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MARINA RIBEIRO COSTA

PERIODONTITE COM ACOMETIMENTO PRECOCE E


RÁPIDA PROGRESSÃO POR NEUTROPENIA:
RELATO DE CASO

Londrina
2023
MARINA RIBEIRO COSTA

PERIODONTITE COM ACOMETIMENTO PRECOCE E


RÁPIDA PROGRESSÃO POR NEUTROPENIA:
RELATO DE CASO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Estadual de Londrina - UEL, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Odontologia.

Orientadora: Profa. Dra. Priscila Paganini Costa


Tiossi

Londrina
2023
MARINA RIBEIRO COSTA

PERIODONTITE COM ACOMETIMENTO PRECOCE E


RÁPIDA PROGRESSÃO POR NEUTROPENIA:
RELATO DE CASO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Universidade Estadual de Londrina - UEL,
como requisito parcial para a obtenção do título
de Bacharel em Odontologia.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra.Priscila Paganini Costa Tiossi


Universidade Estadual de Londrina

Profa. Dra.Fernanda Akemi Nakanishi Ito


Universidade Estadual de Londrina

Londrina, ____ de __________ de _______.


AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus e todas as bênçãos


concedidas. Obrigada por guiar meu caminho e estar comigo em todos os momentos
me dando forças para continuar.
Aos meus pais Fernando e Adriana pela dedicação, amor e cuidado. E
por sempre me encorajarem e acreditarem em mim.
À minha avó Maria Augusta que mesmo longe sempre procurou me dar
apoio e me incentivar nessa trajetória.
À minha dupla Mariane, obrigada pela parceria e por dividir a rotina
clínica.
À minha orientadora Priscila Paganini Costa Tiossi pelo incentivo,
paciência e orientação em realizar esse trabalho. Obrigada pela confiança e carinho.
À Fernanda Akemi Nakanishi Ito por fazer parte da banca avaliadora e
agregar valor ao trabalho.
Aos professores que contribuíram para minha formação pessoal e
profissional.
Por fim, agradeço à Universidade Estadual de Londrina por ter me
acolhido durante todos esses anos e sempre ter sido um exemplo de ensino. Foi
uma honra iniciar e concluir minha formação acadêmica no curso de Odontologia.
COSTA, Marina. Periodontite com acometimento precoce e rápida progressão
por Neutropenia: relato de caso. 2023. 31 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso
em Odontologia - (Graduação em Odontologia), Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2023.

RESUMO:

A doença periodontal é decorrente do biofilme dental e perpetuada pela resposta


imuno-inflamatória do hospedeiro que por sua vez, em casos de baixa imunidade,
apresenta rápida progressão da doença. O objetivo deste trabalho é relatar o caso
de uma paciente com periodontite e imunidade baixa, do gênero feminino, que
chegou à Clínica Odontológica Universitária da Universidade Estadual de Londrina,
aos 11 anos, encaminhada pela Unidade Básica de Saúde e fez acompanhamento
na Bebê Clínica quando criança. Ela apresentava sinais de deficiência no sistema
imune como febre, aftas recorrentes, amigdalites e neutropenia cíclica moderada à
grave, mas sem diagnóstico sistêmico. Ao exame periodontal e radiográfico,
observaram-se bolsas profundas, sangramento gengival abundante, muito biofilme,
hipersensibilidade dentinária, mobilidade em alguns dentes e perdas ósseas com
lesões de furca nos primeiros molares. A paciente foi encaminhada ao hematologista
para um parecer diagnóstico, enquanto foi realizado tratamento periodontal básico
associado à antibioticoterapia. Logo, confirmou-se o diagnóstico de periodontite
como manifestação de doenças sistêmicas por motivos de desordens genéticas
associadas com desordens imunológicas, de forma severa e generalizada, visto que
a paciente apresentava síndrome mielodisplásica. Os resultados do primeiro
tratamento não foram significativos, sendo necessário recorrer ao tratamento
periodontal básico associado à terapia fotodinâmica. Atualmente, a paciente está
sob controle de biofilme dental, já que a mesma apresenta resistência para a terapia
periodontal cirúrgica com algumas exodontias, com o intuito de atenuar as
complicações bucais da doença. A partir disso, verifica-se que o tratamento
periodontal neste caso é de difícil controle, mas pode possibilitar uma maior
longevidade dentária.

