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SENTENÇA
1. RELATÓRIO
A denúncia de id: 4058312.20015316, imputou aos réus a suposta prática dos crimes tipificados
abaixo:
a) BRUNO HENRIQUE DA SILVA: artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº
11.343/06 (Tráfico Internacional de Drogas) e artigo 2º, §4°, V, da Lei n°12.850/13
(Organização Criminosa).
b) EDNALDO DE ARAÚJO CARNEIRO JÚNIOR: artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I,
ambos da Lei nº 11.343/06 (Tráfico Internacional de Drogas);
c) SÍLVIO RICARDO CORDEIRO DOS SANTOS: artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I,
ambos da Lei nº 11.343/06 (Tráfico Internacional de Drogas);
"Na tarde de 21/06/2019, servidores da Receita Federal apreenderam no Porto de Suape 699
(seiscentos e noventa e nove) tabletes de cocaína, totalizando 808,2 quilogramas, conforme Termo
de Apreensão nº 211/20191.
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do Norte e Pará;
Ademais, foram coletadas provas de que, na operação do Porto de Suape, SÍLVIO RICARDO
CORDEIRO DO SANTOS e EDNALDO DE ARAUJO CARNEIRO JUNIOR auxiliaram
intencionalmente o grupo criminoso tocando o negócio da exportação e realizando contatos
comerciais, movimentando dinheiro e formalizando o processo de exportação.
Cumpre, ainda, esclarecer que os recursos financeiros utilizados para a exportação que restou
frustrada pela atuação da Receita Federal tiveram origem numa tríade de empresas de São
Paulo/SP (MISSION TECH, TECH2GO e IN TOUCH MOBILE) de responsabilidade de
ZHANGJIE QIU, LILAN WU e XIUMEI MO, bem como em aporte de menor valor feito por
JONATHAN LUIZ DALL'AGNOLL.
Com efeito, tais empresas foram abertas em 24/05/2018 e baixadas entre 09/12/2019 e 13/12/2019.
Todas abriram contas com numeração muito próxima na mesma agência do Banco Bradesco e
duas delas, a MISSION TECH e a IN TOUCH, possuem endereço na Rua Comendador Afonso
Kherlakian, 80, em São Paulo/SP. Existem diversas comunicações ao COAF relacionadas às
referidas empresas.
Os recursos, por sua vez, foram transferidos para ANTÔNIO GABRIEL DE MOURA FERREIRA
(identidade falsa de ANTÔNIO VARELA FERNANDES SOBRINHO), AGROSHOW
EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS EIRELI e SILVIO R C DOS SANTOS ME - BITELLI
MÓVEIS. Ademais, foi constatado também que JONATHAN LUIZ DALL'AGNOL realizou aporte
de R$ 30.000,00 no dia 20/05/2019 na conta-corrente da AGROSHOW EMPREENDIMENTOS,
onde foram depositados os recursos que financiaram a operação de tráfico em investigação.
Narra também:
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"No que diz respeito especificamente à droga apreendida no Porto de Suape, SÍLVIO transferiu R$
30.000,00 da conta da BITELLI MÓVEIS para a BLUE COMEX, de EDNALDO, em 28/05/2019.
Documentos carreados ao IPL indicam que EDNALDO agendou três bookings na Mediterranean
Shipping Company - MSC29, um com data de 24/04/2019 e dois com data de 21/06/2019. A
aquisição das bananas, contudo, somente foi realizada entre os dias 11 e 12 de junho de 2019 na
CEASA.
MARCONE remeteu para a Polícia Federal as conversas que manteve com JESUS e EDNALDO
pelo WhatsApp. As conversas dão conta de que, em 13/06/2019, JESUS entrou em contato
MARCONE para realizar o frete das bananas. No mesmo dia, MARCONE entrou em contato com
EDNALDO e passou a tratar do assunto. Dali também se infere que JESUS foi quem orientou
MARCONE sobre o ponto de encontro dos caminhões da HM LOG com os contêineres vazios,
inclusive, informando que estava no Posto da BR-232 para recebê-los, a fim de fazer o
carregamento; e que EDNALDO foi demandado quanto às formalidades do transporte,
especialmente, nota fiscal e dados do booking.
