade na busca pela
verdade.
A base empírica é retomada e combinada com a lógica mais recente por
autores como Sir Bertrand Russell e G. E. Moore, que iniciam o que viria a ser a
filosofia analítica.
No campo da ética e da política podemos, ainda, destacar Thomas
Hobbes e Jean-Jacques Rousseau.

Desenvolvimentos específicos em filosofia da educação

Embora filósofos anteriores tenham tratado do tema da educação, este é


o primeiro período que comporta várias estruturas, obras e comentários
relevantes sobre a educação, na forma como a conhecemos hoje.
Os autores que formularam propostas reais para a educação, com base
em seus desenvolvimentos teóricos, são: Immanuel Kant; John Locke e Jean-
Jacques Rousseau.

A visão educacional de Kant

Como proponente de uma teoria moral normativa, era de se esperar que


Kant tivesse uma visão disciplinar da educação.
O filósofo apresenta uma visão educacional pautada pela disciplina e pelo
ensino moral. Em sua visão, a educação deve ensinar os indivíduos a se

84
comportarem em sociedade e a terem disciplina para executar tarefas físicas ou
intelectuais.
Segundo o mesmo filósofo, o desenvolvimento do caráter e a
compreensão das máximas morais, as regras universais que se aplicam a todos,
são de fundamental importância para o currículo educacional.
Kant foi o autor do imperativo categórico, que consiste na tese de que a
ação moral é aquela pautada por uma máxima moral universal, e não pelas
consequências que imaginamos ter com a nossa ação. Em outras palavras: age
de maneira que o conteúdo de tua ação possa ser considerado uma regra
universal.
Destarte, defendeu que na educação o imperativo categórico, como
princípio, é mais eficiente do que o utilitarismo para formar indivíduos
conscientes de suas obrigações e adequados ao convívio em sociedade.

Utilitarismo: corrente filosófica que defende que uma ação só


pode ser considerada moralmente correta, se as suas
consequências promoverem o bem-estar coletivo, e não
apenas o individual, sendo, portanto, contrária ao egoísmo.
Vocabulário

Kant foi ainda um proponente do aprendizado na prática, o que se conecta


com a sua distinção inovadora de treinamento e educação, como veremos
adiante.

Educação e treinamento

Uma das principais contribuições de Kant foi estabelecer a diferença entre


educação e treinamento.
Para o filósofo alemão, a educação é um processo de transferência de
conhecimento e habilidades, que envolve o pensamento. A pessoa que aprende
deve processar a informação recebida e desenvolver as habilidades e
capacidades em si mesma.

85
No treinamento, por outro lado, trata-se de uma repetição mecânica, pois,
embora haja a transferência de conhecimentos, a habilidade é desenvolvida pela
imitação e a repetição.
Assim, temos o treinamento em lógica, como a capacidade de realizar
cálculos lógicos adequadamente, enquanto a educação em lógica envolveria,
necessariamente, a capacidade de compreender o funcionamento e as razões
da lógica.
Isso significa que a educação pode incluir o treinamento, porém é
essencialmente diferente dele.

A visão educacional de Locke

Figura 7.3: Filósofo John Lock

Fonte: © https://static6.depositphotos.com/ Deposit Photos

Para John Locke, o objetivo da educação seria aumentar o poder e a


atividade da mente. Para isso, seria necessário estimular e desafiar o estudante
o tempo todo, durante o processo de educação.

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O filósofo propôs que se incluísse o máximo de ciência possível no
currículo, não para se dominar todas as ciências, o que seria tolo dado o escopo
cada vez mais amplo de cada ciência, mas para se exercitar a mente o máximo
e o mais precocemente possível.