Palavras-chave: Periodontite; Neutropenia; Sistema imune.


COSTA, Marina. Early onset periodontitis and rapid progression by
neutropenia: a case report. 2023. 31 pages. Completion of Course Work
(Undergraduate in Dentistry) – State University of Londrina, Londrina. 2023.

ABSTRACT:

The periodontal disease is due from dental biofilm and perpetuated by the response
immune-inflammatory from the host organism that consecutively, in cases of low
immunity, presents a rapid progression of the disease. The objective of this report is
to report the case of a 11-year-old patient with periodontitis and low immunity, female,
who appeared to the University Dental Clinic of State University of Londrina,
forwarded by the Basic Health Unit and was monitored by Baby Clinic when younger.
She presented signs of deficiency in the immune system and fever, recurring
thrushes, tonsillitis, and cyclical neutropenia moderated to serious condition, but with
no systemic diagnose. To the periodontal exam and radiography, it was observed
deep pockets, plentiful gingival bleeding, a lot of biofilms, detin hyper sensibility,
mobility in some teeth and bone loss with furcation defects in the first molar teeth.
The patient was forwarded to the hematologist for a written diagnosis report, while it
was carried basic periodontal treatment associated to antibiotic therapy. Therefore, it
was confirmed the periodontitis diagnose as a manifestation of systemic diseases
reasoning of genetic disorders associated with immunological disorders, in a severe
and generalized way, since the patient presented myelodysplastic syndrome. The
results of the first treatment were not significant, being necessary to appeal to basic
periodontal treatment associated to the photodynamic therapy. Currently, the patient
is under control of dental biofilm, whereas the same presents resistance to the
surgical periodontal therapy with some teeth extractions, with the intention of
attenuate the oral complications of the disease. From here onwards, it is verified that
the periodontal treatment in this case is of hard control, but it can allow a longer
dental longevity.

Keywords: Periodontitis; Neutropenia; Immune system.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - A) Foto intra oral em vista frontal. B) Biofilme visível nos incisivos

inferiores. C) Lesão de furca no dente 16……………………………………………….16

Figura 2 - Radiografias periapicais e panorâmica realizadas na primeira consulta..17

Figura 3 - Raspagem com cureta Gracey 5-6…………………………………………..18

Figura 4 - aPDT realizada com FS e MB com laser de baixa potência em frequência

vermelha……………………………………………………………………………………..19

Figura 5 - Radiografias panorâmica e periapicais para reavaliação……………...….19


LISTA DE TABELAS

Tabela 1…………………………………………………………………………………..…20
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

aPDT - Terapia fotodinâmica antimicrobiana

COU - Clínica Odontológica Universitária

DP - Doença periodontal

FS - Fotossensibilizante

IPV - Índice de Placa Visível

J - Joules

MB - Azul de Metileno

mg - Miligramas

ml - Mililitros

nm - nanômetros

PIC - Perda de Inserção Clínica

PS - Profundidade de Sondagem

SMD - Síndrome mielodisplásica

SS - Sangramento à Sondagem

UBS - Unidade Básica de Saúde

UEL - Universidade Estadual de Londrina

VASA - Violeta de genciana com Anestésico e Sacarina em Água destilada


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 12
2. OBJETIVO............................................................................................................. 15
3. RELATO DE CASO................................................................................................16
4. DISCUSSÃO.......................................................................................................... 22
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 25
REFERÊNCIAS..........................................................................................................26
ANEXOS.................................................................................................................... 29
12

