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Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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Cifali, Ana Claudia


A política criminal brasileira no governo Lula (2003-2010): diretrizes, reformas legais
e impacto carcerário. São Paulo : IBCCRIM, 2016.

327 p.        (Monografias digitais)


Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-99216-44-6

1. Política criminal 2. Brasil 3. Direito penal. 4. Governo Lula. 5. Impacto carcerário.


I. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. II. Título. III. Série.

CDD: 345                                                                                 CDU: 343.2.04

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Secretário-geral: Rafael de Souza Lira
Sumário

1. Introdução........................................................................ 8
2. Debates e percepções acerca das estratégias de con-
trole penal......................................................................... 14
2.1 Elaboração político-criminal na
contemporaneidade: entre racionalidades,
sensibilidades e interesses ................................... 14
2.2 Governando através do crime: mudanças para
além do sistema criminal...................................... 27
3. As particularidades do contexto latino-americano:
medo e controle do crime............................................... 50
3.1 Criminalidade urbana, sensação de insegurança
e política criminal “de mano dura” na América
Latina: o que acontece em nossa região? ........... 50
3.2 Democratização inacabada, seletividade penal e
flexibilização de garantias constitucionais........... 71
4. Reflexões acerca do sistema político brasileiro............. 97
4.1 Antecedentes à criação das leis penais: a fase
pré-legislativa ......................................................... 97
4.2 Processo de elaboração legislativa no Brasil:
interações entre Executivo e Legislativo .............. 116

6
Sumário

4.3O presidencialismo de coalizão e o governo


Lula ......................................................................... 136
5. Resultados da pesquisa empírica: como a questão da
penalidade foi trabalhada durante o período do Gov-
erno de Lula? ................................................................... 171
5.1 Notas metodológicas............................................. 171
5.2 Diretrizes e planos de governo ............................. 175
5.3 Leis propostas e aprovadas no período (2003-
2010)........................................................................ 198
5.3.1 Legislação em matéria penal aprovada por
ano...................................................................... 199
5.3.2 Legislação em matéria penal aprovada por
partido....................................... 203
5.3.3 Casa iniciadora da tramitação dos projetos
de lei aprovados no período.............................221
5.3.4 Tempo de tramitação por casa iniciadora ...... 235
5.3.5 Leis propostas pelo Executivo no período
(2003-2010)....................................................... 239
5.4 Vetos presidenciais às leis aprovadas no
período (2003-2010).............................................. 263
5.5 Taxas de encarceramento no período (2003-
2010)........................................................................ 279
Considerações finais.............................................................. 295
Referências............................................................................. 308
Relação das Monografias Publicadas
Monografias................................................................... 321
Coleção de Monografias Digitais................................ 326
Para apresentação e publicação de textos de Monogra-
fias – IBCCRIM...................................................................... 327

7
1
Introdução

Ao final do século XX, os sentimentos de medo, insegurança


e ansiedade ganharam lugar como alguns dos principais
problemas sociais dos Estados ocidentais, principalmente diante
do crescimento objetivo das taxas de crimes, dos percentuais de
vitimização e pelo surgimento de novas formas delitivas. Nesse
momento, já não existem certezas absolutas, nem quanto às
necessidades básicas, nem quanto à possibilidade de vitimização,
propagando-se a visão da criminalidade como risco cotidiano, o
que conduziu a mudanças nas relações sociais e à remodelação
do espaço urbano. A forma de ver o crime e o criminoso também
se modificou e a morte do ideal ressocializador possibilitou o
surgimento de um novo tipo de gerencialismo, muitas vezes
discriminatório, favorecendo e contribuindo para a manutenção
da seletividade do sistema penal. Em tal contexto, a mídia de
massa também joga um papel fundamental na propagação do
medo e na formação das percepções da opinião pública.
Para aplacar a difícil situação instaurada, reafirmar
sua soberania e alcançar popularidade entre os cidadãos, os
governos ocidentais – impulsionados pelos ditames neoliberais-

8
1 ▪ Introdução

-conservadores estadunidenses –, lançaram mão de um aparato


de controle do crime mais repressivo e punitivo. Na ânsia de
solucionar os problemas da criminalidade de forma veloz,
demonstrando eficiência (já que a velocidade das sociedades
ocidentais contemporâneas também demandam respostas
imediatas), são elaboradas políticas de segurança pública mais
abrangentes, ampliações legislativas, com a criação de leis mais
rígidas e severas, possibilitando a flexibilização de direitos
fundamentais em nome da ordem social e da segurança pública.
Houve uma expansão do controle para diversas áreas que antes
não eram atingidas, causando efeitos perversos, demonstrados
pelas crescentes taxas de pessoas privadas de liberdade, muitas
em caráter preventivo, geralmente encarceradas em instituições
penitenciárias precárias e insalubres.
O Brasil, além de acompanhar o fenômeno global
de racionalidade punitiva, é marcado por um processo de
redemocratização inacabado, bem como possui profundas
cicatrizes históricas de uma sociedade hierarquizada, baseada
em relações de clientelismo e patrimonialismo. Por vezes, a
política criminal brasileira parece guiada por interesses privados
e eleitoreiros, os quais tendem a se sobrepor à genuína vontade
de resolver os problemas de ordem pública. Assim, vemos o
desenvolvimento e a implementação de políticas criminais de
emergência, editadas de acordo com as conjunturas, marcadas por
tensões, conflitos e lutas políticas, o que dificulta um profundo
debate público e político em torno das questões econômicas,
culturais e sociais que perpassam o fenômeno criminal.
Assim, os governos atuais deparam-se com o desafio de
equacionar liberdades individuais e segurança pública, bem como
administrar a perda de confiança nos atores tradicionalmente
ligados ao controle do crime e da confiança das próprias
instituições estatais de administração da Justiça. A segurança
pública torna-se uma das maiores preocupações da população
e um dos objetivos principais do Estado. Agindo através da
política criminal, os governos devem enfrentar os desafios
trazidos pela complexidade contemporânea, pelas mudanças nas

9
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

formas de sociabilidade, pela fragmentação das certezas e pela


multiplicidade de opiniões presentes no espaço público.
Por outro lado, nos anos 2000, ocorreram mudanças políticas
significativas em alguns países da América Latina (Argentina,
Brasil, Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela), verificadas na
ascensão de governos ligados à tradição política de esquerda,
guardadas as particularidades de cada contexto nacional. A
ascensão de governos inspirados na tradição de esquerda na
América Latina parece demonstrar o desejo regional em superar
o passado conservador e autoritário que atravessou os países da
região através das ditaduras e até mesmo antes delas.
Dessa forma, interessa-nos conhecer como o governo
brasileiro – entre 2003 e 2010 –, quando liderado por um partido
político inspirado e legitimado com base na tradição política
de esquerda, o Partido dos Trabalhadores, enfrentou a questão
da penalidade, é dizer, quais as estratégias e meios de controle
das ilegalidades elaborados durante o governo de Luiz Inácio
Lula da Silva? Assim, interessa-nos saber como um governo
identificado com a tradição política de esquerda trabalhou no
tocante à elaboração político-criminal e quais os impactos das
reformas legais desenvolvidas no âmbito do sistema de Justiça
criminal.
Ainda que seja possível verificar que, mesmo na esquerda,
existam vertentes de aplicação da lei e da ordem, diversas
alternativas foram desenvolvidas nos últimos anos, aceitando
o fracasso do punitivismo e buscando superar os problemas
de maneira mais assertiva. Tanto no âmbito nacional quanto
internacionalmente, a segurança pública consolidou-se na
agenda política como uma das prioridades dos governos, assim
como na pauta de discussões acadêmicas, midiáticas e populares.
Todavia, o foco de grande parte dos debates na esfera pública
e nos setores políticos ainda se fundamenta em percepções
reducionistas, voltadas a uma maior punição e favoráveis à
repressão dos outros, estranhos e perigosos aos olhos dos
autointitulados cidadãos de bem. Não se pretende fazer análises
herméticas e definitivas, já que não se pode dizer que toda a

10
1 ▪ Introdução

sociedade pensa em uma única direção ou que está engessada


em alguma posição, mas, em alguma medida, os fatores sociais
mencionados fazem parte do cenário social atual e, mais do que
afirmar sua existência, buscamos verificar suas conexões.
Por tais motivos, ganha extrema relevância a discussão
envolvendo a elaboração da política criminal, pois essa se
constitui como um meio pelo qual o governo oferece respostas
às expectativas, à insegurança e aos conflitos presentes no corpo
social. Porém, a frequente tensão que consiste no hiato entre
o campo teórico e a realidade empírica ainda demonstram
a dificuldade dos governos em enfrentar o problema em toda
sua complexidade, mantendo a ilusão positivista de utilização
racional do direito para resolver problemas e conflitos sociais
de diversas ordens. Assim, vemos a utilização indiscriminada do
sistema penal com a finalidade de apaziguar os ânimos públicos
e prevenir a prática de condutas consideradas ilícitas, sem levar
em consideração que, pela própria natureza de suas instituições
(excludentes, estigmatizadoras, simbólica e materialmente
violentas) não será capaz de, por si só, controlar os conflitos,
reduzir as inseguranças e devolver a paz ao convívio social.
A presente investigação busca unir a análise das
transformações das políticas de controle do crime no contexto
internacional ao surgimento de um governo nacional construído
desde alianças e programas políticos que se configurou recorrendo
a elementos da tradição política da esquerda, o qual, tanto nos
planos de governo como em falas públicas de seus representantes,
procurou apresentar propostas e estratégias para diferenciar-se
do passado neoliberal e neoconservador que predominara nos
anos precedentes – especialmente na década de 1990.
Pretende-se, como objetivo principal da pesquisa, descrever
e explicar a orientação e as iniciativas das reformas legais no
âmbito da penalidade desenvolvidas pelo governo Lula entre
2003 e 2010, assim como verificar as características que um
governo considerado de esquerda imprime nos discursos
referentes à penalidade. Ademais, como referido, buscaremos
descrever as principais mudanças levadas a cabo em relação à

11
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

normativa (reformas legais) no mesmo período, assim como


os efeitos mais marcantes de tais mudanças, especialmente no
tocante ao impacto carcerário.
Por isso, inicialmente, buscar-se-á analisar o contexto
contemporâneo do campo do controle do crime no ocidente,
com a finalidade de identificar suas estruturas, as mentalidades
dominantes e as estratégias governamentais utilizadas como
resposta ao problema da criminalidade. Logo, passaremos
à análise da violência (e a quem ela realmente atinge) e do
contexto do controle do crime latino-americano – cujos países
sempre tiveram suas histórias caminhando muito próximas
– e, especialmente, do campo do controle do crime brasileiro,
momento em que ressaltaremos as particularidades da sociedade
brasileira, marcada por profundas desigualdades, pela hierarquia
e pelo autoritarismo, legados de tempos passados, mas que
devem ser levados em consideração para entendermos como e
porque chegamos às formas atuais de controle social. Ainda,
abordaremos o funcionamento do sistema político brasileiro a
partir da Constituição de 1988, principalmente no que se refere
à participação do Executivo no processo legislativo e ao chamado
presidencialismo de coalizão.
Com o objetivo de conhecer as diretrizes adotadas pelo
governo Lula em relação à política criminal, elaboramos uma
análise qualitativa e quantitativa das reformas penais levadas a
cabo nos períodos entre 2003 e 2010, bem como as propostas
de reformas legais oriundas do Poder Executivo neste período
e os vetos parciais às leis aprovadas. Por fim, trazemos dados
referentes à população carcerária brasileira, com a finalidade de
pensar sobre os impactos das reformas legislativas no sistema
de Justiça criminal. Tais informações nos permitiram verificar as
perspectivas assumidas pelo governo na elaboração da política
criminal do período, mas que nem sempre tomaram os rumos
por ele esperados.
Conhecendo as práticas do governo federal em relação à
política criminal, podemos entender suas diretrizes e identificar
suas coerências e incoerências diante da complexidade do

12
1 ▪ Introdução

contexto social. Apenas conhecendo nossa realidade será possível


enfrentar uma discussão séria em termos de política criminal,
para que os “achismos” no âmbito da segurança pública e da
política criminal sejam substituídos por dados que permitam
uma avaliação do que está sendo feito e quais as consequências
de tais ações, muitas vezes de caráter emergencial, para o sistema
de Justiça criminal e para a sociedade como um todo.

13
2
Debates e percepções acerca
das estratégias de controle
penal

Sabemos que, nos dias atuais, a violência alcança um grau


de complexidade na qual “las relaciones que se establecen entre unas
y otras formas de la misma son, en parte, determinadas en sí mismas
y por lo tanto, dando otra vuelta de tuerca”.1 Ou seja, as razões para
sua existência não são apenas as mais aparentes, mas também
outras profundas que se sustentam e retroalimentam-se. Assim,
importante analisar o fenômeno da violência considerando os
fatores políticos, econômicos e culturais que ajudam a criá-la e
fazem parte do problema. Por isso, no presente capítulo, realiza-
se um apanhado dos principais debates e percepções acerca das
estratégias de controle penal na contemporaneidade.

2.1 Elaboração político-criminal na contemporaneidade:


entre racionalidades, sensibilidades e interesses

Na modernidade e segundo os parâmetros da utopia


iluminista, a política criminal fazia parte de um programa

1. Bautista, Francisco Jiménez; Muñoz, Francisco. Violencia estructural.


In: Martínez, Mario López (org.). Enciclopedia de Paz y Conflictos.
Granada: Editorial Universidad de Granada, 2004. t. II, p. 1167.

14
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

disciplinar para adaptar os cidadãos à harmonia do progresso


conduzido pela crença na verdade científica. Assim, a política
criminal deveria basear-se em princípios de racionalidade que
garantiriam certeza e segurança às relações sociais, diante da
previsibilidade dos juízos sobre a conduta humana. Durante
o século XX, a concepção contratualista e as teorias da defesa
social representaram o corpo social como sendo integrado por
indivíduos que tinham direito a proteção contra uma minoria
patológica e violenta. Naquela época, os fins do controle
apontavam tanto para a proteção da sociedade como do infrator,
que sob a tutela do Estado seria tratado, reeducado e recuperado
para o convívio social. Ainda, acreditava-se na aplicação da lei
de maneira igualitária e no poder das instituições em alcançar
seus objetivos.2
Todavia, no século XXI, em relação à vigência e utilidade de
um direito liberal, as visões modificaram-se drasticamente. Nesse
contexto, cumpre ressaltar que a dinâmica econômica neoliberal
estabeleceu sistemas de exclusão de pessoas; primeiramente,
exclusão do trabalho, depois dos serviços sociais e, finalmente, da
própria vida social. Tal processo debilitou os vínculos solidários,
transformou a identidade das classes sociais e desacreditou as
autoridades representativas, impotentes para resolver os desafios
que lhe impunha o novo cenário social. Assim, os poderes
judiciais da América Latina caíram a níveis de impopularidade
sem precedentes o que, segundo Elbert, abriu caminho para a
instauração de um oportunismo para satisfazer o clamor social
e/ou melhorar a imagem das instituições de administração da
Justiça.3
Por tais motivos, o exame analítico da questão deve
estabelecer os vínculos do sistema penal com as transformações
que vêm ocorrendo no marco da chamada pós-modernidade. Para
isso, a pesquisa teórica divide-se em três partes principais, como

2. Elbert, Carlos Alberto. Novo manual básico de criminologia. Trad. Ney


Fayet Júnior. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 233.
3. Idem, ibidem.

15
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

referido em nossa introdução. No presente capítulo, trazemos


algumas questões macrossociais, por acreditarmos ser de grande
importância para a compreensão de algumas características das
estratégias adotadas pelos governos ocidentais para enfrentar a
questão da insegurança pública, bem como procuramos conhecer
as racionalidades que influem no desenho da política criminal
contemporânea.
O fenômeno da insegurança foi crescendo em um ritmo
extraordinário e transformando radicalmente a experiência
em relação ao delito em nossas sociedades. As ascendentes
estatísticas oficiais sobre as taxas de criminalidade, assim como
as estatísticas referentes à vitimização e, fundamentalmente, a
partir de uma espécie de sensação de medo na vida cotidiana
que se produz e reproduz nas relações interpessoais, pode-
se observar a ascensão da chamada crise de insegurança em
relação ao delito, que demandou respostas governamentais para
enfrentar a questão.4
David Garland, autor fundamental para a análise do campo
do controle do crime contemporâneo, analisa as formas através
das quais o delito se configura atualmente e é representado no
pensamento e na prática da população em geral e dos atores
estatais, investigando como e porque isto acontece. O autor
aborda o tema do crime e do controle do crime como artefatos
culturais, analisando o conjunto de respostas sociais ao delito.
Assim, Garland busca verificar as mudanças que se produziram
na resposta social ao delito durante os últimos trinta anos e as
forças sociais, culturais e políticas que, por sua vez, influenciaram
transformações do pensamento criminológico, das políticas
criminais e das práticas sociais.
O autor afirma que as questões dominantes nos últimos
anos, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas
logo “globalizadas”, relacionam-se a temas como a segurança,

4. Sozzo, Máximo. Los retos de la izquierda en las políticas públicas de


seguridad ciudadana. Venezuela: Universidad Nacional Experimental de
la Seguridad (Unes), 2012. p. 14.

16
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

o controle e a ordem. Na hipótese apresentada por Garland,


as mudanças trazidas pela modernidade tardia, padrão que
transformou as relações sociais, econômicas e culturais a partir
do final do século XX, trouxeram consigo uma série de riscos,
inseguranças e problemas em relação ao controle social que
tiveram um papel crucial na elaboração de respostas à questão da
criminalidade. O autor sustenta que, a partir de então, produziu-
se uma mudança nos discursos e estratégias oficiais referentes ao
campo do controle do crime, surgiram racionalidades de controle
do crime não alinhadas ao correcionalismo, e emergiram novas
maneiras de pensar o crime e seus sujeitos. Nesse contexto,
começam a desenvolver-se novas práticas e mecanismos de
controle.
Garland aponta que o declínio do penal welfarism, política
baseada na tradição liberal dos direitos humanos e relacionada
ao ideal ressocializador, levou à sua substituição por uma
política penal mais severa e abrangente, pautada pela defesa
social como prioridade estatal. Ainda, sustenta que o resgate do
papel da vítima, a perda de confiança nas respostas tradicionais
e nos atores estatais responsáveis pelo controle do delito,
levaram a uma nova configuração do campo do controle do
crime, marcado pelo caráter emocional e simbólico da política
criminal. O autor aponta algumas tendências que configuram
essa nova maneira de lidar com o problema da criminalidade,
entre as quais se pode destacar a preferência pela gestão do risco
contemporâneo, a preponderância da finalidade retributiva e
a opção pela segregação punitiva (visando a neutralização dos
sujeitos considerados perigosos pela sociedade), e a quebra do
suposto monopólio do Estado.5
Insta ressaltar que, no Brasil, o estado de bem-estar
social nunca foi completamente implementado. As redes de
seguro social nunca foram abrangentes a ponto de reduzir as
imensas desigualdades do país. Falar-se em bem-estar no Brasil
é reconhecer apenas uma mentalidade norteadora, mais do

5. Sozzo, op. cit., p. 14.

17
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

que um conjunto de práticas com impacto na realidade social.


Igualmente, relevante recordar que no Brasil, somente em 1984,
com a Lei de Execução Penal 7.210 (LEP), os paradigmas
humanitário e ressocializador foram incorporados à política
criminal nacional, justamente quando tais ideais encontravam-se
em decadência nos contextos estadunidense e europeu. Segundo
Chies, essa diferença de temporalidade, a tardia adesão brasileira
a um marco pretensamente civilizatório de punição, pode ser
apontada como uma das razões da frágil eficácia dos dispositivos
legais da Lei de Execução Penal, que nunca concretizou seu
paradigma humanitário no Brasil, sendo facilmente percebida a
diferença entre o ideal positivado na Lei de Execução Penal e a
realidade penitenciária brasileira.6
Segundo Garland, a proteção da figura da vítima passa a
ser fundamental no discurso da política criminal, utilizada para
fundamentar a necessidade de mais rigor punitivo. Mesmo que o
trabalho do autor esteja baseado exclusivamente num diagnóstico
das políticas criminais do Reino Unido e dos Estados Unidos da
América (EUA), foi possível perceber mudanças nesse sentido
no Brasil. Podem-se citar, por exemplo, alguns casos em que
se legitimaram alterações normativas invocando a imagem
da vítima, tais como: (i) a Lei de Crimes Hediondos (Lei
8.072/1990), influenciada por mobilizações sociais encabeçadas
por figuras públicas que requeriam uma progressão de regime
mais rigorosa para certos crimes; (ii) a Lei Maria da Penha (Lei
11.340/2006), que possibilitou a aplicação de medidas protetivas
às mulheres e a determinação da prisão preventiva nos casos
de violência contra a mulher;7 e, mais recentemente; (iii) a Lei

6. Chies, Luiz Antônio Bogo. A questão penitenciária. Tempo Social, v. 25,


n. 1, p. 15-36, São Paulo, jun. 2013.
7. Consideramos a Lei 11.343/2006 um avanço no que se refere ao papel
simbólico do direito penal, enquanto um instrumento através do qual o
Estado coloca em pauta a necessidade de proteção às mulheres vítimas
de violência doméstica. Muito embora a Lei traga punições e amplie o
controle do crime, a parte criminalizante da lei é inferior à indução e
criação de políticas públicas que resguardem a mulher.

18
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

Carolina Dieckmann (Lei 12.737/2012), tipificando delitos


informáticos, aprovada após a divulgação de fotos privadas da
vítima, supostamente copiadas de seu computador. Além disso,
Fonseca aponta que as características inquisitoriais de nosso
sistema legal favorecem “a influência das leis na determinação das
políticas de punição e controle do crime, produzindo uma interrelação
entre pressões populares e a efetiva adoção de medidas penais”.8
Sozzo explica que, aproximadamente, desde inícios dos
anos 90, a América Latina foi o palco de um fenômeno de
importação de discursos e técnicas de controle do crime que
tiveram como referência as estratégias estadunidenses, guardadas
as particularidades do contexto latino-americano, marcado
pela distribuição desigual de riquezas e oportunidades sociais.
Porém, paradoxalmente, apesar de exportarem suas políticas de
segurança para o mundo, não se pode classificar os EUA como
um país seguro no qual as pessoas vivam seu cotidiano sem o
medo do crime.9
Ainda assim, diversas práticas tendentes a endurecer o
tratamento da questão penal na América Latina nos últimos
vinte anos provêm desse contexto. Nesse momento, a política
criminal adota uma dimensão de severidade orientada pela
noção de risco e, ao mesmo tempo, propaga a ideia de que
todos os cidadãos devem adotar práticas rotineiras de combate
à criminalidade, reconfigurando os papéis individuais e
institucionais na sociedade.10 O fenômeno das prisões privadas,
aquelas administradas exclusivamente por empresas privadas,
guardam uma relação muito particular com o programa
neoliberal levado a cabo tanto nos EUA, quanto no Chile, onde
já existem seis prisões deste tipo. Esta “inovação” na América

8. Fonseca, David. Assumindo riscos: a importação de estratégias de


punição e controle social no Brasil. In: Cânedo, Carlos; Fonseca,
David (orgs.). Ambivalência, contradição e volatilidade no sistema penal.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012. p. 297-338. p. 319.
9. Sozzo, op. cit., p. 19.
10. Idem, ibidem.

19
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Latina, importada do contexto estadunidense, paradoxalmente,


ou nem tanto, foi implementada no Chile através de empresas
privadas multinacionais nascidas, justamente, nos EUA.11
Com relação ao caso Argentino, Sozzo afirma que desde
1998, periodicamente, alguns atores políticos nacionais, como
o então Presidente Menem, lançavam a proposta de introduzir
a pena de morte entre as ferramentas de controle do delito
como remédio possível à emergência da insegurança urbana,
recorrendo, muitas vezes de forma explícita ao exemplo dos
EUA. Frequentemente, esses atores restringiam o alcance da
proposta a certos e determinados pressupostos, relacionados com
o narcotráfico ou com os delitos sexuais. Essa mensagem política
inscrevia-se em um conjunto de discursos e ações destinados a
um endurecimento penal generalizado, que tinham na lei seu
instrumento principal para o controle penal.12 O principal
resultado para este conjunto de ações foi, como no Brasil, uma
maior severidade no sistema de Justiça criminal e o constante
incremento da população privada de liberdade.
Analisando documentos dos anos 50 e 60 do governo
britânico, Garland assevera que, naquela época, apesar de as
taxas mostrarem um aumento no tocante à prática de crimes,
acreditava-se na capacidade dos governos em administrar o
problema. Porém, com o passar do tempo e a demonstração da
incapacidade governamental em resolver a questão, nas décadas
posteriores houve um distanciamento desta atitude confiante e
os discursos oficiais tornaram-se mais hesitantes e modestos,
admitindo-se os limites do Estado na persecução penal,
tendo em vista a constatação de que grande parte dos crimes
sequer chega ao controle dos sistemas de administração penal,

11. Sozzo, op. cit., p. 19.


12. Sozzo, Máximo. Transformações atuais das estratégias de controle do
delito na Argentina: notas para a construção de uma cartografia do
presente. In: Cânedo, Carlos; Fonseca, David (orgs.). Ambivalência,
contradição e volatilidade no sistema penal. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
2012. p. 211-295.

20
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

a chamada cifra negra ou obscura. Inclusive, o autor aponta


diversos documentos oficiais elaborados durante os anos 80 que
ressaltavam a incapacidade do Estado em, por si só, conseguir
controlar a criminalidade.13
Importante apontar que ao início dos anos 70, sob a
influência da teoria abolicionista, as principais orientações
políticas e pesquisadores do tema apontavam para a obsolescência
da instituição carcerária, bem como um aumento dos sistemas de
controle extra institucionais.14 Segundo Dieter, o erro dos autores
não foi em acreditar na expansão de novas formas de controle,
mas em crer que elas iriam substituir a prisão, pois tais opções
não são excludentes e representam formas complementares de
controle. As explicações para o retrocesso que se operou são
muito variadas, entre elas: a crise fiscal, a retração de programas
de seguridade social, a precarização do emprego, a redução dos
vínculos familiares e sociais, o endurecimento da “guerra às
drogas” e a radicalização das iniciativas de Lei e Ordem.15
Contudo, admitir o caráter natural das taxas de
criminalidade e os limites dos órgãos estatais significa colocar
em dúvida um dos mitos fundadores da sociedade moderna, qual
seja, de que o Estado soberano é capaz de garantir a segurança, a
ordem pública e de reprimir os crimes cometidos dentro de suas
fronteiras. Isso, ainda, justamente no “momento em que a noção
mais ampla de soberania do Estado vê-se fortemente ameaçada”.16

13. Garland, David. As contradições da “sociedade punitiva”: o caso


britânico. Bento Prado de Almeida Neto (Trad.). Revista de Sociologia e
Política, Curitiba, n. 13, p. 62-63, nov. 1999.
14. Giorgi, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal.
Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2006.
15. Dieter, Maurício Stegemann. Política criminal atuarial: A criminologia
do fim da história. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-
-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2012.
16. Carvalho, Viobaldo Adelídio de; Fátima e Silva, Mario do Rosário
de. Políticas de segurança pública no Brasil: avanços, limites e desafios.
R. Katál, v. 14, n. 1, p. 60, Florianópolis, jan.-jun. 2011.

21
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

A difícil situação que os governos têm de enfrentar reside no


fato de que não podem mais ser a principal fonte da segurança e
da representação criminal, ao mesmo tempo em que sabem que,
em curto prazo, tal confissão pública tem muitas chances de ser
politicamente desastrosa. Dessa maneira, as mudanças ocorridas
nas últimas décadas impeliram a redefinição do papel do Estado
tanto na gestão pública, como em sua relação com o mercado e
com a sociedade.
Garland explica que, diante da difícil situação descrita, surge
um “esquema de ação política notavelmente ambivalente”:17 por um
lado, a preocupação em administrar o problema e desenvolver
novas estratégias que sejam racionalmente adequadas; e, por
outro, uma tendência recorrente a uma espécie de negação
histérica e à reafirmação enfática do velho mito da soberania do
Estado, o que resulta em uma criminologia do inimigo e aponta
para práticas mais punitivas e simbólicas. Ainda, afirma que essa
conflitante dualidade do pensamento e das práticas penais, que
chamou de “criminologia do eu” e “criminologia do outro”, expressa
um conflito que se encontra no cerne da política criminal
contemporânea.18
A “criminologia do eu” faz do criminoso um consumidor
racional, como qualquer cidadão, diferentemente, a “criminologia
do outro” idealiza o criminoso como um estrangeiro ameaçador,
um excluído ou um rancoroso. A primeira é invocada para
banalizar o crime, torná-lo algo natural e inevitável, moderar os
medos e promover a ação preventiva, ao passo que a segunda tende
a demonizar o outro e a provocar preconceitos que acabam por
incentivar hostilidades populares e sustentar o dever de punição
do Estado. Assim, o Estado oscila entre respostas adaptativas e
de negação, entre tentativas de enfrentar a situação e expectativas
de que o problema desapareça magicamente, fazendo mais do
mesmo, ainda que cause consequências desastrosas.19

17. Garland, 1999, op. cit., p. 63.


18. Idem, Ibidem, p. 59.
19. Idem.

22
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

Dessa forma, por um lado, surge uma “resposta denegatória”,


a qual consiste na negação da ineficácia de certas práticas e
racionalidades punitivas. Os atores estatais guiados por esta
tendência parecem negar a realidade de que as antigas práticas
de intervenção excessiva dificilmente produzem resultados
benéficos e nostalgicamente tentam reafirmá-las, enviando ao
público a mensagem de que a situação enfrentada é um produto
de não se haver avançado suficientemente no caminho marcado
pelo punitivismo conservador e, inclusive, por se ter amenizado
as estratégias de controle, motivos que consideram determinantes
para fomentar a temida impunidade e incentivar a prática de
crimes.20 Esse tipo de reação foi amplamente impulsionada
pelo “braço político” das estruturas estatais, apoiado fortemente
pelo caráter neoconservador (com diversos tipos de hibridações
locais) da racionalidade governamental. Desde a década de 90,
esta racionalidade conservadora gerou uma espécie de populismo
punitivo, baseado em uma “criminologia do outro”.21
Fonseca aponta para o caráter simbólico deste tipo de
resposta, como forma de reestabelecer a confiança da população
nas instituições do sistema de Justiça criminal. Sob esta
perspectiva, a principal função da punição seria a reafirmação dos
valores sociais vigentes, mais do que a intimidação dos infratores.
A sanção dirige-se aos cidadãos comuns, para que reestabeleçam
sua confiança nas normas jurídicas e sociais. Dessa maneira,
juntamente com a incapacitação dos sujeitos considerados
perigosos, a reafirmação de valores sociais integra a orientação
do modelo de punição contemporâneo, uma resposta de mão
dupla, para manutenção da ordem e a repressão dos conflitos.22
Sobre o contexto latino-americano, Sozzo afirma que
esse viés da transformação das estratégias de controle do delito
na América do Sul constituiu a tendência predominante. A

20. Garland, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade


contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 222-231.
21. Idem, ibidem.
22. Fonseca, op. et loc. cits.

23
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

insistência no endurecimento penal, a criminalização de novas


condutas, o incremento do uso da força por parte das polícias,
aumento legal das penas para certos tipos de delitos, redução
legal e prática das possibilidades de livramento de imputados
durante o processo penal, aumento da população carcerária, e
as consequentes situações de superlotação, insalubridade e a
prisão utilizada como depósito; são apenas alguns exemplos das
formas de ação e decisões que se inscrevem em tal tendência,
muito familiares ao contexto brasileiro, veja-se a Lei de Crimes
Hediondos, a Lei Contra o Crime Organizado, o Regime
Disciplinar Diferenciado, as inúmeras prisões preventivas
decretadas como garantia da ordem pública, entre outras
alterações legislativas atuais que aumentam penas, o prazo
prescricional etc.23
Consequentemente, o mundo das prisões também sofreu
uma drástica mudança. O modelo de encarceramento massivo,
relacionado à superlotação das prisões, ajudou a consolidar a ideia
de que a pena serve apenas para afastar as pessoas consideradas
perigosas do convívio social. Segundo Sozzo, a adoção de um
modelo que prima pela privação de liberdade: “conllevó a la
asunción de la idea que la pena sólo sirve para encerrar a la gente
durante un lapso de tiempo más o menos prolongado y evitar que
hagan cosas malas afuera de la prisión, ni siquiera evitar que hagan
cosas malas adentro de la prisión”.24 Por conseguinte, estabelece-
se uma espécie de prisão depósito, na qual são levadas pessoas
consideradas uma ameaça para a ordem social e ao restante da
população, classificação elaborada com base na verificação de
perfis de risco.25
Porém, por outro lado, também foi produzida uma “resposta
adaptativa”, baseada no reconhecimento dos limites das formas
de atuar e de pensar tradicionalmente, buscando gerar inovações
e alternativas aos modelos tradicionais. Garland afirma que não

23. Fonseca, op. et loc. cits.


24. Sozzo, op. cit., p. 17.
25. Idem, ibidem.

24
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

é uma resposta homogênea, une conservadorismo e bem estar


social, assim como agentes estatais e não estatais, desenvolvendo-
se decisões e práticas que vão desde a racionalização e a
comercialização da administração da Justiça penal às iniciativas
legais de alternativas à pena privativa de liberdade. Como
exemplos, pode-se referir a difusão de experiências de polícia
comunitária, o monitoramento eletrônico, a possibilidade de
composição dos danos e transação penal, as penas restritivas de
direito, a mediação e a preferência por vias alternativas de resolução
de conflitos. De acordo com o autor, “esses novos movimentos
poderiam ser descritos como novos modos de governo do crime”,26 cada
qual com seus objetivos, fundamentos criminológicos, assim
como técnicas e aparatos próprios para sua implementação.
Tais estratégias de controle do delito construídas no marco da
ascensão do neoliberalismo como racionalidade governamental,
especialmente desde a década de 90, possuem uma força e
uma menor visibilidade do que as respostas denegatórias, mas
também se fizeram presentes no contexto latino-americano,
com suas especificidades e hibridações locais.
Cabe ressaltar que com o esquema analítico proposto
por Garland – respostas denegatórias e adaptativas – não é
possível abarcar todas as estratégias de controle do delito, já
que algumas parecem se encontrar entre ambas as tendências,
exigindo o desenvolvimento de um esquema mais plural. Um
exemplo é a Lei de Drogas de 2006 (Lei 11.343) que, por um
lado, retirou a pena de prisão do crime de posse para uso pessoal,
mas por outro, aumentou a pena para o crime de tráfico e à ele
relacionados. Causando efeitos imprevistos, ao invés de reduzir
o número de condenados, aumentou o número de pessoas presas
por tráfico (também por mais tempo), em grande medida, diante
da falta de elementos objetivos para diferenciação entre usuários

26. Garland, David. Os limites do Estado soberano: estratégias de controle


do crime na sociedade contemporânea. In: Cânedo, Carlos; Fonseca,
David (orgs.). Ambivalência, contradição e volatilidade no sistema penal.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012. p. 55-99. p. 62.

25
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

e traficantes, o que ampliou o espaço para a discricionariedade


seletiva dos agentes da Justiça criminal.
Da mesma forma, guiada pela perspectiva gerencial na
administração da Justiça criminal, puramente produtivista, os
Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) apresentavam-se como
uma possibilidade de agilizar o funcionamento da Justiça, com
um processo mais célere em relação a crimes de menor potencial
ofensivo, o que possibilitaria a melhora dos resultados e dos
indicadores da Justiça criminal. Porém, para isso, o Estado abriu
mão de garantir direitos e flexibilizou regras processuais com
procedimentos informais. Além disso, importante destacar que,
ao invés da redução de processos criminais, o estabelecimento dos
Juizados Especiais permitiu o controle judicial sobre condutas
que antes não chegavam aos tribunais.27
Para Azevedo, a criação dos Juizados Especiais Criminais
foi um passo fundamental na direção de um novo paradigma
de administração de conflitos criminais. Porém, a timidez
das previsões legais e a cultura jurídica burocrática, além de
impedir o desenvolvimento de um espaço de mediação, acabou
contribuindo para a desconsideração, por parte dos operadores
do direito, das percepções e necessidades das partes, em nome de
uma celeridade que em nada contribui para a efetiva resolução
dos conflitos.28
Todavia, percebe-se que esta interpretação da mudança
produzida revela a importância e, inclusive, a transcendência que
tem a implementação de algumas políticas públicas e reformas
legais, pois acabam por afetar diversos aspectos da resposta
estatal em relação ao crime, o que implica, muitas vezes, em uma
ampliação das redes de controle social, que passam a regular

27. Fonseca, op. et loc. cits.


28. Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de; Cifali, Ana Claudia. Segurança
pública, encarceramento e política criminal no Brasil nos Governos Lula e
Dilma (2003-2013) – Mudanças e continuidades. Clacso, Relatório de
Pesquisa, 2014.

26
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

espaços da vida que anteriormente não eram foco de atuação do


sistema de Justiça criminal, ainda que de forma imprevista.

2.2 Governando através do crime: mudanças para além


do sistema criminal

A partir de 1975, com a obra de Taylor e Young, foi-se


desenhando o que se conheceria como Realismo de Esquerda,
corrente criminológica que aponta que o ato delitivo não é
apenas o resultado de um etiquetamento, como assinalado pela
teoria do Labelling Aproach, mas que por de trás dele existiria
uma base material que não pode ser negada. Por esta corrente,
o delito não era mais visto como uma mera etiqueta, mas como
o produto da brutalização, do individualismo competitivo,
como algo determinado, que refletia necessidades reais e medos
justificados. Afirmavam que a criminalidade “têm uma existência
real”, são acontecimentos, frutos de situações reais, bem como
que o delito está localizado – geográfica e socialmente – sobre
os setores realmente vulneráveis da sociedade. Dessa forma,
ocupavam-se, em especial, do problema das vítimas. O delito
não era mais visto como uma reação contra os poderosos,
mas ao contrário, levava-se em consideração que a população
vulnerável economicamente era também a mais vitimizada
pela criminalidade urbana. Assim, o centro de interesse dessa
formulação teórica era a criminalidade comum, mais do que os
delitos de colarinho branco ou ambientais, por exemplo.29
Tal convencimento levou Taylor a afirmar que, desta
maneira, “Lei e Ordem” representaria uma fórmula que deveria
relacionar-se mais como um tema de esquerda, emergindo a
necessidade de reformular uma resposta social democrática,
de esquerda, que guardasse relação com os medos reais e as

29. Elbert, op. cit., p. 200; Beiras, Iñaki Rivera. Política criminal y sistema
penal: viejas y nuevas racionalidades punitivas. Barcelona: Anthropos,
2005.

27
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

ansiedades da população. O delito, então, era visto como um


poderoso símbolo da natureza profundamente antissocial
do sistema capitalista. Este realismo de esquerda voltaria a
falar sobre as “causas” da conduta delitiva, explicada a partir
da desigualdade na distribuição de renda. Nesse sentido, o
Realismo de Esquerda entende que, em definitiva, é a política
que determina as condições sociais que “causam” o delito, o grau
de seletividade do sistema penal e a atuação das agências de
controle. Portanto, suas propostas vão no sentido de que se deve
abordar o problema através de processos estatais centralizados
e formalizados, por meio da legislação penal, do trabalho, da
Justiça criminal e etc.30
Desta maneira, de acordo com Beiras, o Realismo de
Esquerda demanda uma “repolitização do delito”, já que para
alcançar a redução das taxas de criminalidade seria necessário
apreciar um amplo espectro de processos políticos e estruturais,
já que a efetividade de estratégias particulares estaria sempre
condicionada à processos mais amplos. Assim, os realistas de
esquerda apontavam a necessidade de que o campo do controle
do delito deve fazer parte de um programa político mais geral.
Contudo, admitiam como crime aquilo que o sistema penal
determinava que fosse e não deixaram de concentrar-se em
atividades e programas práticos político-criminais, aceitando a
necessidade da aplicação de penas sob o argumento de seu poder
dissuasivo, o que gerou diversas críticas por parte de autores
como Baratta, Melossi e Cohen, que consideravam os pontos
de vista defendidos como uma nova edição de velhas opiniões
jurídico penais, tratando-se de um retorno à um modelo causal-
-explicativo do delito, cuja inutilidade já estava a muito tempo
demonstrada.31
Importante recordar o contexto político em que surgem as
ideias e conceitos do Realismo de Esquerda, já que na década
de 80 há uma hegemonia da direita conservadora na Inglaterra,

30. Beiras, 2005, op. cit.


31. Idem, ibidem.

28
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

principalmente a partir do momento em que Margaret Thatcher


assume o poder, colocando ênfase nas políticas de “mão dura”
contra o crime. De acordo com Beiras, ainda que posturas
realistas possam ser observadas em um período anterior, nesse
contexto é que devem ser analisadas as propostas desta corrente
teórica. Além disso, mudanças nas condições socioeconômicas
que, por sua vez, geraram uma alta taxa de desemprego, também
propiciaram tal reação. Por isso, Beiras considera o Realismo de
Esquerda uma política criminal da oposição.
Ainda, Beiras explica a diferença entre os Realismos de
Direita e de Esquerda. Afirma que, enquanto os de Direita
priorizam “ordem sobre justiça”, os de Esquerda dão prioridade
à Justiça social como um meio para se alcançar uma sociedade
equitativa. Enquanto os primeiros utilizam-se de teorias
genéticas e individualistas, os segundos apontam para a injustiça
social como um fator que margina amplos setores da população e
acaba por gerar comportamentos delitivos. Ambas as teorias tem
em comum o fato de não acreditarem em respostas “mágicas”,
bem como ressaltarem que todas as intervenções no âmbito do
controle do delito tem um custo social que deve ser considerado
em relação à sua efetividade.32
Para o autor, quando falamos de política criminal,
estamos tratando do uso da força pelo Estado, do emprego da
violência, já que é a partir da criminalização e da penalização
de atos cometidos por pessoas não autorizadas à cometê-los
que se dá a autorização – legitimidade – para o Estado intervir
utilizando sua força punitiva. Ou seja, se trata, no terreno da
política criminal, de o Estado governar utilizando da coação e,
como veremos adiante, contemporaneamente, através de meios
que regulamentem as rotinas cotidianas, responsabilizando
os indivíduos pela sua própria segurança, reduzindo-se a
necessidade de o Estado intervir diretamente.
Simon aduz que a busca obsessiva pela proteção contra a
criminalidade, o medo e a insegurança, abrem espaço para uma

32. Beiras, 2005, op. cit., p. 218.

29
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

espécie de governo por meio do crime. É dizer, a utilização do


crime como mecanismo estratégico de poder político. Segundo
o autor, todas as estratégias de controle do delito, são também
estratégias de controle através do delito, ou, ao nosso entender,
de governo através do crime. Nesse contexto, não apenas os
classificados como criminosos são controlados, mas todas as
pessoas e espaços sociais. Assim, aproveita-se o pretexto de
controle do delito para guiar a conduta de toda população. Através
do medo, legitimam-se ações capazes de controlar diversos meios
da vida cotidiana e, diante da impossibilidade de resguardar a
segurança da população, o Estado passa a compartilhar tal tarefa,
de modo em que todos se sintam responsáveis pela prevenção do
delito, alterando condutas, rotinas e até remodelando o espaço
urbano.33
Desde meados dos anos 70, um novo gênero de discurso
criminológico, chamado de “novas criminologias da vida
cotidiana”, fundado em um conjunto de referenciais teóricos,34
passaram a influenciar cada vez mais os círculos do governo.
Tais teorias têm como objetivo influenciar a adoção de medidas
que incluem não somente o Estado, mas outras entidades da
sociedade civil e a própria população na dinâmica do controle
do crime. Para Simon: “Essa é a essência da nova abordagem na
prevenção do crime. (...) Sua preocupação primária é devolver a
responsabilidade pela prevenção do crime para agências, organizações
e indivíduos que estejam bem fora do Estado”.35
Uma vez que as teorias dão por estabelecida a capacidade
limitada do Estado, colocam grande parte da responsabilidade nos
próprios indivíduos que cometem crimes, os quais escolheriam
racionalmente a opção da criminalidade, por descontentamento

33. Simon, Jonathan. Governing Through Crime: how the war on crime
transformed American democracy and created a culture of fear. New York:
University of Oxford Press, 2007.
34. Entre os quais, a teoria da escolha racional, teoria da atividade rotineira,
teoria do crime como oportunidade e prevenção situacional do crime.
35. Garland, 2012, op. cit., p. 62-65.

30
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

com a sociedade ou para conseguirem altas doses de adrenalina.


Pelo mesmo motivo, busca-se tornar a prevenção do crime uma
prática rotineira. Para a população em geral, é passada a imagem
de que o crime é um fato social normal, um risco calculável, apenas
um acidente que pode ser evitado, motivo pelo qual os novos
programas de ação procuram influenciar a conduta das vítimas
potenciais, aumentar o patrulhamento policial e reestruturar a
vida cotidiana para que não propiciem oportunidades para o
crime, aumentando o controle informal e o uso de mecanismos
de segurança por quase todo o espaço urbano.36
A responsabilização individual é operada em diversos
planos, o desemprego seria resultado de uma incapacidade
pessoal, enquanto o crime seria resultado de uma escolha
racional, feita por um sujeito imoral que não tem controle
de seus impulsos. A vítima, por sua vez, é representada como
uma pessoa descuidada, que abriu espaço para sua vitimização.
Assim, o Estado afasta-se de sua responsabilidade de proteger
os cidadãos e a responsabilidade recai sobre os indivíduos, que
devem ser prudentes, responsáveis por suas ações e por sua
segurança pessoal, laboral etc. Qualquer falha nesses campos é
responsabilidade do próprio cidadão, não da proteção insuficiente
do Estado em relação aos aspectos e direitos sociais.37
No início dos anos 2000, os objetivos admitidos pelo
governo britânico diziam respeito a “uma melhor gestão dos riscos
e dos recursos, redução do medo e dos custos da criminalidade e da
Justiça criminal e um maior amparo as vítimas”.38 Logo, em reação
às elevadas taxas de criminalidade e à crise do sistema de Justiça
criminal, bem como sob a influência de mudanças mais amplas
que se distanciam dos estilos de governo de auxílio social e
apontam para a direção neoliberal, a problematização do controle
do crime começou a operar-se a partir de uma perspectiva
gerencial, ou seja, se o fenômeno do crime é considerado um

36. Garland, 2012, op. cit., p. 62-65.


37. Idem, ibidem.
38. Garland, 1999, op. cit., p. 63.

31
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

aspecto natural, poderia ser governado através de técnicas de


gestão do risco.39
Segundo Pratt, essa forma de prática gerencial, com um
discurso baseado em resultados, metas e produtividade foi, há
muito tempo, estabelecida em outros setores da sociedade.40
Atualmente, diversas atividades apresentam uma relação
direta com procedimentos orientados pelo risco devido ao
seu potencial para consequências danosas. De acordo com
Fonseca, a regulação estatal de muitas atividades vem sendo
implementada, enquanto as agências estatais têm se tornado
responsáveis por definir padrões mínimos de segurança. Ainda,
são acrescentados inúmeros dispositivos legais aplicáveis no
caso de qualquer desobediência, normas que ultrapassam a
esfera administrativa e adentram o âmbito penal. Por um lado,
o controle é alcançado mediante rígidos procedimentos para
inspeções e licenciamento, enquanto por outro, as sanções são
geralmente dirigidas à restituição dos prejuízos e prevenção de
futuros perigos. Ou seja, se alguma disposição administrativa é
violada, abre-se a possibilidade de uma punição criminal, além
das próprias implicações no âmbito administrativo. Para Fonseca,
“esse tipo de disposição criminal subsidiária reside em um nível muito
mais simbólico, no qual a punição é estabelecida principalmente para
fornecer uma ameaça posterior”. Como exemplos desta tendência,
cita leis referentes à delitos ambientais e à regulamentação do
trânsito.41
Com efeito, a racionalidade que emerge no campo do
controle do crime passa a organizar-se em um sentido mais
administrativo e econômico de raciocínio.42 Ao falar sobre

39. Garland, 1999, op. cit., p. 63.


40. Pratt, John. O Retorno dos “homens carrinho de mão” ou a chegada
da punição pós-moderna? In: Cânedo, Carlos; Fonseca, David (orgs.).
Ambivalência, contradição e volatilidade no sistema penal. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2012. p 129-160.
41. Fonseca, op. cit., p. 325-326.
42. Garland, 1999, op. cit., p. 65.

32
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

racionalidade econômica, Garland não se refere somente à


relação custo-benefício que se tornou determinante nos governos
neoliberais, “ao ponto de se explicitarem nos aspectos do discurso e da
prática da repressão criminal”,43 mas também e, principalmente,
pela dependência crescente a uma linguagem analítica do risco, da
probabilidade, da oferta e da demanda, é dizer, da racionalidade
que transfere as formas econômicas e administrativas de
raciocínio e cálculo para o campo da criminologia. De acordo
com o autor: “isso tem como efeito facilitar o recurso a um discurso
moral simplificado sobre o crime e o castigo”.44
Nesse sentido, a teoria econômica do crime, o modelo
do ator racional e a teoria das janelas quebradas demonstram
essa racionalidade e foram extremamente relevantes para a
difusão da ideia do controle da criminalidade como um risco
cotidiano, impulsionadas principalmente a partir dos anos 70,
influenciando a adoção de medidas que incluem não somente
o Estado, mas outras entidades da sociedade civil e a própria
população na dinâmica do controle do crime.
Portanto, em paralelo à evolução de políticas criminais
relacionadas ao recrudescimento penal, como forma de
reafirmação eminentemente política da soberania do Estado,
também se produziu a difusão de certas formas de prevenção
ao delito. Sem embargo, na maioria das vezes, as iniciativas
preventivas não partiram dos governos, mas da sociedade civil
e, principalmente, de empresas privadas de segurança, motivo
pelo qual cada vez mais foi consolidado um mercado de
segurança, em que os indivíduos podem comprar mecanismos
para se prevenirem de delitos, como sistemas de câmeras, cercas
elétricas, alarmes, guardas particulares, carros blindados etc.45
Sozzo explica que esse tipo de intervenção preventiva
peculiar é o que se convencionou chamar de “prevenção
situacional ambiental”, é dizer, tornar segura uma situação ou

43. Garland, 1999, op. cit., p. 65.


44. Idem, ibidem.
45. Sozzo, Los retos de la izquierda... cit., p. 18.

33
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

ambiente. O cidadão que tem dinheiro pode comprar serviços


de uma empresa de segurança privada para que sua casa ou sua
empresa, ou seja, seu cenário social particular seja protegido.
Logo, o que venha a ocorrer em outro lugar que não seja o
seu, é algo que não tem importância, pois não diz respeito a
seu interesse privado. Nesse sentido, o endurecimento penal,
a propagação do medo e da insegurança no espaço público e o
consequente enfraquecimento dos vínculos sociais, serviram ao
novo mercado do controle social e da segurança privada.
Porém, ainda que a estratégia preventiva esteja relacionada
à práticas de privatização e de redução de gastos públicos, mais
do que o simples desmembramento ou privatização do controle
do crime, ela possibilita uma nova forma de controle/governo à
distância, o que representa uma nova maneira do Estado exercer
seu poder. É dizer, o Estado não reduz suas funções, “mas assume
um novo conjunto de papéis de coordenação e ativação que, com o
tempo, se desenvolve em novas estruturas de apoio, financiamento,
troca de informação e cooperação”. Ao invés de reduzir a influência
estatal, ela amplia sua capacidade de ação e, ao mesmo tempo,
serve para desconstruir a noção do Estado como única fonte de
proteção.46
Um dos aspectos mais relevantes da perspectiva proposta
por Garland é o reconhecimento de que a política criminal não
é necessariamente racional e consistente em suas estratégias de
controle do crime. Como qualquer decisão estatal, é suscetível a
dilemas e conflitos de interesses políticos. Por isso, a descrição
das recentes transformações no controle do crime e na penalidade
envolve uma variedade de práticas e teorias, muitas apontando
o caráter volátil e ambíguo das estratégias atuais. Assim, mais
do que apontar uma unidade ou padrões de atuação estatais,
buscamos verificar as diferentes respostas utilizadas pelos
Estados para o enfrentamento da insegurança pública. Nesse
sentido, Garland aponta para a tensão entre duas respostas
que parecem prevalecer atualmente, por um lado, uma política

46. Garland, 2012, op. cit., p. 67.

34
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

de negação da responsabilidade em relação ao problema e, por


outro, uma política de punição severa como prova da efetividade
estatal no controle do crime.
O’Malley, apesar de reconhecer que Garland identificou
uma contradição central no campo do controle do crime e a tenha
vinculado com os dilemas da governança estatal contemporânea,
afirma que tal oscilação é apenas uma dimensão ou característica
de um amplo padrão de incoerência contemporâneo. De
acordo com o autor, as políticas penais das últimas décadas têm
sido formuladas por governos que amalgamam e combinam
racionalidades “um tanto contraditórias”, apesar de ser possível
encontrar certos valores compartilhados entre elas. O autor se
refere ao neoconservadorismo47 e ao neoliberalismo,48 apontando
que a envergadura das respostas atribuídas somente ao
neoliberalismo, como se costuma fazer, é bastante reduzida.49
Para O’Malley, a aliança entre as duas racionalidades
explicaria o “padrão bipolar” responsável pela expansão da
diversidade e do alcance do controle e das sanções punitivas. Por

47. Segundo O’Malley: “Para os neoconservadores, o Estado, em


particular nos seus papéis como preservador da ordem e governador
da nação, é o símbolo privilegiado do poder político, e a fidelidade ao
Estado tem pouco ou nada a ver com um contrato social liberal. Essa
forte afirmação da soberania estatal privilegia, por conseguinte, a lei e
a ordem como cruciais, mais ainda do que o mercado e o indivíduo.
Assim, para os neoconservadores o direito deve não somente controlar
contratos e crimes, mas deve regular relações familiares, moralidade
pessoal e assim por diante. E o Estado deve possuir sanções severas
e derradeiras e deve utilizar a punição retributiva e o controle social”
(O’Malley, op. cit., p. 116-117.
48. Ainda, conforme o autor: “O que é central para o neoliberalismo é o
privilégio do mercado e o individualismo, que são considerados como
as tecnologias ideias para a ordem social. O neoliberalismo imagina
virtualmente todas as instituições, incluindo o direito e a penalidade
como idealmente executados em termos de eficiência e racionalidade
de mercado. Do mesmo modo, é o neoliberalismo que concentra
a generalização de fantasias e técnicas empreendedoras (junto aos
discursos aliados, tais com o novo gerencialismo)” (Idem, ibidem).
49. Idem, ibidem.

35
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

um lado, o neoconservadorismo seria responsável pela ênfase


na ordem e na disciplina, bem como por revitalizar penalidades
e orientações penais ligadas à retribuição, à disciplina rígida, à
pena de morte etc. Daí viria a nostalgia apontada por Garland e
Simon. Segundo o autor: “Essa nostalgia neoconservadora une
punição e disciplina penal com o apoio para uma ordem moral
unificada sob a governança do paternalismo estatal”. Por outro
lado, a racionalidade neoliberal seria responsável por iniciativas
mais inovadoras, como os modelos de prisioneiros ativos, que
realizam atividades dentro dos estabelecimentos penais, aos quais
o autor denomina de empreendedores, bem como mudanças de
caráter gerencial e administrativo, como as “oportunidades” de
transação penal. Assim, dentro de um repertório relacionado
à Nova Direita, o alcance das sanções disponíveis acaba
expandindo-se em direções opostas, entre práticas inovadoras e
nostálgicas, influenciadas por racionalidades distintas, neoliberal
e neoconservadora. Ao centro, é possível encontrar pontos de
união e consenso entre ambas racionalidades, como, por exemplo,
o emprego do encarceramento justificado a partir da dissuasão.50
Na prática, não resulta uma tarefa fácil distinguir entre
os dois polos. Neoliberais e neoconservadores parecem apoiar
a expansão do regime prisional. Porém, o fazem, cada qual, a
partir de seus próprios fundamentos, uns baseando-se no custo
e na efetividade, já que prender reiteradamente é mais fácil do
que oferecer um Estado de bem estar social que possa atender
as necessidades da população, enquanto os outros utilizam o
argumento de punição da perversidade. Assim, a volatilidade
encontrada por Garland “pode refletir contingências políticas diante
de uma aliança convenientemente heterogênea de racionalidades
políticas”.51
Por fim, o autor destaca que tal perspectiva não se relaciona
somente, ou primariamente, a governos definidos como de
direita, afirmando ser possível encontrar argumentos de setores

50. O’Malley, op. cit., p. 119-120.


51. Idem, ibidem. p. 121.

36
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

da esquerda52 que apoiam técnicas de mercado no campo do


controle do crime. Segundo o autor:
“A questão é que estamos em uma era em que velhas
certezas políticas – o que é esquerda e o que é direita – estão sendo
desestabilizadas. Em um ambiente onde técnicas neoliberais de
governo são enxertadas em outras racionalidades, a prognose, como
sugiro, é de um período prolongado de inconsistência e volatilidade
na punição. Ainda assim, creio que isso está mais relacionado com a
mudança de paradigmas de governo do que com qualquer coisa tão
catastrófica como a emergência da pós-modernidade ou, talvez, o
alcance dos limites do Estado soberano”.53
Nesse contexto, Pavarini aponta para a “politização” ou
“eleitorização” da questão da segurança pública, ou seja, a
apropriação da questão criminal pela política em tempos de
eleições que, inseridas na lógica imediatista dos calendários
eleitorais e demonstrativos de audiência, acaba por reduzir
o diálogo e ofuscar muitos dos problemas que envolvem a
questão criminal. De acordo com Fonseca, a exibição de casos
emblemáticos pela mídia a partir dos anos 90, os quais causavam
enorme comoção social, levou os políticos a responderem às

52. O autor cita como exemplo o governo trabalhista de Keating, na


Austrália, que abraçou, em geral, muitas tecnologias neoliberais na
governança do crime, ao mesmo tempo em que manteve uma plataforma
socialdemocrata. De acordo com o autor, esse regime trabalhista não
se preocupou com a introdução de técnicas de mercado e mecanismos
neoliberais relacionados em quase todos os aspectos da vida. Também na
Justiça criminal houve uma mudança no sentido de tornar os infratores
mais individualmente responsáveis por seus crimes, e assim sujeitos a
punição ao invés de correção, bem como pessoalmente responsáveis
pelas vítimas, e assim disponíveis para restituição e ressarcimento. Esse
regime apoiou a dispersão de funções estatais da Justiça criminal – da
privatização das prisões a uma maior responsabilização dos cidadãos
pela governança do controle do crime via seus comitês e iniciativas de
justiça comunitária. Assim, em tais amálgamas neoliberais/trabalhistas,
pode ser detectado espaço similar para diversidade e incoerência como
tem sido característico da nova direita (O’Malley, op. cit., p. 121-122).
53. Idem, ibidem, p. 122-123.

37
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

ansiedades e inseguranças sociais por meio da expressão de


sentimentos punitivos. Conforme explicitado pelo autor: “as
preocupações políticas sobrepujam o conselho técnico na definição das
atuais políticas, e pretensões populistas que resultem em vantagem
eleitoral passam a ser mais proeminentes”.54 Dessa forma, o controle
penal também passa a assumir uma função simbólica, como
forma de tranquilizar a opinião pública.
Nesse quadro, a linguagem do direito, dos direitos e da
igualdade, tem pouco alcance. Sob o pretexto de garantir a
segurança e a ordem pública, além de alegar impossibilidade
econômica, o Estado atua com desdém em relação aos direitos
fundamentais. Os direitos apresentam-se como uma garantia
formal, mas que não se realiza no âmbito material e, muitas
vezes, também não são considerados no momento da elaboração
legislativa. Logo, diversas “conquistas civilizatórias no âmbito do
sistema penal, pilares fundamentais de uma sociedade que se pretenda
democrática, e a defesa dos direito humanos, ou seja, do puro e simples
respeito à lei no processo penal e no momento da execução da pena”
não são levados em consideração.55
Como referido, o risco apresentado por alguém passa
a desempenhar um papel mais importante do que o próprio
crime à ele imputado, é dizer, não é tanto a gravidade da ofensa
supostamente praticada pelo sujeito que determinará a pena à
ele imposta, mas o risco apresentado por ele (e seu grupo) para
a segurança da comunidade. Assim, a linguagem do direito dá
lugar à linguagem administrativa. No lugar das garantias penais
e processuais encontramos “um conjunto de diferentes valores
e considerações que ordenam a penalidade: direitos individuais
cedem lugar a preocupações mais amplamente assentadas na

54. Fonseca, op. cit., p. 311.


55. Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de; Vasconcellos, Fernanda Bestetti.
Punição e democracia em busca de novas possibilidades para lidar
com o delito e a exclusão social. In: Gauer, Ruth Maria Chittó (org.).
Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2012. p. 70.

38
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

comunidade”. De acordo com Pratt, essa nova estrutura da Justiça


criminal pode, assim, envolver características como os toques de
recolher (para remover das ruas populações problemáticas, mas
não necessariamente criminosas) e a detenção indefinida mesmo
depois da conclusão do tempo de prisão imposto pela pena
(especialmente para aqueles classificados como apresentando
riscos).56 Isso por que, as novas sensibilidades que permeiam
a punição tornam tais tendências toleráveis, permissíveis, na
medida em que consideram direitos e liberdades individuais como
dispensáveis, ainda mais quando se trata de garantir a segurança
pública em desfavor dos direitos e liberdades dos “outros”.57
Como exemplos, destacamos a utilização da prisão preventiva
como estratégia de gerenciamento do risco em diversos países,
assim como, no Brasil, o caso de Champinha, para quem foi
criado um estabelecimento especial, abrindo precedentes para
internações compulsórias de adolescentes liberados do sistema
socioeducativo.58

56. Pratt, op. cit., p. 147-148.


57. Idem, ibidem, p. 152.
58. Em 2003, quando tinha 16 anos, Roberto Alves Cardoso, conhecido
como Campinha, foi condenado pelo homicídio de duas pessoas
(caso que causou enorme comoção social) passando a cumprir medida
socioeducativa de internação na Fundação Casa, em São Paulo.
Como a legislação brasileira determina que aos 21 anos a liberação do
sistema socioeducativo será compulsória (§ 5.º do art. 121 do ECA),
na iminência de completar 21 anos, o Ministério Público requereu a
interdição civil de Champinha sob o argumento de que era um doente
mental. Assim, Champinha foi encaminhado à Unidade Experimental
de Saúde, criada especialmente para ele (ainda que hoje abrigue outras
poucas pessoas) pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo através
do Dec. 53.427/2008, sob o argumento de que laudos psiquiátricos
atestavam que ele sofria de transtorno de personalidade e não estava
apto para o convívio em sociedade, sendo decretada sua internação
compulsória. Resumindo, atualmente, Champinha encontra-se privado
de liberdade mediante decisão cível, em um estabelecimento criado
apenas para abriga-lo, e poderia estar sujeito a uma internação perpétua.
Em visita ao Brasil, o Comitê da ONU de Prevenção da Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, recomendou ao Brasil o fechamento da

39
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Portanto, a preocupação política atual não se mostra


puramente punitiva e nem puramente orientada para a proteção
pública, mas verifica-se a preocupação de produzir sanções que
combinem as duas lógicas sob a forma de uma segregação e de
uma incapacitação punitiva. Assim, o aumento do patrulhamento
policial, a construção de espaços protegidos, a privação de
liberdade com penas de longa duração e uma existência
estigmatizada e controlada para aqueles que são libertados, é
cada vez mais a escolha que se impõe.59
Por sua vez, numa concepção que nos ajuda a refletir sobre
a preferência por sanções aflitivas e maior controle penal, Pires
e Dubé sustentam que tal predileção ocorre pois o sistema penal
das sociedades contemporâneas ainda está preso a uma lógica
de repressão e controle. De acordo com os mesmos, este fator
impede a construção e a estabilização de um sistema inovador

unidade, aduzindo que ela não atende aos requisitos de uma unidade de
saúde mental, e que, na verdade, trata-se de uma unidade de contenção.
Em 2013, o Ministério Público Federal, mediante ação civil pública,
requereu a extinção da unidade. No mesmo ano, o STJ rejeitou o pedido
de habeas corpus (n. 169.172/SP) impetrado pela defesa de Champinha,
sob o argumento de que a decisão de internação compulsória obedeceu
aos requisitos legais, já que fundamentado por parecer técnico. De
acordo com o julgado: “A internação compulsória em sede de ação de
interdição, como é o caso dos autos, não tem caráter penal, não devendo
ser comparada à medida de segurança ou à medida socioeducativa à
que esteve submetido no passado o paciente em face do cometimento
de atos infracionais análogos a homicídio e estupro. Não se ambiciona
nos presentes autos aplicar sanção ao ora paciente, seja na espécie de pena,
seja na forma de medida de segurança. Por meio da interdição civil com
internação compulsória resguarda-se a vida do próprio interditando
e, secundariamente, a segurança da sociedade”. Desta forma, numa
manobra jurídica inédita, o Estado brasileiro assegura o afastamento
compulsório de um sujeito considerado perigoso para a sociedade.
Ligabue, Luiz Henrique. Os que morrem, os que vivem. Revista Piauí,
56. ed., maio de 2011. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.
br/edicao-56/questoes-juridico-psiquiatricas/os-que-morrem-os-que-
vivem>. Acesso em: 12 dez. 2014.
59. Idem, ibidem, p. 61.

40
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

sobre a penalidade, que favoreça sanções não carcerárias e


desfavoreça longas penas de encarceramento.60 É dizer, ancorado
nas teorias modernas da pena, o sistema penal torna-se refratário
à ideia de mudança de sua estrutura interna historicamente
estabelecida. Assim, a racionalidade que informa as autoridades
políticas, jurídicas e administrativas ainda recomenda que estes
decidam, como primeira opção, em favor da exclusão social
dos indivíduos considerados culpados pela prática de crimes. A
dificuldade em conceber um sistema penal inovador no sentido
de favorecer penas não carcerárias, passaria pelo apego às ideias
do passado, bem como à resistência em aceitar ideias que não se
enquadrem nas teorias historicamente preestabelecidas. Isso não
quer dizer que seja impossível estabelecer novas ideias no âmbito
do sistema penal, porém, certamente, como vemos no ambiente
atual, trata-se de uma tarefa difícil.61
Ao sistema de ideias que relacionam com a primeira
modernidade, e que seguem a influenciar as ideias do período
contemporâneo, dão o nome de “racionalidade penal moderna”.62
Segundo Pires, o conceito comporta dois sentidos. Por um
lado, trata-se de um sistema de uma racionalidade identificada
como relativa à Justiça criminal. Por outro, refere-se a uma
forma concreta de pensamento construída em um determinado
momento histórico – com efeito, sua qualificação como
“moderna” dá-se em razão de o autor entender que se forma no
ocidente a partir da segunda metade do século XVIII.63

60. Dubé, Richard; Pires, Álvaro. A refundação da sociedade moderna.


Tomo, n. 17, p. 15-37, jul.-dez., São Cristóvão, 2010.
61. Idem, ibidem, p. 33.
62. Idem, p. 30.
63. Vale destacar que autores como Pratt e Hallsworth analisam o caráter
pós-moderno da punição contemporânea. Nesse sentido, ver: Pratt,
John. O retorno dos “homens carrinho de mão” ou a chegada da punição
pós-moderna? e Hallsworth, Simon. A questão de uma punição
pós-moderna, ambos encontrados na obra Ambivalência, contradição e
volatilidade no sistema penal, organizada por Canêdo, Carlos; Fonseca,
David, publicada pela UFMG em 2012.

41
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

De acordo com o autor, um efeito da racionalidade penal


moderna é a naturalização da estrutura normativa adotada pelo
sistema penal, exercendo certa colonização das percepções sobre
o crime e as respostas possíveis à ele. Isso por que, na lei penal,
é comum a utilização de dispositivos penais formulados sobre
a seguinte forma normativa: “aquele que faz X, pode ou deve
ser punido com Y”, combinando uma norma de comportamento
(não fazer isso ou fazer obrigatoriamente aquilo) à uma norma
de sanção (permissão ou obrigação de aplicar determinada
pena). Ao eleger-se essa estrutura, privilegia-se uma linha de
pensamento em que a pena aflitiva comunica o valor da norma
de comportamento e a intensidade da reprovação em caso de
desobediência à norma.
Essa construção leva à ideia de que a pena aflitiva sempre
deve ser imposta, e a intensidade do sofrimento por ela produzido
revela o grau de afeição ao bem que se pretende proteger por meio
da norma de comportamento. Por outro lado, caso o valor daquilo
que almejamos proteger esteja relacionado com a intensidade
do sofrimento imposto ao que viole tal proteção, a ausência de
punição ou a ausência de uma punição que inflija sofrimento,
comunicaria o pouco valor atribuído ao objeto de proteção. Ou
seja, no caso da suspensão condicional da pena ou nos casos em
que são previstas somente penas restritivas de direitos, estar-se-
ia comunicando que não se considera o bem protegido relevante
ou provido de qualquer valor, já que a ausência de punição
seria equivalente à ausência de valor do bem. Assim, no caso
das alternativas penais ao encarceramento, estaríamos diante de
casos em que a dose de sofrimento imposta pelo cárcere seria
exagerada em relação ao valor do bem protegido, sendo mantida
a necessidade de punição, mas em menor intensidade.
A combinação entre a estrutura normativa e a linha de
pensamento que valoriza a pena aflitiva passa a impressão de que
a norma de comportamento e a pena aflitiva formam um todo
inseparável, tornando “quase impossível pensar o sistema penal ou
o crime sem uma dependência quase exclusiva da pena aflitiva, bem
como suscitará uma ontologização da estrutura normativa do direito

42
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

penal moderno”.64 É dizer, produz-se uma relação de necessidade


entre normas de comportamento e sanção, de forma em que
sempre que houvesse uma norma de comportamento, deveria
existir sua respectiva norma de sanção. Do mesmo modo, firma-
se a noção de que a sanção deve ser estritamente negativa, já
que “uma vez que o crime é visto como um mal (de ação), a pena
também deve ser concebida como um mal (de reação), buscando direta
e intencionalmente produzir um mal para ‘apagar’ o primeiro mal ou
para efeito de dissuasão”.65
Segundo Pires, a partir do século XVIII o sistema penal
projeta um autorretrato identitário essencialmente punitivo, em
que o melhor meio de defesa contra o crime seria um procedimento
penal hostil e autoritário, acompanhado de sanções aflitivas.
Para ele, a racionalidade penal moderna fundamenta a punição
como uma obrigação ou necessidade. De acordo com o autor,
anteriormente, as penas aflitivas eram concebias simplesmente
como autorizadas, de modo que a justiça dispunha de autorização
para punir, mas também para não punir, buscando alternativas
à penalidade. Assim, haveríamos passado de uma cultura da
autorização para punir ilimitadamente para uma cultura da
obrigação de punir limitadamente. Como exemplo no âmbito
da teoria da dissuasão, Pires cita Beccaria, o qual afirmava que
a certeza da pena é mais importante que sua severidade, ou seja,
a necessidade (ou obrigação) pragmática e política da punição é
reiterada. Dessa forma, no quadro formado pela racionalidade
penal moderna, diante de um crime, deve-se ter a certeza da
punição.66
Ainda, na medida em que a racionalidade penal moderna
é um sistema de pensamento, sedimenta uma certa maneira de
formular problemas e de buscar soluções no âmbito da Justiça
criminal. Dessa forma, a menos que esse modo de pensar esteja

64. Dubé, Richard; Pires, Álvaro. A refundação da sociedade moderna.


Tomo, n. 17, p. 42.
65. Idem, ibidem.
66. Idem, p. 44.

