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Revista Brasileira de

ISSN 1517-5545 Terapia Comportamental


2004, Vol. VI, nº 1, 081-092 e Cognitiva

Intervenção Cognitivo-comportamental em Transtorno


de Personalidade Dependente: Relato de Caso
Cognitive Behavior Therapy for Dependent
Personality Disorder: a Case Report
Carla Rodrigues Zanin1
Hospital de Base de São José do Rio Preto, S.P.
Nelson Iguimar Valerio2
FAMERP

Resumo

Este estudo tem como objetivo demonstrar o impacto da intervenção cognitivo-comportamental


na redução das queixas características do Transtorno de Personalidade Dependente (TPD). Foi
sujeito uma universitária de 24 anos, submetida a 28 sessões, utilizando Entrevistas, Critérios
Diagnósticos para TPD, Inventário Beck de Depressão e Inventário de Ansiedade Traço-Estado, e
para intervenção, estratégias e técnicas cognitivo comportamentais. Foram abordadas queixas
específicas e prioritárias, histórico de vida e familiar, plano de tratamento e motivação, discussão
de crenças disfuncionais acerca do diagnóstico, aquisição de estratégias de enfrentamento e treino
de autonomia. Os principais resultados demonstraram redução significativa das queixas
características do TPD e sintomas de depressão, e aquisição de repertório comportamental e
cognitivo para um melhor funcionamento biopsicossocial. Os dados obtidos foram compatíveis
com a literatura acerca da comorbidade entre TPD, depressão, ansiedade e o impacto positivo da
intervenção cognitivo-comportamental.

Palavras-Chave: intervenção cognitivo-comportamental; transtorno de personalidade


dependente; depressão, ansiedade.

Abstract

This paper reports a case of Dependent Personality Disorder (DPD) treated with Cognitive-
Behavior Therapy (CBT). A 24 years old female college student was treated with 24 sessions of CBT,
which included the use of interviews, the Beck Depression Inventory, the Trait State Anxiety
Inventory and CBT techniques. The patient's main complaints, history, data about family
functioning, treatment plans and patients motivation regarding treatment, dysfunctional beliefs
about diagnosis, coping strategies and autonomy training were discussed during treatment. The
main results of the treatment were an important reduction on DPD and depression symptoms, and
the development of a behavioral and cognitive repertoire which improved her psychosocial
functioning. The use of CBT on the management of DPD, the comorbidity of DPD and depression e
the positive results of the treatment support the current literature about the problem.

Key words: Cognitive Behavior Therapy; Dependent Personality Disorder; Depression, anxiety.

1Especialistaem Terapia Cognitivo Comportamental, Psicóloga Supervisora do Curso de Aprimoramento em Psicologia da Saúde do
Hospital de Base de São José do Rio Preto, S.P - Rua Padre Ernesto, nº 2217, Bairro Centro, Mirassol, S.P. CEP 15 130 000.
2Doutor pela PUC Campinas, Psicólogo Supervisor do Curso de Aprimoramento em Psicologia da Saúde do Hospital de Base de São
José do Rio Preto, S.P. Docente dos Cursos de Graduação e Pós-graduação da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - Rua
Doutor Laércio Covizzi, 175, Jardim Morumbi, São José do Rio Preto, S.P. CEP 15 090 210.