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(...)De fato, verificou-se que, em razão do problemas da empresa BLUE COMEX junto ao Fisco
estadual, EDNALDO teve de recorrer a outra empresa para emissão das notas fiscais, solicitando
ao despachante ARNALDO DUBEUX que indicasse uma trading para figurar como exportadora
(...)
(...)A partir dos relatos acima, verifica-se que EDNALDO decidiu introduzir outra empresa na
operação apenas em 14/06, com as bananas para a suposta exportação, produto perecível, já
compradas.
(...)Os contêineres foram, enfim, levados ao Terminal de Contêineres de Suape - TECON para os
procedimentos aduaneiros entre os dias 17 e 18/06. Ocorre que, em 21/06/2019, foi desovado para
fiscalização da Receita Federal do Brasil, que conseguiu, enfim, constatar a presença do
narcótico.
Nesse sentido, chama a atenção a ausência de fornecedores prévios das bananas exportadas, pois
a realização de um negócio lícito de qualquer produto agrícola para o exterior exigiria uma
seleção rígida dos fornecedores a fim de atender as exigências do mercado internacional, não
sendo compatível com esse mercado a compra de produtos diretamente na CEASA, inclusive, sem
prévia negociação. Também a ausência de documento fiscal idôneo a registrar a transmissão da
mercadoria dos vendedores da CEASA à BLUE COMEX ou para qualquer outra empresa, para
SÍLVIO RICARDO ou a EDNALDO, é incompatível com uma operação lícita. Não bastasse isso,
há a inexplicável remessa das bananas compradas na CEASA para um galpão no Agreste do
Estado, para só depois ser transportada em contêineres para o Porto de Suape, o que por si já
aumentaria injustificadamente os custos e o tempo da operação de remessa de produtos perecíveis
para o exterior.
(...) Provou-se, noutro giro, que BRUNO HENRIQUE DA SILVA também teve envolvimento
direto na operação de exportação de cocaína pelo Porto de Suape. SÍLVIO RICARDO reconheceu
BRUNO HENRIQUE, "como sendo um dos parceiros dos irmãos LUCAS e DIOGO, que estava
interessado na época em exportações de produtos agrícolas".
(...) As declarações de SÍLVIO RICARDO revelam que BRUNO HENRIQUE esteve reunido,
mais de uma vez, com os demais investigados por ocasião das tratativas para exportação da carga
de bananas contaminada com cocaína.
(...)Os elementos de prova acima referidos indicam que BRUNO HENRIQUE DA SILVA
movimentou recursos financeiros para membros da organização criminosa investigada e o fez de
forma a dissimular a natureza, a origem, a movimentação e a propriedade dos valores provenientes
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(...) ZHANGJIE QIU, LILAN WU e XIUMEI MO, por meio das empresas MISSION TECH,
TECH2GO e IN TOUCH MOBILE, e JONATHAN LUIZ DALL'AGNOLL, de forma livre e
consciente, financiaram a operação de tráfico internacional de entorpecentes descrita no tópico
anterior e que resultou na apreensão de 699 (seiscentos e noventa e nove) tabletes de cocaína,
totalizando 808,2 quilogramas, apreendidos em 21/06/2019 por servidores da Receita Federal no
Porto de Suape .
(...) MISSION TECH, IN TOUCH MOBILE e TECH2GO são, na realidade, empresas de fachada
utilizadas pelo crime organizado de alto calibre para movimentar dinheiro ilícito pelo sistema
financeiro nacional, em especial, para o tráfico de drogas, tendo já sido investigadas em outras
operações.
Com efeito, tais empresas foram abertas em 24/05/2018 e baixadas entre 09/12/2019 e 13/12/2019.
Todas abriram contas com numeração muito próxima (96865, 96873 e 96881) na mesma agência
do Banco Bradesco e duas delas, a MISSION TECH e a IN TOUCH, possuem endereço na Rua
Comendador Afonso Kherlakian, 80, em São Paulo/SP. Existem diversas comunicações ao COAF
relacionadas às referidas empresas.