43
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

sendo posto em questão, inclusive aqueles que adotam posturas


mais críticas em outros campos vão buscar soluções punitivas-
-aflitivas para os conflitos que pretendem ver regulados pelo
Estado. Isso por que, mesmo indivíduos com distintas visões de
mundo em outros campos podem pensar a partir dessa mesma
racionalidade em termos da atuação do Estado no que se refere
à criminalidade.67
Portanto, mesmo indivíduos, grupos e movimentos sociais
não conservadores podem aceitar “o status quo estabilizado pelas
teorias da pena aflitiva e paralelamente apoiar outras medidas
jurídicas e sociais descritas como progressistas”. Segundo o autor,
distinções políticas de esquerda-direita, bem como distinções
científicas de pensamento crítico-tradicional, não manifestam
diferenças empíricas significativas em matéria penal, pelo menos
não no sentido da penalidade.68 Em um pensamento semelhante,
Garland assinala o nascimento de uma “sociedade punitiva” em
que emerge um tipo de política criminal que não está ligada de
maneira exclusiva a um regime político.69
Para Pires, após um período que parecia favorecer a
desjudicialização dos conflitos sociais, a partir da segunda metade
dos anos 80, os projetos de uma reforma do sistema penal foram
contra-atacados por um novo impulso da racionalidade penal
moderna. Entre as transformações no ambiente do sistema penal
que podem ser associadas com o que chama de “reativação da
racionalidade penal moderna”, Pires aponta: a expansão das mídias
e sua influência e impacto em matéria penal; a importância dada ao
público e às sondagens de opinião pública pelo sistema político e
pelas ciências sociais; a emergência discursiva de uma “sociedade
de vítimas”; a participação crescente de movimentos sociais (ou
de segmentos deles) no debate penal. O resultado desse impulso,
já destacados anteriormente, foi a criação de novos tipos penais,
o aumento do tempo das penas, a extensão do direito penal à

67. Dubé; Pires, op. cit., p. 46.


68. Idem, ibidem.
69. Garland, 1999, op. cit., p. 51.

44
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

campos anteriormente não regulados (como o dos acidentes de


trabalho e do meio ambiente), etc. De acordo com o autor, nesse
momento, as modificações legislativas pareciam preocupar-se
cada vez mais com o tema da opinião pública. Dessa maneira,
ocorre um processo de juridicização da opinião pública e do
público pelo sistema penal. Nesse processo, o público começa
a ser observado e percebido como um componente do sistema
penal, deixando de ser um simples destinatário da norma jurídica
para se tornar um critério na construção da política criminal.70
Importante destacar que as demandas populares são
conhecidas e discutidas no debate público e político através da
voz de seus atores, quais sejam, os meios de comunicação e os
políticos. Sozzo refere que no momento em que tais demandas
começaram a dar sinais de existência, no início da década de
90, realizou-se uma pesquisa empírica nos países da América
Latina questionando o que os cidadãos opinavam e desejavam
em relação ao enfrentamento da criminalidade. Segundo o autor,
geralmente foram encontrados resultados muito ambíguos
e as respostas dependiam da maneira em que era formulada
a pergunta. Por exemplo, ao perguntar diretamente sobre a
necessidade da pena de morte, uma grande maioria respondia
que era favorável ao método. Porém, ao serem questionados
sobre qual o melhor método para controlar o delito, apareciam
respostas que se referiam ao melhoramento dos serviços públicos,
à necessidade de reduzir a desigualdade social etc., ao passo que
as medidas relacionadas ao recrudescimento penal eram menos
mencionadas.71
Em relação ao anterior, Matthews sustenta que “expressões
de retribucionismo coexistem junto com apoio para a reabilitação,
assim como para outras opções de sentenças. Os cidadãos defendem
uma abordagem mais equilibrada para o crime, que envolveria uma

70. Dubé; Pires, op. cit., p. 48-49.


71. Sozzo, op. cit., p. 15-16.

45
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

mistura de punição, reabilitação e proteção pública”.72 Assim, o que a


opinião pública parece querer, mais do que uma punição severa, é
um serviço eficiente, que aumente a segurança pessoal e reduza a
probabilidade de que os apenados venham a reincidir.73 Em geral,
percebe-se que a opinião pública deseja que objetivos como a
redução da criminalidade e a criação de uma comunidade mais
segura sejam atingidos. Todavia, não está vinculada a medidas ou
estratégias como maior punição para atingir tais objetivos. É dizer,
as pessoas demonstram o desejo por fins, mas não revelam qualquer
articulação sobre quais meios deve-se utilizar para atingi-los. Ao
fim, esse é o papel da política criminal, já que o governo deve
elaborar os meios para alcançar os fins desejados pela população.74
Entretanto, o público é uma categoria que não permite
distinção entre as diversas opiniões de diversas pessoas, com faixas
etárias, gênero, classes sociais e localidades distintas, que opinam
de forma também distinta sobre vários pontos relacionados ao
controle do delito. Assim como existem racionalidades mais
punitivas e conservadoras, também existem opiniões de viés mais
garantista em todos os setores da sociedade. Sem embargo, a falta
de apreciação da diversidade de percepções presentes no espaço
público e o foco nos elementos punitivos dos ânimos sociais, faz
com que a opinião pública seja interpretada apenas parcialmente
pelas autoridades e líderes políticos. A homogeneização das
demandas populares acaba por sedimentar a ideia de que toda
a opinião pública pensa de maneira uniforme em um único
sentido: a necessidade de maior repressão da criminalidade.
Nesse contexto, Matthews argumenta que:
“Uma vez construída, realidades sociais são difíceis de
desconstruir. Nos Estados Unidos, a visão dominante de que o público

72. Matthews, Roger. O mito da punitividade. Reino Unido: London


Southbank University. Disponível em: <http://pt.scribd.com/
doc/126574765/Matthews-Roger-O-Mito-Da-Punitividade>. Acesso
em: 9 jul. 2013.
73. Idem, ibidem, p. 15.
74. Idem.

46
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

é exclusivamente punitivo tem o potencial de constranger a busca de


políticas progressistas alternativas em muitas jurisdições. Políticos e
demais elaboradores de políticas públicas interpretam mal, de maneira
desafortunada e persistente, as visões públicas sobre o controle do
crime”.75
De acordo com Sozzo, muitos atores políticos,
principalmente os da tradição política de direita, do centro
e de centro-esquerda e, inclusive, instâncias jurisdicionais,
colaboraram para que se investisse mais no recrudescimento
penal, ou seja, na produção de uma política de controle do
crime que incrementou a utilização da pena de prisão e de
outras medidas que produzem danos similares, como a prisão
preventiva.76
Porém, outros fenômenos também fazem parte e ajudaram
a alimentar a inflação das pautas penais. Matthews ressalva
que no período pós-guerra houve uma mudança pública no que
diz respeito à tolerância com as diversas formas de violência
interpessoal. Por isso, violências como o a doméstica, o racismo,
o assédio sexual, a homofobia e o bullying, temas antes ignorados,
tornam-se motivos de indignação e paulatinamente foram
tornando-se foco da intervenção estatal. De acordo com o autor
“têm ocorrido algo como uma revolução silenciosa em comportamentos
sociais em relação à violência interpessoal pelos últimos 20 ou 30
anos, mas essa história ainda aguarda ser escrita”.77
Da mesma forma, alerta que não podemos esquecer
que os níveis de aprisionamento podem ser influenciados
por diversos fatores, como “perfis democráticos cambiantes,
diferença na distribuição do crime e vitimização, taxas de solução
de casos, taxas de condenação, a disponibilidade e uso de sanções não
custodiais, assim como pelo emprego de mecanismos de livramento
antecipado”.78 Ainda, refere que as medidas alternativas, ainda

75. Matthews, op. cit., p. 16.


76. Sozzo, Los retos de la izquierda... cit., p. 16.
77. Matthews, op. cit., p. 16.
78. Idem, ibidem, p. 16.

47
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

que incorporadas ao ordenamento jurídico, podem não surtir os


efeitos práticos esperados, pois muitas vezes não são utilizadas
na aplicação judicial, seja por resistência dos juízes às novas
medidas ou por ausência de recursos materiais para tanto, veja-
se, no caso brasileiro, a aplicação de penas alternativas como a
prisão domiciliar e o monitoramento eletrônico.
Matthews sustenta a necessidade de analisar-se a
diversidade e a ambiguidade da política governamental atual.
Segundo o autor: “Há mensagens mistas e imperativos concorrentes
que emanam de fontes oficiais”.79 Por isso, em determinado
momento, pode-se falar mais em medidas alternativas e
descarcerização e, em outro, de medidas mais severas para
impedir a impunidade. A criminologia oficial mostra-se, assim,
cada vez mais dualista, polarizada e ambivalente, o que ajuda na
compreensão de alguns traços da situação atual, na qual acabam
surgindo políticas públicas muito distintas em suas diretrizes
fundamentais. Portanto, “a característica distintiva do período
atual não é a punitividade exclusiva, mas a ambivalência”.80
Diante das mudanças descritas, percebe-se que o crime
tornou-se uma questão estratégica, seja para fins eleitoreiros,
seja para uma boa governança e/ou para imposição de ordem
ao contexto social. Utilizando-se do medo e da insegurança
da população, justificam-se medidas que flexibilizam direitos
fundamentais e estendem o controle para todos os espaços,
como se mais vigilância e mais punição fossem as respostas
preferenciais ao problema da criminalidade. Percebe-se uma
monotonia na intervenção estatal, onde, aparentemente, o
recrudescimento penal parece ser a opção predileta dos governos.
Mesmo porque, não aderir à racionalidade punitiva que pulsa no
ambiente social parece tem um custo político muito relevante,
custo que os partidos políticos não aparentam querer pagar.
Diante do exposto, pode-se verificar como as condições de
ordem econômica, social e cultural estruturam e determinam as

79. Matthews, op. cit., p. 14.


80. Garland, 1999, op. cit., p. 64-75.

48
2 ▪ Debates e percepções acerca das estratégias de controle penal

decisões no âmbito da política criminal e da segurança pública.


A própria estrutura das relações sociais modifica-se através da
economia, dos meios de comunicação de massa e das práticas
institucionais, que influenciam sobremaneira as percepções
sobre o crime, o risco e o castigo, e as consequentes respostas
governamentais a essas questões. Dessa maneira, reafirma-se
a necessidade de um debate profundo, abordando-se diversos
ângulos de nossa complexa realidade, sobre o tipo de Justiça penal
que almejamos e quais estratégias de controle do delito devem
ser adotadas pelos governos para enfrentar a questão criminal
de maneira efetiva, mas sem ferir os direitos fundamentais dos
cidadãos.

49
3
As particularidades do contexto
latino-americano:
medo e controle do crime

Acreditamos ser importante para o presente trabalho observar


o contexto latino-americano da violência e os movimentos de
política criminal predominantes no enfrentamento do problema
da criminalidade. Isso por que não se pode pensar o contexto
brasileiro como isolado de seu entorno, já que guardamos muito
mais semelhanças com os países de nossa região do que se poderia
imaginar num primeiro momento. A violência, em suas diversas
formas, atravessa a história da América Latina, que, atualmente,
encontra-se tomada por altos níveis de criminalidade, um
sentimento de insegurança crescente e sistemas prisionais
precários e superlotados.

3.1 Criminalidade urbana, sensação de insegurança e


política criminal “de mano dura” na América Latina:
o que acontece em nossa região?

Principalmente desde o início da década de 1990, a


insegurança pública e as altas taxas de delitos registrados
constituem-se como questões centrais nos grandes e médios

50
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

centros urbanos latino-americanos. Com efeito, a maioria dos


países da região apresenta taxas de homicídio consideradas
epidêmicas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS).81 Com níveis tão elevados, a criminalidade urbana
ganhou cada vez mais relevância na mídia, nos debates eleitorais,
tornando-se uma das maiores preocupações dos governos e da
população da maioria dos países da região.
No caso brasileiro, o crescimento vertiginoso das taxas de
homicídio ocorre desde o início dos anos 80, chegando ao início
dos anos 2000 à marca de 50.000 mortes por ano, e uma taxa
de cerca de 25 homicídios a cada 100.000 habitantes, mas que
em algumas capitais chega a impressionantes 90 homicídios
a cada 100.000 habitantes.82 Dados mais recentes dão conta
que, depois de um período de leve queda, entre 2003 e 2007,
a curva dos homicídios no Brasil novamente adquiriu um
sentido ascendente, chegando a um total de 56.337 mortes por
homicídio no ano de 2012, com taxa entre 29 mortes por 100.000
habitantes.83 A ampla maioria dos mortos é de classe baixa,
com baixa escolaridade, jovem, masculina, negra e residente
na periferia dos grandes centros urbanos. O gráfico abaixo
apresenta os dados sobre mortalidade violenta, levando-se em
consideração os óbitos em acidentes de trânsito, os homicídios e
os suicídios, tabulados pelo SIM, do Sistema de Vigilância em
Saúde do Ministério da Saúde. Assim, verifica-se que os três
níveis apresentam tendência de estabilização ou crescimento no
período de 2002 a 2012.

81. A OMS considera que taxas acima de 10 mortes por 100mil habitante
são consideradas epidêmicas.
82. Para um estudo sistemático e estratificado sobre a evolução das taxas de
homicídio no Brasil, vide: <http://www.mapadaviolencia.org.br>.
83. Waiselfisz, Julio Jacobo. Prévia do mapa da violência 2014. Os jovens
do Brasil. Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Flacso.
Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Previa_
mapaviolencia2014.pdf>. Acesso em: 12 maio 2014.

51
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

GRÁFICO 1 – Evolução das taxas de homicídio no Brasil –


2002/2012

Fonte: Weiselfiz, 2014, op. cit.

Este componente objetivo (as taxas de vitimização e registro


de delitos) tem sido acompanhado também de um componente
“subjetivo”, o chamado “sentimento de insegurança”, que traduz
uma virada nas expectativas e sentimentos dos moradores das
grandes e médias cidades no que diz respeito à possibilidade de
ser vítima de um crime. À sua vez, este desconforto comunica-se
com a realização de inúmeros comportamentos de autoproteção
e evitamento, que têm um forte impacto sobre o desenvolvimento
da vida cotidiana e passam a constituir um novo componente
objetivo da crise de insegurança.
De acordo com Soares, após 1988, a violência deu um salto
extraordinário no Brasil. O autor refere que, depois deste período,
a taxa de criminalidade permaneceu estável por alguns anos.
Porém, a sensação da população era de que os fenômenos ligados
à violência haviam se elevado. Soares explica esta impressão
elencando alguns fatores como: o aumento da quantidade de
crimes violentos, a estabilização em patamares elevados dos
números relativos à violência e, principalmente, pelo fato de que,
ainda que o número de crimes não tenha se elevado, o número
de vítimas segue incrementando-se.84

84. Soares, Luiz Eduardo; Athayde, Celso; MV, Bill. Cabeça de porco. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2005. p. 179.

52
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

Por tais motivos, esses sentimentos geraram uma série de


novas estratégias de proteção e de reação que, tanto simbólica
quanto materialmente, operam de forma semelhante: “elas
estabelecem diferenças, impõem divisões e distâncias, constroem
separações, multiplicam regras de evitação e exclusão e restringem
movimentos”.85 De acordo com Caldeira, muitas dessas
estratégias são justificadas em conversas cotidianas, cujo tema
denomina de “fala do crime”, ou seja, narrativas, comentários e
até mesmo piadas e brincadeiras que têm o crime como tema,
as quais se contrapõem ao medo e, ao mesmo tempo, fazem-no
proliferar.86
Dessa forma, “mesmo quando a percepção popular não
corresponde à dinâmica dos fatos, ela tem a sua razão de ser e não
merece ver-se desprezada como se fosse mera ilusão”.87 Inclusive
porque, ainda que sua percepção não seja condizente à realidade,
ela produz efeitos, legitimantes do poder punitivo. Comumente,
em momentos de comoção social em virtude de um crime
violento, são levantados debates em relação à pena de morte,
à redução da maioridade penal, à supressão de garantias dos
apenados e à aplicação de penas exemplares como formas de
enfrentar a criminalidade.88 Isso por que, segundo Caldeira, as
“falas do crime” também auxiliam na propagação de preconceitos
e naturalizam a percepção de certos grupos como perigosos,
dividindo o mundo, de maneira simplista, entre o bem o mal,
possibilitando o emprego de uma “criminologia do eu” e uma
“do outro”, como destacamos anteriormente. Como o risco
é iminente, difunde-se o temor em relação ao “outro”, não
se levam em consideração as particularidades de cada caso, o
fato em si não importa, o que importa são suas consequências
e as medidas a serem tomadas para que a experiência não se

85. Caldeira, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: crime, segregação e


cidadania em São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011. p. 9.
86. Idem, ibidem.
87. Soares; Athayde; Mv Bill, 2005, op. cit., p. 180.
88. Azevedo; Vasconcellos, op. cit.

53
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

repita na sociedade. Desde abstrações simplificadas, retiram-


se fundamentos e saberes para explicar e guiar práticas para
controlar a realidade.
Por isso, reduzir a insegurança não diz respeito apenas à
diminuição do risco de ser alvo de um delito (problema objetivo),
mas também é reduzir a sensação pessoal e coletiva de temor
em ser vitimizado (problema subjetivo). A dimensão subjetiva
da insegurança é extremamente importante, já que numa ordem
social precária, na qual as pessoas sentem-se cotidianamente com
medo do devir e vulneráveis, não só em relação ao delito, mas
em diversas esferas da vida, a subjetividade vem a advertir sobre
a possibilidade de risco em qualquer situação, seja ele real ou
imaginário. Assim, constitui-se uma identidade geral baseada na
noção de risco, nas experiências subjetivas da insegurança e uma
sociedade que se une através do medo. Como a experiência com
o crime é narrada e transmitida cotidianamente, a experiência
individual é transformada e converte-se em uma definição
coletiva: todos são vítimas em potencial.89
Em 2011, o Relatório do Latinobarômetro apontou a
“delinquência” como uma das principais preocupações dos
latino-americanos. Na pergunta aberta sobre o problema mais
importante da região, a principal resposta é a delinquência e
a segurança pública.90 Em 2011, 28% dos latino-americanos
consideraram que este era o principal problema de seus países.91
Ainda, o Relatório indica que o Brasil possui o menor índice
de confiança interpessoal da América Latina,92 o que tem uma

89. Sozzo, Máximo. Seguridad Urbana y Tácticas de Prevención del Delito.


Cuadernos de Jurisprudencia y Doctrina Penal, n. 10, Buenos Aires: Ad-
-Hoc, 2000.
90. Corporación Latinobarómetro. Relatório latinobarômetro 2011.
Santiago, Chile, 2011, Anual, p. 32. Disponível em: <http://www.
latinobarometro.org/latino/LATDatos.jsp>. Acesso em: 15 jun. 2013.
91. Idem, ibidem, p. 65.
92. Ao responderem a pergunta: “Hablando en general, ¿Diría Ud. que se
puede confiar en la mayoría de las personas o que uno nunca es

54
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

relação muito particular com o medo e a insegurança, que


acabam por alterar – debilitando – as relações sociais.
Nesse contexto de diminuição da coesão social, o grau
de confiança das pessoas nas instituições do Estado também é
reduzido, o que se reflete no desenvolvimento de dinâmicas de
segregação urbana. A proliferação de comunidades fechadas,
vigiadas e/ou rodeadas por muros em alguns países da América
Latina, incluído o Brasil, corresponde à percepção dos membros
dessas comunidades de que se sentem ameaçados. Ainda que
essa percepção não seja proporcional à dimensão objetiva da
insegurança, o certo é que a dimensão subjetiva tem consequências
muito reais nas dinâmicas de convivência social da região:
“Como é difícil impor a ordem por meio das instituições existentes,
que são incapazes de controlar o mal e portanto de construir uma
sociedade melhor, as pessoas sentem que estão constantemente expostas
às forças naturais do mal e ao abuso daqueles que se colocam acima
da lei. Para se proteger, ela tem de confiar em seus próprios meios
de isolamento, controle, separação e distanciamento. Ou seja, para se
sentirem seguras, ela tem de construir muros”.93
Em sua pesquisa, Caldeira afirma que a segregação, tanto
social quanto espacial, é uma caraterística importante das
grandes cidades. Para a autora, as transformações ocorridas nas
últimas décadas geraram espaços nos quais os diferentes grupos
sociais estão muitas vezes próximos, mas separados por muros
e tecnologias de segurança, bem como tendem a não interagir
em áreas comuns. O principal instrumento desse novo padrão
de segregação espacial é o que chama de “enclaves fortificados”.
Trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para
residência, consumo, lazer e trabalho. A principal justificação
para sua existência é o medo do crime violento.94 Caldeira
verificou que moradores de todos os grupos sociais constroem

lo suficientemente cuidadoso en el trato con los demás?”, Relatório


Latinobarômetro, 2011, op. cit., p. 48.
93. Caldeira, op. cit., p. 98.
94. Idem, ibidem, p. 211.

55
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

muros e mudam seus hábitos a fim de se proteger do crime. Sem


embargo, os efeitos dessas estratégias vão muito além da garantia
de proteção,95 de forma que “tensão, separação, discriminação e
suspeição passam a ser as novas marcas da vida pública”.96
Nesse contexto, a contratação de vigilantes privados vem
crescendo em uma taxa equivalente a 10% ao ano na América
Latina. Ainda, o Informe sobre o Desenvolvimento Humano
na América Latina elaborado pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), aponta que os agentes de
segurança privada na região são os mais armados do mundo,
possuindo 10 vezes mais armas que os funcionários do mesmo
serviço na Europa. Em países como Argentina, Brasil, Chile,
Colômbia, Equador e Paraguai, o número de agentes de
segurança privada ultrapassa o número de policiais.97
Compreender os fatores que podem levar a uma maior
sensação de segurança da população é um grande desafio. No
caso brasileiro, ela está realmente muito relacionada às taxas
de homicídios dolosos. Conforme estudo realizado pelo Ipea,98
atualmente, essas taxas são maiores nas regiões Nordeste e

95. De acordo com a autora, ao transformar a paisagem urbana, as


estratégias de segurança dos cidadãos também afetam os padrões de
circulação, trajetos diários, hábitos e gestos relacionados ao uso de ruas,
do transporte público, de parques e todos os espaços públicos. Caldeira,
op. cit., p. 301.
96. Idem, ibidem.
97. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Informe
Regional de Desarrollo Humano 2013-2014. Seguridad Ciudadana con
rostro humano: diagnóstico y propuestas para América Latina. Centro
Regional de Servicios para América Latina y el Caribe, Dirección
Regional para América Latina y el Caribe, nov. 2013. Disponível
em: <http://www.undp.org/content/undp/es/home/librarypage/hdr/
human-development-report-for-latin-america-2013-2014]. Acesso
em: 20 nov. 2014.
98. Ipea. Sistema de Indicadores de Percepção Social – Segurança Pública.
Mar. 2011. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/
stories/PDFs/SIPS/110330_sips_seguranapublica.pdf>. Acesso em: 18
jun. 2014.

56
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

Norte, regiões do país onde a sensação de segurança é a menor.


Contudo, o estudo demonstra que a relação entre os dois fatores
existe em alguma medida, mas não se trata de uma relação
direta ou imediata. O aumento de investimentos e de efetivos
policiais não se traduz, necessariamente, em baixas taxas de
criminalidade, da mesma maneira, a diminuição dessas taxas
também não se reflete, de forma imediata, na sensação de
segurança da população.
Observe-se, por exemplo, que na Região Centro-Oeste
encontra-se a maior disponibilidade de policiais em relação
ao número de habitantes e o mais alto índice de confiança nas
polícias, mas com uma taxa de homicídios dolosos acima da
média nacional.99 Ao mesmo tempo, os dados sugerem que os
gastos com segurança pública no Sudeste realmente ajudaram
a diminuir a criminalidade violenta na região, especialmente no
Rio de Janeiro e no Espírito Santo. No entanto, essa diminuição
não conseguiu fazer com que a sensação de segurança da
população se tornasse melhor que a média nacional. No mapa
abaixo, é possível verificar as taxas de homicídio distribuídas por
estados do Brasil:

99. Segundo o mesmo estudo, o Distrito Federal apresenta uma taxa de 29,7
mortes por 100 mil habitantes, Mato Grosso uma taxa de 29,9 mortes
por 100 mil habitantes. Goiás e Mato Grosso do Sul apresentam taxas
de 21,1 e 14,9 mortes por 100 mil habitantes, respectivamente. Ipea, op.
cit.

57
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

GRÁFICO 2 – Taxa de homicídio por 100.000 habitantes por Es-


tados no Brasil em 2011

Fonte: PNUD, 2013, op. cit., p. 50.

Na América Latina, a evolução das taxas de homicídio


permite dividir os países da região em dois grupos: níveis altos
e baixos em relação a essas taxas. Entre os países com os níveis
mais altos de homicídio encontram-se o Brasil, a Colômbia, o
Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá,
Paraguai, República Dominicana e Venezuela. No segundo
grupo, com as menores taxas de homicídios registrados estão
Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Uruguai.100 Entre 2000 e 2010,
as taxas aumentaram em quase toda a região, em alguns casos,
de maneira mais acentuada, em outros, de forma moderada, mas
contínua. Na maioria dos países houve uma estabilização nos

100. PNUD, op. cit., p. 47-48.

58
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

últimos anos e, inclusive, um pequeno grupo de países mostra


uma moderada diminuição. No Brasil, a taxa mantém-se estável
e alta, enquanto Uruguai, Argentina e Chile apresentam as
taxas mais estáveis e baixas, consideradas próximas aos níveis de
países europeus. Porém, ainda que as taxas de homicídio sejam
relativamente baixas em alguns países, o medo da vitimização
tornou-se um sentimento cotidiano de toda a região.101 O
homicídio é o crime que mais preocupa a população de alguns
países, em outros, os níveis de homicídios são baixos, mas o
aumento repentino – e considerável – de delitos patrimoniais
incrementa a percepção de insegurança. Enquanto os níveis de
criminalidade de alguns países são comparados com os de países
da Europa, em outros lugares a violência é inclusive maior do
que em países em guerra.102 Segundo o relatório, entre 2000
e 2010 a taxa de homicídios cresceu 11% na América Latina,
enquanto em outras regiões do mundo os níveis diminuíram ou
estabilizaram-se.103 Conforme a UNODC, a região é atingida
pela maior carga de violência do mundo, com mais de 100.000
homicídios registrados por ano.104

101. PNUD, op. cit., p. 15-35


102. Vale destacar que qualquer comparação entre dados de distintos países
deve levar em consideração as diferenças em termos de registro de
informação. Em alguns casos, um maior índice de delitos registrados
pode significar uma melhor capacidade de recopilação de dados ou
uma maior confiança nas instituições e, portanto, uma maior taxa de
denúncias.
103. PNUD, op. cit.
104. United Nations Office of Drugs and Crime (UNODC). Global Study
on Homicide: trends/contexts/data 2013. Viena: 2013. Disponível
em: <http://www.unodc.org/documents/gsh/pdfs/2014_GLOBAL_
HOMICIDE_BOOK_web.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2014.

59
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

GRÁFICO 3 – Taxas de homicídios por regiões


(Américas, Europa, Ásia e Oceania):

Fonte: UNODC, 2013, p. 35.

Particularmente, a taxa de homicídios de vítimas do sexo


masculino com idades ente 15 e 29 anos na América do Sul é
mais do que quatro vezes a taxa média global para esta faixa etária,
chegando a 70 mortes por 100.000 habitantes.105 Ainda que as
ameaças à segurança pública impactem negativamente a todas as
pessoas, não o faz de maneira igualitária, ou seja, o impacto varia
de acordo com o gênero, a etnia, a identidade sexual, a idade, a
classe social, a cor da pele e o lugar de residência.106
Em particular, e de acordo com a perspectiva de gênero,
mulheres e homens vivem, exercem e percebem a violência e
a insegurança de maneira diferente, assim como seu impacto
é diferente em um ou outro gênero. Isso se deve, em grande
parte, às diferenças de gênero que persistem na sociedade,
expondo homens e mulheres a diferentes ameaças e criando
riscos específicos para as mulheres. Conforme o PNUD, a
concentração da violência entre jovens de gênero masculino
está relacionada com a prevalência de padrões socioculturais e
formas de socialização que contribuem com que valores como
o respeito, a dignidade e o reconhecimento dos pares estejam

105. UNODC, op. cit.


106. PNUD, op. cit., p. 8.

60
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

associados, na prática, com a disposição a adotar condutas e


formas de convivência violentas.107
Nesse sentido, Zaluar explica, ao abordar o conceito
de “ethos guerreiro”, que isso obedece à construção social de
masculinidades permeadas pela violência. Em sua pesquisa, a
autora aborda questões como a hipermasculinidade ou excesso
de virilidade e as consequências da difusão do uso de armas para
resolução de conflitos interpessoais. Em pesquisas de campo
realizadas no Rio de Janeiro, Zaluar afirma que desde os anos
80 vêm sendo assinalada a facilidade e a quantidade de armas
disponíveis para os jovens moradores das favelas consideradas
perigosas.108 Nelas, de acordo com a autora:
“(...) os jovens passaram a andar armados para se proteger de
outros jovens armados; juntaram-se a quadrilhas por crer que assim
contariam com a sua proteção militar, jurídica, política e pessoal;
prepararam-se para a guerra, aprenderam a ser cruéis e a matar
sem hesitação outros jovens pobres como eles que fazem parte dos
comandos, quadrilhas ou favelas ‘inimigas’. (...) Como membros das
quadrilhas e comandos que disputavam o domínio de territórios na
cidade, incorporaram a ideia de uma espécie de corrida armamentista,
que passou a vigorar para dissuadir os oponentes de fazer guerra ou
tomar os territórios alheios. Adicione-se nessa figuração o circuito
infindável da vingança”.109
O PNUD também aponta a ocorrência de inúmeros casos
de “justiceiros” na América Latina, como aqueles homicídios
praticados por indivíduos privados, que, com o suposto objetivo
de controlar o crime ou o comportamento desviante acabam
reproduzindo a violência e violando os direitos humanos.110

107. PNUD, op. cit., p. 9.


108. Zaluar, Alba. Etos Guerreiro e criminalidade violenta. In: Lima,
Renato Sérgio de; Ratton, José Luiz; Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli
de (orgs.). Crime, polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. p.
35-50.
109. Idem, ibidem, p. 44.
110. Idem, p. 44.

61
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

As vítimas mais comuns deste tipo de crime são suspeitos de


haverem cometido furtos ou roubos, geralmente homens e
jovens. Outros alvos da chamada “vigilance justice” são suspeitos
de assassinatos, membros de grupos criminosos, suspeitos e
condenados por violência sexual, bem como crianças que vivem
nas ruas.111 Este tipo de violência vem ganhando cada vez mais
notoriedade no Brasil, com diversos casos de linchamento
divulgados recentemente pela mídia.112 Este fenômeno pode ser
considerado um indicador da falta de confiança da população nas
agências estatais de controle do crime. Se as pessoas não confiam
nas instituições do sistema de Justiça criminal,113 podem sentir-
se impelidas a “fazer justiça com as próprias mãos”.114
Com efeito, os estados da região demonstram grandes
déficits de capacidade resolutiva em matéria de justiça e
segurança, o que se reflete em índices baixos de resolução de
crimes, principalmente os violentos, em crises do sistema
penitenciário e na desconfiança da população em relação às
instituições de justiça e segurança pública. Muitas das políticas
de segurança pública e das políticas criminais elaboradas na
região, não são alvos de reflexões profundas e avaliações sobre
seus impactos, e acabam por tornar-se parte do problema.115
Por outro lado, o relatório elaborado pelo PNUD também
mostra algumas experiências inovadoras observadas na América
Latina, na tentativa de fazer algo diferente para mudar a situação
de violência e insegurança que permeiam os países da região.
Tais experiências, que se aproximariam das “adaptativas”, como

111. Zaluar, op. cit., p. 48.


112. Em janeiro de 2014, um adolescente de 15 anos acusado de furto foi
agredido a pauladas e acorrentado a um poste no Rio de Janeiro, caso
que chamou a atenção da mídia e da população brasileira.
113. Nesse contexto, outro fator em comum na região é a percepção da
população de que a polícia participa em atividades ilícitas. Segundo o
PNUD, 44% dos latino-americanos afirmam que a polícia está envolvida
em alguma atividade ilícita. PNUD, op. cit., p 55.
114. Idem, ibidem, p. 61.
115. Idem, p. 5.

62
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

sugerido por Garland, passam pela compilação de informações


estatísticas e pela adoção de novas tecnologias para encontrar
pontos nevrálgicos de criminalidade urbana, bem como em focar
esforços na prevenção em áreas de risco. Ainda, apontam a criação
de unidades especializadas no interior do sistema de justiça para
dar atenção a grupos em situação de vulnerabilidade, como
mulheres em situação de violência e crianças e adolescentes.116
O papel dos programas preventivos vem ampliando o
repertório de respostas à violência na América Latina. O
número e o tipo de projetos de intervenção preventiva vem
aumentando e apresentam aspectos positivos. Nesse contexto, os
governos locais adquirem um protagonismo crescente em tarefas
de prevenção. Entretanto, a debilidade da capacidade estatal
constitui barreiras a sua efetividade, motivo pelo qual muitos
programas não conseguem ser mantidos por muito tempo. Entre
outras dificuldades, o informe destaca o limitado conhecimento
sobre os possíveis impactos dos programas, a preferência
majoritária por soluções punitivas, que afeta a vontade política
para empreender programas preventivos, e a expectativa de que
apenas a ação policial pode alcançar os melhores resultados em
curto prazo.117
O enorme número de pessoas privadas de liberdade
também constitui outro problema comum, determinado, em
grande medida, pela “guerra às drogas” assumida pelos governos
nacionais, que procederam ao progressivo endurecimento das
penas como estratégia de enfrentamento ao delito. Em países
como Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, México,
Peru e Uruguai, a quantidade de pessoas presas por crimes
relacionados com drogas é significativa e está em contínuo
crescimento.
O grande número de pessoas presas preventivamente
também contribui para tornar os sistemas penitenciários dos

116. PNUD, op. cit., p. 6.


117. Idem, ibidem, p. 133-134.

63
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

países latino-americanos precários e ainda mais criminógenos.118


Nesse sentido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) constatou que o respeito aos direitos das pessoas privadas
de liberdade é um dos principais desafios enfrentados pelos
Estados-membros da Organização dos Estados Americanos
(OEA). De acordo com a Comissão, a aplicação excessiva,
arbitrária e ilegal da prisão preventiva é um problema crônico
em muitos países da região.119
Com efeito, o uso da prisão preventiva é um fator
importante ao falar-se da qualidade do sistema de administração
da Justiça penal. Ainda que os países da região estabeleçam
constitucionalmente o direito à presunção de inocência e a
excepcionalidade da prisão preventiva, mais de 40% da população
carcerária latino-americana é composta por presos preventivos,
índice semelhante ao encontrado no Brasil. Na Argentina, o
número chegava a 61% em 2010; no Uruguai, 65% em 2011;
na Venezuela,120 63% em 2013; no Equador, 50% em 2012; e
na Bolívia 83% dos presos estavam aguardando julgamento em
2012. Nos EUA, país com maior número de pessoas presas do
mundo, o percentual de pessoas presas preventivamente é de
apenas 20%. A CIDH observou que a aplicação de tal medida
afeta de maneira direta e desproporcional pessoas pertencentes
a grupos economicamente vulneráveis, os quais encontram
obstáculos no acesso a outras medidas cautelares, como a fiança,

118. Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Informe sobre


el uso de la prisión preventiva en las Américas. Organização dos Estados
Americanos, dez. 2013. Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/
ppl/informes/pdfs/Informe-PP-2013-es.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2014.
119. Idem, ibidem.
120. Na Venezuela, o Código Orgánico Procesal Penal de Venezuela foi reformado
em seis ocasiões durante os anos 2000, 2001, 2006, 2008, 2009 e 2012.
Como resultado de tais reformas, ao invés de auxiliar na resolução dos
problemas da administração da Justiça penal, incrementou-se o número
de pessoas privadas de liberdade, passando de 58.4 pessoas por 100mil
habitantes no ano 2000 para 170 pessoas presas por 100mil habitantes
em 2011. CIDH, op. cit., p. 38.

64
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

bem como não podem arcar com os gastos que a representação


de um advogado privado implica, contando apenas com a
defensoria pública e todas as limitações que esta enfrenta.121
O uso excessivo da prisão preventiva é um problema
complexo influenciado por fatores de diversas naturezas,
passando por deficiências estruturais dos sistemas de
administração da Justiça e por tendências arraigadas na cultura e
na prática jurídica. Entre os fatores comuns que contribuem para
a manutenção de um elevado número de presos preventivos na
região, destaca-se: a demora no trâmite dos processos penais, a
ausência de assessoria jurídica adequada, a influência da opinião
pública na determinação da liberdade ou prisão provisória,
a inversão do ônus da prova (o acusado que deve provar que
a prisão preventiva não deve ser decretada) e a deficiência de
mecanismos para a aplicação de medidas alternativas. Por fim,
destaca-se a tendência dos juízes em decretar a prisão preventiva
antes de recorrer a outras medidas alternativas, tanto por temor
a serem sancionados ou removidos de seus cargos, como por
pressões midiáticas. A percepção de alguns setores de que o
uso excepcional da prisão preventiva implica em impunidade
também é um fator relevante para determinar o comportamento
dos juízes encarregados de avaliar sua aplicação, recorrendo-
-se à prisão cautelar como uma pena antecipada ou como uma
forma de justiça expedita, desnaturalizando-se por completo sua
finalidade processual cautelar.122
Baseando-se em pesquisas empíricas, o PNUD aponta
que os cidadãos que vivem em ambientes nos quais não se
sentem seguros e que avaliam negativamente o desempenho
das instituições estatais tendem a apoiar as políticas “de mano
dura” como resposta ao delito. A percepção de que as leis não são
suficientemente duras, que a justiça não castiga adequadamente
aos que merecem e que ocorrem muitas absolvições, também é
comum na região. Assim, a perspectiva de que o encarceramento

121. CIDH, op. cit., p. 38.


122. Idem, ibidem.

65
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

seria capaz de resolver os problemas da insegurança pública


acaba obstaculizando o avanço de reformas tendentes a reduzir
a população carcerária e a adoção de medidas alternativas.
Inclusive, cerca de 35%, ou um a cada três, dos entrevistados
latino-americanos expressou que estaria disposto a aceitar que
a polícia violasse a lei para deter os “criminosos”.123 O quadro
abaixo demonstra o apoio da população à política de mano dura
e a leis mais severas.

TABELA 2 – Porcentagem de apoio a leis mais severas


e à política de mano dura – 2012

Fonte: PNUD, 2013, p. 101.

Baseadas em um enfoque punitivo que privilegia a


repressão, o aumento das penas e o uso da força, as políticas
de recrudescimento penal tiveram repercussões negativas em
diversos países da região, entre elas, o aumento dos níveis de
violência letal, o fortalecimento de redes criminais, a superlotação
dos sistemas carcerários, a violação de direitos humanos –
particularmente contra jovens – e o abuso de autoridade. Em
suma: “la experiencia demuestra que las políticas de mano dura

123. PNUD, Informe Regional, op. cit., p. 122.

66
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

representan un obstáculo para la construcción de un modelo de


seguridad ciudadana incluyente, sostenible y con apego a los derechos
humanos”.124
Tais reformas legais estão orientadas a restringir ou
limitar as garantias legais aplicáveis à detenção de pessoas,
potenciar a aplicação da prisão preventiva, aumentar as penas
e o rol de crimes puníveis com a pena de prisão, e restringir o
acesso ou a possibilidade de aplicação de medidas alternativas.
Geralmente, este tipo de reformas não são elaboradas como
resultado de uma reflexão crítica e um debate sério sobre sua
pertinência, viabilidade e consequências, mas como uma reação
imediata a situações conjunturais de pressões sociais diante da
insegurança em geral ou em relação a casos concretos. De acordo
com a CIDH, reformas penais nesse sentido representam uma
atitude política irresponsável, entre outros motivos, pois, dessa
forma, o Estado se abstém de adotar medidas preventivas e
sociais mais profundas e com vistas a enfrentar o problema em
longo prazo.125
Nesse sentido, a CIDH identificou três tendências ou
mecanismos legislativos que vêm sendo frequentemente
empregados, os quais têm em comum a redução da margem de
atuação do juiz no caso concreto. A primeira tendência diz respeito
ao estabelecimento de delitos que não permitem o livramento
ou tornam a obtenção da liberdade significativamente mais
difícil.126 Com efeito, o legislador estabelece que os acusados de

124. PNUD, Informe Regional, op. cit., p. 102.


125. CIDH, op. cit., p. 34-35.
126. Na Colômbia, por meio da Lei 1.142/2007, estabeleceu-se a prisão
preventiva quando o acusado já houver sido detido por conduta que
constitui crime ou contravenção penal no ano anterior, excluindo-se as
causas em que a pessoa haja sido absolvida por tal imputação. Em 2011,
a Lei 1.453 agravou a disposição, aumentando de um para três anos.
Ainda, ambas as leis estabelecem que a análise de gravidade e do tipo
de delito cometido seria suficiente para o juiz estimar se a liberdade
do acusado representa um risco para a sociedade. A primeira lei ainda
cria uma lista, complementada pela segunda lei, formando um rol de 23

67
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

determinados delitos devam permanecer privados de liberdade


durante o processo, reduzindo a margem de atuação do juiz,
tornando a prisão preventiva obrigatória para determinados
casos. A segunda tendência refere-se à vedação da substituição
da prisão preventiva por medidas não privativas de liberdade.127
De forma semelhante à tendência anterior, se estabelece a priori
que o acusado deve permanecer preso durante o tempo que
dure o processo, impedindo que o juiz aplique outra medida,
excluindo-se, assim, qualquer necessidade de análise de outras
medidas que poderiam ser suficientes ou adequadas ao caso
concreto. Por último, a terceira tendência trata-se da ampliação
das causas para a imposição da prisão preventiva, para além de
sua lógica cautelar.128 Isso se dá por meio de normas que, por
exemplo, tendem a ampliar o sentido da hipótese “perigo de
fuga”, determinando que seja avaliada a gravidade do delito e
a previsão da pena em caso de condenação para a concessão da
liberdade. Ainda, apontam para normas que incluam critérios
“más bien punitivos o peligrosistas”, como é o caso da avaliação

delitos que não permitem a concessão da liberdade provisória. Idem,


ibidem, p. 40.
127. Em Honduras, o Dec. 56/2013 estabelece a vedação da aplicação de
medidas não privativas de liberdade em um catálogo de 21 delitos. Isso
faz com que o recebimento da denúncia por um dos crimes elencados no
referido rol implica automaticamente na prisão preventiva do acusado,
não necessitando de qualquer comprovação ou fundamentação da
necessidade da prisão. Idem, p. 41.
128. Na Bolívia, a Ley del Sistema Nacional de Seguridad Ciudadana (n.
2.494/2003) introduziu o “perigo de reincidência” como um critério
oficial para a aplicação da prisão preventiva, sempre que não houvesse
transcorrido mais de cinco anos desde o cumprimento da última
condenação. Em 2010, a Ley de Modificaciones al Sistema Normativo Penal
(n. 7), incorporou outros fatores para a determinação do perigo de fuga,
entre eles: (a) existência de atividade delitiva anterior; (b) haver recebido
imputação formal ou condenação em primeira instância; (c) pertencer a
associações delitivas ou organizações criminais; (d) constituir um perigo
para a sociedade, para a vítima ou para o denunciante. Ibidem.

68
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

do risco de reincidência129 e do perigo de abalo à ordem


pública.130
Neste contexto, Lola Aniyar de Castro afirma que os
problemas comumente relacionados à política criminal são, em
realidade, problemas profundamente relacionados à construção
de um conceito de democracia e de direitos humanos.131 Isso
por que, de acordo com a autora, o pensamento político e as
concepções sobre os direitos humanos, assim como a ativação
da tutela penal como exercício concreto de poder são, em
seu conjunto, facetas do mesmo discurso: o discurso sobre a
democracia, na medida em que informam as estratégias de
regulação da vida social.
Por isso, afirma que, talvez, o mais importante instrumento
da política criminal tenham sido as declarações de direitos
humanos, que, no caso da América Latina, concretiza-se
na forma da chamada Convenção Americana de Direitos
Humanos, assinado por todos os países do continente. De fato,
é significativo que a maior marca da Convenção são as garantias
que oferece ao indivíduo frente ao aparato do poder penal. Com
isso, reconheceu-se que a política criminal e os direitos humanos
se mesclam em muitas partes.132 No caso da América Latina, não

129. Nesse contexto, vale ressaltar que a avaliação de perfis de risco está
indissociavelmente relacionada a um certo exercício de “futurologia”
falsamente chamado científico. Não há conhecimento científico que
saiba precisar, com absoluta segurança, quão se é perigoso, para quem
se é perigoso, quando se é perigoso e quando se deixa de sê-lo. As
respostas, por intermédios de laudos técnicos, são sempre provisórias,
circunstanciais e dependentes do referencial que o perito adotar. Pipa,
op. cit.
130. Idem, ibidem, p. 39-40.
131. Castro, Lola Aniyar de. Rasgando el velo de la Política Criminal
en América Latina, o el rescate de Cesare Beccaria para la nueva
criminología. Revista Pensamiento Penal, Buenos Aires, s./d., p. 225-239.
Disponível em: <http://www.alfonsozambrano.com/doctrina_penal/
rasgando_velo_politica.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2014.
132. Castro, op. cit., p. 227.

69
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

veremos exceções na adesão a todas as declarações internacionais


de direitos humanos que têm relação com o controle penal. As
leis costumam ser mais ou menos modernas, cópias das mais
avançadas leis de países com parâmetros políticos e sociais
diferentes.
De acordo com Lola, certamente, hoje, não se poderia
considerar as arbitrariedades como simples “vícios”, nem como
“virtudes” as ações orientadas à realização de um Estado de
Direito. A crise fiscal latino-americana determinou a acentuação
de práticas que, embora nunca tenham deixado de se fazer
presentes, adquiriram características marcantes, tais como a
violência policial, o renascimento de “brutales leyes peligrosistas”
acusadas de inconstitucionalidade e as inúmeras execuções
extrajudiciais, as quais definem um momento de especial
ilegalidade.133
Assim, a realidade encontrada nos países latino-americanos
apresenta um quadro muito diferente do que dão a entender
nossas leis. Por isso, a autora aponta a existência de um “sistema
penal aparente” e um “sistema penal subterrâneo”. O sistema
penal aparente tem seu contorno formal de política criminal,
exposto nos textos legais. Por outro lado, o sistema penal
subterrâneo exerce prioritariamente uma espécie de política
criminal não formalizada.134 Na Venezuela, considera-se a
pena de morte como uma possibilidade certa, inclusive nos
mais altos escalões governamentais, não obstante o fato de que
tenha sido a própria Venezuela uns dos países responsáveis
pela redação de documento para a abolição da pena de morte.
Operações policiais são anunciadas com orgulho, com elas, em
poucos meses são abordadas milhares de pessoas, na busca por

133. Castro, op. cit., p. 230.


134. Caracterizando-a como “não formalizada”, a autora se refere à distância
que esta guarda com as prescrições normativas. Porém, não se pode dizer
que não seja oficial e abertamente declarada. Pelo contrário, o vocabulário
oficial dos agentes públicos tende a ser cada vez mais abertamente duro e
contundente.

70
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

antecedentes penais, drogas ou documentação irregular. Ainda,


fala-se em retenção do indivíduo, um “drible” linguístico para
ocultar detenções ilegais.135
No presente apartado, buscamos trazer alguns pontos em
comum entre os países latino-americanos. Com isso, também
foi possível perceber o desenvolvimento de algumas estratégias
mencionadas no apartado anterior, como o recrudescimento
penal e a adoção de medidas preventivas que regulam e alteram a
vida cotidiana da população de tais países. Neste cenário, pode-
se perceber que, inclusive em governos considerados de esquerda,
foram desenvolvidas políticas que reificam a seletividade penal
e a flexibilização de garantias, o que não ocorre apenas por uma
posição institucional – ainda muito marcada pelos períodos
autoritários –, mas também diante das chamadas “respostas
ao clamor público”, utilizadas pelos governos como forma de
apaziguar o sentimento de insegurança presente nos contextos
nacionais. Como aponta Dieter, as percepções contemporâneas
estão marcadas por um conformismo e pela descrença na
transformação social. Logo, se é impossível (ou muito difícil)
eliminar o problema, o que resta é a possibilidade de gerenciá-
lo de maneira eficiente. Por outro lado, essa percepção de
impossibilidade de transformação, aliada à noção do risco –
presente em vários aspectos da vida contemporânea – gera um
estado de paranoia coletiva que acaba por afrouxar ainda mais
os já debilitados vínculos sociais, favorecendo as demandas por
maior severidade no âmbito da política criminal e, por sua vez, a
exclusão daqueles considerados uma ameaça.136

3.2 Democratização inacabada, seletividade penal e


flexibilização de garantias constitucionais

Diante deste panorama violento e influenciado por programas


políticos neoliberais, neoconservadores e racionalidades

135. Castro, op. cit., p. 232.


136. Dieter, op. cit., p. 11.

71
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

punitivas que guardam uma relação muito próxima a interesses


privados, os atores políticos de esquerda que assumiram os
governos de alguns países da América Latina por volta dos anos
2000137 enfrentam ou deveriam enfrentar uma questão: quais
possibilidades existem para construir uma alternativa desde a
tradição de esquerda para um programa de governo que aborde
o problema do controle do crime? Pretendendo colaborar no
enfrentamento desta questão, a investigação buscará analisar
como o governo brasileiro, assumido por atores políticos de
tradição política de esquerda, tratou a questão da insegurança
pública e a gestão das ilegalidades.
Assim, buscar-se-á verificar se foi elaborada alguma
estratégia, iniciativa ou prática no âmbito da política criminal
que possa ser considerada como uma reação ao recrudescimento
penal prevalente nas últimas décadas. Porém, para isso,
percebemos a necessidade de ressaltar algumas particularidades
do contexto brasileiro, especialmente no que diz respeito ao
campo do controle do crime.
Para Adorno, “sob a perspectiva de uma ‘história sempre por
fazer’, a história da sociedade brasileira pode ser contada como uma
história social e política da violência”.138 Numa sociedade como a
brasileira, hierarquizada e marcada por abismais desigualdades,
em que as relações sociais são muitas vezes pautadas não pelo
princípio da igualdade, mas por relações de clientelismo, a lei
nem sempre tem os seus ditames cumpridos. Nesse sentido, o
autor afirma que “a sociedade brasileira parece estar introduzida
profunda fenda no corporativismo, base sob o qual se sustêm um

137. Na Venezuela em 1998, com Hugo Chavez; no Brasil em 2003, com


Lula; na Argentina em 2003, com Nestor Kirchner; no Uruguai em
2005, com Tabaré Vázquez; na Bolívia em 2006, com Evo Morales; e no
Equador em 2007, com Rafael Correa.
138. Adorno, Sérgio. A gestão urbana do medo e da insegurança: violência, crime
e justiça penal na sociedade brasileira contemporânea. Tese (Livre-Docência
em Ciências Humanas) – Departamento de Sociologia, Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo: Universidade de São
Paulo, 1996, p. 48.

72
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

estilo patrimonial de lidar com a coisa pública bem assim práticas


clientelistas mediando as relações políticas entre governantes e
governados”.139 A legalidade não representa, necessariamente,
garantia de obediência e cumprimento, da mesma forma,
garantias formais não garantem a efetividade material.
Há hoje uma consciência crescente de que a lei e os
direitos ainda desempenham um papel menor na determinação
do comportamento dos indivíduos e instituições no Brasil
e, inclusive, na América Latina como um todo. De acordo
com o Relatório do Latinobarômetro 2011, há uma grande
desconfiança na capacidade do Estado para implementar
sua legislação imparcialmente e apenas 37% dos brasileiros
afirmam respeitar as leis. Ainda, 55% dos brasileiros pensam
que as pessoas ricas cumprem menos a lei.140 O’Donnell
analisa que na América Latina existe uma longa tradição
de ignorar a lei ou de conseguir “driblá-la”, principalmente
entre os privilegiados, que demonstram uma recusa obstinada
em submeter-se a procedimentos administrativos e judiciais
regulares.
Para O’Donnell, a maioria dos países da América Latina
não foi capaz de consolidar sistemas de Estados de Direito no
período de transição para a democracia. Segundo o autor, a
elevada desigualdade na região é um dos maiores empecilhos
para uma implementação mais imparcial do Estado de Direito,
pois as distâncias sociais “alimentam múltiplos padrões de relações
autoritárias em todos os tipos de contato entre os privilegiados
e os outros”.141 Nessa senda, Adorno refere que, no Brasil, “há
uma sorte de autoritarismo socialmente implantado”, sendo o
autoritarismo político apenas uma de suas manifestações.142
Assim, os direitos e garantias “não existem simplesmente”,
mas precisam ser constantemente defendidos contra “tentações

139. Adorno, op. cit., p. 101.


140. Corporación Latinobarómetro, op. cit., p. 53.
141. Idem, ibidem, p. 57.
142. Adorno, op. cit., p. 67.

73
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

autoritárias persistentes”.143 O Brasil, como um dos países mais


desiguais do continente, pode ser caracterizado como um país
não democrático ou com uma democracia muito incompleta.144
Ignácio Cano afirma que, ao longo dos anos 80 e 90, as
taxas de criminalidade cresceram de forma significativa. De
acordo com o autor, até os anos 70, o crime era concebido
basicamente como um problema de polícia. Nesse contexto, “a
esquerda esperava, como em outros países, que o fim da ditadura e a
democratização, de alguma forma, resolveriam a questão”.145 Ainda,
Cano afirma que a questão da segurança pública era concebida
como um tema “da direita”, dos defensores da lei e da ordem.
Consequentemente, aponta que não existiam propostas advindas
dos setores progressistas que se contrapusessem à simples
demanda pela ordem por parte dos grupos conservadores.146
Todavia, o significativo aumento das taxas de criminalidade
trouxe o tema da segurança pública para a agenda política e
social. Assim, para Cano:
“O fracasso das políticas tradicionais no controle da criminalidade
e da violência abriu espaço para reformas e propostas inovadoras.
Inclusive, algumas vozes se levantaram pedindo uma mudança
completa de paradigma na segurança pública. A ideia de uma
segurança pública mais democrática, com maior atenção à prevenção,
o surgimento de novos atores, a noção de polícia comunitária ou,
simplesmente, de uma polícia que compatibilizasse eficiência e
respeito aos direitos humanos são sintomas do novo período de debate
e efervescência”.147

143. O’Donnell, op. cit., p. 54.


144. Idem, ibidem, p. 56.
145. Cano, Ignácio. Políticas de Segurança Pública no Brasil: tentativas de
modernização e democratização versus a guerra contra o crime. Trad.
Maria Lucia Marques. Sur - Revista Internacional de Direitos Humanos,
v. 3, n. 5, São Paulo, dez. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/sur/v3n5/v3n5a06.pdf>. Acesso em: 16 set. 2014.
146. Idem, ibidem.
147. Cano, op. cit., p. 1.

74
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

Contudo, apesar do desenvolvimento de um novo


regime político, o que permitiu a consolidação de mudanças
substantivas,148 que visaram munir a sociedade de instrumentos
de defesa contra o arbítrio do poder de Estado, a instauração
efetiva de um Estado Democrático de Direito não foi alcançada.
Para Adorno, o controle legal da violência permaneceu abaixo
do nível desejado. Os obstáculos enfrentados encontravam-se
(e continuam encontrando-se), geralmente, em circunstâncias
sociopolíticas. Nesse contexto, persistiram graves violações
de direitos humanos, resultados de uma “violência endêmica,
radicada nas estruturas sociais, enraizada nos costumes, manifesta
quer no comportamento de grupos da sociedade civil, quer no dos
agentes incumbidos de preservar a ordem pública”.149
A violência privada e a desigualdade social, econômica
e jurídica são marcas importantes da sociedade brasileira,
que persistem ao passar do tempo e são constantemente
transformadas.150 Zaluar afirma que “o país é agora uma
democracia eleitoral”,151 referindo-se a constatação de que a
economia brasileira modernizou-se e tornou-se diversificada,
foram concedidos direitos políticos aos cidadãos, mas as
instituições políticas e jurídicas não foram democratizadas e
não acompanharam a modernização.152 Assim, a abertura do
regime foi reduzida aos direitos políticos e ao sistema eleitoral,

148. Entre as quais: “ampliação dos canais de participação e representação


políticas; alargamento do elenco dos direitos (civis, sociais e
políticos); desbloqueio da comunicação entre sociedade civil e
Estado; reconhecimento das liberdades civis e públicas; abolição das
organizações paramilitares ou organismos paralelos à segurança pública;
maior transparência nas decisões e procedimentos políticos; sujeição do
Poder Público ao império da lei democraticamente votada; existência de
eleições livres” (Adorno, op. cit., p. 65).
149. Idem, ibidem, p. 65-66.
150. Zaluar, Alba. Democratização inacabada: fracasso da segurança
pública. Revista Estudos Avançados, n. 61, p. 36, São Paulo, 2007.
151. Idem, ibidem, p. 40.
152. Idem, p. 40

75
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

não contemplando os direitos civis dos cidadãos.153 Por isso,


afirma que a democratização não recuperou a cultura urbana de
tolerância e as artes da negociação. Dessa forma, pode-se dizer,
então, que “o pior efeito de um regime de exceção é que ele destrói a
cultura democrática que se manifesta nas práticas sociais quotidianas
de respeito e civilidade com o outro, deveres do cidadão, até mesmo as
da negociação que havia se difundido em cidades brasileiras”.154
Nesse contexto, Machado da Silva aponta que a
promulgação do Decreto-lei de Segurança Nacional, em 1969,
durante o regime militar, teve como uma de suas consequências
aproximar a violência política da violência comum, fazendo
com que se modificasse a representação coletiva do crime, que
adquiriu proeminência, saiu das ultimas páginas dos jornais
e veio a estabelecer-se como um problema central na agenda
pública. De acordo com o autor, ao longo do processo de
transição (ainda não acabado), a repressão à violência criminal
deixou de ser formulada como uma questão de defesa do Estado
para ser apresentada como um problema de defesa da sociedade,
ressaltando-se as ameaças à integridade física e patrimonial
das rotinas cotidianas. A partir de então, nunca mais a questão
da manutenção da ordem pública deixou de ser tratada pelos
governos sob um viés repressivo e como questão autônoma,
separada do conjunto da atuação das agências estatais.155
Porém, segundo o autor, a “sobrepolitização” e a polarização
definitiva da compreensão da violência criminal como um risco
previsível e controlável, fatores que endureceram o debate sobre
a ordem pública, só vieram a ocorrer ao final do processo de
redemocratização. Sua base encontra-se na reação de uma parte
da população carioca à decisão de Leonel Brizola de proibir
as grandes operações policiais nas favelas, cumprindo uma

153. Zaluar, op. cit. .p. 40.


154. Idem, ibidem, p. 39-40.
155. Machado da Silva, Luiz Antônio. Violência e Ordem Social. In: Lima,
Renato Sérgio de; Ratton, José Luiz; Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli
de. Crime, polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014, p. 26-34.

76
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

promessa feita durante a campanha para sua primeira eleição


ao governo carioca (1983-1986). A medida, que visava coibir o
arbítrio e a violência policial que atingia os moradores daquelas
comunidades (já àquela época associadas ao tráfico de drogas que
então vinha se expandindo), foi entendida pelos antibrizolistas
como uma defesa da criminalidade. Brizola ganhou a eleição,
mas pode-se dizer que os antibrizolistas estabeleceram os
contornos básicos das políticas subsequentes de manutenção da
ordem pública no Rio de Janeiro. Com algumas variações de
intensidade, os problemas relativos à integração da ordem social
têm sido, em grande parte, reduzidos à garantia da continuidade
das rotinas cotidianas através de uma ênfase quase exclusiva na
vigilância e na coerção policial.156
A repressão violenta ao crime comum sempre foi uma
delegação tácita conferida à polícia por parte dos governantes.
Porém, durante a ditadura militar, ela institucionalizou-se,
de maneira que todos que possuíssem alguma conexão com
uma comunidade vulnerável, agora associada ao nascedouro
do crime urbano violento, passaram a ser vistos com suspeita
e desconfiança. Ou seja, sob este viés, para a manutenção da
“ordem pública” não bastaria apenas coibir certas atividades,
mas seria necessário controlar populações advindas de áreas
consideradas perigosas.157
Após o fim do regime, não ocorreram reformas profundas
no sistema de justiça e, principalmente, não houve quase
nenhuma mudança nas práticas policiais. Assim, verifica-se que
“os efeitos do regime militar ainda estão presentes no funcionamento
dessas instituições que não respeitam os direitos civis dos cidadãos”.158
Sobre a percepção da população em relação à instituição, ao
passo em que as pessoas aprovam ações policiais contra supostos
criminosos, a maioria tem medo da violência policial, bem como
reconhece que a polícia pratica atos de discriminação contra

156. Machado da Silva, op. cit., p. 29.


157. Idem, ibidem, p. 33-34.
158. Zaluar, 2007, p. 40.

77
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

pobres e minorias. Segundo Zaluar, “de mais a mais, não apenas


o país manteve uma das piores distribuições de renda do mundo, mas
também enormes desigualdades em termos de acesso à Justiça”.159
Ainda que garantidos pela Constituição Federal de 1988, uma
grande parte da população ainda não consegue ter pleno acesso
e valer-se de seus direitos civis, sobretudo no que diz respeito
às relações com os policiais. O sistema de administração da
Justiça penal no Brasil opera sob dois pesos e duas medidas, para
alguns, a presunção de inocência, para os outros, a presunção
de culpabilidade. A desigualdade no tratamento dos cidadãos
selecionados pelo sistema de Justiça decorre desse esquema de
classificação arraigado na sociedade brasileira, no qual o respeito
às garantias legais é distribuído formalmente de maneira
desigual, dependendo de uma interpretação particularizada das
normas em razão da posição do sujeito na hierarquia social ou de
suas “qualidades” pessoais.160
No Brasil, após duas décadas de ditadura militar, o processo
de redemocratização pouco mudou o Estado penalizador,
“fundado na institucionalização da criminalização”.161 No aspecto
formal, constitucional, tem-se um Estado Democrático. Todavia,
no campo prático, “ainda se vive em um Estado autoritário,
principalmente nas questões relacionadas à segurança pública”.162 Isso
porque o processo de redemocratização não foi “suficientemente
profundo para conter o arbítrio das agências responsáveis pelo controle
da ordem pública”.163 Apesar de termos obtido alguns avanços,

159. Zaluar, 2007, p. 40.


160. “Ora, sabe-se que a desigualdade é um dos princípios organizadores
da sociedade brasileira, oriundo da sociedade tradicional dos tempos
coloniais que, entranhado na estrutura social, organiza, com frequência,
as relações nas instituições” (Kant de Lima, Roberto. Igualdade,
desigualdade e métodos de produção de verdade jurídica: uma discussão
antropológica. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/
inscricao/pdfs/painel56/RobertoKant.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2015.
161. Carvalho; Fátima e Silva, op. cit., p. 61.
162. Idem, ibidem.
163. Idem.

78
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

aspectos autoritários do passado atualizam-se e ganham novos


significados, revelando-se resistentes a mudanças em direção a
um Estado Democrático de Direito.164
Com o fim do regime militar, teve início um crescimento
dos crimes violentos no Brasil, sobretudo sequestros, roubos e
homicídios com a utilização de arma de fogo. Além das capitais
e das regiões metropolitanas, o aumento também atingiu
diversas cidades do interior. Misse afirma que “o aumento da
violência urbana e o crescimento do crime organizado ganham plena
visibilidade na mídia, bem como na percepção social das populações
urbanas, medidas pelas pesquisas de opinião”.165 O tráfico de drogas,
o contrabando de armas e a corrupção passaram a fazer parte do
cotidiano das cidades brasileiras.166
Ao abordar o surgimento do chamado “crime organizado” e
a ampliação das taxas de homicídio no Brasil, Zaluar aponta que
existe uma correlação entre o número de homicídios cometidos
e uma maior entrada de armas de fogo e drogas no país, já que
ambos os fenômenos aumentaram de forma simultânea nos
últimos anos da década de 70. Além disso, o fato de que as vítimas
mais comuns fossem adolescentes do sexo masculino também
serve como indicador da ligação entre a “guerra de quadrilhas” e
os homicídios praticados no período. Como vemos ocorrer até
os dias de hoje, o crescimento das taxas de homicídios afetaram
particularmente a população jovem.167
Diante desse quadro, cresceram as demandas sociais por
segurança e os investimentos governamentais em políticas de
segurança pública e reformas legislativas. O Estado deparou-

164. Adorno, op. cit.


165. Misse, Michel. Crime e pobreza: velhos enfoques, novos problemas.
Trabalho apresentado no Seminário: Brasil em Perspectiva: os anos 90,
promovido pelo Laboratório de Pesquisa Social do Departamento de
Ciências Sociais do IFCS-UFRJ, em 26.08.1993.
166. Mesquita Neto, Paulo de. Ensaios sobre segurança cidadã. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 31.
167. Zaluar, 2007, p. 43.

79
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

se com o desafio de manter a ordem pública (em um ambiente


afetado pelo medo e pela insegurança) e com a necessidade
de reformar os órgãos de segurança pública, que seguiam
“estruturados sob a influência de resquícios autoritários, mas com a
responsabilidade de atuar de acordo com os princípios democráticos”.168
Fonseca sugere que com a redemocratização e o advento de
uma nova estrutura constitucional, formou-se um ambiente de
coesão social e de solidariedade que afastou pretensões punitivas
e endurecedoras do sistema penal. Porém, afirma que este
sentimento não perdurou e rapidamente as políticas criminais
indicaram uma mudança nas suas diretrizes, apontando para
a chegada ao Brasil daquela nova racionalidade punitiva e
gerencialista no campo do controle penal.169
Por sua vez, Souza destaca que, a partir de 1984, a política
criminal brasileira desenvolveu-se em diversas direções distintas.
São elaboradas leis mais punitivas, “caracterizadas pelo incremento
das penas para crimes já existentes, por restrições às garantias
processuais dos acusados e ampliação dos poderes das agências
de controle”.170 Para lidar com o aumento da criminalidade,
reforça-se a perspectiva da necessidade da pena como castigo
e de punições mais severas, suprimindo-se diversos direitos e
garantias individuais e intensificando-se o uso da prisão. Assim,
constitui-se um processo penal de emergência ou de exceção,
“destinado às condutas identificadas como carecedoras do maior rigor
possível dentro das possibilidades de resposta estatal, representadas na
figura dos ‘crimes hediondos’ e das ‘organizações criminosas’”.171 Além
da produção de leis mais punitivas, ocorre também a “expansão
do universo de ação do direito penal”, caracterizada pela
elaboração de normas penais que passaram a intervir em espaços
da vida antes não regulados. No contexto brasileiro, Souza
aponta alguns exemplos dessa expansão, tais como a “tipificação

168. Carvalho; Fátima e Silva, op. cit., p. 61.


169. Fonseca, op. cit.
170. Souza, op. cit., p. 7.
171. Idem, ibidem.

80
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

de condutas relacionadas a questões econômicas e financeiras, relações


de consumo, meio ambiente, discriminação racial e assédio sexual”.172
Sem embargo, também foi desenvolvida uma política
criminal alternativa, “seja por meio da despenalização, seja por
ampliarem as hipóteses de aplicação de alternativas penais à
prisão”.173 Nesse sentido, Campos aponta que o Congresso
Nacional também elaborou algumas leis que visaram a ampliação
de direitos e garantias fundamentais dos acusados, a instauração
de penas restritivas de direitos e a informalização do processo
penal.174 Como exemplos dessa tendência político-criminal
alternativa estão: a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984),
as leis dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/1995 e a
Lei 10.259/2001), a inclusão das penas restritivas de direitos
(Lei 7.209/1884) e a ampliação das suas hipóteses de aplicação
(Lei 9.714/1998). Todavia:
“É preciso relativizar essa vinculação, contudo, pois, no caso
dos Juizados Especiais Criminais, voltados aos delitos ditos de
menor potencial ofensivo, esperava-se que a sua implementação
tivesse o efeito de permitir que as varas criminais pudessem dar
prioridade para os ‘crimes de maior potencial ofensivo’. Não
estava em questão uma ampliação da tolerância ou uma renúncia
do Estado ao controle de certas condutas, mas sim a procura por
meios mais eficazes e menos onerosos para o controle”.175
Verifica-se, assim, uma tendência dual, tanto à expansão,
quanto à desformalização do direito penal. Campos aponta que
estes dois modelos presentes na ordem social brasileira abrigam
duas lógicas distintas: igualdade e hierarquia. Tal dualidade

172. Souza, op. cit., p. 7.


173. Idem, p. 8.
174. Campos, Marcelo da Silveira. Crime e Congresso Nacional no Brasil
pós-1988: uma análise da política criminal aprovada de 1989 a 2006.
Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Departamento de
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, 2010. p. 99.
175. Souza, op. cit., p. 8.