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Inúmeros estudos estão sendo realizados na Está entre os mais comuns na prática clínica,
área dos Transtornos de Personalidade. diagnosticado mais freqüentemente em
Entretanto, são considerados recentes com mulheres. Entretanto, alguns estudos usando
início na década de 80 (Tyrer, Casey e avaliações estruturadas relatam taxas
Ferguson, 1991; Ventura, 1998). similares de prevalência entre homens e
Personalidade é a relação entre temperamento mulheres (Abuchaim e Abuchaim, 2001; APA,
e caráter, envolve as características emocio- 2002; Ventura, 1998). Este transtorno tem
nais e de comportamentos de um indivíduo, início precoce, um curso crônico e está pre-
além dos aspectos orgânicos. Quando as sente em uma variedade de contextos (APA,
características de personalidade causam 2002).
problemas de adaptação, acarretando Especificamente, os indivíduos com TPD têm
sofrimento ao paciente e/ou às pessoas de sua como característica essencial uma necessi-
convivência, pode-se pensar em Transtorno dade global e excessiva de ser cuidado,
de Personalidade (Abuchaim e Abuchaim, desencadeando um comportamento sub-
2001; American Psychiatric Association, 2002; misso e aderente e ao medo da separação.
Abuchaim e Abuchaim, 2001; Atkinson, Segundo Beck e Freeman (1993), compor-
Atkinson, Smith e Bem, 1995). tamentos dependentes e submissos visam a
Indivíduos com transtornos de personalidade obter atenção e cuidados e surgem de uma
geralmente apresentam esquemas não- percepção de si como incapaz de funcionar
adaptativos e inflexíveis, uma vez que são adequadamente sem o auxílio de outras
mantidos cognitivamente por meio dos pessoas.
processos descritos por Beck (1993), tais como Indivíduos com TPD têm grandes dificul-
distorções cognitivas. Além disso, apre- dades em tomar decisões corriqueiras sem
sentam uma incapacidade de discriminar suas uma quantidade excessiva de conselhos e
próprias percepções das percepções dos reasseguramento da parte dos outros; tendem
outros (APA, 2002; Ventura, 1998). Entretanto, a ser passivos e a permitir que outras pessoas
aqueles com algum transtorno de perso- tomem iniciativas e assumam a responsa-
nalidade, como o Evitativo, Dependente ou bilidade pela maioria das áreas importantes
Obsessivo-Compulsivo, geralmente têm de suas vidas. Esta necessidade de que os
consciência das suas dificuldades, são outros assumam a responsabilidade extrapola
ansiosos e estão constantemente preocupados os pedidos de auxílio adequados à idade e à
com a aceitação por parte do terapeuta situação (p. ex.: as necessidades específicas de
(Ventura, 1998), o que pode facilitar o crianças, pessoas idosas e pessoas deficientes).
processo de tratamento. Além disso, temem perder apoio ou
De acordo com a APA (2002), os transtornos aprovação, e por este motivo, apresentam difi-
de personalidade estão classificados no Eixo II culdades em expressar discordância de outras
e compreendem os Transtornos de pessoas, especialmente àquelas das quais
Personalidade Paranóide, Esquizóide, dependem (Abuchaim e Abuchaim, 2001;
Esquizotípica, Anti-Social, Borderline, His- APA, 2002; Beck e Freeman, 1993; Bornstein,
triônica, Narcisista, Evitativo, Depen-dente, 1998).
Obsessivo-Compulsiva e Sem Outra Espe- Apresentam ainda, dificuldades em iniciar
cificação. Dentre estes, o Transtorno de projetos ou de atuarem sozinhos em
Personalidade Dependente (TPD), foco de determinadas situações, de maneira inde-
atenção deste estudo, é definido “como um pendente. Geralmente, esperam que os outros
padrão de comportamento submisso e iniciem suas tarefas, por acreditarem que estes
aderente, relacionado a uma necessidade sempre farão melhor. Entretanto, tendem a
excessiva de proteção e cuidados” (p.593). funcionar adequadamente quando recebem a

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garantia de que terão supervisão e aprovação separação. Este transtorno manifesta-se no


de outra pessoa e podem ter medo de parecer início da idade adulta e pelo menos cinco dos
ou tornar-se mais competentes, por acreditar seguintes sintomas devem estar presentes em
que isto o levará ao abandono. Como confiam uma ampla gama de contextos: 1. dificuldade
nos outros para a solução de seus problemas, para tomar decisões sem reasseguramento de
freqüentemente não apren-dem as outros; 2. necessidade de que outros assumam
habilidades para um funcionamento responsabilidade por importantes aspectos de
independente; desta forma, perpetuam a sua vida; 3. dificuldade para discordar por
dependência. Isso pode levar os indivíduos medo de perda de aprovação; 4. falta de
com TPD a extremos para obterem carinho e iniciativa para realizar projetos associada à
apoio, chegando a ponto de se oferecerem falta de auto-confiança; 5. realização de atos
para realizar tarefas desagradáveis, se este extremos com o objetivo de obter carinho; 6.
comportamento for capaz de trazer-lhes os temor exagerado de ser incapaz de cuidar de si
cuidados de que necessitam. Essas tarefas, no mesmo; 7. frente à quebra de um relacio-
entanto, podem muitas vezes, ser exigências namento íntimo, busca urgentemente uma
irracionais, o que pode até mesmo, resultar em substituição; 8. preocupação irreal com a
relacionamentos desequilibrados ou distor- possibilidade de ser abandonado à própria
cidos; isto pode implicar em sacrifícios sorte.
extraordinários ou tolerar abuso verbal, físico Assim, as cognições mais marcantes nos
ou sexual (APA, 2002). indivíduos com Transtorno de Personalidade
Indivíduos com este transtorno sentem Dependente são referentes à baixa auto-
desconforto ou desamparo quando estão estima, abandono e medo de errar; geral-
sozinhos, pelo medo exagerado de serem mente, referem-se a si mesmos como sendo
incapazes de cuidar de si próprios. Muitas incapazes de fazer qualquer coisa sozinhos.
vezes, podem “ficar colados” diante de Do ponto de vista comportamental, a falta de
pessoas que possam ser consideradas iniciativa é marcante e não percebem os
importantes em suas vidas apenas para não prejuízos que este comportamento pode
ficarem sós, mesmo que não tenham interesse acarretar na vida (Safran e MacMain, 1992;
ou envolvimento no que está acontecendo. Ventura, 1998).
Quando um relacionamento significativo O comportamento dependente deve ser
termina, esses indivíduos podem sair considerado característico do transtorno
urgentemente em busca de outro relaciona- apenas quando nitidamente excede as normas
mento que ofereça cuidados e o apoio de que culturais do indivíduo ou reflete preocupa-
necessitam. A crença na incapacidade de ções irrealistas.
funcionar na ausência de um relacionamento Faz-se importante considerar que o TPD deve
íntimo motiva-os a se envolverem rápida e ser diferenciado da dependência que surge
indiscriminadamente com outra pessoa. Em como conseqüência de transtornos do Eixo I,
geral, preocupam-se excessivamente em ser como Transtornos do Humor, Transtorno de
abandonados, mesmo quando não há Pânico e Agorafobia, e em decorrência de
justificativas para os temores, e quando esses condições médicas gerais.
são excessivos e irrealistas (APA, 2002; Outros Transtornos de Personalidade podem
Birtchenell, 1988). ser confundidos com o TPD por terem alguns
O diagnóstico do Transtorno da Personali- aspectos em comum, diferenciando-os,
dade Dependente, de acordo com o DSM-IV- apenas, em função de algumas características.
TM
TR (APA, 2002), inclui excessiva necessi- Entretanto, se um indivíduo apresenta
dade de ser cuidado, acarretando comporta- características de personalidade que satis-
mento de submissão, aderência e temores de fazem os critérios para um ou mais

