Você está na página 1de 12

Organização, Recursos Humanos e Planejamento

PROCESSO, QUE
PROCESSO?

José Ernesto Lima Gonçalves


Professor do Departamento de Administração Geral e
Recursos Humanos da EAESP/FGV e Consultor.
E-mail: jernesto@fgvsp.br

RESUMO ABSTRACT
Este texto, uma continuação do artigo “As empresas são grandes cole- This text, a sequel of a previously published article (Gonçalves, 2000),
ções de processos” (Gonçalves, 2000), resume as diferenças entre as states the differences between traditional organizations and process
organizações tradicionais e as empresas estruturadas por processos, organizations. It shows the main stages in which companies may be
mostra os principais estágios em que as empresas podem estar no seu on their way towards process organizations and how to identify the
caminho em direção a organizações por processos e como identificar particular stage a company currently is. Besides, this article sets the
em qual deles a empresa está, estabelece as vantagens da gestão por advantages of managing by processes and presents objective
processos sobre modelos tradicionais e apresenta argumentos objeti- arguments and criteria that can guide companies to make decisions
vos e critérios que podem orientar a decisão das empresas pela mu- about their organizational model.
dança da sua maneira de organizar.

PALAVRAS-CHAVE
Processos empresariais, processos de negócio, gestão por processos, organização por processos, dono do processo.

KEY WORDS
Processes, business processes, managing by processes, process organizations, process owner.

8 RAE - Revista de Administração de Empresas • Out./Dez. 2000 RAESão


• v.Paulo,
40 • v.n. 40
4 •• Out./Dez.
n. 4 • p. 2000
8-19
Processo, que processo?

INTRODUÇÃO brar o que é rentável para uma empresa a fim de não


quebrá-la agradando aos clientes (Tendick, 1999).
Muitas empresas querem organizar-se por proces- Ao procurar estruturar-se por processos, as empre-
sos, mas não têm uma noção clara dos passos a seguir sas acabam descobrindo que é impossível sobrepor um
e das providências que devem ser tomadas. Outras não processo integrado a uma organização fragmentada pelo
estão certas da decisão a tomar a respeito da sua estru- desenho funcional tradicional (Hammer e Stanton,
turação por processos e podem beneficiar-se de um ra- 1999). As organizações estruturadas por tarefas pre-
ciocínio que as ajude a decidir. Existem também as em- cisam ser redesenhadas para poder funcionar por pro-
presas que não sabem ao certo o que significa serem cessos. Algumas empresas acabam dando alguns pas-
organizadas por processos e as que não têm certeza se sos e desistem logo depois, sem saber ao certo como
a sua forma organizacional atual é adequada para a prosseguir.
gestão por processos. Finalmente,
temos, ainda, as empresas que pre-
cisam de mais esclarecimentos Muitas empresas não têm uma noção clara dos
sobre o assunto para que possam
analisar as vantagens da gestão por passos a seguir para se organizarem por processos.
processos.
Este texto, uma continuação
do artigo “As empresas são grandes coleções de pro- As empresas percebem que é virtualmente impos-
cessos” (Gonçalves, 2000), resume as diferenças en- sível mudar de uma organização por tarefas para uma
tre as organizações tradicionais e as empresas estru- organização orientada por processos sem um claro
turadas por processos, mostra os principais estágios entendimento do que exatamente faz a empresa fun-
em que as empresas podem estar no seu caminho em cionar bem e ter ritmo e notam que devem estar pre-
direção a organizações por processos e sugere critéri- paradas para uma nova maneira de fazer negócios. Um
os que podem orientar a decisão das empresas pela quadro claro dessa situação deve servir de ponto de
mudança da sua maneira de organizar. partida para todos os subseqüentes alinhamentos de
A empresa é a forma pela qual nós organizamos pessoas e processos dentro de uma empresa. É tam-
nossos recursos de todos os tipos para realizar o tra- bém vital garantir que a empresa não vá tomar inicia-
balho que nos propusemos a fazer. A estrutura de nos- tivas que desperdicem tempo, esforço e dinheiro
sas organizações manteve-se basicamente a mesma (Tendick, 1999).
durante várias décadas ao longo do século XX. Ela é Identificar o processo como sendo a maneira tí-
herança da Revolução Industrial inglesa e foi refor- pica de realizar o trabalho é importante para defi-
mada durante o surto industrial americano no começo nir a forma básica de organização das pessoas e
do século. Esse tipo de organização assenta-se sobre dos demais recursos da empresa (Dreyfuss, 1996).
vários pressupostos que estão superados e que deram O processo é um conceito fundamental no projeto dos
base ao surgimento de empresas voltadas para den- meios pelos quais uma empresa pretende produzir e
tro, para suas próprias atividades, com estruturas hie- entregar seus produtos e serviços aos seus clientes.
rárquicas pesadas e rígidas (Gonçalves e Dreyfuss, Além disso, muitos dos processos nas empresas são
1995). repetitivos e envolvem, no seu conjunto, a maioria
Empresas como a IBM, a HP e a Texas Instruments das pessoas da organização.
estão se organizando por processos no esforço para Nas empresas de serviços, por exemplo, o concei-
mudar de patamar em termos de desempenho empre- to de processo é de fundamental importância, uma vez
sarial, de atendimento aos seus clientes e de resulta- que a seqüência de atividades nem sempre é visível,
dos para seus acionistas. As empresas estão procu- nem pelo cliente, nem pelas pessoas que realizam es-
rando se organizar por processos1 para terem maior sas atividades (Gonçalves, 2000). Para o pessoal das
eficiência na obtenção do seu produto ou serviço, empresas de serviços, os processos são seqüências de
melhor adaptação à mudança, melhor integração de atividades que são necessárias para realizar as tran-
seus esforços e maior capacidade de aprendizado sações e prestar o serviço (Ramaswamy, 1996). A
(Gonçalves, 1997a). importância dos processos de trabalho aumenta à
A idéia de processo não é nova na administração medida que as empresas ficam com conteúdo cada vez
das empresas, mas é um novo entendimento que diz mais intelectual ou nas empresas de conteúdo pura-
que o negócio precisa focar aquilo que pode ser feito mente intelectual (Quinn, 1992), afastando-se do
para agradar aos clientes externos. Também é equili- modelo fabril, de produção manufatureira.