81
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

indica as contradições existentes na própria sociedade,


refletindo a seletividade e a discricionariedade na elaboração
e na aplicação da Justiça penal, o que, à sua vez, impede a
demanda de universalização de uma cidadania igualitária.176 De
qualquer modo, o direito penal torna-se o meio preferencial de
resolução dos conflitos sociais e de gerenciamento de condutas
no espaço público. Nesse sentido, “a política repressiva e a
resposta penal são vistas como modo de resolução de conflitos em
uma sociedade altamente hierarquizada e profundamente desigual
como a brasileira”.177
Basicamente, Campos identificou a legislação penal em
três direções: do recrudescimento dos tipos penais existentes em
relação à legislação anterior; leis que visaram novos tipos penais
e a criminalização de condutas não tipificadas anteriormente;
e leis que visaram medidas alternativas ou a ampliação de
direitos dos acusados. Ainda, em menor número, identificou
o que denominou de leis “mistas”, que ampliaram direitos ao
passo que criminalizaram determinadas condutas; assim como
leis que estabeleceram privilégios para determinado grupo da
população, como, por exemplo, o foro privilegiado e a prisão
especial (representando a institucionalização da hierarquia). De
acordo com o autor, ainda que se tenha buscado efetivar direitos
e garantias fundamentais, prioritariamente são apresentadas
normas que visam a criminalização ou o agravamento de
penas.178
Ainda, o autor verifica que o Executivo “detém um considerável
poder de decisão da agenda no que diz respeito à produção legal em
segurança pública e Justiça criminal”,179 bem como as leis propostas
por esta esfera tramitam mais rapidamente do que as de iniciativa
de outras casas legislativas. Ainda, aponta que o Executivo tende
a atuar mais diretamente em relação a iniciativas mais reativas e

176. Campos, op. cit., p. 105.


177. Idem, ibidem, p. 175.
178. Idem, p. 105.
179. Idem, p. 138.

82
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

penalizadoras em segurança pública do que no tocante a normas


que visam ampliar direitos e garantias dos acusados, de maneira
em que: “leis mais punitivas são majoritariamente de origem do
Executivo”.180 Assim, conclui-se que da perspectiva do Executivo,
a resolução civil de conflitos e problemas sociais ainda se ancora
sob uma perspectiva penalizadora.
Por fim, o autor analisa as leis propostas desde 1988 de acordo
com os partidos políticos e aponta que não houve uma identidade
que poderia ser pensada entre partidos de direita e centro em
proporem leis mais severas; e partidos de esquerda apresentarem
leis que ampliam direitos. Os partidos identificados como de
esquerda “propuseram leis que privilegiam alguns segmentos específicos,
leis que ampliam direitos, leis mais punitivas e principalmente leis que
criminalizam novas condutas”.181 Já os partidos de direita tiveram
proposições apresentadas em todos os grupos e tipos de punição,
mas apresentaram algumas leis mais punitivas em segurança
pública e Justiça criminal, como a Lei de Crimes Hediondos. Logo,
os parlamentares de distintas ideologias políticas e partidárias
propuseram tanto leis mais punitivas, quanto leis que ampliam
direitos e garantias. Desta maneira, verifica-se uma tendência à
criminalização dos conflitos e ao crescimento da judicialização em
diferentes partidos.182
Em seu trabalho sobre a produção legislativa no Brasil no
que tange ao cumprimento da pena, Ferreira busca sistematizar
a produção legislativa de 1984 a 2011.183 O estudo parte da
hipótese de que a atividade de determinação da quantidade
e da qualidade da pena é objeto de disputa entre legislador,
juiz e administrador público, e as proposições legislativas que

180. Campos, op. cit., p. 138-139, p. 164.


181. Idem, ibidem, p. 124.
182. Idem, p. 131.
183. Foram selecionadas as proposições legislativas sobre cumprimento
da sanção criminal, sendo o universo de análise composto por 200
proposições legislativas que alteram a quantidade ou a qualidade de
sanções criminais.

83
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

visam regular a matéria tendem a reduzir a margem de atuação


designadas ao juiz pela Lei de Execução Penal.184
Em sua pesquisa, a autora constatou que grande parte da
produção legislativa em matéria de cumprimento da pena tem
a pena de prisão como referência, sendo a exclusão social do
indivíduo a medida preferencial adotada pelos legisladores. O
estudo parte da ideia de que a utilização recorrente da pena
de prisão está inserido dentro de um sistema de pensamento
cujo fundamento principal são as teorias modernas da pena
criminal, utilizando como referência os trabalhos de Pires sobre
a racionalidade penal moderna, abordada anteriormente no
presente trabalho.
De acordo com os resultados obtidos pela autora, a
imensa maioria das propostas cria regras sobre a pena de
prisão, especialmente para ampliar o tempo de permanência
do condenado no cárcere. Com relação à análise do conteúdo
das proposições legislativas, é possível perceber a monotonia
da intervenção penal, já que as medidas se referem, quase que
exclusivamente, à gestão da pena de prisão, demonstrando a
escassez de alternativas ao cárcere no repertório das sanções
penais vislumbradas pelos parlamentares, vez que poucas
proposições tratam sobre penas restritivas de direitos e não foi
encontrada qualquer proposta sobre a pena de multa.
Em seu trabalho, a autora definiu duas chaves analíticas.
A primeira foi “maior ou menor exclusão social”, com referência
à maior ou menor prioridade ao encarceramento em relação a
sanções não privativas de liberdade.185 A segunda, diz respeito à

184. Ferreira, Carolina Catrupi. Legislar pela exclusão social: um estudo


da atividade legislativa sobre cumprimento da pena de 1984 a 2011.
Dissertação (Mestrado em Direito e Desenvolvimento) – Fundação
Getulio Vargas. São Paulo: Escola de Direito do Estado de São Paulo,
2011.
185. Nesta chave analítica, a autora inclui medidas propostas que tratam
da vedação de: progressão de regime, livramento condicional, sursis,
indulto, trabalho externo e remição. Ainda, inclui proposições que
tratam da fixação de pena integral em regime fechado, que alteram

84
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

“maior ou menor margem de atuação do juiz na gestão da sanção”,


partindo do pressuposto que, ainda que a gestão da sanção
compreenda uma série de atos e decisões que dificilmente
dependem de manifestação exclusiva de um único ator,186 “cabe
ao juiz direcionar o caminho que a sanção deve percorrer”. Ou seja,
cabe ao juiz tomar a decisão acerca da ampliação ou extinção do
tempo de permanência do condenado no cárcere. Entretanto,
tal arranjo pode ser modificado pelo legislador para ampliar ou
reduzir as margens de atuação do juiz, dinâmica que a autora
pretendeu observar ao analisar as proposições legislativas.187
Dentre os 200 projetos de lei analisados, foram encontrados
265 propostas de alteração legislativa, sendo que 258 diziam
respeito à sanções privativas de liberdade, das quais 196
promovem maior exclusão social pela ampliação do uso da pena
de prisão ou pela criação de restrições à liberdade provisória
ou condicional, enquanto 62 buscam diminuir o período de
exclusão, reduzindo a pena máxima dos crimes ou ampliando
a possibilidade de aplicação da suspensão da execução da pena
(sursis).188 Apenas 7 proposições criaram ou reformaram regras

frações mínimas para progressão de regime, livramento condicional,


saída temporária e remição de pena. Sobre pena inicial em regime
fechado, ressarcimento ao Estado para desfrute de direitos subjetivos
ou cumprimento de penas cumulativas, aumento do limite máximo
de permanência na prisão e alteram regras para cálculo de direitos
subjetivos, visando à imposição de dificuldades para a obtenção dos
mesmos. Ferreira, op. cit., p. 45.
186. Em geral, as decisões tomadas no âmbito da execução penal exigem a
manifestação de mais de um ator. Por exemplo, a progressão de regime e
o livramento condicional são decisões do juiz da execução (art. 66, d e e,
da LEP), mas dependem da manifestação do diretor do estabelecimento
sobre o bom comportamento do condenado (art. 112 da LEP). Vale
lembrar que a manifestação do diretor serve para atestar o bom
comportamento do condenado, mas não vincula o conteúdo da decisão
do juiz, que pode conceder o benefício ainda que o diretor se manifeste
de maneira contrária.
187. Idem, ibidem, p. 41.
188. Ferreira, op. cit., p. 42.

85
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

sobre sanções não privativas de liberdade, especificamente para


disciplinar penas restritivas de direitos.189
Como pode ser observado no gráfico abaixo, no início de
1999 até o final de 2010 o número de proposições em matéria
de cumprimento de pena distribuídas no Congresso, bem como
a valorização das penas de prisão, aumentam sensivelmente em
relação aos momentos anteriores. Percebe-se, ainda, que em
1989 há um significante aumento das proposições envolvendo
tal matéria, porém, talvez, em decorrência da estabilização do
crescimento das taxas de delitos registrados, como referido por
Soares, a atenção dada ao tema no Congresso Nacional reduziu-
se, voltando novamente à tona 10 anos depois, em 1999. Contudo,
o aumento da elaboração legislativa de normas penais não reflete
o número de leis aprovadas. Das 200 propostas analisadas, apenas
3% foram aprovadas, o que significa a aprovação de apenas seis
propostas. Entre as aprovadas, a maioria impõe mais critérios
para a saída da prisão, com exceção de uma, que institucionalizou
a remição pelo tempo de estudo.

GRÁFICO 6 – Distribuição das proposições legislativas por penas


prisionais (maior e menor exclusão) e penas não prisionais

Fonte: Ferreira, op. cit., p. 44.

Dentre todas as proposições analisadas pela autora,


destacam-se algumas, como, por exemplo, um projeto que

189. Ferreira, op. cit.,p. 59.

86
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

pretende condicionar a progressão de regime, o livramento


condicional ou o sursis ao integral ressarcimento dos custos da
manutenção do condenado dentro do sistema prisional (PLC
69/1999).190 Algumas propostas criam penas adicionais à sanção
prisional, caracterizando-se por serem dirigidas ao corpo do
condenado e estarem necessariamente cumuladas com a pena de
prisão. Entre elas, o PLC 6.226/2009 determina a obrigatoriedade
de tratamento hormonal ao condenado reincidente em crime
sexual, o PLC 5.122/2009 pretende impor a castração química
como critério para aquisição de livramento condicional ao
condenado por crime sexual (a opção pela castração dá direito à
progressão antecipada do regime de cumprimento da pena). O
PLC 3.857/2004 cria uma nova pena, a de doação compulsória
de órgãos aplicável ao condenado com sentença transitada
em julgado a dois ou mais homicídios dolosos, cuja pena seja
igual ou superior a 30 anos de reclusão. Já o PLC 3.028/2008,
determina a remição de um dia de pena para cada doação de
sangue, enquanto o PLC 312/2006, utiliza a regra de “um dia de
pena para 4 doações em um ano para homens e 3 doações para
mulheres”, e o PLC 6.283/2009 possibilita ao condenado que
doar sangue a remição da pena na razão de trinta dias para cada
doação, deixando claro que a doação não seria obrigatória, mas
um “gesto voluntário de solidariedade”.
Por outro lado, o PLC 4.655/2009 inova ao criar o
conceito de “sobrepena” e seus efeitos sobre o tempo de
reclusão ou detenção. Para o autor do projeto, a “sobrepena”
caracterizar-se-ia diante do fato de o recluso ou detento ser
submetido a situações degradantes, tais como excesso de
população carcerária, maus tratos ou ausência de assistência
médica ou psicológica. A verificação de tal situação pelo
juiz implicaria na redução do tempo de prisão ou detenção.
E, ainda, pretende que “constatada a prática de tortura, cada
dia em que tenha ocorrido é contado, para efeito da redução, como
cento e vinte dias”. Segundo o autor, o projeto estimulará maior

190. Ferreira, op. cit., p. 85.

87
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

controle das condições de prisão e poderá inibir a prática de


maus-tratos ou de tortura.191
A maioria das propostas, 75% do total, cria mecanismos para
prolongar o tempo de permanência do condenado na prisão, por
meio da restrição ou vedação à aquisição de direitos subjetivos.
Mesmo as propostas classificadas como “menor exclusão social”,
estão relacionadas à pena de prisão, sendo que a maioria pretende
reduzir a pena de prisão pelo estudo (9,4% do total). Para a autora,
pode-se afirmar que estas últimas constituem medidas paliativas
à exclusão, mas ainda estão atreladas à sanção prisional como
única resposta possível. Contudo, não se pode desconsiderar que
tais propostas, ainda que reformistas, enquadram-se em uma
perspectiva de redução de danos.
De acordo com Ferreira, tanto a Câmara dos Deputados
como o Senado Federal elaboram propostas semelhantes.
Entretanto, afirma que as proposições de iniciativa de comissões
apresentam justificativas mais elaboradas em relação às demais.
Ainda, aponta que as proposições oriundas do Poder Executivo
também podem ser consideradas mais complexas do que aquelas
criadas pelos parlamentares. Segundo a autora, as propostas do
Executivo “caracterizam-se pela maior densidade das justificações e
às referências a argumentos empíricos, práticas legislativas de outros
países ou decisões judiciais”. Já no tocante ao conteúdo, as propostas
do Executivo não diferem das demais propostas.
Ainda, nas propostas analisadas, Ferreira identifica três
correntes argumentativas em que é ressaltada a “proteção da
sociedade”, quais sejam: (a) sociedade X condenado – corrente que
defende a necessidade de “defesa do cidadão” contra o “criminoso”
ou “indivíduo perigoso”, sendo a manutenção do condenado
no cárcere a melhor maneira de preservar o direito à vida e à
segurança dos demais cidadãos;192 (b) Gravidade do crime e grau

191. A íntegra do projeto de lei pode ser encontrada no seguinte endereço


eletrônico: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrar
integra?codteor=632789&filename=PL+4655/2009>.
192. Ferreira, op. cit., p. 174.

88
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

de periculosidade – em tal corrente argumentativa, existe uma


associação entre a gravidade do crime e o grau de periculosidade
do infrator, ou seja, crimes graves seriam praticados por
indivíduos perigosos. Assim, o alvo principal das propostas
são indivíduos dotados de alta periculosidade, pecha atribuída
aos reincidentes e aos condenados por crimes hediondos; e (c)
Retribuição e recuperação – a última corrente caracterizar-se-
ia por apresentar, de forma conjugada, elementos da teoria da
retribuição e da reabilitação para justificar a manutenção do
encarceramento. Segundo a autora, o ideal retributivo de se
pagar o “mal pelo mal” é justificado aos indivíduos considerados
perigosos, ou seja, a obrigação de punir atrelada à imposição de
sofrimento através da pena. Por fim, destaca que:
“As regras direcionadas a aumentar o tempo de encarceramento
surgem atreladas ao esvaziamento das possibilidades de atuação
do juiz. Ou seja, quando se trata de impor a sanção prisional, é o
legislador que decide a quantidade de pena que o condenado irá
cumprir dentro do cárcere”.193
Assim, percebe-se que a política criminal desenvolvida a
partir da Constituição da República de 1988 estabeleceu como
compromisso legal a segurança individual e coletiva. Entretanto,
“em regra, as políticas de segurança pública têm servido apenas de
paliativo a situações emergenciais, sendo deslocadas da realidade
social, desprovidas de perenidade, consistência e articulação horizontal
e setorial”.194 Como já ressaltado anteriormente, muitas leis de
caráter mais punitivo são propostas e aprovadas rapidamente
em um contexto de forte demanda da opinião pública. Em
diversas propostas analisadas por Ferreira, os legisladores,
em suas justificativas, apresentam casos pontuais, como
exemplos de tragédias urbanas que servem para fundamentar o
recrudescimento das leis penais.195 Esse viés fundamentalmente

193. Ferreira, op. cit., p. 137.


194. Carvalho; Fátima e Silva, op. cit., p. 61-62.
195. Como, por exemplo, a PEC 364 de 2009 que, em sua justificativa
destaca: “um exemplo de malefício, bárbaro, causado pela progressão de

89
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

carcerizante das reformas legais operadas nos últimos anos,


aliado à ausência de reflexão sobre seus impactos no sistema de
administração da Justiça, acabou por contribuir para a elevação
do número de pessoas privadas de liberdade e para a consequente
superlotação do sistema penitenciário, como se poderá observar
adiante.
Com efeito, o planejamento, o acompanhamento, a
avaliação dos impactos e dos resultados e o gasto eficiente de
recursos financeiros não têm sido procedimentos usuais nas
ações em torno à gestão das ilegalidades. Assim, a elaboração da
política criminal (com a definição do problema e a identificação
das iniciativas necessárias para enfrentá-lo) não é resultado
de escolhas puramente “racionais” – ou seja, baseadas no
estabelecimento da melhor relação possível entre fins e meios,
mas ao contrário, tal processo dialoga com fatores sociais,
políticos, culturais, econômicos e institucionais que delimitam
sensivelmente o campo de escolha dos gestores.196 Nesse sentido,
Carvalho e Silva afirmam que as respostas governamentais no
campo do controle do crime brasileiro restringem-se a uma “série
de intervenções espasmódicas, meramente reativas, voltadas para a
solução imediata de crises que assolam a ordem pública”. 197
Zaluar aponta a alta inflação que atingiu o país até
1994 como um fato social material e simbólico, e não apenas
econômico. Afirma que “foram notáveis os efeitos perversos sobre
atitudes e valores da população, especialmente a que vivia de salários
que se desvalorizaram em 60% a 80% por mês, ainda não desfeitos”.198
Ainda, ressalta que esse quadro monetário ajudou a criar o
ideário de “dinheiro fácil”, assim como a lavagem de dinheiro,

regime dada a um indivíduo no Estado de Mato Grosso praticante de


crime hediondo, cujo destaque se deu no noticiário nacional”.
196. Sá e Silva, Fábio. “Nem isso, nem aquilo”: trajetória e características da
política nacional de segurança pública (2000-2012). Revista Brasileira de
Segurança Pública, v. 6, n. 2, São Paulo, ago.-set. 2012, p. 412-433.
197. Carvalho; Fátima e Silva, op. cit., p. 62.
198. Zaluar, 2007, op. cit., p. 41.

90
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

devido à volatilidade e rapidez do fluxo de capital financeiro,


facilitando o funcionamento do crime organizado dentro do
país. A dificuldade em controlar os orçamentos, contas públicas
e registros bancários facilitou a prática de crimes econômicos
cada vez mais audaciosos e, mesmo quando controlada a inflação
com a implementação do Plano Real em 1994 e a estabilização
da moeda, os novos arranjos elaborados nos anos anteriores
seguiram operando, facilitando a lavagem de dinheiro através
de sistemas internacionais. Desde então, os crimes financeiros
começaram a despertar a atenção dos atores envolvidos com
o controle do crime e, a partir deste momento, foram presos
alguns envolvidos com os chamados crimes de colarinho branco,
praticados por sujeitos pertencentes às altas camadas sociais.199
Nesse contexto, interessante trazer a análise de Karam sobre
o que denominou de “esquerda punitiva”. Segundo a autora, na
história recente, o primeiro momento de interesse da esquerda
pela repressão à criminalidade é marcado por reivindicações de
extensão da reação punitiva a condutas tradicionalmente imunes
à intervenção do sistema penal, emergindo fundamentalmente
a partir da atuação de movimentos populares, portadores de
aspirações de grupos sociais específicos, como os movimentos
feministas, que, notadamente a partir dos anos 70, incluíram
em suas plataformas de luta a busca de punições exemplares
para autores de atos violentos contra mulheres. Ainda, Karam
aponta que a “febre repressora” foi logo estendendo-se a outros
movimentos, como o ecológico, que também reivindicava a
intervenção do sistema penal no combate aos atentados ao meio
ambiente.200
Percebendo a seletividade das condutas atingidas pelo
sistema penal, setores da esquerda passaram a defender que os
mecanismos repressores também se dirigissem ao enfrentamento
da chamada “criminalidade dourada”, especialmente aos abusos

199. Zaluar, 2007, op. cit., p. 41.


200. Karam, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. Revista Discursos Sediciosos:
Crime, Direito e Sociedade, ano 1, n. 1, p. 79-92, 1.º semestre de 1996.

91
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

do poder político e do poder econômico.201 Entusiasmados com


a perspectiva de ver os “bons magistrados” (aqueles com o perfil
de condenadores implacáveis e severos) impondo rigorosas
penas aos réus enriquecidos, bem como se apropriando de um
generalizado e inconsequente clamor contra a impunidade,
amplos setores da esquerda foram tomados por um “desenfreado
furor persecutório”, centralizando seu discurso na necessidade
de combater-se a corrupção.202 Porém, segundo Karam:
“Não percebem estes setores da esquerda que a posição política,
social e econômica dos autores dos abusos do poder político e econômico
lhes dá imunidade à persecução e à imposição da pena, ou, na melhor
das hipóteses, lhes assegura um tratamento privilegiado por parte
do sistema penal, a retirada da cobertura de invulnerabilidade dos
membros das classes dominantes só se dando em pouquíssimos casos,
em que conflitos entre setores hegemônicos permitem o sacrifício de
um ou outro responsável por fatos desta natureza, que colida com o
poder maior, a que já não sirva. Não percebem que, quando chega
a haver alguma punição relacionada com fatos desta natureza, esta
acaba recaindo sobre personagens subalternos”.203
Ao enfatizarem o combate à corrupção e somarem suas
vozes ao clamor contra a impunidade e ao apelo por uma maior
eficiência da repressão, tais setores de esquerda aderiram à ideia
de que um maior rigor repressivo seria essencial para acabar
com práticas de corrupção e com a impunidade de seus autores,
reforçando a perspectiva de que a punição pode levar ao fim
da criminalidade. Para Karam, a reação punitiva contra um ou
outro autor de condutas socialmente negativas, gera a satisfação
e o alívio com a punição e consequente identificação do inimigo,
desviando as atenções e afastando a busca de soluções mais
eficazes, assim como dispensando a investigação das razões
ensejadoras daquelas situações negativas, ao provocar a sensação
de que, com a punição, o problema já estaria satisfatoriamente

201. Karam, op. cit., p. 79-80.


202. Idem, ibidem.
203. Idem, p. 81.

92
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

resolvido.204 Porém, ainda que tenha aumentado o número de


processos contra criminosos de colarinho branco, a expansão
penal nesse sentido não produziu grandes mudanças no perfil
da população carcerária, composta, majoritariamente, por
indivíduos com baixo grau de instrução e renda.
Ademais, vale ressaltar que existe uma grande parcela de
crimes que não são objeto de inquérito policial, seus autores
não são identificados, assim como outros muitos não contém
provas suficientes para serem julgados. A maior porcentagem
de condenação está entre os acusados por tráfico de drogas,
enquanto os homicídios, crimes que mais assustam a população,
são pouco investigados, o que acaba por explicitar a incapacidade
institucional para apurar grande parte dos eventos criminais.
A cifra negra, referente às infrações penais que não chegam
ao sistema penal, também dificulta o conhecimento real da
questão da criminalidade e, se não levada em consideração
sua existência e abrangência, assim como a incapacidade das
estatísticas em retratar fielmente a realidade criminal, acabam
por servir a políticas criminais equivocadas, que deixam de tratar
de pontos importantes para a construção de práticas e estratégias
governamentais em relação ao controle do crime.205
Segundo Adorno, os principais obstáculos do sistema de
Justiça penal baseiam-se “no conservadorismo que caracteriza
a ação de não poucos agentes judiciários, entre os quais expressivos
segmentos da magistratura, a par da rígida estrutura corporativa
que o sustém bem assim do estilo patrimonial de Administração
Pública”,206 conservadorismo que ainda marca o cotidiano das
agências estatais.207 Ainda, afirma que, apesar das profundas

204. Karam, op. cit., p. 82.


205. Carvalho; Fátima e Silva, op. cit., p. 43-44.
206. Adorno, op. cit., p. 164.
207. Com relação à atuação do Ministério Público como titular da ação penal,
são poucos os estudos. Em pesquisa sobre as concepções de política
criminal dos promotores e procuradores do Estado do Rio Grande do
Sul, coordenado por Azevedo, perguntados sobre com qual corrente

93
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

mudanças no sentido da modernização a que nossa sociedade


vem sendo submetida há mais de cinquenta anos, “existe um
amplo hiato entre o direito e os fatos, entre o enunciado legal e as
situações concretas de discriminação e exclusão ainda se mantém”.208
Segundo o autor, esse hiato “acaba contribuindo para diluir critérios
universais de juízo destinados a solucionar litígios e pendências
nas relações intersubjetivas”.209 Por razões de diversas ordens, o
acesso da população à Justiça é dificultado, e a distribuição da
justiça acaba sendo desigual, alcançando alguns cidadãos em
detrimento de outros.
O’Donnel afirma que na maior parte da América Latina,
o Judiciário é “distante, embaraçoso, caro e lento demais para que os
desprivilegiados tentem até mesmo ter acesso a ele”.210 Além disso,
ao executar procedimentos criminais, os direitos dos acusados
são geralmente desrespeitados, antes, durante e depois do
julgamento. Portanto, as evidências apontam para uma série de
discriminações. A legislação é aplicada de forma “intermitente e
diferenciada”.211
As “falas do crime” sugerem que os condenados são
considerados merecedores do mal imposto por meio da pena
privativa de liberdade, ainda que conhecidas as condições
degradantes e os efeitos nocivos do nosso sistema carcerário
e, inclusive, iriam preferir estar na prisão, caso esta oferecesse
melhores condições, racionalidade de 1834 (Poor Law) que parece

de política criminal tinham mais afinidade, 54% dos respondentes


identificaram-se com a corrente da Tolerância Zero como forma de
combater as altas taxas de criminalidade. A corrente garantista, orientada
pela ideia de que a persecução penal não pode violar as garantias
constitucionais do acusado, teve somente 8% de adeptos. Azevedo,
Rodrigo Ghiringhelli de. Ministério Público Gaúcho: Quem são e o que
pensam os promotores e procuradores de Justiça sobre os desafios da política
criminal. Porto Alegre: Ministério Público do RS, 2005 (Separata).
208. Adorno, op. cit., p. 201.
209. Idem, ibidem, p. 206.
210. O’Donnel, op. cit., p. 45.
211. Idem, ibidem.

94
3 ▪ As particularidades do contexto latino-americano

vigente até os dias atuais. Por certo, tal forma de pensar não foi,
necessariamente, importada do contexto anglo-saxão, mas reflete
o padrão hierárquico e desigual da sociedade brasileira, na qual
as relações sociais não são reguladas pelo princípio da igualdade,
e onde o infrator é sempre visto como um sujeito inferior, não
como um sujeito de direitos.
Ainda, para muitos, os apenados fariam parte de um setor da
sociedade altamente perigoso, aos quais se destinaria a severidade
do sistema de Justiça criminal. Como visto, uma das tendências
da chamada nova penalogia é a de que em lugar de se preocupar
exclusivamente em punir, intimidar ou reabilitar indivíduos,
concentra sua atenção sobre categorias de pessoas e grupos de
risco, os quais deveriam permanecer afastados da sociedade pelo
maior tempo possível, pela segurança dos considerados “cidadãos
de bem”. Os indivíduos deste grupo teriam sua personalidade
voltada para o crime, motivo pelo qual o isolamento de tais
sujeitos seria a única opção para evitar a reincidência.212
Por outro lado, também são identificadas pessoas que
apresentariam baixo risco, as quais poderiam ser apenas vigiadas,
punidas com penas alternativas ou “beneficiadas” com a transação
penal. Assim, o gerencialismo cumpriria sua função de destinar à
prisão apenas aqueles sujeitos considerados perigosos, enquanto
para os outros, os recuperáveis, a prisão não seria uma forma
de punição eficaz.213 Porém, tal dinâmica classificatória não
se dá porque a prisão e a criminalização também são fatores
criminógenos e causam problemas por si mesmos, mas porque
geram demasiados gastos para a Administração Pública,
devendo-se restringir tais estratégias apenas aos “merecedores” de
tal intervenção.214
Como se pode perceber, no pano de fundo do contexto
brasileiro são recorrentes as interconexões entre o poder político,
as ideologias e as instituições públicas. Segundo O’Donnell, os

212. Dieter, op. cit., p. 8.


213. Garland, 2012, op. cit.
214. Fonseca, op. cit.

95
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

problemas mencionados indicam uma grave incompletude do


Estado, especialmente de sua dimensão legal. Assim, importante
ressaltar que “a lei, em seu conteúdo e em sua aplicação, é basicamente
(como é o Estado do qual ela faz parte) uma condensação dinâmica de
relações de poder, não apenas uma técnica racionalizada para ordenar
as relações sociais”.215
Por fim, verifica-se que o contexto brasileiro é marcado
por uma constante tensão entre o âmbito formal e o material. É
dizer, a lei nunca é geral, sempre tem sua vigência e aplicabilidade
particularmente definidas. A legitimidade não representa,
necessariamente, garantia de obediência e cumprimento, da
mesma forma que garantias formais não garantem a efetividade
material. A própria elaboração de leis diferentes para sujeitos
considerados diferentes (recuperáveis e irrecuperáveis) demonstra
a institucionalização da desigualdade. Nesse contexto, o desafio
da sociedade brasileira reside em desconstruir os paradigmas de
ação e racionalidade historicamente dicotômicos, para que seja
possível formar uma nova concepção de cidadão, independente
de sua utilidade social e econômica, cidadãos que sejam vistos
como sujeitos de direitos e merecedores de respeito. Ou seja,
ainda é necessário que se estabeleça uma noção de cidadania e
coletividade.

215. Fonseca, op. cit., p. 54.

96
4
Reflexões acerca do sistema
político brasileiro

Para compreender a influência do Executivo na elaboração das


reformas legais analisadas, verificou-se a necessidade de realizar
um estudo sobre o sistema político brasileiro, especificamente no
que tange ao processo legislativo e às interações entre Legislativo
e Executivo, o que nos leva à necessidade de compreender o
presidencialismo de coalizão, característica que dita o modus
operandi de nosso sistema político. Antes, trazemos ao debate
alguns aspectos da fase pré-legislativa, para buscar compreender
como se dá a ativação do processo legislativo.

4.1 Antecedentes à criação das leis penais: a fase pré-


-legislativa

Antes de abordar os aspectos da interação entre o Poder


Legislativo e o Poder Executivo para a determinação da legislação
nacional, importante observar alguns fatores que influenciam a
tomada de decisão para iniciar a elaboração de uma lei penal.
Nesse sentido, José Luis Díez Ripollés chama atenção para
a escassa atenção em relação a um âmbito da reflexão jurídico-

97
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

-penal de grande desenvolvimento no período codificador do


século XIX, a saber, a teoria e a técnica das legislações penais. O
autor aponta que a preocupação exclusiva com a garantia de uma
aplicação racional das leis vigentes deixou em segundo plano o
processo de criação da lei penal, atividade que é seu pressuposto
e condição prévia. Segundo o autor:
“La ausencia de reflexión en este ámbito ha dado vía libre para
la consolidación de una legislación coyuntural y oportunista, en manos
de intereses políticos a corto plazo, y que, con su irracionalidad, socava
todos los intentos de asegurar una aplicación racional del Derecho
Penal”.216
Conforme Ripollés, no período codificador do século
XIX, havia uma maior preocupação com a elaboração racional
das leis, com o objetivo de assegurar uma interpretação baseada
em categorias conceituais e formas de argumentação definidas.
Após este período, o autor afirma que houve uma mudança de
enfoque, uma crise da lei, acompanhada por uma revalorização da
atividade judicial. Atualmente, percebe-se que esta valorização
da atividade judicial, refletida no “livre convencimento do juiz” e
ante a ausência de critérios claros para a aplicação da lei, acaba
gerando efeitos nefastos no processo penal, afastando-se direitos
constitucionalmente garantidos. O controle decisório fica restrito
ao âmbito da aplicação judicial, abrindo-se amplas margens
ao poder discricionário do julgador, enquanto o processo de
criação fica a margem de qualquer controle material.217 A falta
de atenção ao processo legislativo acaba por gerar brechas na lei,
más redações ou regulamentações sem razão de ser, minando a
segurança jurídica.218
Recentemente, a lei penal acumulou funções sociais
significativamente distintas das que lhe eram peculiares. Segundo
Ripollés, o Código Penal assume o papel de “código moral da

216. Ripollés, José Luis Díez. A racionalidade das leis penais: teoria e prática.
Trad. Luiz Regis Prado São Paulo: Ed. RT, 2005.
217. Idem, ibidem, p. 13.
218. Elbert, op. cit., p. 151.

98
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

sociedade”, e seu protagonismo na progressiva judicialização


de conflitos sociais ou sua utilização com fins meramente
simbólicos são indicadores desta tendência. Assim, o campo da
criação das leis fica em mãos da improvisação e do oportunismo
social e político, impulsionado pela inflamação dos debates sobre
a configuração das leis penais, o que, em grande medida, é a
expressão do aumento da desconfiança da sociedade em relação
ao sistema de Justiça criminal.219
Nesse sentido, na tentativa de recuperar a legitimidade
perdida são criados novos delitos e aparecem novas áreas de
criminalização.220 O fortalecimento das políticas de controle
penal aparece como uma alternativa fácil, uma solução mágica aos
conflitos presentes na sociedade. Apesar da inflação legislativa
não ser um fenômeno próprio do direito penal, encontrou nele
um campo disponível para interferências, principalmente em
situações de alarme social, seja ele real ou exacerbado. Em um
contexto repleto de inseguranças, brotam demandas por mais
repressão, as quais, muitas vezes, são prontamente atendidas
pelos governantes, que tendem seguir este caminho visando os
benefícios midiáticos e eleitoreiros que este tipo de intervenção
pode render.
Na doutrina jurídica, Ferrajoli afirma que pensar numa
legislação totalmente racional é uma utopia.221 Já Ripollés,
defende que deve, ao menos, existir um controle de legitimidade
das decisões legislativas penais, controle que não deveria se
limitar ao cumprimento das formalidades procedimentais
que regem o processo de elaboração legislativa previstas na
Constituição, mas que pudesse atestar o respeito aos parâmetros
de racionalidade exigidos ao longo de todo o processo de

219. Ripollés, op. cit., p. 14.


220. Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de. O controle penal sob a ótica da
teoria sociológica. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias, v. 3,
n. 1, p. 63-85, Pelotas: Educat, jan-/dez. 2004.
221. Ferrajoli, Luigi. Derecho y Razón: teoría del Garantismo Penal. Madrid:
Editorial Trotta, 2000. p. 963.

99
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

elaboração legislativa.222 O modelo sugerido pelo autor é


composto por dois planos sobrepostos. O primeiro, dinâmico ou
operacional, deve ser capaz de descrever e analisar criticamente
o concreto funcionamento do processo legislativo. Após a prévia
identificação das diferentes fases do processo legislativo, aponta
para o dever de verificar os limites do local em que se dá, as
atividades desenvolvidas em cada fase legislativa e os agentes
sociais que as impulsionam, detectando-se, assim, falhas
discursivas ou condicionamentos que dão lugar a distorções
relevantes. O segundo plano, prescritivo, estabelece os conteúdos
de racionalidade ética que deveriam ser necessariamente levados
em consideração em qualquer procedimento legislativo. O
objetivo seria o aprimoramento de vias que permitissem declarar
a invalidade de toda decisão legislativa adotada sem o respeito a
tais requisitos de racionalidade.223
Em sua obra, Ripollés oferece uma visão da dinâmica
legislativa espanhola – mas que em muito nos ajuda a pensar o
caso brasileiro –, estruturando-a em três fases:224 pré-legislativa,
legislativa e pós-legislativa. A fase pré-legislativa inicia-se
quando problematizada socialmente a insuficiência da resposta
jurídica aos conflitos presentes na sociedade, findando com a
apresentação de um projeto de lei no Congresso Nacional. A
fase legislativa começa com a recepção pelas casas legislativas da

222. Com base nos critérios elaborados por Manuel Atienza. Para maiores
informações, ver: Atienza, Manuel. Contribución a una Teoría de la
Legislación. Madrid: Civitas, 1997; e Figueirido, José Luis Dominguez.
Sociología jurídico-penal y actividad legislativa. In: Bergalli (org.).
Sistema Penal y Problemas Sociales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003. p.
243-286.
223. Ripollés, op. cit., p. 15.
224. De acordo com o autor, as três fases encontram-se em um contexto
de retroalimentação que supera amplamente aquele derivado de sua
circularidade. Assim, a fase pré-legislativa não apenas condicionará de
modo geral o desenvolvimento da fase legislativa, como também pré-
determinará os aspectos que devem ser mais enfatizados durante a fase
pós-legislativa. Ripollés, op. cit., p. 16.

100
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

proposta legal, e finaliza-se com a aprovação e publicação da lei.


Por último, a fase pós-legislativa inicia-se com a publicação da
norma e termina com o questionamento pela sociedade em geral,
ou por grupos que se interessem e relacionem-se com a matéria
discutida, sobre a adequação da lei em relação à realidade social
e econômica que pretende regular.225
O processo de elaboração de uma lei penal é desencadeado a
partir do êxito de um agente social226 em tornar crível a existência
de uma disfunção social227 que, a seu ver, necessita de algum
tipo de intervenção penal. Para alcançar esse objetivo, o agente
social deverá fornecer dados, reais ou fictícios, que possibilitem
uma discussão a respeito e, além disso, estar em condições de
suscitar o debate em âmbitos comunicativos relevantes na
sociedade. Em seus pressupostos fáticos, a disfunção social pode
ser real ou aparente, fator do qual os agentes sociais que ativam
o processo legislativo podem ser conscientes ou não, fazendo,
assim, passar por real uma disfunção aparente. A frequência com
que no âmbito político-criminal trabalha-se com disfunções
sociais aparentes, isto é, com representações da realidade social
que não correspondem aos dados empíricos-sociais, não pode
ser ignorada.

225. Ripollés, op. cit., p. 15-16.


226. Os agentes sociais que podem por em marcha o processo são vários: forças
políticas, sociais ou econômicas institucionalizadas, como o governo,
partidos políticos, sindicatos, associações corporativas ou profissionais
etc. Ainda, grupos sociais organizados não institucionalizados, como
associações de proteção ao meio ambiente, feministas, pacifistas,
religiosas, culturais, científicas, de vítimas, ou de promoção de qualquer
interesse. Ou, ademais, por pessoas isoladas, como ensaístas, cientistas,
vítimas proeminentes etc., além dos meios de comunicação. O único
requisito exigido é que sejam capazes de conferir credibilidade a suas
apreciações. Ripollés, op. cit., p. 21-22.
227. Por disfunção social entende-se, em linhas gerais, a falta de relação entre
uma determinada situação social ou econômica e a resposta ou falta
de resposta dada a ela pelo sistema jurídico, nesse caso o direito penal.
Ripollés, op. cit., p. 20.

101
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Ripollés aponta que a obtenção de credibilidade é


imprescindível para fazer ecoar, no debate coletivo, uma
disfunção social, a qual deve ter características suscetíveis de
despertar a atenção da sociedade em geral. Por certo, tal qualidade
não depende exclusivamente das habilidades do agente social
impulsionador, mas de certas características inerentes a essa
disfunção, das quais determinado agente pode tirar proveito.
Com efeito, assuntos sociais que apresentam componentes de
dramaticidade despertam e mantêm facilmente a atenção.
Ainda, outro fator para que a disfunção social seja capaz
de impulsionar um processo legislativo, é a consideração da
utilidade de sua discussão, principalmente por setores sociais
amplos e relevantes. Geralmente, a utilidade da discussão está
ligada à resolução dos efeitos negativos atribuídos à disfunção
social, sendo essa utilidade imprescindível para a obtenção da
credibilidade social. Contudo, vale ressaltar que essa utilidade
atribuída pelos setores sociais pode diferir consideravelmente
dos interesses perseguidos pelos agentes sociais impulsionadores
do processo legislativo.228
A fase em que o interesse social é ativado finaliza-se com
a inclusão da disfunção na agenda temática social, abrindo-se
a possibilidade de que o sistema jurídico-penal tenha que se
adaptar, modificando-se para enfrentar esta realidade. Após
ser incluída na agenda temática social, a disfunção deve ser
reconhecida por uma parcela significativa da sociedade, o que, de
acordo com Ripollés, vem acompanhado de duas características.
A primeira diz respeito a sua estabilização cognitiva, ou seja,
certa resistência em desaparecer da agenda social. Enquanto a
segunda traduz-se pela capacidade de o desajuste social provocar
o envolvimento emocional da população.229
O mal estar provocado pela identificação de um
desajuste social precisa concretizar-se através de um processo

228. Ripollés, op. cit., p. 20.


229. Idem, ibidem, p. 23-24.

102
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

comunicativo de intercâmbio de opiniões, processo que reforça


a visibilidade social do desajuste social e do mal estar criado
por ele. Os meios de comunicação acabam por admitir e
demarcar alguns problemas sociais em detrimento de outros e
fazem isso dando maior relevância a alguns eventos, mostrando
repetidamente ou acompanhando algum caso específico, unindo
fatos até então desconectados, transformando acontecimentos
isolados em assuntos persistentes e destacando os efeitos
prejudiciais da disfunção social existente, o que, no caso penal,
reforça a preocupação com os níveis de delinquência e o medo
ao delito. Por sua vez, tal atitude pode originar, incidental ou
intencionalmente, a percepção do aumento da criminalidade,
reforçando a relevância do problema e trazendo consigo
questionamentos genéricos sobre a necessidade de certas
alterações legislativas no âmbito penal, já demonstrando indícios
do que pode ser esperado das ações legislativas para enfrentar
o problema.230 Nesse sentido, Elbert afirma que “grande parte
do arsenal político-criminal que controla nossos governos tendem a
acalmar as expectativas geradas pela mídia”.231
Dessa maneira, a etapa pré-legislativa é concluída quando
uma insatisfação social em relação à ausência, presença ou modo
de intervenção penal estabiliza-se e é conhecida pela sociedade de
maneira geral. Ainda, tem-se que a insatisfação é potencializada
quando carregada emocionalmente, em especial quando tal
emoção assume a forma de medo em relação ao delito.
Importante ressaltar que a criação de normas penais
impulsionadas por inseguranças e experiências da população é
algo legítimo e, em certa medida, compreensível. Entretanto,
o problema se dá quando medidas de intervenção penal são
adotadas sem uma análise aprofundada dos problemas que
objetivam enfrentar, bem como sem qualquer análise sobre os
efeitos da intervenção legislativa sobre a realidade social e sobre

230. Ripollés, op. cit., p. 28-30.


231. Elbert, op. cit., p. 153.

103
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

o sistema de Justiça criminal.232 Nesse sentido, referindo-se à


política criminal latino-americana, Elbert aponta que:
“Nossa política criminal não segue programas baseados em
ideias claras e precisas, com médio sustento científico, qualitativo e
quantitativo. A legislação de fundo e forma é errática, porque sofre
intromissões e retoques de todo tipo na redação de textos que perdem
coerência e sistemática”.233
Ademais, de acordo com o autor, “estamos diante de um quadro
de evidente piora da realidade político-criminal desconhecido há
algumas décadas, pelo menos com essas características e magnitude”.234
Por isso, assim como Ripollés, afirma a necessidade de uma
base de racionalidade que permita a valorização do corpo
legislativo não apenas a partir da noção de sua utilidade, mas
também como legítimo e progressista, em conformidade com
os recursos teóricos disponíveis ao momento de sua elaboração.
Para Elbert, não basta apenas avaliar se uma lei é boa ou má,
se é necessária e útil para a sociedade, é preciso determinar que
filosofia orienta o impulso de aplicar sanções, ou procedimentos,
qual o tipo e o alcance de tais instrumentos de controle e que
consequências podem trazer à coerência do sistema com a sua
introdução.235
Conforme ensina Ripollés, após o diagnóstico e a difusão
de um desajuste social relevante, começa a ser desenvolvido um
programa de ação, uma estratégia elaborada com a finalidade de
oferecer propostas de resolução ao desajuste social identificado,
superando a generalidade do momento antecessor. Este
momento implicará no conhecimento aprofundado do problema,
na identificação do objetivo ou objetivos que, espera-se, levarão
a sua resolução, assim como os meios para alcançá-los, o que, por
sua vez, leva à adoção ou à vedação de certas decisões legislativas,

232. Ripollés, op. cit., p. 28.


233. Elbert, op. cit., p. 151.
234. Idem, ibidem, p. 153.
235. Idem, p. 152.

104
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

além de outras decisões sociais ou institucionais complementares


ou alternativas.236
Para que um programa social saia da fase pré-legislativa e
seja institucionalizado, adentrando as burocracias estatais, deve
adquirir respeitabilidade social. Tal qualidade é garantida pelo fato
de que os programas de ação são habitualmente formulados por
grupos de pressão especializados237 que se apropriam do problema.
Assim, grupos reconhecidos como tendo um conhecimento
especializado e que dispõem de meios materiais e humanos para
aprofundar a análise e buscar maneiras para enfrentar o problema,
começam a desenvolver programas de ação.238
Neste momento, importante destacar que a doutrina sobre
o tema não é pacífica sobre o conceito de grupos de pressão e
grupos de interesse. Muitas vezes, os termos são utilizados como
sinônimos. Porém, de acordo com a pesquisa sobre a atividade
do lobby no Brasil, coordenada por Samantha Ribeiro Meyer-
Pflug, formam um grupo de interesse pessoas que compartilham
das mesmas ideias e que buscam alcançar um objetivo comum.
Porém, não irão adotar, necessariamente, uma ação estratégica
e planejada para influenciar diretamente o Poder Público.
Os grupos de interesse podem permanecer em um estado de
inércia, sem nunca adotar uma postura de pressão política. Tal

236. Ripollés, op. cit., p. 32.


237. Trata-se de grupos que defendem interesses diversos, interesses
ideológicos, como grupos de pressão feministas, ambientalistas,
de consumidores, pacifistas etc., “ou os que defendem interesses
puramente científicos, reconduzíveis ao surgimento de um determinado
paradigma científico-social, como certas correntes da doutrina jurídica
e criminológica, ou inclusive científico-natural. Podem ser também
interesses socioeconômicos, seja em razão do papel que desempenham
tais grupos no processo de produção, como sindicatos e associações
empresariais, seja devido à salvaguarda ou ampliação de competências
profissionais, que é tarefa inerente a certos grupos corporativos, como
em nosso âmbito as associações judiciais, de funcionários penitenciários,
de médicos forenses etc.” (Ripollés, op. cit., p 32-33).
238. Idem, ibidem, p. 32.

105
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

atitude seria característica dos grupos de pressão, que adotam


uma postura direta de influência e pressão sobre as autoridades
públicas. Em virtude disso, considera-se os grupos de interesse
potenciais grupos de pressão, à medida que podem modificar
seu comportamento e passar a atuar ativamente em defesa de
seus objetivos e interesses. Da mesma forma, considera-se que
os grupos de pressão são grupos de interesse que, na busca por
seus objetivos, exercem pressão. Ou seja, ambos são grupos
organizados em torno de ideias e interesses em comum, diferindo
apenas na forma de atuação.239
Os grupos de pressão contam com diversas formas de
atuação, porém, basicamente, sua atividade é guiada pela
expectativa de enfrentar determinado problema social de acordo
com sua percepção e seus interesses. Para isso, desenvolvem
atividades de coleta de informações sobre aspectos concretos
do problema, estudos e análises sobre alternativas ao problema
e, ainda, organizam os resultados obtidos, muitas vezes com
o auxílio de especialistas. Por fim, desenvolvem propostas de
intervenção ou abstenção legislativa, seguidas ou não de medidas
de outra natureza e, no melhor dos casos, elaboram análises
sobre as consequências derivadas das propostas desenvolvidas.240
Neste contexto, dois fatores interessam-nos especialmente.
Primeiramente, destaca-se a dotação de legitimação científico-
-social de tais grupos e dos resultados por eles obtidos, o que
lhes confere um status substancialmente diferente daquele da
opinião publica.241 E, em segundo lugar, a capacidade dos grupos

239. Meyer-Pflug, Samantha Ribeiro (coord.). Grupos de interesse (lobby).


Brasília: Centro Universitário de Brasília (Uniceub), Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS, Programa de Mestrado em Direito,
Série pensando o direito, Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos
Legislativos, n. 8, 2009. Disponível em: <http://participacao.mj.gov.br/
pensandoodireito/wp-content/uploads/2012/11/08Pensando_Direito.
pdf>. Acesso em: 20 nov. 2014.
240. Ripollés, op. cit., p. 33.
241. Ripollés utiliza o termo opinião pública como a opinião de um coletivo
qualificado de pessoas, mais concretamente, daquelas que determinam os

106
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

de pressão para influenciar a ativação do Poder Legislativo.


Certamente, esta última capacidade pode graduar-se devido a
vários fatores, entre os quais a capacidade organizativa do grupo
e a maior ou menor proximidade social, profissional e até mesmo
pessoal do grupo de pressão (e seus integrantes) com os agentes
ativos do processo legislativo.242
Além de existirem grupos de pressão especializados para
atuar na busca de interesses privados, também existem os grupos
organizados pela sociedade civil, os quais desempenham um
papel crucial na preservação da forma democrática de governo,
monitorando possíveis ilegalidades nas propostas de alteração
legislativa e buscando participar na formulação tanto de políticas
públicas sociais como da política criminal, sobretudo através de
grupos de interesse e de pressão.
Basicamente, os grupos de pressão atuam através do lobby.
Contudo, não se trata daquele lobby que, pejorativamente, no Brasil,
é imediatamente associado ao tráfico de influência, à corrupção,
ao uso de propina e ao abuso do poder econômico – por certo,
não negamos a existência de grupos que atuem desvirtuando a
atividade, mas, ao momento, não é este tipo de atuação que se
busca descrever e, além disso, vale ressaltar a existência de normas
penais tipificando tais condutas ilícitas. Os grupos de pressão
que pretendemos trazer ao debate atuam de maneira legítima,
realizando uma pressão de baixo para cima, do cidadão para o
governante, em prol da causa que defendem. Devido ao peso
negativo que a palavra lobby carrega, a atividade também passou a
ser chamada de advocacy, tendo em vista que tal termo “engloba as
atividades de identificar, defender e promover a causa em questão”.243

conteúdos dos meios formadores de opinião. Não é, portanto, a opinião


majoritária da sociedade. Desta forma, a opinião pública é entendida
como a opinião daqueles que podem propagar sua opinião sobre a
sociedade, dada sua capacidade de conseguir que uma ampla maioria da
mesma compartilhe, ainda que superficialmente, de seus pontos de vista.
Ripollés, op. cit., p. 30-32.
242. Idem, ibidem.
243. Meyer-Pflug, op. cit., p. 15.

107
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Buscando persuadir os legisladores e autoridades públicas,


o lobby pode ser exercido através de uma variedade de atividades
e estratégias, o que torna mais difícil um consenso doutrinário
sobre sua definição. Atualmente, o lobby envolve, inclusive,
campanhas de relações públicas e publicidade, veiculadas nos
meios de comunicação e em redes sociais, buscando a mobilização
da sociedade em geral e das bases eleitorais para persuadir
legisladores em razão do custo-benefício político de suas
decisões. Envolve, ainda, a realização de pesquisas de opinião e
depoimentos em audiências públicas parlamentares. No âmbito
do legislativo, as estratégias podem ser dirigidas a influenciar
parlamentares individualmente, bancadas especializadas ou
partidos políticos. Dada a capacidade do Executivo de legislar,
os grupos também dirigem sua atenção para profissionais lotados
na Administração Pública. A pesquisa elaborada para Série
Pensando o Direito,244 busca fornecer subsídios para uma definição
de lobby que possa servir de parâmetro para a regulamentação da
atividade no Brasil. Nesse sentido, adotando o termo “grupos de
interesse” devido a sua abrangência, os autores entendem que o
lobby pode ser entendido como:
“O processo utilizado pelos grupos de interesse para alçarem seus
objetivos finais, ou ainda, como o conjunto de táticas utilizadas para
que as decisões provindas do poder estatal venham a beneficiá-los. O
lobby é, então, o meio de comunicação entre os grupos de interesse e o
poder estatal. Considerando a impossibilidade dos Poderes (Executivo,

244. O “Projeto Pensando o Direito” é uma iniciativa da Secretaria de


Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, criada em 2007 com
o objetivo de promover a democratização do processo de elaboração
legislativa no Brasil. A partir do lançamento de editais para a contratação
de equipes de pesquisa, o Projeto mobiliza setores importantes da
sociedade – academia, instituições de pesquisa, ONG’s, entre outros –
para a realização de estudos sobre temas de interesse da Secretaria. Na
“Série Pensando o Direito”, são publicados os resultados das pesquisas
desenvolvidas pelas equipes contratadas. Ao final da maioria das
pesquisas, é apresentada uma proposta legislativa sobre o tema tratado.
As publicações do projeto podem ser encontradas no endereço eletrônico:
<http://participacao.mj.gov.br/pensandoodireito/publicacoes/>.

108
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

Legislativo e Judiciário) de acompanhar todos os eventos, o fato de


existirem grupos que possam transmitir a esses tomadores de decisão
informações concernentes às necessidades populares, não deixa de ser
um mecanismo de exercício da democracia. A ideia inicial é que, por
lobby, se entendam os mecanismos utilizados pelos grupos de interesse
para influenciar as decisões governamentais. (...) É objetivo do lobby,
dentro do poder estatal, exercer influência e defender os anseios de um
grupo por ele representado perante lideres políticos”.245
Assim, a “formação de grupos de pressão nada mais seria senão
uma forma de a sociedade civil responder aos desafios impostos pela
complexidade das relações Estado-sociedade”.246 Cabe lembrar,
entretanto, que, a despeito das “causas nobres” que possam
defender, todo e qualquer grupo, mesmo os provenientes da
sociedade civil, promove o seu conceito particular de “bem
público”. Isso por que, o “bem público” não é um termo concreto,
mas sim um conceito abstrato cujo teor pode variar de indivíduo
para indivíduo, bem como de grupo para grupo. Dessa maneira,
cada grupo promove a sua visão particular sobre o que considera
ser o bem comum, e essa visão guiará sua atuação na prática
do lobby.247 De qualquer maneira, diversos grupos atuam no
Congresso Nacional para que suas pautas sejam levadas em

245. Meyer-Pflug, op. cit., p. 22.


246. Rodrigues, Ricardo José Pereira. Desenvolvimento nas ações políticas
da sociedade civil dentro e fora do Congresso Nacional. Brasília:
Consultoria Legislativa, Câmara dos Deputados, ago. 2000. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/
estnottec/tema3/pdf/006223.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2014.
247. Veja-se, por exemplo, o caso dos grupos de vítimas que defendem a
redução da maioridade penal e os grupos que trabalham para que tais
propostas não sigam adiante no Congresso Nacional. Enquanto os
primeiros defendem a pauta da redução em nome da segurança pública,
os segundos defendem as garantias consagradas na legislação atinente
aos direitos das crianças e dos adolescentes. O mesmo ocorre com os
grupos pró e contra o aborto. Ambos defendem o bem comum, mas para
o primeiro grupo, deve-se defender a vida do nascituro, já para o segundo,
deve-se defender o direito de escolha da mulher e buscar a preservação
de sua vida, já que, ainda que ilegal, muitas mulheres continua praticando

109
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

consideração, participando dos debates nas comissões especiais e


produzindo documentos técnicos para informar os membros do
Legislativo sobre suas posições.
No caso brasileiro, especialmente ao final da década de 70,
ampliou-se248 o espaço para a participação da sociedade civil nas
dinâmicas institucionais. Em tal período, começaram a aparecer
grupos de pressão da sociedade civil dispostos a combater de
forma não violenta as violações de direitos humanos ocorridas
no regime militar. Nos anos 80, com a abertura democrática
já anunciada, os grupos de pressão voltaram a realizar lobby no
Congresso Nacional. Atualmente, a sociedade civil brasileira
conta com organizações não governamentais (ONGs) influentes
em várias áreas de atividade e com grupos de pressão altamente
organizados e que contam com o respeito das instituições
públicas, os quais atuam dentro e fora do Congresso Nacional,
participando ativamente das decisões públicas.249
No Congresso Nacional, muitos são os grupos que
participam regularmente do processo legislativo. Diversas
instituições participam das reuniões das comissões especializadas
de forma regular, com a finalidade de acompanhar o trabalho
do legislativo e apresentar sugestões para a ação governamental.
Nesta atuação, os representantes das ONGs apresentam
proposições, identificam problemas não abordados pela imprensa

o aborto e falecendo em decorrência de procedimentos realizados em


clínicas clandestinas.
248. “No início do período autoritário, por volta de 1964, houve uma quase
total retração dos grupos sindicais devido às várias intervenções que
praticamente paralisaram ou ‘domesticaram’ tais organizações. Na área
empresarial, a coincidência de propósitos do regime militar com o
meio praticamente afastava a ocorrência de sérios conflitos. (...) Nota-
se, portanto, que a formação e a manutenção de grupos de pressão no
Brasil refletem os ventos políticos. Em períodos autoritários, crescem
as fileiras de grupos empresariais e corporativistas, em períodos de
liberdade política, crescem e/ou renascem os grupos da sociedade civil.”
(Rodrigues, op. cit., p. 7).
249. Idem, ibidem.

110
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

e pelos parlamentares, bem como mantém contato permanente


com uma rede de atores políticos, identificados com a causa que
defendem.250
Sobre o tema, em sua pesquisa, Rodrigues busca traçar
um perfil do papel dos grupos organizados da sociedade civil
brasileira no processo de formulação e implementação de
políticas de governo. Para isso, delimita duas áreas de análise:
política agrária e do meio ambiente. É possível perceber, por
exemplo, a influência dos grupos ruralistas no Congresso
Nacional, sobretudo quando se votam matérias de cunho
agrário. Já no que diz respeito aos grupos ambientalistas, vários
participam ativamente do processo legislativo, com indicações
e sugestões de proposições apresentadas durante reuniões da
Comissão do Meio Ambiente, da Câmara dos Deputados. No
processo legislativo, contam com o apoio das chamadas bancadas
especializadas, compostas por parlamentares que se interessam
pelos temas defendidos.251
Em geral, considera-se que a prática do lobby tem como
alvo os legisladores, mas também pode ocorrer nas dependências
do Poder Executivo e no Judiciário. Ainda, além de buscar
atingir figuras do primeiro escalão de governo, a prática incide
também sobre o segundo escalão, buscando o apoio de assessores
e técnicos que fornecem informação e subsídios aos tomadores
de decisão. Muitas vezes, mais importante do que convencer
o legislador, é atuar para obter o apoio de seu assessor, que é
quem vai passar as informações pertinentes ao parlamentar. Há
uma espécie de compromisso tácito entre alguns assessores e
representantes de grupos de pressão no sentido de um trabalho
conjunto, criando-se, assim, figuras mediadoras entre tais grupos
e o processo legislativo. Existe um amplo e constante intercâmbio
de informações entre funcionários do assessoramento legislativo
e representantes de grupos da sociedade civil, informações que
incluem a previsão do quórum para a ocorrência ou não de votações

250. Rodrigues, op. cit., p. 7.


251. Idem, ibidem, p. 4.

111
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

de temas pertinentes aos grupos, a indicação de parlamentares


que também estariam dispostos a apoiar os interesses dos grupos,
assim como informações sobre a melhor maneira de apresentar o
material de pesquisa aos parlamentares.252
No âmbito do Poder Legislativo, os lobistas atuam durante
todo o processo de produção normativa, desde as proposições
parlamentares, passando pela negociação e até a aprovação dos
projetos de lei. Vale ressaltar que, no legislativo, “todos têm direito
de fazer lobby: falar e convencer. O convencimento faz parte do
processo. O Congresso trabalha com verdades relativas e não absolutas,
assim cabe o convencimento”.253
Entretanto, como já referido, nas últimas décadas houve
um afastamento dos especialistas em matéria penal do processo
de elaboração legislativa. Assim como Garland, Ripollés afirma
que uma marca da política legislativa penal dos dias de hoje
é a “crescente perda de importância da respeitabilidade social do
programa de ação”, seja porque tal qualidade não está mais ligada
somente à intervenção de grupos especializados, seja porque há
uma renuncia à sua aquisição.254
De acordo com Ripollés, por muito tempo o nível de
análise elaborado pelos grupos de pressão midiáticos era
considerado insuficiente para atingir a complexidade necessária
para satisfazer as condições de respeitabilidade social inerentes
a todo programa de ação. Ocorre que cada vez mais é possível
perceber que a opinião pública tornou-se capaz de desencadear,
por si só, iniciativas legislativas penais. Segundo o autor, a
transformação dessa percepção demonstra “um dos maiores êxitos
no progressivo incremento da função social dos meios de comunicação,
que passam a ser considerados especializados para todos os efeitos e com
uma polivalência desconhecida nos grupos de pressão especializados
propriamente ditos”.255

252. Rodrigues, op. cit., p. 5.


253. Meyer-Pflug, op. cit., p. 23.
254. Ripollés, op. cit., p. 36.
255. Idem, ibidem, p. 36.

112
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

Tal mudança traz consigo uma série de resultados, como, por


exemplo, o fato de que a ação legislativa passa a considerar válida
uma visão simplificada e superficial da realidade social, assim
como desconsidera as consequências de uma intervenção penal
no sistema de Justiça criminal. Com isso, ocorrem intervenções
legislativas penais sem a necessária análise e reflexão profunda
acerca dos problemas sociais e do modo como enfrentá-los, em
visível contradição com a crescente complexidade de nossas
sociedades. Ao que parece, com o apoio da mídia, os legisladores
esquivam-se da tarefa de realizar uma fundamentação técnica
e racional das intervenções legislativas, bem como se isentam
de analisar empiricamente seus possíveis impactos na realidade
social. A mídia parece, então, uma instituição capaz de garantir
legitimidade às intervenções na esfera penal, dada sua capacidade
de impulsionar a divulgação do desajuste social, a propagação de
um mal estar social e, diante da respeitabilidade social com a
qual conta, adquire condições para sugerir programas de ação.256
Em inúmeros projetos de lei, é possível analisar a menção ao
termo “resposta à sociedade” como causa justificadora da proposta
legislativa. Para os legisladores, a sociedade encontra-se com
medo, motivo pelo qual devem interceder através da legislação
penal. Assim, a intervenção legislativa penal é orquestrada com
o objetivo de apaziguar os ânimos da sociedade, inflamados,
em grande medida, pela divulgação diuturna de fatos criminais.
Percebe-se, também, que qualquer opinião que seja contrária às
alterações legislativas é prontamente rebatida com base em tais
argumentos.
Dessa maneira, ainda que alterados pelos grupos de pressão
especializados de que alterações legislativas no âmbito penal
podem não surtir qualquer efeito positivo sobre o desajuste
social em questão, podendo, inclusive, gerar os efeitos contrários
aos esperados, os legisladores afirmam que existe a necessidade
de intervenção penal, pois a sociedade espera que isso seja feito.
Assim, muitas vezes, a opinião de especialistas, pessoas que lidam

256. Ripollés, op. cit., p. 36-38.

113
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

e trabalham com determinado tema, são desconsideradas em prol


da “resposta à sociedade”, que parece ter um peso muito maior
do que as consequências que alterações legislativas temerárias
podem ter sobre as garantias fundamentais e sobre a parcela da
população que será diretamente atingida por tais alterações, os
réus e apenados do sistema de Justiça criminal.
Além disso, como aponta Ripollés, também surgem
grupos de pressão conformados por vítimas ou afetados pela
criminalidade, que alcançam respeitabilidade e incrementam
suas possibilidades de êxito em razão da solidariedade que geram
nos círculos sociais.257 Como consequências deste protagonismo,
Ripollés destaca que se acentuam alguns inconvenientes que
a opinião publica já apresentava como agente promotor de
respostas legislativas, especialmente sua aproximação simplista
da realidade e marcada pelo tom emocional.
A progressiva perda da influência que exerciam os
especialistas na fase pré-legislativa constitui sério retrocesso em
relação às propostas destinadas a incrementar a racionalidade
dos processos de decisão legislativa, o que permitiu a captação
destes espaços de influência por segmentos que antes não
contavam com tanta credibilidade social ao ponto de elaborar
programas de ação. Além disso, como bem aponta Ripollés,
“estaríamos sem dúvida pecando por ingenuidade se ignorássemos
a parcialidade de que costumam padecer as análises dos grupos de
pressão especializados”.258
O encobrimento de outras preocupações sociais também
acaba por atrair a atenção social para a criminalidade. É dizer,
quanto menos temas sociais polêmicos sejam discutidos, maior
prioridade terá a criminalidade e a necessidade de reagir ao
problema. Assim, o mascaramento ou a falta de relevância dada

257. Como exemplos, pode-se citar a Associação Brasil sem Grades e a Vida
Urgente (Fundação Thiago de Moraes Gonzaga), que participam de
debates sobre segurança pública, são convocadas para audiências públicas
e desenvolvem campanhas publicitárias sobre temas de seu interesse.
258. Ripollés, op. cit., p. 42.

114
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

a outros problemas sociais igualmente ou mais importantes que


a segurança pública, também consiste em um fator que pode
levar à exacerbação da questão criminal.259
Por outro lado, em alguns casos, toda a fase pré-legislativa
move-se em um âmbito especializado, sem a atenção da mídia
ou a criação de um mal estar social generalizado. Isso ocorre
quando o desajuste social apresenta características especialmente
técnicas que não são facilmente perceptíveis pela maioria da
população ou, ainda que sejam, não alcançam o grau de relevância
necessário para que sejam demandadas respostas legislativas.
No caso do direito penal, a configuração dos delitos, dos tipos
penais, ainda mais os violentos, despertam intensa atenção
pública, por serem condutas que causam preocupação social. Ao
contrário, quando se trata de delimitar conceitos dogmáticos e
garantias processuais a atenção é muito menor. Nesse caso, é
uma inquietude dos operadores do sistema de Justiça criminal o
impulso para o desenvolvimento de pesquisas e reflexões sobre
os problemas que enfrentam em sua prática cotidiana que pode
levar a alterações legislativas buscando o enfrentamento dos
problemas por eles identificados.260
Depois de elaborados pelos grupos especializados,
os programas de ação serão reestruturados de acordo com
determinados formatos institucionais, bem como captados
por novos agentes sociais, aos quais Ripollés denomina de
“burocracias governamentais ou partidárias”. O autor cita algumas
características desses novos agentes:
“(...) seu protagonismo nessa etapa é claramente maior do que o
de qualquer outro agente social das etapas anteriores, na medida em
que sua intervenção na prática resulta imprescindível para aceder à
fase legislativa subsequente; isso lhes dá uma grande liberdade de ação
na reconfiguração do programa de ação, ainda que não possam perder
a conexão com as etapas anteriores”.261

259. Ripollés, op. cit., p. 43.


260. Idem, ibidem, p. 44-45.
261. Idem, p. 46.

115
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

As burocracias estão diretamente submetidas a interesses


políticos, aos do Executivo e de seus diferentes órgãos, ou dos
partidos políticos. Por isso, este é um momento determinante
das decisões legislativas, já que os parlamentares tendem a
atuar de acordo com os imperativos dos partidos políticos que
representam. Para o autor, “as burocracias são precisamente o braço
executor das decisões políticas tomadas pelos partidos”.262 Como
veremos adiante, o programa de ação assumido pelo governo e
pelos partidos da coalizão, tem muitas chances de êxito na fase
legislativa, ainda que possa sofrer modificações de maior ou
menor relevância durante o processo legislativo.263

4.2 Processo de elaboração legislativa no Brasil:


interações entre Executivo e Legislativo
Analisar os movimentos de política criminal e seus
impactos sobre as taxas de encarceramento no Brasil implica
em dar conta da grande complexidade do campo do controle
do crime, no qual atuam órgãos vinculados ao Poder Executivo
Federal (Ministério da Justiça, Polícia Federal), aos governos
estaduais (Polícias Civil e Militar, administração carcerária), ao
Poder Judiciário (STF, STJ, Justiça federal e Justiça dos estados)
e ao Poder Legislativo (Congresso Nacional – Câmara dos
Deputados e Senado Federal). A competência exclusiva para
legislar em matéria penal no Brasil é do Congresso Nacional,
não tendo os Estados autonomia para criminalizar condutas para
além daquelas estabelecidas em lei federal, nem para a criação de
normas processuais.264

262. Ripollés, op. cit., p. 47.


263. Idem, ibidem, p. 47.
264. Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de; Cifali, Ana Claudia. Giro à
esquerda e Política Criminal no Brasil e na América Latina. Anais
do 37.º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambú, Minas Gerais,
out. 2014. Disponível em: <http://portal.anpocs.org/portal/index.
php?option=com_docman&task=doc_view&gid=8819&Itemid=456>.
Acesso em: 25 out. 2014.

116
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

No presente apartado, pretende-se desenvolver uma análise


do processo de elaboração legislativa no âmbito do Poder
Legislativo, principalmente em sua interação com o Executivo.
Contudo, importante ressaltar que não se trata de analisar as
regras constitucionais e demais disposições normativas que
regulamentam os procedimentos do processo legislativo, ou seja,
não se busca analisar as regras formais de tramitação e aprovação
da legislação, ainda que algumas regras sejam mencionadas
ao longo do capítulo. Ao colacionar apenas as regras formais,
estar-se-ia pressupondo a linearidade do processo legislativo e
ignorando a complexidade dos atos que envolvem tal processo,
influenciado por conjunturas políticas, econômicas e sociais,
pelos atores que participam do processo e pelos interesses em
jogo, “sendo esta realidade revelada à margem das regras aplicadas
ao processo legislativo”.265 Assim, interessa-nos realizar uma
análise dinâmica de tal processo, com o objetivo de identificar os
momentos decisórios-chave e seus atores.
No que se refere à produção legislativa, cumpre mencionar
que as iniciativas do Executivo e dos parlamentares para
apresentar e induzir propostas de alteração da legislação vigente
são determinadas por uma série de dispositivos institucionais
que demarcam o espaço de interação entre o presidente e os
parlamentares. Tanto na Constituição Federal de 1988 como
nos regimentos internos do Senado e da Câmara dos Deputados
são definidas normas legais que organizam o processo legislativo.
Entre o conjunto de atos que estruturam o procedimento
de produção legislativa estão: (a) iniciativa legislativa;266 (b)

265. Haber, Carolina Dzimidas. A relação entre o direito e a política no processo


legislativo penal. Tese (Doutorado em Direito) – São Paulo: Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, 2011. Disponível em: <http://
www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-24042012-114628/pt-
br.php>. Acesso em: 20 out. 2014.
266. Iniciativa é o poder de deflagrar o processo legislativo. “De acordo
com o art. 61 da CF, um projeto de lei pode ser proposto por qualquer
parlamentar (deputado ou senador), de forma individual ou coletiva,
por qualquer comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal

117
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

emendas;267 (c) votação; (d) sanção e veto;268 (e) promulgação


e publicação.269 Ainda, entre os agentes do processo legislativo
estão não apenas os parlamentares, como também o presidente,
os servidores administrativos do próprio órgão legislativo ou de
outros poderes, os cidadãos, os lobistas e as entidades públicas ou
privadas, cada qual interferindo na medida de sua capacidade de
influência na tramitação e no resultado do processo legislativo.270
No campo do procedimento legislativo, o Executivo possui
alguns instrumentos para exercer pressão e, assim, interferir e

ou do Congresso Nacional, pelo Presidente da República, pelo STF,


pelos Tribunais Superiores e pelo Procurador-Geral da República. A
Constituição ainda prevê a iniciativa popular de leis, permitindo aos
cidadãos apresentar à Câmara dos Deputados projeto de lei, desde que
cumpram as exigências estabelecidas no § 2.º do art. 61. Outra forma
de participação popular que a sociedade dispõe para propor projetos
de lei é a apresentação de sugestões legislativas (SUG’s) à Comissão
de Legislação Participativa (CLP)” (Brasil. Câmara dos Deputados.
Processo Legislativo. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/
participe/fale-conosco/perguntas-frequentes/processo-legislativo>.
Acesso em: 22 out. 2014).
267. As emendas consistem em uma proposição, apresentada como acessória
de outra, destinada a alterar a forma ou conteúdo da principal, podendo
ser supressiva, aglutinativa, substitutiva, modificativa ou aditiva. Brasil.
Câmara dos Deputados. Glossário. Disponível em: <http://www2.camara.
leg.br/glossario/e.html#Emendamodificativa>. Acesso em: 22 out. 2014.
268. A sanção é o ato de manifestação da aquiescência do Poder Executivo
em relação à lei, enquanto o veto é a sua negativa, podendo recair sobre
o texto legislativo como um todo ou parcialmente.
269. Promulgação corresponde à “etapa da elaboração da lei que atesta,
oficialmente, a existência desta, com a ordem de seu cumprimento.”.
Porém, a lei só terá eficácia quando levada ao conhecimento público, que
se materializa no momento de sua publicação em órgão oficial. Ibidem.
270. Albuquerque, Ana Cristina Braga; Ribeiro, Juscelino Luiz; Chavez,
Wallace Oliveira. O Poder de Agenda do Poder Executivo no Processo
Legislativo: uma abordagem à luz do devido processo legislativo.
Monografia (Especialização em Poder Legislativo) – Escola do
Legislativo, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2006. Disponível em: <http://dspace.almg.gov.br/xmlui/
handle/11037/6892>. Acesso em: 20 nov. 2014.