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Transtornos de Personalidade além do TPD, Sem Outra Especificação (APA, 2002).


todos podem ser diagnosticados. Um dos Torna-se importante ressaltar, que os
motivos pelos quais é importante fazer o indivíduos que preenchem critérios para TPD
diagnóstico diferencial, diz respeito ao tendem a apresentar crenças básicas como
aspecto de dependência, por ser uma “Eu não consigo sobreviver sem alguém que
característica comum entre eles. Tanto o TPD tome conta de mim”, “Eu sou inadequado
quanto o Transtorno de Personalidade demais para enfrentar a vida sozinho”, “Se eu
Borderline (TPB) caracterizam-se pelo medo do fosse mais independente, ficaria isolada e só”
abandono. Indivíduos com TPB reagem ao e “Independência significa estar completa-
abandono com sentimentos de vazio mente só”.
emocional, raiva e exigências, além de Assim, a principal distorção cognitiva do TPD
apresentarem um padrão típico de relaciona- é o pensamento dicotômico com respeito à
mentos instáveis e intensos, ao passo que os independência. Os indivíduos acreditam que,
indivíduos com TPD reagem com humildade ou se é completamente indefeso e dependente,
e submissão e buscam urgentemente um ou então totalmente independente e só, sem
relacionamento substituto, que ofereça graduações intermediárias. Apresentam
atenção e apoio. Indivíduos com Transtorno também, pensamento dicotômico em relação
de Personalidade Histriônica (TPH) e TPD às suas capacidades: ou fazem as coisas
têm uma forte necessidade de conforto e “certo”, ou são completamente “errados”;
aprovação, podendo parecer infantis e deste modo, se não se vêem como sendo
demasiadamente apegados. Entretanto, capazes de funcionar adequadamente,
aqueles com TPH, caracterizam-se por uma concluem geralmente que são completamente
exuberância, com exigência ativa de atenção, errados, incapazes, ou um fracasso total.
enquanto que os indivíduos com TPD Tendem ainda, a apresentar a distorção
caracterizam-se por uma auto-anulação e cognitiva de “catastrofizar”, especialmente no
comportamento dócil. Transtorno de Persona- caso da perda de um relacionamento, onde
lidade Esquiva (TPE) e TPD caracterizam-se desenvolvem pensamentos negativos muito
por sentimentos de inadequação, hipersen- além do nível normal de preocupação (Beck e
sibilidade às críticas e necessidade de Freeman, 1993; Ventura, 1998).
reasseguramento; contudo, indivíduos com Dentre as variáveis encontradas no paciente
TPE têm medo excessivo da humilhação e com TPD, a associação com sintomas de
rejeição, e apresentam comportamento de depressão e ansiedade é a mais freqüen-
retraimento até sentirem-se aceitos. Já os temente observada (Barnett e Gotlib, 1990;
indivíduos com TPD têm um padrão de busca Beck e Freeman, 1993; Livesley, Schroeder e
e manutenção de conexões com outras Jackson, 1991; Overholser, 1996), além de
pessoas que lhes são importantes, em vez de outros problemas comumente apresentados
evitarem e se absterem de relacionamentos. como, queixas somáticas, variando desde
Além dos transtornos já citados, o TPD deve sintomas conversivos até hipocondria e
ser diferenciado de uma Alteração da transtorno de somatização, doenças orgâni-
Personalidade Devido a uma Condição cas, alcoolismo e abuso de substâncias
Médica Geral, na qual os traços emergem em psicoativas (Alnaes e Torgersen, 1991; Beck e
decorrência dos efeitos diretos de uma Freeman, 1993; Ventura, 1998).
condição médica geral sobre o sistema Esses indivíduos apresentam ainda, uma série
nervoso central. Deve, ainda, ser diferenciado de prejuízos em vários aspectos de suas vidas,
de sintomas que se podem desenvolver em e muitas vezes, verifica-se associação com
associação com o uso crônico de substâncias, outros transtornos, como Depressão. Aborda-
como o Transtorno Relacionado à Cocaína gem diretiva e orientada para queixas