©
RAE
2000,
• v.RAE
40 -• Revista
n. 4 • de
Out./Dez.
Administração
2000 de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 9
Organização, Recursos Humanos e Planejamento

COMO ENXERGAR OS PROCESSOS os processos podem ser agregados em macroprocessos


e subdivididos em subprocessos ou grupos de ativi-
Muitos dos processos das áreas não fabris das em- dades, e o nível de agregação mais adequado depen-
presas não são prontamente reconhecidos porque são de do tipo de análise que se pretende fazer.
pouco visíveis. O trabalho nos escritórios, por exem-
plo, segue fluxos que são conduzidos pelos cabos da O PONTO DE VISTA DO CLIENTE
rede informatizada, e não é tão facilmente observável
o deslocamento do trabalho sendo realizado. As empresas convencionais foram projetadas em
A distinção entre os processos de negócio e os pro- função de uma visão voltada para a sua própria reali-
cessos auxiliares ou de suporte pode ajudar muito na dade interna, sendo centradas em si mesmas. A im-
identificação dos processos essenciais da empresa. plementação do ponto de vista do cliente na gestão
Geralmente, os processos essenciais estão diretamente das empresas praticamente exige que se faça o rede-
associados às regras básicas do negócio (Gonçalves, senho de seus processos de negócio. A adoção de uma
2000). No caso de uma seguradora, por exemplo, a estrutura baseada nos processos significa, em geral,
empresa propõe-se a garantir cobertura no caso de de- dar menos ênfase à estrutura funcional da empresa
terminados sinistros ocorridos com os clientes sele- (Davenport, 1994) e, na prática, exige o emprego de
cionados com as quais ela faz contrato de seguro. Para outros modelos organizacionais e de negócios (Gon-
isso, ela deverá: a) selecionar os clientes e fazer con- çalves, 1998).
trato de seguro com eles, b) reembolsar os pedidos de Para organizar a empresa por processos de negó-
indenização por motivo de sinistro nos casos devidos cio, precisamos colocar o foco no cliente externo, já
e c) manter vínculo contratual com os clientes seleci- que os processos de negócio começam e terminam
onados. Esses são os grandes processos essenciais nele. Os processos enxergam uma linha de ativida-
numa seguradora-padrão. des que começa com o entendimento exato do que
Um caso real ilustra a dificuldade de as pessoas o cliente externo deseja e termina com o cliente ex-
visualizarem os processos essenciais das empresas. terno adquirindo o que ele precisa e deseja de um
O pessoal da Belofio, uma empresa industrial paulis- negócio.
ta fabricante de fios e malhas de algodão, por exem- O cliente está no centro das organizações por pro-
plo, levou 15 dias para entender seu processo essen- cessos, e o objetivo final dessas empresas é oferecer
cial principal. Eles conseguiam identificar de ime- para o cliente mais valor, de forma mais rápida e a
diato o processo fabril de fabricação dos fios e ma- um custo mais baixo. Nossas organizações atuais são
lhas, mas o processo essencial de atendimento dos um entrave para isso, e é necessário aprender a pen-
pedidos dos clientes só foi bem compreendido depois sar em novas formas de estruturar as empresas. As
de inúmeras reuniões com os participantes das diver- pessoas precisam aprender a compreender o negócio,
sas áreas funcionais da empresa (Figura 1). a assumir mais responsabilidades e a trabalhar em
A análise dos processos nas empresas implica a equipe (Hammer, 1998).
identificação das diversas dimensões desses proces- A noção de valor para o cliente é baseada na per-
sos: fluxo (volume por unidade de tempo), seqüência cepção da vantagem ou do benefício que ele recebe
das atividades, esperas e duração do ciclo, dados e em cada transação com a empresa. Essa percepção
informações, pessoas envolvidas, relações e depen- depende, por exemplo, da relação entre o tempo de
dências entre as partes comprometidas no funciona- processamento e o tempo de ciclo. 2 O preço pago é
mento do processo. apenas uma parte do esforço para obter o produto ou
A idéia de hierarquia é fundamental para a identi- serviço. O cliente avalia também a rapidez e o con-
ficação dos processos essenciais e para a análise forto para obter o produto e a oportunidade de conse-
sistêmica das organizações. De acordo com essa idéia, guir o que deseja. Nem sempre o valor para o cliente

Figura 1 – O processo de atendimento dos clientes da Belofio

Progra-
Análise Aprovação Despacho
mação Sepa- Fatura- Transporte Pós- Contas a
Pedido de dos da
dos ração mento venda receber
crédito pedidos mercadoria
pedidos

10 RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000


Processo, que processo?