118
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

conduzir a produção legislativa. O chamado poder de controle


de agenda do processo legislativo por parte do Executivo pode
ser exercido por meio de incentivos aos parlamentares, com a
finalidade de estimular o apoio.
Com vistas a suprir as lacunas deixadas pela Constituição
de 1946, que conduzia a problemas ligados à ingovernabilidade,
na elaboração da Constituição de 1988 foram outorgados
poderes legislativos, antes não existentes, os quais somados a
outros poderes privativos do chefe do Executivo permitem-lhe
conduzir, em grande medida, a agenda do Poder Legislativo.
A motivação para tal alteração baseou-se na necessidade do
Executivo em ter suas demandas analisadas mais rapidamente,
pois, caso adotados os mesmos procedimentos que regem as
matérias oriundas do Poder Legislativo, a agenda do Executivo,
no que tange à execução de políticas públicas consideradas
necessárias e urgentes, seria afetada pela demora da tramitação
das pautas do Legislativo.271
Ainda, importante destacar que, muitas vezes, o próprio
parlamento pode delegar a competência legislativa ao Executivo,
principalmente no que tange à proposição de temas polêmicos.
Por conveniência, o Congresso prefere delegar sua competência
sobre temas que prefere evitar, com a intenção de minimizar
desgastes políticos, assim como evitar contrariar os interesses de
suas bases eleitorais. Mais do que um antagonismo entre os dois
poderes ou a usurpação dos Poderes Legislativos pelo presidente,
percebe-se que, muitas vezes, a utilização da competência
legislativa pelo chefe do Executivo é uma medida conveniente
para os parlamentares, como uma forma de cooperação entre
os dois poderes, de acordo com o explicitado por Cheibub e
Limongi:
“Vista como uma forma de delegação a quem goza de vantagens
comparativas para o desempenho das tarefas em questão, a existência

271. Palermo, Vicente. Como se governa o Brasil? O debate sobre


instituições políticas e gestão de governo. Dados – Revista de Ciências
Sociais, v. 43, n. 3, Rio de Janeiro, 2000.

119
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

dos poderes legislativos extraordinários do Executivo pode ser


benéfica para ambas as partes. No caso, tanto o Poder Legislativo,
que deixa de exercer funções legislativas ou as exerce em menor grau,
quanto o Executivo, que assume essas novas funções, ganhariam com
esse arranjo institucional. Assim, a relação Executivo-Legislativo
deixa de ser vista necessariamente como um jogo de soma zero. Dito
de maneira positiva, poderes legislativos excepcionais nas mãos do
Executivo podem propiciar ganhos para o Legislativo e resultar em
cooperação entre os dois poderes”.272
De fato, o Executivo intervém diretamente na função
legislativa mediante o poder de agenda, garantido através
de instrumentos de pressão que possibilitam o controle das
votações. Ainda, tais mecanismos permitem a prática legislativa
que pode se dar através da medida provisória,273 combinada com
o instituto do veto parcial ou total, gerando uma situação em
que, habitualmente, de acordo com Albuquerque et al., “boa
parte da agenda do Legislativo e do conteúdo das políticas aprovadas
é determinada pelo Executivo”.274 Ainda, na prática, os efeitos
dos dispositivos constitucionais que garantem a ingerência
do Executivo na produção legal, são reforçados por estatutos
contidos nas normas sobre o processo legislativo, “que operam
como regras de modo a organizar a tramitação de proposições no
âmbito do parlamento, quais sejam as tramitações em regime de
urgência e urgência urgentíssima”.275
Com efeito, a maior celeridade em relação aos projetos
oriundos do Executivo se dá por meio do pedido de urgência.
Entretanto, a justificativa para a utilização de tal regime por

272. Palermo, op. cit., p. 126.


273. Importante lembrar que a medida provisória, prerrogativa mais
importante do presidente no âmbito legislativo, não pode ser utilizada
em matéria penal, conforme disposto no art. 62, § 1.º, I, b, da CF/1988,
que, desta forma dispõe: § 1.º É vedada a edição de medidas provisórias
sobre matéria: I – relativa à: (...) b) direito penal, processual penal e
processual civil.
274. Albuquerque et al., op. cit., p. 38.
275. Idem, ibidem

120
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

parte do poder Executivo é o “interesse público relevante e


urgente”, termo extremamente vago e aberto, ficando a cargo do
presidente a interpretação do que é interesse público relevante e
urgente para a utilização da medida.
No âmbito federal, o “regime de urgência” consiste na
faculdade unilateral do presidente para requerer a devida
emergência para a Câmara dos Deputados e para o Senado
Federal em apreciar determinada matéria, com prazo máximo de
45 dias em cada uma das Casas.276 Caso a apreciação da matéria
não ocorra dentro do prazo estipulado, passará a ter prioridade
na agenda do Legislativo. Inclusive, o pedido de urgência pode
retirar a matéria da comissão em que se encontra, para ser
discutida diretamente no Plenário (podendo ser atrasada no
máximo em duas sessões para ser apreciada na comissão). Nesses
casos, de acordo com Albuquerque et al.: “(...) com base em algum
tipo de articulação com as lideranças partidárias, o Poder Executivo
contorna as Comissões Congressuais para impedir alterações e apressar
a aprovação de proposições de seu interesse”.277
Contudo, as comissões dificilmente analisam as propostas
com pedido de urgência em um prazo tão pequeno, recorrendo a
pedidos de prorrogação de prazo, pedidos de vista, bem como se
utilizando da estratégia de não formar o quórum necessário para
a votação da proposta, principalmente por aqueles parlamentares
que constituem uma minoria na comissão. De acordo com
Limongi, as comissões são um dos mais eficientes instrumentos
das minorias para deter a vontade da maioria.278
As comissões especiais criadas para analisar os projetos de
lei, são compostas por parlamentares vinculados aos programas
e diretrizes partidárias, assim, não são isentos dos imperativos
de seus partidos. Por tal motivo, a análise dos projetos de lei por

276. De acordo com o art. 64, §§ 1.º e 2.º, da CF/1988.


277. Albuquerque et al., op. cit., p. 47.
278. Limongi, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão
partidária e processo decisório. Novos Estudos, n. 76, São Paulo, nov.
2006, p. 17-41, p. 31.

121
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

estas comissões não é isenta de imparcialidade, já que segue as


mesmas dinâmicas do Congresso, sendo dependente da maioria
para aprovação ou rejeição da proposta. Ou seja, não se faz
uma análise técnica e aprofundada dos projetos de lei, apenas
segue-se a tendência adotada pelo partido, de aprovação ou não
do projeto, por motivos mais políticos do que sociais. É dizer,
muitas vezes, o que importa não é a consequência concreta que
tal projeto possa ter no âmbito da realidade social, mas de suas
consequências políticas para o partido e seus membros.
Nesse momento, é decidida a maior parte das modificações da
iniciativa (ou iniciativas) legislativa original. Segundo Ripollés,
o funcionamento informal e discreto das comissões permite
“todo tipo de negociações e transações sem temor a controles rígidos de
outras instâncias”.279 De qualquer forma, o período de trabalho da
comissão e seu discurso constituem um momento procedimental
decisivo de toda a fase legislativa e, segundo o autor, é nele que se
deveriam concentrar esforços para incrementar os componentes
de racionalidade do processo legislativo.280
A maioria tem como evitar que a minoria ou minorias
venham a bloquear as propostas que considere relevantes, já
que conta com diversos expedientes para forçar a apreciação
das propostas pelo Plenário – o mais importante deles a
tramitação em regime de urgência, considerado um instrumento
que pode impedir que minorias “engavetem propostas”, vez que
a medida obriga que as matérias provenientes do Executivo
sejam apreciadas no Plenário e, além disso, restringe o direito à
apresentação de emendas. Quando do pedido de urgência, são
dispensados os prazos ou formalidades regimentais para que
determinada proposição seja desde logo considerada, até sua
decisão final, passando a ter prioridade na agenda de votações
do Legislativo.281 Assim, conforme afirma Limongi, a minoria
não tem como impedir que matérias definidas como relevantes

279. Ripollés, op. cit., p. 59.


280. Idem, ibidem.
281. Albuquerque et al., op. cit., p. 48.

122
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

pela maioria ou pelo Executivo definam venham a voto, já que


os recursos a que minorias recorrem para protelar decisões
contrárias a seus interesses têm limites. Segundo o autor, “ocorre
que o desenho institucional favorece a maioria”.282
Ressalta-se que, além do presidente, o pedido de urgência
pode ser feito também pelo Legislativo, através do Colégio de
Líderes. Porém, conforme lecionam Cheibub e Limongi, a
urgência é muito mais eficaz no caso dos projetos do Executivo.283
Ademais, Albuquerque et al. ressaltam um ponto fundamental
para que, na prática, isso ocorra:
“(...) quando uma proposta recebe tramitação de urgência já
foi acordado sobre seu conteúdo entre lideranças e o Executivo, ou
seja a coalizão partidária está posta para a aprovação das propostas
de urgência que sejam do interesse do Executivo. Todavia, o que se
percebe é que a maioria das propostas com pedido de urgência feitas
pelo Legislativo foram iniciadas pelo Executivo, ou seja, feitas
conforme os interesses do Executivo”.284
Por sua vez, o “regime de urgência urgentíssima” é
prerrogativa do Congresso, que se dá a requerimento da
maioria absoluta da composição da Câmara, ou de Líderes que
representem o mesmo número. Tal medida consiste em colocar
o projeto de lei, de imediato, no topo da agenda parlamentar.
Assim, mediante o “regime de urgência urgentíssima”, ocorre a
inclusão imediata da matéria na ordem do dia para discussão e
votação. Conforme o art. 55 do Regimento Interno da Câmara
dos Deputados, o este regime será utilizado em casos de “matérias
de relevante e inadiável interesse nacional”, mais uma vez, um
conceito extremamente vago. Até por isso, a utilização desses
instrumentos se dá de maneira indiscriminada, já que a maioria
das matérias tramita em “regime de urgência” ou “urgência
urgentíssima”. Contudo, segundo Albuquerque et al., as regras
desses regimes “reforçam o liame entre as lideranças partidárias e o

282. Limongi, op. cit., p. 33.


283. Figueiredo; Limongi, op. cit., p. 62.
284. Albuquerque et al., op. cit., p. 48.

123
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Executivo de modo a facilitar sua influência cada vez maior sobre a


agenda legislativa”.285
Ainda, por outro lado, o executivo pode retardar o envio
de matérias ao parlamento com a finalidade de limitar o tempo
disponível para sua apreciação, que, segundo Albuquerque
et al., sob pressão, tende a deliberar em favor da proposição
enviada pelo Executivo.286 Desta maneira, o poder de agenda
pode ser entendido como a capacidade de interferência do
Executivo sobre o processo legislativo, com efeito de determinar
a condução dos trabalhos legislativos, conduzindo não apenas
as propostas que entram em pauta, mas também o momento
da tramitação das matérias de seu interesse, utilizando, para
isso, de instrumentos de pressão para induzir os parlamentares
à cooperação.287
Formada sua coalização partidária, com vistas à obtenção
de apoio parlamentar e buscando assegurar a formação de uma
maioria, o Executivo distribui pastas ministeriais aos partidos
dispostos a apoiar-lhe no parlamento, o que estrutura certa
garantia de sucesso do Executivo na votação de seus projetos.
Segundo autores como Cheibub, Limongi e Albuquerque
et al., o resultado de tais transações é a alta aprovação dos
projetos de lei apresentados pelo Executivo. Ainda, antes da
propositura de seu projeto, o Executivo já discute o conteúdo
da alteração legislativa com os líderes partidários, o que,
aliado aos mecanismos que dispõe (como as medidas de
urgência) faz com que suas proposições sejam apreciadas de
forma mais rápida do que os projetos oriundos do próprio
Poder Legislativo. Vale ressaltar que, mesmo assim, o apoio
da coalizão nem sempre é plena e homogênea, no sentido de
que em determinadas matérias alguns parlamentares, inclusive
líderes partidários, podem votar contra o governo. Porém,
ainda que o líder do partido vote contra o Executivo, isso não

285. Albuquerque et al., op. cit., p. 49.


286. Idem, ibidem, p. 41.
287. Idem, p. 39.

124
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

significa que os demais parlamentares e partidos da coalizão


sigam sua orientação.288
Importante ressaltar que a estrutura político partidária
brasileira, atualmente, obedece a uma “hierarquia institucional
organizada”, ou seja, existe uma disciplina partidária no que se
refere à votação. Geralmente, o parlamentar vota de acordo com
a liderança de seu partido, o que confere maior previsibilidade
às decisões em Plenário. Desse modo, de acordo com Cheibub
e Limongi, os líderes definem seus votos e são seguidos pela
maioria de suas bancadas. Por isso, na perspectiva dos grandes
partidos “o Plenário é bastante previsível: a partir das indicações
de voto dos líderes, pode-se prever o resultado de uma votação com
enorme grau de confiança no acerto”.289
Os líderes são porta-vozes de sua bancada e, como tais,
são os mediadores entre a bancada e os demais órgãos das
Casas Legislativas e do Executivo. Os regimentos internos
do Congresso Nacional consagram vastos poderes decisórios
aos líderes partidários, motivo pelo qual exercem uma função
preponderante na condução do processo legislativo, podendo
solicitar o adiamento da discussão de determinada matéria e da
votação de um projeto, bem como requerer o regime de prioridade
e urgência para propostas e indicar candidatos para concorrer
a cargos da Mesa Diretora. Nas comissões os líderes também
desempenham um papel importante, pois têm a prerrogativa de
encaminhar as votações, mesmo que não integrem a comissão.
Ainda, compete a eles indicar os parlamentares para compor as
comissões e, a qualquer tempo, substituí-los. Também são os
líderes que indicam os candidatos a presidente das comissões a
que tem direito seu partido/bloco. Além disso, podem solicitar
a criação de comissões especiais para analisar uma determinada
proposta.290

288. Figueiredo; Limongi, op. cit.; Albuquerque et al., op. cit.


289. Figueiredo; Limongi, op. cit., p. 89.
290. Brasil. Câmara dos Deputados. Notícias. Política. Entenda o papel
dos líderes partidários. Brasília, out. 2014. Disponível em: <http://

125
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Ademais dos poderes regimentais conferidos aos líderes,


estes podem dispor de outros meios para influenciar o
comportamento de seus liderados, que consistem no controle
da distribuição de informações e benefícios. No que se refere à
agenda do Legislativo, os líderes partidários interagem com o
Poder Executivo em troca do atendimento dos interesses de seus
liderados. Assim, os partidos tendem a ser coesos e as bancadas
tendem a votar de acordo com as indicações dos líderes de seus
partidos.
Ainda que o apoio ao Executivo não seja pleno e
incondicional por parte de suas bases partidárias, tal fato não
representa obstáculos para a implementação de sua agenda,
tendo em vista que a maioria fica ao seu lado. Verifica-se, então,
que o Executivo distribui benefícios aos partidos, tendo, em
contrapartida, os votos que necessita assegurados nas votações
do parlamento.
Ademais, cabe trazer algumas reflexões sobre o Colégio
de Líderes, órgão colegiado constituído pelos líderes dos
partidos ou grupos partidários, reconhecido formalmente como
uma instituição do Congresso no Regimento da Câmara dos
Deputados.291 O Colégio de Líderes firmou-se como órgão
de discussão e negociação política de grande relevância para o
processo legislativo. Ainda, o Colégio de Líderes desempenha
uma função de destaque no que tange à determinação da pauta

www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/150537-
ENTENDA-O-PAPEL-DOS-LIDERES-PARTIDARIOS.html>.
Acesso em: 21 out. 2014.
291. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados dispõe o seguinte:
art. 20. Os Líderes da Maioria, da Minoria, dos Partidos, dos Blocos
Parlamentares e do Governo constituem o Colégio de Líderes. § 1.º Os
Líderes Partidários dos Partidos que participem de Bloco Parlamentar
e o Líder do Governo terão direito a voz, no Colégio de Líderes, mas
não a voto. § 2.º Sempre que possível, as deliberações do Colégio
de Líderes serão tomadas mediante consenso entre seus integrantes;
quando isto não for possível, prevalecerá o critério da maioria absoluta,
ponderados os votos dos Líderes em função da expressão numérica de
cada bancada.

126
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

dos trabalhos legislativos, especialmente, na elaboração da agenda


com o prognóstico das matérias urgentes a serem analisadas.292
De acordo com Albuquerque et al., a atuação do Colégio de
Líderes torna mais rápido o processo legislativo, principalmente
para as propostas originárias do Executivo, já que as matérias
que lhe interessem que sejam votadas com maior celeridade são
postas no regime de urgência ou urgência urgentíssima para
serem deliberadas. Daí se revela sua importância, principalmente
no que se refere às negociações com o Executivo. Conforme
explicam Cheibub e Limingi:
“Ante a expectativa de morosidade dos trabalhos, o Colégio
de Líderes intervém na tramitação de matéria e força sua rápida
deliberação em Plenário. Como essa intervenção é previamente
negociada, a participação dos parlamentares em Plenário depende
dos resultados das negociações entre os líderes. No mais das vezes,
cabe-lhes tão somente referendar acordos previamente firmados. A
participação dos parlamentares ocorre somente quando se encerram
todas as possibilidades de um acordo e a matéria é submetida a voto.
O grosso do trabalho legislativo independe da participação efetiva dos
parlamentares, o que reduz os incentivos para sua participação”.293
Segundo Cheibub e Limongi, a organização estrutural
nos trabalhos legislativos por intermédio do Colégio de Líderes
favorece o Executivo, que pode negociar diretamente com essa
instância, centralizando as propostas de seu interesse para que
sejam aprovadas. Com isso, o Executivo minimiza as incertezas
e as dificuldades de uma decisão descentralizada. A redução das
incertezas também interessa ao Colégio de Líderes, para firmar
sua liderança institucional.294 Assim, segundo Albuquerque,
“o que se evidencia é um cooperativismo do Legislativo para com
o Executivo, pois os projetos de sua iniciativa recebem tratamento
privilegiado”.295

292. Albuquerque et al., op. cit., p. 57.


293. Figueiredo; Limongi, op. cit., p. 68.
294. Idem, ibidem, p. 68-69.
295. Albuquerque et al., op. cit., p. 61.

127
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Verifica-se, então, que diante da situação de


ingovernabilidade que geravam as normas dispostas (ou sua
ausência) na Carta Constitucional de 1946, foram introduzidas
algumas ações em nosso ordenamento para garantir as bases que
permitissem a governabilidade do país. Assim, foram dispostos
mecanismos para que o Poder Executivo, assim como os partidos
políticos, tivessem um controle maior sobre suas bases para a
implementação de políticas tidas como necessárias e urgentes.
Os critérios para definir as prioridades são ditados, basicamente,
por interesses políticos, mas não se pode ignorar que eventos que
causem comoção social também fazem com que projetos sejam
desengavetados ou propostos e incluídos na pauta de votação.
Em seu trabalho, Diniz busca analisar de que forma
se pode avaliar o sucesso e o fracasso na aprovação de uma
determinada agenda governamental no presidencialismo
brasileiro. A autora pretende demonstrar que a apresentação
de propostas pode ser um instrumento de negociação para a
definição de uma determinada política. Ou seja, a proposição de
uma alteração legislativa pode não demonstrar a real intenção do
Executivo, mas formar parte de uma estratégia para ter outras
proposições, tidas como prioritárias, aprovadas. Assim, sucesso
e fracasso poderiam ser indicados não apenas pelo equilíbrio
entre proposições apresentadas pelo Executivo e aprovadas pelo
Congresso, mas verificando se a estratégia utilizada surtiu ou
não o efeito desejado.296
Segundo a autora, pode-se encontrar duas vertentes
analíticas na literatura sobre o tema, quais sejam, uma cuja ênfase
recai sobre as habilidades pessoais daquele que ocupa a presidência
(perspectiva centrada na presidência), e outra que favorece a
análise das instituições e das estruturas políticas (perspectiva
centrada no sistema político). Na primeira perspectiva, o foco é
a presidência, e o ocupante do cargo é a “personificação do interesse

296. Diniz, Simone. Interações entre os Poderes Executivo e Legislativo no


processo decisório: avaliando sucesso e fracasso presidencial. Dados –
Revista de Ciências Sociais, v. 48, n. 1, p. 333-369, Rio de Janeiro, 2005.

128
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

nacional”.297 Assim, o sucesso presidencial é, acima de tudo,


decorrente das qualidades individuais do presidente, devendo
ser verificada a influência pessoal que o presidente pode exercer.
Nesse sentido, são as qualidades pessoais que permitem a um
determinado presidente ter mais sucesso que outro, influenciando
também o tipo de agenda de políticas propostas e os meios pelos
quais os objetivos do presidente são perseguidos. Entretanto, há
o reconhecimento de que essa capacidade não é suficiente para
que o Executivo alcance seus objetivos, devido ao fato de que
outros atores políticos também tem poder de influência. Por isso,
“a natureza da influência política envolve barganhas recíprocas e
mútua dependência entre dois ou mais atores”,298 ainda que um deles
seja o presidente. Sem embargo, nesta perspectiva, a capacidade
de exercer influência política é, acima de tudo, uma questão de
ação individual e determinada pela capacidade de persuasão, ou
seja, o presidente deve ser capaz de persuadir os outros atores
políticos a fazer o que o Executivo deseja.299
A assertiva de que sucesso presidencial depende das
habilidades pessoais do presidente tem consequências para a
análise do processo decisório. Colocada desta maneira, a disputa
entre Executivo e Legislativo seria uma luta para formular a
agenda política e definir os objetivos do Estado. Da mesma
forma, nesta perspectiva, o legislativo é, geralmente, avaliado
em duas dimensões: se seus membros apoiam ou não as ações
do presidente; ou se os interesses locais representados pelos
congressistas predominam sobre os interesses nacionais. Assim,
o Legislativo nunca é visto como uma instituição apropriada para
apresentar soluções às grandes questões sociais ou econômicas,
já que representantes de interesses localizados.300
De acordo com a autora, tal abordagem não deixa de ter
fundamentação na realidade empírica. Existem épocas de

297. Diniz, op. cit., p. 334.


298. Idem, ibidem.
299. Idem.
300. Idem.

129
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

intenso conflito institucional que podem favorecer uma possível


confrontação entre Executivo e Legislativo. Porém, isso não
implica, necessariamente, que as relações entre os poderes serão
sempre de confronto. Segundo Diniz: “tomar as relações entre os
poderes como tal também leva a subestimar o papel desempenhado
pelo Congresso enquanto instituição representativa, produtora de
políticas e supervisora das ações do Executivo”.301
Por sua vez, a perspectiva centrada no sistema político
sugere que a Presidência e o Congresso operam em uma arena, a
legislativa, cujo limite é circunscrito tanto pelo Congresso quanto
pela Presidência. As duas instituições funcionariam de forma
articulada, e o desempenho do presidente decorreria de um jogo
estratégico, no qual o resultado legislativo final seria estruturado,
em grande medida, pelas escolhas feitas pelo governo. Suas
consequências seriam totalmente calibradas pela Presidência
através de consultas ou da análise de reações antecipadas.302
Ou seja, o Executivo seria capaz de agir antes de enviar suas
propostas aos parlamentares, verificando a viabilidade para a
aprovação das mesmas.
Desta maneira, sucesso e fracasso não poderiam ser
avaliados, por exemplo, tomando como base apenas o resultado
do trâmite legislativo das proposições de interesse do Executivo.
Isso por que o processo de consulta realizado anteriormente
pelo Executivo pode gerar modificações na iniciativa legislativa
presidencial, com o objetivo de tornar mais provável a passagem
do projeto. Ou ainda, de forma alternativa, não havendo consulta,
os responsáveis pela elaboração da proposta presidencial podem
fazer alterações substantivas, antecipando a atuação da oposição,
para introduzir alterações que, já se sabe, serão objeto de
emendas ou negociações. Nesses casos, podem ser introduzidas
modificações totalmente contrárias à verdadeira intenção do
Executivo, justamente para mascarar a predileção. Desse modo,
segundo a autora, tanto no processo de consulta quanto no de

301. Diniz, op. cit., p. 334-335.


302. Idem, p. 335.

130
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

antecipação, a proposta enviada aos parlamentares pode não


representar a real preferência do presidente.303
O sucesso presidencial seria, então, decorrente do processo
de formação de coalizões – que, segundo a autora, representa
o “ponto crucial de toda política coletiva”304 –, e do uso de ações
estratégicas por parte da presidência. Desta maneira, a avaliação
do desempenho presidencial baseada na terminologia de “sucesso”
e “fracasso” não seria capaz de fornecer os instrumentos analíticos
adequados, uma vez que não contemplariam as interações entre
os poderes que levaram o Executivo e o Legislativo da inércia
para a ação cooperativa.305
Ainda, segundo a autora, a ação do Congresso em relação
a uma determinada proposta enviada pelo Executivo nunca
será totalmente previsível, pois as ações presidenciais e as do
parlamento são influenciadas por diversos fatores. Sendo assim,
dependem do momento do envio da proposta, da matéria a ser
analisada e do contexto institucional, político e econômico nos
quais as decisões são concluídas. Porém, um fator é reconhecido
igualmente pelas duas vertentes analíticas, qual seja, de que
o sucesso presidencial depende, necessariamente, de algum
mecanismo de barganha.306
Assim, compreender o poder presidencial significa atentar
para “os jogos estratégicos que os atores políticos jogam”307 e, para isso,
é necessário conhecer os instrumentos de barganha que tornam
possível esse jogo. Nesse sentido, a ideia de ação estratégica é

303. Diniz, op. cit., p. 335.


304. Idem, ibidem, p. 335-336.
305. Idem.
306. Por um lado, na perspectiva centrada nas habilidades pessoais, a
barganha se dá através da persuasão, e o sucesso depende da capacidade
individual do presidente de conduzir este processo. Por outro lado, na
perspectiva institucional, os atributos pessoais do presidente podem ter
alguma influência sobre o Poder do Executivo, mas esses operam dentro
de fronteiras específicas e de circunstâncias estratégicas.
307. Diniz, op. cit., p. 336.

131
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

central na análise do desempenho do Poder Executivo, e a questão


que Diniz pretende discutir é como avaliar tal desempenho.
No caso de uma alteração substantiva que vá de encontro
à vontade do presidente, este pode recorrer ao poder de veto.
O poder de veto presidencial seria uma ação estratégica central
para a análise do desempenho do sucesso presidencial. De
acordo com Diniz, o processo de formação da legislação através
do uso do poder de veto ocorreria através de: (a) antecipação
das possíveis ações presidenciais; (b) de ameaças de veto; e (c)
dos próprios vetos (através da reconsideração da proposição
legislativa). Vale recordar que o Executivo pode se valer tanto
do veto total quanto do veto parcial. No primeiro caso, trata-
se de um instrumento que bloqueia a mudança da legislação e,
no segundo, o presidente pode promulgar os artigos do projeto
que sejam aprovados em consenso e remeter para reconsideração
dos parlamentares somente os dispositivos vetados. Embora
sejam instrumentos cuja iniciativa está nas mãos do Executivo,
de qualquer forma, a “última palavra” é do Congresso. Ou seja,
tanto o veto total quanto o parcial podem ser derrubados pelo
Legislativo, desde que acordado por maioria absoluta. Assim,
a permanência do veto indicaria que prevaleceu a vontade do
Executivo. A derrubada, ao contrário, expressaria seu fracasso.308
Os casos em que os vetos são derrubados ou os projetos
rejeitados, não restam dúvidas de que são uma indicação de
derrota do Executivo. Porém, de acordo com Diniz, rejeição
explícita de projetos oriundos do Executivo e derrubada de vetos
são fenômenos raros. Diante deste fator, importante ressaltar
que a rejeição e derrubada não são as únicas formas de não
aprovação das matérias do Executivo. Empiricamente, existem
inúmeras proposições do Executivo retiradas de pauta ou que
permaneceram em tramitação durante anos.309
Nesse sentido, projetos retirados pelo autor (RTPA) podem
ser interpretados pelos como exemplos das dificuldades enfrentadas

308. Diniz, op. cit., p. 336-339.


309. Idem, ibidem, p. 339.

132
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

pelo Executivo para aprovação de sua agenda. O Executivo,


prevendo uma possível rejeição da matéria pelo Congresso,
solicita sua retirada, evitando, deste modo, o seu arquivamento.
Projetos que permanecem em tramitação por tempo indefinido,
também são exemplos da dificuldade do Executivo em conseguir
apoio aos seus interesses. Porém, Diniz alerta que, por vezes, a
não aprovação de um projeto do Executivo não significa que exista
um bloqueio institucional do Legislativo.310
Partindo-se do pressuposto de que nos sistemas de separação
de poderes as dinâmicas de negociação entre Executivo e
Legislativo significam o modus operandi do exercício de governar,
a possibilidade de uso de instrumentos e ações estratégicas para
a elaboração da legislação não devem ser esquecidos. Para Diniz,
se o Executivo deseja aprovar uma determinada matéria, pode
utilizar as seguintes estratégias: (a) radicalizar no conteúdo da
proposta para na negociação ceder em determinados aspectos;
e (b) utilizar todos os meios institucionais para neutralizar
possíveis instâncias de rejeição.311
É consensual na literatura sobre o tema o fato de que o
Executivo detém poderes legislativos significativos, o que
permite o controle da agenda legislativa e acelerar a tramitação
de suas proposições (uso de medida provisória, pedidos de
urgência – seja urgência constitucional que determina a
apreciação da matéria em cada casa legislativa em um prazo
de 45 dias e depende unicamente da vontade do Executivo, ou
a urgência solicitada pelo Legislativo). Sendo assim, o fato de
uma proposição apresentada pelo Executivo ficar em tramitação
indefinidamente significa que os poderes de agenda não foram
utilizados. Para Diniz, isto apenas demonstra o desinteresse do
Executivo em utilizar recursos institucionais importantes com
matérias de pouco interesse, e não a imposição de barreiras pelo
Legislativo, como pode parecer a primeira vista.312

310. Diniz, op. cit., p. 340.


311. Idem, ibidem, p. 339-340.
312. Idem, p. 341.

133
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Segundo a autora, pode ocorrer que, embora o Executivo


apresente formalmente uma proposição, e inclusive tenha
interesse em vê-la aprovada, pode não se tratar de uma matéria
prioritária para o governo. Seriam matérias que não exigem
uma aprovação imediata e, assim, podem tramitar “no tempo do
Congresso”, mais demorado. Por não ser uma prioridade para o
governo, a proposta pode vir a ser utilizada como instrumento de
negociação com o Legislativo para a aprovação de proposições
realmente consideradas prioritárias.313 Por tais motivos, quando
da análise das reformas legais realizadas no governo Lula,
verificamos o tempo de tramitação das principais propostas
aprovadas oriundas do Executivo, como poderá ser observado
no seguinte capítulo.
A análise de Diniz leva-nos a perceber que projetos retirados
de pauta ou com um tempo longo de tramitação não devem ser
considerados como exemplos de obstáculos enfrentados pelo
Executivo para a implementação de sua agenda. Tais fatores
podem significar uma mudança na agenda política do governo,
mais do que uma eventual resistência do Congresso. Em relação
aos projetos com longo tempo de tramitação, por sua vez, podem
ser um indicativo de que o Executivo não considera tais matérias
como prioritárias, pois, caso considerasse, poderia lançar mão
dos instrumentos que possui para acelerar a tramitação de seus
projetos. Ou, ainda, pode-se tratar de uma matéria cujo objetivo
principal do Executivo é utilizá-la como um meio de negociação
ou, inclusive, de pressão para o andamento de outras propostas.314
Analisado desta forma, o envio de propostas ao Legislativo
pode fazer parte de uma estratégia do Executivo, mais do que
a vontade de ver suas proposições aprovadas. Muitas vezes, a
iniciativa pode ser tomada apenas para passar uma determinada
mensagem para a opinião pública, ou, ainda, como resposta
a algum grupo de pressão. Desse modo, a não aprovação de
uma proposta (“engavetamento”, longo tempo de tramitação,

313. Diniz, op. cit.,. 341.


314. Idem, ibidem, p. 349.

134
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

o que não seja simples rejeição) não indica, necessariamente, o


fracasso do Executivo. É preciso considerar que “o executivo age
estrategicamente e, para isso, lança mão de recursos institucionais
para neutralizar instâncias de veto, acelerar a apreciação de suas
propostas, e/ou conter a ação de grupos de pressão”.315
Analisando as normas de organização do Congresso
Nacional e os poderes legislativos conferidos ao chefe do
Executivo, pode-se perceber que a dinâmica do sistema político
brasileiro permite explicar o sucesso do Executivo na aprovação
de sua agenda legislativa. O comportamento disciplinado
dos parlamentares, assim como a possibilidade de enviar
para apreciação em Plenário apenas aquelas propostas que
já contam com certa previsibilidade de aprovação, são fatores
que contribuem para o sucesso do Executivo. Este controle
exercido pelo Executivo sobre a iniciativa legislativa acaba
gerando incentivos para os parlamentares cooperarem com o
governo, reduzindo a predominância do voto individual, diante
da disciplina partidária conduzida pelas lideranças. Assim, ao
invés da suposição de conflito entre Legislativo e Executivo, há
o reconhecimento de que tais instituições fazem parte de um
mesmo sistema e que, nas dinâmicas de interação direta, podem
ocorrer tanto situações conflitivas quanto a cooperação entre
os poderes, sempre dependendo da ocasião e da matéria a ser
discutida.316
Apoiando o Executivo no Congresso, os partidos de
coalizão podem ter acesso a algumas vantagens, como a de
negociar a distribuição de cargos públicos em ministérios,
secretarias e cargos de escalão inferior, assim como ter acesso
aos postos de governo, pressionar para liberação de créditos,
privilégio das emendas dos membros dos partidos da base
do governo, dinamizar a concessão de rádio e televisão,
entre outros. Desse modo, o Executivo tem suas proposições
aprovadas. Ainda, além de utilizar os mecanismos de influência

315. Diniz, op. cit., p. 342.


316. Idem, ibidem, p. 335.

135
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

que formalmente possui, o Executivo, frequentemente, tem


feito uso de outra tática negocial, qual seja as “conversas de
bastidores” com os líderes do governo e os presidentes das
Mesas das casas do Senado e da Câmara dos Deputados, para
obtenção de êxito na aprovação de seus projetos. Desta maneira,
o Executivo, ao encaminhar suas propostas, já conta com um
acordo prévio para obter o resultado desejado317. Cheibub e
Limongi destacam um fator determinante para tanto: “O
presidente tem a vantagem da proposição: como ele monopoliza o
acesso aos recursos públicos, pode tirar vantagens estratégicas desse
controle”.318
Assim, dois aspectos do processo de tomada de decisão no
Poder Legislativo brasileiro são fundamentais para entender
como o Executivo interage com o Legislativo. Primeiramente,
através do poder de legislar. E, em segundo lugar, através
da centralização do poder decisório nas mãos dos líderes dos
partidos no Congresso Nacional. Em relação a este último
aspecto, o Executivo atua estrategicamente junto aos líderes do
partido governista, podendo substituir membros das comissões
temáticas e, assim, assegurando a predominância de seus
interesses. Isso ocorre devido ao fato de que os líderes podem
interferir na agenda do Legislativo, encaminhando as propostas
do Executivo de maneira mais célere ou impedindo que legislação
contrária ao interesse do Executivo vá à votação no Plenário.

4.3 O presidencialismo de coalizão e o governo Lula


Importante considerar que uma característica marcante
do sistema político brasileiro pós-88, especialmente depois
do governo Collor de Mello, é a consolidação de um
presidencialismo de coalizão. Nesse sentido, a forma de governo
adotada é o presidencialismo e governos recorrem à formação de

317. Diniz, op. cit., p. 335.


318. Figueiredo; Limongi, op. cit., p. 36.

136
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

coalizões para obter o apoio da maioria para suas iniciativas.319


Na verdade, este é o modo de operar de grande parte das
democracias contemporâneas, pelo qual governos minoritários
apresentam graves problemas de governabilidade, enquanto
governos com coalizões majoritárias atenuam tais dificuldades.
No Brasil, as coalizões atuam como pressuposto básico do
funcionamento do presidencialismo e o governo é bem sucedido
na seara legislativa quando conta com o apoio consistente de
uma coalizão partidária. Assim, deputados filiados aos partidos
que fazem parte da coalizão de apoio ao presidente, em geral,
seguem a recomendação de voto do líder do governo.320
Pasquarelli explica que, na América do Sul, com a ascensão
do regime militar, muitos países passaram a ter suas instituições
moldadas conforme a ditadura do regime, com variações entre
os países, por certo. Porém, tais mudanças possibilitaram
a emergência de um Poder Executivo forte e levaram ao
enfraquecimento do Poder Legislativo. No Brasil, após mais
de vinte anos de ditadura militar, o fim do regime culminou na
realização de uma nova Assembleia Constituinte e na publicação,
em 1988, da Constituição da República Federativa do Brasil.
No Texto Constitucional, foi determinada a realização de um
plebiscito, ocorrido em abril de 1993, no qual os brasileiros
deveriam decidir qual seria a forma (República ou monarquia
constitucional) e o sistema de governo (presidencialismo ou
parlamentarismo) adotados no país.321
Com a vitória do presidencialismo, o novo arranjo
institucional foi frequentemente criticado, pois combinaria “forte
regime presidencial com a fórmula de representação proporcional de

319. Limongi, op. cit.


320. Idem, ibidem, p. 24.
321. Pasquarelli, Bruno Vicente Lippe. Formação de coalizões, apoio
legislativo e atuação partidária no presidencialismo brasileiro. Dissertação
(Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal de São Carlos,
Departamento de Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política, São Carlos, 2011.

137
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

lista aberta e com uma legislação eleitoral permissiva”.322 Configurado


o sistema político dessa maneira, havia a expectativa de que o
partido político do presidente não seria capaz de controlar a
maioria das cadeiras no Congresso, assim como se desconfiava
que os partidos seriam altamente indisciplinados e o sistema
político propenso a conflitos irresolúveis devido à fragmentação
partidária. De mesma forma, acreditava-se que os incentivos
para a formação das coalizões seriam escassos, o que poderia
colaborar para o desenvolvimento de crises políticas e para a
produção de um sistema mais propenso ao veto do que à tomada
de decisões. À grande fragmentação somavam-se problemas
como a instabilidade, a fragilidade e o fisiologismo, que abrem
brechas para a corrupção no interior do aparato estatal.323 Na
época, em razão da ingovernabilidade que tal configuração
poderia trazer, entendida como a extrema dificuldade para a
produção de decisões e mudanças, afirmava-se que um sistema
parlamentarista seria mais viável.324
Uma visão consagrada dos partidos brasileiros sublinhava,
em geral, a forte regionalização dos partidos, tornando-os mais
sensíveis às demandas locais e estaduais, deste modo, menos
propensos a seguir as lideranças nacionais do partido. De acordo
com o autor, historicamente, os partidos consolidaram-se em
torno dos centros de poder regional e de coalizões de elites locais.
Com o passar do tempo, a diferenciação dos redutos eleitorais

322. Pasquarelli, op. cit., p. 15.


323. De acordo com Vicente Palermo, em análise realizada nos anos 2000,
os partidos eram considerados frágeis devido aos seguintes fatores: “seus
elementos constitutivos mal definidos, pouco enraizamento no eleitorado,
baixos índices de identificação partidária, debilidade organizacional,
lideranças que se limitam aos que exercem cargos eletivos, pouca
participação de membros e filiados, salvo exceções como o Partido dos
Trabalhadores. Trata-se de partidos catch all, cuja organização interna é
basicamente clientelista. Estas características, somadas a algumas regras
vigentes (em especial no sistema eleitoral), fazem com que os partidos
brasileiros sejam muito propensos à indisciplina” (Palermo, op. cit.).
324. Pasquarelli, op. cit.; Palermo, op. cit.

138
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

dos partidos foi reproduzida e acentuou-se. Devido a isso, a


lealdade dos parlamentares vincular-se-ia mais a seus Estados
do que aos partidos ou a uma lógica nacional. Em suma, a
fragilidade partidária (número, disciplina, mudança de legendas)
e a forma federalista obrigariam o presidente a montar um
gabinete heterogêneo e extremamente difícil de controlar, além
de ineficaz para obtenção de apoio no Congresso Nacional.325
Assim, especialmente na primeira década de democracia,
preponderava uma visão altamente negativa das instituições
políticas brasileiras em termos de governabilidade e o
diagnóstico de disfuncionalidade era um critério convencional
para analisar as instituições políticas brasileiras. Entre as
causas que determinavam um diagnóstico pessimista, estava
o mau desempenho do novo regime democrático, que ente o
período de 1987 e 1993 foi caracterizado pelo baixo crescimento
econômico, pela hiperinflação e por presidentes que não
alcançaram um alto grau de popularidade. Entretanto, ainda que
os traços institucionais básicos não tenham sofrido alterações, a
percepção sobre o sistema político brasileiro começou a mudar.
Segundo Palermo, isso se deu a partir do Plano Real, em 1994,
e principalmente após a ascensão de FHC à presidência, em
1995, devido a duas novidades em termos de desempenho:
(a) a performance de estabilização da economia e reformas do
Estado; e (b) a relativa estabilidade da coalizão.326 Isso por que,
a administração do governo de Fernando Henrique, baseada na
aliança entre o PSDB e o PFL, é considerada a primeira coalizão
de sucesso desde o governo de Juscelino Kubitschek, na década
de 50.327
Em meados da década de 1990, começaram a surgir análises
mais otimistas, principalmente a partir da observação da atuação
do Poder Executivo e dos líderes partidários, momento em que se
verificou que a governabilidade em um sistema multipartidário

325. Palermo, op. et loc. cit.


326. Idem, ibidem.
327. Pasquarelli, op. cit., p. 34.

139
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

seria factível. Desta forma, principalmente a partir de estudos


como os de Fernando Limongi e Argelina Cheibub Figueiredo,
o sistema político brasileiro passou a ser caracterizado pelo apoio
ao Poder Executivo fornecido pelo Legislativo. Nesse contexto,
verifica-se que os partidos políticos cumprem um papel central
para o funcionamento do sistema político brasileiro, papel que
os aproxima de “uma função de ponte”, como mediadores entre
o Executivo e o Legislativo, e que, ao mesmo tempo, outorgar-
lhe um poder de veto.328 De acordo com Palermo:
“Desse modo, o quadro geral emergente sobre o sistema político
brasileiro é de dispersão do poder decisório em uma pluralidade de
atores, os quais, porém, são mais sólidos e consistentes do que a visão
convencional tem tendido a acreditar. Atores mais sólidos têm maior
capacidade para desempenhar-se como veto players, assim como para
negociar”.329
Examinando o sistema político brasileiro, Figueiredo
e Limongi verificaram que o arranjo institucional da atual
democracia nacional propicia a formação de coalizões
disciplinadas, contribuindo para que a coesão entre Executivo e
Legislativo seja o principal responsável por amenizar os conflitos
entre ambos os poderes. Isso ocorre, pois, como analisado
anteriormente, o Poder Executivo possui um poder de agenda
e conta com diversas estratégias para prevenir-se diante de
comportamentos indisciplinados advindos do Poder Legislativo.
Contudo, vale ressaltar que os parlamentares brasileiros podem
atuar de diversas maneiras – diretas e indiretas – com o fim de
influenciar o chefe do Executivo e o conteúdo das alterações
legislativas, ainda que o processo decisório seja caracterizado
pela preponderância do Poder Executivo.
Para Limongi, é possível observar algumas regras
e instituições que tornam possível o funcionamento do
presidencialismo no Brasil. De acordo com o autor, os Poderes

328. Palermo, op. et loc. cit.


329. Idem, ibidem.

140
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

Legislativos do Executivo, juntamente com os direitos


procedimentais dos líderes partidários, são capazes de fornecer-
lhes um considerável controle sobre a Câmara dos Deputados,
favorecendo a disciplina partidária.
José Antônio Cheibub et. al. afirmam que um partido pode
não ser membro de uma coalizão, mas, no entanto, votar com o
governo (ou, pelo menos, não votar contra ele) ainda que o líder
de seu partido vote contra, em algumas ou todas as matérias.
Ainda, destacam que as coalizões parlamentares podem variar
dependendo da questão posta em jogo. Essas variações poderiam
ter como origem o fato de que os partidos votam juntos em
algumas matérias, mas não em todas, assim como diante da
falta de disciplina entre os membros do partido.330 No entanto,
segundo Limongi, os casos em que a base governista se divide,
entrando em dissenso, são relativamente raras, e tiveram lugar em
apenas 18% das 786 votações consideradas em sua pesquisa.331
Em seu trabalho, Limongi analisa questões empíricas e
teóricas, como a importância das escolhas institucionais e como
estas afetam as relações entre maioria e minoria em governos
democráticos. Assim, aborda o sistema político brasileiro, seu
modo de funcionamento e de operação, sistema que, a partir
da denominação apontada por Sérgio Abranches em 1988,
passou a ser nominado como “presidencialismo de coalizão”.332
A necessidade de qualificar o presidencialismo brasileiro deixa
subentendido que no país não praticaríamos um presidencialismo
da mesma forma que em outros lugares, mas que aqui haveria algo
de peculiar, com características próprias.333 Segundo Limongi:

330. Cheibub, José Antônio; Przeworski, Adam; Saiegh, Sebastian.


Governos de Coalizão nas Democracias Presidencialistas e
Parlamentaristas. Dados – Revista de Ciências Sociais, v. 45, n. 2, p. 187-
218, Universidade Cândido Mendes, 2002.
331. Limongi, op. cit., p. 24.
332. Idem, ibidem, p. 18.
333. Com efeito, quando proposto por Sérgio Abranches, o uso do termo
comportava uma referência a uma particularidade do caso brasileiro:
“O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o

141
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

“Para bem ou para o mal, o presidencialismo brasileiro funcionaria


desta forma particular: como um presidencialismo de coalizão”.334
Porém, quando surgiu, o termo trazia a noção de que, ainda
que necessárias, as coalizões não seriam capazes de prestar o apoio
necessário ao governo, principalmente devido à permanência do
poder tradicional (regional e local). Assim, o presidencialismo de
coalizão expressava as dificuldades enfrentadas pelo presidente
para governar.335 Vale lembrar que o termo foi cunhado antes da
elaboração da Constituição de 1988. Por tal motivo, Limongi
afirma que: “utilizar o termo hoje, implicitamente, equiparam-se
duas experiências democráticas brasileiras. No entanto, a matriz
institucional de cada uma delas está longe de ser a mesma”.336 Segundo
o autor, as relações entre Executivo e Legislativo mudaram
drasticamente diante das diferenças entre o novo e o antigo
Texto Constitucional, principalmente pelo poder conferido
ao chefe do Executivo, como os mecanismos de urgência. No
âmbito da produção legislativa, “o mais bem sucedido presidente
do período anterior não é sequer uma pálida imagem dos presidentes
atuais. Estamos diante de características que decorrem da estrutura
institucional adotada e não das qualidades pessoais deste ou daquele
líder”.337
Ainda, conclui que do ponto de vista estrutural há pouco
que permita distinguir o sistema político brasileiro de outras
democracias ditas “avançadas ou consolidadas”, não mais sendo
tão original ou peculiar quanto se pensava. Isso porque o Texto
Constitucional alterou as bases institucionais que estruturam

multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo


com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade
concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ‘presidencialismo
de coalizão’” (Abranches, Sérgio Henrique. O presidencialismo de
coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, 1998. In: Limongi,
op. cit., p. 18.
334. Limongi, op. cit., p. 18.
335. Idem, ibidem, p. 19.
336. Idem, p. 20.
337. Idem, p. 24.

142
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

as relações entre o Poder Executivo e o Legislativo no processo


decisório. Sendo assim, atualmente, segundo Limongi, “o Executivo
controla a agenda legislativa, logrando aprovar a maioria de suas
proposições porque ancorado por sólido e consistente apoio partidário”.338
Nos anos 2000, a literatura sobre o sistema político brasileiro
e sua configuração institucional incorporou definitivamente a
noção do “presidencialismo de coalizão” para abordar a relação
entre Executivo e Legislativo. No plano nacional, com a intenção
de proteger o programa legislativo do Executivo, tanto Fernando
Henrique quanto Lula formaram coalizões amplas e heterogêneas,
mesmo que isso significasse a aliança com partidos muito distintos
ideologicamente para garantia da governabilidade.339
Conforme definido por Freitas, “coalizão é o acordo político
ou aliança interpartidária para alcançar um fim comum”.340 Ainda,
a autora, que trabalhou com Limongi, explica que a coalizão
pode ser de dois tipos, a saber: legislativa ou governamental.
Na primeira, a coalizão é construída ad hoc, demarcando um
grupo de legisladores votando juntos, sem qualquer conotação
de permanência ou status institucional. No segundo caso, a
formação de uma coalizão tem profundas implicações, pois
existe a expectativa de estabilidade e de um status institucional.
Dessa forma, os partidos que aceitam participar do Executivo
comprometem-se com o governo, dividindo os benefícios e as
responsabilidades de gerir o governo, bem como assumindo o
risco do insucesso de tal empreitada política. A autora aponta que
a definição de coalizão governamental exige certa estabilidade
do acordo firmado entre os partidos.341 Ou seja, não basta a

338. Limongi, op. cit., p. 24.


339. Pasquarelli, op. cit., 81.
340. Freitas, Andréa Marcondes. O presidencialismo da coalizão. Tese
(Doutorado em Ciências Políticas) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas,
São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013. p. 64.
341. Estabilidade entendida por Freitas como a capacidade dos membros do
partido em sustentar o acordo firmado pelos seus líderes.

143
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

formação de um acordo entre os líderes partidários e o governo,


é preciso que os membros dos partidos atendam a seus líderes.342
No gráfico abaixo, pode-se observar a disciplina de nove partidos
políticos brasileiros na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal no período entre 1988 e 2010, escolhidos pela autora
por serem os maiores partidos em termos de representatividade
no Congresso Nacional.

GRÁFICO 7 – Disciplina partidária de 1988 a 2010

Fonte: Freitas, 2013, op. cit., p. 59.

342. De acordo com a autora, “acima de todas as suas motivações, líderes


desejam continuar líderes. Dessa forma, vão tentar construir o consenso
em seus partidos, negociando não apenas com os recursos que têm à
disposição, mas também com os pontos da política em jogo, tentando
criar um consenso mínimo que torne possível para o partido atuar
como uma unidade, sem que seja necessário ameaçar os membros de
seu partido. E vão, eventualmente, abrir mão de impor a disciplina a
certos parlamentares quando forem capazes de antecipar que a vitória
está garantida independente do voto deles. Ou seja, vão coordenar a
ação dos membros do partido procurando resolver os problemas que
surgirem”. Assim, mesmo dispondo de instrumentos para pressionar
os membros do partido, os líderes podem, muitas vezes, preferir não
utilizá-los. Freitas, op. cit., p. 56.

144
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

O que se pode verificar do gráfico acima é que a disciplina


partidária foi extremamente alta no período, sempre acima dos
80% (mesmo na média do Plenário, que inclui todos os partidos
políticos). Pasquarelli aponta para a importância das coalizões
como arranjos institucionais que possibilitam a conservação
da coesão do Congresso Nacional em favor da aprovação de
projetos. Em sua pesquisa, o autor busca verificar se houve ou
não a continuidade da disciplina partidária observada durante o
governo de Fernando Henrique e, para isso, analisou as votações
ocorridas durante o governo Lula entre os anos de 2003 e 2010.
Assim, em um primeiro momento, analisou as relações entre
Executivo e Legislativo e, posteriormente, examinou algumas
variáveis como a configuração do sistema partidário, o balanço
institucional do poder, a composição ideológica e partidária das
coalizões, dos Ministérios, das comissões temáticas e das Mesas
Diretoras.

No sistema multipartidário fragmentado do país, os


partidos do governo frequentemente votam de acordo com
as posições dos líderes partidários, entretanto, a disciplina
da coalizão está longe de ser perfeita, motivo pelo qual os
presidentes brasileiros devem buscar o apoio legislativo através
de ferramentas institucionais variadas. Além da distribuição de
cargos, os presidentes buscam a criação de acordos a partir de
outras formas de alianças políticas, tais como controle de agenda
do Legislativo, o clientelismo orçamentário e o uso seletivo
de prerrogativas presidenciais. Segundo Pasquarelli, desde
1988, os presidentes brasileiros contavam com tais ferramentas
institucionais, mas se deparavam com diferentes condições de
barganha e empregavam táticas distintas para obter o apoio do
Congresso Nacional.343
Após seu primeiro mandato, Fernando Henrique conseguiu
o apoio de quase 75% da Câmara dos Deputados, retribuindo
os partidos da coalizão com cargos ministeriais e enviando

343. Pasquarelli, op. cit., p. 58.

145
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

uma pequena parcela de pork344 para fora da coalizão formal.


Pasquarelli afirma que o governo Lula enfrentou uma forma
mais difícil de governabilidade, pois necessitava criar uma
coalizão ampla e homogênea, o que não era uma tarefa fácil
devido à sua posição à esquerda do espectro ideológico político
no sistema partidário brasileiro, enquanto a maioria das cadeiras
da Câmara dos Deputados pertencia a partidos de centro e de
direita.345 Assim, em seu primeiro mandato, Lula governou com
uma coalizão minoritária na Câmara dos Deputados. Para obter
o apoio de coalizões, Lula atuou através “da distribuição de bens
e de pork, aumentando o número de pastas ministeriais (de 21
para 35) e utilizando os novos postos para satisfazer as facções
internas do PT”.346 O presidente necessitava obter o apoio de
setores de direita da distribuição ideológica (como foi o caso
do PL), mas também necessitava acomodar as facções internas
do seu partido. Ainda, destaca-se que, assim como Fernando
Henrique, Lula enviou grande porção de pork para fora das
coalizões formais – “como um incentivo para seus oponentes
ideológicos”.347
Em razão da alta fragmentação partidária no país, após
1988, os presidentes buscaram formar ministérios considerando

344. Não existe uma tradução definitiva para o termo pork. Alguns
argumentam que tal termo pode ser traduzido como paroquialismo,
clientelismo ou patronagem. De acordo com Pasquarelli, a relação entre
pork e apoio legislativo é recíproca. Os legisladores fornecem apoio após
receber pork, enquanto os presidentes recompensam os legisladores pelo
seu apoio.
345. No capítulo seguinte, abordaremos algumas perspectivas sobre esquerda
e direita no sistema partidário brasileiro, assim como a própria relação
do PT e de Lula com a ideologia tradicional de esquerda.
346. Pasquarelli, Bruno Vicente Lippe. Formação de coalizões e apoio
partidário no presidencialismo brasileiro. Anais do 34.º Encontro
Anual da ANPOCS, Caxambú, Minas Gerais, out. 2010. Disponível
em: <http://portal.anpocs.org/portal/index.php?option=com_
docman&task=doc_view&gid=1575&Itemid=3>. Acesso em: 25 out.
2014.
347. Idem, ibidem.

146
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

o peso relativo dos partidos no Congresso Nacional, com o


objetivo de formar sua base de apoio no Legislativo. Segundo
Pasquarelli, desde 1985, com a posse de Sarney, até o final
do primeiro mandato de Lula, em 2006, todos os Ministérios
combinaram “o multipartidarismo com maior ou menor grau de
fragmentação e heterogeneidade ideológica”.348 Lula foi o Presidente
que trouxe o maior número de partidos para o alto escalão do
governo, nove, ao total (ao final de seu primeiro mandato).
Durante o primeiro mandato de Lula, o PT ficou com 18 das 30
pastas ministeriais – cerca de 60% do total. Porém, ao verificar a
proporcionalidade entre as pastas ministeriais conferidas a cada
partido e sua porcentagem de cadeiras na base de sustentação
parlamentar de Lula, Pasquarelli observou que tal formação
ministerial obteve um dos valores mais altos (0,64) entre 19
formações analisadas entre 1985 e 2006, isso porque “os membros
da coalizão governista eram partidos pequenos e a distribuição de
apenas uma pasta era suficiente para garantir a proporcionalidade
dos cargos ministeriais”.349 Porém, o segundo ministério de Lula
exibiu uma proporcionalidade mais baixa (0,51), sendo tal fato
atribuído à entrada do PMDB, que recebeu apenas dois cargos
ministeriais.350
De acordo com Pasquarelli, somados à distribuição dos
ministérios, a liderança partidária e o papel preponderante do
Executivo fomentam a disciplina partidária e, consequentemente,
a governabilidade. Nos primeiros anos de seu mandato, Lula
formou coalizões mais próximas ao perfil ideológico de centro-
esquerda. Porém, no mesmo período, houve uma queda da
disciplina partidária, principalmente devido ao aumento da
indisciplina do PP e do PDT. As tabelas abaixo mostram a
formação dos Ministérios e secretarias no primeiro ano de
governo do Presidente Lula:

348. Pasquarelli, 2010, op. cit., p. 8.


349. Idem, ibidem, p. 64.
350. Idem, 2010, p. 8-9.

147
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

TABELA 3 – Ministérios no momento da posse de Lula

Fonte: N
 unes, Felipe; Silame, Thiago Rodrigues. Contradições do
presidencialismo de coalizão: uma leitura do primeiro biênio do
Governo Lula. Revista Três Pontos, n. 1, p. 7-14, ano 3, Centro
Acadêmico de Ciências Sociais da UFMG, 2006, p. 12.

148
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

TABELA 4 – Secretarias no momento da posse de Lula

Fonte: Nunes, Felipe; Silame, Thiago Rodrigues. Op. cit., p. 12.

Segundo Pasquarelli, o desequilíbrio em termos da


proporcionalidade entre o peso legislativo dos partidos e sua
participação ministerial são fatores que podem explicar a
diminuição do apoio partidário. No mesmo sentido, para Nunes
e Silame, a coalizão governista mostrou-se problemática no
decorrer do primeiro mandato principalmente devido a dois
motivos. O primeiro, diz respeito à incorporação de partidos
ideologicamente distantes à base aliada do governo, o que deu
causa a conflitos no interior da coalizão governista. Com a
entrada, em prol da governabilidade, do PMDB, do PL e do PTB
na coalizão, foram criadas disputas internas entre os partidos de
esquerda que compunham a coalizão. Na medida em que o governo
tende a atender as demandas dos partidos posicionados à direita
e ao centro ideologicamente, as diferenças dos interesses de cada
grupo acabaram por criar incentivos à indisciplina nas votações
governistas que necessitam de uma coalizão disciplinada, já que
cada grupo busca que seus interesses sejam atendidos.351 Assim,

351. Segundo os autores, a diversidade de ideologias presentes na coalizão


“se mostrará um problema se levarmos em consideração as preferências
históricas de cada partido. Cada ponto da agenda do Executivo teve que
ser negociado de forma ad hoc, e a cada negociação o governo teve que
oferecer incentivos à cooperação aos partidos mais distantes do programa
do governo. Esta dinâmica pode gerar um desgaste do Executivo

149
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

o governo enfrentou o desafio de conseguir conciliar interesses


distintos. O segundo motivo, faz referência à estratégia adotada
pelo governo de montar um ministério que favorecia o PT, como
forma de compensar a ampliação das alianças, fato que, por sua
vez, reduziu os incentivos à cooperação dos partidos à direita da
coalizão com a agenda proposta pelo Executivo.352
Como visto na tabela acima, o PT tomou posse dos
maiores ministérios das áreas política, econômica e social (Casa
Civil, Saúde, Educação, Previdência, Fazenda, Planejamento
e Desenvolvimento social). Nas secretarias, o partido do
presidente também é hegemônico na ocupação de cargos.
Nestes primeiros anos de governo, o PT obteve cerca de 52%
dos ministérios, enquanto ocupava apenas 17,7% das cadeiras na
Câmara. Assim, a distribuição dos ministérios não considerou
o peso proporcional dos demais partidos integrantes da base
aliada, cabendo a eles a ocupação de poucos ministérios, cargos
de segundo escalão, assim como chefias em empresas estatais.
Assim, apesar do Executivo buscar a formação de um governo
de coalizão, não houve uma efetiva repartição do poder.353
Tal fato gerou uma insatisfação crescente no interior da
coalizão governista, desencadeando uma crise política que chegou
ao seu ápice em maio de 2005, quando foi veiculada na mídia a
denúncia do caso mensalão.354 De acordo com o autor, enquanto o
PT possuía 29% da base parlamentar, controlava cerca de 60% dos
ministérios. Por sua vez, o PMDB representava 25% da maioria
legislativa, mas só estava a frente de dois ministérios (6% do

com os partidos mais próximos ideologicamente do seu programa,


principalmente com o partido do presidente” (Nunes, Felipe; Silame,
Thiago Rodrigues. Contradições do presidencialismo de coalizão: uma
leitura do primeiro biênio do Governo Lula. Revista Três Pontos, ano 3,
n. 1, p. 7-14, Belo Horizonte: Centro Acadêmico de Ciências Sociais da
UFMG, 2006, p. 13.
352. Idem, ibidem, p. 12.
353. Idem.
354. Idem.

150
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

total).355 Segundo Nunes e Silame, no primeiro ano de mandato


de Lula, o PMDB não recebeu qualquer cargo ministerial, mas,
mesmo assim, apoiou o Executivo nas votações no Congresso
Nacional. Com a incorporação do PMDB à coalizão, em 2004,
a insatisfação de tal partido em relação à distribuição de cargos
ministeriais levou à redução do apoio ao partido do governo.356
Tal cisão pode ser observada nos dados de comportamento
parlamentar elencados na tabela abaixo, que mede o apoio dos
partidos da coalizão ao governo utilizando o índice de Rice.357

TABELA 5: Índice de Rice médio segundo partido e coalizão


governativa – 2003 e 2004. (Lula*: PT, PCdoB, PSB, PDT, PPS, PV,
PTB, e PL / Lula**: PT, PCdoB, PSB, PPS, PV, PTB, PL e PMDB)

Fonte: Nunes; Silame, op. cit., p. 13.

355. Pasquarelli, 2011, op. cit.


356. Nunes; Silame, op. cit.
357. “Trata-se de um índice flexível, intuitivo e facilmente interpretável,
que é calculado como sendo a diferença (em valores absolutos) entre
o percentual de votos ‘sim’ e o percentual de votos ‘não’. O índice pode
variar de zero (quando metade votou ‘sim’ e a outra metade votou ‘não’)
a 1 (quando todos votaram da mesma forma)” (Neiva, Pedro Robson
Pereira. Coesão e disciplina partidária no Senado Federal. Revista Dados
de Ciências Sociais, v. 54, n. 1, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/dados/v54n2/v54n2a03.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2014.

151
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Como se pode observar na tabela acima, o PMDB


cooperava mais com o governo antes de entrar formalmente
para a coalizão. Vale ressaltar que as disputas internas entre PT
e PMDB levaram a certa ambiguidade, sendo difícil definir se o
PMDB estava ou não no governo nesse período inicial. Porém,
a manutenção de uma postura ambígua mostrou-se interessante
para o partido naquele momento, que posteriormente acabou
sendo recompensado com o aumento significativo de sua
representação em número de ministérios, levando-nos a supor
que talvez estivéssemos diante de uma estratégia utilizada
pelo PMDB para aumentar seu poder dentro da coalizão do
governo.358 A tabela também auxilia a reforçar a importância
da coalizão na aprovação da agenda do Executivo. O índice de
Rice médio, considerando os partidos que compõe a coalizão no
primeiro ano do governo de Lula é de 90,5 – o que demonstra
grande apoio da base ao governo. Depois da primeira reforma
ministerial, o índice é de 81,6, continuando alto, mesmo diante
da insatisfação do PMDB, que possuía uma estratégia muito
mais retórica do que prática, no sentido de que não buscava
barrar a agenda governamental.359
Ainda, Pasquarelli analisa se, após os desequilíbrios
internos de 2005, o Executivo conseguiu apoio do Congresso
Nacional nos anos seguintes ou se obteve dificuldades na
governabilidade. Para tanto, verifica a composição partidária dos
ministérios, das comissões permanentes e das Mesas Diretoras
do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, destacando se
houve ou não o apoio partidário ao Poder Executivo através da
observação da disciplina partidária durante os anos de 2007 e
2008. No segundo mandato, Lula ampliou o leque de legendas
na coalizão, inserindo partidos ideologicamente posicionados
à direita e no centro e buscou alocar as pastas ministeriais
de acordo com as representações partidárias no Congresso
Nacional, além de nomear membros da coalizão para a

358. Freitas, op. cit.


359. Nunes; Silame, op. cit.

152
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

presidência de cargos legislativos. A formação de gabinetes


ministeriais com grande diversidade partidária refletiu-se no
aumento da bancada da Câmara dos Deputados em relação
aos anos anteriores. Entretanto, Lula também formou seus
ministérios com profissionais técnicos, sem filiação partidária.
Em 2010, por exemplo, 35% dos ministros não possuía filiação
partidária.360
Nesse contexto, interessante trazer ao debate o estudo
de Maria Celina D’Araújo, que examinou o perfil social e
político dos cargos de alto escalão do governo federal na gestão
de Lula. A pesquisa traz uma série de gráficos e tabelas, nas
quais a autora analisa as características do grupo dirigente do
governo Lula. A pesquisa demonstra que, pela primeira vez
na história brasileira, antigos líderes sindicais participaram
intensamente de altos cargos no governo, fato que não chega
a ser surpreendente, levando-se em consideração que o PT,
assim como o próprio presidente, tinha fortes ligações com o
setor. De acordo com a autora, os ministros também mantinham
relações com os movimentos sociais, sendo que, de maneira
geral: 43% na primeira gestão e 45% dos ministros na segunda
gestão participaram de movimentos sociais de alguma forma, em
comparação com cerca de um quarto dos ministros nas gestões
presidenciais anteriores. Também é expressiva, em torno de 30%,
a participação em conselhos profissionais e de gestão. Dessa
forma, em sua administração, Lula incorporou aos ministérios
um maior número de pessoas vinculadas a sindicatos, centrais
sindicais e movimentos sociais. Além disso, como já apontado,
seu partido concentrou a maioria das pastas ministeriais.
Para D’Araújo, estes números sugerem que o governo Lula
representou uma gama de interesses mais diversos do que já
visto em governos anteriores.361 De acordo com Abers, Serafim
e Tatagiba:

360. Pasquarelli, 2011, op. cit., p. 20.


361. D’Araujo, Maria Celina. A elite dirigente do governo Lula. Rio de Janeiro:
Fundação Getulio Vargas, 2009.

153
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

“Ativistas que assumiram cargos na burocracia federal


frequentemente transformaram agências governamentais em
espaços de militância nos quais continuaram a defender bandeiras
desenvolvidas previamente no âmbito da sociedade civil. No governo,
tais ativistas buscaram construir e fortalecer espaços participativos
formalizados, que até então se restringiam a âmbitos municipais”.362
De maneira geral, a amostra analisada por D’Araújo revelou
um grupo de pessoas que ascendeu socialmente em relação a
seus pais. Ainda, apesar de destacar o crescimento do número
de mulheres e de profissionais provenientes do Nordeste, a
autora constatou a composição sexista e étnica do mesmo grupo,
formado majoritariamente por homens, brancos e oriundos da
região Sudeste do país, manifestando as desigualdades presentes
em nossa sociedade e a concentração do poder nas mãos de uma
parcela pouco representativa da diversidade nacional. Além disso,
verificou que os dirigentes públicos eram altamente escolarizados,
experiência profissional diversificada – principalmente em
atividades de docência, técnicas e de consultoria –, bem como a
maioria do grupo era composta por funcionários de carreira da
esfera federal, fator que autora afirma não invalidar a possibilidade
de forte envolvimento político e partidário. O conjunto analisado
também evidencia uma aproximação com atividades do terceiro
setor e acadêmicas, especialmente de ensino superior. Trata-se de
um grupo com cerca de 50 anos de idade e altamente engajado
em várias frentes de participação, especialmente com o terceiro
setor e na sociedade civil em geral. Interessante a constatação de
que, além do alto vínculo de cientistas sociais, centrais sindicais,
movimentos sociais e organizações da sociedade civil com o
PT, os médicos são a profissão que aparece de maneira mais
engajada e organizada com o partido. Nos dois governos de
Lula, a maioria dos ministros contava com experiência na área

362. Abers, Rebecca; Serafim, Lizandra; Tatagiba, Luciana. Repertórios de


interação Estado-sociedade em um Estado heterogêneo: A experiência
na Era Lula. Rio de Janeiro: Dados – Revista de Ciências Sociais, v. 57, n.
2, p. 325-357, Universidade do Rio de Janeiro, abr.-jun., 2014, p. 327.