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específicas e prioritárias, como a abordagem significativas para aumentar sua autocon-


cognitivo-comportamental, pode ser bastante fiança e senso de auto-eficácia em todos os
eficaz, uma vez que alguns transtornos apre- aspectos da vida (Beck e Freeman, 1993).
sentam implicações cognitivas e compor- Para estes fins, pesquisas enfatizam a
tamentais (Beck e Freeman, 1993; Livesley, utilização de estratégias e técnicas cognitivo-
Schroeder e Jackson, 1991; Overholser, 1996; comportamentais, como treino de assertivi-
Overholser e Fine, 1994;). dade (resposta social apropriada para as
Geralmente, esses indivíduos são pouco situações, envolvendo expressão direta,
motivados para tratamento, sendo que os honesta e adequada de sentimentos e
traços de caráter pouco geram sofrimento pensamentos) (Rangé, Gorayeb, Lettner,
para si mesmos, mas perturbam suas relações Oliveira, Souza, Conceição e Poser 1998),
com outras pessoas. Por este motivo, treino de habilidade social (desenvolvimento
familiares e amigos têm papel fundamental no de um repertório novo e mais aceito
incentivo à busca de ajuda (Abuchaim e socialmente que vai capacitá-lo a influenciar
Abuchaim, 2001). seu ambiente social, em seu esforço para
No entanto, estudos mostram que indivíduos alcançar metas específicas) (Overholser, 1996;
com TPD procuram terapia com queixa de Rangé, Gorayeb, Lettner, Oliveira, Souza,
depressão, ansiedade de separação, trans- Conceição e Poser 1998), orientações
torno do pânico e sintomas somáticos; por este familiares (Head, Baker e Williamson, 1991),
motivo, avaliação psicológica e diagnóstico relaxamento, reestruturação cognitiva e
diferencial devem ser realizados, fundamen- ensaio comportamental, para uma melhor
talmente. Assim, o objetivo básico do evolução no tratamento de indivíduos com
tratamento do paciente é proporcionar maior TPD (Beck e Freeman, 1993; Overholser e Fine,
autonomia (Ventura, 1998); especialistas da 1994; Safran e McMain, 1992). No entanto, a
área confirmam esses dados mostrando que a realização de estudos cada vez mais recentes
abordagem de tratamento deve basicamente na área acerca da eficácia da abordagem
estar voltada ao desenvolvimento da cognitivo-comportamental no tratamento dos
autonomia, que “tem sido descrita como a pacientes com TPD são fundamentais para a
capacidade de agir independentemente dos confirmação destes dados e para programas
outros, sendo ao mesmo tempo capaz de de tratamento adequados baseados em
desenvolver relacionamentos próximos e estudos empíricos e científicos.
íntimos” (Britchnell, 1984, p. 225). Neste sentido, o presente trabalho teve como
A partir do momento que a questão da objetivo demonstrar o impacto da intervenção
dependência for estabelecida, o terapeuta cognitivo-comportamental na redução das
deve utilizar o questionamento socrático para queixas características do Transtorno de
estimulá-lo a discutir de forma participativa Personalidade Dependente, em uma paciente
suas dificuldades. O paciente deve ainda ser atendida no Serviço de Orientação Psicopeda-
estimulado a apresentar temas a serem gógica a Alunos (SOPPA), de uma Faculdade
discutidos na sessão, sendo o aspecto de Medicina de uma cidade de médio porte do
fundamental da terapia - a autonomia - interior do Estado de São Paulo.
abordada, construindo-se uma hierarquia de
decisões a serem tomadas independen- Metodologia de Atuação
temente, praticando-as durante as sessões
para o desenvolvimento de sentimentos de Para atingir o objetivo proposto, foi delineado
autoconfiança e para a identificação de o percurso metodológico envolvendo sujeito
pensamentos automáticos (Ventura, 1998). do estudo, material e procedimento utilizado
Além disso, o paciente deve aprender conforme se seguem.
gradualmente a separar-se de outras pessoas
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Sujeito família em situações diárias; medo de não ser