1. INTRODUÇÃO

A doença periodontal (DP) é uma doença caracterizada por ser crônica e


multifatorial, sua etiologia está associada ao biofilme dental que se acumula nos
dentes e no tecido gengival. Ela causa inflamação na região, que leva a uma
destruição progressiva do periodonto, podendo causar perda óssea e até mesmo
perda da dentição (STEFFENS e MARCANTONIO, 2018).
O aparato de inserção age como uma barreira mecânica, química,
microbiana e possui uma contínua renovação de células (CARRANZA et al., 2012).
Quando ocorre uma invasão microbiana, este aparato inflama e sofre modificações
no tecido gengival como a destruição do cemento, ligamento periodontal e osso
alveolar, o que colabora para a formação de bolsas periodontais (ALNAEELI et al.,
2022). Esse processo acontece devido à resposta imunoinflamatória do hospedeiro
com a liberação de mediadores inflamatórios como leucócitos, enzimas e
prostaglandinas contra os patógenos (KAYAL, 2013; HASAN e PALMER, 2014).
A progressão da DP em relação ao hospedeiro é determinada por fatores de
risco, que podem ser de origem genética, como o diabetes e fatores
comportamentais, como o tabagismo (ALBANDAR, 2002). Esses fatores afetam a
resposta do indivíduo podendo levar a uma instabilidade dos mediadores
inflamatórios, ou seja, interferem diretamente na primeira linha de defesa que
proporciona um aumento da taxa de progressão da gravidade da doença e até
mesmo do seu tratamento (NEWMAN et al., 2016).
Embora a doença periodontal seja causada pelo biofilme dental, ela é
perpetuada pela interação do biofilme subgengival com as respostas imuno
inflamatórias do hospedeiro. A periodontite é sucessora da gengivite, porém, a
gengivite nem sempre evolui para uma periodontite. Caso a inflamação avance e
afete o osso alveolar e o ligamento periodontal, poderá ocasionar perda dentária
(NEWMAN et al., 2016). Os indivíduos com baixa imunidade, associada a condições
sistêmicas, demonstram como é fundamental o papel da linha de defesa do
organismo frente a um agente agressor, já que a falta dessas respostas favorecem a
um rápido desenvolvimento da doença (CARRANZA et al, 2012).
No sistema imunológico, estão presentes células como macrófagos,
linfócitos, neutrófilos, monócitos e mastócitos que agem com mecanismos e se
13

associam a moléculas específicas, como as prostaglandinas. Por isso, as células de


defesa agem contra o processo infeccioso. A resposta do hospedeiro frente aos
patógenos tem um papel fundamental na progressão da doença (KAYAL, 2013;
HASAN e PALMER, 2014).
A periodontite é classificada em estágios, que possui relação quanto a sua
severidade e perda de inserção clínica. Já o grau é definido pela progressão, riscos
e efeitos na saúde sistêmica em que há possibilidade de ser modificado a partir dos
fatores de riscos presentes, como diabetes e tabagismo. No caso de periodontite,
quando há uma progressão rápida, classifica-se como grau C, na qual a destruição
ultrapassa o esperado pela quantidade de biofilme presente. Nos padrões clínicos
específicos desse grau, revela-se que há um acometimento precoce, padrão
molar/incisivo e ausência de expectativas respostas frente às terapias de controle do
biofilme (STEFFENS e MARCANTONIO, 2018).
A periodontite como manifestação de doenças sistêmicas também entra
como uma classificação, porque as desordens sistêmicas podem apresentar-se a
partir da doença periodontal devido a grande perda de suporte dentário originados
da inflamação (STEFFENS e MARCANTONIO, 2018). E doenças como leucemia,
trombocitopenia, neutropenia, e deficiência de leucócitos podem estar associadas ao
aumento da gravidade da doença periodontal (PIHLSTROM, MICHALOWICZ,
JOHNSON, 2005).
Como desordens imunológicas associadas à neutropenia, tem-se a
Síndrome Mielodisplásica (SMD) que é caracterizada por um grupo heterogêneo de
doenças hematopoiéticas clonais (CHAUFFAILLE, 2006). O paciente portador desse
tipo de neutropenia pode apresentar oscilações de eosinófilos, leucócitos, neutrófilos
e aumento de monócitos (DALE e MAKARYAN, 2018). Com a possibilidade de
atingir crianças, adolescentes e adultos por meio de prováveis mutações genéticas,
que são fatores para o desenvolvimento da SMD primária. No entanto, é mais
comum atingir indivíduos acima de 60 anos que sofreram exposição a agentes
tóxicos e químicos, como radioterapia e quimioterapia (MATTOS et al., 2016).
Quando se tem mielodisplasia, as células-tronco são acometidas por uma sequência
de mutações genéticas, podendo ter uma evolução mais rápida ou mais lenta.
Todavia, em todas as situações é fundamental a realização do tratamento para que
não haja complicações como uma evolução para leucemia aguda. O paciente
portador da SMD apresenta alteração na produção de células sanguíneas maduras
14