154
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

legislativa e possuíam filiação partidária. Segundo a autora, trata-


se, em suma, de uma burocracia estatal politizada e socialmente
engajada.363
De acordo com Abers et al., os movimentos sociais também
experimentaram outros canais de comunicação, negociação e
colaboração com o Estado, tais como novas formas de negociação
baseadas em protestos e outros encontros, menos públicos e mais
personalizados, entre Estado e representantes de movimentos
sociais. No governo Lula, o mote “participação da sociedade”
abriu espaço para uma “combinação mais criativa de diferentes
práticas e rotinas, ampliando as chances de acesso e influência
dos movimentos sobre o Estado”,364 por certo, com variações
setoriais. Entretanto, sob a ótica das relações entre o Executivo
e os movimentos sociais, foram ampliadas as possibilidades de
combinações novas e criativas em relação aos padrões estruturais
de interação entre Estado e sociedade.365
A hipótese central do debate proposto pelas autoras é de
que a combinação de práticas e rotinas inovadoras de interação
do Estado com movimentos sociais pode ser explicada por dois
fatores: (a) padrões históricos de relação Estado/movimentos
em cada setor, expressando a heterogeneidade do Estado
brasileiro, e (b) a abertura no contexto do governo de Lula a um
experimentalismo inédito resultante da presença de aliados dos
movimentos em cargos de alto escalão no interior do Estado.366
No âmbito da política criminal, é fácil perceber a influência
que esta interação mais fluída gerou na criação de legislações
penais que garantem a proteção reivindicada por grupos sociais
que defendem direitos coletivos e de pessoas vulneráveis. É o
caso do movimento ambiental, de mulheres e idosos, que levaram
seus temas ao âmbito do Congresso Nacional e que geraram a

363. D’Araujo, op. cit.


364. Abers et al., op. cit., p. 327.
365. Idem, ibidem.
366. Idem.

155
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

intervenção do Estado através da legislação penal, como se verá


no apartado em que apresentamos o material empírico coletado.
Em seu segundo mandato, considerando todos os partidos
da coalizão governista com cargos no governo, percebe-se
a preponderância do PT (56%) e do PMDB (19,5%) nos
gabinetes ministeriais. Partidos como o PCdoB, PRB, PTB e
PV conseguiram porcentagens de ministérios semelhantes ou
iguais a sua representatividade na Câmara dos Deputados. Por
outro lado, o PDT, PP, PR e PSB ficaram sub-representados
nos ministérios, pois possuíam porcentagem maior no Poder
Legislativo.367 Ainda, de acordo com Pasquarelli:
“Os partidos com maior bancada na Câmara dos Deputados (PT
e PMDB) foram os que mais tiveram parlamentares eleitos para as
presidências das comissões permanentes dos dois mandatos de Lula.
Além disso, os partidos da base governista obtiveram, em média, 71%
das presidências entre 2003 e 2010, o que mostra que o Poder Executivo
conseguiu reunir uma maioria qualificada nas comissões da Câmara
dos Deputados. No Senado Federal, embora o PT não tenha conseguido
o maior número de presidências nas comissões, a base governista obteve
62% de representatividade para o cargo principal durante os dois
mandatos. Ou seja, mesmo nas comissões do Senado Federal, o governo
petista formou um bloco estável de apoio partidário”.368
Diante da pesquisa de Pasquarelli, verifica-se que o
governo de Lula conseguiu uma base de apoio estável nas Mesas
Diretoras, outro fator que ajuda a explicar o apoio do Poder
Legislativo ao Executivo. Na Câmara dos Deputados, a base do
governo alcançou a presidência de 75% das Mesas Diretoras,
além de 70% do número total de cargos. O PMDB foi o partido
com o maior número de cargos, sete. No Senado Federal, a
dinâmica manteve-se semelhante: o PMDB foi o partido com o
maior número de cargos (11) e o único que conquistou todas as
presidências da Casa.369

367. Paquarelli, 2010, op. cit., p. 9-10.


368. Idem, ibidem, p. 11-12.
369. Idem, p. 12.

156
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

A partir da análise dos cargos ministeriais, das comissões


permanentes e das Mesas Diretoras do Congresso Nacional,
percebe-se que no governo de Lula, o Executivo distribuiu
ministérios aos partidos da coalizão, assim como grande parte da
base aliada foi eleita para os principais cargos legislativos. Para
analisar se tal apoio foi suficiente para garantir a governabilidade
e a disciplina partidária, Pasquarelli buscou testar a hipótese
de poder de agenda do Executivo a partir da observação da
disciplina partidária entre os partidos da situação e da oposição,
analisando as votações nominais (882) que ocorreram na Câmara
dos Deputados durante os anos de 2003 e 2008.370
Nesse contexto, Palermo afirma a importância do papel
dos líderes partidários em colocar “ordem em sua tropa”, pois
é esta característica que vai garantir a supressão das incertezas
nos momentos de decisão legislativa.371 A partir da análise das
votações nominais ocorridas na Câmara dos Deputados durante
o governo Lula, Pasquarelli verifica que a disciplina partidária
é capaz de promover a eficácia governamental, pois, no período
analisado, o Executivo obteve apoio da coalizão governista, sendo
o índice da disciplina partidária dos parlamentares de 85,5%.
Mesmo o PMDB, partido historicamente conhecido por suas
divergências internas, teve alto índice de disciplina partidária.
Ao testar a tese de que os partidos políticos votam de acordo
com a indicação de urgência feita pelos seus respectivos líderes
partidários, a pesquisa analisou que, nas votações consideradas,
91% dos legisladores seguiram a indicação dos líderes dos partidos,
colaborando para apoiar o governo ou para fazer oposição ao
Poder Executivo. É possível verificar que a taxa de disciplina
manteve-se alta em praticamente todos os anos. Somente em
2006, após os escândalos do caso mensalão, o governo enfrentou
dificuldades com a coalizão do governo. Já entre os partidos de
oposição, a taxa de indisciplina partidária foi alta. DEM e PSDB,
os principais partidos oposicionistas, seguiram a indicação de

370. Paquarelli, 2010, op. cit., p. 13.


371. Idem, ibidem.

157
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

não apoiar o governo petista e obtiveram índices de disciplina


partidária em torno de 24,5% e 22,3%, respectivamente.372 O PT
foi o partido com maior índice de disciplina, com 94%, seguido
pelo PSDB (91%) e PMDB (88%).373
Limongi demonstra, em análise empírica, que o governo
Lula contou com o apoio médio de 89,1% dos deputados da base
do governo em 164 votações, garantindo assim a manutenção da
governabilidade. Ademais, constata que as derrotas do Executivo
não são resultado da indisciplina da base, mas da sua divisão
interna, ou seja, situações em que pelo menos um partido não
seguiu a orientação do líder do governo.374
A partir dos dados analisados, constata-se que, durante
o governo de Lula, o Executivo conseguiu impor seu poder
de agenda ao Legislativo através de mecanismos de urgência
dos líderes partidários e do próprio Executivo, de distribuição
de pastas ministeriais e de construção de maiorias nas Mesas
Diretoras e nas comissões do Congresso Nacional, reduzindo uma
atuação indisciplinada do Legislativo. Com isso, principalmente
a partir das negociações com os líderes partidários da coalizão,
o Executivo conseguiu antecipar as reações dos legisladores,
facilitando a aprovação de seus projetos.375 Verifica-se que,
mais do que centralizar o poder decisório, o Executivo trabalha
diretamente com um número reduzido de atores, como os líderes
partidários. Assim, se os partidos, em coalizões multipartidárias,
costumam ser uma ponte entre o Executivo e o Legislativo e se
os líderes partidários têm poder efetivo, há realmente poder no
Congresso, ou seja, o Executivo não age sozinho e esse poder
é ainda mais disperso se o número de partidos na coalizão
governista for alto.376

372. Pasquarelli, 2010, op. cit., p. 14.


373. Idem, ibidem, p. 14-15.
374. Limongi, op. cit., p. 25.
375. Pasquarelli, 2011, op. cit., p. 87.
376. Idem, ibidem.

158
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

Dessa maneira, é possível perceber a concentração de


poderes no arranjo institucional brasileiro, já que em relação ao
momento de tomada de decisões, a organização dos trabalhos
legislativos gira em torno, principalmente, das lideranças
partidárias. Percebe-se, também, que a formação de coalizões
majoritárias, ainda que a partir da união de partidos com distintos
interesses segundo sua concepção ideológica, não constitui uma
exceção. Com efeito, o governo de Lula não fugiu à regra, ou
seja, também buscou formar uma base de apoio majoritária.
Nesse contexto, verifica-se que a formação de gabinetes de
coalizão, além de possibilitar o respaldo parlamentar necessário
para a garantia dos interesses do Executivo na arena legislativa,
também tem efeitos significativos sobre a própria estrutura do
Poder Executivo. De acordo com Palermo, fundamentalmente,
“redefine sua natureza como arena política a ponto de se
distinguirem dois campos: o presidente e a Presidência”.377 Isso por
que o presidente deve dar alguma expressão em seu gabinete
aos atores partidários que possam lhe garantir respaldo no
Congresso Nacional. Obviamente, o presidente continua
sendo um ator individual, mas, neste contexto, “a Presidência
deve ser entendida como um ator coletivo”.378 Palermo explica
que os ministros podem expressar interesses e orientações
distintas aos do presidente, assim como dispõem de certa
margem de autonomia no processo de formulação de políticas
públicas. Assim, o núcleo de poder decisório não estaria
radicado no chefe do Executivo, mas na coalizão governista.379
De acordo com o autor, desta maneira, “a autonomia do presidente
encontra limites, portanto, em um arco duplo: a Presidência como tal

377. Palermo, 2000, op. cit., s.n.


378. Idem, ibidem.
379. Idem, ibidem. Em seu trabalho, Andréa Marcondes de Freitas verifica
que o presidente exerce seu poder de veto em muitos dispositivos
inseridos em projetos originais advindos do próprio Executivo. Isso por
que, como referido, o Executivo é um ator coletivo e não individual.
Vetando tais dispositivos, a agenda presidencial pode ser restaurada.

159
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

se depara com eles no Congresso; o presidente, por sua vez, enfrenta-


os dentro da própria Presidência”.380
Freitas também ressalta as consequências da formação
de uma coalizão no modus operandi do sistema político. Nesse
sentido, a autora afirma que, ao formar a coalizão, o presidente
divide seu poder com os partidos que a compõem, pois “firma
um acordo que obscurece as distinções entre os Poderes Executivo e
Legislativo”.381 Isso por que a formação de uma coalizão diminui
a distância entre Executivo e Legislativo, pois os partidos
políticos com representação no Executivo, ou seja, aqueles
que recebem pastas ministeriais, também estão presentes no
Congresso Nacional. Portanto, para Freitas, a coalizão seria “o
modo pelo qual se obtém a coordenação entre os poderes, em que a
separação formal entre os poderes é substituída por sua articulação”.382
Em sua pesquisa, Freitas busca compreender como
funcionam as coalizões que sustentam o Executivo no Brasil,
direcionando seu olhar para o processo legislativo no Congresso
Nacional. Segundo a autora, a formação de coalizões implica
na repartição do poder, o que significa que todos os partidos
que formam a coalizão tem um papel na formulação e na
implementação de políticas. Assim, a coalizão não pode ser
entendida como um limite ao poder presidencial, mas como a
forma que este toma, ou seja, “a coalizão é o que torna este poder
efetivo”.383 Através da análise do processo de produção de leis, a
autora busca identificar como se materializa o acordo genérico
firmado entre os partidos no momento da formação da coalizão,
e como se expressa no momento em que políticas específicas
são aprovadas.384 De acordo com Freitas, o acompanhamento
dos projetos propostos pelo Executivo permite identificar, de
maneira concreta, a forma como a coalizão constrói o consenso

380. Palermo, op. et loc. cit.


381. Freitas, op. cit., p. 23.
382. Idem, ibidem.
383. Idem.
384. Idem, p. 24.

160
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

necessário para a aprovação da sua agenda. Destaca, ainda, que a


maioria das alterações à proposição original do Executivo parte
de membros da coalizão (que também têm mais chances de serem
bem sucedidos nas modificações propostas), representando
ajustes, correções e negociações que expressam, justamente, o
funcionamento da coalizão, foco do trabalho da autora.385
Além dos benefícios tradicionalmente medidos pela
concessão de cargos e fatias do orçamento da União, a autora
destaca a possibilidade de os partidos alcançarem seus objetivos
em termos de políticas públicas como um incentivo para
unirem-se à coalizão. Isso por que, tanto o Legislativo quanto
o Executivo tem um objetivo em comum: alterar o status quo,386
e isso só é possível se o Executivo e a maioria do Legislativo
concordarem. Segundo Freitas, a manutenção de seus cargos
exige que aprovem e implementem políticas, mesmo que
o façam apenas em favor de seus eleitores e financiadores de
campanha. Com a mesma motivação, “presidente e legisladores
procuram coordenar suas ações para alcançar esse objetivo e manter

385. Palermo, op. et loc. cit.


386. A autora explica que: “todo político em sua campanha promete
mudanças no status quo, cada promessa, das mais concretas, construção
de pontes, escolas, as mais abstratas, melhorias na saúde e educação,
exigem mudança no status quo. (...) Obviamente, podemos imaginar
que um candidato proponha a manutenção de política específica, para
exemplificar, lutará contra qualquer proposta que permita o casamento
entre pessoas do mesmo sexo. Mas esses casos serão exceções”. Ainda,
aponta que, “todos os políticos querem votos, mas votos não tem um
fim em si mesmos. Os políticos almejam votos porque ambicionam
alcançar cargos. Uma vez conquistado o cargo, precisarão manter o
cargo e, para ampliar seu poder, alcançar cargos mais altos. E, para isso,
deverão diferenciar-se dos demais políticos, produzindo resultados, seja
produzindo políticas ou barrando-as. Em grande medida, a manutenção
de cargos, depende da aprovação de uma agenda. Assim, a centralização
da agenda legislativa no Executivo, momento em que os parlamentares
individuais passam a não ter meios de, sozinhos, levar benefícios a seus
eleitores, sua sobrevivência eleitoral passa a depender das políticas
propostas pelo seu partido, favorecendo um comportamento disciplinado
e voltado para políticas nacionais” (Freitas, op. cit., p. 31-53).

161
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

as mudanças o mais perto possível de suas preferências”.387 Como se


sabe, para a aprovação de projetos de lei, é necessária a formação
de uma maioria, e tal processo exige uma coordenação, exercida
pelos partidos políticos. O fato de os presidentes dividirem seu
poder e formarem coalizões é uma evidência empírica de que
os atores envolvidos percebem a necessidade de coordenação
para alcançarem seus objetivos. Assim, “coalizões são formadas por
razões pragmáticas e óbvias: aumentar as chances de aprovar projetos
ou uma agenda no Legislativo”, o que indica a efetiva preocupação
com a aprovação de políticas.388
Distribuindo pastas ministeriais, o presidente oferece
aos partidos da coalizão mais do que apenas acesso a
recursos e cargos. Os ministérios também são responsáveis
pela formulação de políticas e definem os rumos da agenda
presidencial. Desse modo, a autora afirma que ao formar uma
coalizão, o governo também divide a responsabilidade sobre as
políticas governamentais. Ao chegar no Legislativo, os projetos
passam a ser debatidos e negociados pelos demais membros da
coalizão, momento em que a agenda deixa de ser do presidente
ou do partido do presidente, “passando a ser a agenda da maioria,
formatada pela coalizão”,389 ou seja, a agenda do Executivo
aprovada deve ser entendida como a agenda dos partidos que
fazem parte da coalizão.
Por tais motivos, Freitas busca analisar, por meio das
alterações realizadas em projetos do Executivo, o papel dos
legisladores na elaboração das políticas, como tal processo
é coordenado, quais os atores envolvidos e qual o papel dos
partidos políticos e da coalizão. Como dito, quando uma
proposta chega ao Legislativo, ela representa as preferências
da coalizão, representada no Legislativo e a qual orientará a
tramitação do projeto no interior das casas legislativas. Porém,

387. Freitas, op. cit., p. 31.


388. Idem, ibidem, p. 45-46.
389. Idem, p. 25.

162
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

ao adentrar o Legislativo, um projeto passará por comissões,


onde será avaliado sob a coordenação de um relator (nomeado
pela presidência da comissão com a anuência dos líderes
partidários). Neste momento, novas informações sobre a matéria
são adicionadas, inclusive por grupos da sociedade civil, e os
parlamentares poderão apresentar pontos de discordância em
relação à proposição original do Executivo. Segue-se, então, um
intenso processo de barganha, já que, ao entrar no Congresso,
a matéria tornar-se pública, momento em que a totalidade da
oposição, da coalizão e sociedade civil vão entrar no debate.
De acordo com Freitas: “o Legislativo é, então, a arena onde se
constrói o consenso necessário – entre a maioria – para a aprovação
da matéria, sendo esse consenso construído por meio da atuação dos
legisladores e do emendamento dos projetos”.390
Nesse contexto, vale destacar que qualquer parlamentar
pode propor alterações aos projetos enviados pelo Executivo.
Porém, aprová-las depende da coordenação e formação de
maiorias nas comissões temáticas (no tocante ao mérito), na
comissão constitucional, que sejam aprovadas no Plenário
pela maioria da primeira casa, devendo passar novamente aos
escrutínios das comissões para serem, por fim, aprovadas pela
maioria do Plenário da segunda casa, devendo passar ainda pelo
escrutínio do chefe do Executivo, que pode vetá-las. Assim, a
autora explica que a proposição de uma emenda pode ser uma
representação do desejo individual do parlamentar. Porém, ao
ser aprovada, ela é a representação da preferência da maioria
legislativa, bem como do Presidente da República. Ou seja, as
alterações do projeto original advindo do Executivo expressam
as preferências construídas coletivamente.391
Em seu trabalho, a autora analisa uma a uma as alterações
realizadas pelo Legislativo (emendas e projetos substitutivos),
identificando o autor de cada uma das modificações e o

390. Freitas, op. cit., p. 68.


391. Idem, ibidem.

163
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

conteúdo delas em comparação ao projeto original, tanto na


Câmara dos Deputados como no Senado Federal. Por fim,
comparou o projeto final que saiu do Congresso com os vetos
presidenciais. Com isso, buscou mapear a participação de cada
partido, de cada casa legislativa e de cada poder nas propostas
do Executivo. Desse modo, conseguiu identificar os pontos
de divergência entre Legislativo e Executivo, assim como o
processo de negociação para se chegar ao consenso no interior
da coalizão, fator necessário para se obter os altos índices de
disciplina já demonstrados anteriormente. O universo de análise
da autora se deu a partir da escolha dos projetos oriundos do
Executivo que tiveram alterações vetadas, total ou parcialmente,
por demonstrarem a existência de um conflito mais evidente
entre Executivo e Legislativo. O período analisado vai de 1995,
início do mandato de Fernando Henrique, até 2010, final do
governo de Lula. Abaixo, segue tabela elaborada por Freitas, em
que é possível verificar a composição das coalizões analisadas no
período, assim como o número de cadeiras que cada coalizão
possuía no Legislativo.392

392. Vale recordar que, de acordo com a autora, as coalizões não se formam
e permanecem as mesmas durante um mandato presidencial. A
demarcação do início e do fim de uma coalizão é feita utilizando alguns
critérios, a saber: (a) quando um partido que não faça parte da coalizão
ganha um ministério; (b) quando um partido que faça parte da coalizão
perca todos os ministérios que ocupava; (c) a cada nova eleição ou
reeleição. Freitas, op. cit.

164
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

TABELA 6 – Coalizões governamentais

Fonte: Freitas, op. cit., p. 168.

Em seus resultados, Freitas verifica a intensa participação


do Legislativo na definição das políticas, com um grande
número de alterações feitas dentro das casas legislativas.
Grande parte dos dispositivos advindos do Legislativo inclui
novo conteúdo aos projetos do Executivo. Ainda, uma parte
significativa do trabalho consiste em retirar conteúdo existente
no projeto original, enquanto uma parcela menor pretendia
modificar o conteúdo das propostas do Executivo. Dos 179
projetos analisados, apenas 4 não receberam alterações no
interior do Legislativo. Analisando o grau de contribuição de
cada poder para o resultado final da legislação, Freitas aponta
que, em média, 36% do texto das leis foi determinado no interior
do Legislativo, enquanto o Executivo contribuiu com cerca de
64% do texto legal das leis analisadas. Ainda, verifica que a
maioria das alterações propostas pelo Legislativo são elaboradas
no interior das comissões, sendo os relatores responsáveis por
cerca de 80% das alterações, demonstrando a importância desse

165
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

ator na coordenação das preferências do Legislativo.393 Nesse


sentido, de acordo com a autora: “Embora a maior parte das leis
seja oriunda de projetos do Executivo, o Legislativo não se isenta de
seu papel. Ele delibera os projetos e os altera quando entende que é
necessário. E as alterações têm impacto considerável no ordenamento
jurídico do país”.394
Ainda, Freitas sustenta que é possível verificar a coalizão
trabalhando através do processo de alteração das propostas
submetidas ao Legislativo. Analisando o número e a porcentagem
de alterações feitas por partidos e pela relação do partido com
o Executivo, Freitas observou que 85% das alterações são feitas
por membros da coalizão. No início do governo de Lula, quando
a coalizão era minoritária, com, respectivamente, 33% e 26%
das cadeiras na Câmara e no Senado, a participação da oposição
era considerável, sendo grande parte das alterações que PSBD e
DEM fazem à legislação na condição de oposição são realizadas
nesse período. Assim, importante ressaltar o papel das coalizões
majoritárias, pois, quando minoritárias, a coalizão deve negociar
com os partidos de oposição. No primeiro governo de Lula, a
participação do DEM na relatoria de propostas oriundas do PT
não é pequena, sendo a participação da oposição um efeito da
coalizão minoritária.395
A autora destaca que os partidos da coalizão revezam-se
na relatoria de comissões para possibilitar um controle cruzado
das políticas. Ou seja, quando um ministro de um partido for
autor de uma proposta, o mesmo partido não pode ser o relator
da proposta. Assim, quando um ministro do partido A for autor
de uma proposta, os partidos da coalizão tentarão distribuí-la
no interior do Legislativo para um relator do partido B, parceiro

393. É nas comissões que o conteúdo do projeto é definido. Assim, é nessa


instância em que ocorrem as negociações mais intensas e, a partir daí,
chega-se ao consenso em torno das propostas discutidas no Legislativo.
Freitas, op. cit., p. 116.
394. Idem, ibidem, p. 93.
395. Idem, p. 133-137.

166
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

na coalizão. Com isso, “haveria um controle mútuo dos membros


da coalizão, evitando que os partidos abusem do poder que lhes foi
delegado”.396 No primeiro governo Lula, o PT assina quase todos
os projetos oriundos do Executivo e um terço desses são relatados
pelo próprio partido. Os demais projetos de autoria do PT são
relatados majoritariamente pelo PMDB, ainda que todos os
partidos da coalizão tenham relatado ao menos um projeto do
PT. No segundo governo de Lula, novamente o PT apresenta
a maioria dos projetos oriundos do Executivo. A relatoria pelo
PMDB cresce, mas o PT mantém relatando parte significativa
de seus próprios projetos. O PMBD também apresenta mais
projetos em comparação ao primeiro governo. A relatoria de tais
projetos é distribuída entre os partidos da coalizão, apesar do
PMBD analisar diversos projetos de sua própria autoria. Além
do PT e do PMDB, apenas o PR (antigo PL) assina e relata
suas próprias propostas. A relatoria dos projetos advindos de
outros partidos da coalizão é concentrada no PT, no PMDB e
no PR, sendo notável o aumento significativo da participação
desse último, tanto na apresentação de projetos quanto em
relatorias. Assim, no governo Lula, verifica-se que o partido do
presidente parecia ter mais controle do processo legislativo como
um todo do que seus parceiros na coalizão. Porém, vale registrar
que apenas 30% dos projetos foram assinados e relatados por
membros do mesmo partido, demonstrando o controle cruzado
dos partidos da coalizão.397 Freitas afirma que o PT centralizou
muitas decisões sobre políticas no interior do Executivo.
Porém, por outro lado, suas propostas foram distribuídas para
um número maior de atores no Legislativo, em comparação ao
governo de FHC.
Analisando os vetos presidenciais, a autora verifica que as
alterações advindas da oposição são duas vezes mais vetadas dos
que as alterações propostas pela coalizão. Assim, fazer parte
ou não da coalizão do governo faz uma diferença significativa

396. Freitas, op. cit., p. 135.


397. Idem, ibidem, p. 140-141.

167
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

para obtenção de sucesso em relação às alterações propostas.


Para Freitas, mais do que o conflito entre os poderes, os vetos
significam os últimos ajustes em uma agenda compartilhada
pelos membros da coalizão.398
No governo Lula, como demonstrado pelas pesquisas de
Pasquarelli, D’Araújo e Limongi, as pastas ministeriais ficaram,
em sua grande maioria, nas mãos do PT, ainda que o restante
tenha sido distribuído entre uma gama de partidos heterogêneos
em suas bases ideológicas. Desta forma, ambas as características,
ou seja, tanto a prevalência do PT como a existência na coalizão
de partidos distintos em suas bases ideológicas, podem ter
influenciado nas diretrizes do governo Lula no que tange à
política criminal. Por um lado, a ampla maioria de ministros
provenientes do partido pode ter facilitado no encaminhamento
de políticas na direção desejada pelo governo, ao passo que
também tiveram que negociar com os partidos da coalizão com
a finalidade de implementar ou barrar algumas medidas. De
acordo com Palermo:
“Teoricamente, no presidencialismo, o presidente é eleito e
estrutura o gabinete para levar a cabo ‘suas’ políticas. No Brasil, o
presidente certamente conta com esta prerrogativa; no entanto, deve
estruturar o gabinete levando em conta um duplo propósito, que dá
ao presidencialismo brasileiro seu toque particular: por um lado, deve
fazê-lo em função de seus objetivos de política pública geral e setorial;
por outro, dada a meta de organizar o apoio dos partidos políticos no
Congresso”.399
Entretanto, percebe-se que o quadro institucional brasileiro
apresenta muitos elementos que jogam a favor do presidente de
forma a permitir-lhe a manutenção de uma coalizão disciplinada.
De qualquer forma, o chefe do Executivo deve negociar com
os diversos atores presentes no governo. Também é possível
notar que os partidos dispõem, na própria arena presidencial, de

398. Freitas, op. cit., p. 145.


399. Palermo, op. cit., s.n.

168
4 ▪ Reflexões acerca do sistema político brasileiro

influência e canais de acesso permanentes. Assim, nem sempre


(ou quase nunca) o presidente pode definir com liberdade o
conteúdo das políticas públicas, mas, nesse contexto, o que pode
fazer é evitar que o rumo seja contrário aos seus interesses.
Deste modo, verifica-se que, como defendido por autores
como Limongi e Figueiredo, governos que conseguem formar
coalizões majoritárias atenuam as dificuldades em relação à
governabilidade. Ainda, de acordo com as análises empíricas
elaboradas por Pasquarelli e Freitas, durante o governo Lula, a
governabilidade foi mantida, principalmente, devido ao apoio da
base governista e da disciplina partidária. No período analisado,
o Poder Executivo conseguiu o apoio do Congresso Nacional
devido o apoio da coalizão do governo que, por sua vez, foi
recompensada através da barganha ministerial, por fatias do
orçamento e pela repartição da responsabilidade pela formulação
e implementação de políticas públicas, o que foi capaz de garantir
a governabilidade e a funcionalidade do presidencialismo de
coalizão durante o governo de Lula.400 De fato, para a cooperação
entre os poderes ser constante, as negociações e a atenuação dos
conflitos no interior das coalizões são fundamentais.
Evidencia-se assim que o sucesso das proposições do
Executivo não é resultado de negociações caso a caso, mas
sim do fato de que o governo controla a produção legislativa e
esse controle é resultado da interação entre poder de agenda e
apoio da maioria. Ou seja, quando o Executivo consegue obter
o apoio da maioria, o processo decisório legislativo o favorece,
tornando previsíveis as objeções do Congresso, sendo o governo
capaz de estruturar e preservar sua base de apoio encaminhando
ao Plenário somente as normas de provável aceitação, e não
enfrentando o debate sobre temas em que há risco de ruptura
da coalizão governista.401 Também, foi possível perceber que a
coalizão pode controlar o processo no interior do Legislativo,
coordenando as alterações aos projetos de lei, principalmente

400. Pasquarelli, 2010, op. cit., p. 16.


401. Idem, ibidem, p. 28.

169
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

através da atuação dos relatores, representantes dos partidos


que compõem a maioria. A aprovação dos projetos oriundos do
Executivo não pode ser explicada sem referência ao papel dos
partidos políticos que fazem parte da coalizão, uma vez que a
maioria é quem definirá a agenda aprovada pelo Legislativo.
Por fim, importante a reflexão de que a formação da
coalizão governista vai gerar impactos na agenda do Executivo,
ou seja, uma composição heterogênea em termos de espectros
ideológicos ou com um grande número de atores que participam
nas decisões, pode resultar em diretrizes políticas distintas, dada
a capacidade da coalizão em gerar influências nos conteúdos
das políticas públicas. Isso por que, como visto, a formação de
coalizões pressupõe a divisão de poder e de responsabilidade
sobre o conjunto de políticas, ou seja, todos os partidos que
formam a coalizão participam e contribuem para o resultado
final do processo decisório. Assim, quanto maior o número de
atores e espectros ideológicos envolvidos na coalizão, maior a
ambivalência na elaboração dos projetos do Executivo. Por tais
motivos, suspeita-se que, em alguma medida, tais elementos
podem explicar as ambiguidades e contradições da política
criminal desenvolvida nos últimos anos, suposição que se
pretende aprofundar quando da análise das reformas legais
realizadas durante o governo Lula.

170
5
Resultados da pesquisa
empírica: como a questão
da penalidade foi trabalhada
durante o período do Governo
de Lula?

5.1 Notas metodológicas

Neste capítulo, apresentamos os dados coletados durante a


pesquisa empírica. Foram elaborados três bancos de dados das
leis analisadas, um referente às leis aprovadas (40) no período
(2003-2010), outro referente às leis propostas pelo Executivo
(31) durante o período e, por fim, um banco de dados referente
aos vetos presidenciais (12) no tocante às leis aprovadas.
As leis foram coletadas nos sites da Presidência da
República, do Senado Federal (Sicon – Sistema de Informações
do Congresso Nacional) e da Câmara dos Deputados. Nos
arquivos on-line, buscamos a legislação aprovada no Portal da
Legislação do Governo Federal, no subitem leis ordinárias e leis
complementares. O site do Planalto permite a pesquisa por ano,
mostrando as ementas das leis, os vetos e o texto integral. No
total, foram encontradas 66 leis aprovadas entre 1.º.01.2003 e
01.01.2010 que faziam alguma referência aos termos “pena” ou
“crime”. Após a coleta das leis, utilizamos o serviço de pesquisa
do Sicon, do Senado Federal, que nos permite conhecer o

171
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

autor e o número do projeto de lei que originou a norma legal.


Em seguida, no site da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, com o número do projeto de lei, foi possível observar
as informações gerais dos projetos, como data de apresentação,
partido do proponente da lei e seu estado, e a Casa iniciadora da
tramitação do projeto.
Ao construir o banco de dados com toda a legislação aprovada
no período, organizamos as leis encontradas em uma planilha, com
a finalidade de obter uma fácil visualização dos dados, almejando-
se selecionar apenas as leis que diziam respeito à sanção penal.
Do total coletado, 26 foram excluídas da análise após a leitura
do texto integral. Essas leis foram descartadas por não alterarem
as punições ou os arranjos institucionais a elas relacionados.
Como exemplo de leis descartadas, destaca-se a Lei 10.778/2003,
que determina a notificação compulsória, em todo o território
nacional, da violência contra a mulher atendida em serviços de
saúde públicos e privados, a Lei 11.259/2005, que determina a
investigação imediata em casos de desaparecimento de crianças e
adolescentes, a Lei 12.037/2009 que dispõe sobre a identificação
criminal do civilmente identificado, a Lei 11.900/2009 que
possibilita o interrogatório por videoconferência. Ainda, a maioria
da legislação descartada tratava de penalidades administrativas
(por exemplo, as Leis 11.334/2006, 12.038/2009, 11.970/2009
e 11.941/2009). Desta forma, o universo de leis aprovadas
selecionadas para análise é composto por 40 leis.
Em seguida, na planilha, coletamos informações gerais
sobre as leis, quais sejam: número da lei, ano em que foi
sancionada, dia e mês da sanção presidencial, tipo de lei, ementa,
veto (sim ou não), número do projeto de lei originário, origem
(Câmara dos Deputados, Senado Federal, Congresso Nacional
ou Executivo), data da propositura, tempo de tramitação, autor,
partido/estado do autor. Assim, o banco de dados permitiu que a
sistematização das informações gerais do processo de tramitação
das leis do Congresso Nacional até a sanção presidencial. A
partir desses dados, elaboramos a análise quantitativa que poderá
ser observada nos apartados subsequentes.

172
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Ainda, foi elaborado um banco de dados com as leis


propostas pelo Executivo entre 01.01.2003 e 01.01.2010. A
pesquisa foi realizada no site da Câmara dos Deputados, no
item Atividade Legislativa, subitem Legislação, opção Pesquisa
Avançada, no dia 17.01.2014. No campo de pesquisa do site,
selecionamos a data (01.01.2003 à 01.01.2010), o tipo de lei
(leis ordinárias e complementares), o autor (Poder Executivo)
e utilizamos as palavras-chave “crime e/ou penal”. Inicialmente,
foram encontrados 31 projetos de lei originários do Poder
Executivo. Dentre estes, 10 foram excluídos por não tratarem
de sanções criminais ou arranjos institucionais relativos a
elas, como, por exemplo, o PL 6.493/2009, que tratava sobre
a organização da Polícia Federal, PL 5.228/2009, o projeto da
chamada Lei de Acesso à Informação, o PL 7.711/2007, que
tratava sobre programa de proteção a vítimas e testemunhas
ameaçadas de morte, o PL 2.313/2007, que institui o Pronasci e
o PL 7.251/2006, que dispõe sobre o mandato dos conselheiros
do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Posteriormente, organizamos os projetos de lei em uma planilha
com as seguintes variáveis: número do projeto, ano, ementa,
data de apresentação e situação do projeto (transformado em lei,
aguardando relatório de Comissão, arquivado etc.).
Com a finalidade de realizar uma análise qualitativa das leis
propostas pelo Executivo, elaboramos um espelho de pesquisa
inspirado no instrumento elaborado na pesquisa da Escola de
Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas para a Série
Pensando o Direito, intitulada Análise das justificativas para a
produção de normas penais.402 O espelho nos ajudou a conhecer
as justificativas mais utilizadas nos projetos de lei enviados ao
Congresso pelo Executivo. Entre as informações que buscamos
verificar estavam: se a justificativa mencionava episódio concreto;

402. Pires, Álvaro Penna; Machado, Maíra Rocha (coord.). Análise das
justificativas para a produção de normas penais. Escola de Direito de São
Paulo da Fundação Getulio Vargas, Série Pensando o Direito, Ministério
da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos, v. 32, 1/2009.

173
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

se mencionava dados empíricos; se mencionava decisão judicial


e/ou jurisprudência; se fazia referência à “impunidade”; se
fazia referência à “punitividade” (aumento da criminalidade,
aumento da importância de uma conduta); se fazia referência
à “periculosidade” (características individuais, personalidade); se
fazia referência à “insegurança” (medo do crime, defesa social); se
fazia referência a um “bem jurídico” (valor do objeto de proteção,
lesão, proteção); se fazia referência a uma “vítima” (reparação,
indenização, características da vítima para aumento/diminuição
da pena); se fazia referência a uma “repercussão” (mídia, opinião
pública, clamor social); se fazia referência à ideia de “última ratio”
(falência/ineficiência de outras respostas ou áreas sociais); se fazia
referência à ideia de “resposta à sociedade” (atores específicos,
movimentos sociais, demandas); se fazia referência à ideia de
adequação ao cenário internacional (convenções, tratados,
pressões de organismos internacionais); se fazia referência à
margem de atuação do juiz; se fazia referência à teorias da pena
(retribuição, dissuasão, ressocialização, neutralização); outro
termo ou conceito utilizado na justificativa; e, por fim, tamanho
da justificativa (até meia página, entre meia e uma página, entre
uma e duas páginas e mais de duas páginas).
Por fim, buscamos as mensagens de veto presentes em 12
das 40 leis aprovadas. Da mesma forma, buscamos os planos de
governo de Lula, cuja análise pode ser observada no próximo
apartado. Ainda, no site do Ministério da Justiça, no item
Execução Penal, subitem Sistema Prisional, foi possível acessar
o banco de dados Infopen, que nos fornece informações sobre a
quantidade de presos no Brasil por ano, os crimes que levaram
à condenação, presos definitivos e provisórios, dentre outras
variáveis. Criamos um banco de dados no Excel com os dados
sobre: total da população carcerária de 2000 a 2012, total de
presos no sistema penitenciário no mesmo período, presos
definitivos no regime fechado, presos provisórios, quantidade de
homens e mulheres presos, total de pessoas presas por crimes
(tráfico de drogas, roubo simples, roubo qualificado, homicídio
simples, homicídio qualificado, furto simples, furto qualificado e

174
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

receptação), total de pessoas presas por grupo de crimes (contra


o patrimônio, contra a pessoa, lei de armas e lei de drogas). No
último apartado do trabalho é possível verificar os dados e os
gráficos gerados a partir deles.

5.2 Diretrizes e planos de governo


Apontamos agora algumas diretrizes do governo de Lula,
especialmente no que diz respeito à segurança pública, que, apesar
de não ser o foco principal do nosso trabalho, vai influenciar as
reformas da política criminal elaboradas pelo governo. Ressalta-
se que, neste momento, não pretendemos analisar o governo
Lula como um todo, apenas destacar algumas características
apontadas por estudos sobre o tema, assim como conhecer os
planos de governo elaborados nas disputas eleitorais de 2002 e
2006.
De acordo com Sá e Silva, até o início dos anos 2000 o
panorama da segurança pública no Brasil era marcado pela
rígida divisão de competências no plano federativo, conferindo
aos estados grande autonomia na concepção e execução de
suas próprias políticas e iniciativas no setor. Desta maneira, a
ação do governo federal resumia-se à mobilização da Polícia
Federal (responsável pela apuração dos crimes de competência
da Justiça Federal) e da Polícia Rodoviária Federal. Uma
segunda característica destacada pelo autor era a centralidade da
ação ostensiva das polícias estaduais, endossada, ainda que por
omissão, pelo governo federal.403
Já no primeiro governo de FHC (1994-2002), do PSDB,
que governou com uma coalizão de partidos de centro-direita,
o panorama começou a mudar. A percepção cada vez maior de
uma crise da segurança pública obrigou o governo federal, desde
a segunda metade da década de 90, a assumir um protagonismo
maior na elaboração e indução de políticas de segurança nos

403. Sá e Silva, op. et loc. cit.

175
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

estados. Assim, foi criada a Secretaria Nacional de Segurança


Pública (Senasp), em 1996, vinculada ao Ministério da Justiça,
foram lançados sucessivos planos nacionais de segurança
pública,404 assim como foi criado o Fundo Nacional de Segurança
Pública (FNSP), viabilizando um maior poder de indução e
articulação sistêmica de iniciativas no setor por parte do governo
federal.
Tais políticas tiveram continuidade nos governos de Lula,
do PT, que assumiu a presidência a frente de uma coalizão
situada à centro-esquerda do espectro político nacional. Depois
de três tentativas anteriores (nos anos de 1989, 1994 e 1998),
nas eleições de 2002 Lula foi eleito Presidente da República.
Com uma trajetória construída a partir da luta sindical nos anos
70, que culminou com a fundação do PT no início dos anos 80,
chega à presidência em uma coalizão que reuniu os partidos do
chamado bloco democrático e popular, notadamente o Partido
Socialista Brasileiro e o Partido Comunista do Brasil, tendo
como prioridade a formação de um governo de coalizão para
desenvolver políticas de combate à miséria e voltadas à redução
das desigualdades sociais e regionais do país, ampliando os gastos
sociais e a distribuição de renda por meio de programas estatais,
bem como orientando a política de relações internacionais no
sentido de uma maior autonomia e da priorização de relações
mais sólidas entre os países latino-americanos e os chamados
emergentes.405 Como apontado por Amaral, Lula foi eleito

404. Em 2000, pouco depois do incidente com o ônibus 174, no Rio de Janeiro,
o governo de FHC lançou o primeiro Plano Nacional de Segurança
Pública. A coincidência de datas não é casual e reflete a tendência dos
Poderes Públicos de formular respostas imediatas a episódios de crise na
segurança pública. Cano, op. cit.
405. Em seu discurso de posse no Congresso Nacional em janeiro de 2003,
Lula afirmou: “A grande prioridade da política externa durante o meu
governo será a construção de uma América do Sul politicamente estável,
próspera e unida, com base em ideais democráticos e de Justiça Social.
Para isso é essencial uma ação decidida de revitalização do Mercosul,
enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visões muitas

176
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

tendo por trás de si “um partido com forte enraizamento social


e níveis de coesão, disciplina e lealdade muito superiores às outras
grandes agremiações políticas brasileiras”.406
Importante aqui referir que tanto o PSDB quanto o PT
são partidos originados dos movimentos democráticos de luta
contra a ditadura militar no Brasil. O PSDB, fundado em
1988, ano da promulgação da Constituição da República, que
reconstituiu formalmente o Estado Democrático de Direito no
Brasil, tinha como principais lideranças atores políticos como
FHC, Franco Montoro e Mário Covas, egressos do Movimento
Democrático Brasileiro, partido de oposição ao regime militar.
Entre suas principais bandeiras estavam a luta pela consolidação
da democracia, com crescimento econômico e distribuição de
renda, a modernização do Estado e o combate à corrupção.407
Por sua vez, o PT, formado por grupos de esquerda egressos
da luta armada contra a ditadura militar, por militantes das
comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, e por lideranças
do novo sindicalismo combativo e dos novos movimentos
sociais, adotou desde a origem um programa de viés socialista

vezes estreitas e egoístas do significado da integração. O Mercosul, assim


como a integração da América do Sul em seu conjunto, é sobretudo
um projeto político. Mas esse projeto repousa em alicerces econômico-
comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforçados. (...)
O mesmo empenho de cooperação concreta e de diálogos substantivos
teremos com todos os países da América Latina. Procuraremos ter
com os Estados Unidos da América uma parceria madura, com base
no interesse recíproco e no respeito mútuo. Trataremos de fortalecer o
entendimento e a cooperação com a União Europeia e os seus Estados-
membros, bem como com outros importantes países desenvolvidos, a
exemplo do Japão. Aprofundaremos as relações com grandes nações
em desenvolvimento: a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul,
entre outros” (Brasil. Ministério das Relações Exteriores. Discursos
selecionados do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília: Fundação
Alexandre de Gusmão, 2008. p. 14-16).
406. Amaral, Oswaldo. Adaptações e resistência: o PT no governo Lula
entre 2003 e 2008. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 4, p.
105-134, jun.-dez. 2010, p. 106.
407. Azevedo; Cifali, Segurança pública... cit.

177
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

e, a medida que foi ampliando seu espaço institucional, passou a


desenvolver políticas nos âmbitos municipais e estaduais com um
caráter socialdemocrata, buscando a ampliação da participação
popular na gestão pública, a distribuição de renda e o melhor
funcionamento da máquina pública.408
Para Tarouco e Madeira, a distinção entre esquerda e
direita no Brasil estaria “contaminada” por categorias relativas
à dimensão conservadorismo-liberalismo. Nesse sentido, “os
posicionamentos referentes à tensão entre autoridade política e
liberdades e direitos humanos são fundamentais para a identificação
política dos partidos brasileiros na transição do regime militar”, ou
seja, a partir desta perspectiva, partidos com passado de apoio
à ditadura são, por este motivo, classificados como de direita e
partidos herdeiros da oposição classificados como de esquerda.409
Originalmente, portanto, bastante próximos no espectro
político nacional, PT e PSDB capitanearam o movimento pelo
impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, eleito
em 1989 nas primeiras eleições diretas para presidente depois
do período militar, e destituído por decisão do Congresso
Nacional em 1992. O governo de transição de Itamar Franco,
vice de Fernando Collor e filiado ao PMDB, contou com a
participação do PSDB, que com FHC dirigiu o Ministério da
Fazenda, implementou o Plano Real, que controlou a inflação
e estabilizou a moeda, abrindo um período de privatização
de empresas estatais e de tentativa de crescimento econômico
por meio da inserção do país no mercado global, em especial,
estreitando relações com a economia norte-americana.410
O PT ficou de fora do governo Itamar, e nas eleições de 1994
apresentou novamente a candidatura de Lula para a presidência,

408. Azevedo; Cifali, Segurança pública ... cit.


409. Tarouco, Gabriela da Silva; Madeira, Rafael Machado. Esquerda
e direita no sistema partidário brasileiro: análise de conteúdo de
documentos programáticos. Revista Debates, v. 7, n. 2, p. 93-114, Porto
Alegre, maio-ago. 2013, p. 96.
410. Azevedo; Cifali, Segurança pública ... cit.

178
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

que disputou o cargo com FHC. A polarização política, tendo


no PT um dos seus polos, especialmente pela popularidade
crescente de Lula, que se candidatou e foi derrotado por FHC
novamente em 1998, levou o PSDB a uma aliança – de forças até
então opostas – com o Partido da Frente Liberal, formado por
egressos dos governos militares e da antiga Arena. Assim, houve
a inflexão do governo para a centro-direita, com a incorporação
programática de bandeiras neoliberais como a privatização de
empresas estatais, a busca de relações econômicas mais sólidas
com os Estados Unidos, a secundarização das relações Sul-Sul
e uma adesão crescente ao discurso punitivista em matéria de
segurança pública.411
O PT, por sua vez, antes mesmo de conquistar a Presidência
da República, realizou um movimento de abrandamento
programático, mantendo a perspectiva socialista em um
horizonte de longo prazo, mas assumindo compromissos com
o capital e a manutenção das bases da estabilização econômica.
Ainda, para garantir a governabilidade, o PT formou alianças
com partidos de centro e de direita, com os quais possuía pouca
afinidade ideológica. Isso fez com que o partido adotasse medidas
que, de certa maneira, contrariavam seu histórico programático,
resultando na saída de diversos membros, o que levou a uma
reorganização interna dentro do partido.412 Foi estabelecida uma
aliança com o PMDB, partido de centro, formado por lideranças
que atuaram na oposição à ditadura militar, mas muitas vezes
caracterizadas por práticas oligárquicas e clientelistas em vários
estados brasileiros. Como apontado por Amaral:
“As novas pressões do contexto institucional às quais o partido
foi submetido não levaram a uma ruptura com sua história e
trajetória recentes, mas aceleraram o processo de acomodação da
agremiação a uma postura mais moderada ideologicamente e mais
adaptada às imposições do sistema político brasileiro. (...) esse
processo de acomodação não esteve livre de tensões e encontrou limites

411. Azevedo; Cifali, Segurança pública... cit.


412. Amaral, op. cit., p. 107.

179
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

determinados pela história/formação do partido e suas características


institucionais”.413
Fundado em 1980, o PT logrou elevados índices de coesão
e disciplina partidária em um ambiente caracterizado por
partidos políticos pouco institucionalizados e de tipo cach-all.414
De acordo com Amaral, a partir da segunda metade da
década de 90 o PT apresentou transformações em seu aspecto
ideológico-programático. Devido às restrições de tempo e
limite do presente trabalho, apenas mencionaremos algumas
das principais mudanças citadas pelo autor: (a) Guinada para
o centro: o partido deixou de condenar veementemente alguns
dos preceitos da agenda neoliberal, principalmente na área
econômica. Durante a campanha eleitoral, por exemplo, o partido
comprometeu-se com a estabilidade monetária, a manutenção
do equilíbrio fiscal, e com o cumprimento dos acordos com o
Fundo Monetário Internacional (FMI); (b) Foco em questões
concretas de governo: durante os anos 90, houve um processo
de “desideologização” do programa do partido, o PT deixou
de vincular suas propostas à construção de um país socialista.
Ainda, passou a enfatizar a capacidade do partido para resolver
problemas concretos da população; (c) Profissionalização da
estrutura e autonomia das lideranças: estratégias de campanha
foram entregues a especialistas em marketing, e um think-tank
foi criado para elaborar políticas públicas, o Instituto Cidadania.
De certo modo, a partir de tais fatores, ocorreu um “processo de
autonomização das lideranças petistas, que deixaram de submeter
questões ligadas ao processo eleitoral mais amplo ao conjunto de
militantes”; (d) Mudança na política de alianças: na década de 90,
o partido abriu-se para alianças políticas durante as campanhas
eleitorais, assim como no exercício de governos estaduais e
municipais. Em 2002, por exemplo, o partido fez uma concessão
importante ao firmar uma aliança com o Partido Liberal (PL),

413. Amaral, op. cit., p. 106.


414. Aqueles que buscam atrair pessoas com diversos pontos de vista, que não
exige a adesão a alguma ideologia como critério para identificação.

180
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

agremiação de centro-direita com a qual possuía poucos laços


ideológicos.415
Segundo Amaral, no início dos anos 2000, mesmo com
uma proposta mais moderada, o PT ainda era o partido que
apresentava os maiores níveis de coesão e disciplina partidária.
No que tange à organização interna do partido, apesar da maior
autonomia das lideranças, a dinâmica participativa foi mantida
com o envolvimento das bases em processos decisórios internos,
assim como seguiu contando com a proximidade de centrais
sindicais e dos movimentos sociais. O autor aponta que entre 2001
e 2007, foi estável a porcentagem de lideranças intermediárias
que atuavam em movimentos sociais (cerca de 70%), assim como
a de ocupantes de cargos eletivos e de confiança que também
participavam de movimentos sociais (cerca de 65%).416
As mudanças descritas são consideradas como formas
através das quais o partido respondeu a incentivos externos, como
a competição eleitoral, a situação econômica global e o contexto
político e institucional brasileiro. Por outro lado, fatores internos
também são apontados como fundamentais para explicar tais
transformações, entre eles, a prevalência de uma perspectiva
mais pragmática, tanto por parte da militância, quanto dos
líderes do partido, que levaram à mencionada moderação
ideológica.417
Em 2002, a polarização da disputa política nacional entre
PT e PSDB, permitiu dar conteúdo à clivagem esquerda e
direta e, por outro lado, contribuiu para limitar os arroubos do
populismo punitivo de grupos mais radicais, uma vez que ambos
os partidos, durante seus governos, mantiveram a frente do
Ministério da Justiça figuras importantes da luta pelos direitos
humanos e contra a violência e o arbítrio estatal.418

415. Amaral, op. cit., p. 107-108.


416. Idem, ibidem, p. 109-110.
417. Idem, p. 111.
418. Miguel Reale Jr., Nelson Jobim, José Carlos Dias e José Gregori nos
governos de Fernando Henrique Cardoso, Márcio Tomaz Bastos e
Tarso Genro nos governos de Lula.

181
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Para além dos debates sobre a validade e adequação da


dicotomia esquerda/direita no contexto contemporâneo, são
esses elementos que nos permitem caracterizar o governo de Lula
como sendo de esquerda. Nesse sentido, a ampliação das alianças
levada a cabo no Congresso para a garantia da governabilidade,
em que pese tenha aprofundado as ambiguidades e dificultado
a implementação de reformas mais profundas, não altera esta
caracterização.
Ainda, buscamos na análise de Tarouco e Madeira
elementos empíricos para firmar nossa posição. A partir da análise
do conteúdo programático de documentos oficiais dos partidos
políticos brasileiros, os autores buscam mensurar sua ideologia,
“recorrentemente apontada como inconsistente”.419 No mundo
todo, as distâncias entre as posições ideológicas dos partidos na
dimensão esquerda/direita vêm diminuindo. Contudo, os autores
apontam a existência de indicadores de que a democracia brasileira
funciona sobre bases partidárias, é dizer, são os partidos que
selecionam as elites políticas e formam o legislativo e o governo.
Deste modo, propõem uma discussão que parte do pressuposto
de que conhecer as preferências políticas dos partidos brasileiros
é importante para compreender o funcionamento do sistema
partidário e todas as variáveis relacionadas, como as políticas
públicas e a atuação no parlamento. Assim, Tarouco e Madeira
buscam “identificar o conteúdo das preferências políticas dos partidos
e acessá-las analiticamente em um contexto de esmorecimento das
diferenças ideológicas, buscando superar os impasses gerados pela crise
de representatividade dos partidos”.420
Conforme os autores, as análises que mobilizam ideologia
partidária quase sempre classificam o PT e o PDT à esquerda
do espectro político, PMDB e PSDB no centro, e PDS/PPR/
PPB/PP e PFL/DEM na direita. De acordo com os autores,
parece não haver dúvidas quanto à classificação dos partidos
brasileiros no eixo esquerda-direita, mas sua identidade
política é constantemente questionada por diversos setores da

419. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 94.


420. Idem, ibidem.

182
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

sociedade. Assim, o que parece ocorrer é “um descompasso entre


a validade do ainda persistente uso da ideologia partidária como
variável explicativa em análises de resultados eleitorais, coligações,
políticas públicas, e o diagnóstico corrente de inconsistência ideológica
dos partidos brasileiros”.421 Ainda, afirmam ser possível que
esse descompasso se deva a uma dificuldade na identificação
das preferências políticas dos partidos. Para conhecer tais
preferências, procedem à análise de conteúdo dos documentos
programáticos dos partidos, verificando a ênfase atribuída pelos
partidos a determinados assuntos.
Como mencionado anteriormente, os posicionamentos
dos partidos durante o regime militar brasileiro é um fator
determinante para a identificação dos partidos na dimensão
esquerda-direita. Por esse motivo, uma escala ideológica
que pretenda adequar-se ao contexto brasileiro não poderia
deixar de considerar este aspecto histórico. Ademais, questões
relativas à liberalização econômica passaram a ser importantes,
principalmente após os anos 90, por exemplo, o posicionamento
diante das políticas de privatização e desregulamentação. Por
este motivo, o critério econômico (posicionamento em relação
ao peso desejável da intervenção estatal na economia), também
foi mantido na escala específica criada para o caso brasileiro.422-423

421. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 95.


422. Contudo, os autores destacam que a distinção entre esquerda e direita
pelo grau de intervenção estatal na economia deve ser cuidadosa. Isto
porque, “tal distinção deve levar em conta a diferença entre a intervenção
redistributiva e a intervenção ‘pró-capital’. No Brasil, os governos da
ditadura militar adotaram barreiras comerciais à importação, com a
finalidade de alavancar o desenvolvimento da indústria nacional, bem
como em vários momentos da história brasileira a direita demandou a
atuação do Estado na economia, em descompasso com o laissez-faire e
o estado mínimo que caracterizaram o liberalismo econômico europeu”.
De acordo com os autores, o aparente paradoxo pode ser adequadamente
tratado ao distinguir-se o liberalismo econômico de suas outras formas,
pertencentes à dimensão do conservadorismo em termos de moralidade,
comportamentos e tradições. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 97.
423. Idem, ibidem, p. 96.

183
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Assim, levando em consideração as particularidades do contexto


nacional, os autores definiram as seguintes categorias como
indicativas de posicionamentos de direita no Brasil: menções
positivas às forças armadas, livre iniciativa, incentivos, ortodoxia
econômica, limitação do Welfare State e referências favoráveis
à classe média e grupos profissionais (para contrastar com as
referências à classe trabalhadora). Por outro lado, as categorias
selecionadas como indicativas de posicionamentos à esquerda
são compostas por: regulação do mercado, planejamento
econômico, economia controlada, expansão do Welfare State e
referências positivas à classe trabalhadora.424 O quadro abaixo
mostra os resultados obtidos a partir dessa classificação.

GRÁFICO 8 – Posição ideológica dos partidos brasileiros de


acordo com a análise de documentos oficiais (esquerda/direita)

Fonte: Tarouco; Madeira, op. cit., p. 99.

Foram analisados documentos de distintos anos dos


partidos selecionados para a análise. Assim, com relação ao PT,
observa-se que entre 1980 e 1990 houve uma movimentação em
direção ao centro. Isso ocorreu, por um lado, diante da moderação

424. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 97.

184
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

programática do PT, mas também, e principalmente, pelo fato


de que em 1980 as posições de esquerda estavam demarcadas
com mais firmeza, em face do momento histórico de oposição
ao regime militar. Única exceção a este deslocamento à direta,
o PFL parece ter incorporado posicionamentos relacionados ao
centro em seus discursos, ao revisar seu manifesto em 2005.425-426
Os autores ainda analisaram os partidos em termos de
conservadorismo, dimensão que não se isenta de controvérsias.
Isso por que, ainda que seja comum a existência de conservadores
com posicionamentos da ideologia de direta, aponta-se que
o eixo esquerda/direita não se confunde com o eixo liberal/
conservador, é, antes, atravessado por ele, “definindo um espaço
político bidimensional”.427 Em sua análise, os autores entendem o
conservadorismo como “um conjunto de posicionamentos de defesa
do controle social pelo Estado contra a falibilidade do indivíduo; defesa
da tradição contra mudanças sociais radicais; de uma defesa organicista
de caráter nacional”. Em consequência desta definição, a posição
oposta inclui como elementos do liberalismo (não econômico): a
defesa de direitos e liberdades individuais contra a intervenção do
Estado; a defesa dos direitos de minorias contra a discriminação
e a segregação social; a defesa dos cidadãos contra arbitrariedades
do governo.428 Com base nessas concepções, definem categorias
para compor as escalas do conservadorismo e do posicionamento
liberal, quais sejam, em relação ao posicionamento conservador:
autoridade política, modo nacional de vida, moralidade tradicional
e harmonia social. Em relação ao posicionamento liberal indicam
as seguintes categorias: liberdades e direitos humanos, eficiência
governamental e administrativa, moralidade tradicional (menções
negativas), minorias desprivilegiadas.429

425. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 99.


426. Todavia, interessante notar que este movimento do PFL é similar ao
do PT, no sentido de uma tendência ao centro do espectro político,
moderando suas posições “oficiais”.
427. Idem, ibidem.
428. Idem, p. 100.
429. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 100.

185
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Com isso, observaram que, com o passar do tempo, a maior


parte dos partidos moveu-se de posições liberais para posições
mais conservadoras ou, melhor dizendo, menos liberais, à
exceção do PDT e do PFL. Mais uma vez, a explicação para o
fenômeno parece residir na transformação do contexto nacional
com o fim do regime militar. Ocorre que, após o período de
transição, mais do que engajarem-se em novas transformações,
os partidos buscaram preservar as conquistas alcançadas.430
O gráfico a seguir mostra o posicionamento dos programas
partidários, segundo seus valores nas escalas de esquerda-direita
e de conservadorismo-liberalismo. Quanto mais negativo o
índice, mais próximo ao posicionamento liberal, quanto mais
positivo, mais próximo ao posicionamento conservador.
GRÁFICO 9 – Posição dos partidos políticos brasileiros
de acordo com a análise de seus documentos oficiais
(esquerda/direita – liberal/conservador)

Fonte: Tarouco; Madeira, op. cit., p. 104.


Pode-se observar que metade dos documentos ficou
posicionada no quadrante inferior esquerdo (liberal de
esquerda). A outra metade se distribui entre o quadrante inferior

430. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 103.

186
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

direito (liberal de direita) e superior esquerdo (conservador


de esquerda). Nenhum dos partidos foi verificado como de
direita e conservador, pelo menos, não publicamente, através
dos programas partidários. Desta forma, pode-se perceber a
existência de partidos com posturas relacionadas à esquerda
(sobretudo no que tange à economia), mas também com posições
conservadoras, o que em muito influencia na política criminal.431
Em relação ao conteúdo dos documentos programáticos,
os partidos parecem ter alguma identidade no âmbito de disputa
política. O PFL e o PSDB, partidos aliados na indução de
políticas liberais de mercado na década de 90 ocupam posições
próximas. Os textos do PT e do PDS/PPB/PP, partidos
geralmente considerados em campos opostos, ocupam posições
próximas, mesmo após das mudanças efetuadas nos programas
dos partidos. Já o PMDB, sempre esteve perto do centro, na
década de 80 ao centro da escala de conservadorismo, e na de
90, no centro da escala esquerda-direita. Por fim, PDT e PTB
ocupam posições próximas, exceto pelo documento de 1994 do
PDT.432
Assim, percebe-se que é possível um partido ter um
posicionamento de esquerda e conservador.433 Vale ressaltar que
os métodos para a classificação da posição de um partido no
eixo direita-esquerda, por se tratarem de conceitos abstratos,
têm suas limitações. Por isso, é possível observar apenas
algumas manifestações das posições políticas dos partidos. Os
autores apontam para o conteúdo estratégico que influencia o
comportamento dos partidos no legislativo, afirmando que em
sistemas presidenciais multipartidários, a atuação parlamentar

431. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 104.


432. Idem, ibidem.
433. Nada impede, por exemplo, “que a defesa dos interesses da classe
trabalhadora conviva com padrões culturais e de comportamento
ditados pela tradição, dado que este conservadorismo em princípio
pode não constituir obstáculo direto à luta por políticas redistributivas”
(Tarouco; Madeira, op. cit., p. 104).

187
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

não é movida apenas pela ideologia, mas também pelo cálculo


eleitoral entre o governo e os partidos no legislativo.434
Outro ponto destacado na análise é de que os conteúdos
programáticos podem não conter indicadores suficientes da
posição ideológica dos partidos, vez que estes teriam passado a
enfatizar questões da agenda pública, priorizando a abordagem de
temas específicos, em vez de recorrem à dimensão ideológica.435
Contudo, finalizam sua análise aduzindo que a comparação entre
os resultados obtidos por diferentes pesquisadores demonstra
índices significativos de correlação, o que reforça o entendimento
de que, apesar de suas mazelas, “é possível identificar um padrão
de atuação e de interação entre os principais partidos políticos
brasileiros”.436
A partir da pesquisa de Tarouco e Madeira, percebe-
se que os textos publicados dos partidos contêm informações
sobre suas preferências e sobre a imagem que almejam projetar
para a opinião pública. Desta maneira, o que os partidos dizem
sobre si mesmos em seus programas oficiais permite identificá-
los, se não em termos ideológicos, ao menos em termos de
preferências políticas.437 Contudo, o posicionamento nas
votações parlamentares é consequência de múltiplos fatores,
principalmente daqueles relacionados às coalizões de governo e
a estratégias de oposição.438
De alguma forma, é possível vincular o aumento do
protagonismo do governo federal na área da segurança pública
durante o governo do PT com a ascensão de políticas que
buscavam reagir à tendência neoliberal que se expandira nos anos
precedentes. Assim, como veremos a seguir, foram colocadas em
marcha estratégias e iniciativas governamentais que recorreram,
para sua formulação e legitimação, a vocabulários provenientes

434. Tarouco; Madeira, op. cit., p. 105-106.


435. Idem, ibidem, p. 108.
436. Idem, p. 109.
437. Idem.
438. Idem.

188
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

da tradição política de esquerda. A defesa de setores vulneráveis


da população aparece já no plano de governo de Lula, em que
afirma a preocupação do partido em relação às discriminações
sofridas pelas mulheres, jovens, idosos e migrantes,439 assim como
a preocupação com o meio ambiente e os direitos humanos,440
temas que, como se verá mais adiante, foram objeto de diversas
reformas legislativas na área penal.
A segurança pública foi uma prioridade apontada já no
processo eleitoral, em que foi defendido um maior protagonismo
do governo federal para o enfrentamento da violência. Em 2002,
o Instituto da Cidadania elaborou uma proposta para o Plano
Nacional de Segurança Pública, que mais tarde seria incluída na
plataforma presidencial de Lula. Para desenvolver a proposta,
foram realizados diversos encontros com oficiais do Estado,
pesquisadores, profissionais e ativistas de várias regiões do país.441
Em seu plano de governo, Lula afirmava expressamente que:
“O povo brasileiro está dominado por um sentimento
generalizado de insegurança e, por isso mesmo, nosso governo
buscará instituir um sistema de segurança pública nacionalmente

439.  De acordo com o Plano de Governo: “São necessárias ações positivas para
que se ponha fim às formas de discriminação existentes contra mulheres,
negros, índios, portadores de deficiências e pessoas que possuam
distintas orientações sexuais, para só citar os casos mais notórios. (...)
As discriminações aparecem também em relação aos jovens, às pessoas
da terceira idade, aos migrantes de regiões historicamente abandonadas
ou golpeadas por crises econômicas e sociais, e até mesmo em relação a
estrangeiros pobres provenientes de vários países”. Plano de Governo do
PT – Eleições 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/especial/2002/eleicoes/candidatos-lula-programa-01-01.shtml>.
Acesso em: 15 dez. 2014.
440. No discurso de posse, Lula aduziu: “Apoiaremos os esforços para tornar
a ONU e suas agências instrumentos ágeis e eficazes da promoção
do desenvolvimento social e econômico, do combate à pobreza, às
desigualdades e a todas as formas de discriminação da defesa dos direitos
humanos e da preservação do meio ambiental” (Brasil, Ministério das
Relações Exteriores, op. cit., p. 16).
441. Abers, et al., op. cit., p. 343.

189
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

articulado. A exclusão social, que tem no desemprego a sua principal


expressão, afetando milhões de homens e mulheres, lança diariamente
muitas pessoas na desesperança, quando não na criminalidade. As
estatísticas mostram as armas de fogo como principal causa mortis da
juventude e a impunidade com que vem agindo o crime organizado
ameaça comprometer o funcionamento das instituições democráticas,
frequentemente infiltradas pela ação de quadrilhas. A mesma
impunidade pode ser constatada nas centenas de crimes cometidos
contra trabalhadores rurais, sindicalistas, advogados e religiosos que
lutam pela Reforma Agrária”.442
Já em seu discurso de posse, afirmou que: “o combate à
corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos
centrais e permanentes do meu Governo. É preciso enfrentar com
determinação e derrotar a verdadeira cultura da impunidade que
prevalece em certos setores da vida pública”.443 Ficava claro, portanto,
o compromisso com uma política de controle de armas, bem
como a preocupação em relação à impunidade de crimes contra a
Administração Pública, e de crimes praticados por organizações
criminosas e contra movimentos sociais e os direitos humanos.
O Plano também reconhecia que:
“O despreparo material e humano dos aparelhos policiais e a
lentidão da Justiça estimulam a violência e agravam a criminalidade,
que é reproduzida e ampliada pelo absurdo sistema prisional. A
impunidade dos poderosos e as brutais condições de miséria de
grande parte da população, que contrastam com os constantes apelos
ao consumo, provocam uma crise de valores que alimenta a violência.
Ricos e pobres estão amedrontados e encerrados em seus bairros
e casas. As formas de sociabilidade dos brasileiros se restringem
cada vez mais. Os pobres são estigmatizados como criminosos e a
convivência civil se vê ameaçada. As próprias instituições de defesa
nacional são postas à prova pelo avanço cada vez mais insolente do
crime organizado”.444

442. Abers, et al., op. cit., p. 343.


443. Brasil, Ministério das Relações Exteriores, op. cit., p. 12.
444. Plano de Governo do PT, op. cit.

190
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Portanto, tratava-se de, por um lado, estimular políticas


sociais que viabilizassem a redução das desigualdades e
contribuíssem para a pacificação social e, por outro, de qualificar
a atuação dos órgãos de segurança pública, notadamente a Polícia
Federal, vinculada à União, mas também as polícias estaduais,
por meio da utilização de novas tecnologias e da constituição de
uma base de dados que permitisse a coordenação de esforços para
o combate ao crime organizado, especialmente o narcotráfico e o
contrabando de armas.445
Com base neste Plano Nacional de Segurança Pública, que
contou para sua elaboração com a contribuição decisiva de Luiz
Eduardo Soares, pesquisador e especialista na área que já havia
atuado no governo de Anthony Garotinho no Estado do Rio de
Janeiro nos anos 90, e que iria assumir a Secretaria Nacional de
Segurança Pública no primeiro governo Lula, foram anunciadas
as linhas estratégicas e estruturantes de atuação da Senasp,
vinculada ao Ministério da Justiça.446
Partindo do diagnóstico de que a política nacional de
segurança pública carecia de planejamento e capacidade
de gestão, pela fragmentação da ação dos estados na área,
o modelo proposto envolvia o aumento da capacidade de
conhecer a realidade da violência e do crime, para alimentar
ações preventivas, estratégicas, orientadas e permanentemente
monitoradas por atores da segurança pública e do sistema de
Justiça criminal.
A implementação da proposta, no entanto, não se deu por
completo, e o tema das reformas organizacionais das estruturas
policiais foi retirado da pauta com a queda do Secretário
Nacional de Segurança Pública já no segundo ano de mandato,
por pressões de grupos ligados aos órgãos de segurança pública,
notadamente da Polícia Federal, interessada em manter seu
papel central na articulação das políticas na área. Assim, o

445. Azevedo; Cifali, Segurança Pública... cit.


446. Idem, ibidem.

191
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

foco nesses primeiros anos foi no combate à corrupção através


da Polícia Federal, mais que na criminalidade urbana, o que
também representa uma mudança no foco da atuação estatal,
que, no período anterior, priorizara o combate à violência urbana,
inclusive por que principalmente entre os anos 90 e início dos
anos 2000, os debates sobre o tema aumentavam, tanto devido
ao aumento das taxas de delitos, como pela sua ampla divulgação
midiática de casos emblemáticos.
Sem sustentação no Ministério da Justiça, dirigido à
época pelo advogado paulista Márcio Tomaz Bastos, ou entre
as principais lideranças do PT, a queda de Luiz Eduardo não
impediu que houvessem avanços na gestão do conhecimento,
com a estruturação de redes de pesquisa e a produção
sistemática de dados. No entanto, isso pouco foi levado em
conta para informar a gestão estratégica originalmente proposta.
Verificaram-se avanços nas políticas de prevenção, com a
celebração dos primeiros convênios entre a União e municípios
para a implementação de programas preventivos, e a formação
dos profissionais de segurança pública, embora ainda centrada
nas academias de polícia, que receberam o importante aporte da
constituição da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança
Pública (Renaesp), o que, por sua vez, viabilizou o contato mais
permanente entre as polícias e demais operadores da segurança
pública e as Universidades brasileiras, permitindo a consolidação
ou a criação de vários grupos de pesquisa na área.447
No processo eleitoral que levou ao segundo mandato, a
elaboração do plano de governo para a segurança foi coordenada
pelo sociólogo José Vicente Tavares dos Santos, professor e
pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
com trajetória reconhecida na área dos estudos de sociologia da
violência e da segurança pública. A proposta apresentada foi no
sentido de que problemas importantes fossem enfrentados, quais
sejam:

447. Azevedo; Cifali, Segurança Pública... cit.

192
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

“(...) a questão da desqualificação e obsolescência das policias


estaduais; a falência do modelo prisional; a fragmentação do sistema;
a baixa complementaridade na intervenção de seus organismos na
prestação de serviços; a incipiente instrumentalização da inteligência
policial; a ausência do Poder Público local no tratamento do tema; e a
baixa interação e participação da sociedade na discussão, elaboração e
avaliação das políticas públicas na área”.448
A proposta articulava em torno do conceito de segurança
pública cidadã uma série de iniciativas com o objetivo de
fortalecer as instituições do sistema de Justiça criminal e
segurança e, em especial, desarticular o crime organizado no
território brasileiro, mas também de incorporando a participação
social, o enfrentamento das formas de discriminação e do
racismo, promovendo os direitos humanos, e desenvolvendo,
simultaneamente, políticas de prevenção e repressão ao crime
e às violências, físicas e simbólicas, “de modo a garantir que a
sociedade brasileira tenha a paz como valor fundamental”. Ainda,
o plano destacava a preocupação com a avaliação de processos
e de resultados e com a dignidade do trabalho policial e dos
funcionários de segurança pública. Para isso, eram apresentadas
três diretrizes políticas básicas:
“1. Democratização e Participação da Sociedade e do Estado;
2. Integração das Instituições de Segurança Pública;
3. Definição de políticas públicas de segurança com base em
sistemas de informação e pesquisas científicas”.449
Em 2007, seguindo a tendência de indução da atuação
dos Municípios no campo da segurança pública, ensejada pelo
estabelecimento da Senasp e, posteriormente, da proposta de
um “Sistema Único de Segurança Pública” (SUSP), o Ministério da

448. Tavares dos Santos, José Vicente. O programa de governo do


Candidato Lula sobre Segurança Pública. 2006. Disponível em: <http://
www.comunidadesegura.org.br/pt-br/node/30709>. Acesso em: 10 dez.
2014.
449. Idem, ibidem.