aceita; poucas amigas.
Será relatado o caso de uma jovem univer- História familiar: relacionamento conjugal
sitária, sexo feminino, 24 anos, filha mais nova dos pais estável (embora a mãe tomasse
de uma família de classe média, atendida no sempre as decisões); funcionamento biopsi-
Serviço de Orientação Psico-Pedagógica a cossocial dos irmãos normal; pai muito
Alunos (SOPPA), da Faculdade de Medicina passivo e mãe excessivamente atenciosa e
de uma cidade de médio porte do interior do ativa na relação conjugal, profissional e
Estado de São Paulo, com diagnóstico de familiar. Pai apresentou uma história de
Transtorno de Personalidade Dependente. Depressão há alguns anos atrás; o que,
Queixa principal: sintomas de ansiedade em segundo a paciente, foi importante para ela
situações sociais e quando sozinha; baixa identificar sintomas parecidos na sua história
auto-estima, angústia intensa quando se atual.
sentia só; solicitação de amigas para quase
todas as atividades do dia-a-dia; necessidade Material e Procedimento
de falar constantemente sobre seus proble-
mas; preocupação excessiva com desem- Para avaliação e intervenção, foram utilizados
penho em atividades diárias e escolares; os seguintes instrumentos: Entrevista Semi-
necessidade irracional em descul-par-se; dirigida; Critérios Diagnósticos para Trans-
pensamentos persecutórios (acreditava que as torno de Personalidade Dependente (APA,
pessoas falavam mal dela); solicitação do 1994); Inventário Beck de Depressão (BDI)
namorado e mãe todos os dias, várias vezes, (Beck, Steer e Garbin, 1988) e Inventário de
pelo telefone para reassegurar que gostavam Ansiedade Traço-Estado (IDATE)
dela; dificuldade de adaptação à cidade e (Spielberger, Gorsuch e Lushene, 1979).
dificuldades com amiga da república. A paciente procurou espontaneamente o
História de vida: nunca brincava sozinha Serviço de Orientação Psico-Pedagógica ao
quando criança a mãe ou alguma amiga Aluno (SOPPA) para atendimento. Foram
sempre participavam; gagueira leve desde os realizadas 28 sessões de abordagem
11 anos; sempre foi uma das primeiras alunas cognitivo-comportamental semanais com
da classe e a mãe enfatizava isso para as duração de 50 minutos cada. O procedimento
amigas e familiares; teve um único namorado, incluiu avaliação inicial, intervenção,
com quem está até hoje; ansiosa em situações avaliação final e follow up. Foram utilizadas
sociais (quase nunca lia textos em público, estratégias e técnicas como registro de
quando a professora pedia, pois tinha medo pensamentos disfuncionais, reestruturação
de gaguejar); baixa auto-estima, sintomas de cognitiva, relaxamento, treino de assertivi-
desvalia e depressivos; fez cinco anos de dade, treino em habilidade social, exposição e
cursinho até entrar na faculdade; esquivava- prevenção de resposta, ensaio comportamen-
se sempre em situações de decisões (mãe tal, envolvendo role playing e treino para
sempre tomava a frente em todas as situações autonomia (Quadro 1).
e com todos os membros da família);
ansiedade em situações novas; necessidade da

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Quadro 1. Estruturação das Sessões Terapêuticas.


Sessão Procedimento
1ª a 5ª Entrevista; Beck Depressão; Critérios para TPD; IDATE; Vínculo; Histórico
Avaliação de vi da e familiar; Obtenção de dados; Discussão de queixas específicas e
Inicial prioritárias; Plano e motivação para o tratamento.
6ª Verificação de sintomas de depressão (Beck).
Intervenção Discussão do diagnóstico de TPD, dos sintomas de depressão e ansiedade;
Reestruturação cognitiva: crenças automáticas associadas ao diagnóstico;
Importância das tarefas de casa; Cooperação da paciente na psicoterapia.
7ª a 20ª Verificação mensal de sintomas de depressão (Beck).
Intervenção Registro de pensamentos disfuncionais: identificação de pensamentos
automáticos (incompetência), sentimentos (tristeza) e comportamentos
(ligar para o namorado e reassegurar que gosta dela).
Reestruturação cognitiva: crença de incapacidade, incompetência.
Relaxamento: sintomas de ansiedade acerca da crença central
(incompetência) e situações sociais.
Treino de assertividade: adequação de pedidos de desculpas, solicitação
favores e expressão de sentimentos positivos e negativos, adequadamente.
Treino em habilidade social: reestruturação de crenç as sobre incapacidade
de iniciar ou manter diálogo e pensamentos persecutórios de não ser aceita;
assertividade; ensaio comportamental.
Exposição e prevenção de resposta: realização de atividades do dia -a-dia
sem reasseguramento de outras pessoas; ensaio c omportamental.
Treino para autonomia: discussão sobre conceito de independência e
autonomia; reestruturação de crenças acerca da necessidade de autonomia;
motivação para novos alvos terapêuticos direcionados pela cliente.
Feedback positivo do terapeuta para cliente.
Orientações específicas com mãe e namorado referentes à conduta frente a
superproteções.
20ª a 28ª Checagem de novo repertório cognitivo e comportamental.
Intervenção Feedback da cliente sobre o processo terapêutico.
Treino para autonomia; manutenção do novo repertório aprendido.
Resumo final acerca da evolução do tratamento.
29ª a 37ª Verificação das queixas características de TPD, por meio dos Critérios
Avaliação Diagnósticos do DSM -IV-R; sintomas de depressão, por meio do Inventário
Final Beck de Depressão; sintomas de ansiedade, por meio do IDATE.
Feedback positivo do terapeuta acerca da redução das queixas e sintomas
apresentados.
Follow up Reestruturação Cognitiva: situações relacionadas à exposição em sala de
aula.
Relaxamento Progressivo: diminuir os sintomas fisiológicos de ansiedade.
Treino para autonomia: estabelecimento de tarefas (autonomia) relacionadas
às atividades diárias e específicas associadas à mãe e ao namorado.
Checagem de repertórios cognitivos e comportamentais.