Já a sócia-administradora da MISSION TECH, outra chinesa com visto de permanente neste país,
LILAN WU, é casada com KAIQIAN MO, sócio-administrador da empresaCOMÉRCIO DE
PELICULAS - EIRELI, que também foi identificada na 'Operação Além Mar' como uma das
empresas financiadoras de operação de tráfico de drogas para o exterior76, como será melhor
detalhado adiante.
Por fim, tentou-se localizar a empresa TECH2GO no endereço indicado em seu cadastro, mas o
endereço não existia, denotando que se trata apenas de uma empresa de fachada para fins ilícitos.
Os recursos, por sua vez, foram transferidos para ANTÔNIO GABRIEL DE MOURA FERREIRA
(identidade falsa de ANTÔNIO VARELA FERNANDES SOBRINHO), AGROSHOW
EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS EIRELI - empresa de fachada, como será
demonstrado no próximo tópico - e SILVIO R C DOS SANTOS ME - BITELLI MÓVEIS. Ademais,
foi constatado também que JONATHAN LUIZ DALL'AGNOL realizou aporte de R$ 30.000,00 no
dia 20/05/2019 na conta-corrente da AGROSHOW EMPREENDIMENTOS, onde foram
depositados os recursos que financiaram a operação de tráfico em investigação.
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(...)No caso relativo a esta denúncia, as transferências das empresas de São Paulo iniciaram-se em
11/04/2019, no mesmo mês em que TIOGO e JOAQUIM começaram suas viagens para Recife,
para as contas da AGROSHOW, de ANTÔNIO GABRIEL, e da BITELLI MÓVEIS e estenderam-se
até 29/05/2019.
Dentre as movimentações mais significativas, constatou-se também dois saques feitos pelo SÍLVIO
RICARDO totalizando R$ 45.000,00; realizados nos dias 09/06 e 10/06/2019, às vésperas, pois, da
compra das bananas.
(...) Assim, resta evidente que os recursos repassados por ZHANGJIE QIU, LILAN WU e
XIUMEI MO - por meio das empresas MISSION TECH, TECH2GO e IN TOUCH MOBILE - e por
JONATHAN LUIZ DALL'AGNOLL financiaram a operação de tráfico, sendo utilizado para
custear a logística e os serviços prestados pelos envolvidos na operação, em especial, os membros
da organização criminosa.
Ao final requereu a oitiva das testemunhas arroladas e a condenação dos acusados pela prática dos
delitos consoante as tipificações indicadas acima para cada evento criminoso.
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A defesa do acusado alegou, de forma sucinta, que nos autos do processo é impossível encontrar
qualquer elemento probatório capaz de provar a intenção criminosa do denunciado. Alegou,
também, que o denunciado é empresário, e agiu apenas no intuito de obter o maior lucro possível
em uma operação comercial de exportação de bananas.
Por fim alegou ausência de tipicidade e justa causa para prosseguimento da ação penal, requerendo
a absolvição sumária do acusado e no mérito a absolvição do acusado.
A defesa do acusado alegou, de forma sucinta, ausência de elementos mínimos que denotem o nexo
causal entre a materialidade do delito descrito na peça acusatória e sua pessoa, bem como o
reconhecimento de que a exordial do Ministério Público Federal deixou de preencher os requisitos
processuais exigidos no artigo 41 do CPP.
A defesa alegou, de forma sucinta, "que as sociedades empresárias não foram empresas
constituídas de fachada, como tentou sustentar o Parquet na exordial acusatória. Para
comprovação de que as sociedades empresárias Tech2go e In Touch Mobile, foram constituídas
com fins lícitos, ou seja, comercialização de acessórios para celular, requer a juntada das fichas de
funcionários das empresas à época dos fatos, registro de entradas e saídas, notas fiscais e
declaração de impostos de renda para a Receita Federal, comprovando a movimentação lícita
no período ao qual estavam em funcionamento, afastando o argumento ministerial de que eram
apenas empresas de fachada e não existiam de fato". Ao final requereu a absolvição sumária do
acusado.
A defesa do acusado alegou, de forma sucinta, inépcia da inicial e ausência de justa causa,
requerendo a rejeição da denúncia.