193
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Justiça, dirigido à época por Tarso Genro, advogado gaúcho e do quadro


político do PT, lançou o Programa Nacional de Segurança Pública
com Cidadania (Pronasci), reconhecendo os avanços dos planos
anteriores e assumindo a complexidade do fenômeno da violência,
dando ênfase maior, desta feita, às questões das raízes socioculturais
e dos agenciamentos subjacentes às dinâmicas das violências e da
criminalidade, entendendo estarem imbricados à segurança outros
problemas e fatores sociais, culturais, ambientais, tais como: educação,
saúde, cultura e infraestrutura”.450
Em que pese os avanços na concepção do plano e na
vinculação das propostas e programas aos recursos para sua
implementação, os resultados foram bastante fragmentados
e dispersos, levando à identificação, pelos balanços realizados,
de problemas relacionados com o pouco espaço para o
questionamento das soluções apresentadas, com a pura e
simples adesão dos municípios parceiros, a falta de mecanismos
adequados para o monitoramento das políticas e o abandono
da agenda da reforma estrutural das organizações da segurança
pública.451 Realizando o balanço das políticas de segurança
dos governos Lula e Dilma, Sá e Silva aponta os méritos e as
limitações das políticas implementadas, questionando elementos
pontuais:
“A governança bem informada, por exemplo, é um déficit
histórico do setor que pode ser mais bem confrontado a partir de

450. O Pronasci é composto por dois grandes eixos: medidas de caráter


estrutural e programas locais. Dentre os principais projetos estruturais
do Pronasci estão: a valorização dos profissionais do sistema de
segurança pública e Justiça criminal; a reestruturação do sistema
penitenciário; o combate à corrupção policial e ao crime organizado
e o envolvimento comunitário. Sobre os programas locais merecem
destaque os Território de Paz, o Mulheres da Paz, o Protejo e os
programas de Justiça Comunitária. O programa tem como pressuposto
a garantia do acesso à Justiça e a recuperação dos espaços públicos,
por meio de medidas de revitalização e urbanização. Azevedo; Cifali,
Segurança pública... cit.
451. Idem, ibidem.

194
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

elementos do novo plano, tais como a ênfase em planejamento, gestão e


monitoramento. Todavia – tendo em vista a divisão de competências
entre entes federados e a ênfase em aspectos institucionais, presentes
no mesmo plano –, será que isso não terá como preço uma perda de
capacidade de indução pelo governo federal e uma dissolução do
paradigma da ‘segurança cidadã’, a duras penas consolidados no setor?
O esforço de priorização é outro dado positivo, mas – novamente,
quando associado a outras características do plano – não pode acabar
empobrecendo o repertório da política? Faz sentido, por exemplo,
centrar o ‘programa nacional de apoio ao sistema penitenciário’ na
geração de vagas, sem incluir medidas para a reintegração social e o
apoio ao egresso? Faz sentido articular com a Defensoria Pública para
a realização de mutirões nas delegacias sem mostrar disposição para
a construção de um sistema de alternativas ao encarceramento – em
especial ao encarceramento provisório, na esteira da ‘lei das cautelares’?
O fortalecimento e a articulação das instituições, previstos no plano,
também podem ter aspectos positivos. Mas faz sentido fortalecer a
polícia civil e a perícia forense, bem como articulá-las melhor com o
Poder Judiciário e o Ministério Público, sem levar em conta as críticas
ao inquérito policial como instrumento de investigação e produção
da verdade no processo penal (Misse, 2010)? Em outras palavras, é
prudente – ou até mesmo ‘correto’ – investir nas instituições da justiça
e da segurança, sem exigir que, ao menos em alguma medida, elas se
reinventem?”.452
Outro ponto a ser destacado foi a ênfase dada à proteção
dos direitos humanos. Em seu governo, Lula anunciou a criação
de três secretarias ministeriais direcionadas exclusivamente
à promoção dos direito humanos, a Secretaria de Direitos
Humanos, de Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres.453
Ao ser apresentado como Ministro dos direitos humanos,
Nilmário Miranda declarou que daria continuidade e aperfeiçoaria

452. Sá e Silva, op. cit., p. 427.


453. Vanucchi, Paulo. Direitos humanos e o fim do esquecimento. In:
Sader, Emir (org.). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e
Dilma. Rio de Janeiro: Flacso Brasil, 2013. p. 338.

195
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

as iniciativas positivas do governo de FHC, responsável por


importantes passos para a observância dos preceitos universais
de respeito aos direitos humanos.454-455 Os novos espaços
institucionais inaugurados no governo de Lula conformaram
um espaço de interação e diálogo entre o Estado e movimento
sociais. A Secretaria de Direitos Humanos coordena e oferece
suporte a órgãos colegiados nacionais que reúnem Poder Público
e sociedade civil. De acordo com Abers et al., durante o governo
Lula, as mudanças institucionais promovidas propiciaram “o
aumento da importância da participação formal no processo de
elaboração de políticas públicas, através de conselhos e conferências”.456
Isso se deu “tanto através de novas arenas participativas como
assumindo estrategicamente posições na burocracia, transformando o
próprio Estado em espaço de militância política”.457
As autoras destacam, ainda, que no início dos anos 2000 o
número de grupos civis envolvidos nos debates sobre segurança
pública começou a crescer. Enquanto nos anos 90 os principais
atores eram institutos de pesquisa e ONGs, no início dos anos
2000, grupos religiosos (especialmente, grupos maçônicos e a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB), grupos
de defesa dos direitos humanos e organizações que representam
a população vulnerável economicamente começaram a organizar
atividades para chamar atenção, principalmente, da violência
policial contra minorias e pobres.458
Ademais, apontam que iniciativa para a criação de um
conselho e para realizar uma conferência nacional para a

454. Entre tais avanços, destaca-se a criação da Secretaria de direitos


humanos, à época vinculada ao Ministério da Justiça, as primeiras
versões do Programa Nacional de Direitos Humanos (1996 e 2002), e o
reconhecimento, em 1998, da competência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, da OEA, para examinar episódios de violação aos
direitos humanos ocorridos no país. Ibidem.
455. Idem, ibidem.
456. Abers et al., op. cit., p. 328.
457. Idem, ibidem.
458. Idem, p. 343.

196
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

política de segurança pública veio de um grupo de profissionais


da Senasp, pessoalmente comprometidos com abordagens
participativas. Assim, destacam que alguns movimentos
elaborados no âmbito da segurança pública durante o governo
Lula resultaram do trabalho de um pequeno número de atores do
Estado comprometidos com uma agenda participativa. O apoio
do ministro da Justiça da época, Tarso Genro – que também teve
sua carreira associada ao programa municipal de Orçamento
Participativo – desempenhou um papel fundamental. Contudo,
afirmam que:
“O fato de apenas um pequeno número de organizações da
sociedade civil estarem envolvidas nos trabalhos, a falta de tradição de
diálogo Estado-sociedade e um histórico de conflito entre organizações
civis e a polícia, bem como entre organizações policiais do mais alto ou
mais baixo escalão, criou um terreno inóspito para experimentações
com dinâmicas participativas”.459
Ao passo que em outras áreas o papel do governo foi
intensificar a relação entre o Estado e os movimentos sociais, na
ausência de um repertório histórico de interação, no âmbito da
segurança pública a participação institucionalizada tinha como
objetivo “produzir relações, ativar conexões e superar a desconfiança
e a hostilidade”.460 Assim, a Conferência Nacional teve como
um de seus principais resultados o aumento do contato entre os
atores envolvidos na área da segurança pública. A formação do
Conselho Nacional, composto por representantes da sociedade
civil, trabalhadores do setor e oficiais nomeados pelo governo, fez
com que, pela primeira vez, esses grupos tivessem que trabalhar
juntos.461
Contudo, o aumento do número de atores participantes na
determinação de políticas públicas não foi fruto de um projeto
uniforme e programado para a institucionalização de políticas
participativas. Muito antes do governo de Lula, iniciativas

459. Abers et al., op. cit., p. 344.


460. Idem, ibidem.
461. Idem, p. 345-346.

197
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

participativas já existiam em vários setores da política. O fato


de novas rotinas terem surgido durante seu governo deve ser
entendido como “um resultado da maturidade e da complexidade dos
movimentos sociais brasileiros em sua especificidade, aliado à geração
de oportunidades, providas pela presença de ativistas e aliados dos
movimentos dentro de certos órgãos do poder estatal”.462
Por fim, acreditamos que as diretrizes expostas nos planos
de governo e a relação de proximidade com os movimentos
sociais podem ter perpassado a política criminal do período,
motivo pelo foi realizada pesquisa empírica para conhecermos
as leis aprovadas no período, as leis propostas pelo Executivo
e os vetos presidenciais, que, espera-se, poderão nos revelar a
forma com que o governo Lula trabalhou no âmbito da política
criminal.

5.3 Leis propostas e aprovadas no período (2003-2010)


Como referido no capítulo anterior, percebemos as leis
aprovadas no período como frutos de um relativo consenso
entre Legislativo e Executivo. Dentre as leis aprovadas, não
figuram somente as leis propostas originalmente pelo Executivo,
mas também as originárias da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal. Porém, isso não quer dizer que o Executivo não
tenha exercido sua influência durante a tramitação e posterior
aprovação dessas leis. Como visto, o Executivo conta com
diversos instrumentos para conduzir o processo legislativo,
podendo impedir ou retardar a aprovação de leis que não sejam
de seu interesse, tanto através de mecanismos de urgência e
vetos, como através da relação com líderes partidários, relatores
e presidentes de Comissões. Através das coalizões, o Executivo
também conta com o apoio de diversos parlamentares, atores que
poderão propor modificações nos projetos durante o debate no
interior do Congresso Nacional. Assim, o trabalho no interior

462. Abers et al., op. cit., p. 348.

198
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

do Legislativo configura uma arena de debates e formulação de


consensos para a aprovação de leis pelos congressistas e posterior
sanção presidencial. Dessa forma, a aprovação de uma lei pode
não caracterizar totalmente a vontade do partido do presidente
ou dele próprio, mas demonstra a aceitação de suas diretrizes
pelo poder Executivo, ator coletivo formado pela coalizão
governista. Inclusive por que, mesmo que a lei aprovada seja
oriunda do Poder Executivo, dentro do Congresso Nacional ela
vai sofrer alterações, que podem descaracterizar o real interesse
da Presidência. Nesse sentido, acredita-se que a análise dos vetos
e dos projetos de lei oriundos do Executivo é capaz de oferecer-
nos um panorama mais próximo aos interesses manifestos pelo
Poder Executivo (ainda que as leis aprovadas também possam
indicar, pelo menos, sua não contrariedade em relação às
reformas legais).
Abaixo, apresentamos o material da seguinte maneira:
legislação aprovada por ano, por partido, por casa iniciadora da
tramitação dos projetos de leis aprovados, tempo de tramitação
dos projetos de lei aprovados, as leis propostas pelo Executivo e
os vetos presidenciais.

5.3.1 Legislação em matéria penal aprovada por ano


TABELA 7 – Legislação referente à política criminal aprovada por
ano (2003-2010)

Ano Leis aprovadas %

2003 11 27,5

2004 2 5

2005 4 10

2006 5 12,5

2007 3 7,5

2008 4 10

199
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Ano Leis aprovadas %

2009 5 12,5

2010 6 15

TOTAL 40 100

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

A análise da legislação referente à política criminal por ano


indica que grande parte (27,5%) das reformas legais realizadas
durante o governo Lula ocorreu em seu primeiro ano de mandato.
O dado vai ao encontro dos resultados obtidos por Campos, que
analisou a legislação aprovada entre 1988 e 2006, verificando
que o maior número de aprovações na área da segurança pública
e Justiça criminal ocorreu nos primeiros anos em que diferentes
governos assumiram o poder.463
Neste primeiro momento do governo, entre a legislação
aprovada no primeiro ano de governo de Lula, podemos
destacar algumas que trouxeram grandes mudanças em
comparação ao estabelecido anteriormente, quais sejam: (a)
do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que, além
das determinações no âmbito da regulamentação do registro,
do porte e da comercialização, cria tipos penais (7) e causas
de aumento (2) referentes ao porte e posse de armas de fogo;
(b) a lei que estabelece o Regime Disciplinar Diferenciado
(Lei 10.792/2003), que determina maiores restrições e maior
isolamento do preso provisório ou condenado;464 (c) a Lei
10.764/2003, que prevê penas mais severas (causas de aumento e

463. Campos, op. cit., p. 115.


464. O art. 52 da Lei determina que o RDD possa ser adotado quando o
preso: pratique crime doloso, que subverta a ordem ou disciplina;
apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal
ou da sociedade; e/ou seja suspeito de envolvimento ou participação em
organizações criminosas, quadrilha ou bando.

200
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

aumento da pena máxima e mínima) em crimes cometidos contra


crianças e adolescentes; (d) a Lei 10.763/2003, que aumenta as
penas mínimas e máximas para os crimes de corrupção passiva
e ativa e condiciona a progressão de regime do cumprimento da
pena do condenado por crimes contra a Administração Pública
à reparação do dano que causou ou à devolução do produto
do ilícito praticado; (e) o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003,
que cria diversos (14) tipos penais e causas de aumento (11)
referentes a crimes praticados contra maiores de 60 anos; e (f )
a Lei 10.695/2003, que aumenta penas mínimas referentes aos
crimes contra a propriedade intelectual, especialmente a violação
de direito autoral.
Segundo Campos, nos primeiros anos de mandado os
parlamentares e o Executivo não agem apenas para satisfazer
as demandas da opinião pública, mas porque algumas matérias
podem tornar-se importantes como plataforma de governo em
época de eleições, ou seja, as reformas legais podem ser uma
estratégia para que as decisões legislativas venham a afetar
positivamente a futura avaliação de seu governo.465
Ainda, percebe-se que as alterações legislativas efetuadas
no primeiro mandato de Lula seguem as diretrizes estabelecidas
em seu plano de governo, regulando conflitos que envolvem
grupos vulneráveis, como crianças, adolescentes e idosos,
buscando regular a circulação de armas no território brasileiro,
recrudescendo as penas dos delitos de corrupção e demonstrando
a proximidade do governo com setores da sociedade civil, como
os artistas, que demandavam a proteção de seus direitos autorais.
Assim tais reformas legislativas parecem ser uma expressão da
vontade do Executivo, numa tendência que ora se aproxima
a um realismo de esquerda, em razão da criminalização de
condutas que atingem vítimas vulneráveis e realmente causam
impactos na vida desta parcela da população, ora numa
tendência que se aproxima a uma esquerda punitiva, como no
caso do recrudescimento das penas relativas à corrupção. A única

465. Campos, op. cit., p. 116.

201
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

proposta que destoa das diretrizes traçadas nos governo de Lula


é a lei que regulamenta o RDD. Porém, esta foi impulsionada,
principalmente, pela bancada de São Paulo após os ataques do
PCC à cidade, como se verá adiante.
Em 2006 e 2009, datas que antecederam os anos de
disputa eleitoral, foram os segundos em maior incidência
de reformas legais relacionadas à penalidade. Em 2006, ano
anterior à eleição que levaria ao segundo mandato de Lula,
foram sancionadas 5 leis: 1. as Leis 11.428/2006 e 11.284/2006,
referentes a crimes ambientais; 2. a Lei 11.343/2006, a nova Lei
de Drogas; 3. a Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha; e 4. a
Lei 11.313/2006, que alterou de 1 para 2 anos o limite máximo
de pena para os delitos serem considerados de menor potencial
ofensivo. As alterações produzidas no ano de 2006 guardam
estreita relação com a influência do movimento de mulheres
e com os movimentos ambientais, tradicionalmente ligados à
militância de esquerda e que tiveram suas demandas (ou, ao
menos, parte delas) atendidas pelo governo durante o mandato
de Lula. Ainda, com a introdução da Lei 11.313/2006, mais
delitos passaram a ser considerados como de “menor potencial
ofensivo”, deslocando a competência para o julgamento aos
Juizados Especiais Criminais, possibilitando a transação penal
e o sursis. Já a lei de drogas, enquanto, por um lado, retirou
a pena de prisão para o delito de posse para uso pessoal,
estabelecendo penas não privativas de liberdade, por outro,
aumentou as penas para o delito de tráfico de entorpecentes e
a ele relacionados, gerando efeitos imprevistos, como veremos
adiante.
Percebe-se, assim, que, em relação à distribuição de leis por
anos de mandato, leis de grande relevância466 editadas durante o

466. Relevantes pois, a nosso ver, leis como o Estatuto do Desarmamento,


a Lei Maria da Penha e a Nova Lei de Drogas, tanto por seu efeito
simbólico, como é o caso da Lei Maria da Penha, como por seu efeito
carcerizante, no caso das demais, são reformas legais que podem
caracterizar o período e geraram diversos impactos sobre o sistema de
Justiça criminal.

202
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

governo Lula foram sancionadas ou no primeiro ano de mandato


ou no ano da disputa à reeleição, sugerindo a importância da
legislação penal como plataforma de governo.

5.3.2 Legislação em matéria penal aprovada por partido


Ressalta-se que, neste ponto, foram contabilizadas
somente as propostas aprovadas formuladas originalmente por
deputados e senadores (23), excluindo-se as propostas oriundas
do Executivo (12), de Comissões do Congresso Nacional (4)
e uma (1) proposta oriunda de CPI do Senado. Vale ressaltar
que o objetivo aqui não é analisar as diretrizes de todos os
partidos, motivo pelo qual mais adiante dividimos a legislação
entre: oriundas do PT, oriundas dos partidos da coalizão e
oriundas dos partidos da oposição, já que a pesquisa refere-se
à política criminal do governo. Optou-se por tal distinção com
o fim de verificar a coerência ou a ambiguidade das propostas
aprovadas pela coalizão governista. Anteriormente, destacamos
as diretrizes traçadas nos planos de governo de Lula, agora,
desejamos saber se elas são perceptíveis na legislação aprovada
e se a coalizão identifica-se com elas. Abaixo, são apresentados
dados referentes aos partidos políticos dos parlamentares
proponentes dos projetos de lei que originaram a legislação
aprovada:

TABELA 8 – Número de Leis aprovadas por partido (2003-2010)

Partido Leis aprovadas %

PMDB 2 8,7

PFL (atual DEM) 5 21,7

PT 11 47,8

PSC 1 4,4

PPB (atual PP) 1 4,4

203
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Partido Leis aprovadas %

PSDB 1 4,4

PL (atual PR) 2 8,7

TOTAL 23 100

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

Entre as 23 leis aprovadas (propostas originalmente por


parlamentares do Senado Federal e da Câmara dos Deputados),
74% foram elaboradas por partidos que integravam a coalizão
governista,467 sendo que 47,8% dessas leis foram propostas por
parlamentares do PT. Por sua vez, a oposição468 logrou aprovar
26,1% de suas propostas, sendo que os parlamentares do DEM
aprovaram 21,7% das 23 leis contabilizadas, sendo o partido
com o maior número de leis aprovadas depois do PT.
Agora, interessante conhecer as leis que foram aprovadas
pelos parlamentares do PT, da coalizão e da oposição. Desta
maneira, busca-se observar se existe alguma compatibilidade
entre as propostas oriundas do PT e da coalizão governista
em relação às diretrizes assumidas pelo governo de Lula,
assim como a relação entre as propostas aprovadas oriundas da
oposição e as diretrizes assumidas pelo governo, já que apenas
o DEM logrou aprovar mais propostas do que os partidos da
própria coalizão governista. Como referido, ainda que oriundas
da oposição, a sanção de tais leis demonstra a concordância da
coalizão governista e, portanto, também do poder Executivo,
com as reformas legais propostas. No quadro abaixo, pode-
se observar a legislação aprovada oriunda de parlamentares
do PT.

467. PT, PMDB, PL, PSC, PPB.


468. DEM e PSDB.

204
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

TABELA 9 – Legislação aprovada oriunda de projetos


de lei assinados por parlamentares do Partido
dos Trabalhadores – 2003/2010

Partido/
Lei Conteúdo Autor
Estado

10.790/2003 Concede anistia a dirigentes ou PT/SP Deputado


representantes sindicais e Luciano
trabalhadores punidos por Zica
participação em movimento
reivindicatório.

10.764/2003 Altera a Lei 8.069, de 13.07.1990, PT/AC Senadora


que dispõe sobre o Estatuto da Marina
Criança e do Adolescente e dá Silva
outras providências.

10.741/2003 Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e PT/RS Deputado


dá outras providências. Paulo Paim

10.684/2003 Altera a legislação tributária, PT/SP Deputado


dispõe sobre parcelamento de Prof.
débitos junto à Secretaria da Luizinho
Receita Federal, à Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional e ao
Instituto Nacional do Seguro
Social e dá outras providências.
Suspende a pretensão punitiva do
Estado, referente aos crimes
previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei
8.137, de 27.12.1990, e nos arts. 168-
A e 337-A do Dec.-lei 2.848, de
07.12.1940 – Código Penal, durante
o período em que a pessoa jurídica
relacionada com o agente dos
aludidos crimes estiver incluída no
regime de parcelamento.

10.886/2004 Acrescenta parágrafos ao art. 129 PT/SP Deputada


do Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940 – Iara
Código Penal, criando o tipo Bernardi
especial denominado “Violência
Doméstica”.

205
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Partido/
Lei Conteúdo Autor
Estado

11.106/2005 Altera os arts. 148, 215, 216, 226, PT/SP Deputada


227, 231 e acrescenta o art. 231-A Iara
ao Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940 – Bernardi
Código Penal e dá outras
providências. Referente ao tráfico
de pessoas.

12.033/2009 Altera a redação do parágrafo PT/PA Deputado


único do art. 145 do Dec.-lei 2.848, Paulo
de 07.12.1940 – Código Penal, Rocha
tornando pública condicionada a
ação penal em razão da injúria que
especifica.

11.983/2009 Revoga o art. 60 do Dec.-lei 3.688, PT/SP Deputado


de 03.10.1941 – Lei de Orlando
Contravenções Penais. Fantazzini

12.299/2010 Dispõe sobre medidas de PT/SP Deputado


prevenção e repressão aos Arlindo
fenômenos de violência por Chinaglia
ocasião de competições esportivas;
altera a Lei 10.671, de 15.05.2003;
e dá outras providências.

12.288/2010 Institui o Estatuto da Igualdade PT/RS Senador


Racial; altera as Leis 7.716, de Paulo Paim
05.01.1989, 9.029, de 13.04.1995,
7.347, de 24.07.1985, e 10.778, de
24.11.2003.

12.234/2010 Altera os arts. 109 e 110 do Dec.- PT/RJ Deputado


lei 2.848, de 07.12.1940 – Código Antônio
Penal. Carlos
Biscaia

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

Entre as propostas dos parlamentares do PT, percebe-


se a relação anteriormente mencionada entre o partido e a
proteção de grupos vulneráveis da população e de demandas de
movimentos sociais, como nas reformas legislativas que tratam

206
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

da inclusão do tipo penal da violência doméstica, a retirada do


termo “mulher honesta” do Código Penal e da prescrição de crime
sexual pelo casamento da mulher, a criação do Estatuto do Idoso
que criminaliza condutas relativas a maus-tratos e discriminação
de maiores de 60 anos, a revogação do delito de mendicância,
a lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial e a anistia a
trabalhadores que participaram de movimentos reivindicatórios.
Ainda, houve o aumento do prazo prescricional de 2 para
3 anos no caso de delitos em que a pena for inferior a 1 ano,
alteração legislativa que se aproxima ao viés denegatório das
respostas penais, conforme a classificação de Garland, bem
como relacionado à expansão do controle em relação à delitos
que antes não eram o foco de atenção do direito penal.
Outro ponto que chama atenção é o aumento do rigor
punitivo em relação ao tráfico de pessoas, que também aparecia
nos planos de governo enquanto prática relaciona à organizações
criminosas. A reforma da legislação estabeleceu a distinção
entre o tráfico interno e internacional de pessoas, bem como
– com vistas aos princípios da dignidade da pessoa humana e
da igualdade – ampliou o alcance dos tipos penais, que antes
abarcavam somente o tráfico de mulheres. A alteração legislativa
também é fruto das diretrizes traçadas pelo Protocolo de
Palermo,469 ratificado pelo Brasil em 2004, instrumento que tem
como objetivo prevenir e reprimir o tráfico de pessoas, zelando
pelos direitos humanos das vítimas, especialmente mulheres e
crianças470 e que impulsionou a criação de uma Política Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, em 2006.471

469. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime


Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças.
470. Martins, Felipe Antunez. O tráfico de seres humanos para fins de
exploração sexual: desafios e perspectivas para o seu enfrentamento no
Brasil. In: Fayet Júnior, Ney; Santos, Daniel Leonhardt dos (orgs.).
Perspectivas em ciências penais. Porto Alegre: Elegantia Juris, 2014. p.
255-286.
471. Aprovada pelo Dec. 5.948/2006.

207
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Ainda, Fayet Júnior e Flores destacam a relevância que os


crimes à distância adquiriram com o passar do tempo. Se antes
configuravam casos de difícil configuração em termos práticos,
com o advento da globalização e diante das novas modalidades
criminais no mundo moderno, “tornaram-se uma realidade em
franca expansão”.472 Dessa forma, também é possível pensar
algumas alterações legislativas em termos de uma adaptação aos
novos desafios impostos ao direito penal pela contemporaneidade,
como o próprio tráfico de pessoas, os delitos ambientais e a
criminalização de condutas praticadas através da Internet, como
a divulgação de imagens com pornografia ou cenas de sexo
explícito envolvendo crianças ou adolescentes.
Abaixo, é possível observar as leis aprovadas oriundas de
parlamentares que integravam a coalizão governista:

TABELA 10 – Legislação aprovada oriunda de projetos


de lei assinados por parlamentares que integravam
a coalizão governista – 2003/2010

Partido/
Lei Conteúdo Autor
Estado

10.826/2003 Dispõe sobre registro, posse e PMDB/ES Senador


comercialização de armas de fogo e Gerson
munição, sobre o Sistema Nacional Camata
de Armas – Sinarm, define crimes
e dá outras providências. Estatuto
do Desarmamento.

10.713/2003 Altera artigos da Lei 7.210, de PPB/PR Deputado


11.07.1984 – Lei de Execução Penal Ricardo
– para dispor sobre a emissão anual Barros
de atestado de pena a cumprir.

472. Fayet Júnior, Ney; Flores, Carlos Pereira Thompson. Da


categoria jurídico-penal dos delitos à distância e sua relevância na
contemporaneidade. In: Fayet Júnior, Ney; Santos, Daniel Leonhardt
dos (orgs.). Perspectivas em ciências penais. Porto Alegre: Elegantia Juris,
2014. p. 15-38.

208
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Partido/
Lei Conteúdo Autor
Estado

11.596/2007 Altera o inc. IV do caput do art. PL/ES Senador


117 do Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940 Magno
– Código Penal, para definir como Malta
causa interruptiva da prescrição a
publicação da sentença ou acórdão
condenatório recorrível.

11.705/2008 Altera a Lei 9.503, de 23.09.1997, PSC/RJ Deputado


que “institui o Código de Trânsito Hugo
Brasileiro”, e a Lei 9.294, de Leal
15.07.1996, que dispõe sobre as
restrições ao uso e à propaganda de
produtos fumígeros, bebidas
alcoólicas, medicamentos, terapias e
defensivos agrícolas, nos termos do
§ 4.º do art. 220 da CF, para inibir o
consumo de bebida alcoólica por
condutor de veículo automotor, e dá
outras providências.

12.258/2010 Altera o Dec.-lei 2.848, de PL/ES Senador


07.12.1940 (Código Penal), e a Lei Magno
7.210, de 11.07.1984 (Lei de Malta
Execução Penal), para prever a
possibilidade de utilização de
equipamento de vigilância
indireta pelo condenado nos casos
em que especifica.

12.191/2010 Concede anistia a policiais e PMDB/ Senador


bombeiros militares do Rio RN Garibaldi
Grande do Norte, Bahia, Roraima, Alves
Tocantins, Pernambuco, Mato Filho
Grosso, Ceará, Santa Catarina e
Distrito Federal punidos por
participar de movimentos
reivindicatórios.

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

209
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Entre os projetos originários de parlamentares que


integravam a coalizão governista, é possível perceber certa
compatibilidade entre as propostas de reforma legislativa e as
diretrizes estabelecidas nos planos de governo de Lula. Por
exemplo, desde sua campanha Lula afirmava a intenção de
reduzir a circulação de armas de fogo no país, tendo o Estatuto
do Desarmamento, apresentado por parlamentar do PMDB,
estabelecido medidas para o controle de armas no país.
Segundo Azevedo, a proposta de controle de armas
começa a ser desenvolvida ainda nos anos 90, por militantes,
pesquisadores e organizações não governamentais envolvidos
com o tema da redução da violência no Brasil, especialmente nos
estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Ao assumir a Secretaria
Nacional de Segurança Pública, em 2003, Luiz Eduardo Soares
estabeleceu como uma das suas prioridades a aprovação da
política de controle rígido da venda e circulação de armamento
no país. Para sua aprovação, a bancada do governo foi mobilizada
contra o chamado “lobby das armas”, grupo de parlamentares
ligados aos interesses das fabricantes de armamento
no país.473
A lei proibiu o porte de armas por civis, com exceção para os
casos onde haja necessidade comprovada;474 nesses casos, haverá
uma duração previamente determinada e sujeita o indivíduo à
demonstração de sua necessidade em portá-la, com efetuação de
registro e porte junto à Polícia Federal (SINARM), para armas
de uso permitido, ou ao Comando do Exército (Sigma), para
armas de uso restrito, e pagar as taxas, que foram aumentadas pela
Lei. Desde a sanção do Estatuto, somente podem portar arma
de fogo os responsáveis pela garantia da segurança pública,

473. Azevedo; Cifali, Segurança pública... cit.


474. Um exemplo dessa situação são as pessoas que moram em locais
isolados, que podem requerer autorização para porte de armas para se
defender. Vale lembrar que o porte pode ser cassado a qualquer tempo,
principalmente se o portador for abordado e estiver armado em estado
de embriaguez ou sob efeito de drogas ou medicamentos que provoquem
alteração do desempenho intelectual ou motor.

210
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

integrantes das Forças Armadas, policiais civis, militares,


federais e rodoviários federais, agentes de inteligência, auditores
fiscais e os agentes de segurança privada quando em serviço. No
que se refere à legislação penal decorrente do comércio ilegal e
o tráfico internacional de armas de fogo, foram previstas penas
mais específicas para essas condutas, até então classificadas
como contrabando e descaminho. As penas para ambos os casos
é de reclusão de quatro a oito anos e multa. Se a arma, acessório
ou munição comercializada ilegalmente for de uso proibido ou
restrito, a pena é aumentada da metade. Se o crime for cometido
por integrante dos órgãos militares, policiais, agentes, guardas
prisionais, segurança privada e de transporte de valores, ou por
entidades desportistas, a pena também será aumentada da metade.
Se a arma de fogo for de uso restrito, os crimes de posse ou porte
ilegal, o comércio ilegal e o tráfico internacional são insuscetíveis
de liberdade provisória, ou seja, o acusado não poderá responder
ao processo em liberdade, considerando-se crime inafiançável.
Só poderão pagar fiança aqueles que portarem arma de fogo de
uso permitido e registrado em seu nome.
Em 23.10.2005, o governo promoveu um referendo popular
para saber se a população concordaria com a proibição total da
venda de arma de fogo e munição em todo o território nacional.
A medida que proibiria a venda de armas e munições no país
foi rejeitada, com resultado expressivo, representando 63,94%
dos votos “Não” contra apenas 36,06% dos votos “Sim”, depois
de ampla mobilização dos grupos favoráveis e contrários, com
inserções de propaganda nas rádios e televisões. A vitória do
“Não” foi fruto de uma até então inesperada mobilização dos
grupos ligados ao “lobby das armas”, que conseguiram articular
um discurso de crítica às instituições de segurança pública e
a sua ineficiência para proteger os “cidadãos de bem”, com o
argumento liberal da inadequação da intervenção do Estado na
esfera da liberdade individual de optar por ter uma arma e buscar
garantir a sua própria defesa.475

475. Azevedo; Cifali, Segurança pública... cit.

211
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Dessa forma, a aquisição de armas por particulares (civis)


manteve-se permitida no Brasil, desde que cumpridos os seguintes
requisitos: (a) Possuir idade mínima de 25 (vinte e cinco) anos;
(b) Possuir ocupação lícita e residência certa; (c) Comprovar
idoneidade por meio de apresentação de certidões negativas
de antecedentes criminais, certidões negativas de distribuição
de processos criminais e não estar “respondendo a inquérito
policial”; (d) Apresentar capacidade técnica e aptidão psicológica
para manuseio de arma de fogo, atestados por profissionais
credenciados pela Polícia Federal; (e) Declarar efetiva necessidade;
e (f ) Proceder ao pagamento da respectiva taxa.
Completando 10 anos de vigência em dezembro de 2013, o
Estatuto do Desarmamento até hoje é alvo de críticas e propostas
de liberalização do acesso às armas.476 Para seus defensores, boa
parte da redução das mortes violentas no Brasil a partir de 2004
é considerada efeito da política de controle e recolhimento de
armas desde então implementada. A pesquisa “De onde vêm as
armas do crime”,477 elaborada pelo Instituto Sou da Paz, sugere que
o Estatuto do Desarmamento tem sido eficiente para reduzir o
acesso a armas: os indicativos são o aumento do uso de simulacros
dos artefatos apreendidos, sendo que 64% das armas apreendidas
em eventos criminais entraram em circulação antes de 2003.

476. Em 2014, o tema voltou ao debate público através da discussão do PL


3.722/2012, apresentado pelo deputado Rogério Peninha, do PMDB/
SC, que pretende revogar o Estatuto do Desarmamento. O novo projeto
conta com o apoio de diversos setores da sociedade, como empresas
fabricantes de armas e ONGs que defendem o porte e a posse de armas
por civis, compreendidos “como elemento necessário ao exercício eficaz
do direito à legítima defesa”, por entidades como o Movimento Viva
Brasil. O movimento também faz referência ao argumento liberal da
liberdade de escolha. A posição do movimento em relação ao controle
de armas podem ser verificadas no seguinte endereço eletrônico: <http://
www.mvb.org.br/quemsomos/index.php>.
477. Instituto Sou da Paz. De onde vêm as armas do crime: análise do universo
de armas apreendidas em 2011 e 2012 em São Paulo. 2013. Disponível
em: <http://www.soudapaz.org/upload/pdf/relatorio_20_01_2014_
alterado_isbn.pdf>. Acesso em: 20 maio 2014.

212
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Ainda, o estudo aponta que o Estatuto não é implementado


de forma homogênea entre todos os estados brasileiros, o que faz
com que o seu impacto na redução ou não dos homicídios varie de
acordo com a intensidade e qualidade de sua implementação.478
Verificou-se que os estados em que a redução da circulação
de armas foi maior, também apresentaram a maior queda do
número de homicídios. Nesse sentido, a pesquisa mostra que
entre 2000 a 2010 houve uma diminuição na difusão das armas
de fogo nas regiões localizadas no sul e sudeste do país, enquanto
houve aumento nas localidades situadas na região nordeste. Das
20 localidades com mais armas de fogo no Brasil, em 2010,
13 localizavam-se na região nordeste, localidades com as taxas
mais altas de homicídios no país, indicador de que onde há mais
armas circulando, há mais mortes violentas.479
De outra banda, a Lei 12.258/2010, que prevê a
possibilidade do monitoramento eletrônico, proposta pelo
Senador Magno Malta, apresentou-se originalmente como
uma possibilidade de redução da população carcerária,
mais do que uma estratégia para a ampliação do controle
daqueles não atingidos pela privação de liberdade. Isso por
que, na justificativa do projeto de lei que originou a reforma
legislativa, verifica-se a intenção do legislador, o qual afirma
que o monitoramento eletrônico evitaria a ruptura dos laços
familiares e a perda do emprego do apenado, seria eficaz
no enfrentamento da lotação carcerária, bem como, em
longo prazo, possibilitaria a redução de custos do sistema
penitenciário – perspectiva esta que se aproxima de um

478. Impactos diferentes na redução dos homicídios em cada Estado também


se devem aos esforços realizados por cada ente federativo para reduzir a
circulação de armas. Podemos citar como exemplo deste esforço o Estado
de São Paulo que só com apreensões de armas pelas polícias estaduais,
tirou de circulação desde 2004 - 230 mil armas. Ainda, é o Estado da
Federação com maior número de postos fixos de entrega de armas, o
que demonstra o comprometimento em retirar armas de circulação, com
todas as estratégias à sua disposição.
479. Instituto Sou da Paz, op. cit.

213
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

gerencialismo penal –480. Ocorre que, ao final do processo


legislativo, a lei possibilitou a utilização da monitoração
apenas nos casos de concessão de saída temporária e de
prisão domiciliar, transformando-se em medida que amplia a
vigilância dos apenados, como um acréscimo da pena, mais do
que possibilita a redução da população carcerária, aparecendo,
assim, como mais um recurso simbólico de endurecimento
penal.481
Já a Lei 11.705/2008, a chamada Lei Seca, veio, em grande
medida, para atender a comoção social em relação aos acidentes
de trânsito no Brasil. Iniciada sua tramitação a partir de medida
provisória, foi complementada no Senado, transformando-se em
Projeto de Lei de Conversão (PLC). Na exposição de motivos
do projeto, são apresentados números de mortes derivadas de
acidentes de trânsito, bem como os gastos elevados do Sistema
Único de Saúde com o tratamento de dependentes de álcool e
de procedimentos hospitalares de internações relacionadas ao
consumo de álcool. O projeto fala em urgência da aprovação da
legislação, tendo em vista o alto índice de consumo de álcool e
do número de acidentes automobilísticos. Após ser convertida
em PLC, a lei tramitou por menos de 2 meses antes de ser
sancionada. Assim, temos um exemplo de uma lei de caráter
emergencial, editada para atender aos anseios da população.
Fonseca aponta a edição da lei como relacionada ao
gerencialismo, já que o fluxo crescente de veículos torna-se uma
fonte importante de risco nas sociedades contemporâneas. Assim
como nos crimes ambientais, vemos a conexão entre as esferas
administrativa e penal, já que muitos crimes previstos dependem

480. O projeto de lei pode ser acessado no seguinte endereço: <http://www.


senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=51184&tp=1>.
481. Vale destacar que, em 2011, foi sancionada a Lei 12.403, que elenca a
monitoração eletrônica, entre outras medidas não privativas de liberdade,
como medida cautelar diversa da prisão. Sobre o monitoramento
eletrônico, ver: Souza, Bernardo de Azevedo. O monitoramento eletrônico
como medida alternativa à prisão preventiva. Porto Alegre: Lumen Juris,
2014.

214
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

da violação de regras previstas no Código de Trânsito Brasileiro


(CTB). Ainda, alguns crimes estão sujeitos a penalidades mais
severas no CTB do que seus correspondentes no Código Penal.
Segundo o autor: “esse tratamento desproporcional é muito mais
uma reação desmedida ocasionada pela opinião pública brasileira e
que se apoia nos efeitos simbólicos do direito penal”.482
A legislação foi alvo de diversas críticas. Isso porque a
alteração do art. 306 do CTB, inserido no rol dos crimes em
espécie da legislação, determinou que implicasse em sanção
criminal a condução de veículo automotor, na via pública, estando
o condutor com concentração de álcool por litro de sangue igual
ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer
outra substância psicoativa que determine dependência. Antes, o
crime era caracterizado quando o condutor conduzisse o veículo
sob a influência de álcool e expusesse a dano a incolumidade
pública.483 Dessa forma, a nova lei introduziu a necessidade
de comprovação da materialidade do crime através de prova
técnica, que somente pode ser produzida com o uso do chamado
“bafômetro” ou com o exame de dosagem etílica no sangue. Vale
lembrar que, no direito brasileiro, ninguém é obrigado a produzir
prova contra si mesmo, como garante o inc. LXIII do art. 5.º
da CF. Por isso, recusando-se o motorista a realizar tais exames
e, assim, inexistindo a prova exigida pela lei, a comprovação da
materialidade do crime resta prejudicada, o que não ocorria com
a redação anterior.484
O legislador, buscando aferir critérios objetivos para
a caracterização da embriaguez, criou uma situação que

482. Fonseca, op. cit., p. 325-326.


483. Antiga redação do art. 306 do CTB: “Conduzir veículo automotor, na via
pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a
dano potencial a incolumidade de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três
anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação
para dirigir veículo automotor”.
484. Vale lembrar que o condutor ainda poderá ser sancionado
administrativamente, diante da recusa de submeter-se ao exame, porém,
na esfera criminal, sua imputação restará prejudicada.

215
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

prejudicou a aplicação do tipo penal. De qualquer maneira, é


possível perceber que, ao longo dos anos, a legislação brasileira
sobre delitos de trânsito tornou-se mais rígida, transformando
o que antes era visto apenas como uma infração administrativa
em crime. Diante do caráter emergencial e conjuntural da
aprovação da legislação, na ausência de um debate profundo
sobre as implicações da reforma legal, o que era uma intenção
de aumentar o rigor punitivo transformou-se em motivo de
impedimento para a aplicação da lei penal no caso concreto.
Além disso, a legislação aprovada por parlamentares da
coalizão governista incluiu como direito do preso a emissão anual
de atestado de pena a cumprir, bem como concedeu anistia dos
crimes previstos no Código Penal Militar a bombeiros e policiais
militares punidos por participar de movimentos reivindicatórios.
Ainda, foi acrescentado como causa interruptiva da prescrição
o acórdão condenatório recorrível, como forma de adequar
a legislação ao entendimento dos tribunais superiores, que
consideravam a interrupção da prescrição nos seguintes casos: (a)
condenação pelo tribunal em ação penal originária; (b) condenação
em grau de recurso, reformando sentença absolutória. Isso
porque, considerava-se que, nesses casos, o acórdão equivaleria
a sentença condenatória. Porém, o acórdão que confirmava
sentença condenatória não interrompia a prescrição, o que levava
à prescrição de vários casos devido a interposição de recursos e à
morosidade do sistema judicial brasileiro, vindo a lei no intento
de suprimir tal omissão. Ocorre que, segundo alguns autores, a
omissão ainda persiste, motivo pelo qual o acórdão que confirma
sentença condenatória recorrível não interrompe a prescrição.485
Assim, as leis apresentadas pela coalizão governista:
ampliam direitos dos condenados, buscam saciar a demanda da
opinião pública através da utilização do direito penal, almejam

485. Queiroz, Paulo. Acórdão condenatório e prescrição: a propósito da


Lei 11.596/2007. Procuradoria Regional da República da 1.ª Região,
Boletim Nucrim, n. 20. Disponível em: <http://www.prr1.mpf.mp.br/
nucleo-criminal/boletim-do-nucrim/publicacoes-1/boletins/Boletim-
nucrim-20.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2014.

216
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

adequar a legislação penal à jurisprudência nacional e também


apoiam o governo em suas diretrizes, particularmente com o
encaminhamento do projeto do Estatuto do Desarmamento.
Ainda, houve um intento de fornecer instrumentos ao magistrado
que possibilitassem a redução da população carcerária, medida
que foi descaracterizada durante a tramitação do projeto, que,
assim como a alteração das leis de trânsito, também apontava uma
perspectiva relacionada ao gerencialismo penal. Desta forma, não é
possível observar qualquer unidade entre as medidas encaminhadas,
verificando-se a ambivalência das reformas legislativas.
Agora, resta-nos conhecer a legislação aprovada oriunda
de parlamentares que representavam a oposição ao governo. A
seguir, é possível observá-las individualmente.

TABELA 11: Legislação aprovada oriunda de projetos


de lei assinados por parlamentares que faziam parte
da oposição ao governo – 2003/2010

Partido/
Lei Conteúdo Autor
Estado

10.803/2003 Altera o art. 149 do Dec.-lei PFL/BA Senador


2.848, de 07.12.1940 – Código Waldeck
Penal, para estabelecer penas ao Ornelas
crime nele tipificado e indicar
as hipóteses em que se configura
condição análoga à de escravo.

11.313/2006 Altera os arts. 60 e 61 da Lei PFL/GO Senador


9.099, de 26.09.1995, e o art. Demóstenes
2.º da Lei 10.259, de 12.07.2001, Torres
pertinentes à competência dos
Juizados Especiais Criminais, no
âmbito da Justiça estadual e da
Justiça federal.

11.428/2006 Dispõe sobre a utilização e PSDB/SP Deputado


proteção da vegetação nativa do Fabio
Bioma Mata Atlântica, e dá Feldmann
outras providências.

217
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Partido/
Lei Conteúdo Autor
Estado

11.466/2007 Altera a Lei 7.210, de 11.07.1984 PFL/BA Senador


– Lei de Execução Penal, e o Cesar
Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940 – Borges
Código Penal, para prever como
falta disciplinar grave do preso e
crime do agente público a
utilização de telefone celular.

12.012/2009 Acrescenta o art. 349-A ao PFL/DF Deputado


Decreto-Lei no 2.848, de 7 de Alberto
dezembro de 1940 - Código Fraga
Penal.

11.923/2009 Acrescenta parágrafo ao art. PFL/BA Senador


158 do Dec.-lei 2.848, de Rodolpho
07.12.1940 – Código Penal, para Tourinho
tipificar o chamado “sequestro
relâmpago”.

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

Entre a legislação aprovada oriunda de parlamentares da


oposição, estão reformas legais que buscam recrudescer as penas
do delito de redução à condição análoga à de escravo, expandido
o alcance do tipo e prevendo novas causas de aumento da
pena. Ainda, reforma a Lei dos Juizados Especiais Criminais
para ampliar a competência dos mesmos. Ademais, a legislação
referente à proteção da vegetação nativa da Mata Atlântica,
entre outras disposições, acrescenta um tipo penal à legislação
sobre o tema, criminalizando a conduta de destruir ou danificar
vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou
médio de regeneração ou utilizá-la com infringência das normas
de proteção. Assim, pode-se afirmar que tais alterações, mesmo
que provenientes de parlamentares da oposição, guardam certa
semelhança em relação às reformas legais provenientes de
parlamentares do PT.

218
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Com relação às legislações referentes à entrada de aparelhos


telefônicos em presídios (Leis 11.466/2007 e 12.012/2009),
parecem atender a um problema que atinge a administração
penitenciária, exposto pela mídia de maneira recorrente. Ambas
as legislações foram aprovadas em menos de 1 ano e meio,
demonstrando o caráter emergencial da tramitação. Assim,
verifica-se novamente a criminalização de condutas que antes
eram apenas reguladas por procedimentos administrativos.
Percebemos, desta forma, a tentativa do Poder Público em
resolver mais uma questão de difícil resolução através da
criação de tipos penais, como se a criminalização da conduta
fosse suficiente para combater a entrada de telefones em
estabelecimentos penais. Verifica-se aqui, mais uma legislação
que busca passar a impressão de que o governo está fazendo algo
para contornar uma situação de difícil solução. Todavia, há de se
ressaltar que anteriormente à edição dessas leis exista uma lacuna
na legislação quanto à punição de quem ingressasse aparelhos
celulares em presídios. Nesse sentido, percebe-se também a
adaptação da política criminal às particularidades e aos novos
desafios trazidos com o passar do tempo.
Por sua vez, a Lei 11.923/2009, introduz o § 3.º ao
delito de extorsão tipificado no art. 158 do CP, determinando
o aumento das penas mínima e máxima quando o delito for
cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa
condição for necessária para a obtenção da vantagem econômica.
A legislação também foi impulsionada por demandas sociais e
midiáticas preocupadas com o crescimento do número de crimes
cometidos com a privação de liberdade da vítima, conhecidos
como “sequestros relâmpagos”. E, ainda que o Ministério da
Justiça houvesse se manifestado contrariamente à aprovação da
lei, a mesma foi sancionada pelo presidente. À época, o Senador
Flexa Ribeiro (PSDB-PA) manifestou-se pela aprovação da
lei, aduzindo que: “Era importante que o governo repercutisse
o anseio da sociedade que sofre por este malfeito e clama por
uma legislação que dê aos criminosos penas exemplares”. Ainda,
o Senador Demóstenes Torres (DEM-GO), afirmou o seguinte:

219
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

“O Ministério da Justiça está dominado por uma cultura de


penas baixas. Eu aposto que se o texto for vetado, em seguida será
enviado um novo projeto com penas menores”. Da mesma forma,
Aloísio Mercadante, à época, líder do PT no Senado, também se
manifestou contrariamente ao veto presidencial.486 Desta forma,
ainda que o projeto contasse com recomendações contrárias à sua
aprovação, a pressão dos parlamentares, assim como o clamor
social, foram determinantes para a sanção presidencial.
Por fim, percebe-se que a legislação aprovada no período,
dividida entre partidos de oposição e coalizão, é capaz de
demonstrar as semelhanças entre o estabelecido nas diretrizes de
governo e as leis aprovadas. Ademais, tanto a coalizão governista
como a oposição lograram aprovar reformas legais que, na
maior parte das vezes, estabelecem um maior rigor punitivo e
a expansão do controle penal. Encontramos apenas uma lei que
amplia os direitos dos apenados. Também foi possível verificar,
ao menos, quatro características que perpassam a legislação
aprovada: 1. criminalização de condutas influenciada por
sujeitos e movimentos da sociedade civil; 2. utilização do direito
penal como instrumento simbólico, como forma de apaziguar o
sentimento de insegurança no espaço público, através da edição
de leis emergenciais e conjunturais que, na maioria das vezes,
não geram o efeito esperado pelos legisladores; 3. reformas legais
relativas a problemas sociais antes não previstos na legislação
penal, como forma de adequar o direito penal aos novos desafios
impostos pela contemporaneidade; e 4. adequação da legislação
nacional à normativas e instrumentos de proteção internacionais.
Por um lado, foi possível observar que se insistiu no
aumento do rigor penal em relação a condutas tradicionalmente
praticadas pelos principais “clientes” do sistema penal, como
no caso da extorsão mediante sequestro, mas, por outro,

486. Brasil. Senado Federal. Portal de Notícias. Matérias. Especial. Sequestro-


relâmpago: relator do projeto critica possibilidade de veto presidencial.
Mar. 2009. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/
materias/2009/03/26/sequestro-relampago-relator-do-projeto-critica-
possibilidade-de-veto-presidencial>. Acesso em: 14 dez. 2014.

220
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

percebe-se a criminalização de condutas que não são praticadas


exclusivamente por sujeitos vulneráveis economicamente, como,
por exemplo, os delitos ambientais, a redução à condição análoga
à de escravo, os crimes cometidos contra os idosos e os crimes
relativos à pornografia infantil. Ou seja, para além da insistência
na criminalização de condutas e da edição de normas penais
em caráter emergencial, de acordo com as conjunturas, para
apaziguar os sentimentos de insegurança presentes no espaço
público, a legislação aprovada durante o período analisado
aponta uma preocupação do governo com condutas praticadas
por aqueles que não são o alvo preferencial do sistema de Justiça
criminal brasileiro, assim como com a adequação da legislação
nacional aos instrumentos internacionais de proteção aos
direitos humanos. Nesses casos, o que ocorre é uma proteção
mais simbólica do que material, pois não se leva em consideração
o caráter seletivo do sistema penal. De qualquer forma, para o
Poder Público, a edição de leis penais baseadas numa perspectiva
penalizadora, orientadas pela noção de risco e de prevenção,
parece ser a principal forma de resolução de conflitos sociais.

5.3.3 
Casa iniciadora da tramitação dos projetos de lei
aprovados no período

Com relação aos projetos de lei que deram origem às leis


promulgadas que fazem parte da amostra do presente trabalho,
percebemos um relativo equilíbrio quanto às propostas de
iniciativa da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do
Executivo. A divisão de leis aprovadas por casa iniciadora da
tramitação pode ser observada a seguir:

TABELA 12 – Legislação aprovada por casa propositora

Casa propositora Leis aprovadas %


Câmara dos Deputados 13 32,5
Senado Federal 11 27,5

221
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Casa propositora Leis aprovadas %


Congresso Nacional 4 10
Executivo 12 30
TOTAL 40 100%
Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das
informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

As propostas oriundas da Câmara dos Deputados


representam 32,5% das leis aprovadas, e podem ser vistas nas
tabelas anteriormente apresentadas. As propostas oriundas do
Senado Federal representam 27,5%, e também aparecem nas
tabelas apresentadas, à exceção da Lei. 11.829/2008, originária
da CPI da pedofilia.487 Com relação a esta, na justificativa do
projeto de lei, foi ressaltado que a reforma legislativa buscava
atualizar as normas penais incriminadoras contidas no ECA
para adequá-las à “realidade dos tempos modernos”, já que a
preocupação principal dos legisladores dizia respeito à divulgação/
compra/venda de pornografia infantil via Internet. A legislação
criou novos tipos penais referentes ao tema e recrudesceu tipos
já existentes, especialmente aumentando as penas mínimas e
máximas e criando causas de aumento.
Com relação às leis aprovadas oriundas do Congresso
Nacional, destaca-se que 3 foram elaboradas pela Comissão
Mista de Segurança Pública (Leis 10.763/2003, 10.701/2003
e 11.343/2006) e 1 pela CPMI da Exploração Sexual (Lei
12.015/2009). Esta última trouxe diversas modificações ao
texto do ECA, adicionado penas de multa antes não previstas
(5), adicionando causas de aumento (11) e de diminuição (3) da
pena, ampliando o alcance de tipos penais (3), diminuindo (2) e
aumentando (4) penas mínimas e máximas, criando novos tipos
penais apenados com reclusão (13), e revogando outros crimes

487. O relatório final da CPI pode ser acessado através do seguinte


endereço eletrônico: <http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/pdfs/
RELATORIOFinalCPIPEDOFILIA.pdf>.

222
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

(5). A CPMI destacou que as medidas legislativas existentes não


abarcavam as várias dimensões da exploração sexual, destacando
a gravidade do problema.488 Entre as alterações legislativas
introduzidas pela nova lei, destaca-se: (a) mudança do conceito
“crimes contra os costumes” para “crimes contra a liberdade
sexual”; (b) a ampliação do crime de estupro como sendo cometido
contra pessoas, não apenas mulheres; (c) a criação do tipo penal
“estupro de vulnerável”; (d) punições mais severas para rede
de exploração sexual, inclusive para os clientes; (e) inclusão de
causas de aumento, quando o crime resultar gravidez e quando o
agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível; (f )
alteração dos tipos de tráfico de pessoas, para incluir a finalidade
de exploração sexual na denominação dos tipos; (g) instituição
da ação penal pública para os crimes sexuais envolvendo crianças
e adolescentes. A CPMI tinha como relatora a Deputada Maria
do Rosário, do PT, e como presidente a Senadora Patrícia
Saboya, do PDT, ambas integrantes da coalizão governista.
Entre as alterações introduzidas pela Comissão Mista
de Segurança Pública, a reforma legal implementada pela Lei
10.763/2003, aumenta as penas mínima e máxima dos crimes
de corrupção ativa e passiva e, ainda, condiciona a progressão de
regime do condenado por crime contra a Administração Pública
à reparação do dano que causou ou à devolução do produto do
ilícito praticado. Por sua vez, a Lei 10.701/2003 adicionava o
financiamento ao terrorismo como crime antecedente à lavagem
de dinheiro.489
Por fim, a Comissão Mista de Segurança Pública (CMSP)
foi responsável pelo projeto original da nova Lei de Drogas,
11.343/2006, que tramitou por cerca de 4 anos antes de ser

488. Segundo a CPI, à época existiam 241 rotas de tráfico no país, sendo 131
internacionais, 78 interestaduais e 32 intermunicipais.
489. Vale lembrar que a Lei 12.683/2012 revogou o rol de crimes
antecedentes, determinando que quem ocultar ou dissimular a natureza,
origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens,
direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração
penal, estará sujeita às penalidades previstas na legislação.

223
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

aprovada. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ao


analisar o projeto da CMSP (PLS 115/2002), que posteriormente
recebeu um substitutivo elaborado na Câmara pela Comissão de
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Violência
e Narcotráfico, afirmou que ambos os projetos apresentavam o
mesmo problema, não faziam uma diferenciação adequada entre
usuários e traficantes. Ainda, o primeiro projeto determinava o
tratamento e a internação compulsória do usuário, enquanto o
segundo previa pena de reclusão para o mesmo. De acordo com a
CCJ, a pretensão da internação compulsória viola o princípio da
Constituição Federal que garante a liberdade individual, assim
como contraria as recomendações da área científica quanto à
importância de diagnóstico prévio do usuário para constatar a
necessidade de tratamento, além da necessidade de obter-se seu
consentimento para a efetividade da atenção a sua saúde. Quanto
ao tratamento do delito de tráfico, ambas as propostas eram
semelhantes. No parecer da Comissão de Constituição e Justiça,
relatado pelo Deputado Paulo Pimenta, do PT, o parlamentar
destaca a importância do tema para o governo:
“O uso indevido de drogas implica, quase sempre, em contato
precoce com o mundo da ilegalidade e da violência e deixa, por vezes,
um legado de sofrimento e vulnerabilidade social para o indivíduo
e sua família. O Brasil vive, hoje, um momento de mudança, com
sua atenção voltada à parcela da população que vive em condições
de exclusão social. Nesse contexto, as políticas voltadas para a maior
qualidade de vida do cidadão ganham relevância e destaque na
agenda do governo e na pauta dos assuntos defendidos por esta Casa.
Um dos temas de maior premência é a questão do uso indevido e do
tráfico ilícito de drogas”.490
O parecer relata, ainda, que a maior parte dos dispositivos
que regulavam as atividades de redução da demanda e da oferta

490. Brasil. Comissão de Constituição e Justiça e de Redação. Relatório


sobre o PLS 115/2002. Paulo Pimenta (relator), 2004. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/197758.pdf>. Acesso em: 20
dez. 2014.

224
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

de drogas no Brasil datava de 1976 (Lei 6.368/1976), ainda


que tenham sido feitas alterações em seu texto original pela Lei
10.409/2002. Desta forma, o parecer apontava que a legislação
brasileira sobre drogas baseava-se em documento elaborado em
um contexto social diverso daquele momento, “em especial no
que se refere à garantia de direitos dos cidadãos brasileiros”. De
acordo com o relator:
“Nesses quase trinta anos que se passaram, o avanço do
conhecimento científico, aliado aos novos contornos assumidos pelo
fenômeno da droga, nos cenários nacional e mundial, tornaram
ultrapassados os conceitos e métodos utilizados na abordagem do
tema. De uma visão meramente médico-policial, o uso indevido e o
tráfico ilícito de drogas passaram a ser tratados como questões de alta
complexidade, relacionadas à saúde pública, à segurança e ao bem-
estar social”.491
Por tais motivos, a CCJ encaminhou novo projeto
substitutivo, considerado mais adequado que os anteriores,
por: “ter registrada uma abordagem mais atualizada quanto
aos aspectos científicos, mais humana, mais democrática,
sintonizada com a realidade brasileira e com possibilidades
concretas de ser implementada”. Ainda, o relator destacou que
o projeto substitutivo estava mais alinhado aos compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil e que resguardava os
direitos fundamentais do cidadão brasileiro. Por fim, ressalta
que a CCJ buscou separar o usuário do traficante. Por tais
motivos, para os primeiros, foi formulada uma política que
buscava inseri-los no âmbito da saúde pública, eliminando
a possibilidade de prisão para estes.492 Para os segundos,

491. Brasil. Comissão... cit.


492. De acordo com o parecer: “Conforme vem sendo cientificamente
apontado, a prisão dos usuários e dependentes não traz benefícios à
sociedade, pois, por um lado, os impede de receber a atenção necessária,
inclusive com tratamento eficaz e, por outro, faz com que passem a
conviver com agentes de crimes muito mais graves. Ressalvamos que não
estamos, de forma alguma, descriminalizando a conduta do usuário – o
Brasil é, inclusive, signatário de convenções internacionais que proíbem

225
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

“atendendo ao clamor da sociedade brasileira, mantivemos as


medidas de caráter repressivo”.493
As principais alterações introduzidas pelo projeto
substitutivo da CCJ foram: (a) eliminação da possibilidade de
internação compulsória do usuário; (b) previsão da possibilidade
de o juiz, com base em perícia técnica realizada por profissional
de saúde, encaminhar o usuário para tratamento, sempre que
verificar a necessidade (lembrando que o papel do juiz será
meramente o de encaminhar o agente, que poderá ou não realizar o
tratamento); (c) eliminação da possibilidade de interdição judicial
do usuário como sanção, “em função do caráter discriminatório e
‘lombrosiano’ da medida, que trata o usuário ou dependente como
incapaz”;494 (d) previsão de penas de advertência, prestação de
serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso
educativo; e, por fim, (e) previsão de substituição das sanções,
em caso de descumprimento, por penas restritivas de direitos.
O parecer ainda destaca que: “não nos olvidamos da diferença
existente entre pequenos e grandes traficantes”, motivo pelo qual
justifica a manutenção da causa especial de diminuição da pena
para o agente que seja primário e de bons antecedentes e cuja
conduta se caracterize por ausência de habitualidade e caráter
não profissional.495
Assim, é possível perceber que diversas das “inovações”
trazidas pela nova Lei de Drogas, como a exclusão da pena de
prisão para o usuário e a introdução de penas não privativas de
liberdade para este, na verdade, foram introduzidas pela CCJ,
pois não constavam nos projetos originais. Ainda, o relator da

a eliminação desse delito. O que fazemos é apenas modificar os tipos de


penas a serem aplicadas ao usuário, excluindo a privação da liberdade, como
pena principal. No entanto, para que o condenado não possa se subtrair
ao cumprimento das penas restritivas de direitos prevista no substitutivo
que ora apresentamos, estabelecemos a possibilidade de condenação do
usuário nas penas do art. 330 do CP em vigor.” Brasil. Comissão... cit.
493. Idem, ibidem.
494. Idem.
495. Idem.

226
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Comissão era um deputado do PT, o qual expôs as diretrizes


do governo para o tratamento da questão, reformando o projeto
original para adequá-lo à perspectiva governamental.
Agora, resta-nos conhecer as leis aprovadas no período que
foram oriundas do poder Executivo.

TABELA 13 – Leis aprovadas entre


2003-2010 oriundas do Executivo

Emendas Veto
Lei Conteúdo Origem
ao projeto parcial

10.792/2003 Altera a Lei 7.210, de PL 27 Não


11.06.1984 – Lei de 5.073/2001
Execução Penal e o Dec.-lei
3.689, de 03.10.1941 –
Código de Processo Penal e
dá outras providências.
Disciplina o Regime
Disciplinar Diferenciado.

10.695/2003 Altera e acresce parágrafo PL 6 Não


ao art. 184 e dá nova 2.681/1996
redação ao art. 186 do
Dec.-lei 2.848, de
07.12.1940 – Código Penal,
alterado pelas Leis 6.895,
de 17.12.1980, e 8.635, de
16.03.1993, revoga o art.
185 do Dec.-lei 2.848/1940,
e acrescenta dispositivos ao
Dec.-lei 3.689, de
03.10.1941 – Código de
Processo Penal. Referente à
violação dos direitos
autorais.

11.035/2004 Altera o Dec.-lei 2.848, de PL 0 Não


07.12.1940 – Código Penal. 1.365/1999
Referente à falsificação de
documentos públicos.

227
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Emendas Veto
Lei Conteúdo Origem
ao projeto parcial
11.254/2005 Estabelece as sanções PL 1 Não
administrativas e penais 2.863/1997
em caso de realização de
atividades proibidas pela
Convenção Internacional
sobre a Proibição do
Desenvolvimento,
Produção, Estocagem e
Uso das Armas Químicas e
sobre a Destruição das
Armas Químicas existentes
no mundo (CPAQ).
11.101/2005 Regula a recuperação PL 525 Sim
judicial, a extrajudicial e a 4.376/1993
falência do empresário e da
sociedade empresária.
Tipifica crimes de fraude
ao credor.
11.105/2005 Regulamenta os incs. II, IV PL 306 Sim
e V do § 1.º do art. 225 da 2.401/2003
CF, estabelece normas de
segurança e mecanismos de
fiscalização de atividades
que envolvam organismos
geneticamente modificados
– OGM e seus derivados,
cria o Conselho Nacional
de Biossegurança – CNBS,
reestrutura a Comissão
Técnica Nacional de
Biossegurança – CTNBio,
dispõe sobre a Política
Nacional de Biossegurança
– PNB, revoga a Lei 8.974,
de 05.01.1995, e a
MedProv 2.191-9, de
23.08.2001, e os arts. 5.º, 6.º,
7.º, 8.º, 9.º, 10 e 16 da Lei
10.814, de 15.12.2003, e dá
outras providências.

228
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Emendas Veto
Lei Conteúdo Origem
ao projeto parcial

11.340/2006 Cria mecanismos para PL 3 Não


coibir a violência 4.559/2004
doméstica e familiar
contra a mulher, nos
termos do § 8.º do art. 226
da CF, da Convenção
sobre a Eliminação de
Todas as Formas de
Discriminação contra as
Mulheres e da Convenção
Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a
Mulher; dispõe sobre a
criação dos Juizados de
Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher;
altera o Código de
Processo Penal, o Código
Penal e a Lei de Execução
Penal; e dá outras
providências.

11.284/2006 Dispõe sobre a gestão de PL 312 Sim


florestas públicas para a 4.776/2005
produção sustentável;
institui, na estrutura do
Ministério do Meio
Ambiente, o Serviço
Florestal Brasileiro – SFB;
cria o Fundo Nacional de
Desenvolvimento
Florestal – FNDF; altera as
Leis 10.683, de 28.05.2003,
5.868, de 12.12.1972,
9.605, de 12.02.1998,
4.771, de 15.09.1965, 6.938,
de 31.08.1981, e 6.015, de
31.12.1973; e dá outras
providências.

229
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Emendas Veto
Lei Conteúdo Origem
ao projeto parcial
11.464/2007 Dá nova redação ao art. PL 10 Não
2.º da Lei 8.072, de 6.793/2006
25.07.1990, que dispõe
sobre os crimes hediondos,
nos termos do inc. XLIII do
art. 5.º da CF.
11.719/2008 Altera dispositivos do PL 2 Sim
Dec.-lei 3.689, de 4.207/2001
03.10.1941 – Código de
Processo Penal, relativos à
suspensão do processo,
emendatio libelli, mutatio
libelli e aos procedimentos.
11.690/2008 Altera dispositivos do PL 7 Sim
Dec.-lei 3.689, de 4.205/2001
03.10.1941 – Código de
Processo Penal, relativos à
prova, e dá outras
providências.
135/2010 Altera a LC 64, de PLC 10 Não
18.05.1990, que estabelece, 58/2010
de acordo com o § 9.º do
art. 14 da CF, casos de
inelegibilidade, prazos de
cessação e determina
outras providências, para
incluir hipóteses de
inelegibilidade que visam a
proteger a probidade
administrativa e a
moralidade no exercício do
mandato.

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

Como visto, entre as 40 leis analisadas, 30% foram oriundas


de projetos de lei enviados ao Congresso pelo Executivo, sendo
possível afirmar seu sucesso na implementação da agenda

230
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

governamental, já que, além disso, o PT foi o partido que teve


mais projetos de lei aprovados no Congresso. Ademais, também
foi possível perceber a influência dos relatores das comissões
para a determinação da política criminal do período, muitos
integrantes do PT. Assim, o partido do presidente deteve um
inegável poder para implementar a agenda governista. Ainda,
observamos que, algumas vezes, o Executivo veta seus próprios
projetos, principalmente aqueles que receberam emendas dentro
do Congresso Nacional, provavelmente, como uma forma de
barrar alterações não condizentes com a agenda governamental.
A seguir, destacamos algumas reformas legais oriundas de
projetos do Executivo.496
Entre as leis aprovadas oriundas do Executivo, está a Lei
10.792/2003, que disciplina o RDD, a qual se insere no contexto
de crise do ideal reabilitador e da consequente preponderância
de uma severa política de controle carcerário. De acordo com
Alvarez et. al., nos anos 80, o ambiente político e social possibilitou
um amplo debate público sobre as prisões no Brasil. Além de
falar-se sobre as condições precárias das prisões brasileiras e
sobre a violência enraizada nas práticas institucionais, operou-
se uma discussão sobre formas de representação dos presos e
a garantia dos seus direitos. Elaborada em 1983, a Política de
Humanização dos Presídios tinha como objetivo reverter as
arbitrariedades praticadas nas prisões. Uma das iniciativas
mais inovadoras dessa política pública foi a criação de grupos
representantes dos presos, as Comissões de Solidariedade, as
quais se constituíam como canais diretos de comunicação entre
os presos e administração prisional. Através das Comissões,
podiam ser encaminhadas demandas referentes às condições
de cumprimento da pena e as reivindicações em termos de
acesso aos direitos. Contudo, as propostas de democratização
de tais espaços enfrentaram os obstáculos deixados pela herança

496. Mais adiante, veremos as leis propostas durante o governo de Lula,


motivo pelo qual, neste momento, destacaremos apenas as leis que
foram propostas em momento anterior ao seu mandato.

231
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

autoritária ainda presente nas instituições de segurança pública e


a resistência política de amplos setores da sociedade. Uma forte
campanha em oposição à política de humanização foi articulada
e não tardou em produzir efeitos, deslegitimando as Comissões,
rapidamente desconstituídas, extinguindo-se, assim, a primeira
experiência brasileira em relação à representação e participação
dos apenados.497
Em seu trabalho, os autores partem da hipótese de que essa
obstrução à existência de meios de comunicação e representação
da população carcerária favoreceu a formação do Primeiro
Comando da Capital (PCC). Diante do boicote ao canal
legítimo de reivindicação, os apenados retomaram os métodos
violentos que utilizavam anteriormente, o que culminou em
uma escalada da violência, principalmente através de rebeliões
e motins. No ano seguinte ao Massacre do Carandiru, o PCC
surgiu, apropriando-se do discurso de união entre os presos
como forma de luta contra a opressão praticada pelo Estado.
Os autores apontam que a ausência de canais de comunicação
entre presos e as autoridades foi um elemento fundamental
para a construção do discurso legitimador do PCC. Pode-se
dizer que o elemento propulsor à criação legislativa do RDD
foi a primeira megarrebelião prisional ocorrida em São Paulo,
no ano de 2001, sob a organização do PCC. Entre as respostas
ao surgimento da organização, a principal medida da política
criminal foi a criação do Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD) em São Paulo, através da Res. 26, posteriormente
transformada em lei federal.498 Vale lembrar que o projeto de
lei foi enviado pelo Executivo em 2001, durante o mandato de
FHC, mas sancionado por Lula em 2003.
Observa-se tal reforma legal como uma medida paliativa
para uma situação de emergência. Com a construção de maioria

497. Alvarez, Marcos César; Salla, Fernando; Dias, Camila Nunes. Das
Comissões de Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital. Tempo
Social, v. 25, n. 1, p. 61-82, São Paulo, jun. 2013.
498. Idem, ibidem.