Resultados e Discussão Transtorno de Personalidade Dependente em


associação com sintomas significativos de
Para uma melhor compreensão, os resultados depressão e de ansiedade. Os sintomas de
serão didaticamente divididos em etapas, depressão apresentados no BDI (20 pontos),
conforme se apresentam: 1) Avaliação Inicial; indicaram uma classificação moderada
2) Intervenção; 3) Avaliação Final e 4) Follow (Figura 1). A avaliação de sintomas de
up. ansiedade, no período pré-intervenção, por
meio do IDATE, mostrou Estado (53%) e
1) Avaliação Inicial Traço (99%) considerados acima das médias,
Nesta etapa, foi confirmado o diagnóstico de principalmente para características estáveis
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6
Sintomas
da personalidade (Figura 3). 5 4 4 4 Cognitivos
Na entrevista inicial, a paciente demonstrou 4
Sintomas
3 2
algumas verbalizações sobre seu estado 2 1
Somáticos
1
psicológico: 1
0
- ... todo momento acredito que estão falando mal Mínimo 8 pontos - 5º Mínimo 5 pontos - 7º Mínimo 3 pontos - 9º
de mim. e 6º Mês e 8º Mês e 10º Mês

- Sou incapaz porque não consigo resolver meus Figura 2. Freqüência bimestral de sintomas
problemas sozinha. de depressão.
- Se não fizer tudo pelas pessoas, elas não vão
gostar de mim... Para avaliação dos dados cognitivos e afeti-
- Sou chata e ninguém gosta de mim. vos, foi utilizado o Diagrama de Concei-
- ...estou sempre atrapalhando as pessoas. tualização Cognitiva (Quadro 2). Os dados
- Sou dependente, chorona e chata. observados no diagrama mostraram que a
Relatou ainda, sentimentos associados a estas paciente apresentou comportamentos
verbalizações como: incapacidade, desvalia, inadequados de brigas, dependência e
insegurança, culpa, dependência, insatisfa- esquiva, baseados na sua percepção
ção, angústia, solidão e pessimismo. De distorcida acerca de situações de insegurança
acordo com os dados obtidos nos instrumen- em relação ao aspecto social e relaciona-
tos de avaliação psicológica e verbalizações, mentos afetivo e interpessoal. Esta interpre-
pode-se constatar um prejuízo significativo no tação passou a ter um significado de
funcionamento biopsicossocial. incompetência e baixa auto-estima para a
paciente, o que motivou sentimentos de
16 14
14
solidão, tristeza, ansiedade e desvalia. Frente
Sintomas
12
10
10
Cognitivos a isso, toda vez que solicita as amigas para
8 6 5 Sintomas alguma atividade e estas não podem ou não
6 Somáticos
3 3 querem, quando o namorado e a mãe não
4
2
0 podem dar a atenção que ela deseja ou quando
Moderado - 20
pontos - 1º Mês
Leve - 13 pontos
- 2º Mês
Mínimo - 8
pontos - 3º Mês
se depara com situações de exposição, tais
pensamentos e sentimentos são ativados.
Figura 1. Frequência mensal de sintomas de O processo cognitivo disfuncional da paciente
depressão. demonstra estar relacionado com a sua
história de vida, desenvolvimento de suas
2) Intervenção crenças centrais (sou incapaz...; não consigo fazer
Durante o processo psicoterapêutico, acerca nada sozinha; ...não sou amada...), e suas
dos sintomas de depressão, os resultados estratégias compensatórias: solicitar a mãe e o
obtidos no BDI indicaram, para o segundo namorado para reassegurar que gostam dela;
mês, sintomas de depressão classificados fazer tudo que as pessoas pedem; exigir-se
como leves (13 pontos) e para o terceiro mês, acerca do desempenho em todas as atividades
sintomas mínimos (8 pontos), conforme diárias; solicitar as pessoas significativas para
verificação na Figura 1. o enfrentamento de dificuldades; e esquivar-
Resultados da avaliação bimestral de se em situações sociais e de desempenho.
sintomas de depressão indicaram sintomas De acordo com estes dados, Beck (1997),
mínimos: oito pontos para o quinto e sexto considera a necessidade da identificação dos
meses, cinco pontos para o sétimo e oitavo pensamentos automáticos, emoções e
meses e três pontos para nono e décimo comportamentos disfuncionais e checagem da
meses, respectivamente (Figura 2). realidade para a formulação de novo
repertório cognitivo e comportamental acerca

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Intervenção Cognitivo-comportamental em Transtorno de Personalidade Dependente

da dependência e redução de sintomas de freqüente durante o processo psicotera-


ansiedade e depressão. pêutico, mãe e namorado foram abordados
Abordagem específica de orientação junto a pelo telefone. Estas orientações, mesmo que
familiares ocorreu com a mãe e o namorado e limitadas, demonstraram-se relevantes no
constituiu-se em informações e esclareci- sentido de que a conduta destes diante de
mentos acerca das condutas para evitar solicitações e exigências da paciente puderam
superproteções e também sobre tomadas de ser modificadas, evitando reforçadores para
decisão que deveriam ser realizadas pela comportamentos inadequados e assim, possi-
própria paciente. Dado que a disponibilidade bilitando o condicionamento de novo reper-
e a distância não permitiam um contato mais tório na relação de dependência.
Quadro 2. Diagrama de Conceitualização Cognitiva e Afetiva
HISTÓRIA DE VIDA
Mãe excessivamente atenciosa com os filhos e marido, e ativa no contexto familiar; Pai passivo;
Necessidade da família em situações diárias; Medo de não ser aceita; Muito estudiosa; Poucas amigas.