Requereu, também: a) reconsideração da decisão que deferiu a prisão preventiva exarada nos
autos de nº 0800707-48.2020.4.05.8312; b) restituição dos bens apreendidos por oportunidade da
busca e apreensão e c) reconsideração da decisão que determinou a alienação antecipada do veículo
Land Rover/ Ranger Rover/Velar P380 de cor cinza, ano 2017/18, de placas PRH8A60-Sumaré/SP.
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Em 20/07/2021 foi iniciada a audiência de instrução e julgamento, ocasião em que foi determinado
o desmembramento do feito em relação aos réus Tiogo Pereira e Lilan Wu, bem como a suspensão
dos autos, em relação aos mencionados réus, com fundamento no art. 366 c/c art. 80 do CPP,
conforme termo de audiência de id:4058312.20024910).
Em 21/07/2021 foi retomada a audiência de instrução. A referida audiência foi suspensa em razão
de necessidade de um dos defensores socorrer sua genitora. Até esse momento haviam sido
ouvidas as testemunhas de acusação, de defesa e interrogatórios dos réus presos, ficando o
restante dos interrogatórios designado para o dia 28/07/2021 (id:4058312.20024907).
Certidão com os links das audiências realizadas nos dias 20/07/2021, 21/07/2021 e 28/07/2021
(id:4058312.20024907).
Em 02/09/2021 foi realizada audiência de instrução com o interrogatório dos réus Ednaldo de
Araújo e Zhangjie Qiu. Na ocasião foi remarcada audiência para o dia 30/09/2021, a fim de
interrogar o réu Silvio Ricardo, uma vez que o mesmo esteve impossibilitado de comparecimento
em razão de licença médica (id:4058312.20196209).
Certidão com os links dos interrogatórios dos réus Ednaldo de Araújo e Zhangjie Qiu
(id:4058312.20215370).
Em 30/09/2021 foi realizado o interrogatório do réu Sílvio Ricardo. Na fase do art. 402 a defesa do
acusado requereu a juntada do link das audiências anteriores, o que foi deferido por este Juízo.
Encerrada a instrução, foi determinada a intimação das partes para apresentarem as alegações
finais, assinalando o prazo de 10 (dez) dias.
No mérito, alegou que, em relação ao crime do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da
Lei nº 11.343/06, a materialidade delitiva encontra-se consubstanciada no Termo de Apreensão nº
211/20191, na Declaração Única de Exportação nº 19BR000811798-4 e nos laudos nº 566/2019 -
SETEC/SR/PF/PE e nº 573/2019 - SETEC/SR/PF/PE.
Já em relação aos crimes do artigo 36 da Lei º 11.343/06 e artigo 1º da Lei 9.613/98, alega que
foram comprovados por meio dos extratos de movimentação financeira obtidos mediante
autorização judicial e constantes dos autos de nº 0800689-61.2019.4.05.8312, bem como por meio
dos relatórios de informação financeira emitidos pelo COAF - informações consolidadas nos
relatórios produzidos pela Polícia Federal, em especial a Informação de Análise Financeira nº
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02/2020.
Por fim, quanto ao crime do artigo 2º, §4°, V, da Lei nº 12.850/13, alega que foi comprovado por
meio das interceptações telefônicas e telemáticas deferidas por esse Juízo, associadas a diligências
de campo, atividades de vigilância, depoimentos/interrogatórios, troca de informações com outras
unidades da Polícia Federal, compartilhamento de evidências produzidas em outros apuratórios e
processos criminais, pesquisas em bancos de dados corporativos e fontes abertas.
a) a condenação de SÍLVIO RICARDO CORDEIRO DOS SANTOS pelo crime do artigo 33,
caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06;
b) a condenação de BRUNO HENRIQUE DA SILVA pelos crimes do artigo 33, caput, c/c artigo
40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06 e artigo 2º, §4°, V, da Lei nº 12.850/13;
d) a absolvição de ZHANGJIE QIU, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de
Processo Penal.