232
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

parlamentar vinculada a uma perspectiva de endurecimento


penal e de criminalização emergencial, com adeptos à direita e à
esquerda do espectro político, percebe-se o peso das articulações
políticas estaduais no Congresso. Nesse caso, especialmente as
de São Paulo, que pressionaram o governo federal e o Poder
Legislativo para a adoção de medidas voltadas à solução de
problemas gerenciais do sistema carcerário paulista. Assim,
como uma espécie de “prisão dentro da prisão”, o RDD resultou
em um reforço à concepção de isolamento pelo cárcere e vai
além: “utiliza processos de individualizar e marcar os excluídos não
para normalizá-los ou corrigi-los, mas, simplesmente, para segregá-
los e incapacitá-los”.499
Outra legislação aprovada, importante em termos de
penalidade, é a Lei 10.695/2003, que trata sobre a violação de
direitos autorais e visa combater a “pirataria”. A reforma legal
cria novo tipo penal e aumenta penas mínima e máxima dos
delitos relacionados ao tema (2), excluindo a competência dos
Juizados Especiais para tratar dos delitos previstos nos §§ 1.º, 2.º
e 3.º do art. 184 do CP. Assim, é uma legislação que se enquadra
na tendência geral de endurecimento penal. A alteração deu-se,
em grande medida, devido aos novos meios de elaborar cópias
de obras, principalmente através da internet, e como fruto da
mobilização da classe artística e também das empresas de
fonogramas e de software.500
Na mesma linha de endurecimento penal, a Lei 11.035/2004,
amplia o alcance de tipos já existentes sobre a falsificação de
documentos públicos. Já as Leis 11.101/2005 e 11.254/2005
criam novos tipos penais, a primeira, referentes à fraude contra o

499. Dias, Camila Caldeira Nunes Dias. Efeitos simbólicos e práticos


do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) na dinâmica prisional.
Revista Brasileira de Segurança Pública, 5. ed., São Paulo, ago.-set.,
2009, p. 130.
500. Giacchetta, André Zonaro. A nova arma para combater a pirataria no
Brasil. Revista Consultor Jurídico, jun. 2003. Disponível em: <http://www.
conjur.com.br/2003-jul-09/arma_combater_pirataria_brasil#author>.
Acesso em: 20 dez. 2014.

233
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

credor,501 e a segunda, relacionados ao uso e fabricação de armas


químicas.502 Por fim, as Leis 11.690/2008 e 11.719/2008 alteram
procedimentos do Código de Processo Penal, a primeira, para
determinar a inadmissibilidade das provas ilícitas (entendidas
como aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou
legais) e seu desentranhamento do processo, e a segunda, relativa
à emendatio libelli, muttatio libelli e possibilitando a suspensão
do processo nos casos em que há alteração da definição jurídica,
quando presentes os requisitos para tanto.
Assim, dentre as propostas aprovadas pelo Executivo
percebe-se a compatibilidade anteriormente apontada em relação
aos planos de governo, a relação de proximidade com movimentos
sociais e grupos da sociedade civil, como o movimento de
mulheres, artistas, e meio ambiente. Também, verifica-se que a
tendência de endurecimento penal não é um fator que atinge
apenas a direita do espectro político, mas também os partidos
de esquerda, ainda que a criminalização e o endurecimento
das penas recaiam sobre temas diversos, não somente aqueles
relativos à criminalidade urbana violenta. Contudo, além de uma
maior severidade na modificação das penas, também foi possível
verificar um maior rigor no que tange ao cumprimento delas,
com a modificação da Lei de Crimes Hediondos e a regulação
do RDD. Assim, a perspectiva de maior exclusão dos sujeitos
condenados, identificada no trabalho de Ferreira, apontado
anteriormente, também se faz presente no período.

501. A Lei cria 12 tipos penais puníveis com reclusão, e um tipo penal punível
com detenção, ambos acrescidos de multa, além de estabelecer 6 causas
de aumento da pena.
502.  O art. 4.º da Lei determina: “Constitui crime: I – fazer uso de armas
químicas ou realizar, no Brasil, atividade que envolva a pesquisa,
produção, estocagem, aquisição, transferência, importação ou exportação
de armas químicas ou de substâncias químicas abrangidas pela CPAQ
com a finalidade de produção de tais armas; II – contribuir, direta ou
indiretamente, por ação ou omissão, para o uso de armas químicas ou
para a realização, no Brasil ou no exterior, das atividades arroladas no
inciso I: Pena – reclusão, de 1 (um) a 10 (dez) anos”.

234
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

5.3.4 Tempo de tramitação por casa iniciadora


No quadro abaixo, é possível observar que o tempo de
tramitação dos projetos por casa iniciadora. Dentre as 12
leis oriundas do Executivo, 41,7% tramitaram entre 1 e 2
anos, demonstrando a celeridade com que suas propostas são
aprovadas. Apesar de 4 leis ou 33,3% do total de propostas
oriundas do Executivo haverem levado entre 5 a 10 anos para
serem sancionadas, ressalta-se que as todas eram oriundas de
outros governos, assim como a proposição que tramitou por
mais de 10 anos antes de torna-se lei. Assim, verifica-se que,
em geral, as propostas elaboradas pelo Executivo durante o
governo de Lula tiveram uma tramitação mais rápida do que as
de iniciativa de outras casas legislativas, o que se relaciona com
os apontamentos de Limongi e Figueiredo, expostos no capítulo
anterior, sobre o poder de agenda e os mecanismos com os quais
conta o Executivo para agilizar a aprovação de seus projetos.

TABELA 14 – Tempo de tramitação


das propostas por casa propositora

Até De De De De De Mais
6 6 a 12 1a2 2a3 3a5 5 a 10 de 10 Total
meses meses anos anos anos anos anos
Câmara dos
3 0 3 1 2 2 2 13
Deputados
Frequência 13 =
23,1% 0 23,1% 7,6% 15,4% 15,4% 15,4%
(%) 100%
Senado
1 2 1 1 4 2 0 11
Federal
Frequência 11=
9,1% 18,2% 9,1% 9,1% 36,3% 18,2% 0
(%) 100%
Congresso
0 0 2 0 1 1 0 4
Nacional
Frequência 4=
0 0 50% 0 25% 25% 0
(%) 100%

235
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Até De De De De De Mais
6 6 a 12 1a2 2a3 3a5 5 a 10 de 10 Total
meses meses anos anos anos anos anos
Executivo 1 0 5 1 0 4 1 12
Frequência 12=
8,3% 0 41,7% 8,3% 0 33,3% 8,3%
(%) 100%
Total 5 2 11 3 7 9 3 40
Frequência 40=
12,5% 5% 27,5% 7,5% 17,5% 22,5% 7,5%
(%) 100%
Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das
informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Executivo


tiveram 6 propostas aprovadas em até 2 anos. Chama atenção
o fato de que 3 propostas oriundas da Câmara dos Deputados
tramitaram em menos de 6 meses, quais sejam: o PL. 1.505/2003,
projeto do Deputado Luciano Zica, do PT/SP, que originou
a Lei 10.790/2003;503 o PLV 11/2003, projeto do Deputado
Prof. Luizinho, do PT/SP, que originou a Lei 10.684/2003;504
e o PLV 13/2008, projeto do Deputado Hugo Leal, do PSC/
RJ, que originou a Lei 11.705/2008.505 As outras 3 propostas
oriundas da Câmara dos Deputados que tramitaram em até 2
anos são as seguintes: PL 3/2003, projeto da Deputada Iara
Bernardi, do PT/SP, que originou a Lei 10.886/2004 e criou
o tipo especial da “Violência Doméstica”, incluindo tipificação

503. Lei que “concede anistia a dirigentes ou representantes sindicais e


trabalhadores punidos por participação em movimento reivindicatório”.
504. Lei que altera a legislação tributária e determina a suspensão da
pretensão punitiva do Estado durante o período em que a pessoa
jurídica relacionada com o agente dos crimes de apropriação indébita
previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária estiver
incluída no regime de parcelamento, bem como determina a extinção da
punibilidade quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar
o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições
sociais, inclusive acessórios.
505. Lei que busca “inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de
veículo automotor”.

236
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

específica nos crimes de lesão corporal; o PLC 81/2008, projeto


do Deputado Alberto Fraga, do PFL/DF, que originou a Lei
12.012/2009 e tipifica o crime de ingressar ou facilitar a entrada
de aparelho telefônico, de rádio ou similar, sem autorização legal,
em estabelecimento prisional; e o PLC 82/2009, do Deputado
Arlindo Chinaglia, do PT/SP, que originou a Lei 12.299/2010,
que dispõe sobre medidas de prevenção e repressão aos fenômenos
de violência por ocasião de competições esportivas. Vale destacar
que dentre os parlamentares proponentes que tiveram suas leis
aprovadas em até 2 anos, apenas o Deputado Alberto Fraga não
integrava a coalizão governista. Ainda, dentre as 6 leis citadas, 4
são originárias de parlamentares do PT.
Entre as leis oriundas do Executivo com tramitação em até
2 anos, estão as seguintes Leis: Lei 11.105/2005, que estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades
que envolvam organismos geneticamente modificados,
tipificando crimes;506 a Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha;
a Lei 11.284/2006, que dispõe sobre a gestão de florestas
públicas para a produção sustentável e também tipifica crimes;507
Lei 11.464/2007, que, entre outras disposições, determina o
cumprimento inicial da pena em regime fechado aos condenados

506. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5.º da
mesma Lei; praticar engenharia genética em célula germinal humana,
zigoto humano ou embrião humano; realizar clonagem humana; liberar
ou descartar organismo geneticamente modificado no meio ambiente,
em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos
e entidades de registro e fiscalização; produzir, armazenar, transportar,
comercializar, importar ou exportar organismo geneticamente
modificado ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com
as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de
registro e fiscalização.
507. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou
nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do
órgão competente; elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão
florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo
ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive
por omissão.

237
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

por crimes hediondos; Lei 11.690/2008, que determina que são


inadmissíveis as provas ilícitas e delas derivadas; e a LC 135/2010,
a Lei da Ficha Limpa, que estabelece casos de inelegibilidade e
cassação de mandatos pela prática de crimes, tendo esta última
tramitado por menos de seis meses antes de sua aprovação.508
As Leis citadas estabelecem outras disposições, muitas
vezes maiores do que a parte criminalizante. Assim, ainda que
possamos identificar a edição de leis simbólicas, que buscam
responder a alguma demanda social ou a algum caso específico,
como a lei que dispõe sobre crimes praticados em jogos
esportivos, mais especificamente, nos estádios de futebol e entre
torcidas organizadas, a lei que altera os crimes de trânsito e a
que busca inibir a entrada de telefones celulares em presídios;
a maioria das leis que tramitaram em até 2 anos parecem ser
frutos de um relativo consenso no Congresso Nacional. Ou
seja, percebe-se, como referido anteriormente, que o Executivo
encaminha propostas com as quais já conta com um acordo
prévio para obter o resultado desejado.
Observa-se que quase 50% das leis oriundas da Câmara
dos Deputados foram aprovadas em até 2 anos, o que nos leva
a crer que a rapidez na aprovação de algumas normas se dê em
razão do caráter simbólico e emergencial de parte da legislação
aprovada no período. Já as propostas oriundas do Senado Federal,
parecem estar distribuídas de maneira relativamente equilibrada,
havendo uma maior incidência de leis que tramitam entre 3 e 5

508. Contra a economia popular, a fé pública, a Administração Pública e o


patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro,
o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
contra o meio ambiente e a saúde pública; eleitorais, para os quais a
lei comine pena privativa de liberdade; de abuso de autoridade, nos
casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação
para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens,
direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo,
tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de
escravo; contra a vida e a dignidade sexual; praticados por organização
criminosa, quadrilha ou bando.

238
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

anos (33,4%), apontando para um maior tempo de tramitação


das propostas antes de sua aprovação.

5.3.5 Leis propostas pelo Executivo no período (2003-2010)


A seguir, apresentamos as leis propostas pelo Executivo
entre 01.01.2003 – 01.01.2011. Dentre as 21 propostas
analisadas, 6 foram transformadas em lei, 6 estão prontas para
entrarem em pauta no Plenário, 4 foram arquivadas, e outras 5
aguardam a conclusão de prazos de vistas, parecer de Comissões
ou a constituição de uma Comissão para emitir parecer. Ou seja,
a maioria dos projetos de lei que dizem respeito à área penal
apresentados durante o governo de Lula ainda se encontra em
tramitação (52,4%), enquanto 28,6% foram aprovados e 19%
arquivados, como é possível observar nos quadros abaixo:

TABELAS 15 e 16 – Número de projetos propostos


pelo Executivo (2003/2010) por situação do projeto

Situação N. de propostas %
Pronta para pauta no Plenário 6 28,6
Aguardando vistas 1 4,8
Aguardando parecer de comissão 2 9,5
Aguardando constituição de comissão 2 9,5
Arquivada 4 19
Transformada em lei 6 28,6
Total 21 100%
Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das
informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

Situação N. de propostas %
Em andamento 11 52,4
Arquivada 4 19

239
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Situação N. de propostas %
Transformada em Lei 6 28,6
Total 21 100%
Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das
informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

Entre os projetos enviados ao Congresso pelo Executivo


durante o governo de Lula,509 seis (6) foram aprovados e deram
origem às seguintes leis: 1. Lei 11.105/2005, que tramitou por
cerca de 1 ano e meio e dispõe sobre a Política Nacional de
Biossegurança, que, entre outras disposições, criminaliza condutas
como a realização de clonagem humana, a prática de engenharia
genética com células, embriões ou zigotos humanos, assim como
a liberação e o descarte de organismo geneticamente modificado
no meio ambiente; 2. Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha,
que cria mecanismos para coibir a violência contra a mulher e
também tramitou durante 1 ano e meio antes de ser aprovada; 3.
a Lei 11.284/2006, que trata sobre a gestão de florestas públicas
para a produção sustentável e, entre outras disposições, insere
no ordenamento jurídico tipos penais e causas de aumento de
pena referentes ao desmatamento, exploração econômica ou
degradação de florestas em terras de domínio público, assim
como relativos à apresentação ou elaboração de laudo ambiental
falsificado em procedimentos administrativos para concessão ou
licenciamento de atividades, tendo tramitado por cerca de 1 ano
antes de sua aprovação; 4. a Lei 11.464/2007, que modifica a Lei
de Crimes Hediondos, alterando os dispositivos que tratavam
sobre o cumprimento integral da pena em regime fechado
para cumprimento inicial da pena em regime fechado, ainda,
alterando (e recrudescendo) a regra para a progressão de regime
(antes da edição da lei, o requisito temporal era o cumprimento

509. As demais leis aprovadas que foram propostas pelo Executivo foram de
origem de outros governos, motivo pelo qual não serão analisadas neste
apartado.

240
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

de 1/6 da pena e a partir da lei foi para 2/5 da pena, se o apenado


for primário, e para 3/5, caso reincidente),510 bem como retira
a vedação à liberdade provisória; 5. a LC 135/2010, que, entre
outras disposições, dispõe sobre o estabelecimento de casos de
inelegibilidade quando da prática de crimes como a lavagem e
ocultação de bens, contra a vida e a dignidade sexual, de redução
à condição análoga à de escravo, racismo, tortura, abuso de
autoridade, contra o meio ambiente e a saúde pública.
Observa-se, novamente, a relação entre o poder Executivo
e temas que são pauta de movimentos sociais, como no caso
dos crimes ambientais, a inclusão de crimes como o racismo
no rol de delitos cuja condenação leva à inelegibilidade e a Lei
Maria da Penha, que contou com a participação de ONGs e
movimentos feministas em sua elaboração. Ainda, percebe-se
que o poder Executivo buscou adequar a legislação nacional a
disposições e normativas internacionais, como é o caso da Lei
Maria da Penha, também influenciada, ainda que em menor
medida, pela condenação do Estado brasileiro pela CIDH,
assim como é o caso da lei que estabelece a Política Nacional
de Biossegurança, adequando a legislação brasileira aos tratados
internacionais ratificados pelo Brasil.511 Ademais, através da Lei
11.464/2007, o Poder Executivo buscou adequar a legislação
nacional às conclusões do STF, mesmo que tenha acabado por
recrudescer a regra que dispõe sobre o requisito temporal para a
progressão de regime.

510. Como já mencionado, a reforma legislativa se deu após a declaração


de inconstitucionalidade pelo STF, em 2006, do art. 2.º da Lei de
Crimes Hediondos, que vedava a liberdade provisória e determinava
o cumprimento integral da pena em regime fechado. Para ver a
jurisprudência relacionada e os precedentes que, posteriormente, deram
origem à edição da Súmula Vinculante 26, ver: <http://www.stf.jus.br/
portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1271>.
511. Convenção Sobre Diversidade Biológica, da ONU, em vigor desde
1994, o Protocolo de Cartagena, resultado da Conferência das Partes
da Convenção sobre Diversidade Biológica, também impulsionada pela
ONU, em vigor desde 2003.

241
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Por fim, vale destacar que a sexta lei proposta e aprovada,


encontrada em nossa amostra referente apenas às leis propostas
pelo Executivo, não apareceu quando da pesquisa sobre a
legislação aprovada no período, qual seja, a Lei 11.671/2008,
que dispõe sobre a transferência e a inclusão de presos no sistema
penitenciário federal de segurança máxima, determinando que a
decisão que admitir o preso no estabelecimento penal federal
de segurança máxima indicará o período de permanência, sendo
que tal período não poderá ultrapassar 360 dias. Ocorre que
a lei determina que o prazo possa ser prorrogado de maneira
excepcional. Desta forma, em casos excepcionais, o limite de 360
dias poderá ser prorrogado até o final do cumprimento da pena,
já que a lei não determinou qualquer limite à prorrogação.
Abaixo, elenca-se as demais (15) propostas oriundas do
poder Executivo, aquelas que não foram (ou ainda não foram)
aprovadas, seu conteúdo, data de apresentação, situação da
proposta e regime de tramitação.

242
TABELA 17 – Leis propostas pelo poder Executivo entre 2003-2010

Tipo de Ementa Data Situação da proposta Regime de


proposta Tramitação
e n.
PL Altera o Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940, as Leis 8.072, de 14.12.2009 Pronta para Pauta no Urgência – art.
6.616/2009 25.07.1990, e 7.960, de 21.12.1989, para adicionar os tipos Plenário (PLEN) 155 do RICD
penais qualificados de peculato, concussão, corrupção
passiva e corrupção ativa, tornando-os hediondos e
passíveis de prisão temporária.
PL Dispõe sobre o ingresso, permanência e saída de 20.07.2009 Comissão de Relações Prioridade –
5.655/2009 estrangeiros no território nacional, o instituto da Exteriores e de Defesa art. 151, II, a,
naturalização, as medidas compulsórias, transforma o Nacional (CREDN) do RICD
Conselho Nacional de Imigração em Conselho Nacional
de Migração, define infrações e dá outras providências.
Projeto de Lei chamado de “Lei do Estrangeiro”. Altera o
Dec.-lei 2.848/1940 e a Lei 10.683, de 2003. Revoga as
Leis 6.815/1980; 6.964, de 1981; 9.076/1995; o art. 1.º do
Dec.-lei 2.236/1985; e o inc. I do art. 5.º da Lei 8.422/1992.
PLC Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9.º, da Constituição, 10.02.2009 Arquivada Urgência – art.
446/2009 casos de inelegibilidade, alterando a LC 64, de 18.05.1990. 155 do RICD
PL Dispõe sobre transação tributária, nas hipóteses que 20.04.2009 Aguardando Parecer do Prioridade –
5.082/2009 especifica, altera a legislação tributária e dá outras relator na Comissão de art. 151, II, a,
providências. Constituição e Justiça e do RICD
de Cidadania (CCJC)
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

243
244
Tipo de Ementa Data Situação da proposta Regime de
proposta Tramitação
e n.
PL Altera e acresce dispositivos à Lei 10.671, de 15.05.2003, 18.03.2009 Arquivada Urgência – art.
4.869/2009 que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor. 154 do RICD
PL Dispõe sobre a transição governamental. 12.02.2009 Pronta para Pauta no Prioridade –
4.666/2009 Plenário (PLEN) art. 151, II, a,
do RICD
PL Altera o Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940 – Código Penal, e as 16.01.2009 Aguardando Parecer do Prioridade –
4.573/2009 Leis 9.472, de 16.07.1997 e 9.612, de 19.02.1998, para dispor Relator na Comissão de art. 151, II, a,
sobre normas penais e administrativas referentes à Constituição e Justiça e do RICD
radiodifusão e às telecomunicações, e dá outras de Cidadania (CCJC)
providências.
PL Dispõe sobre o crime de genocídio, define os crimes 23.09.2008 Pronta para Pauta no Urgência – art.
4.038/2008 contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes Plenário (PLEN) 155 do RICD
contra a Administração da Justiça do Tribunal Penal
Internacional, institui normas processuais específicas,
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal


Internacional, e dá outras providências.
PL Altera as Leis 4.878, de 03.12.1965, 8.112, de 11.12.1990, e 19.09.2008 A g u a r d a n d o Prioridade –
4.036/2008 o Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940 – Código Penal, para dispor Constituição de art. 151, II, a,
sobre sanções administrativas e penais aplicáveis em casos Comissão Temporária do RICD
de interceptação de comunicações e de violação de sigilo, pela Mesa
e dá outras providências. – Aumenta a pena para conduta
abusiva de interceptação ilegal, “grampo telefônico”.
Tipo de Ementa Data Situação da proposta Regime de
proposta Tramitação
e n.
PL Regulamenta a parte final do inc. XII do art. 5.º da CF e A g u a r d a n d o Prioridade –
3.272/2008 dá outras providências. Normatiza a quebra de sigilo das Constituição de art. 151, II, a,
comunicações telefônicas para fins de investigação Comissão Temporária do RICD
criminal e instrução processual penal. Revoga a Lei pela Mesa
9.296/1996; altera os Decretos-Leis 2.848/1940 e
3.689/1941. Regulamenta a Constituição Federal de 1988.
PL Altera a pena do art. 337-B do Dec.-lei 2.848, de 29.01.2007 Pronta para Pauta no Prioridade –
7.710/2007 07.12.1940 – Código Penal. Aumenta a pena reclusão Plenário (PLEN) art. 151, II, a,
para o crime de corrupção ativa de funcionário público do RICD
estrangeiro em transações comerciais internacionais.
PL Altera dispositivos da Lei 7.210, de 11.06.1984 – Lei de 04.09.2007 Arquivada Urgência – art.
1.936/2007 Execução Penal –, para introduzir a remição da pena pelo 155 do RICD
estudo. Estabelece que o tempo remido será computado
como pena cumprida para todos os efeitos, e a contagem
será feita à razão de um dia de pena por dezoito horas-
aula assistidas, divididas, no mínimo, em três dias.
PL Acrescenta o art. 317-A ao Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940 – 04.07.2005 Pronta para Pauta no Prioridade –
5.586/2005 Código Penal. Tipificando o crime de enriquecimento Plenário (PLEN) art. 151, II, a,
ilícito quando o funcionário público possuir bens ou do RICD
valores, incompatíveis com sua renda, ou quando deles
faça uso de tal modo que permita atribuir-lhe a propriedade.
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

245
246
Tipo de Ementa Data Situação da proposta Regime de
proposta Tramitação
e n.
PL Altera o art. 183 do Dec.-lei 1.001, de 21.10.1969, que 20.05.2005 Pronta para Pauta no Prioridade –
5.291/2005 aprova o Código Penal Militar. Tipificando como crime Plenário (PLEN) art. 151, II, a,
de insubmissão a conduta do candidato em ausentar-se do RICD
antes do ato oficial de matrícula.
PL Institui normas gerais de contratos para a constituição 01.07.2004 Arquivada Prioridade –
3.884/2004 de consórcios públicos, bem como de contratos de art. 151, II, a,
programa para a prestação de serviços públicos por meio do RICD
de gestão associada e dá outras providências.
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das informações disponíveis na Câmara dos Deputados,
Senado Federal e Presidência da República.
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Para compreender as motivações para a apresentação


de tais reformas legais, analisamos as exposições de motivos
para a apresentação do projeto. Em nossa análise, buscamos
verificar se as justificativas mencionavam alguns elementos
como impunidade, decisão judicial, resposta à sociedade, etc.
Após a realização da pesquisa empírica, verificamos que diversas
propostas faziam referência à ideia de proporcionalidade
(adequação da legislação em relação a tipos penais semelhantes
ou à gravidade da conduta), variável que não previmos quando
da elaboração do espelho de pesquisa. Por fim, classificamos as
proposições por tamanho da justificativa, como se pode observar
no quadro abaixo:

TABELA 18 – Número de projetos de lei propostos


pelo Executivo (2003/2010) por tamanho
da exposição de motivos

Tamanho da justificativa N. de proposições

Até meia página 1

Entre meia e uma página 1

Entre uma e duas páginas 13

Mais de duas páginas 6

Total 21

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

Inicialmente, pensamos em analisar a densidade de cada


justificativa, se fraca, média ou forte. Porém, por tratar-se de
análise por demasiado subjetiva, optou-se por classificar as
justificativas pelo número de páginas. Assim, foi possível verificar
que a maioria dos projetos de lei apresentados pelo Executivo

247
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

expõe os motivos da apresentação do projeto em uma até duas


páginas. Dentre as 21 proposições analisas, apenas 6 continham
mais de duas páginas de justificativa para o projeto, são elas: 1.
o PL 4.776/2005, transformada na Lei 11.284/2006, sobre as
florestas públicas brasileiras; 2. o PL 4.559/2004, transformada
na Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha; 3. o PL 2.401/2003,
transformada na Lei 11.105/2005, referente à modificação
genética de organismos; 4. o PL 3.884/2004, referente à
consórcios públicos (no que se refere ao presente trabalho, o
projeto amplia o alcance de tipos penais e cria novos tipos); 5.
o PL 3.272/2008, referente à quebra de sigilo de comunicações
telefônicas; e 6. o PL 5.082/2009, sobre transações tributárias
(no que se refere ao presente trabalho, determina causa de
suspensão da prescrição e extinção da punibilidade). Tais projetos
de lei não tratam apenas de criminalizar condutas, mas também
dizem respeito a políticas públicas e organização institucional,
motivo pelo qual, suspeita-se, receberam justificativas mais
fundamentadas.
Agora, sobre o conteúdo das justificativas dos projetos
apresentados pelo Executivo, apresentamos abaixo os resultados
encontrados. Vale destacar que não foram encontradas referências
à “periculosidade” e à teoria da neutralização (necessidade da
imposição de afastamento, reclusão, isolamento), o que já diz
muito sobre a perspectiva do governo em relação à política
criminal. É dizer, o fato de não serem utilizadas tais terminologias
ou diretrizes para embasar as alterações legislativas, já pode ser
um indício da posição adotada pelo governo, de não distinguir
entre os “perigosos” e os “recuperáveis”, assim como não perceber
a neutralização como finalidade da pena privativa de liberdade,
ainda que tenha criado diversos novos tipos penais apenados com
reclusão. Ainda, foram encontradas 6 menções à adequação da
legislação brasileira ao cenário internacional, mais notadamente
no que se refere à instrumentos de proteção de direitos humanos,
demonstrando a perspectiva de proteção manifesta nas diretrizes
de governo.

248
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

TABELA 19 – Conteúdo das justificativas dos projetos


de lei propostos pelo Executivo (2003/2010)

Justificativas N. de menções512
Episódio concreto 2
Dados empíricos 2
Decisão judicial/jurisprudência 4
Impunidade 3
Punitividade 1
Insegurança 1
Bem jurídico 5
Vítima 1
Última ratio 1
Resposta à sociedade 2
Cenário internacional 6
Dissuasão 2
Ressocialização 1
Repercussão 1

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República. 512

Entre as propostas que mencionam um episódio concreto,


estão o PL 4.036/2008, que trata sobre a violação de sigilo
telefônico e pretende exacerbar a pena de quem utilizar
abusivamente o resultado de interceptação ilegal, mencionando
episódio de quebra de sigilo telefônico de autoridades do
Legislativo e do Judiciário, ocorrido no ano de 2008, fato que
“demonstrou a necessidade de atualização das normas relativas

512. Aqui, não apresentamos o total de proposições, pois algumas justificativas


faziam menção a mais de uma justificativa. Então, o “número de
menções” diz respeito às vezes em que tal conteúdo foi mencionado nas
justificativas.

249
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

ao tema”. Desta forma, impulsionado pela ocorrência de um fato


concreto, o Executivo decidiu submeter ao Congresso projeto de
lei que busca regular sanções aplicáveis a casos de interceptações
telefônicas e violação de sigilo.
Outro projeto de lei a mencionar episódio concreto foi o que
originou a Lei Maria da Penha (PL 4.559/2004). A exposição de
motivos cita o caso de Maria da Penha,513 caso paradigmático que
culminou na representação do Brasil a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH). Em agosto de 1998, Maria da
Penha, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e
o Comitê Latino-americano de Defesa dos Direitos da Mulher
(Cladem), representaram contra a República Federativa do
Brasil na CIDH. O fundamento fático que embasou a denúncia
foi o transcurso de amplo período de tempo do processo que,
passados mais de quinze anos, ainda não contava com uma
decisão final. Entre as principais argumentações, estava a demora
do julgamento do caso e o risco de impunidade, tendo em vista
a possibilidade de prescrição, bem como a necessidade de o
Estado reparar as violações sofridas pela vítima. Ainda, foram
enfatizados os altos índices de violência doméstica no Brasil e
a negligência do Estado brasileiro para atuar com diligência em
relação ao assunto.514

513. Em maio de 1983, Maria da Penha Maia Freitas foi vítima de tentativas
de homicídio perpetradas por Marco Antônio, seu marido na época e,
em decorrência da violência empregada contra si, resultou paraplégica,
de modo irreversível e com outras enfermidades O Ministério Público
ofereceu denúncia contra Marco Antônio em novembro de 1984. Porém,
somente em maio de 1991 o réu foi julgado e condenado a 15 anos de
pena privativa de liberdade, reduzida para 10 anos, pois era primário.
Em maio de 1995, apesar da intempestividade do recurso, a decisão foi
desconstituída, tendo o tribunal acolhido os argumentos da defesa de
nulidade dos quesitos. Em março de 1996, foi realizado um segundo
julgamento pelo Tribunal do Júri e o réu foi condenado a 10 anos e 6
meses de prisão. Nova apelação foi interposta e o recurso não havia sido
julgado até o ingresso da representação contra o Estado brasileiro.
514. Giacomolli, Nereu. O devido processo penal. Abordagem conforme a
Constituição Federal e o Pacto de San José da Costa Rica. Cases da Corte

250
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

A CIDH examinou os princípios consagrados na


Convenção de Belém do Pará e aplicou pela primeira vez a
Convenção, decidindo que o Estado brasileiro não havia
cumprido com sua obrigação de atuar com a devida diligência
para prevenir, sancionar e erradicar a violência doméstica ao não
condenar e sancionar o acusado durante mais de 15 anos. Assim,
declarou que o Brasil não foi capaz de estruturar-se para garantir
os direitos elencados nas normas internacionais515. A Comissão
declarou que a falta de efetividade judicial diante de casos de
violência contra as mulheres cria um ambiente de impunidade
que facilita a violência, ao não serem percebidas a vontade e a
efetividade do Estado para sancionar tais atos. Nesse sentido,
reconheceu que os padrões de tolerância sistemática em relação
à violência contra a mulher pelos órgãos estatais brasileiros
resultavam na sua ineficiência para investigar e processar
os casos.
Ainda, na exposição de motivos do projeto, afirmou-se que
a Lei dos Juizados Especiais não foi criada com o objetivo de
atender aos casos de violência doméstica e, naquela época, 70%
dos casos julgados naquele âmbito eram de fatos que envolviam
tal violência. De acordo com a exposição de motivos, o juizado:
“não apresenta solução adequada uma vez que os mecanismos
utilizados para averiguação e julgamento dos casos são restritos”.
Conforme explicitado pela justificativa do projeto:
“O atual procedimento inverte o ônus da prova, não escuta
as vítimas, recria estereótipos, não previne novas violências e não

Interamericana, do Tribunal Europeu e do STF. São Paulo: Atlas, 2014.


p. 48.
515. No caso, ao identificar violações aos arts. 8 e 25 da Convenção Americana
de Direitos Humanos (CADH), referentes ao direito ao recurso e ao
julgamento em um prazo razoável, assim como ao art. 7.º da Convenção
de Belém do Pará, em relação aos atrasos injustificados na investigação
de casos envolvendo violência contra a mulher e ao cumprimento de
medidas para garantir os direitos das mulheres em situação de violência.
Ainda, entendeu violado o art. 24 da CADH, referente ao direito à
igualdade perante a lei.

251
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

contribui para a transformação das relações hierárquicas de gênero.


Não possibilita vislumbrar, portanto, nenhuma solução social para
a vítima. A política criminal produz uma sensação generalizada
de injustiça, por parte das vítimas, e de impunidade, por parte dos
agressores”.516
Como consequência da reclamação do movimento de
mulheres em relação ao procedimento adotado nos Juizados
Especiais, bem como, em resposta à reclamação internacional,
surgiu a Lei 11.340/2006, que cria mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe sobre os
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e
estabelece uma série de medidas de proteção e assistência.517 Um
novo paradigma legal foi criado com a edição da lei, primeira
legislação específica de proteção à violência doméstica e familiar
contra mulheres. A nova legislação também determina que o
poder público deve desenvolver “políticas que visem garantir os
direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e
familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.518 Para
a proteção dos direitos das mulheres, prevê medidas integradas
estabelecendo um conjunto articulado de ações da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não
governamentais.

516. Brasil. Câmara dos Deputados. PL 4.559/2004. Disponível em:


<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/256085.pdf>. Acesso em: 20
nov. 2014.
517. Art. 1.º da Lei 11.340/2006: Esta Lei cria mecanismos para coibir e
prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
do § 8.º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela
República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas
de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica
e familiar.
518. Art. 3.º, § 1.º, da Lei 11.340/2006.

252
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Entre as disposições da lei, está o acréscimo de nova


hipótese de prisão preventiva519 quando o crime envolver
violência contra a mulher e a vedação da aplicação da Lei dos
Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) em razão da banalização e
o descaso com a violência doméstica, que muitas vezes resolvia
o processo com o pagamento de cestas básicas e acordos de
transação penal. O procedimento gerava reclamações das
mulheres e dos movimentos feministas, contrárias à aplicação
da lei dos juizados, pois consideravam que era enfatizada a
mercantilização das penas, havia uma inadequação delas, não
satisfaziam a vítima e passavam uma sensação de impunidade.520
A lei também prevê medidas cautelares em relação ao agressor,
possibilitando ao juiz exigir o seu afastamento do lar, proibir
que se aproxime da vítima, assim como seu encaminhamento à
programa de acompanhamento psicossocial.
Assim, verifica-se que a elaboração da Lei 11.340/2006
partiu, em grande medida, de uma perspectiva crítica aos
resultados obtidos pela criação dos Juizados Especiais Criminais
para o enfrentamento da violência de gênero. O anteprojeto da
lei foi enviado ao Poder Público pelo Consórcio de Organizações
Não Governamentais Feministas, para subsidiar as discussões do
Grupo Interministerial521 criado com a finalidade de desenvolver

519. Incluindo a prisão preventiva como medida protetiva de urgência


cabível em determinadas circunstâncias, a nova lei concedeu ainda
ampla discricionariedade ao juiz para decidir sobre a necessidade da
segregação cautelar do indivíduo acusado da prática de violência contra
a mulher, tanto por meio do encarceramento preventivo quanto das
demais medidas protetivas de urgência.
520. Machado, Lia Zanotta. Feminismo em movimento. São Paulo: Francis,
2010.
521. Integrado pelos seguintes órgãos: Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres, da Presidência da República, na condição de coordenadora;
Casa Civil da Presidência da República; Advocacia Geral da União;
Ministério da Saúde; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial da Presidência da República; Ministério da Justiça
e Secretaria Nacional de Segurança Pública.

253
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

proposta de medida legislativa para tratar do tema. Assim,


verifica-se que diversos atores, governamentais e da sociedade
civil, auxiliaram na elaboração da lei. De acordo com a exposição
de motivos do projeto, o mesmo visava:
“(...) implementar ações direcionadas a segmentos sociais,
historicamente discriminados, como as mulheres, visando a corrigir
desigualdades e a promover a inclusão social por meio de políticas
públicas específicas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado
que possibilite compensar as desvantagens sociais oriundas da situação
de discriminação e exclusão a que foram expostas”.522
Além de citar caso concreto, decisão judicial e dados
empíricos sobre a violência contra a mulher, a exposição de
motivos da Lei Maria da Penha também faz referência às ideias de
“impunidade”, “punitividade” (posicionando-se contrariamente
à transação penal, à conciliação e às penas restritivas de direito
de prestação pecuniária, cesta básica e multa), à “vítima”, à
“resposta à sociedade” (aos movimentos feministas e mulheres
vítimas de violência doméstica), e à repercussão (a exposição de
motivos afirma que o pedido de tramitação especial em regime
de urgência justifica-se pelo “clamor existente na sociedade com
o sentido de coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher que hoje alcança índices elevadíssimos e pouca solução
no âmbito do Judiciário e outros Poderes estabelecidos”), bem
como se percebe a ideia de adequação ao cenário internacional,
citando, para este último, convenções ratificadas pelo Brasil,
como, por exemplo, a Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw). Porém, é
certo que as críticas dos movimentos feministas ao procedimento
dos Juizados Especiais tiveram um peso determinante para o
desenvolvimento da reforma legal.
Como lembra Carla Marrone Alimena, a Lei Maria da
Penha traz consigo demandas vinculadas a busca pela ampliação
e conquista de direitos ainda não de todo garantidos, e se explicita

522. Brasil. Câmara dos Deputados. PL 4.559/2004 cit.

254
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

na busca pela inserção explícita da violência contra a mulher


na legislação brasileira, com o intuito de afastar, ainda que
simbolicamente, práticas institucionais consideradas machistas.
Para Carla Alimena:
“Pode-se entender a promulgação da Lei 11.340/2006 como a
chegada do momento de cobrar com juros um sofrimento feminista
antigo, talvez em razão de um descaso estatal histórico com a
problemática, optando-se por um discurso que se baseia no binômio
vitimização-criminalização como estratégia para legitimar, tanto o
discurso político, quanto a nova lei que se pretendia construir”.523
O conjunto de informações e dinâmicas institucionais
de administração de conflitos que se verificam nos novos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
permitem concluir que o conflito de gênero que está por trás
da violência doméstica e familiar contra a mulher não pode ser
tratado pura e simplesmente como matéria criminal. O retorno
do rito ordinário do processo criminal para apuração dos casos
de violência doméstica não leva em consideração a relação
íntima existente entre vítima e acusado, não sopesa a pretensão
da vítima nem mesmo seus sentimentos e necessidades. A
perspectiva criminalizante apresenta uma série de obstáculos
para a compreensão e intervenção nos conflitos interpessoais,
não correspondendo às expectativas das pessoas envolvidas no
conflito. Segundo Azevedo, os Juizados Especiais Criminais
abriram espaço para experiências bem sucedidas no âmbito
da mediação, como várias alternativas de encaminhamento
do caso (compromisso de respeito mútuo, encaminhamento
para grupo de conscientização de homens agressores, etc.) dão
conta. Entretanto, a falta de adesão normativa e institucional a
mecanismos efetivos para a mediação de conflitos e o equívoco
da banalização da cesta básica deflagraram a reação que culminou
com a Lei 11.340/2006.524

523. Alimena, Carla Marrone. A tentativa do (im)possível: feminismos e


criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 74-75.
524. Azevedo; Cifali, Segurança pública... cit.

255
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Outras legislações fundamentadas na ideia de adequação


ao cenário internacional são: o PL 5.655/2009, sobre o ingresso,
permanência e saída de estrangeiros do país; o PL 2.401/2003,
transformada na Lei 11.105/2005, sobre organismos
geneticamente modificados; o PL 4.038/2008, que dispõe
sobre os crimes de genocídio e crimes contra a humanidade; o
PL 7.710/2007, que pretende aumentar as penas do delito de
corrupção ativa em transação comercial internacional; e o PL
5.586/2005, que busca incluir o crime de enriquecimento ilícito
no Código Penal.
Quanto ao PL 5.655/2009, dentre outras diversas disposições
(são 9 títulos e 160 artigos), o projeto pretende incluir novo tipo
no Código Penal brasileiro, criminalizando a conduta daqueles
conhecidos como “coiotes”, qual seja, “promover, intermediar
ou facilitar a entrada irregular de estrangeiro ou viabilizar sua
entrada em território nacional, com a finalidade de auferir, direta
ou indiretamente, vantagem indevida”, atribuindo pena de 2 a 5
anos de reclusão cumulada com pena de multa. Na justificativa
no projeto, é destacada a intenção do governo em “adequar-se à
realidade migratória contemporânea e às expectativas mundiais”,
fazendo referência, também, a instrumentos internacionais
ratificados pelo Brasil, como as Convenções de Viena e Genebra
e a Carta das Nações Unidas. Ainda, afirmar-se que a legislação
vigente tinha como foco a segurança nacional, realidade que se
encontra em descompasso com o fenômeno da globalização, por
tais motivos, é apontado que “impõe-se, assim, que a migração
seja tratada como um direito do homem, ao se considerar que
a regularização migratória seja o caminho mais viável para
a inserção do imigrante na sociedade”. O projeto ainda foi
disponibilizado por meio do sítio eletrônico do Ministério da
Justiça, a fim de permitir a participação de órgãos, entidades,
operadores do direito e pessoas da sociedade civil em sua
elaboração, os quais sugeriram normas que foram incorporadas
ao projeto.
Quanto ao PL 2.401/2003 que, dentre outras disposições,
pretendia criar tipo penal referente à construção, cultivo,

256
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

transporte, comercialização ou armazenamento de organismo


geneticamente modificado sem autorização ou em descordo
com determinação legal, a exposição de motivos faz referência
a “diversos instrumentos internacionais dos quais o Brasil é
signatário (...), tornando efetiva a ação do Estado na proteção da
saúde humana e do meio ambiente no trato dessa matéria polêmica
internacionalmente”. Com relação à nova penalidade prevista no
projeto, a justificativa afirma que se dá para “incentivar a que os
responsáveis pela manipulação com OGM se preocupem cada
vez mais com a segurança de suas atividades”, numa referência
que relacionamos à ideia de dissuasão. Por último, vale lembrar
que, durante o processo legislativo que levaria à promulgação da
Lei 11.105/2005, foram incluídos mais 9 tipos penais e mais 4
causas de aumento da pena à proposição original.
No que se refere ao PL 4.038/2008, projeto que dispõe sobre
o crime de genocídio, define os crimes contra a humanidade, os
crimes de guerra e os crimes contra a Administração da Justiça do
Tribunal Penal Internacional (TPI), a exposição de motivos faz
referência ao Estatuto de Roma, instrumento internacional que
cria o TPI, instituição permanente e complementar às jurisdições
nacionais com competência para julgar indivíduos responsáveis
pelos crimes de genocídio, guerra e contra a humanidade. Desde
que foi ratificado pelo Brasil, em 2002, o texto do Estatuto passou
a vigorar no Brasil, fazendo-se necessária a regulamentação dos
tipos penais criados pela norma internacional. Para elaborar o
projeto de lei, foi designado um Grupo de Trabalho coordenado
pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência
da República, que contava com a colaboração de juristas e
representantes do Ministério Público Militar, do Ministério
das Relações Exteriores, Ministério Público Federal, Advocacia
Geral da União, da Casa Civil, do Senado Federal e do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o qual
desenvolveu suas atividades durante quase 4 anos. Assim, com
o auxílio de diversos profissionais, foi elaborado o projeto de lei
que busca dotar o país de “instrumentos jurídicos necessários ao
cumprimento de suas obrigações internacionais”.

257
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Com relação ao PL 7.710/2007, que busca ampliar a pena


mínima e máxima do delito de corrupção ativa em transação
comercial internacional, a exposição de motivos destaca que a
reforma legal é motivada pela necessidade de equiparar a sanção
desse delito ao de corrupção ativa doméstica, apenado com 2 a
12 anos de reclusão, afirmando-se que a pena de 1 a 8 anos de
reclusão prevista atualmente é “desproporcional ao bem jurídico
protegido”, já que pode ensejar a suspensão do processo, nos
termos do art. 89 da Lei 9.099/1995. Com relação à legislação
internacional, a justificativa refere-se à Convenção sobre o
Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros
em Transações Comerciais Internacionais, através do qual o Brasil
obriga-se a conferir o mesmo tratamento ao crime de corrupção de
funcionário estrangeiro ao crime de corrupção doméstica. Desta
forma, buscando “conferir coerência normativa aos tipos penais
de corrupção”, bem como atender ao compromisso internacional
firmado pelo Brasil, foi proposta a reforma legislativa.
Já o PL 5.588/2005, além de referir-se à normativa
internacional, menciona a impunidade da conduta e o bem
jurídico protegido pelo tipo que pretende criar, qual seja, o
enriquecimento ilícito. A proposta de lei foi resultado do
trabalho desenvolvido pela Controladoria-Geral da União no
cumprimento das metas estabelecidas pela Estratégia Nacional
de Combate à Lavagem de Dinheiro. De acordo com a
justificativa, o enriquecimento ilícito era tipificado apenas como
ilícito civil, na Lei de Improbidade Administrativa, citando
casos de países da América Latina como a Argentina e o Peru,
que tipificaram o delito criminalmente. Ainda, faz referência à
Convenção Interamericana Contra a Corrupção, firmada em
1996, promulgada no Brasil em 2002, assim como a Convenção
das Nações Unidas Contra a Corrupção, firmada em 2003
e promulgada no Brasil em 2005, que preveem a adoção de
medidas legislativas para qualificar como delito o incremento
significativo do patrimônio de funcionário público relativo a
seus ingressos que não podem ser razoavelmente justificados por
ele. A exposição de motivos afirma que, desta forma, estabelece

258
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

“um importante instrumento para o combate à corrupção e à


impunidade no âmbito da Administração Pública”. Por fim,
ressalta que o bem jurídico protegido é a Administração Pública,
assim como a imagem de transparência e probidade da mesma.
As outras 3 proposições que fazem referência explícita a
um “bem jurídico” e todavia não foram mencionadas são: o PL
4.776/2005, transformado na Lei 11.284/2006, que dispõe sobre
a gestão de florestas públicas; o PL 4.573/2009, que dispõe sobre
normas penais referentes à radiodifusão e telecomunicações; e o
PL 6.616/2009, que pretende adicionar tipos penais qualificados
de peculato, concussão e corrupção ativa e passiva.
O PL 4.776/2005, transformado na Lei 11.284/2006,
que, dentre outras disposições, no que interessa ao presente
trabalho, criou tipo penal referente às condutas de “destruir,
incendiar ou danificar vegetação nativa” sem autorização do
órgão competente ou em desrespeito aos critérios estabelecidos
na autorização, expôs em sua justificativa que a ausência de
regulamentação sobre as florestas brasileiras tem forte influência
na expansão do desmatamento da Amazônia, já que propicia a
depreciação, destruição e corte raso das florestas. O bem jurídico
a que faz menção, obviamente, é proteção das florestas públicas
brasileiras. Ainda, é ressaltada a exclusão social e a prática de atos
ilícitos como “os processos de grilagem, a violência no campo,
o trabalho escravo e outras violações de direitos trabalhistas,
evasão de impostos, extração ilegal de madeira e lavagem de
dinheiro do narcotráfico”. Ademais, menciona dados empíricos
sobre o potencial do setor florestal brasileiro, sua diversidade e
importância socioeconômica, bem como ressalta a proteção aos
direitos indígenas e das comunidades locais através do projeto
de lei. O projeto foi elaborado com subsídios fornecidos em
processos de consulta pública, reuniões do Grupo de Trabalho de
Gestão de Florestas Públicas, composto por 37 representantes do
governo (federal e estaduais), dos setores privados e da sociedade
civil. Ao longo do processo legislativo, o projeto recebeu mais de
300 emendas, sendo, ao final da tramitação, acrescidos mais 2
tipos penais e uma causa de aumento da pena.

259
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Já o PL 4.573/2009 altera a redação dos tipos penais de


violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
(art. 151 do CP) e de sinistro em transporte marítimo, fluvial ou
aéreo (art. 261). Com relação a este último, o projeto objetiva
“avançar na proteção contra interferências nas comunicações
marítimas, fluvial ou aérea causadas pelas rádios em geral,
autorizadas ou não”. O bem jurídico protegido pela norma,
de acordo com a justificativa da proposta, é a “integridade dos
usuários desses transportes,” afirmando que tal proposta mostra-
se coerente com a recusa em se ampliar o âmbito de abrangência
do direito penal, “situação essa que diluiu os limites de atuação do
ius puniendi, e banaliza a utilização do direito penal,” apontando
que a criminalização deve recair sobre condutas que demonstrem
ter colocado em risco bens jurídicos protegidos. A primeira
alteração legislativa teria como objetivo reduzir o alcance do tipo
penal, limitando sua incidência à violação de correspondência.
Além do bem jurídico, a proposta faz referência à utilização do
direito penal como ultima ratio, aduzindo que:
“Importante considerar que o presente projeto é apresentado num
contexto em que a política criminal de nosso país está orientada à
racionalização do uso do direito penal frente à necessária observância
dos princípios constitucionais estabelecidos. Isto é, que o direito penal
deve apenas ser utilizado como mecanismo de intervenção nos casos
de violações dos direitos fundamentais e nas demandas sociais em que
se demonstre imprescindível, e não enquanto mecanismo de controle
e repressão. (...) A alteração legislativa apresentada tem o escopo
de limitar a incidência do direito penal, fazendo-o incidir apenas
sobre condutas com efetivo potencial para ameaçar ou danificar bens
jurídicos indispensáveis à sociedade brasileira, excluindo, portanto, sua
aplicação frente a comportamentos sem a necessária relevância penal”.
Por sua vez, o PL 6.616/2009 pretende incluir tipos penais
qualificados pelo agente,525 quais sejam, o peculato, a concussão,

525. Cometidos por: membro do Poder Judiciário, do Ministério Público, do


Congresso Nacional, da Assembleia Legislativa do Estado, da Câmara
Legislativa do Distrito Federal e da Câmara Municipal, Ministros e

260
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

a corrupção ativa e a passiva, tornando-os hediondos e passíveis


de prisão temporária. O projeto pretende conferir tratamento
mais rigoroso aos crimes contra a Administração Pública,
buscando, também, a proporcionalidade entre as penas de tais
delitos. De acordo com a justificativa, o tratamento mais rigoroso
decorre da natureza dos cargos públicos, “cujos ocupantes devem
observar com maior empenho os padrões éticos de probidade e
moralidade”. Além disso, é afirmado que a prática de tais crimes
contra a Administração Pública tende a causar maiores prejuízos
aos cofres públicos e às instituições do Estado.
Já o PL 6.793/2006, transformado na Lei 11.464/2007,
busca estender o direito à liberdade provisória aos condenados
por crimes hediondos, em consonância com o entendimento do
STF e do STJ. O objetivo da reforma legal foi, dessa forma,
adequar a Lei de Crimes Hediondos à “evolução jurisprudencial”,
bem como torna-la coerente com os princípios gerais do Código
Penal. Assim, pretende restabelecer a margem de atuação do
juiz, para que possa decidir de acordo com o caso concreto.
De acordo com a proposta: “pretende-se, com isso, evitar os
efeitos negativos da privação de liberdade quando, diante do
exame das circunstâncias, a medida se mostrar eventualmente
desnecessária”. Ainda, a lei estabelece forma mais rigorosa
de progressão de regime, o que responderia à “necessidade de
estabelecer tratamento mais severo para os crimes definidos
como hediondos ou a eles equiparados”. Ademais, a reforma
legal determina que a pena aplicada seja cumprida em regime
inicialmente fechado, adequando a legislação ao princípio
constitucional de individualização da pena, tal como interpretado
pelo STF no julgamento do HC 82.959, de março de 2006.
Assim, claramente, tal projeto menciona decisão judicial.

Conselheiros de Tribunais de Contas, Presidente e Vice-Presidente da


República, Governador e Vice-Governador, Prefeito e Vice-Prefeito,
Ministros de Estado, Secretários Executivos, Secretários Nacionais e
equivalentes, Secretários Estaduais, Distritais e Municipais, dirigentes
máximos de autarquias, fundações públicas, empresas públicas e
sociedades de economia mista, e Comandantes das Forças Armadas.

261
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Igualmente, o PL 5.291/2005, que altera a redação do


crime de insubmissão do Código Penal Militar, ampliando o
alcance do tipo, menciona casos jurisprudenciais conflitantes,
justificando a alteração legislativa com o objetivo de pacificar
a jurisprudência. Outro caso que menciona jurisprudência é o
PL 1.936/2007, que buscava introduzir a remição da pena pelo
estudo.526 Na justificativa, menciona-se que a jurisprudência
já permitia a remição da pena pelos estudos, motivo pelo qual
o PL buscava apenas consolidar a prática dos magistrados no
ordenamento jurídico. Além disso, a exposição de motivos faz
referência à ressocialização e afirma que a o estudo combate
a ociosidade dentro do cárcere, consequentemente inibindo
potenciais conflitos no interior do estabelecimento penal.
A proposta foi objeto de diálogo entre Ministério da Justiça,
Ministério da Educação e Unesco. Ainda, menciona:
“(...) preocupação com a qualidade do ensino nos estabelecimentos
penais, preconizando um sistema que seja orientado a promover,
estimular e reconhecer os avanços e progressões dos educandos,
contribuindo, consequentemente, para a restauração de sua autoestima,
na perspectiva da reintegração harmônica à vida em sociedade”.
Já o PL 4.869/2009 pretendia estabelecer o Estatuto
do Torcedor, mas foi arquivado devido à aprovação do PLC
82/2009, projeto que originou o Estatuto atualmente em vigor.
O projeto fazia referência à “impunidade”, à “insegurança”, à
ideia de “resposta à sociedade” e à “dissuasão”. De acordo com a
justificativa, era necessário “preencher lacunas normativas no que
se refere a infrações penais, com o intuito de reprimir condutas
relacionadas ao futebol e assegurar, assim, a atuação preventiva
da polícia nos locais de realização desses eventos esportivos”.
Como sanção principal ao crime de tumulto, incitamento
e prática de violência, o projeto previa pena impeditiva de
comparecimento às proximidades do evento esportivo. A
legislação foi justificada como tendo o objetivo de “evitar a

526. Tal proposta não foi aprovada, porém, em 2011, a Lei 12.433, regulou a
remição pelo tempo de estudo.

262
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

sensação de impunidade”, criando, em caso de descumprimento


injustificado das sanções previstas, a possibilidade de conversão
da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, além de
possibilitar a imposição ao infrator da obrigação de comparecer,
durante a realização de partidas ou eventos, a estabelecimentos
em que se realizam cursos, palestras, atividades esportivas, etc.
De acordo com a exposição de motivos, tais medidas coadunam-
se com a perspectiva de promoção da segurança a partir dos
fortalecimentos dos laços sociais, “em lugar de simplesmente
associar o tema da segurança pública à repressão”, pois o torcedor
não seria apenas afastado dos estádios, mas também “teria a
oportunidade de participar de programas de inclusão social e
de práticas educativas, com o intuito de facilitar a compreensão
do fenômeno da violência e a importância de se assegurar uma
cultura de paz nos eventos esportivos”.
Assim, é possível perceber que diversas propostas oriundas
do Executivo buscavam: (a) adequar a legislação nacional ao
cenário internacional; (b) conferir proporcionalidade entre
condutas semelhantes nas disposições do ordenamento jurídico
nacional; (c) ampliar a severidade da punição nos crimes contra a
Administração Pública; (d) adequar a legislação com a finalidade
de pacificar a jurisprudência; (e) dar uma resposta à sociedade e a
movimentos sociais. Assim, mais uma vez, foi possível observar
a compatibilidade entre as propostas oriundas do Executivo e as
diretrizes traçadas nos planos de governo de Lula.

5.4 Vetos presidenciais às leis aprovadas no período


(2003-2010)

Ao final do processo legislativo, os projetos aprovados


no Congresso Nacional são enviados à sanção do presidente,
momento em que este pode sancioná-los ou vetá-los. O poder
de veto presidencial é previsto no art. 66 da CF/1988,527

527. Art. 66, § 1.º, da CF/1988: “Se o Presidente da República considerar o


projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público,

263
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

sendo um ato legislativo de atribuição exclusiva do chefe do


Executivo, que incide sobre os projetos de lei aprovados pelas
Casas Legislativas, através do qual expressa sua discordância,
total ou parcial, em relação ao projeto de lei que contrarie, a
seu ver, o interesse público (aspecto material) e/ou que seja
inconstitucional (aspecto formal). Segundo Albuquerque,
o primeiro constitui o chamado veto político, enquanto o
segundo, veto jurídico, existindo a possibilidade de um projeto
receber ambos os vetos. De acordo com o autor, ainda não existe
um consenso na doutrina sobre a natureza jurídica do veto, se se
trata de um direito, de um poder ou, ainda, de um poder-dever
do presidente.528
O veto é um mecanismo de supressão do texto legal,
não podendo o presidente adicionar dispositivos ou realizar
alterações ao projeto de lei sob sua análise. Ainda, o veto
deverá ser justificado, momento em que o presidente expõe ao
Congresso Nacional os motivos que o levaram ao veto total ou
parcial da lei e seus dispositivos. A partir de tais razões, o Poder
Legislativo poderá manter ou derrubar o veto.
Neste apartado, analisamos apenas os vetos parciais às leis
aprovadas no período analisado. No que se refere a este, por
meio dele, obriga-se ao presidente a promulgar os artigos com
os quais anuiu, retornando ao Congresso Nacional apenas as
partes vetadas para nova ponderação. Segundo Albuquerque,
neste momento: “o Executivo procede a uma análise minuciosa nos
projetos de lei a ele apresentados, devolvendo ao Congresso pacotes
finais mais aceitáveis”.529
Das 40 leis que compõem a amostra da presente pesquisa,
12 receberam vetos parciais. Abaixo é possível analisar as casas
propositoras das leis vetadas parcialmente:

vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados


da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao
Presidente do Senado Federal os motivos do veto”.
528. Albuquerque, op. cit.
529. Idem, ibidem, p. 120.

264
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

TABELA 20 – Número de vetos


parciais por casa propositora

Veto parcial - Leis aprovadas

Casa propositora N. de vetos %

Câmara dos Deputados 3 25

Senado Federal 1 8,3

Congresso Nacional 3 25

Executivo 5 41,7

Total 12 100

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das


informações disponíveis na Câmara dos Deputados, Senado Federal e
Presidência da República.

O maior número de vetos (41,7%) recaiu sobre leis oriundas


do próprio Poder Executivo. De acordo com Freitas, isso pode
ocorrer, pois, durante a tramitação de seus projetos, os mesmos
são alvos de emendas dentro do poder Legislativo. Desta forma,
ao vetar dispositivos de seus próprios projetos, o Executivo
estaria vetando o que a autora chama de “penduricalhos”,
ou seja, “alterações feitas pelos parlamentares sedentos em levar
benefícios concentrados para seus eleitores”.530 Assim, o Executivo
retira alterações introduzidas pelo Legislativo e restaura
sua agenda.531
Porém, por outro lado, a autora alerta que não constituem
exceções os casos em que o presidente veta dispositivos originais
de suas propostas. Nesses casos, não se pode dizer que o veto
foi uma expressão do conflito entre os poderes. Com isso, volta-
se a destacar a perspectiva que diferencia a Presidência/Poder
Executivo do próprio presidente, ou seja, quem encaminha as

530. Freitas, op. cit., p. 20.


531. Idem, ibidem.

265
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

propostas ao Congresso Nacional é um ator coletivo que pode


não ter chegado a um consenso no momento do envio da
proposta. Assim, de acordo com a autora, “vetar a si mesmo não
é um indício de ‘esquizofrenia’ do presidente”.532 Nesse contexto, o
veto seria:
“(...) reflexo da preocupação dos partidos com a formulação de
políticas. Mais precisamente, é reflexo do desafio posto pela formação
de uma coalizão, qual seja: da necessidade de cooperar para mudar
o status quo, tendo em mente que no momento seguinte irão
competir pelo crédito (ou se livrar dos custos) dessas políticas junto
ao eleitor”.533
Ainda, destaca-se que inclusive o veto é a representação do
desejo, tanto da Presidência, quanto da maioria do parlamento, já
que pode ser derrubado. Desta maneira, as alterações legislativas
representam um interesse coletivo, já que as alterações aos
projetos de lei realizadas dentro do Congresso Nacional só
serão incluídas no texto da lei se houver a concordância entre
a maioria do Legislativo e Executivo. Assim, como a coalizão
governista durante o governo Lula, principalmente a partir do
segundo ano de mandato, tornou-se majoritária, a aprovação dos
projetos, assim como os vetos aos dispositivos legais, podem ser
considerados uma decisão coletiva, coordenada entre os partidos
da coalizão. Contudo, segundo Freitas, não se pode negar que
o veto expressa uma espécie conflito no interior da coalizão
que não foi suficientemente resolvido durante a tramitação do
projeto.534 Melhor dizendo, mais do que a expressão de um
conflito, é a negociação de problemas pontuais, não resolvidos
durante a tramitação do projeto. Com efeito, os vetos seriam os
ajustes finais em uma agenda que é, na verdade, compartilhada
pela coalizão.535

532. Freitas, op. cit., p. 20-21.


533. Idem, ibidem, p. 28.
534. Idem, p. 77.
535. Idem, p. 145.

266
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Em sua pesquisa, a autora destaca que através da análise


dos vetos que foi possível perceber o papel do Legislativo na
resolução de conflitos no interior da coalizão. Isso porque, a
autora analisou as emendas aos projetos originais, bem como os
vetos aos dispositivos, tanto os incluídos no Legislativo, quanto
oriundos do próprio Executivo. Ainda, verificou os autores dos
dispositivos vetados, percebendo que o número de vetos não é tão
grande quanto se poderia esperar, dado o volume de alterações
que um projeto sofre dentro do Congresso Nacional.536 Ademais,
destaca que, em termos de alterações aos dispositivos do projeto
de lei, a oposição é duas vezes mais vetada do que a coalizão.
Desta forma, participar ou não da coalizão governista faz uma
enorme diferença em relação ao sucesso da alteração proposta
na legislação.
Em seguida, segue a lista de leis vetadas parcialmente, a
casa propositora do projeto de lei que originou a legislação, seu
conteúdo, assim como o motivo do veto presidencial.

536. De acordo com a pesquisa de Freitas, dente os 8219 dispositivos alterados


dentro legislativo, o Executivo vetou apenas 1033, o que significa apenas
13% do total de alterações. Ainda, verificou que o Executivo vetou 89
dispositivos propostos por ele mesmo. A autora também destaca que os
dispositivos alterados pelos relatores das Comissões são menos vetados
em comparação com as alterações elaborados por parlamentares. Isso
demonstra a importância do papel chave do relator na coordenação das
alterações feitas no Legislativo.

267
268
TABELA 21 – Vetos parciais à legislação aprovada entre 2003-2010

Casa
Lei n. Conteúdo Motivo do veto
propositora
10.741/2003 Câmara dos Deputados Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Inconstitucionalidade

10.701/2003 Congresso Nacional Altera e acrescenta dispositivos à Lei 9.613, de 03.03.1998, que Contrariedade ao
dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, interesse público
direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema
financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho
de Controle de Atividades Financeiras – Coaf, e dá outras
providências.

11.101/2005 Executivo Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do Contrariedade ao


empresário e da sociedade empresária. interesse público

11.105/2005 Executivo Regulamenta os incs. II, IV e V do § 1.º do art. 225 da CF, Inconstitucionalidade
estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização e contrariedade ao
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

de atividades que envolvam organismos geneticamente interesse público


modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional
de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política
Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei 8.974, de
05.01.1995, e a MedProv 2.191-9, de 23.08.2001, e os arts.. 5.º,
6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10 e 16 da Lei 10.814, de 15.12.2003, e dá outras
providências.
Casa
Lei n. Conteúdo Motivo do veto
propositora

11.428/2006 Câmara dos Deputados Dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Contrariedade ao
Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências. interesse público e
inconstitucionalidade

11.343/2006 Congresso Nacional Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Inconstitucionalidade
- Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, e contrariedade ao
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de interesse público
drogas; estabelece normas para repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá
outras providências.

11.284/2006 Executivo Dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção Contrariedade ao
sustentável; institui, na estrutura do Ministério do Meio interesse público e
Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro – SFB; cria o Fundo inconstitucionalidade
Nacional de Desenvolvimento Florestal – FNDF; altera as Leis
10.683, de 28.05.2003, 5.868, de 12.12.1972, 9.605, de
12.02.1998, 4.771, de 15.09.1965, 6.938, de 31.08.1981, e 6.015,
de 31.12.1973; e dá outras providências.

11.719/2008 Executivo Altera dispositivos do Dec.-lei 3.689, de 03.10.1941 – Código de Inconstitucionalidade


Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio e contrariedade ao
libelli, mutatio libelli e aos procedimentos. interesse público
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

269
270
Casa
Lei n. Conteúdo Motivo do veto
propositora
11.705/2008 Câmara dos Deputados Altera a Lei 9.503, de 23.09.1997, que “institui o Código de Contrariedade ao
Trânsito Brasileiro”, e a Lei 9.294, de 15.07.1996, que dispõe interesse público
sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros,
bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos
agrícolas, nos termos do § 4.º do art. 220 da CF, para inibir o
consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo
automotor, e dá outras providências.
11.690/2008 Executivo Altera dispositivos do Dec.-lei 3.689, de 03.10.1941 – Código de Contrariedade ao
Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências. interesse público
12.015/2009 Congresso Nacional Altera o Título VI da Parte Especial do Dec.-lei 2.848, de Contrariedade ao
07.12.1940 – Código Penal, e o art. 1.º da Lei 8.072, de interesse público
25.07.1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos
do inc. XLIII do art. 5.º da CF e revoga a Lei 2.252, de
01.07.1954, que trata de corrupção de menores.
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

12.258/2010 Senado Federal Altera o Dec.-lei 2.848, de 07.12.1940 (Código Penal), e a Lei Contrariedade ao
7.210, de 11.07.1984 (Lei de Execução Penal), para prever a interesse público
possibilidade de utilização de equipamento de vigilância
indireta pelo condenado nos casos em que especifica.

Fonte: Elaboração própria. Dados de 2003 a 2010, elaborado a partir das informações disponíveis na Câmara dos Deputados,
Senado Federal e Presidência da República.
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Entre as mensagens de veto, foi possível observar o


posicionamento do Poder Executivo em relação a algumas
reformas legais, sobre as quais discorreremos a seguir. Alguns
vetos não diziam respeito à parte criminalizante da legislação, tais
como os vetos parciais ao Estatuto do Idoso; à Lei 11.101/2005,
que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência
do empresário e da sociedade empresária e à Lei 11.284/2006,
que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção
sustentável.
Entre os vetos que se referiam à penalidade, está o veto
parcial à Lei 10.701/2003, que vedou a introdução do crime de
tráfico ilícito de órgãos ou pessoas como crime antecedente ao
de lavagem de dinheiro. Isso ocorreu devido ao fato de que o
inciso que a alteração legislativa pretendia ocupar é preenchido
pelo delito de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro,
que seria revogado caso a reforma legal fosse sancionada. Assim,
na mensagem de veto, consta que o Ministério da Justiça
manifestou-se pela vedação de tal inciso, apontando que a
inclusão do delito de corrupção ativa de funcionário público
estrangeiro se deu diante do cumprimento de normativas
internacionais,537 afirmando que a introdução de tal delito no
rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro foi objeto
de ampla divulgação e ajudou o Brasil a receber uma avaliação
positiva quando do monitoramento da implementação do acordo
internacional “no sentido de comprovar que o nosso país cumpre com
os compromissos assumidos junto à comunidade internacional”.538
Assim, dispõe que deveria ser acrescentado novo inciso para a

537. Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos


Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, de 1997,
firmada pelo Brasil em Paris, França, em 17.12.1997, ratificada por meio
do Decreto Legislativo 125, de 14.06.2000, e promulgada pelo Decreto
Presidencial 3.678, de 30.11.2000.
538. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos
jurídicos. Mensagem n. 325, de julho de 2003. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/2003/Mv325-03.
htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.

271
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

inclusão do delito de tráfico de órgãos ou pessoas, já que o inciso


anterior não poderia “simplesmente desaparecer do mundo jurídico
pela ocorrência de uma superposição de incisos, detectada quando da
tramitação do projeto de lei em tela, mas que infelizmente, por razões
regimentais, não foi possível de ser sanada”.539
Outro veto parcial relacionado à penalidade foi ao § 1.º do
art. 27 da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), que previa
pena para a modalidade culposa do delito de “liberar ou descartar
organismo geneticamente modificado no meio ambiente, em
desacordo com as normas estabelecidas pelos órgãos e entidades
de registro e fiscalização”. Ocorre que a pena mínima culminada
para a modalidade culposa do delito (de 2 a 4 anos de detenção) era
maior que a pena prevista para a modalidade dolosa (de 1 a 4 anos
de detenção). De acordo com a mensagem de veto, a pena, além de
mostrar-se “desnecessária, em sua quantidade, em face da gravidade
do delito”,540 era inadequada em relação à modalidade dolosa do
delito previsto no caput do art. 27. O projeto original oriundo
do Executivo foi alvo de 306 alterações legislativas. No projeto
original, constava a criminalização de apenas uma conduta,541
havendo o Congresso Nacional inserido mais 5 condutas durante a
tramitação do projeto, bem como adicionado 4 causas de aumento
da pena. A grande maioria das emendas ao projeto original foram
propostas por parlamentares da chamada “bancada ruralista”,
principalmente por deputados ligados ao PMDB e ao DEM.
Também foi possível observar que parlamentares de partidos
como o PV, o PSOL e o PCdoB, em menor medida, também
realizaram algumas alterações ao projeto original.

539. Brasil. Mensagem n. 325 ult. cit.


540. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos
jurídicos. Mensagem n. 167, de março de 2005. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Msg/Vep/VEP-
0167-05.htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.
541. “VI – construir, cultivar, produzir, transportar, transferir, comercializar,
importar, exportar ou armazenar organismo geneticamente modificado,
ou seu derivado, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar. Pena – reclusão de um a três anos.”