Escopo: finalidade ou propósito de algo; demarcação de


alguma coisa; limite; alcance.
Vocabulário

Ensino precoce

Locke trata da importância do ensino precoce para imprimir em nossas


mentes os conhecimentos e a associação de ideias.
Se forem inseridos nos indivíduos, antes que outras experiências
negativas ocorram, esses conhecimentos serão responsáveis por formar sua
identidade. Pela mesma razão, sugeriu que evitássemos a associação negativa
e as fantasias.
Essa ideia de se evitar associações negativas e fantasias, como seres
fantásticos, punições mágicas que acontecerão se a criança não realizar
determinadas tarefas, e outras coisas mais, é ainda forte na educação atual, por
se entender que, desse modo, a criança irá repudiar aquela atividade devido a
associação negativa com ela.
Essas posições fazem sentido, se pensarmos que Locke foi um empirista,
formulador do conceito de homem como uma “tábula rasa”, na qual a experiência
imprime os conhecimentos. A educação é a principal experiência para muitos de
nós, por isso, Locke acreditava que somos moldados pela educação, quase que
inteiramente.
Naturalmente, outras experiências têm importante papel na nossa vida,
mas a educação é, para a maioria de nós, a grande formadora do nosso caráter,
da estrutura de conhecimento e dos conceitos sobre o mundo.

87
Você sabia que Locke foi o formulador dos direitos naturais,
crítico político e também grande influenciador da revolução
americana? Saiba mais sobre o assunto, acessando:
Curiosidade <www.infoescola.com.br/filosofos/john-locke/>.

A visão educacional de Rousseau

Jean-Jacques Rousseau foi um dos que mais escreveu sobre educação.


Defendeu que há um processo de desenvolvimento comum a todos os seres
humanos, cuja manifestação, ou evidência que teríamos sobre a existência
desse processo, seria a curiosidade inerente a todas as crianças e à maioria dos
adultos.
Comprometido com essa visão, Rousseau afirma que toda criança é um
organismo perfeitamente desenhado. Porém, a sociedade maligna e corrupta
evita que cresça como adulto virtuoso.
Essa segunda parte está ligada à visão que Rousseau tinha da sociedade
humana. Ele acreditava que todos os homens nascem bons e, em algum
momento, com o potencial para a bondade e organização, mas se corrompem
como coletivo, o que gerou as mazelas que a humanidade enfrenta.
Rousseau afirmou que a teoria de Platão, apresentada em sua obra A
República, era perfeita, contudo impossível de se aplicar devido à corrupção da
nossa sociedade. Se, por outro lado, pudéssemos reverter esse processo no
indivíduo educado, talvez fosse possível proceder de modo mais idealista.
No entanto, o próprio Rousseau não se mostrava muito confiante nisso,
como veremos em suas propostas.

Métodos de Rousseau

Em termos metodológicos, Rousseau defendeu que a única forma de se


garantir uma educação de qualidade, que formaria um indivíduo digno, é retirar
a criança do seio da sociedade para evitar influências corruptas.

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Recomendações

Em relação ao processo educacional, Rousseau faz algumas


recomendações específicas de práticas para a educação, especialmente em sua
obra Émile, na qual, entre outros elementos, relata o processo de educação do
jovem Émile.
Rousseau recomenda que se leve a criança, por exemplo, para uma casa
de campo, onde ela não tenha contato com o mundo exterior e com os grupos
sociais da cidade.
Ao proceder dessa maneira, ter-se-ia total controle sobre os estímulos e
influências que a criança recebe.
Uma das principais críticas a essa recomendação, é que Rousseau
parece ignorar um ponto evidente: a índole do próprio mentor dessa criança que,
certamente, influenciará no seu desenvolvimento e não permitirá que ela tenha
outras influências que revelem quando o proceder do tutor se apresentar
inadequado.
Estando nessa casa de campo, dever-se-ia promover estímulos ao
desenvolvimento da criança, por meio de armadilhas, desafios e quebra-
cabeças, que ela deveria resolver e superar para realizar as suas atividades
cotidianas.
Para além dessa recomendação, trabalhosa e difícil para a maioria das
famílias, Rousseau recomenda, ainda, que os adultos sejam honestos com as
crianças, especialmente quando se trata de explicar o motivo de sua autoridade.
Segundo ele, afirmar que a autoridade do adulto se deve simplesmente ao fato
de este ser maior do que a criança, é a maneira correta de proceder.
Assim, quando a criança atinge a idade dos 12 anos deve ser considerada
um indivíduo livre, já com suas capacidades desenvolvidas e capaz de formular
seus próprios juízos, e ser tratada como adulta no cotidiano.
Mas há ainda mais uma recomendação de Rousseau, mais polêmica para
os dias atuais que a da remoção dos indivíduos da sociedade: a de uma
educação separada para homens e mulheres.