(neutrófilos), o que ocasiona um aumento de risco para infecções geradas pela


resposta ineficaz do indivíduo (MANCINI, 2021), sendo comum apresentar infecções
bacterianas recorrentes, febre, sangramento na gengiva, amigdalite e cansaço
(MATTOS et al., 2016).
Na Odontologia, as manifestações bucais de neutropenia requerem uma
maior atenção, pois os pacientes podem apresentar ulcerações orais, gengivite,
periodontite e mobilidade dentária com possível perda de inserção e,
consequentemente, perda precoce dos dentes permanentes (DALE e MAKARYAN,
2018). Sem o papel de defesa primário, torna-se favorável que o paciente acometido
apresente doença periodontal, já que não possui a principal função da linha de
combate no organismo, portanto, haverá uma maior atividade microbiana
constantemente presente na microbiota bucal (NEWMAN et al., 2016).
15

2. OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é relatar e discutir o caso clínico de uma


paciente, com 11 anos de idade, que apresenta periodontite como manifestações de
doenças sistêmicas por motivos de desordens genéticas associadas com desordens
imunológicas, de acometimento precoce. Neste caso específico, a periodontite está
associada à neutropenia decorrente da síndrome mielodisplásica.
16

3. RELATO DE CASO

Paciente, gênero feminino, 11 anos de idade, leucoderma, foi


encaminhada para a Clínica Odontológica Universitária (COU) da Universidade
Estadual de Londrina (UEL), pela Unidade Básica de Saúde (UBS) para tratamento
periodontal em 2021. Durante sua anamnese, o pai relatou que ela estava sob
tratamento médico dermatológico pediátrico, e que já havia recebido atendimento na
primeira infância na Bebê Clínica/UEL. A paciente apresentava alterações
periodontais e hematológicas sem diagnóstico, seguidas de infecções urinárias
recorrentes, amigdalite e furunculoses recorrentes ao longo do corpo. Já fez uso de
medicamentos como: Imunoglucan DS® (compostos com beta glucana, vitamina C e
óxido de zinco) e Vitamina D.
Inicialmente, foram realizadas fotografias intraorais, exame periodontal
(Anexo A), além do índice de placa visível (IPV) com evidenciador de biofilme dental
de Fucsina. Ao exame clínico, notaram-se alguns dentes em erupção ativa,
diastemas nos dentes inferiores, mesialização dos posteriores, eritema e edema
gengival. Observou-se, no primeiro exame periodontal, mobilidade grau I nos dentes
16, 26, 35 ao 45 e mobilidade grau II nos dentes 36 e 46; profundidade de
sondagem (PS) > 5 mm nos dentes posteriores e sangramento gengival à sondagem
abundante (75%); lesão de furca grau II nos dentes 16, 26, 36, 46 e perda de
inserção clínica (PIC) (Figura 1).

Figura 1 - A) Foto intra oral em vista frontal. B) Biofilme visível nos incisivos
inferiores. C) Lesão de furca no dente 16.

A) B)

C)
Fonte: Equipe da Residência em Periodontia - UEL, 2021
17

No exame radiográfico inicial (Figura 2), observou-se perda óssea vertical,


horizontal e ápices radiculares sem formação completa em alguns dentes
(pré-molares, 2º molares e caninos). Além disso, foram solicitados outros exames
complementares como hemograma completo e biópsia da medula óssea. E ainda, a
paciente foi encaminhada ao hematologista junto com uma carta para obtenção de
um parecer diagnóstico.

Figura 2 - Radiografias periapicais e panorâmica realizadas na primeira consulta

Fonte: o próprio autor


18

No tratamento periodontal, a princípio, realizou-se raspagem


supragengival com ultrassom, profilaxia, polimento coronário de todos os sextantes e
instrução de higiene bucal. Nas sessões seguintes, foram executadas a
instrumentação subgengival e alisamento radicular com curetas Hu-Friedy do tipo
Gracey® (HuFriedy, Chicago, Estados Unidos) (Figura 3), seguido de irrigação
subgengival com digluconato de clorexidina 0,12%. E prescrição de medicação de
uso interno, via oral, Metronidazol® 200 mg/ 5 ml (7 ml, 8 em 8 horas, durante 7
dias) e Amoxicilina® 250 mg/ 5 ml (12 ml, 8 em 8 horas, durante 7 dias) como
tratamento adjuvante.

Figura 3 - Raspagem com cureta Gracey 5-6

Fonte: Equipe da Residência em Periodontia - UEL, 2021.