é identificado de maneira clara e indiscutível, e sua “caixinhas” que executam pedaços fragmentados de
avaliação é difícil, já que existem componentes ir- processos de trabalho. Em cada “caixinha”, predomi-
racionais e emocionais. nam atividades padronizadas, controladas por vários
De uma maneira simplificada, podemos dizer que níveis de chefia, cuja função principal é garantir o
o comportamento do cliente e suas expectativas se cumprimento das normas (Gonçalves e Dreyfuss,
baseiam em algumas idéias simples. O cliente ava- 1995). Além disso, essas empresas têm muitos níveis
lia cuidadosamente o que ele recebe em função do hierárquicos, o que introduz impedâncias e perdas de
que paga e não enxerga aspectos internos da organi- carga e usam mais recursos que o indispensável.
zação, por mais maravilhosos
que eles possam parecer para
o pessoal interno. Com raras As estruturas organizacionais convencionais têm
exceções, o cliente não se in-
teressa por detalhes de como a diversas características operacionais indesejáveis.
empresa produz o que oferece
e, certamente, não compra para
melhorar o resultado da empresa fornecedora. A organização orientada por processos pressupõe
que as pessoas trabalhem de forma diferente. Em lu-
ORGANOGRAMAS E PROCESSOS gar do trabalho individual e voltado a tarefas, a orga-
nização por processos valoriza o trabalho em equipe,
Os organogramas não se prestam para a análise dos a cooperação, a responsabilidade individual e a von-
processos de negócio, pois não mostram como eles tade de fazer um trabalho melhor. Ela projeta e
funcionam na prática nem como ocorrem na empresa. mensura cuidadosamente seus processos e faz com que
Os processos de negócio estão relacionados com o todos os funcionários entendam e se responsabilizem
funcionamento da organização e geralmente não res- por eles, possibilitando o desenvolvimento de um sen-
peitam os limites estabelecidos pelos organogramas. timento de “propriedade do processo”. As pessoas
A organização de uma empresa por processos pode cumprem tarefas, mas têm uma visão mais ampla e
ter a aparência de uma estrutura funcional, com áreas pensam a respeito dos processos (Hammer, 1998).
funcionais bem definidas, mas com processos operan- A visão horizontal das empresas é uma maneira de
do efetivamente de forma ortogonal (“na horizontal”). identificar e aperfeiçoar as interfaces funcionais, que
Não se trata de uma estrutura matricial, embora exis- são os pontos nos quais o trabalho que está sendo
tam relações de dupla subordinação nas organizações realizado é transferido de uma unidade organizacio-
por processos. Muitas vezes, as mesmas pessoas par- nal para a seguinte (Rummler e Brache, 1990). É nes-
ticipam de vários processos simultaneamente. sas transferências que ocorrem os erros e a perda de
Na prática, as áreas funcionais e suas chefias não tempo, responsáveis pela maior parte da diferença
desaparecem quando a organização se estrutura por entre o tempo de ciclo e o tempo de processamento
processos. À medida que os process owners (“donos nos processos empresariais. A empresa terá melhor
do processo”) vão assumindo responsabilidade cada aproveitamento da experiência e do conhecimento ad-
vez maior pelo projeto, pela estruturação e pelo fun- quiridos em todas as suas áreas quando se tornar ca-
cionamento dos processos essenciais das empresas, paz de transferi-los e compartilhá-los dentro de um
os chefes das áreas funcionais se focam cada vez mais fluxo horizontal de conhecimento.
no treinamento e na capacitação do seu pessoal.
OS PROCESSOS NAS EMPRESAS
ORGANIZAR POR PROCESSOS
Algumas empresas já exploram o potencial da
As estruturas organizacionais convencionais centralização das suas prioridades, ações e recursos
apresentam algumas características indesejáveis que nos seus processos essenciais (ou de negócio). São
comprometem o desempenho das empresas: elas conhecidas pela sigla PCE (Process-Centered
priorizam as funções (áreas “verticais”) em detrimento Enterprises) e são empresas que têm demonstrado
dos processos essenciais e exageram na divisão de desempenho superior em termos de agilidade, flexi-
tarefas, pois adotam o critério da otimização do fun- bilidade e capacidade de resposta.
cionamento das áreas funcionais, o que leva à Os processos de negócio ou de cliente (business
hiperespecialização. Nessa situação, as empresas têm processes) são aqueles que caracterizam a atuação
estruturas hierárquicas rígidas e pesadas, repletas de da empresa e que são apoiados por outros processos

RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000 11


Organização, Recursos Humanos e Planejamento

internos, resultando no produto ou serviço que é re- (Gonçalves, 2000). Tentar enxergar o funcionamento
cebido por um cliente externo (Gonçalves, 2000). das empresas do ponto de vista dos processos é a mais
Os processos de negócio são ligados à essência eficaz maneira de escapar da “abordagem das chami-
do funcionamento da organização (Dreyfuss, 1996). nés”. 3 De acordo com essa idéia, as empresas organi-
Eles são típicos da empresa em que operam e são zam-se geralmente como conjuntos de unidades fun-
muito diferentes de uma organização para outra. Eles cionais verticais isoladas umas das outras, operando
têm o suporte dos sistemas informatizados que têm em paralelo, sem muita interligação. Nesse modelo,
os processos precisam atravessar
as fronteiras entre as “chaminés”
funcionais, com sensível perda de
Existem vários estágios na evolução de uma tempo, qualidade e capacidade de
empresa em direção à organização por processos. atendimento.
A centralização das empresas
nos seus processos levará a dese-
sido desenvolvidos ao longo de muitos anos de nhos organizacionais muito diferentes dos que conhe-
desafios e aperfeiçoamento. São os três ou quatro cemos atualmente. O primeiro estágio, não apenas
processos essenciais para a obtenção dos produtos previsível mas que já está sendo adotado em muitas
ou serviços que são oferecidos aos clientes da em- empresas, é o de redistribuir os recursos humanos e
presa. São tipicamente processos de agregação de técnicos das empresas ao longo dos processos de ne-
valor, e seu bom desempenho é crítico para o resul- gócio (Gonçalves, 1997b).
tado da empresa.
Por outro lado, as atividades essenciais (aquelas GESTÃO POR PROCESSOS VERSUS
atividades que são críticas para que sejam atingidos ESTRUTURAÇÃO POR PROCESSOS
os objetivos da empresa) também podem, algumas
vezes, ser chamadas de processos. Elas envolvem um Uma vez que as pessoas passam a trabalhar no pro-
conjunto de atividades operacionais, diversos níveis cesso, e não mais nas áreas da empresa que deixam
organizacionais e práticas gerenciais. Assim, elas são de existir ou perdem muito de sua importância, a ges-
os processos que precisam ser executados para que a tão dessas pessoas deve seguir modelos muito dife-
empresa exista (Bennis e Mische, 1995). rentes dos tradicionais. Num quadro de grande im-
A importância dos processos essenciais na gestão portância das pessoas na implementação de estrutu-
das empresas vai da identificação e definição desses ras por processos e na gestão de organizações estru-
processos, passa pelo aperfeiçoamento de tais proces- turadas de acordo com esse modelo, surgem pergun-
sos, pela priorização deles na gestão da empresa como tas inquietantes para as quais não temos, ainda, as
um todo e chega até a redefinição da estrutura orga- melhores respostas. Como trabalham as pessoas num
nizacional e do funcionamento da empresa em fun- processo? A quem respondem? Como se coordena o
ção dos seus processos básicos. trabalho realizado no processo? Como avaliar a ade-
quação e o desempenho das pessoas na organização
ESTRUTURA ORGANIZACIONAL por processos? Como estruturar a carreira e o desen-
FUNCIONAL VERSUS ESTRUTURA volvimento dessas pessoas?
ORGANIZACIONAL POR PROCESSOS O funcionamento das empresas de acordo com a
lógica dos processos implica a adoção de novas ma-
A organização orientada por processos está sur- neiras de trabalhar e de gerenciar o trabalho (Gonçal-
gindo como a forma organizacional dominante para o ves, 1997b). A gestão por processos organizacionais
século XXI (Hammer, 1996). Abandonando a estru- difere da gestão por funções tradicional por pelo me-
tura por funções, que foi a forma organizacional pre- nos três motivos: ela emprega objetivos externos, os
dominante nas empresas do século XX, as empresas empregados e recursos são agrupados para produzir
estão organizando seus recursos e fluxos ao longo de um trabalho completo e a informação segue direta-
seus processos básicos de operação. Sua própria lógi- mente para onde é necessária, sem o filtro da hierar-
ca de funcionamento está passando a acompanhar a quia (Stewart, 1992). O sucesso da gestão por pro-
lógica desses processos, e não mais o raciocínio com- cessos está ligado ao esforço de minimizar a subdivi-
partimentado da abordagem funcional. são dos processos empresariais.
Faz sentido definir uma estrutura organizacional O raciocínio baseado em processos é essencial para
em torno de um processo como fluxo de trabalho o “tombamento” 4 das organizações: os membros da

12 RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000


Processo, que processo?

equipe dão início ao trabalho e asseguram-se de que o ONDE ESTAMOS COM RELAÇÃO À
seu trabalho seja realmente realizado; estabelecem pa- ORGANIZAÇÃO POR PROCESSOS?
drões para a avaliação da performance da equipe e de
seus membros e dão apoio, encorajam e reconhecem as Existem vários estágios na evolução de uma em-
contribuições dos colegas de equipe. Essa forma de raci- presa em direção à organização por processos. Cada
ocínio dá maior ênfase ao processo que ao seu conteúdo. empresa atualmente se encontra em algum desses es-
Como os process owners não são chefes dos em- tágios e pode decidir passar para outro estágio que
pregados que atuam nos seus processos, eles não po- seja mais adequado às suas operações e perspectivas.
dem mandar: têm que negociar e exercer influência. Algumas empresas realmente evoluem de um estágio
O modelo de gestão não pode se basear em comando para outro ao longo de um trajeto. Outras passam di-
e controle: precisa de negociação e colaboração retamente de uma posição pouco evoluída para outra
(Hammer e Stanton, 1999). As pessoas precisam bem mais avançada. Nessa óptica, é importante que
aprender a trabalhar em ambientes de colaboração. se tenha um quadro de referência que auxilie na ava-
A gestão por processos apóia-se no emprego de um liação do estágio de evolução da empresa em direção
sistema de medidas baseado em processos (process- à organização por processos.
centered measurement system).
Esses sistemas dão ênfase às
variáveis e medidas referentes A essência da gestão por processo é a coordenação das
aos processos, e não às unida-
des verticais. 5 A s m e t a s atividades realizadas na empresa, em particular aquelas
adotadas pela empresa, por
exemplo, são as dos proces- executadas por diversas equipes de diversas áreas.
sos, e não aquelas adotadas
tradicionalmente pelas áreas
funcionais. Em princípio, podemos identificar pelo menos cin-
Modernas ferramentas de gestão empresarial, como co estágios num espectro que vai de um modelo pura-
os sistemas informatizados integrados do tipo ERP mente funcional até o modelo essencialmente basea-
(Enterprise Resource Planning), como, por exemplo, do em processos. As posições intermediárias corres-
o SAP, pressupõem que a gestão da empresa se dê por pondem a situações em que as empresas apresentam
processos – e, portanto, só têm máximo resultado níveis variados de características típicas de organiza-
quando a empresa que os utiliza já está estruturada ções por processos.
por processo – e que ela já seja administrada por eles. O Quadro 1 descreve as várias etapas em que as em-
Afinal, a empresa estruturada por processos não é presas podem se encontrar em relação à organização por
necessariamente gerida por processos e vice-versa. processos e apresenta algumas das características bási-
Muitas vezes, a gestão das empresas ocorre de acor- cas dessas etapas tanto do ponto de vista do funciona-
do com as idéias e os procedimentos antigos, típicos mento das empresas como dos limites que é possível
das organizações funcionais, mesmo quando elas es- atingir em cada uma delas em termos de negócios.
tão querendo se organizar por processos. Outras ve- As empresas que se encontram na Etapa A são
zes, as pessoas tentam administrar suas empresas por aquelas que ainda não deram passos decididos em di-
processos (inclusive com o emprego de sistemas reção à estruturação por processos. Algumas se ques-
informatizados especificamente projetados para isso) tionam sobre a validade de adotar uma estrutura por
sem, no entanto, estruturá-las da maneira adequada. processos, outras só conseguem perceber os seus pro-
Os resultados, em ambos os casos, não são os melho- cessos de manufatura, mas existem também aquelas
res que se poderia pretender obter por causa da in- empresas que, por diversos motivos, não chegaram a
compatibilidade entre modelo de gestão e modelo or- considerar seriamente a idéia de se reestruturar.
ganizacional. Nas organizações tradicionais, os processos são igno-
A essência da gestão por processo é a coordena- rados. Elas baseiam-se no fato de que os funcionários têm
ção das atividades realizadas na empresa (Gonçal- foco restrito, e a visão mais geral do quadro cabe unica-
ves, 1997a), em particular aquelas executadas por mente aos gerentes. Os funcionários realizam uma tarefa
diversas equipes de diversas áreas. O funcionamen- comandados por seus chefes (Hammer, 1998). São em-
to adequado da empresa e dos processos depende exa- presas que ainda precisam passar por uma etapa de cons-
tamente da competência com que essa coordenação cientização a respeito do assunto. Para essas empresas,
é executada. as chances de uma mudança radical são muito limitadas.

RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000 13


Organização, Recursos Humanos e Planejamento

As empresas que se encontram na Etapa B já têm vidades e funções que não agregam valor para o clien-
seus processos e subprocessos identificados, porém o te final. Em termos de passos adiante, podem adotar
foco do esforço ainda está centrado nas funções. Seus novos critérios para redistribuir seus recursos, de pre-
processos são enquadrados na estrutura funcional e ferência, em função dos seus processos essenciais, e
geralmente empregam formas de trabalho antigas. As não das unidades verticais, e atribuir cada processo
empresas dessa categoria limitam-se a aperfeiçoar os essencial a um process owner.
gargalos e obter mais eficiência operacional. Seu gran- As empresas na Etapa D já tomaram todas as pro-
de desafio é o mapeamento dos seus processos e a vidências das etapas anteriores. Geralmente, distri-
identificação dos processos essenciais em torno dos buem seus recursos ao longo de seus processos es-
quais se organizar. senciais e atribuem a responsabilidade da gestão de
As empresas típicas da Etapa C são aquelas que, cada processo essencial a um process owner. No en-
embora já tenham identificado seus processos e me- tanto, ainda trabalham com estruturas antiquadas e,
lhorado seus processos essenciais, ainda raciocinam por apesar de estarem começando a obter resultados, a
funções. Nessas empresas, o poder ainda se concentra ênfase em processos provoca um alto desconforto na
nas unidades verticais, que resistem fortemente à idéia organização. Em termos de negócios, podem conse-
de “horizontalizar” a gestão. Geralmente, o máximo guir aperfeiçoar bastante o desempenho de processos
que podem tentar é aperfeiçoar seus processos essen- isolados, integrando-os aos processos auxiliares. Sua
ciais, acrescentando-lhes tecnologia e cortando as ati- grande tarefa, a partir desse ponto, é desenvolver um

Quadro 1 – Os estágios da evolução para a organização por processos


Etapas
A B C D E

Onde Processos, que Identificamos Melhoramos os Redistribuímos Nossa organização


estamos processos? nossos processos, processos nossos recursos ao foi desenhada pela
subprocessos e essenciais longo de nossos lógica dos nossos
subsubprocessos processos processos
essenciais e essenciais
atribuímos a
responsabilidade a
um process owner

Comentários As empresas sequer O foco do esforço As empresas ainda Ainda é um É a forma de


se deram conta ainda está nas raciocinam por remendo, organização
funções funções, mesmo construído sobre indicada para a
Em geral, as que conheçam bem uma estrutura gestão por processo
empresas percebem Os processos são seus processos antiquada
apenas os enquadrados na Áreas funcionais
processos de estrutura funcional O uso de case As empresas praticamente não
manufatura, os managers pode começam a obter existem
outros processos A abordagem é melhorar o contato resultados da
são acessórios ampla demais com o cliente ênfase em As metas e métricas
processos, mas com são definidas para
A forma de trabalho O poder ainda um alto desconforto os processos
é provavelmente reside nas na organização
ainda antiga unidades verticais
Implantação da
nova organização

Até onde dá para Enquanto o assunto Aperfeiçoamento Aperfeiçoamento Gestão de alguns Gestão integrada
ir em termos de é pura manufatura, de gargalos e dos processos processos isolados dos processos
negócio as chances de obtenção de essenciais, cortando e integração com essenciais
aperfeiçoamento melhoras de as atividades e processos auxiliares
radical são eficiência pontuais funções que não
limitadas agregam valor

14 RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000


Processo, que processo?