(...) Conforme bem destacado pelo nobre membro do Ministério Público Federal, não existe
qualquer elemento de prova idôneo e abrangente que tenha o condão de embaçar uma sentença
penal condenatória em relação ao crime de financiamento ao tráfico, sendo de rigor a absolvição
do acusado Zhangjie Qiu, segundo dispõe o artigo 386, VII, do Código Penal, assistindo razão a
Ilustre representação do Ministério Público.
(...) Vale recordarmos que nenhuma testemunha de acusação ou defesa, ou qualquer dos corréus
(com exceção de sua esposa Xiumei Mo, obviamente) declararam conhecer Zhangjie Qiu, tanto
durante o inquérito policial, quanto em juízo, em sede de audiência de instrução, debates e
julgamento.
Alega, ainda, que em relação ao crime do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998, não restou comprovado
durante o inquérito e a instrução criminal o dolo acusado em cometer o delito disposto na Lei de
Lavagem de Dinheiro.
Alega, também, que juntou aos autos, em sede de defesa preliminar, as movimentações lícitas das
empresas, qual sejam, notas fiscais de entrada e saída, quadro de funcionários, impostos pagos,
demonstrando que eram sociedades empresariais lícitas.
Ao final requereu a absolvição do acusado de ambos os delitos, segundo determina o artigo 386,
VII, do Código de Processo Penal.
(...) "Após o encerrar da instrução criminal, eis que o próprio Parquet terminou por reconhecer
que Ednaldo (como dito por ele em seu interrogatório) é absolutamente inocente das acusações,
desconhecendo que ele e sua empresa BLUE COMEX foram ludibriados e maquiavelicamente
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utilizados por grupo que visava a exportação do referido entorpecente. De início, ainda, destaca-se
e aplaude-se o posicionamento crítico da Digna Procuradora da República que, apesar de ter
concluído pela existência remanescente de elementos indiciários, que em seu sentir, à época,
puderam lastrear a proposição da acusação formal em desfavor do Sr. Ednaldo, soube reconhecer
ao término da instrução, que estes elementos não se encontravam presentes e, por isto, formulou
em seu favor o pleito absolutório, do qual esta defesa ratifica em sua integralidade".
(...) "Que houvera à época, o oferecimento da denúncia pela presunção de que o Sr. EDNALDO
CARNEIRO teria participado da prática do delito de tráfico. Em todas as vezes que Ednaldo fora
citado na denúncia, foi colocado na posição de um prestador de serviços que foi contratado para
garantir a parte burocrática da operação de exportação das BANANAS, tendo Ednaldo se limitado
a executar a atividade para o qual foi contratado.
A denúncia também não demonstrou, ao menos minimamente, que o Sr. Ednaldo possuía o
conhecimento de que no interior dos contêineres havia drogas. Nenhuma das testemunhas que
foram ouvidas em sede policial afirmaram que o Sr. EDNALDO CARNEIRO tinha conhecimento de
que a carga estava carregada de drogas".
(...) "Após a leitura da denúncia verifica-se que, em momento algum foi demonstrado o
conhecimento do Sr. Ednaldo acerca da existência das drogas no interior dos contêineres. Assim, é
evidente que não há qualquer tipo de motivação para que o Sr. Ednaldo estivesse participando do
tráfico, sobretudo de maneira consciente.
Nota-se, portanto, diante das circunstâncias que perpassaram os fatos, em especial a entrada das
unidades de carga em zona portuária, a ultrapassagem de todo o processo de fiscalização,
encaminhamento para embarque das unidades de carga; a perda de embarque por conta de dívida
ínfima de armazenagem portuária, admitir a possibilidade de que Ednaldo Carneiro tinha
qualquer tipo de conhecimento em relação à ilicitude ou vício da carga.
Apenas em um mundo distanciado da realidade isto seria admissível. Portanto, também se afigura
ausente a POTENCIAL CONSCIÊNCIA DAS INTENÇÕES DE TERCEIROS em se valer do bom
nome e boa fama de sua empresa, para remessa de carga contaminada de entorpecente ao
estrangeiro. Reafirma-se: EDNALDO FORA CONTRATADO PARA REALIZAR UMA
ATIVIDADE LÍCITA E DETINHA CONHECIMENTO APENAS DA EXISTÊNCIA DAS
BANANAS.