Na reavaliação, realizou-se também profilaxia para polimento coronário e


nova instrução de higiene bucal. Entretanto, no exame periodontal (Anexo B) não
houve melhora significativa nos índices de sangramento à sondagem (SS) e IPV e,
não verificou-se redução significativa dos níveis de PS. Devido ao quadro clínico
apresentado no retorno, foi proposto para este caso uma nova abordagem com
terapia periodontal não cirúrgica associada à terapia fotodinâmica antimicrobiana
(aPDT) realizada com o fotossensibilizante (FS) azul de metileno (MB) e laser de
baixa potência em frequência vermelha (660 nm). O protocolo estabelecido foi
pré-irradiação do azul de metileno 10% no sulco gengival por três minutos de cada
dente, seguido de irradiação de 9 J (Joules), em frequência vermelha, por 90
segundos de modo varredural em cada dente (Figura 4), três aplicações, uma vez
por semana, após a raspagem e alisamento radicular de todos os dentes. Contudo,
esse protocolo de tratamento só foi realizado novamente após três meses devido à
amigdalite da paciente e de dificuldades de horários.
19

Figura 4 - aPDT realizada com FS e MB com laser de baixa potência em frequência


vermelha

Fonte: Equipe da Residência em Periodontia - UEL, 2021

Decorrido 30 dias do protocolo aplicado, realizou-se um novo exame


periodontal (Anexo C) e novas radiografias para reavaliação (Figura 5). O quadro
apresentou melhora; porém, algumas bolsas periodontais profundas se mantiveram
em alguns dentes posteriores. Optou-se então, por manter o tratamento periodontal
básico nesses sítios, pois a paciente era de difícil manejo para eventuais cirurgias.

Figura 5 - Radiografias panorâmica e periapicais para reavaliação

Fonte: o próprio autor


20

No decorrer dos procedimentos, a paciente apresentou sucessivas


úlceras orais na mucosa jugal posterior esquerda e lesão labial inferior, com dor e
dificuldade para realizar a escovação; quadros de amigdalites e gripes. Dessa forma,
o acompanhamento periodontal foi suspenso por vários meses, o que acarretou em
grandes danos ao aparato periodontal.
Para o tratamento das lesões ulcerativas em mucosas orais, foi realizada
terapia fotodinâmica com laser vermelho e infravermelho 3J por 30 segundos em
cada lesão. Para melhor cicatrização e controle da dor, foi prescrito um frasco de
VASA®, solução tópica antisséptica e anestésica local (violeta de genciana a 2% – 3
ml, anestésico lidocaína sem vasoconstritor – 1,5 ml, sacarina – 0,5 ml e água
destilada- 25 ml), 4 vezes ao dia antes das refeições por 7 dias, até que houvesse
uma cicatrização.
Atualmente, a paciente se encontra em visitas regulares para controle de
biofilme e melhora do manejo para posterior realização de cirurgias de exodontia dos
1º molares e também, se necessário, terapia periodontal cirúrgica.
Durante todo o acompanhamento periodontal na COU-UEL, a paciente
apresentou exames de hemograma completo (Tabela 1), no qual notou-se
deficiência cíclica de neutrófilos, leucócitos, eosinófilos e aumento de monócitos. A
punção da medula óssea apresentou a seguinte conclusão no laudo técnico:
“discretamente hipocelular para a idade da paciente, com hiperplasia eritróide
relativa, eosinofilia moderada, alterações displásicas e hipoplasia granulocítica e
edema estromal presentes”.

Tabela 1 - Resultados coletados dos hemogramas durante o acompanhamento.


Data Leucócitos Neutrófilos Linfócitos Monócitos Eosinófilos

02/12/2020 3710 mm³ 9,3% - 697 mm³ 54,6 24,1 11,1

09/08/2021 4100 mm³ 30% - 1230 mm³ 48,3 10,2 10,7

23/09/2021 4480 mm³ 64,4% - 2885 mm³ 27,2 5,6 1,9

19/10/2022 4150 mm³ 11,0% - 457 mm³ 47 29 12

09/11/2022 4160 mm³ 11,0% - 458 mm³ 45,0 32,0 11


Fonte: o próprio autor
21

Apenas em dezembro de 2022, a paciente recebeu o diagnóstico final de


mielodisplasia pelo hematologista, com possível necessidade de transplante de
medula óssea futuramente. No momento, não há tratamento disponível para sua
condição, visto que a paciente goza de condição sistêmica razoável.
Diante dos achados clínicos, radiográficos, laboratoriais e médicos, a
paciente foi diagnosticada, quanto à condição periodontal, com Periodontite como
manifestações de doenças sistêmicas-desordens genéticas (Doenças associadas
com desordens imunológicas), de forma severa (Estágio III) e generalizada.
22