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Segundo Rousseau, a mulher deve ser passiva e fraca, enquanto o
homem forte e ativo, devendo a educação de cada um deles levar esses
aspectos em consideração e ser direcionada para o seu desenvolvimento.
Os homens devem ser mais estimulados a praticar atividade física e
vigorosa e assumir atitudes mais enérgicas, enquanto as mulheres devem ser
direcionadas para o oposto: a ter atitudes mais discretas e realizar atividades
que não exijam força física.
No entanto, ambos devem pensar, seja para agir de modo forte, no caso
do homem, seja para direcionar a força do outro, no caso da mulher.
Essa recomendação foi muito marcante, em especial no Brasil, devido à
grande influência francesa exercida sobre a nossa educação. Basta lembrarmos
que, por muito tempo, os colégios adotaram a separação entre meninos e
meninas.
Quando a educação física foi instituída no Brasil, como atividade
obrigatória, esta obrigatoriedade foi entendida como sendo destinada apenas
aos meninos, o que demonstra a força da ideia de que a meninas deveriam ser
fracas e passivas.
Os danos causados por essa visão podem ser sentidos em termos de
saúde pública, relacionamento em sociedade, bem como no atraso esportivo que
temos em relação a outros países menos influenciados por ela, ou que a
abandonaram mais rapidamente.

Os métodos, modelos e questões exploradas no período moderno


influenciaram a forma como se constituíram as escolas e as primeiras
universidades no século XIX.
Embora muitos aspectos possam ser questionados, sabemos que foram
influentes na formação da educação em todo o mundo. Nenhum dos pensadores
apresentados é utilizado, de forma exclusiva, porém, em maior ou menor medida,
todos influenciaram a formação da educação contemporânea.
Por exemplo, o modelo de Rousseau de separação dos gêneros deu
origem a muitos colégios que separavam meninos e meninas e mesmo o
conteúdo da educação destes em diferentes classes e até diferentes colégios.

90
Atividade de Aprendizagem

Considerando os métodos de Kant, Locke e Rousseau, quais elementos,


apresentados ao longo dessa aula, são impossíveis ou indesejáveis de se aplicar
na educação contemporânea?

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Aula 8 - Filosofia da educação no cenário atual

Olá estudante! Seja bem-vindo à oitava aula da disciplina de Filosofia da


Educação. Nesta aula vamos explorar o cenário da filosofia na atualidade, as
contribuições e ferramentas da filosofia analítica para a formatação da educação,
bem como a filosofia da educação como disciplina independente. Também
trataremos de uma subárea da filosofia da educação: a filosofia educacional
normativa e suas principais linhas.

Após o percurso pela história da filosofia e suas contribuições para a


filosofia da educação, chegamos ao período contemporâneo. Temos, aqui, a
formação da Filosofia da Educação, com suas próprias teorias e métodos.

Período contemporâneo

O período contemporâneo é um período em aberto que, em relação à


filosofia, se inicia com o desenvolvimento da filosofia analítica, no início do século
XX, e estende-se até a atualidade.
Em termos de civilização ocidental, é um período baseado na ciência,
tecnologia, finanças e liberdade, no qual as transformações acontecem em ritmo
acelerado, e há uma integração maior no mundo, devido justamente às diversas
tecnologias.
Os valores e modos da civilização ocidental provaram sua eficácia,
atingindo todo o mundo desde o século XX, até o momento atual (séc. XXI),
marcado pelo relacionamento globalizado.

Grande transformação

Ao longo do século XX, especialmente na sua segunda metade, a filosofia


aproxima-se da prática e criam-se ramos do conhecimento conectados com as

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ciências, além da constituição de novas ciências que incluem a filosofia, entre as
quais destacamos:

 Filosofia da Mente.
 Filosofia da Ciência e das Ciências.
 Filosofia da Educação.
 Ciência Cognitiva.
 Bioética.

Algumas dessas áreas se conectam com as ciências específicas que


tratam de seus temas; outras, como a bioética e a ciência cognitiva, são áreas
multidisciplinares que envolvem profissionais de diversas áreas, como a filosofia,
o direito, a neurociência e a linguística.