novo modelo estrutural, rompendo com as principais empresa de um modelo funcional para uma estrutura
funções, reformulando os referenciais e os mecanis- por processos implica (Gonçalves, 1997a):
mos de gestão e, finalmente, implantando a nova or- • atribuir a responsabilidade pelo andamento de cada
ganização. processo essencial a um process owner;
Finalmente, as empresas que se encontram na Eta- • minimizar os deslocamentos de pessoas e as
pa E são aquelas que já foram desenhadas pela lógica transferências de material (para reduzir esperas,
dos processos essenciais. Muitas vezes, são empresas erros e cruzamento de fronteiras), organizando
novas, que não têm compromissos estruturais e orga- as atividades ao longo de processos, e não por
nizacionais com o passado e que surgem já dentro de funções;
novos referenciais de organização e de negócio. São • maximizar o agrupamento das atividades, em-
empresas capazes de realizar a gestão integrada de pregando equipes multifuncionais e pessoal
seus processos essenciais e de colher os resultados polivalente;
dessa integração. Sua grande tarefa é a monitoração • diminuir o gasto de energia por meio de ativida-
permanente da definição do seu negócio e o ajuste des como, por exemplo, reunir as partes da empre-
dos processos adequados para seu negócio sempre que sa em um menor número de locais ou empregar
necessário, adequando a organização a cada momen- maciçamente os recursos de tecnologia de infor-
to, como um organismo vivo. mação para reduzir o transporte, a armazenagem e
A principal utilidade desse modelo de classifica- o deslocamento dos recursos e materiais emprega-
ção das empresas é a identificação do estágio em que dos nos processos essenciais.
se encontra a empresa de modo a ser
possível avaliar como ela se situa com
relação às demais e com respeito às ex-
pectativas dos seus dirigentes. Ele pode
É possível para qualquer empresa mudar
sugerir as providências necessárias para sua estrutura para se aproximar de
que a empresa mude de etapa e indicar
o esforço necessário para essa transfor- uma organização por processos.
mação. É possível, também, utilizar
esse modelo para avaliar o nível de pre-
paro da alta gestão em função da etapa em que a em- O primeiro ponto refere-se à definição de um
presa está e do desafio de mudar de etapa. Em deter- responsável pelo funcionamento de cada processo
minadas situações, o modelo pode ajudar na identifi- essencial. Nas empresas tradicionais, os processos
cação de indicadores de desempenho inadequados ou essenciais são retalhados em segmentos, conforme
incongruentes. o fluxo passa pelas unidades verticais, e o gerente
de cada unidade vertical se responsabiliza pelo de-
COMO MATERIALIZAR OS PRINCÍPIOS sempenho do processo apenas enquanto ele estiver
DE ORGANIZAÇÃO POR PROCESSOS dentro de seus domínios. No entanto, ninguém é
responsável pelo desempenho do processo como um
Partimos da hipótese de que é possível para qual- todo, que é justamente o que interessa mais ao cli-
quer empresa mudar de etapa no espectro apresenta- ente. As empresas têm utilizado os process owners e
do, caso isso seja considerado necessário e adequa- os case managers (“gerentes de conta”) para tentar
do. Nem sempre, no entanto, essa transição é suave, resolver essa situação.
rápida e tranqüila. A Figura 2 mostra as ações bási- O emprego do conceito de processos na estrutura-
cas necessárias para buscar uma forma de organiza- ção das empresas leva ao desenvolvimento da função
ção baseada em processos a partir de cada uma das do process owner, cujas atribuições essenciais são:
etapas do espectro. Evidentemente, o desafio é tan- garantir o andamento apropriado ao fluxo do proces-
to maior quanto mais afastada da Etapa E a empresa so (“pumping”), mantendo o ritmo adequado e eli-
se encontrar, e é possível que a avaliação do esforço minando os “gargalos”; assegurar a facilitação do
necessário para mudar de etapa não recomende que relacionamento dos recursos aplicados ao processo
a empresa tente chegar na Etapa E. É muito razoável (“facilitating”), especialmente das pessoas; fazer a
para muitas empresas avançar uma ou duas etapas avaliação do funcionamento da empresa da perspec-
num primeiro passo e depois esperar para completar tiva do processo, que é a perspectiva dos clientes, e o
sua evolução quando for oportuno. aperfeiçoamento do funcionamento do processo sob
Geralmente, mudar a estrutura organizacional da o ponto de vista do processo como um todo. Para isso,

RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000 15


Organização, Recursos Humanos e Planejamento

o process owner típico estabelece as metas de desem- (single point of contact) com o processo (Davenport
penho do processo, define o seu orçamento operacio- e Nohria, 1994). No entanto, essa é uma solução pro-
nal e aloca os recursos para o funcionamento do pro- visória e paliativa, já que o case manager não tem
cesso sob sua responsabilidade. Ele claramente assu- autoridade para interferir no processo.
me diversas atribuições que são dos gerentes das uni- Exatamente pelo fato de as organizações por pro-
dades verticais nas estruturas organizacionais tradi- cessos exigirem que as pessoas trabalhem de maneira
cionais. tão diferente, é freqüente perceber que faltam as ferra-
Os process owners desempenham uma função per- mentas e os modelos sociais, psicológicos e humanos
manente, responsável pelo projeto do processo essen- para ajustar os grupos internos às novas condições.
cial e pela sua monitoração e adaptação em função As alterações nos pressupostos que deram base
das condições que se alteram constantemente. Sua para a formação inicial da empresa, tais como o per-
presença é indispensável e, se o process owner não fil da concorrência, o mercado, a demanda dos clien-
estiver presente, o modelo convencional antigo tes e a conjuntura do país, levam a empresa a pro-
reassume. curar outra configuração que seja adequada à nova
Algumas empresas utilizam a idéia do case situação.
manager para tentar dar agilidade aos seus processos Entretanto, antes de repensar a organização em
de contato com os clientes externos. Procuram, com termos de sua estrutura, devemos preocupar-nos em
isso, oferecer aos clientes um ponto de contato único analisar o negócio da empresa, descobrir se a defi-

Figura 2 – O que falta fazer para atingir uma organização por processos

O QUE FALTA

Conscien- Mapear Selecionar Melhorar Redistri- Adotar Reformu- Implan-


tizar proces- processos processos buir modelo lar o tar
sos essenciais essenciais recursos + estrutural referencial
+ process rompendo e os
tecnologia owner com as mecanis-
principais mos de
A funções gestão

Selecionar Melhorar Redistri- Adotar Reformu- Implan-


processos processos buir modelo lar o tar
essenciais essenciais recursos + estrutural referencial
+ process rompendo e os Monitorar Ajustar
tecnologia owner com as mecanis- a a
principais mos de definição organi-
B funções gestão do zação
E negócio
Redistri- Adotar Reformu- Implan-
buir modelo lar o tar
recursos + estrutural referencial
process rompendo e os
owner com as mecanis-
principais mos de
C funções gestão

Adotar Reformu- Implan-


modelo lar o tar
estrutural referencial
rompendo e os
com as mecanis-
principais mos de
D funções gestão

16 RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000


Processo, que processo?