4. DISCUSSÃO

A doença periodontal é resultado da persistência do biofilme dental na


superfície do dente, no qual produz uma resposta imune inflamatória, causando
injúrias no tecido de sustentação dos dentes e pode provocar perda dentária em
última instância (RAMOS et al., 2013). Há certas condições sistêmicas do
hospedeiro que podem favorecer o início e o desenvolvimento da DP como a
deficiência na produção e atividade de neutrófilos e linfócitos para produzir uma
resposta imunoinflamatória satisfatória (NEWMAN et al., 2016).
A periodontite com acometimento precoce e rápida progressão em
crianças e pré-adolescentes, como era antigamente denominada, não é comum e
exige melhor investigação. Pode-se apresentar como uma manifestação de
distúrbios hereditários ou hematológicos, sendo os neutrófilos considerados células
importantes por agirem na manutenção da saúde periodontal por meio da função de
defesa do organismo. Logo, sua carência proporciona infecções assíduas (PATIL et
al., 2016).
A neutropenia pode ser classificada em grau leve (contagem de
neutrófilos entre: 1000-1500 mm³), moderado (500–1000 mm³) e grave (< 500 mm³)
(PAPADAKI e PONTIKOGLOU et al., 2008). A partir dos exames hematológicos
notificados, a paciente do presente caso clínico encontrava-se em quadros que
oscilavam entre uma neutropenia grave a moderada. De acordo com o laudo clínico
do hematologista, essa neutropenia se dá pela paciente ser portadora de síndrome
mielodisplásica. E após essa análise, confirmou-se o diagnóstico periodontal de
periodontite como manifestação de doenças sistêmicas de acordo com a
classificação das doenças periodontais e peri-implantares (STEFFENS e
MARCANTONIO, 2018).
Os neutrófilos compõem a principal barreira do sistema imune inato e sua
formação ocorre durante a hematopoiese, onde acontece a proliferação e
diferenciação de células progenitoras da medula óssea (AMULIC et al., 2012). As
respostas do sistema imune inato são inespecíficas. E quando há uma resposta
imuno inflamatória, tem-se um estímulo que é associado às citocinas e interleucinas,
que por meio do reconhecimento dos sinais de inflamação, elas notificam para que
as células do sistema imune sejam ativadas para atuarem nas suas devidas funções
(KENNEDY e DELEO, 2009). Por isso, os neutrófilos são cruciais para manter a
23

saúde periodontal do indivíduo e quando se tem neutropenia, eles têm sua função e
quantidade prejudicadas, não são capazes de fagocitar e destruir as bactérias
patogênicas. Sem a funcionalidade correta da resposta, o indivíduo pode apresentar
infecções recorrentes, febre, úlceras aftosas e até periodontite (HASAN e PALMER,
2014; SZCZAWINSKA-POPLONIK et al., 2009).
No caso relatado, o tratamento realizado foi terapia periodontal básica
composta por raspagem e alisamento radicular, controle periódico do biofilme,
instruções de higiene bucal, prescrição de solução de bochecho de clorexidina
0,12% e terapia antibacteriana para controle da progressão da doença. Embora a
alteração da paciente seja na resposta imune, os tratamentos clínicos disponíveis
atuam na descontaminação da raiz e tecidos subjacentes (NEWMANN et al., 2016),
mas não na resposta imune em si, o que dificulta uma resposta eficaz.
Mesmo assim, a própria resposta imune deficiente da paciente
provavelmente colaborou para um crescimento quantitativo e qualitativo do biofilme
dental, que é um fator que favorece a persistência de bactérias na cavidade bucal
(KIM et al., 2010). Além disso, o controle de biofilme também não era satisfatório.
Dessa forma, explica-se o objetivo de se instituir um tratamento antibacteriano
associado à raspagem. Por isso, o tratamento periodontal foi composto por sessões
sucessivas de raspagem e alisamento radicular associados à terapia antimicrobiana
em um primeiro momento, com controle de biofilme rigoroso e orientações de
higiene bucal. Em um segundo momento, as sessões de raspagem foram
associadas à terapia fotodinâmica.
Os antibióticos escolhidos foram Amoxicilina® e Metronidazol®, que é a
combinação mais eficaz no tratamento da periodontite, considerada padrão ouro. A
Amoxicilina® é uma penicilina de espectro mais amplo e atinge microrganismos
Gram-positivos aeróbios e anaeróbios e Gram-negativos aeróbios. Já o espectro do
Metronidazol® age na maioria das bactérias anaeróbias Gram-positivas e
Gram-negativas. Ambos os medicamentos então têm alcance para agir nas
bactérias do complexo vermelho e laranja de Socranskii (FERES, et al., 2015;
SOARES et al., 2011).
No entanto, sem uma resposta favorável no tratamento devido às
condições da paciente, foi proposta a terapia periodontal não cirúrgica associada à
terapia fotodinâmica (aPDT) para melhor efetividade do tratamento antibacteriano. O
azul de metileno é utilizado para identificar células pré-malignas, eliminando
24