Figura 8.1: Equipe multidisciplinar trabalhando junta

Fonte: © https://br.depositphotos.com / Deposit Photos

Esses profissionais atuam em bases teórico-científicas, com dados


empíricos fornecidos, em geral, pelas áreas científicas envolvidas, aos quais se
adiciona a base teórica, de forma a estabelecer uma relação de intersecção entre
a teoria e a prática nas áreas investigadas.

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Filosofia analítica

A filosofia analítica foi a corrente filosófica instituída no começo do século


XX. Trata-se de um estilo de fazer filosofia em todos os ramos. Entre os seus
principais elementos ressaltamos:

 A valorização da clareza.
 A precisão argumentativa.
 A utilização da lógica formal.
 A análise conceitual.
 O conhecimento empírico das ciências naturais.
 A Matemática.

A referida filosofia renovou a metodologia filosófica a partir do


desenvolvimento dos países de língua inglesa e hoje atinge todos os países. Um
ramo mais ligado à formação de sistemas, conhecido como “filosofia continental”,
ainda permanece presente em investigações referentes à história da filosofia.
Além disso, em termos de investigação filosófica, a filosofia analítica
reformulou toda a filosofia praticada no período contemporâneo, culminando na
inauguração das áreas anteriormente referidas.

Início e fundadores

A filosofia analítica começa com o positivismo lógico, hoje abandonado


em todos os campos, que afirmava não haver fatos filosóficos efetivos.
O esclarecimento do pensamento, por meio da lógica, deveria ser o objeto
da filosofia. Também recusa a utilização de modelos sistemáticos que
pretendessem explicar o mundo todo de uma só vez, bem como a análise da
forma lógica das proposições. Em sua primeira fase, os filósofos mais influentes
são:

 Gottlob Frege, o pai da lógica moderna.

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 Sir Bertrand Russell, ganhador do prêmio Nobel e reformulador da filosofia
da linguagem, explorou todos os tópicos da filosofia contemporânea.
 George Edward Moore (frequentemente referido como GE Moore), editor da
mais renomada revista de filosofia do mundo, Mind, e grande defensor do
senso comum como origem de conceitos.
 Ludwig Wittgenstein, autor do Tractatus Logico-Philosophicus, uma obra que
mudou os rumos da filosofia da linguagem e ajudou a encerrar o período
moderno da filosofia.

Influência empírica e procedimento

Russell defendeu que a filosofia analítica teria uma aproximação maior


com a ciência do que com a filosofia de tempos anteriores, em termos de suas
qualidades. Isso significa dizer que seria uma filosofia mais empírica, próxima
dos empiristas britânicos John Locke, George Berkely e David Hume.
Contudo, a filosofia analítica propõe a incorporação de ferramentas que
possibilitem atingir resultados definitivos, o que não foi possível para os
empiristas britânicos. Entre essas ferramentas estão a matemática, que se
desenvolveu rapidamente a partir do século XIX, e as ferramentas lógicas.
Isso tem relação direta com a recusa da filosofia analítica em produzir
sistemas completos para explicar o mundo, preferindo atacar um problema de
cada vez, seja para refutar ou para comprovar suas teorias, hipóteses e
formulações.
Quando construímos sistemas, qualquer falha, argumento contrário ou,
especialmente, dado da experiência empírica destroem todo o nosso trabalho.
Porém, na filosofia analítica, quando uma hipótese é refutada nós avançamos
em nossa investigação, aprendemos mais sobre o mundo e formulamos novas
teorias.
Como podemos ver, por esse proceder, Russell tinha razão, pois a
filosofia tem muito mais características da ciência que daquilo que estamos
acostumados a ver como filosofia.

95
Mas isso tem sua razão de ser. As ciências vieram da filosofia e, conforme
se afastavam dela, a própria filosofia ficou em parte sem propósito, ligada a
noções exclusivamente abstratas e condicionada pelo racionalismo, que não é
necessariamente ruim, mas precisa de conteúdo para ser adequadamente
trabalhado, o que os modelos continentais não podiam oferecer.
Ao aceitar trabalhar em conjunto com a ciência, a filosofia analítica
devolve o escopo da filosofia e seus objetos, permitindo que ela volte a investigar
o mundo, um problema de cada vez, procurando contribuir para o conhecimento
acerca do mundo.
A filosofia analítica acabou com o filósofo de gabinete. A ideia de
desenvolver conhecimento a partir do mundo e ditar regras, em todas as áreas,
de como se deveria proceder, sem a necessidade de utilizar o trabalho empírico,
direta ou indiretamente, não tem mais lugar no período contemporâneo.