nição do negócio existente é adequada e se é o que a americanas, que investiram essa mesma proporção,
empresa quer. Assim, podemos definir o que a em- mas no desenvolvimento de produtos. Os resultados
presa quer ser e aonde quer chegar. Quando se sabe muito superiores da indústria japonesa durante o
aonde se quer chegar, pode-se, então, questionar se período considerado provavelmente refletem as con-
os processos que a empresa tem são bons para o ne- seqüências dessa decisão.
gócio escolhido e como melhorá-los em todas as di-
mensões. Não faz sentido investir esforço intelectu- DECIDINDO-SE POR PROCESSOS
al, físico e financeiro em operações que já não inte-
ressam à empresa (Gonçalves e Dreyfuss, 1995). Ainda é muito importante pensar em revisão de
processos nas empresas. Depois da febre de reenge-
COMO FAZER AS EMPRESAS PENSAREM nharia que assolou o mundo empresarial entre 1994
EM TERMOS DE PROCESSOS? e 1997, muita gente pensou que o assunto estava ter-
minado. Outros acharam que esse modelo logo seria
Muitas empresas não estão se preparando para se substituído por outra idéia da moda. No entanto, to-
estruturarem por processos, embora pudessem con- dos os dias, percebemos que muitas empresas ainda
seguir bons resultados, porque nunca
pensaram seriamente no assunto. Talvez
elas pudessem ser levadas a pensar nes-
sa alternativa se percebessem que parte
Muitas empresas não estão se preparando
de suas dificuldades ou de seu insucesso para funcionar por processos porque
se deve à forma como são organizadas.
Atrelar o sucesso de outras empresas à nunca pensaram seriamente no assunto.
forma como elas são organizadas – por
processos – poderia sugerir que a for-
ma de as empresas se organizarem tem forte impac- não estão estruturadas e organizadas adequadamen-
to nos resultados. te. Outras estão passando a utilizar sistemas de ges-
Parte do sucesso que as empresas japonesas tive- tão informatizados integrados, que pressupõem que
ram com relação às suas concorrentes americanas nas a empresa esteja organizada por processos de acor-
décadas de 80 e 90 decorreu do fato de terem as em- do com um padrão que apenas uma minoria adota
presas japonesas descoberto (ou pelo menos imple- atualmente. Muitas dessas empresas vão logo des-
mentado) o gerenciamento de processos muito antes cobrir que não estão minimamente estruturadas para
de as empresas ocidentais entenderem a que o assun- tirarem proveito desses sistemas.
to se referia (Davenport, 1994). O papel de destaque Além disso, ainda temos as aquisições e fusões de
dado ao gerenciamento de processos na cultura cor- empresas, as redefinições drásticas de negócio, as
porativa japonesa garantiu que, em diversas ocasiões, mudanças tecnológicas radicais, a integração cada vez
muitas empresas daquele país tenham desenvolvido maior dos clientes nos processos produtivos e o
processos rápidos e eficientes em áreas-chave como surgimento de novas modalidades de negócio. Cada
desenvolvimento de produtos, logística, vendas e co- um desses elementos cria a necessidade de revisão,
mercialização. em caráter mais ou menos profundo, dos processos
Os processos são a fonte das competências “es- básicos das empresas, e a maioria das empresas se-
pecíficas da empresa” que fazem a diferença em ter- quer começou a fazer essa revisão.
mos de concorrência, além da influência que podem Ao realizarmos uma análise retrospectiva, notamos
ter a estratégia, os produtos, a estrutura e a indústria que alguns objetivos distintos orientaram os esforços
(Keen, 1997). Os processos não criam apenas as efi- de revisão do funcionamento das empresas em dife-
ciências de hoje mas também garantem o futuro por rentes momentos nos últimos anos:
meio de habilidades que se aplicam aos novos pro- • redução dos custos gerais das empresas e dos cus-
dutos. A rápida inovação dos processos pode resul- tos operacionais em particular;
tar em capacitações organizacionais (Kanter, 1997) • aumento das condições de competitividade das
melhoradas que permitem, por exemplo, que os no- empresas, especialmente dos atributos de flexibi-
vos produtos sejam desenvolvidos mais rapidamen- lidade e agilidade.
te. É conhecido o caso das empresas industriais ja- A decisão de adotar um modelo organizacional
ponesas, que investiram 70% dos seus fundos de voltado aos processos essenciais não é fácil. Envolve
P&D em inovação de processos, ao contrário das inúmeros fatores e exige uma boa dose de coragem,

RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000 17


Organização, Recursos Humanos e Planejamento

já que vai sempre representar não apenas um grande ce de Processibilidade”, mais para o extremo direi-
esforço da parte de todos mas também uma razoá- to da escala e, portanto, mais intensa a recomenda-
vel dose de risco para a empresa. ção por uma estrutura organizacional por proces-
O Quadro 2 mostra uma abordagem simplifi- sos. O índice é meramente indicativo, sem base ci-
cada da avaliação dos dez fatores mais importantes entífica que permita sua avaliação quantitativa.
na decisão de adotar uma organização por proces- Na aplicação desse modelo simplificado, deve-
sos. Com base nesses dez fatores, desenvolvemos o mos lembrar que cada negócio tem características
“Índice de Processibilidade”, uma avaliação empí- muito particulares; o que é adequado em termos de
rica da conveniência e mesmo da necessidade de agilidade, por exemplo, para uma empresa que pro-
estruturar a empresa por processos. duz por encomendas pode não ser adequado para
De acordo com o modelo, quanto maior o “Índi- uma que produz para estoque.

Quadro 2 – Como calcular o Índice de Processibilidade

FATORES 0 10

Importância do processo de
manufatura com relação a outros
100% 2/3 50% 1/3 25%

Quantidade de processos essenciais

0 ou > 5 1 ou 2 3a5

Tipo de estrutura/critério de
departamentalização básico
Funcional puro Produto SBU(*) Matriz Projeto/processo

Volume de trabalho em processos


essenciais
< 30% 50% > 80%

Interface com outras empresas por


processos
Exceção Regra

Importância de se voltar para o cliente


externo
Baixa Média Alta

Necessidade de flexibilidade

Baixa Média Alta

Necessidade de agilidade

Baixa Média Alta

Importância do TTM (Time To Market)

Baixa Média Alta

Tecnologia de produção

Produto de Produto de equipes Integração de


indivíduos contribuições

* Strategic Business Unit.