precisamente microrganismos Gram-negativos. Essa terapia acontece a partir da


combinação do fotossensibilizante com a ativação do laser vermelho; assim, há
produção de oxigênio e radicais negativos, nos quais, são maléficos às bactérias
causando necrose ou apoptose. Eles atuam como uma desinfecção e cicatrização
local (SOUKOS e GOODSON, 2011; TAKASAKI et al., 2009).
É importante ressaltar que, além da paciente não cooperar durante as
consultas devido a traumas pelas intervenções médicas e odontológicas que já
tinham sido submetidas, a mesma não apresentava bom controle de biofilme.
Adicionalmente, a paciente apresentava episódios de amigdalites, aftas e gripes
recorrentes, o que dificultava o controle de biofilme e a frequência da mesma nas
consultas odontológicas. As úlceras orais nas mucosas bucais eram bastante
doloridas e com um tamanho expressivo, o que dificultava o controle de higiene pela
paciente e inviabilizava o tratamento pela equipe periodontal. Essas úlceras foram
tratadas com laser infravermelho com objetivo terapêutico de diminuir os sintomas
da inflamação, reduzir a lesão e promover reparação dos tecidos (VALLE et al.,
2016).
Os tipos de procedimentos devem ser indicados em relação ao manejo e
idade do paciente. O tratamento da periodontite é primordial que seja executado de
maneira controlada e rigorosa com as terapias adjuvantes necessárias. Orientar e
esclarecer o paciente e sua família que ele precisa ter um comprometimento em
realizar sua higiene bucal de forma constante e manter visitas frequentes ao dentista
é um fator indispensável para o sucesso do tratamento, ainda mais para aqueles
com doenças imunológicas como a neutropenia (NEWMAN et al., 2016).
O estado periodontal acometido pela doença, nesse caso, não pode ser
restaurado como o de um indivíduo saudável, e os procedimentos são propostos
para controlar e reduzir sua progressão com a finalidade de conservar os tecidos
dentários e periodontais por maior tempo possível. Portanto, o profissional deve ter
conhecimento de condições sistêmicas raras em crianças e adolescentes com
periodontite persistente e precoce com rápida progressão para obter um diagnóstico
precoce e um prognóstico mais favorável.
25

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caso relatado demonstra a relevância da avaliação laboratorial em


pacientes com danos periodontais incomuns para a idade. Além disso, o
periodontista deve estar apto para realizar uma anamnese completa, com exame
clínico minucioso e exames complementares para um diagnóstico diferencial e um
tratamento antecipado para proporcionar um melhor prognóstico. O tratamento
periodontal, nestes casos, é de difícil controle, mas pode possibilitar uma maior
longevidade dentária.
26

REFERÊNCIAS

ALBANDAR, J. Periodontal diseases in North America. Periodontology 2000, Vol.


29,31–69, 2002

ALNAEELI, M., PENNINGER, J. M., & TENG, Y. T. A. . Immune interactions with


CD4+ T cells promote the development of functional osteoclasts from murine CD11c+
dendritic cells. The Journal of Immunology, 177(5), 2022 disponível em:
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29

ANEXOS

ANEXO A - Periograma inicial

Fonte: realizada pelo próprio autor


30

ANEXO B - Reavaliação

Fonte: realizada pelo próprio autor


31

ANEXO C - Reavaliação após 30 dias do protocolo de aPDT realizado

Fonte: realizada pelo próprio autor

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