Filosofia analítica e educação

O estilo de fazer filosofia analítica se liga diretamente ao modelo científico


da educação atual. As matérias escolares são orientadas na estrutura da ciência
produzida no período contemporâneo, sempre se atualizando e se mantendo em
linha com os desenvolvimentos tecnológicos.
Isso também significa uma maior liberdade no uso de métodos. Com a
ideia de maior conexão com a ciência e com o conhecimento empírico, foi
possível colocar a educação como campo de exploração da filosofia, de modo a
oferecer ferramentas e alternativas práticas, sem a necessidade de criar um
sistema completo para a educação baseada na filosofia.

Filosofia da educação

Com o desenvolvimento das áreas da filosofia, em contato com a ciência,


as outras áreas teóricas, o conhecimento empírico e com o desenvolvimento da

96
educação como profissão e um departamento acadêmico, é possível se pensar
em uma conexão entre ambas.
Essa é a origem da filosofia da educação, como vimos na nossa primeira
aula. A transformação da filosofia, em seu modo de operação e escopo, criou
diversas áreas de investigação e intersecção, sendo a filosofia da educação uma
delas, tanto como campo de investigação quanto como disciplina acadêmica.
É preciso considerar ainda que o educador está sujeito a diversas
influências e tem à sua disposição muitas ferramentas provenientes de diversas
áreas, para além dos conteúdos específicos das ciências que devem ser
ensinados, por meio das matérias escolares.
Seria supérfluo e contraprodutivo submeter o educador a um modelo
exclusivamente filosófico, ignorando as ferramentas que ele pode utilizar da
sociologia, da medicina, da neurociência, da psicologia e de diversas outras
áreas de grande influência na sociedade atual.

Filosofia educacional normativa

Dentro dessa linha de pensamento, da filosofia da educação seguir o


modelo de outros ramos da filosofia contemporânea, surge a ideia da filosofia
educacional normativa, cujas linhas de investigação e aplicação exploraremos
nesta aula.
A filosofia educacional normativa é um dos ramos da filosofia da
educação. É importante termos em mente que não é a única possibilidade, e que
o educador pode, por seus próprios meios, desenvolver metodologias próprias
com base nas ferramentas que tem à sua disposição.
Dessa forma, a filosofia educacional normativa, incluindo suas linhas que
apresentaremos aqui, trata de um conjunto de possibilidades já apresentado e
com resultados comprovados, ou refutados, ao longo da história recente da
educação.
Estudaremos as linhas referidas, como possíveis ferramentas para sua
formação como educador, no entanto, apontaremos aquelas cujo êxito for maior
e sua aplicação se mostrar mais adequada ao modo de trabalho contemporâneo.

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Composição e questões

Ainda que a filosofia educacional normativa possa recorrer a outras


ferramentas, ela é composta de três elementos fundamentais: pensamento
filosófico; inquisições factuais; e psicologia do aprendizado.
Assim, temos um aspecto teórico: o pensamento filosófico que tratará da
formatação das teorias filosóficas, que dão a base para a análise dos dados
empíricos, e são formuladas a partir delas, em uma intersecção real, sem
subordinação da teoria ou da prática.
Além disso, temos ainda um aspecto prático, chamado aqui de inquisições
factuais, para deixar seu escopo mais abrangente, como deve ser. Esse aspecto
deve propiciar o conhecimento empírico, a coleta de dados, os testes e a
aplicação dos resultados.
O último elemento, a psicologia do aprendizado, é uma ferramenta ampla,
que irá auxiliar não só no fornecimento de conteúdo empírico, mas também de
teorias e orientações quanto ao direcionamento do modelo de aprendizado,
evitando que as teorias sejam manipuladas por resultados práticos não precisos.
Dessa forma, temos um processo qualitativo e quantitativo que permite
analisarmos os casos, e adaptar as nossas teorias e práticas às melhores
práticas em normatização educacional.
Entre as questões levantadas em filosofia educacional normativa, temos
quatro pontos principais, a saber:

1. O que a educação deveria ser?


2. Quais disposições deveria cultivar?
3. Por que e como cultivá-las?
4. Qual deveria ser a metodologia da educação?

Desenvolvimento dos trabalhos

A filosofia educacional normativa desenvolve-se em um estilo


argumentativo próprio da filosofia, com uma estrutura em duas partes: a primeira,

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com duas premissas e uma conclusão; a segunda, adicionando-se uma
premissa e uma conclusão final, de acordo com o seguinte fluxo:

Fase 1
 Premissas de bom (morais) ou certo (éticas).
 Premissas factuais (empíricas) sobre o mundo e a humanidade.
 Conclusões baseadas nessas premissas sobre o que a educação deve
desenvolver.

Fase 2
 Premissas adicionais derivadas da psicologia do aprendizado e dos
métodos de ensino.
 Conclusões acerca dos métodos que a educação deveria utilizar.

Linhas da filosofia educacional normativa

Para concluir nossos trabalhos, selecionamos algumas linhas da filosofia


educacional normativa, que exemplificam o trabalho a ser desenvolvido e a forma
como esse trabalho deve ser pensado. Tais linhas são:

 Perenialismo.
 Essencialismo.
 Progressismo.
 Educação democrática.
 Educação clássica.

Perenialismo

Iniciado pelo professor Allan Bloom, professor da Universidade de


Chicago, o perenialismo foca permanentemente os conteúdos importantes. Os

99
detalhes acerca de fatos do mundo, como conhecimentos gerais, mudam
constantemente e, portanto, não devem ser o conteúdo da educação.
Esse conhecimento geral poderia, na visão de Bloom, ser adquirido
facilmente pela interação com o mundo cotidiano. A educação deve focar os
conteúdos que são permanentes e formam o indivíduo, a fim de que ele seja
capaz de lidar com esses conteúdos mais gerais.
Bloom defendeu a utilização de obras clássicas do conhecimento humano
na educação, focando os princípios e priorizando o que somos, antes do que
fazemos.
Como somos humanos, antes de sermos trabalhadores, deveríamos
aprender primeiramente sobre os aspectos humanos, as artes, o pensamento e
os direitos naturais, entre outros tópicos, para, então, falarmos de máquinas,
técnicas e treinamento vocacional.

Essencialismo

No essencialismo se defende que os estudantes devem ser expostos,


primeiramente, aos conteúdos tradicionais fundamentais, para depois dos mais
simples aos mais complexos.
Fundado por William Chandler Bagley, o essencialismo defende um
currículo essencial, cujos conteúdos devem ser aprendidos adequada e
rigorosamente, sem exceção.

Progressismo

O progressismo considera os seres humanos como animais sociais, de


modo que, na educação, seria melhor que aprendessem durante a interação
social.
Essa ideia de animais sociais está ligada ao conceito de progresso,
popular em muitas teorias do século XX, que supõe que os indivíduos se
comportam de modo determinado pela estrutura da sociedade.

100
O progressismo, no entanto, também está ligado ao processo de
descoberta, que coloca o estudante na posição de cientista, ao realizar
descobertas ao longo do aprendizado, expresso pelo filósofo John Dewey, sendo
a base de uma revolução na ideia de progressismo em educação.
O processo de cinco etapas do progressismo é um dos motivos de seu
sucesso em alguns ambientes educacionais e de sua popularidade, mas o
trabalho de John Dewey na formulação dessas cinco etapas é, muitas vezes,
ignorado.
Como chefe unificado dos departamentos de filosofia, pedagogia e
psicologia, Dewey colocou estas três áreas em conjunto, para desenvolver uma
filosofia educacional normativa que proporcionasse uma experiência, capaz de
levar os estudantes a serem mais criativos que os modelos progressistas de seu
tempo.
Dessa forma, o que começou como um modelo progressista transformou-
se em um modelo pragmático, ao valorizar a individualidade e as capacidades
de cada estudante. Veja, a seguir, as cinco fases desse processo.

1. Tomar consciência do problema.


2. Definir o problema.
3. Propor hipóteses para resolver o problema.
4. Utilizar experiências do passado para avaliar as possíveis
consequências das hipóteses propostas.
5. Testar as soluções mais prováveis.