DADOS RELEVANTES NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA


Gagueira desde os 11 anos; Baixa auto - estima; Solicitação de amigas para quase todas as
atividades.

CRENÇAS CENTRAIS
Eu sou incapaz; Não consigo fazer nada sozinha; Não sou amada.

ESTRATÉGIAS COMPENSATÓRIAS
Solicitar mãe e namorado para reassegurar que gostam dela; Fazer tudo que as pessoas pedem;
Exigência acerca do desempenho em todas atividades diárias; Esquivar-se em situações sociais e
de desempenho; Solicitar às pessoas significativas para o enfrentamento de dificuldades.

SITUAÇÃO 1 SITUAÇÃO 2 SITUAÇÃO 3


Solicitar pessoas significativas Telefonar para a mãe e o Não conseguir falar em
para todas atividades diárias namorado várias vezes ao dia público

PENSAMENTO
PENSAMENTO
AUTOMÁTICO PENSAMENTO
AUTOMÁTICO (P.A.)
Eles podem me esquecer AUTOMÁTICO
Sou incapaz porque não consigo
Preciso saber se eles Vão rir de mim
resolver meus problemas
realmente gostam de mim

SIGNIFICADO DO P.A. SIGNIFICADO DO P.A SIGNIFICADO DO P.A.


Sou chata e incompetente Sou estressada e carente Sou gaga e incompetente

EMOÇÃO EMOÇÃO EMOÇÃO


Solidão / Tristeza Ansiedade / Tristeza/ Angústia Ansiedade / Desvalia

COMPORTAMENTO COMPORTAMENTO
COMPORTAMENTO
Pede ajuda para solucionar Esquiva de falar em
Brigas com namorado e
problemas e reassegurar que é seminários na faculdade e
amigas
amada de situações sociais

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Carla Rodrigues Zanin - Nelson Iguimar Valerio

3) Avaliação Final para meu namorado e minha mãe. Percebi que


Na avaliação final, foi observada uma não adiantaria, além de que se eu fizesse isso,
diminuição significativa das queixas caracte- estaria reforçando meu comportamento
rísticas do Transtorno de Personalidade inadequado de solicitá-los para resolver meus
Dependente; redução dos sintomas de problemas (redução dos pensamentos e
depressão e de ansiedade. A redução dos comportamentos disfuncionais).
sintomas de depressão no BDI pode ser vista - Tenho que falar em um seminário e estou muito
na Figura 2, onde a paciente obteve três pontos ansiosa. Quase me desesperei. Então, pensei que
na última avaliação, enquanto que no IDATE, eu vou conseguir, afinal eu tenho capacidade
os sintomas de ansiedade na escala A-Estado para isso. Uma das estratégias que eu vou
(48%) encontrou-se abaixo da média e na utilizar é estudar e treinar bastante e pensar: eu
escala A-Traço (84%) manteve-se acima da sou capaz, eu sou capaz, eu sou capaz. Mas
média, porém, também apresentou redução mesmo assim, estou muito ansiosa (modifi-
(Figura 3). cação do pensamento e comportamento
disfuncional).
99%
100% 84%
80%
4) Follow up
53% Estado
60% 48% Neste período, foram estabelecidos com a
40%
Traço paciente, cinco encontros quinzenais e poste-
20%
0%
riormente quatro mensais, para a verificação e
Avaliação Inicial PRÉ- Avaliação Final PÓS- manutenção do humor, redução de ansiedade
INTERVENÇÃO INTERVENÇÃO
em situações de desempenho e sociais e
acompanhamento da generalização dos novos
Figura 3. Frequência de sintomas de ansie-
comportamentos aprendidos. Para este
dade na avaliação inicial e final (pré e pós propósito, foram utilizadas técnicas de
intervenção) reestruturação cognitiva a fim de discutir
algumas crenças disfuncionais presentes e
Além disso, foram verificadas ainda aquisição relacionadas à exposição em sala de aula;
de novo repertório cognitivo e comporta- relaxamento, com o intuito de reduzir
mental e estratégias de enfrentamento sintomas fisiológicos da ansiedade; treino
apropriadas para lidar com situações que para autonomia visando o estabelecimento de
ativassem as crenças disfuncionais de tarefas ligadas às atividades diárias e
incompetência, desamparo e de não ser específicas associadas à mãe e ao namorado; e
amada, conforme observados nas verbaliza- checagem de novos repertórios cognitivos e
ções adiante: comportamentais acerca da autonomia.
Desde o início do follow up, a paciente foi
Verbalizações preparada para o desligamento, recebendo
- Pedi para minha amiga estudar comigo esta feedbacks positivos acerca da sua melhora, o
tarde e ela disse que não poderia. Não fiz cara que proporcionou sentimentos de auto-
feia e nem briguei com ela como fazia antes eficácia e facilitação do funcionamento diário.
(modificação de comportamento). Pensei Foi estabelecido, ainda, que durante as sessões
que se ela não podia era porque tinha algum alternadas, a mesma poderia entrar em
compromisso importante e não que eu era uma contato com o terapeuta em caso de
companhia chata. Resolvi tentar estudar necessidade, o que ocorreu esporadicamente
sozinha. Foi bom, até consegui acabar o estudo somente nas primeiras semanas. A seguir, foi
antes do previsto. Talvez não seja tão incom- solicitado a ela um feedback sobre a sua
petente assim (modificação da crença evolução no tratamento e o período de
disfuncional). desligamento, para os quais, a paciente
- Não senti tanta ansiedade por medo de não demonstrou ter havido um impacto positivo.
conseguir estudar. Mas tive vontade de ligar