272
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Na Lei 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e


proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, foi
vetado o art. 44, que pretendia criminalizar a conduta de
auditores ambientais, responsáveis técnicos de obras, planos ou
projetos potencialmente causadores de impactos ambientais e
todos aqueles que fraudam procedimentos de autorização ou
de licenciamento ambiental. Ocorre que outra lei sancionada
no mesmo ano (Lei 11.284/2006) já havia incluído preceito
semelhante e mais completo do que o pretendido pelo legislador
do artigo vetado, motivo pelo qual o dispositivo foi vetado.542
Já no veto parcial à Lei 11.343/2006, a Nova Lei de
Drogas, o Executivo deixa clara a intenção de distinguir usuários
de traficantes, afirmando que, para os primeiros, deveria ser
estabelecido um tratamento baseado no modelo da justiça
restaurativa e, aos segundos, um tratamento baseado no modelo
retributivo. A mensagem refere-se ao art. 71,543 que previa
a criação de varas especializadas para julgar todos os crimes
envolvendo drogas. De acordo com a mensagem de veto:
“A ideia fundamental do novo tratamento legislativo e
judicial exige, para sua efetividade, um tratamento diferenciado
entre o usuário/dependente e o traficante, objetos de tutela judicial
diversos. Consolida este modelo não só a separação processual, mas
é essencial que os destinatários de cada modelo sejam processados em
unidades jurisdicionais diferentes, como previsto no sistema geral
da nova lei: Juizado Especial para usuários/dependentes e Justiça
comum para traficantes. As varas especializadas para o julgamento
de crimes que envolvam drogas certamente serão fundamentais para
a repressão, no contexto do modelo retributivo, porém representarão
sensível retrocesso se passarem a acumular em um mesmo ambiente

542. Brasil Mensagem n. 1.164, de dezembro de 2006. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Msg/Vep/
VEP-1164-06.htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.
543. “Art. 71. Nas comarcas em que haja vara especializada para julgamento
de crimes que envolvam drogas, esta acumulará as atribuições de juizado
especial criminal sobre drogas, para efeitos desta Lei.”

273
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

jurisdicional, atividades preventivas de cunho terapêutico, baseadas


no modelo sistêmico restaurativo que é voltado ao acolhimento, à
prevenção da reincidência, à atenção e reinserção social dos usuários e
dependentes de drogas”.544
Segundo Luciana Boiteux, um dos maiores destaques da
atual Lei de Drogas é a previsão de forma expressa dos princípios
do sistema nacional de políticas públicas sobre drogas, dado
que a sua positivação reflete “uma nova abordagem, que marca
um paradigma proibicionista moderado, com reconhecimento de
estratégias de redução de danos”.545 A autora destaca alguns desses
princípios:
“O respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana,
especialmente quanto à sua autonomia e liberdade (art. 4.º, I), o
reconhecimento da diversidade (art. 4.º, II), a adoção de abordagem
multidisciplinar (inc. IX), além de fixar as seguintes diretrizes com
relação à prevenção do uso de drogas, por meio do ‘fortalecimento
da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso
indevido de drogas’ (art. 19, III), e o reconhecimento expresso de que
’reconhecimento da redução de riscos como resultados desejáveis das
atividades de natureza preventiva’ (inc. VI)”.546
Nesse ponto, Boiteux contribui para a interpretação da Lei
em comento, atentando para o fato de terem ocorrido “profundas
mudanças no tratamento penal legislativo da questão das drogas”,
em destaque para: “(i) a distinção entre o ‘traficante profissional’ e o
‘traficante ocasional’, por força da previsão contida no art. 33, § 4.º;
(ii) a diferenciação entre estes e o mero usuário e, finalmente; (iii)

544. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos


jurídicos. Mensagem n. 724, de agosto de 2006. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Msg/Vep/VEP-
724-06.htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.
545. Boiteux, Luciana (coord.). Tráfico de drogas e Constituição. Série
Pensando o Direito, Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos
Legislativos, n. 1, 2009, p. 35. Disponível em: [http://participacao.mj.gov.
br/pensandoodireito/wp-content/uploads/2012/11/01Pensando_
Direito.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2014.
546. Idem, ibidem.

274
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

o fim da pena privativa de liberdade na hipótese do porte de droga


para uso próprio”.547 Complementa o seu ponto de vista, referindo
a importância da distinção entre “traficante” e “não traficante”,
ressalvando, porém, que “a forma como foi redigido o dispositivo
tem trazido dificuldades para essa diferenciação na prática da Justiça
Penal”.548
Ademais, da leitura do novo texto legal sobre drogas,
ao manter a incriminação do tráfico ilícito, percebe-se que
optou o legislador por uma política criminal de “dupla mão
para o enfrentamento do complexo problema relacionado ao crime
mais grave: em determinados casos, a lei abrandou e, em outros,
endureceu o sistema de controle das condutas relacionadas ao
tráfico”.549 Como exemplo da última situação, temos o maior
rigor na resposta punitiva, com o aumento da pena mínima de
reclusão – passou de três para cinco anos – e da pena pecuniária
mínima e máxima, agora estipulada entre 500 (quinhentos) e
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. De outra banda, a lei
estipulou um abrandamento da resposta legal em relação ao
condenado primário e de bons antecedentes na forma de causa
de redução de reprimenda, distinguindo o réu primário do
traficante reincidente.
Por sua vez, o veto parcial à Lei 11.719/2008, que altera
dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão
do processo, emendatio libelli e mutatio libelli, diz respeito ao
art. 363, que prevê a suspensão do prazo prescricional quando
o acusado citado não comparecer ou constituir defensor. Porém,
o dispositivo não prevê a suspensão do curso do processo, como
previsto pela legislação vigente, ou seja, o processo tramitaria
sem a presença do acusado, o que afronta o princípio da ampla
defesa e do contraditório. O projeto de lei era originário do poder
Executivo, porém, o artigo vetado foi introduzido pelo deputado
João Campos, do PSBD/GO, coordenador do grupo de trabalho

547. Boiteux, op. cit., p. 36.


548. Idem, ibidem.
549. Idem, p. 75.

275
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

de direito penal e processual penal. Conforme destacado pela


mensagem de veto:
“Permitir a situação na qual ocorra a suspensão do prazo
prescricional, mas não a suspensão do andamento do processo, levaria
à tramitação do processo à revelia do acusado, contrariando os
ensinamentos da melhor doutrina e jurisprudência processual penal
brasileira e atacando frontalmente os princípios constitucionais da
proporcionalidade, da ampla defesa e do contraditório”.550
Já o veto parcial à Lei 11.705/2008, refere-se à proposta de
alteração ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB). De acordo
com o art. 301 do CTB: “Ao condutor de veículo, nos casos de
acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão
em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral
socorro àquela”. A reforma legislativa pretendia introduzir
casos em que tal regra não poderia ser aplicada, como quando
o condutor: conduzisse o veículo sob influência de álcool ou
qualquer substância psicoativa, participasse de corrida ou disputa
automobilística não autorizada ou conduzisse o veículo na faixa
de acostamento, contramão, ou, ainda, em velocidade superior
à máxima permitida para a via em 50 km/h. A mensagem de
veto destacou que a proposta poderia ensejar “efeito colateral
contrário ao interesse público”, já que a determinação do art. 301
busca “preservar o bem jurídico maior, a vida”. Assim, destaca que
uma vez produzido o resultado danoso pelo crime de trânsito,
o melhor a se fazer seria tentar minorar suas consequências,
através do socorro da vítima, incentivado pela determinação
legal. Ainda, a mensagem observa que a regra do art. 301 já
constitui uma exceção à regra do flagrante, ou seja, somente
se o condutor prestar socorre imediato é que se exclui a prisão.
Por fim, ressalta que “tal exceção não se confunde com impunidade:
o autor do crime deverá responder por seus atos perante a Justiça e

550. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos


jurídicos. Mensagem n. 421, de junho de 2008. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Msg/VEP-421-
08.htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.

276
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

poderá, inclusive, ter a sua prisão decretada futuramente”.551 Assim,


o Poder Executivo afirma como prioridade o socorro à vítima,
em detrimento do recrudescimento da legislação.
Com relação ao veto parcial à Lei 11.690/2008, que
altera dispositivos do Código de Processo Penal para declarar
inadmissíveis as provas ilícitas, o Executivo firma posição
contrária à redistribuição do feito quando o magistrado
conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível.552 De
acordo com o dispositivo vetado, o juiz que tivesse contato
com a prova ilegal seria afastado do processo, uma vez que a
sua convicção poderia ser formada por um meio de prova que é
vedada pelo ordenamento vigente. Apesar da reforma defender
a não contaminação do juiz pela prova ilícita, buscando garantir
a imparcialidade do julgador, garantia prevista pelo art. 8 do
Pacto de San José da Costa Rica,553 o Executivo considerou
que tal alteração traria “transtornos razoáveis ao andamento
processual”. Ainda, afirmou que o objetivo da reforma era
“imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo
e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas”,
motivo pelo qual o dispositivo vetado iria de encontro a tal
movimento.554 Assim, através do veto, o Poder Executivo barrou

551. Brasil. Mensagem n. 404, de junho de 2008. Disponível em: <http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/Msg/VEP-404-
08.htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.
552. Dispositivo vetado: “§ 4.º O juiz que conhecer do conteúdo da prova
declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”.
553. Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969: “art. 8.1 Toda
pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente
e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus
direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza”.
554. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos
jurídicos. Mensagem n. 350, de junho de 2008. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/Msg/VEP-350-
08.htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.

277
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

uma garantia fundamental ao acusado, qual seja, o direito de


ter um julgamento justo, imparcial e sem máculas, preferindo
a celeridade em detrimento de garantia processual.555 Vale
ressaltar que o projeto de lei foi oriundo do Poder Executivo e o
dispositivo vetado constava no projeto original, de 2001, ou seja,
o Executivo vetou dispositivo de seu próprio projeto, porém, o
mesmo foi elaborado no governo anterior à posse de Lula.
Já o veto parcial à Lei 12.015/2009, vedou dois artigos que
previam disposições já existentes no ordenamento jurídico e,
ainda, artigo que previa que, para os fins do título do Código
Penal que trata sobre a dignidade sexual, “ocorre exploração
sexual sempre que alguém é vítima dos crimes nele tipificados”.
Dessa forma, de acordo com a mensagem de veto:
“Ao prever que ocorrerá exploração sexual sempre que alguém
for vítima dos crimes contra os costumes, o dispositivo confunde os
conceitos de ‘violência sexual’ e de ‘exploração sexual’, uma vez que
pode haver violência sem a exploração. Diante disso, o dispositivo
estabelece modalidade de punição que se aplica independentemente de
verificada a efetiva prática de atos de exploração sexual”.556
Por fim, o veto parcial à Lei 12.258/2010, que prevê a
possibilidade do monitoramento eletrônico, refere-se a diversos
dispositivos que buscavam possibilitar a fiscalização por meio

555. De acordo com Aury Lopes Júnior, ainda que retirada dos autos a
prova ilícita, o subconsciente do magistrado já teria sofrido uma grave
contaminação, ou seja, não bastaria anular-se o processo e desentranhar
a prova dos autos, o juiz deveria ser substituído. Segundo o autor: “Não
se pode mais desconsiderar que a sentença é um ato de sentimento, de
eleição de significados. Reitere-se: sentenciar deriva de sententiando,
gerúndio do verbo sentire. O juiz é alguém que julga com a emoção e a
sentença é o reflexo desse complexo sentire”. Lopes Júnior, Aury. Direito
processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2008. p. 546.
556. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos
jurídicos. Mensagem n. 640, de agosto de 2009. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/Msg/VEP-640-
09.htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.

278
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

da monitoração eletrônica ao apenado com pena restritiva de


direitos, ao apenado no regime aberto, semiaberto e diante da
concessão do livramento condicional ou a suspensão condicional
da pena. De acordo com a mensagem de veto o Executivo deixa
clara a intenção do projeto de lei, retirar do cárcere quem lá está,
não aumentar a fiscalização dos apenados que não cumprem
pena em regime fechado. Assim, conforme a mensagem:
“A adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas
penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão
condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena
prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária
individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal.
Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem
auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não
retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de
quem não deva ser preso”.557
Percebemos que neste momento do processo legislativo
é realizada uma nova análise de constitucionalidade e de
adequação das normas a serem adicionadas ao ordenamento
jurídico em relação às normas já existentes. Assim, além de
analisar o conteúdo dos projetos de lei, no momento da sanção
presidencial é analisada a compatibilidade das normas a serem
sancionadas com o ordenamento legal vigente. Da mesma
forma, foi possível verificar vetos que pretendiam restabelecer
as diretrizes da agenda governamental, vetando-se dispositivos
contrários à perspectiva do governo.

5.5 Taxas de encarceramento no período (2003-2010)


O aumento da criminalidade violenta no Brasil nas últimas
décadas têm sido pouco afetado pelas políticas de encarceramento

557. Brasil. Mensagem n. 310, de junho de 2010. Disponível em: <http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Msg/VEP-310-
10.htm>. Acesso em: 10 dez. 2014.

279
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

massivo implementadas a partir da edição da Lei 8.072/1990


(Lei dos Crimes Hediondos), que impediu a progressão de
regime e com isso ampliou sobremaneira a população carcerária
desde então,558 sem que tenha ocorrido redução da tendência de
crescimento destes delitos. Em que pese a implementação de
políticas distributivas, a elevação dos índices de desenvolvimento
humano em todo o país e a redução das desigualdades sociais,
bem como a reorientação das políticas de segurança para o foco
da prevenção ao delito, chama atenção o fato de que a população
carcerária brasileira cresce de forma ininterrupta durante todo o
período analisado. Assim, mesmo que em determinadas reformas
legislativas o Executivo tenha se manifestado no sentido de buscar
a redução da população prisional, a tendência da política criminal
no período foi majoritariamente carcerizante, com o aumento de
penas, criação de novos tipos penais e adoção de medidas que
impuseram uma maior severidade no cumprimento das penas.
O exemplo mais impactante é o da reforma da Lei de
Drogas (Lei 11.343/2006). Analisando os efeitos da nova lei,
Grillo, Policarpo e Veríssimo buscaram compreender as
práticas dos atores envolvidos com o controle legal do uso de
drogas e elucidar as dinâmicas das negociações envolvidas no
processo de incriminação dos usuários, à luz do debate em torno
das mudanças trazidas pelo novo diploma legal. Os autores
identificaram uma redução dos números de casos que entram
no sistema como uso de drogas, o que não se explicaria somente
pela mudança na lei, mas pela interpretação de que esse crime
teria se descaracterizado.559

558. Sobre o impacto da Lei dos Crimes Hediondos nas taxas de criminalidade
e na administração carcerária, vide o relatório de pesquisa do Ilanud, A
Lei de Crimes Hediondos como Instrumento de Política Criminal, São
Paulo, jul. 2005.
559. Grillo, Carolina Christoph; Policarpo, Frederico; Verissimo, Marcos.
A “dura” e o “desenrolo”: efeitos práticos da nova Lei de Drogas no Rio
de Janeiro. Revista de Sociologia Política, v. 19, n. 40, p. 135-148, Curitiba,
2011,. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
44782011000300010&script=sci_arttext>. Acesso em: 22 dez. 2014.

280
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Segundo os autores, o descaso com o processamento legal


desse tipo de crime teria deixado sua administração a cargo
dos policiais militares que fazem o policiamento ostensivo
nas ruas, que ganharam um aval implícito para negociar o
encaminhamento ou não do usuário para a delegacia e até
mesmo influenciar o tipo penal em que ele será classificado. A
imprecisão dos critérios legais para distinguir entre usuários e
traficantes, somada à imensa disparidade entre as penas previstas
para esses crimes – acentuada pela nova lei –, contribuiria para a
negociação informal da maior ou menor punição dos indivíduos
e reificaria os estereótipos policiais, favorecendo a arbitrariedade.
Apesar do fim da pena de prisão, foram mantidos os demais
procedimentos criminais previstos para o tratamento legal dos
casos de porte para uso pessoal, de modo que os acusados ainda
estão sujeitos às medidas de advertência verbal, prestação de
serviço à comunidade, medida educativa de comparecimento
a programa ou curso educativo e, em último caso, multa.560
A mercadoria política em jogo não é apenas o registro ou não
do flagrante, mas também o tipo criminal em que a situação de
porte ilegal de drogas vai ser classificada, se uso ou tráfico.561

560. Quando os flagrantes chegam à delegacia, são os delegados e policiais


civis de plantão que fazem a tipificação criminal, com base na descrição
oferecida pelo “condutor”, normalmente um policial militar. As suas
declarações orientam a formulação da “dinâmica do fato”. Assim, a
mesma situação de porte ilegal de drogas pode ser apresentada como uso
ou tráfico, dependendo da interpretação sobre a intenção por trás da posse
da substância. A subjetividade dos critérios abre espaço para a reificação
das pré-concepções policiais sobre quem sejam os traficantes e os usuários.
Se enquadrado como usuário, o acusado deverá apenas assinar o Termo
Circunstanciado, sendo logo liberado, ao passo que, se configurar um caso
de tráfico, inicia-se a lavratura de um Auto de Prisão em Flagrante e o
acusado vai para a prisão, onde aguardará pelo julgamento.
561. Os parâmetros para a realização da tipificação criminal encontram-se
no § 2.º do art. 28 desta mesma Lei: “Art. 28, § 2.º: Para determinar
se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e
à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que
se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à
conduta e aos antecedentes do agente.

281
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Verificando o número de ocorrências registradas pelas


Polícias Civis brasileiras envolvendo entorpecentes, nas
modalidades de posse e uso e tráfico de drogas, a distribuição
dos casos nos anos de 2005 e 2008 a 2012 é a seguinte:

GRÁFICO 10 – Número ocorrências cadastradas


pelas Polícias Civis, no território brasileiro, nos anos
de 2005 e 2008 a 2012, sob a classificação de tráfico
de drogas e posse e uso de drogas.

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública.562

Constata-se o crescimento das ocorrências para ambos


os crimes, denotando uma intensificação da atividade policial.
Porém o que chama a atenção é que em 2005 o número de casos
de posse para uso era superiores aos de tráfico. A partir da edição
da edição da nova lei, a tendência começa a inverter-se e, a partir
de 2009, as ocorrências por tráfico superam as de posse/uso,
o que pode demonstrar um deslocamento na hora do registro
da ocorrência: quem antes era “usuário” e possuía drogas para
consumo próprio, agora é traficante. O número de ocorrências
por posse e uso de entorpecentes em 2012 praticamente dobrou
em relação aos valores de 2005. Já as ocorrências por tráfico de
drogas mais do que triplicaram no mesmo intervalo. Os registros

562. Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP. Anuário do Fórum


Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, 2007. Disponível em: <http://www.forumseguranca.
org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/1a-edicao>.
Acesso em: 26 abr. 2014.

282
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

de ocorrências cadastradas mostram que a criminalização do


tráfico de drogas tem se acentuado provavelmente em função
de uma postura mais repressiva das polícias, que tendem a
classificar a maior parte das ocorrências como sendo por tráfico.
Do contrário, a posse de entorpecentes deveria guardar certa
paridade com o tráfico, afinal a demanda controla a oferta.563
Como visto no apartado anterior, através da mensagem de
veto parcial à Lei de Drogas, o Executivo deixa clara a intenção
de distinção entre usuários e traficantes. Porém, ainda que a
intenção do Executivo fosse de tratamento diferenciado, este
exemplo mostra que a intervenção do Executivo nem sempre vai
trazer os efeitos esperados, já que o mesmo não possui controle
sobre os demais atores do sistema de Justiça criminal, como os
policiais e os juízes.
No caso da Lei de Drogas, portanto, é possível conferir a
adoção de duas tendências de política criminal, a proibicionista e
a prevencionista, além de uma inclinação às políticas de atenção
e de reinserção social do usuário e do dependente. De acordo
com Bianchini, a tendência proibicionista é direcionada contra
a produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, enquanto
a prevencionista dirige-se ao usuário e ao dependente.564 Por sua
vez, Salo de Carvalho, aponta que a atual Lei de Drogas:
“(...) apesar de insinuar intervenções redutoras, prevê medidas
descarcerizantes que acabam sendo consumidas pela lógica da
punitividade, fato que propicia identificar na base argumentativa
da nova lei a inversão lógica do discurso de contração de riscos. Ou
seja, é enunciada formalmente política de redução de danos, mas sua
instrumentalização reforça a lógica repressiva”.565

563. Azevedo; Cifali, Segurança pública... cit.


564. Bianchini, Alice. In: Gomes, Luiz Flávio (coord.). Lei de Drogas
comentada artigo por artigo: Lei 11.343/2006, de 23.08.2006. 4. ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 35.
565. Carvalho, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo
criminológico e dogmático da Lei 11.343/2006. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 149.

283
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Marcelo Mayora, em entendimento semelhante, assevera


que a Lei 11.343/2006 trouxe inovações em relação à Lei
6.368/1976, mas manteve a mesma lógica, pois partiu da mesma
premissa, a política de guerra às drogas, através da punição
severa aos traficantes e o tratamento em relação ao usuário.566 A
respeito da evolução legislativa em matéria de drogas, Boiteux e
Pádua fazem um breve retrospecto, levando em conta o tipo e a
quantidade de pena cominada para o delito, desta forma:
“Na redação original do fato criminoso, que deu origem ao que
hoje se denomina de tráfico de drogas no direito brasileiro, prevista
no primeiro Código Penal da República, de 1890, ainda não
havia distinção entre substâncias lícitas e ilícitas, e a única pena
prevista era a de multa. De lá para cá, foram nada menos que nove
alterações legislativas (dez leis no total), em um forte movimento
de aumento da quantidade de penas e adição de novas condutas à
incriminação”.567
Para ilustrar o aumento gradativo das penas previstas para
o crime, influenciado pela assunção da perspectiva de “guerra às
drogas”, os autores apresentam o seguinte gráfico, onde é possível
verificar o aumento da severidade no tratamento da questão:

566. Mayora, Marcelo. Direito penal das drogas e Constituição: em busca


de caminhos antiproibicionistas. In: Fayet Júnior, Ney; Maya, André
Machado (orgs.). Ciências penais e sociedade complexa II. Porto Alegre:
Nuria Fabris. p. 241-257, 2009, p. 245-246.
567. Boiteux, Luciana; Pádua, João Pedro. A desproporcionalidade da
Lei de Drogas. Disponível em: <http://drogasyderecho.org/assets/
proporcionalidad-brasil.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2014.

284
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

GRÁFICO 11 – Evolução histórica


do crime de tráfico de drogas.

Fonte: Boiteux, Luciana; Pádua, João Pedro. Op. cit., p. 15.

Assim, percebe-se que a falta de articulação entre a elaboração


de leis e as ações em segurança pública no contexto social
acaba por apresentar um quadro de resultados insatisfatórios e
inconsistentes. Orientando-se pela maior conveniência imediata
ou por acordos para a aprovação de leis contraditórias no
Congresso, o governo ignora as consequências em longo prazo
das reformas legislativas em matéria penal. Assim, a reforma da
Lei de Drogas trouxe impactos significativos e inesperados no
número de pessoas encarceradas no Brasil.
Dados produzidos pelo Departamento Penitenciário
Nacional (Depen) dão conta de um crescimento que vai de um

285
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

total de 232.755 presos no ano 2000 para um total de 548.003


presos em 2012, sendo o crescimento mais significativo a partir
de 2006, ano em que entrou em vigor a nova Lei de Drogas.

GRÁFICO 12 – População carcerária


brasileira de 2000 a 2012.

Fonte: Elaboração nossa a partir de dados do Depen.

Do total de presos no país em 2012, 93,8% estavam no


sistema penitenciário e 6,7% sob custódia das polícias. Os
34.304 sob custódia das polícias, situação irregular que contraria
a legislação, concentram-se em algumas unidades da Federação,
entre as quais os estados do Paraná, com 9.290 presos, de Minas
Gerais, com 6.058, São Paulo, com 4.867, Rio de Janeiro, com
2.920, e o Maranhão, com 1.176.568
Entre os estados com taxas de encarceramento acima da
média nacional, destacam-se o Acre, com 780,8 por cem mil
habitantes maiores de 18 anos, Rondônia, com 701,2, o Mato
Grosso do Sul, com 699,4, São Paulo, com 633,1, Roraima,
com 626,9, o Distrito Federal, com 606,2, e o Espírito Santo,
com 575,7. Com exceção de São Paulo e Espírito Santo, na

568. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2013, op. cit.

286
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

região Sudeste, os demais estados são todos das regiões Norte


e Centro-Oeste, o que permite supor que as elevadíssimas taxas
de encarceramento são resultado da política de guerra às drogas,
com o encarceramento de pequenos traficantes que fazem o
papel de “mulas” para o tráfico internacional.
Em sentido inverso, com taxas muito baixas de
encarceramento, bem abaixo da média nacional, denotando
dificuldades das agências de segurança pública e Justiça criminal
para dar encaminhamento aos delitos verificados nestes estados,
destacam-se os estados do Maranhão, com 128,5 presos por 100
mil habitantes maiores de 18 anos, da Bahia, com 134,6, e o
Piauí, com 137,1.569

GRÁFICO 13 – Total de presos definitivos


cumprindo pena em regime fechado de 2000 a 2012.

Fonte: Elaboração nossa a partir de dados do Depen.

Do total de presos no Brasil em 2012, 316.071 estavam


cumprindo pena, representando 61,3% do total, 1% a menos do
que no ano anterior. Os presos em situação provisória, em um
total de 195.036, representavam em 2012 38% do total, 1% a
mais do que no ano anterior. Os outros 0,7% estavam presos

569. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2013, op. cit.

287
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

em razão da aplicação de medida de segurança. Até 2002, o


número de presos provisórios não chegava à 1/3 da população
carcerária, hoje já chega a quase 40% do total de presos no
sistema penitenciário. Enquanto o número de presos definitivos
cresceu 56% de 2000 até 2012, o número de presos provisórios
cresceu 353% no mesmo período.
O crescimento do número de presos provisórios, que se
mantém constante na última década, reflete a pouca efetividade
da nova lei de cautelares no processo penal (Lei 12.403/2011),
que deu ao judiciário uma série de novas possibilidades para a
garantia do andamento do processo, sem a necessidade da prisão
do acusado, entre as quais o monitoramento eletrônico do preso,
ainda pouco utilizado, seja por resistência dos juízes, seja pela
falta de estrutura nos Estados. Ainda, demonstra a tendência do
Judiciário em pautar-se pela lógica do risco, negando a liberdade
provisória para certos tipos de acusado e delitos, principalmente
sob o fundamento da “garantia da ordem pública” – conceito
extremamente vago e impreciso, cláusula genérica utilizada com
frequência pelos magistrados brasileiros – e, especialmente, para
os acusados por tráfico de drogas, por ser considerado um delito
de extrema gravidade por grande parte dos julgadores devido ao
seu impacto social negativo. Com isso, percebe-se que, muitas
vezes, a conduta pratica pelo réu não é o foco principal da análise
dos magistrados, mas sim sua personalidade, sua origem social
e a gravidade abstrata do crime, focos de análise extremamente
subjetivos. Assim, culpabiliza-se o acusado não por sua conduta,
mas por todos os males que o magistrado considera que o tráfico
traz à sociedade.

288
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

GRÁFICO 14 – Presos preventivos


no sistema prisional brasileiro de 2000 a 2012.

Fonte: Elaboração nossa a partir de dados do Depen.

Do total de presos em 2012, 93,8% eram homens e 6,2%


mulheres, igual percentual do ano anterior, demonstrando uma
reversão do quadro de aumento proporcionalmente maior do
encarceramento feminino na última década. Verifica-se que a
população carcerária masculina cresceu 184% entre 2000 e 2012.
Por sua vez, a população carcerária feminina cresceu 464% entre
2000 e 2012. Assim, enquanto a população carcerária masculina
mais que dobrou, a feminina mais que triplicou, no período
de 2000 a 2012. No ano de 2002 eram 5.897 mulheres presas,
em 2012 esse número chegou a 31.640, a grande maioria presa
pelo crime de tráfico de drogas. Entre os Estados com maior
proporção de mulheres presas, destacam-se Roraima, com
10,4%, Mato Grosso do Sul, com 9,6%, e o Espírito Santo e o
Amazonas, ambos com 9,1%570.

570. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2013, op. cit.

289
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

GRÁFICOS 15 e 16 – Homens e mulheres privados


de liberdade no sistema prisional brasileiro de 2000 a 2012.

Fonte: Elaboração nossa a partir de dados do Depen.

Fonte: Elaboração nossa a partir de dados do Depen.

Com relação ao perfil prisional em termos de faixa etária,


em 2012, 29,5% dos presos tinha idades entre 18 e 24 anos,
25,3% idades entre 25 e 29 anos, 19,2% com idades entre 30 e
34 anos, 17,4% com idades entre 35 e 45 anos, e 7,5% com 46
anos ou mais. Quanto à cor da pele, é significativo o crescimento
do número de presos negros ou pardos, que eram 60,3% em
2011 e saltam para 67,4% em 2012. Tais fatores indicam que
as alterações legislativas que criminalizaram condutas praticadas
por autores distintos dos tradicionalmente selecionados pelo

290
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

sistema penal não foram capazes de modificar a composição da


população carcerária, seja pela dificuldade na apuração de tais
crimes, seja pela própria seletividade do sistema penal, que acaba
por levar ao cárcere apenas (ou majoritariamente) os sujeitos
vulneráveis social e economicamente.571
Quanto aos tipos de crime que geram condenação e
encarceramento no Brasil, verifica-se que em primeiro lugar
estão os crimes contra o patrimônio, que representam 49,1%
do total de condenados presos, incluindo-se nesta categoria os
crimes de furto simples e qualificado, roubo simples e qualificado,
latrocínio, extorsão, extorsão mediante sequestro, apropriação
indébita, estelionato, receptação simples e qualificada.
Em seguida estão os presos condenados por crimes
relacionados com a Lei de Drogas, que representam 25,3%
do total. Este número vem crescendo nos últimos anos,
desde a entrada em vigor da Lei 11.343/2006, como referido
anteriormente. Como não há no Brasil um critério definido
para este enquadramento, como a quantidade de droga, o que
acaba pesando é o perfil do acusado, reforçando o caráter seletivo
do sistema e contribuindo para a superlotação carcerária. Se
analisados em conjunto, os crimes contra o patrimônio são os
que mais levam pessoas à prisão. Contudo, individualmente, o
tráfico de drogas é o crime que mais encarcera, seguido do roubo
qualificado, roubo simples, furto qualificado, furto simples,
homicídio qualificado e homicídio simples.
Depois do tráfico de drogas, os crimes contra a pessoa
vem em seguida, representando 11,9% do total de presos
condenados, incluindo aí os homicídios simples e qualificado, o
sequestro e o cárcere privado. Os assim chamados crimes contra
os costumes representam 3,9% do total, incluindo o estupro, o
atentado violento ao pudor, a corrupção de menores, o tráfico
internacional de pessoas e o tráfico interno de pessoas. Chama
ainda a atenção o percentual elevado de 5,6% presos condenados

571. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2013, op. cit.

291
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

por crimes tipificados no Estatuto do Desarmamento, como o


porte ilegal de arma.

GRÁFICOS 17 e 18 – Número de presos


por crime de 2005 a 2012

Fonte: Elaboração nossa a partir de dados do Depen.

Fonte: Elaboração nossa a partir de dados do Depen.

Conforme os dados do Depen, o aumento da opção pelo


encarceramento no Brasil não é acompanhado pela garantia das
condições carcerárias, contribuindo para a violência no interior do
sistema, a disseminação de doenças e o crescimento das facções

292
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

criminais. As conclusões do informe sobre a situação carcerária


brasileira, elaborado pela Anistia Internacional, corroboram tal
observação: “Superlotação extrema, condições degradantes, tortura e
outros maus-tratos foram registrados nos sistemas penitenciários adulto
e juvenil, assim como em carceragens das delegacias de polícia”.572
Configura-se assim uma situação de vulnerabilidade de todos
os atores envolvidos na dinâmica prisional, mas, principalmente,
dos apenados. De acordo com Salo de Carvalho, “a realidade
carcerária brasileira possibilita perceber o alto nível de ilegalidades das
práticas do Poder Público. O vácuo existente entre a normatividade
e o cotidiano acaba por gerar situação indescritível: a brutalização
genocida da execução da pena”.573
Em 2011, o déficit de vagas era da ordem de 175.841 vagas.
Já em 2012, este número passa para 211.741, num crescimento
de 20% no curto período de um ano, chegando a média nacional
a 1,7 presos por vaga no sistema. Sem a garantia de vagas no
sistema, e com o crescimento do número de presos a cada ano,
parece evidente que as prisões no Brasil acabam por assumir um
papel criminógeno, reforçando os vínculos do apenado com a
criminalidade e deslegitimando a própria atuação do Estado
no âmbito da segurança pública. Tentar contornar tal situação
através da edição de leis como o RDD é apostar em medidas
paliativas para enfrentar um problema cuja responsabilidade
pode ser compartilhada por diversos atores estatais: pela União
e pelos Estados, responsáveis pela garantia das vagas carcerárias,
pelo Congresso Nacional, incapaz de avançar na reforma da
legislação penal e na definição de uma política criminal mais
racional, e do Poder Judiciário, que pela morosidade e atuação
seletiva acaba por agravar a situação por meio das altas taxas de
encarceramento provisório.574

572. Anistia Internacional. Informe 2012. O estado dos direitos humanos


no mundo – Brasil. Disponível em: <http://www.amnesty.org/pt-br/
region/brazil/report-2012>. Acesso em: 29 abr. 2013.
573. Carvalho, Salo de. Penas e garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p. 220.
574. Azevedo; Cifali, Segurança pública... cit.

293
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Assim, a centralidade do cárcere nas estratégias de


controle do crime unida à seletividade do nosso sistema penal
e a racionalidades orientadas pela gestão do risco, acabam por
agravar a situação penitenciária brasileira. Além disso, a ausência
de estudos sobre os impactos das reformas legislativas na realidade
social e no funcionamento da Justiça criminal (antes destas
serem colocadas em prática) não poderia gerar nada diferente
senão uma política criminal inconsistente, que não alcança os
objetivos almejados quando de sua criação, justamente por não
levarem em consideração o funcionamento e as racionalidades
por detrás do sistema de Justiça criminal. O aumento das taxas
de encarceramento, derivado de uma demanda punitiva que
encontra respaldo no governo, seja ele de direita ou esquerda, no
parlamento (criminalização primária) e na atuação dos órgãos de
segurança pública e Justiça criminal (criminalização secundária),
não surte o efeito esperado na queda da criminalidade, uma vez
que a atuação do sistema penal é seletiva, atingindo apenas a
base da cadeia criminal, e reunindo nas prisões indivíduos que,
pela sua vulnerabilidade social, são presas fáceis das facções
criminais, que comandam o mercado das ilegalidades dentro
e fora das prisões.575 Desta forma, a fragilidade da técnica
legislativa, que parece perceber a legislação penal como uma
varinha mágica, capaz de solucionar os conflitos sociais sem a
necessidade de transformações profundas nos planos econômico,
social e cultural, assim como a utilização do direito penal
como instrumento simbólico, para reduzir momentaneamente
o sentimento de insegurança da população, geram um círculo
vicioso de criminalização, exclusão, violência e medo. Longe de
resolver os problemas da criminalidade, esta política criminal
irresponsável incrementa-os, passando a fazer parte daquilo que
pretendia resolver.

575. Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli; Oliveira, Rodrigo Moraes de. Armas


de fogo e Segurança Pública. Revista Textual, Sinpro-RS, n. 14, p. 4-11,
Porto Alegre: ago. 2011.

294
Considerações finais

Na presente pesquisa, buscamos discutir qual a direção


e os impactos da política criminal adotada pelo governo
brasileiro durante os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva.
Assim, buscamos verificar como o governo de Lula tratou da
questão da penalidade, unindo a análise das transformações
das políticas de controle do crime no contexto internacional ao
surgimento de um governo nacional construído desde alianças e
programas políticos que se configuraram recorrendo a elementos
da tradição política da esquerda. Porém ao longo da pesquisa,
percebemos a dificuldade em buscar qualquer unidade entre as
respostas governamentais contemporâneas no campo da gestão
das ilegalidades. Ainda assim, foi possível verificar algumas
características vinculadas à perspectiva de esquerda relacionada
ao governo de Lula.
Inicialmente, buscamos conhecer a bibliografia
internacional sobre as estratégias contemporâneas de controle
do crime e as racionalidades por trás delas. Além da opção pelo
recrudescimento penal, vimos que também se desenvolveram
medidas que buscam alterar as rotinas da vida cotidiana. Assim,
o controle é expandido para toda a sociedade, como uma forma
de governo por meio do crime.

295
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Desta forma, no primeiro capítulo, apontamos para a


ascensão de uma política penal mais severa e abrangente, pautada
pela defesa social como prioridade estatal. Ainda, verificamos a
perda de confiança nas respostas tradicionais e nos atores estatais
responsáveis pelo controle do delito, bem como o resgate do
papel da vítima, fatores que levaram a uma nova configuração
do campo do controle do crime, marcado pelo caráter emocional
e simbólico da política criminal. Ademais, destacamos algumas
tendências que influenciam essa nova maneira de lidar com o
problema da criminalidade, entre as quais a preferência pela
gestão do risco, a preponderância da finalidade retributiva e a
opção pela segregação punitiva (visando a neutralização dos
sujeitos considerados perigosos pela sociedade).
Garland também nos mostra que, diante da difícil situação
enfrentada pelos governos, surge um “esquema de ação política
notavelmente ambivalente”:576 por um lado, a preocupação em
administrar o problema e desenvolver novas estratégias que
sejam racionalmente adequadas; e, por outro, uma tendência
a uma espécie de reafirmação enfática do velho mito da
soberania do Estado, o que resulta em uma criminologia do
inimigo e que também aponta para práticas mais punitivas e
simbólicas. Ainda, a conflitante dualidade do pensamento e
das práticas penais, as quais denominou “criminologia do eu” e
“criminologia do outro”, expressa um conflito que se encontra
no cerne da política criminal contemporânea.577 A primeira,
invocada para banalizar o crime, trazendo a percepção de que
é um fenômeno inevitável, um risco inerente às sociedades
contemporâneas, devendo os cidadãos adotarem meios para se
protegerem. A segunda, alerta para o perigo representando pelo
“outro”, sujeito perigoso, uma ameaça, que deve ser afastada
da sociedade, obviamente, sem qualquer preocupação com
seus direitos ou sua dignidade, já que considerados inferiores,
ao menos no Brasil, em que a hierarquização das relações

576. Garland, 1999, op. cit., p. 63.


577. Idem, p. 59.

296
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

sociais sempre se ocupou de traçar distinções bem marcadas


entre o “normal” e o “desviante”, o “superior” e o “inferior”, os
“merecedores” e os “vagabundos” e o conhecido “cidadão de
bem” e o “bandido”, linhas divisórias que acabam por se refletir
e materializar no cotidiano das grandes cidades, como vimos a
partir de Caldeira.
Vimos também, que a reação punitiva foi amplamente
impulsionada pelo braço político das estruturas estatais, apoiado
fortemente pelo caráter neoconservador da racionalidade
governamental, gerando uma espécie de populismo punitivo,
baseado na “criminologia do outro”.578 Apontamos também
para o caráter simbólico deste tipo de resposta, como forma
de reestabelecer a confiança da população nas instituições do
sistema de Justiça criminal e nas normas sociais, apaziguando
as inseguranças presentes no espaço público, ao menos de forma
momentânea. Dessa maneira, o novo ideal penal seria que o
público sinta-se protegido. A aceleração do nosso tempo e
o foco no presente demandam respostas rápidas, sob pena de
responsabilizar-se o sistema de Justiça e os governos por sua
ineficiência, o que poderia explicar a edição de leis emergenciais
e o elevado número de presos preventivos, pois não se pode
esperar que o “outro” permaneça em liberdade (colocando a
ordem pública em risco, como se fosse previsível o cometimento
de outro delito) durante a lenta tramitação de processo penal. As
garantias processuais e os direitos humanos passam a ser meros
empecilhos à segurança da população.
Desta forma, mesmo que simbólica, a reação punitiva gera
resultados reais, vistos na aceitação da precariedade dos sistemas
penais latino-americanos e nos altos índices de pessoas advindas
de “territórios perigosos” encarceradas por longos períodos,
mesmo provisoriamente e por delitos praticados sem violência
ou ameaça. Ainda, a reafirmação de valores sociais integraria a
orientação do modelo de punição contemporâneo, como uma
resposta para manutenção da ordem social, principalmente

578. Garland, 1999, op. cit., p. 59.

297
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

através da edição de leis e da repressão e incapacitação daqueles


considerados os causadores dos conflitos sociais.579
Um dos aspectos mais valiosos da perspectiva proposta
por Garland é o reconhecimento de que a política criminal não
é necessariamente racional e consistente em suas estratégias
de controle do crime. Como qualquer decisão estatal, é
suscetível a dilemas e conflitos de interesses políticos. Por isso,
a descrição das recentes transformações no controle do crime
e na penalidade envolve uma variedade de práticas e teorias,
muitas apontando o caráter volátil e ambíguo das estratégias
atuais.
Por um lado, há uma adoção desproporcional de
penalidades duras para infrações consideradas graves, enquanto,
por outro, estabelece-se uma rede de controle social para ofensas
menos graves. No primeiro caso, a punição é mais severa para
aqueles considerados perigosos, como no caso dos traficantes
de drogas. Já para os segundos, os recuperáveis, são destinadas
medidas distintas da privação de liberdade, mas os condenados
permanecem sob o controle estatal durante certo período, como
os torcedores, no Estatuto do Torcedor, e os usuários de drogas,
agora apenados com sanções não privativas de liberdade, como a
prestação de serviços a comunidade e o comparecimento a cursos
e programas educativos. Ambas as tendências relacionam-se à
gerência e análises de perfis de risco mais do que à avaliação da
responsabilidade individual. Mais do que o delito em si, avalia-
se a personalidade do sujeito, seu contexto social e a gravidade
abstrata do crime.
Ainda destacamos que a ambiguidade verificada por
Garland pode ser apenas uma dimensão ou característica de
um amplo padrão de incoerência contemporâneo. De acordo
com O’Malley, as políticas penais das últimas décadas têm
sido formadas por governos que amalgamam e combinam
racionalidades “um tanto contraditórias”, referindo-se ao
neoconservadorismo e ao neoliberalismo. A aliança entre as duas

579. Fonseca, op. cit.

298
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

racionalidades explicaria a aparente contradição das respostas


penais contemporâneas. Por um lado, o neoconservadorismo
seria responsável pela ênfase na manutenção da ordem, bem
como por revitalizar penalidades e orientações penais ligadas
à retribuição, defendendo uma atuação enérgica do Estado
contra o crime. Por outro lado, a racionalidade neoliberal seria
responsável pelas mudanças de caráter gerencial e administrativo,
responsabilizando os cidadãos por sua própria proteção. Como
pontos de união e consenso entre ambas as racionalidades, estaria
o emprego do encarceramento justificado a partir da dissuasão.580
Ademais, verificamos que na América Latina foram
elaboradas estratégias de controle do crime que tiveram
como principal referência as práticas elaboradas no contexto
estadunidense, guardadas as particularidades do contexto
latino-americano, marcado pela violência endêmica, pelo padrão
hierárquico da sociedade e da distribuição desigual de riquezas e
oportunidades sociais. Ainda que seja possível verificar a adoção
de respostas “adaptativas”, como sugerido por Garland, percebe-
se que as políticas de mano dura consistiram na estratégia
prevalecente na América Latina, que também “importou” a
política de guerra às drogas e, consequentemente, todos seus
efeitos perversos.
Pires fornece uma abordagem que nos ajuda a refletir sobre
a preferência por sanções aflitivas. De acordo com o autor, a
prevalência de uma lógica de repressão e controle impede a
construção e a estabilização de um sistema inovador sobre a
penalidade, que favoreça sanções não carcerárias e desfavoreçam
longas penas de encarceramento. Assim, a racionalidade que
informa as autoridades políticas, jurídicas e administrativas
ainda recomenda que estes decidam, como primeira opção, em
favor da exclusão social dos indivíduos declarados culpados pela
prática de crimes, principalmente por ainda acreditarem ou, ao
menos, legitimarem suas ações, baseados nas funções atribuídas
à prisão pelas teorias da pena, especialmente a prevenção geral

580. O’Malley, op. cit.

299
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

negativa. Ocorre que a função dissuasória do sistema penal tem


como base a concepção mecânica e econômica do indivíduo, que
pensaria em termos de custos benefícios antes de praticar suas
ações, esquecendo-se que há casos nos quais não há qualquer
reflexão sobre a ameaça penal, mesmo por que, a seletividade do
sistema também serve para demonstrar que a ameaça não recai
sobre todos de maneira igualitária.
Diante da sensação de insegurança crescente, surgem
ações e movimentos, com distintos graus de organização e
duração, dispostos a exigir que as autoridades tomem atitudes
com relação ao problema da criminalidade e da violência, sem
demonstrar objetivos muito claros. Tais movimentos surgem
após casos emblemáticos e expressam um cansaço e a indignação
diante da violência e do que consideram como passividade dos
atores do sistema criminal e do próprio Estado. Assim, mais do
que demandar uma punição exemplar, as demandas populares
parecem expressar o desejo por segurança e qualidade de vida.
Dessa forma, a população envia sua mensagem ao governo,
expressando seu descontentamento com o status quo e expondo
as ameaças às quais está exposta, sendo atores importantes
para o desenvolvimento de reformas legais no âmbito penal.
Porém, a homogeneização das demandas populares acaba por
sedimentar a ideia de que toda a opinião pública pensa de
maneira uniforme em um único sentido: a necessidade de maior
repressão da criminalidade.
A partir dos ensinamentos de Matthews, percebemos que
outros fenômenos também ajudaram a alimentar a inflação
das pautas penais. De acordo com o autor, diversas formas de
violência interpessoal, antes não atingidas pela intervenção
estatal, passaram a ser vistas como intoleráveis, como a violência
doméstica, o racismo, o assédio sexual, etc. Novas formas de
criminalidade também surgiram a partir da globalização e os
desafios impostos ao direito penal pelo passar do tempo também
são fatores que influenciam a edição de reformas legais. Nesses
casos, o direito penal parece ser utilizado (e legitimado) como
forma de prevenção, como se a simples edição de normas penais

300
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

bastasse para frear o cometimento de condutas consideradas


indesejáveis.
Ademais, na medida em que a racionalidade penal moderna
sedimenta uma maneira de pensar e formular problemas e
buscar soluções no âmbito da Justiça criminal, mesmo setores
considerados progressistas buscam a intervenção do Estado
para regular os conflitos por eles considerados relevantes.
Assim, a partir da percepção de um risco, o Estado é chamado
para intervir, fundamentalmente através da edição de normas,
demonstrando sua preocupação com os temas trazidos pela
sociedade civil. Ao se apresentar como um meio de gerenciar
os riscos inerentes da sociedade contemporânea, o direito penal
é expandido em detrimento de outros meios de resolução de
conflitos, os quais poderiam dar respostas mais eficazes aos
problemas da população, como no caso da violência doméstica
que, mesmo após as alterações procedimentais demandas pelos
movimentos feministas, a resposta penal segue a não dar conta
das expectativas das mulheres.
Diante das mudanças descritas, percebe-se que o crime
tornou-se uma questão estratégica, seja para fins eleitoreiros,
seja para uma boa governança e/ou para imposição de ordem
ao contexto social. Utilizando-se do medo e da insegurança
da população, justificam-se medidas que flexibilizam direitos
fundamentais e estendem o controle para todos os espaços,
como se mais vigilância e mais punição fossem as respostas
preferenciais ao problema da criminalidade. Percebe-se uma
monotonia na intervenção estatal, onde, aparentemente, o
recrudescimento penal parece ser a opção predileta dos governos.
Mesmo porque, não aderir à racionalidade punitiva que permeia
o ambiente social parece tem um custo político muito relevante,
que os partidos políticos não aparentam querer pagar.
Também destacamos que a desigualdade extrema e os
vestígios do autoritarismo são problemas que persistem no
cenário brasileiro e que trazem inúmeros empecilhos para
um funcionamento igualitário das instituições públicas e do
sistema de administração de Justiça como um todo, pilares

301
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

fundamentais de um Estado Democrático de Direito. A


seletividade, a discricionariedade e a aplicação discriminatória
dos instrumentos de controle penal são resultados de uma
complexa rede de obstáculos, que passam por mentalidades,
sensibilidades sociais e interesses de diversas razões, além de
problemas de ordem material, como a ausência de (ou ausência
de vontade em destinar) recursos humanos e financeiros ao
sistema de Justiça criminal.
Agora, com relação à política criminal elaborada durante o
governo de Lula, verificamos que em seus planos de governo já
eram apontadas as diretrizes fundamentais que esta iria seguir,
conformando um conjunto de propostas com razoável grau de
integração, compondo algo muito próximo de um programa de
governo ou uma agenda governamental, cuja existência pode
ser tomada como um dado. A defesa de setores vulneráveis
da população aparece já no plano de governo, em é afirmada
a preocupação do partido em relação às violências físicas e
simbólicas, como as discriminações sofridas pelas mulheres,
jovens, idosos e migrantes, assim como a preocupação com o
meio ambiente e os direitos humanos, temas que, posteriormente,
foram objeto de diversas reformas legislativas na área penal.
Percebemos também que diversos atores auxiliaram na
elaboração da política criminal do período, entre pesquisadores,
ativistas de movimentos sociais e profissionais do Estado. Foi
possível conhecer a influência que uma interação mais fluída com
os movimentos sociais gerou na criação e reforma da legislação
penal no período, influência advinda da própria relação de
proximidade entre tais movimentos e o partido do presidente,
que alocou nas instituições públicas diversos militantes,
principalmente por meio da ocupação de cargos. Assim, “as
relações entre atores dos movimentos sociais dentro e fora do Estado
permitiram uma combinação criativa de tradições históricas de
interação Estado-sociedade de forma que promoveram novas formas
de negociação e diálogo”.581 Demandando a proteção de direitos

581. Idem, p. 346.

302
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

de grupos sociais vulneráveis e do meio ambiente, movimentos


da sociedade civil lograram levar ao Congresso temas de seu
interesse, incitando a intervenção do Estado através da legislação
penal. Possivelmente por tais motivos, verificamos reformas
legais elaboradas no período que guardam estreita relação com
a influência do movimento de mulheres, com os movimentos
ambientais, de artistas e de defesa dos direitos humanos, setores
tradicionalmente ligados à militância de esquerda e que tiveram
suas demandas (ou, ao menos, parte delas) atendidas pelo
governo durante o mandato de Lula.
Por outro lado, também se percebeu uma intervenção
estatal pautada pelo sentimento de insegurança da população,
numa perspectiva que, em alguma medida, pode ser relacionada
ao realismo de esquerda. Para além de respostas penais de caráter
emergencial e de efeito simbólico, o Estado interveio para lidar
com problemas que efetivamente causam danos à sociedade,
como no caso da regulamentação e do controle de armas. Já
numa perspectiva relacionada à esquerda punitiva, destacamos
o aumento do rigor punitivo no tocante aos crimes contra a
Administração Pública, intervenção estatal também anunciada
já nos planos de governo, em que foi destacada, principalmente,
a impunidade dos autores de tais crimes.
Desta forma, utilizando o mesmo discurso de combate à
criminalidade através da política criminal, olvidando-se do caráter
seletivo do sistema penal, a esquerda brasileira seguiu pautando-se
pelo paradigma da defesa social e investindo no recrudescimento
penal advindo dos setores neoliberais e conservadores da direita
norte americana, sendo a perspectiva penalizadora a principal
forma de intervenção nos conflitos presentes no espaço social.
Contudo, o que mudou foi o foco de tal endurecimento das
normas penais, não direcionado exclusivamente à população
vulnerável, tradicionalmente atingida pelo sistema penal, mas
buscando atingir setores distintos, e até opostos, da população,
como na criminalização e aumento da severidade da punição
para delitos como a redução à condição análoga à de escravo,
os crimes cometidos contra os idosos, os crimes relativos à

303
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

pornografia infantil, o tráfico internacional de pessoas, os crimes


contra a Administração Pública e os ambientais. Apesar disso,
diante do caráter seletivo e discriminatório do sistema de Justiça
criminal brasileiro, a população penal segue composta pelos
mesmos “clientes” de sempre, os mais atingidos pelas reformas
legislativas elaboradas durante o governo de Lula, principalmente
através da nova Lei de Drogas, do RDD e da modificação da
Lei de Crimes Hediondos. Ainda que, em alguns momentos, o
governo expressasse a intenção de reduzir a população carcerária,
o impacto foi o contrário.
A expansão do controle em relação a delitos que antes não
eram o foco de atenção do direito penal também apareceu na
legislação aprovada no período, como no aumento do prazo
prescricional de 2 para 3 anos no caso de delitos em que a pena
for inferior a 1 ano, alteração legislativa que se aproxima ao
viés denegatório das respostas penais, conforme a classificação
de Garland. Práticas relacionadas ao “gerencialismo” também
se fizeram presentes, como no caso dos delitos de trânsito e
ambientais, determinado a influência do Estado diante dos
riscos que causam ou podem causar à sociedade.
Também destacamos diversas alterações legislativas que
indicavam a relação do governo, principalmente dos Ministros
da Justiça, com a defesa dos direitos humanos, buscando adequar
a legislação brasileira aos tratados e instrumentos internacionais
de proteção. Percebe-se, claramente, que as ações do Poder
Executivo buscavam uma política de segurança pública mais
democrática, em comparação à legislação oriunda do Congresso
Nacional. Da mesma forma, pensamos em algumas alterações
legislativas em termos de uma adaptação aos novos desafios
impostos ao direito penal pela contemporaneidade, como o
tráfico de pessoas, os delitos ambientais e a criminalização
de crimes praticados através da Internet, como a divulgação
de fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo
explícito envolvendo criança ou adolescente.
Verifica-se, assim, que a tendência de endurecimento penal
não é um fator que atinge apenas a direita do espectro político,

304
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

mas também os partidos de esquerda, ainda que a criminalização


e o endurecimento das penas recaiam sobre temas diversos, não
somente aqueles relativos à criminalidade urbana violenta e à
guerra às drogas. Além da criminalização de novas condutas,
também foi possível verificar um maior rigor no que tange ao
cumprimento das penas, com a modificação da Lei de Crimes
Hediondos, a regulação do RDD e o aumento do quantum
punitivo de diversos dispositivos legais. Assim, a perspectiva de
maior exclusão dos sujeitos condenados, identificada no trabalho
de Ferreira, apontado anteriormente, também se faz presente no
período. Porém, importante mencionar que não se pode alocar
na mesma categoria todas as leis recrudescedoras do poder
punitivo. Algumas reformas legais atenderam pautas históricas
de movimentos sociais, à exemplo da Lei Maria da Penha,
devendo estabeceler-se uma distinção entre essas e àquelas que
reproduzem a lógica tradicional e conservadora do sistema penal,
como o aumento das penas da Lei de Drogas de 2006.
Entre as propostas oriundas do Executivo foi possível
perceber alguns fatores recorrentes, já que diversas leis
buscavam: (a) adequar a legislação nacional ao cenário
internacional, principalmente com relação a instrumentos
de proteção de direitos; (b) conferir proporcionalidade entre
condutas semelhantes nas disposições do ordenamento jurídico
nacional; (c) ampliar a severidade da punição nos crimes contra a
Administração Pública; (d) adequar a legislação com a finalidade
de pacificar a jurisprudência; (e) dar uma resposta à sociedade e
a movimentos sociais. Ainda, percebemos que no momento do
veto presidencial, além de analisar-se o conteúdo dos projetos
de lei, havia o intento de verificar a compatibilidade das normas
a serem sancionadas com o ordenamento legal vigente. Porém,
diante do caráter emergencial e conjuntural da aprovação de
algumas reformas legais, na ausência de um debate profundo
sobre as implicações das alterações e, inclusive, contrariando
orientações do Ministério da Justiça, foram aprovadas leis que
trazem diversos problemas no momento de sua aplicação e
efeitos em direções opostas às formalmente esperadas.

305
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Outra circunstância importante trazida pela revisão


bibliográfica é a percepção de que a Presidência ou o Poder
Executivo trata-se de um ator coletivo. Assim, mais do que a
agenda do Executivo, houve a aprovação da agenda da maioria.
Como o governo de Lula foi formado, principalmente após os
primeiros anos de mandato, por uma coalizão majoritária, pode-
se afirmar que a agenda do governo contou com a influência da
coalizão governista. Ou seja, não se trata de uma agenda pessoal
de Lula ou do PT, mas uma agenda elaborada levando-se em
consideração as preferências dos integrantes da coalizão. Assim,
como vimos, também foram aprovadas reformas legais que
não condiziam com a perspectiva assumida pelo presidente em
seus planos de governo, mas que podem expressar justamente a
heterogeneidade dos atores que compunham o Poder Executivo,
denotando as negociações estabelecidas no interior do governo
e as pressões recebidas pelo presidente, inclusive por membros
de seu próprio partido, para a aprovação de leis simbólicas e
emergenciais, já que tanto os parlamentares como seus partidos
almejam influenciar na determinação das políticas publicas com
vistas a colher os frutos de seu sucesso, ainda que assumindo os
riscos por seu fracasso. Nesse sentido, como vimos anteriormente,
reformas legais dão a impressão de que o Estado está agindo para
resolver o problema da criminalidade, o que reduz a sensação
de insegurança, ainda que momentaneamente, e pode render
avaliações favoráveis do governo por determinados setores da
população. Desta forma, também apontamos as reformas penais
como importantes plataformas de governo, principalmente em
épocas eleitorais.
Por outro lado, percebemos a influência determinante do
PT na indução da política criminal, tanto através do número de
leis aprovadas por parlamentares do partido, como pela relatoria
de comissões, sendo possível afirmar que o partido deteve um
poder inegável para implementar a agenda governamental ou,
ao menos, para barrar alterações com as quais não concordava
ao todo, como vimos através do poder de veto. Da mesma
forma, verificamos que, em geral, as propostas elaboradas pelo

306
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Executivo durante o governo de Lula tiveram uma tramitação


mais rápida do que as de iniciativa de outras casas legislativas, o
que se relaciona com os apontamentos de Limongi e Cheibub,
sobre o poder de agenda e os mecanismos com os quais conta o
Executivo para agilizar a aprovação de seus projetos. Também
percebemos que o Executivo encaminha propostas com as quais
já conta com um acordo prévio para obter o resultado desejado,
evitando temas que não são objeto de consenso entre a coalizão.
Ainda assim, consideramos as leis aprovadas no período como
frutos de um relativo consenso entre os atores que compõem o
Legislativo e Executivo. Desta forma, o trabalho no Legislativo
configura uma arena de debates e formulação de consensos
para a aprovação de leis pelos congressistas e posterior sanção
presidencial.
Antes de analisar a legislação por partido, pensávamos
que a ambiguidade encontrada nas diretrizes da legislação
penal pudesse ser explicada apenas através das leis aprovadas
oriundas da oposição. Contudo, percebeu-se que a ambiguidade
perpassa tanto as propostas da oposição quanto dos partidos
ligados ao governo, motivo pelo qual passamos a pensar que tal
ambivalência advém tanto da tendência de elaboração de leis
emergenciais, impulsionadas pela comoção social – que fogem
das características traçadas nos planos de governo –, quanto pela
heterogeneidade dos atores e partidos (uns mais conservadores,
outros mais liberais) que participaram do governo e da elaboração
da política criminal no período, expressando um amálgama de
crenças, sentimentos e desejos distintos, assim como as diferentes
concepções sobre a utilidade do direito penal pela sociedade e
pelos setores políticos.

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5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

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os-que-vivem>. Acesso em: 12 dez. 2014.
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316
5 ▪ Resultados da pesquisa empírica:

Misse, Michel. Crime e pobreza: velhos enfoques, novos problemas. Trabalho


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promovido pelo Laboratório de Pesquisa Social do Departamento de
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A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

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Ripollés, José Luis Díez. A racionalidade das leis penais: teoria e prática.
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Rodrigues, Ricardo José Pereira. Desenvolvimento nas ações políticas
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transformed American democracy and created a culture of fear. New York:
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no Brasil: entre a ruptura e a articulação com o cárcere. Pontifícia
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Internacional de Ciências Criminais. Porto Alegre: EDIPUCRS,
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Sozzo, Máximo. Seguridad Urbana y Tácticas de Prevención del Delito.
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______. Los retos de la izquierda en las políticas públicas de seguridad
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______. Transformações atuais das estratégias de controle do delito na
Argentina: notas para a construção de uma cartografia do presente. In
Cânedo, Carlos; Fonseca, David (orgs.). Ambivalência, contradição
e volatilidade no Sistema Penal. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012.
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documentos programáticos. Revista Debates, v. 7, n. 2, p. 93-114,
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Tavares dos Santos, José Vicente. O programa de governo do candidato
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HOMICIDE_BOOK_web.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2014.
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319
A política criminal brasileira no Governo Lula (2003-2010)

Waiselfisz, Júlio Jacobo. Prévia do mapa da violência 2014. Os jovens do


Brasil. Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Flacso.
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Zaffaroni, Eugênio Raul. La criminología mediática y los políticos.
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Zaluar, Alba. Ethos Guerreiro e criminalidade violenta. In: Lima, Renato
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______. Democratização inacabada: fracasso da segurança pública. Revista
Estudos Avançados, n. 61, São Paulo, 2007.

320
Relação das Monografias Publicadas

Monografias
1. Uma Pequena História das Medidas de Segurança
Rui Carlos Machado Alvim
ƒƒ
2. A Condição Estratégica das Normas
Juan Félix Marteau
ƒƒ
3. Direito Penal, Estado e Constituição
Maurício Antonio Ribeiro Lopes
ƒƒ
4. Conversações Abolicionistas - Uma Crítica do Sistema Penal e da Sociedade
Punitiva
Organizadores: Edson Passetti e Roberto B. Dias da Silva
ƒƒ
5. O Estado e o Crime Organizado
Guaracy Mingardi
ƒƒ
6. Manipulação Genética e Direito Penal
Stella Maris Martinez
ƒƒ
7. Criminologia Analítica - Conceitos de Psicologia Analítica para uma
Hipótese Etiológica em Criminologia
Joe Tennyson Velo
ƒƒ
8. Corrupção: Ilegalidade Intolerável? Comissões Parlamentares de Inquérito e a
Luta contra a Corrupção no Brasil (1980-1992)
Flávia Schilling
ƒƒ
9. Do Gene ao Direito
Carlos Maria Romeo Casabona
ƒƒ
10. Habeas-Corpus, Prática Judicial e Controle Social no Brasil (1841-1920)
Andrei Koemer
ƒƒ
11. A Posição Jurídica do Recluso na Execução da Pena Privativa de Liberdade
Anabela Miranda Rodrigues
ƒƒ
12. Crimes Sexuais e Sistema de Justiça
Joana Domingues Vargas
ƒƒ
13. Informatização da Justiça e Controle Social
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo
ƒƒ

321
14. Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia: A Experiência
Norte-Americana
Theodomiro Dias Neto
ƒƒ
15. Liberdade de Expressão e Direito Penal no Estado Democrático de Direito
Tadeu Antonio Dix Silva
ƒƒ
16. Correlação entre Acusação e Sentença no Processo Penal Brasileiro
Benedito Roberto Garcia Pozzer
ƒƒ
17. Os Filhos do Mundo - A Face Oculta da Menoridade (1964-1979)
Gutemberg Alexandrino Rodrigues
ƒƒ
18. Aspectos Jurídico-Penais da Eutanásia
Gisele Mendes de Carvalho
ƒƒ
19. O Mundo do Crime - A Ordem pelo Avesso
José Ricardo Ramalho
ƒƒ
20. Os Justiçadores e sua Justiça - Linchamentos, Costume e Conflito
Jacqueline Sinhoretto
ƒƒ
21. Bem Jurídico-Penal - Um Debate sobre a Descriminalização
Evandro Pelarin
ƒƒ
22. Espaço Urbano e Criminalidade - Lições de Escola de Chicago
Wagner Cinelli de Paula Freitas
ƒƒ
23. Ensaios Criminológicos
Adolfo Ceretti, Alfredo Verde,
ƒƒ
Ernesto Calvanese, Gianluigi Ponti,
ƒƒ
Grazia Arena, Massimo Pavarini,
ƒƒ
Silvio Ciappi e
ƒƒ
Vincenzo Ruggiero
ƒƒ
24. Princípios Penais - Da Legalidade à Culpabilidade
Cláudio do Prado Amaral
ƒƒ
25. Bacharéis, Criminologistas e Juristas - Saber Jurídico e Nova Escola Penal no
Brasil
Marcos César Alvarez
ƒƒ
26. Iniciativa Popular
Leonardo Barros Souza
ƒƒ
27. Cultura do Medo - Reflexões sobre Violência Criminal, Controle Social e
Cidadania no Brasil
Débora Regina Pastana
ƒƒ

322
28. (Des)continuidade no Envolvimento com o Crime - Construção de
Identidade Narrativa de Ex-Infratores
Ana Paula Soares da Silva
ƒƒ
29. Sortilégio de Saberes: Curandeiros e Juízes nos Tribunais Brasileiros
(1900-1990)
Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer
ƒƒ
30. Controle de Armas: Um Estudo Comparativo de Políticas Públicas entre Grã-
Bretanha, EUA, Canadá, Austrália e Brasil
Luciano Bueno
ƒƒ
31. A Mulher Encarcerada em Face do Poder Punitivo
Olga Espinoza
ƒƒ
32. Perspectivas de Controle ao Crime Organizado e Crítica à Flexibilização dos
Garantias
Francis Rafael Beck
ƒƒ
33. Punição, Encarceramento e Construção de Identidade Profissional entre
Agentes Penitenciários
Pedro Rodolfo Bodê de Moraes
ƒƒ
34. Sociedade do Risco e Direito Penal - Uma Avaliação de Novas Tendências
Político-Criminais
Marta Rodriguez de Assis Machado
ƒƒ
35. A Violência do Sistema Penitenciário Brasileiro Contemporâneo - O Caso
RDD (Regime Disciplinar Diferenciado)
Christiane Russomano Freire
ƒƒ
36. Efeitos da Internação sobre a Psicodinâmica de Adolescentes Autores de Ato
Infracional
Sirlei Fátima Tavares Alves
ƒƒ
37. Confisco Penal: Alternativa à Prisão e Aplicação aos Delitos Econômicos
Alceu Corrêa Junior
ƒƒ
38. A Ponderação de Interesses em Matéria de Prova no Processo Penal
Fabiana Lemes Zamalloa do Prado
ƒƒ
39. O Trabalho Policial: Estudo da Polícia Civil no Estado do Rio Grande do Sul
Acácia Maria Maduro Hagen
ƒƒ
40. História da Justiça Penal no Brasil: Pesquisas e Análises
Organizador: Andrei Koemer
ƒƒ

323
41. Formação da Prova no Jogo Processo Penal: O Atuar dos Sujeitos e a
Construção da Sentença
Natalie Ribeiro Pletsch
ƒƒ
42. Flagrante e Prisão Provisória em Casos de Furto: Da Presunção de Inocência
à Antecipação de Pena
Fabiana Costa Oliveira Barreto
ƒƒ
43. O Discurso do Telejornalismo de Referência: Criminalidade Violenta e
Controle Punitivo
Marco Antonio Carvalho Natalino
ƒƒ
44. Bases Teóricas da Ciência Penal Contemporânea - Dogmática, Missão do
Direito Penal e Polícia Criminal na Sociedade de Risco
Cláudio do Prado Amaral
ƒƒ
45. A Seletividade do Sistema Penal na Jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça: O Trancamento da Criminalização Secundária por Decisões em
Habeas Corpus
Marina Quezado Grosner
ƒƒ
46. A Capitalização do Tempo Social na Prisão: A Remição no Contexto das
Lutas de Temporalização na Pena Privativa de Liberdade
Luiz Antônio Bogo Chies
ƒƒ
47. Crimes Ambientais à luz do conceito de bem jurídico-penal: (des)
criminalização, redação típica e (in)ofensividade
Guilherme Gouvêa de Figueiredo
ƒƒ
48. Um estudo dialógico sobre institucionalização e subjetivação de adolescentes
em uma casa de semiliberdade
Tatiana Yokoy de Souza
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49. Policiando a Polícia: A Corregedoria-Geral de Polícia Civil do Rio Grande do
Sul (1999-2004)
Saulo Bueno Marimon
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50. Repressão Penal da Greve - Uma experiência antidemocrática
Christiano Fragoso
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51. O Caos Ressurgirá da Ordem
Marcos Paulo Pedrosa Costa
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52. Justiça Restaurativa: da Teoria à Prática
Raffaella da Porciuncula Pallamolla
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53. Lei, Cotidiano e Cidade
Luís Antônio Francisco de Souza
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54. A Recusa das grades
Eda Maria Góes
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55. O Crime de Tortura e a Justiça Criminal
Maria Gorete Marques de Jesus
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56. Súmula Vinculante em Matéria Criminal
Diogo Tebet
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57. Crime e Congresso Nacional: uma análise da política criminal aprovada de
1989 a 2006
Marcelo da Silveira Campos
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58. DELITO Y POBREZA: espacios de intersección entre la política criminal y
la política social argentina en la primera década del nuevo siglo
Emilio Jorge Ayos
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59. Criminalização e Seleção no Sistema Judiciário Penal
Oscar Mellim Filho
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60. Solidariedade e Gregarismo nas Facções Criminosas
Bruno Shimizu
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61. Concurso de agentes nos delitos especiais
Mariana Tranchesi Ortiz
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62. Entre as Leis da Ciência, do Estado e de Deus
Bruna Angotti
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63. A LUTA E A LIDA: estudo do controle social do MST nos acampamentos e
assentamentos de reforma agrária
Franciele Silva Cardoso
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64. Entre bens jurídicos e deveres normativos: um estudo sobre os fundamentos do
Direito Penal contemporâneo
Yuri Corrêa da Luz
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65. Hassemer e o Direito Penal Brasileiro: Direito de Intervenção, Sanção Penal e
Administrativa
Ana Carolina Carlos de Oliveira
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66. Drogas: uma nova perspectiva
Organizador: Sérgio Salomão Shecaira
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67. Vidas em jogo: um estudo sobre mulheres envolvidas com o tráfico de drogas
Sintia Soares Helpes
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68. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos
espaços de consenso no processo penal brasileiro
Vinicius Gomes de Vasconcellos
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Coleção de Monografias Digitais


• A desconstrução da criminalidade feminina
Karla Tayumi Ishiy

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Para apresentação e publicação
de textos de Monografias – IBCCRIM

Com o objetivo de difundir amplamente o conhecimento no


campo das ciências criminais, o IBCCRIM vem publicando, desde
1997, monografias científicas, com obras de reconhecido valor, muitas
delas fruto de dissertações de mestrado e doutorado, produzidas em
renomadas universidades brasileiras e estrangeiras.
Com a iniciativa, procura-se dar divulgação a trabalhos
destacadamente interdisciplinares de inegável qualidade científica,
que encontram nessa coleção o espaço merecido, muitas vezes não
proporcionado pelo mercado editorial. Os trabalhos recebidos pela
Comissão Julgadora serão, preferencialmente, aqueles resultantes de
dissertações de mestrado e teses de doutorado, cuja temática se inscreva
nas áreas relacionadas às ciências criminais (direito, criminologia,
sociologia, antropologia, ciência política, psicologia, história, serviço
social, entre outras). Os trabalhos resultantes de monografias de
conclusão de cursos de graduação não serão aceitos.
Os autores que desejarem submeter seus trabalhos à avaliação
deverão fazê-lo no período regular de inscrições do Concurso anual, a ser
divulgado em momento oportuno, não olvidando a rigorosa observância
das normas do edital do certame.
Eventuais dúvidas poderão ser dirimidas por meio do endereço
eletrônico: concursodemonografia@ibccrim.org.br.

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