Educação democrática

O modelo de educação democrática trata da administração da instituição


e formulação do currículo. Nesse modelo, pais e alunos participam das decisões
do currículo, em conjunto com a equipe pedagógica, professores e direção da
instituição de ensino.

101
Educação clássica

A educação clássica, para além de uma filosofia educacional normativa,


formou um movimento em favor de suas ideias. Iniciado pela educadora britânica
Charlotte Mason, baseia-se nas tradições da cultura da civilização ocidental,
colocando-se como uma filosofia educacional normativa, rigorosa e sistemática.
Mason propunha o uso de livros inteiros, como as obras de Plutarco, o
Velho Testamento da Bíblia cristã e outras obras de importância para a cultura
ocidental.
Tais obras deveriam ser lidas em voz alta pelos adultos, para que as
crianças tivessem contato com elas, mesmo antes de aprenderem a ler.
Deveriam ser feitas omissões nos pontos em que o conteúdo fosse considerado
inapropriado para a idade da criança.
Mason dificilmente utilizava compêndios ou seleções de conteúdo, por
acreditar que eles limitavam a capacidade da criança de explorar os detalhes do
processo de produção do conhecimento.
Essa proposta é muito influenciada pela educação da Idade Média, como
vimos na aula 6, especialmente pela escolástica. A ideia de uma educação
clássica vem diretamente dessa época, quase como um ramo da educação,
alterando-se ao longo do tempo para incluir ou remover disciplinas.
Desde os finais do século XX até o início do século XXI, o termo “filosofia
clássica” tem sido usado para descrever programas mais focados nas ciências
e artes liberais (liberal arts), como a história, em oposição a um programa pré-
profissional que se concentra em habilidades diretamente aplicáveis no cotidiano
que a criança vivenciará ao sair da escola.

A filosofia da educação atinge a formalidade na época contemporânea e


formula teorias próprias, dentro da transformação da filosofia. Não precisa aderir
a um sistema, pois pode utilizar qualquer ferramenta ou método que julgar
relevante.
A longa história das contribuições filosóficas para a educação gerou
muitas possibilidades e ferramentas. Isto nos dá material para investigarmos e

102
formularmos novos métodos, não só na filosofia recente, mas em toda sua
história.

Atividade de Aprendizagem

De que forma a reformulação da filosofia, por meio do surgimento da


filosofia analítica, possibilitou o surgimento da filosofia da educação como
disciplina independente?

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Referências básicas

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 3. ed. São Paulo:


Moderna, 2006.

CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2006.

SANTOS, Fausto dos. Os filósofos e a Educação. Chapecó: Argos, 2014.

ROUSSEAU, J. J. Emílio ou da Educação. São Paulo: Martins Fonte, 2014.

Referências complementares

SANTOS JÚNIOR, R. N. dos. Aprendendo a ensinar: uma introdução aos


fundamentos filosóficos da educação. Curitiba: Intersaberes, 2013.

GHIRALDELLI JÚNIOR, P. Introdução à Filosofia. São Paulo: Manole, 2003.

GESCON, E. Temas de Filosofia da Educação. Caxias do Sul: Educs, 2009.

KUIAVA, E. A.; STEFANI, J. (Orgs.) Identidade e diferença: filosofia e suas


interfaces. Caxias do Sul: Educs, 2010.

DEWEY, J. Democracia e educação: capítulos essenciais. Trad. Roberto


Cavallari Filho. São Paulo: Ática, 2007.

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Currículo do professor-autor

Willyans Maciel

Mestre em Filosofia pela UFPR, Graduado em Filosofia pela UFPR.


Atua como professor das disciplinas de Ética, Ética Profissional e Ética e
Legislação, em cursos técnicos e de graduação. Professor das disciplinas de
Bioética, Estudo de Casos e Metodologia da Pesquisa Científica, em cursos de
especialização lato sensu, presenciais e EaD. Treinador e árbitro certificado pela
escola russa de Wrestling – Combat e Sport Sambo (CBAS, 2011). Redator de
entradas enciclopédicas e artigos sobre temas filosóficos, científicos e éticos
(InfoEscola e Revista Doutrina). Orientador de trabalhos de conclusão de curso
e autor de material didático para o ensino superior. Em sua pesquisa científica,
aborda temas relativos à Liberdade, Deontologia, Ética e Cognição.

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