( )

18 RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000


Processo, que processo?

O tempo necessário para conseguir mudar a or- processos, passando por todos os estágios do es-
ganização de acordo com a necessidade identificada pectro de modelos organizacionais que discutimos
sugere que a análise desses pontos seja feita com aqui. Muitas vezes, a empresa vai considerar mais
referência a cinco ou dez anos no futuro. razoável para a sua situação particular evoluir ape-
nas até um certo ponto do espectro e permanecer
CONCLUSÕES por lá durante algum tempo.
De modo geral, o futuro vai pertencer às empre-
Ao analisarmos a situação de uma empresa no sas que consigam explorar o potencial da centrali-
que se refere ao seu funcionamento e à sua relação zação das prioridades, das ações e dos recursos nos
com os processos essenciais da sua indústria, va- seus processos essenciais. As empresas do futuro
mos notar que a ênfase em processo não é sempre a deixarão de enxergar processos apenas na área in-
única nem a melhor solução para qualquer situa- dustrial, serão organizadas em torno de seus pro-
ção. Na verdade, a opção pela organização por pro- cessos não fabris essenciais e centrarão seus esfor-
cessos deve sempre ser feita depois de cuidadosa ços em seus clientes (Gonçalves, 1997b). Para isso,
análise das condições e circunstâncias da empresa deverão decidir por um modelo de organização por
naquela situação. processos e tomar as providências para passar da
Da mesma maneira, nem sempre é o caso de ir sua estrutura atual para aquela que dará melhores
até o final da evolução para uma organização por resultados para a sua operação. m

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENNIS, Warren, MISCHE, Michael. The 21 st century GONÇALVES, José Ernesto Lima. As empresas são grandes KEEN, Peter G. The process edge: creating value where
organization. s.l. : Pfeifer, 1995. coleções de processo. RAE – Revista de Administração de it counts. Boston : Harvard Business School Press,
Empresas, v. 40, n. 1, p. 6-19, jan./mar. 2000. 1997.

DAVENPORT, Thomas. Reengenharia de processos. Rio


de Janeiro : Campus, 1994.
GONÇALVES, José Ernesto Lima, DREYFUSS, Cassio. QUINN, James Brian. Intelligent enterprises. New York :
Reengenharia das empresas: passando a limpo. São Free Press, 1992.
DAVENPORT, Thomas, NOHRIA, Nitin. Case management Paulo : Atlas, 1995.
and the integration of labour. SMR, v. 35, n. 2, p. 11-23,
Winter 1994.
RAMASWAMY, Rohit. Design and management of service
HAMMER, M. Towards the twenty-first century enterprise.
processes. Reading : Addison Wesley, 1996.
DREYFUSS, Cassio. As redes e a gestão das organiza- Boston : Hammer & Co., 1996. Folheto.
ções. Rio de Janeiro : Guide, 1996.

GONÇALVES, José Ernesto Lima. Organizando as em- HAMMER, M. A empresa voltada para processos. HSM RUMMLER, Geary, BRACHE, Alan. Improving performance.
presas por processos. EAESP/FGV, 1997a. Notas de Management, n. 9, ano 2, jul./ago. 1998. San Francisco : Jossey-Bass, 1990.
aula.

GONÇALVES, José Ernesto Lima. Os novos desafios da HAMMER, M., STANTON, S. How process enterprises really STEWART, Thomas. The search for the organization of
empresa do futuro. RAE – Revista de Administração de work. Harvard Business Review, v. 77, n. 6, p. 108-118, tomorrow. Fortune, v. 125, n. 10, p. 92-98, May 18, 1992.
Empresas, v. 37, n. 3, p. 10-19, jul./set. 1997b. Nov./Dec. 1999.

GONÇALVES, José Ernesto Lima. A necessidade de TENDICK, Jeffrey. Managing change or leading
reinventar as empresas. RAE – Revista de Administra- KANTER, Rosebeth Moss. Frontiers of management. change... which way are you going to go? [1999]. Dis-
ção de Empresas, v. 38, n. 2, p. 6-17, abr./jun. 1998. Cambridge : Harvard Business School Press, 1997. ponível na Internet: <www.mattlorenz.com>.

NOTAS

1. Na concepção mais freqüente, processo é qualquer 2. Tempo de processamento é o efetivamente gasto na pro- 4. “Tombamento” ou “tilting” da organização corresponde
atividade ou conjunto de atividades que toma um dução do resultado esperado, e tempo de ciclo é a duração ao movimento figurado de “virar” o organograma da em-
input, adiciona valor a ele e fornece o output a um da espera pelo resultado. presa, conforme proposto por Graham, Morris e Melvin
cliente específico. Mais formalmente, um processo é LeBaron em The horizontal revolution, publicado pela
um grupo de atividades realizadas numa seqüência Jossey-Bass em 1994.
lógica com o objetivo de produzir um bem ou serviço 3. Esse “stovepipe approach” é mencionado por inúme-
que tem valor para um grupo específico de clientes. ros autores como uma das mais típicas características das 5. Neste artigo, chamamos de “unidades verticais” aque-
Os inputs podem ser materiais, equipamentos e ou- estruturas organizacionais convencionais, e o nome foi las características das estruturas tradicionais, em
tros bens tangíveis, mas também podem ser informa- adotado pela semelhança gráfica dos organogramas ca- contraposição ao funcionamento típico dos processos
ções e conhecimento. racterísticos desse tipo de empresas com as chaminés organizacionais que transcorrem na horizontal, ortogonal-
das fábricas. mente às unidades verticais.

RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000 19

Você também pode gostar