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Intervenção Cognitivo-comportamental em Transtorno de Personalidade Dependente

Conclusão ender melhor seu funcionamento psicológico,


bem como possibilitando o desenvolvimento
Pode-se observar, que situações de brigas de novo repertório cognitivo e compor-
constantes com o namorado e amigas, esquiva tamental e modificação das crenças centrais.
em situações sociais e de desempenho, podem Estes dados mostram que os resultados
ter sido o fator facilitador para a paciente obtidos neste estudo indicaram diminuição
buscar ajuda psicoterápica. Estas situações significativa das queixas características do
podem ter acontecido, uma vez que a mãe, Transtorno de Personalidade Dependente
namorado e amigas começaram a diminuir como: tomar decisões do dia-a-dia sem uma
comportamentos de superproteção, causado quantidade excessiva de conselhos e
pelo excesso de solicitações da mesma. Assim, reasseguramento da parte dos outros; assumir
tais situações parecem ter ativado ainda mais responsabilidades pelas principais áreas de
as crenças centrais de incompetência e de não sua vida; expressar discordância de outros;
ser amada, gerando conseqüências negativas fazer coisas por conta própria; pedir atenção
sobre suas emoções, e tornando um de maneira adequada, sem necessidade de
reforçador potencial para os comportamentos reasseguramentos; não fantasiar temores
inadequados. acerca de ser abandonada e conseguir
Durante a psicoterapia, a paciente passou a encontrar prazer em momentos que está só;
compreender essas dificuldades e a identificar redução significativa dos sintomas de
crenças e pensamentos disfuncionais que depressão e melhora dos sintomas de
prejudicavam os relacionamentos afetivo e ansiedade, principalmente a maneira
interpessoal. A técnica de reestruturação ansiógena (A-Traço) de lidar com situações e
cognitiva auxiliou-a no desenvolvimento de desenvolvimento de pensamentos e
novas crenças, o que propiciou a percepção comportamentos funcionalmente mais
positiva acerca de algumas situações onde adequados em relação às situações de
tenha ficado só e tivesse que ter resolvido seus desempenho, sociais e incompetência. O fato
problemas sem a ajuda de pessoas signifi- de a ansiedade (A-Traço) não ter cedido de
cativas; facilitou a discriminação dos senti- maneira significativa, pode ser devido às
mentos de pessoas em relação a ela; características de personalidade da paciente,
aprendizagem de comportamentos assertivos uma vez que estas não são tratáveis, mas
para manifestar seus desejos e aceitar o desejo podem ser conduzidas para um melhor uso.
dos outros (mãe, namorado e amigas) e Desta forma, a paciente pode funcionar com
propiciar o auto-reforçamento. Assim, cons- menos ansiedade em situações específicas
tataram-se ganhos terapêuticos por meio da consideradas ansiogênicas.
assertividade e reestruturação cognitiva como Após a alta, foi acompanhada (follow up) no
facilitadores de modificações de atitudes período de oito meses, e pode-se constatar a
baseadas no desenvolvimento de novas manutenção dos ganhos terapêuticos.
crenças. Entretanto, outros estudos são necessários em
Portanto, este estudo demonstrou que a pacientes com Transtorno de Personalidade
intervenção cognitivo-comportamental Dependente para avaliar a eficácia das
apresentou um impacto positivo no trata- intervenções psicológicas, e assim traçar
mento do Transtorno de Personalidade subsídios para programas efetivos de
Dependente e nos sintomas de depressão e tratamento.
ansiedade, auxiliando a paciente a compre-

Os autores agradecem à Profª Drª Maria Cristina O. S. Miyazaki pela colaboração em diferentes trechos do artigo.
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn. 2004, Vol. VI, nº 1, 081-092 091
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Psy II.

Recebido em: 02/05/04


Primeira decisão editorial em: 11/06/04
Versão final em: 20/06/04
Aceito em: 21/06/04

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