Você está na página 1de 2

A Fragmentação Linguística da România

Samantha de Moura Maranhão


Universidade Federal do Piauí

INTRODUÇÃO
Entende-se por România, aqui, o conjunto dos territórios nos quais a língua latina
suplantou línguas autóctones, nas antigas províncias de Roma Antiga, tornando-se língua de
comunicação cotidiana. Trata-se, desta forma, apenas de uma parcela dos territórios anexados
ao poderio romano, cuja extensão máxima foi atingida no séc. II d.C.
Faz-se necessário, portanto, distinguir a România Antiga da România Medieval,
referindo-se aquele termo ao total das áreas conquistadas e este, àquelas que sofreram
latinização linguística e nas quais, no medievo europeu, desenvolveram-se os romances ou
falares ‘ao modo de Roma’ (< lat. romanice), sem, entretanto, confundirem-se com o latim.
Citem-se apenas outros dois termos, România Perdida, designativo dos territórios em
que se falou latim, o qual, entretanto, foi preterido pela língua de invasores posteriores, como
o Norte da África, em que a língua de Roma Antiga foi suplantada pelo árabe, ou em que línguas 1
pré-romanas foram adotadas, em detrimento do latim, como na Britânia, e România Nova,
concernente aos territórios em que se falam línguas neolatinas por intermédio da colonização
europeia, a exemplo do Norte da África, com o francês, e das Américas, em que se falam
francês, espanhol e português.

A FRAGMENTAÇÃO LINGUÍSTICA DA ROMÂNIA


Diez já preconizara a subdivisão da România Medieval em dois blocos, retomada
posteriormente por Wartburg. Há entre ambos os blocos uma fronteira geográfica clara que
atinge a estrutura fonética e morfológica das línguas envolvidas, grosso modo relacionadas às
fases republicana ou imperial de conquista e de romanização.
No século IV d.C., encontra-se um românico ocidental, falado na Gália (inclusive no
norte da Itália) e na Ibéria; bem como um românico oriental, verificado na Itália e nos Bálcãs.
Opõem-se estes dois blocos pelos seguintes traços linguísticos:
a) Tratamento do –s: em italiano e em romeno, -s > ø, como em noi e poi, ao passo
que, em português e em francês, temos, respectivamente, nós e pois; nous e puis, isto é, verifica-
se nestas línguas a preservação do –s.
b) Formação do plural dos nomes: o masculino plural do italiano e do romeno
procede da forma nominativa plural latina, terminada em –i, a exemplo do italiano campo,
plural campi. Já na România Ocidental, esta formação resulta do acusativo plural latino,
conforme ilustra o português campo, cujo plural é campos.
c) Tratamento das oclusivas surdas intervocálicas: o italiano e o romeno
preservam as oclusivas surdas, em posição intervocálica, a exemplo das formas italianas lupo,
amato , amico, enquanto estas se sonorizam nas suas respectivas homorgânicas (-p- > -b-, -t- >
-d-, -k- > -g-), na România Ocidental, conforme ilustram os cognatos portugueses lobo, amado,
amigo.
d) Tratamento do grupo –kt-: verificou-se assimilação nas línguas da România
Oriental, em romeno –kt- > -pt-, opt, noapte, fapt; em italiano –kt- > -tt-, otto, notte, fato e letto,
evoluídas das formas latinas octo, noctem, factum e lectum, respectivamente. Na România
Ocidental, deu-se a vocalização do primeiro segmento do grupo –kt- (> -it-), conforme atestam
as formas portuguesas oito, noite, feito, leito e as francesas huit, nuit, fait e lit.
e) Evolução de C+ e, i latino: Na România Oriental, dá-se a sua evolução para um
fonema africado palatal [tš]: latim [k]era > italiano [tš]era e romeno [tš]eară. Na România 2
Ocidental, verifica-se evolução para um fonema sibilante alveolar ou dental, português [s]era
e francês [s]ire.

Portugal integra a România Ocidental e, à época em que se verificaram estas


transformações, pertencia a uma comunidade que compreendia toda a Ibero e a Galo-România.
Bartoli justifica a oposição entre as Românias Ocidental e Oriental pela bipartição
administrativa de Roma, levada a cabo por Diocleciano. O Norte ficara sob administração de
Milão, que exerceu influências econômicas, políticas, eclesiásticas, administrativas e
linguísticas nas províncias ocidentais do Império. O Centro–Sul da Itália ficara sob a
administração de Roma.
Posteriormente, verificou-se o influxo de conquistadores da Gália. A união desta com
a Península Ibérica sob uma única prefeitura, bem como em divisões eclesiásticas posteriores,
explicam a comunidade do grupo ocidental.

REFERÊNCIAS
BASSETTO, B. F. Elementos de filologia românica. São Paulo: EDUSP, 2001. v. 1. p. 250-256.
ILARI, R. Linguística românica. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Contexto, 2018. p. 169-170.

Você também pode gostar