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MUDANÇA S CLIMÁTIC A S

As mais recentes diretrizes para o enfrentamento da mudança do clima


(https://revistapesquisa.fapesp.br/as-mais-recentes-diretrizes-para-o-
enfrentamento-da-mudanca-do-clima/)
Relatório do IPCC sobre a adaptação ao aquecimento global enfatiza a urgência de
ação rápida e coordenada para evitar o pior cenário
Milharal afetado por estiagem no Rio Grande do Sul, em janeiro deste ano: mudanças no clima podem causar extensos danos à agricultura
Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

E
xiste um prazo para a adaptação à mudança do clima, e ele está bem próximo. Essa foi a tônica da parte mais recente do sexto
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), lançado segunda-feira (28/2)
(https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/). O relatório avaliou dezenas de milhares de espécies e
concluiu que, se houver um aumento de 3 graus Celsius (°C) na temperatura global acima dos níveis pré-industriais, uma em cada três
delas corre risco de extinção em ecossistemas terrestres.

O cenário não é muito melhor para a humanidade. Metade da população global – ou entre 3,3 bilhões e 3,6 bilhões de pessoas – vive em
condições de alta vulnerabilidade em relação à maior intensidade e frequência de eventos extremos, com impactos profundos para essas
populações, como aconteceu nas inundações recentes em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, secas diminuem a água
disponível para agricultura, uso doméstico e geração de energia, por exemplo.

Com a projeção de que em 2050 cerca de 70% da população mundial será urbana, é urgente que as cidades se adaptem ao novo cenário. O
problema é agravado nas américas do Sul e Central porque cerca de 20% da população urbana vive em áreas informais e precárias, que
exigem intervenções para a redução de risco. Para a urbanista e coautora do relatório Maria Fernanda Lemos, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), uma visão sistêmica das cidades para planejar a adaptação no longo prazo é crucial para o
enfrentamento da mudança do clima e os riscos de impactos projetados. “Grande parte do investimento em adaptação no mundo todo tem
sido direcionada para grandes soluções de infraestrutura em concreto”, observa. “A literatura, entretanto, aponta como promissora a
combinação dessas soluções com outras baseadas na natureza, progressivamente mais utilizadas no enfrentamento de impactos como
alagamentos, deslizamentos e proteção costeira nas cidades.”

Entrevista: Maria Fernanda Lemos


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A cada dia que passa, a janela para a adaptação vai se fechando. “Se o aquecimento global exceder 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais,
as oportunidades de adaptação a muitos riscos climáticos serão possivelmente limitadas e terão sua eficácia reduzida”, diz a matemática
Thelma Krug (https://revistapesquisa.fapesp.br/thelma-krug-a-negociadora-do-clima/), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) e vice-presidente do IPCC. Ela enfatiza que “cortes rápidos e profundos nas emissões de gases de efeito estufa são críticos se
quisermos recuperar a natureza e melhorar a sociedade”.
Ainda de acordo com o relatório, estamos muito mais próximos desse aumento de temperatura do que muita gente imagina: no melhor
cenário, chegaremos a 1,5 °C a mais na temperatura global em 2040.
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Uma construção meticulosa
O documento, focado nos impactos, na adaptação e na vulnerabilidade à mudança do clima, é resultado do esforço de pesquisadores do
mundo todo envolvidos no Grupo de Trabalho II do IPCC. Ao longo dos últimos cinco anos, eles avaliaram artigos científicos sobre esses
temas e fundamentaram os resultados do relatório nas evidências e na concordância entre as publicações.

A construção não se dá do dia para a noite. O documento envolveu o trabalho de quase mil pesquisadores em 67 países – 270 autores
principais e 675 contribuintes – cada um com décadas de expertise acumulada. De 2019 para cá, a equipe revisou mais de 34 mil estudos
científicos sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade à mudança do clima. Somados, os comentários de revisão de especialistas e
governos nas minutas que precederam a versão final ultrapassaram a casa dos 60 mil.

“As afirmações que escrevemos no relatório não são nossas – é preciso que cada frase possa ser checada e rastreada na literatura científica.
É um formato muito rígido porque não dá para expressar opinião”, explica a bióloga Patrícia Pinho, pesquisadora do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (Ipam) e coautora do relatório. Os relatórios do IPCC usam qualificadores para expressar o grau de confiança nos
diagnósticos e nas projeções: baixa, média, alta ou muito alta. “Se encontramos, por exemplo, 15 artigos sobre um determinado tema e
todos concordam em uma conclusão, temos alta evidência e alta confiabilidade. Se achamos apenas quatro artigos, mas todos concordam
nas conclusões, temos uma baixa evidência, mas alta confiabilidade”, continua.
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Lacunas se estreitam
Por mais que o processo de criação de um relatório como os do IPCC seja complexo, cuidadoso e exaustivo, isso não quer dizer que seja
totalmente desprovido de falhas. “Existem lacunas na produção científica sobre adaptação à mudança do clima em partes do Sul Global
como América do Sul e América Central. Para suprir isso, usamos relatórios de governos e organizações não governamentais”, conta
Lemos. O problema é que o nível de confiabilidade diminui, por esses levantamentos não necessariamente adotarem o rigor das
publicações científicas.

Essas lacunas, explica Pinho, se devem em grande parte à concepção fragmentada sobre mudança do clima predominante no Brasil.
“Avançamos muito no conhecimento do clima como um sistema biofísico, mas não tanto na integração com as ciências sociais. O Brasil é
bom em fazer diagnóstico, mas investe pouco em pesquisar soluções. Em adaptação, a produção científica da América do Sul é mais baixa
do que a da África e da Ásia”, observa.
Também existe, ainda, um desequilíbrio de gênero e de origem dos pesquisadores – 41% dos autores são mulheres, enquanto 59% são
homens; 43% são provenientes de países em desenvolvimento, diante de 57% de países desenvolvidos – o que reflete a desigualdade de
gênero e origem na produção científica global. Apesar disso, há avanços. “Há mais mulheres na autoria deste relatório do que no anterior,
e mais pesquisadores de áreas fora das ciências físicas também”, diz Pinho. É importante, porque o gênero, a origem e a especialidade dos
pesquisadores afetam o olhar sobre as questões analisadas e a própria seleção de temas relevantes.

Krug conta que o relatório buscou integrar mais fortemente o conhecimento entre as ciências naturais, sociais, ecológicas e econômicas do
que as edições anteriores. Além disso, “o conhecimento sobre mudança do clima de povos indígenas e das comunidades locais foi
extensivamente usado no relatório como fonte de evidência e exemplos de ações implementadas foram obtidos na América Latina, no
Canadá, na África, Índia e Australásia [Austrália, Nova Zelândia, Nova Guiné e ilhas menores da parte oriental da Indonésia]”.

O resultado de todo esse processo é uma compilação sólida do que se sabe até o momento sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade à
mudança do clima. “Os dados são suficientes para criar senso de urgência e ação. Como o cenário infelizmente não vai melhorar, a
incerteza que temos é sobre o quanto poderá piorar”, adverte Lemos.

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