Conforme destacado pelas testemunhas e pelo próprio acusado Sílvio Ricardo, não competia a
Ednaldo a aquisição de qualquer mercadoria ou insumo".
Como pode o Sr. Ednaldo ser punido pelo crime de tráfico de drogas, se este tinha plena convicção
de que fora contratado para resolver questões burocráticas de uma operação de exportação de
bananas? Verifica-se portanto, a TOTAL AUSÊNCIA DE TIPICIDADE SUBJETIVA, UMA
VEZ QUE, NÃO HAVIA CONSCIÊNCIA POR PARTE DO SR. EDNALDO ACERCA DA
ILICITUDE DOS PRODUTOS QUE SERIAM EXPORTADOS".
Ao final requereu o recebimento e conhecimento integral das razões de defesa preliminar, em todos
os seus fatos e fundamentos alegados e, no mérito, a absolvição das imputações lançadas na
denúncia, na forma do artigo 386, inciso V, do CPP e, tão somente em caráter subsidiário e
eventual, na forma do artigo 386, VII, do CPP.
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(...) "BRUNO é empresário com atuação voltada ao aluguel de máquinas pesadas para obras
como tratores e similares na cidade de Sumaré/SP, onde reside.
Para além disso, e mais uma vez enquanto empresário, BRUNO negocia carros de passeio, sendo
este um ponto fundamental da narrativa defensiva. Isto porque, um dos argumentos que embasa as
ilações ministeriais é o fato de BRUNO ter negociado veículos com os réus ANTÔNIO VARELA
FERNANDES SOBRINHO E FRANCISCO HELDER PEREIRA FILHO. Como restará
demonstrado, referida transação comercial não possuiu qualquer caráter ilícito, não passando
de mera fantasia, data vênia, atrelar tais negócios ao comércio de entorpecentes ilícitos".
(...) "em juízo, o réu SÍLVIO retificou, por completo, seu depoimento, afirmando que jamais esteve
com BRUNO ou o viu realizando tratativas para exportação de carga de bananas contaminadas
com cocaína".
Alega, também, que o oferecimento de denúncia genérica é inadmissível, ainda que nos crimes
mais complexos. "Incumbe à investigação preliminar esclarecer o fato delitivo, buscando
individualizar as condutas de modo que a denúncia seja determinada e certa, no sentido da
individualização das responsabilidades penais a serem apuradas no processo."
A denúncia ofertada pelo Parquet Federal mostra-se inepta e a fim de proteger a garantia
constitucional e supralegal da ampla defesa e do devido processo legal que faz jus o acusado, deve
ser ela rejeitada nos exatos termos do art. 395, incisos I, do CPP.
(...) Em que pese o órgão acusatório ter feito menção a apenas um depoimento de MARCIEL,
cumpre dizer que, em verdade, ele prestou 3 (três) depoimentos, sendo o primeiro deles perante o
MPMT e os dois últimos perante a SR/PF de Pernambuco. Nas três oportunidades, o depoente se
referiu a BRUNO exclusivamente de forma lateral. Em todas as ocasiões, Acusado foi alvo de
meros boatos, sendo certo que o depoente JAMAIS sequer o encontrou pessoalmente (...).
(...) As levianas acusações contra BRUNO formuladas por MARCIEL não se sustentam, na medida
em que o próprio interlocutor (FÁBIO) disse, em declaração firmada em cartório, que jamais
afirmou as inverdades perpetradas por MARCIEL em seu depoimento.
(...) Adiante, em nova tentativa de dar ares de comprovação às suas afirmativas, o Parquet faz uso
das declarações do depoente SÍLVIO RICARDO (fls. 26 e 27/60 da denúncia). O próprio
depoente, que também é réu nesta Ação Penal, afirmou, clara e convincentemente, por duas vezes,
que jamais conversou com BRUNO. Ademais, SÍLVIO sequer mencionou o nome do Acusado em
relação ao tráfico de entorpecentes.
(...) o reconhecimento feito em solo policial de nada serve quando, em sede judicial, este é
desmontado. O corréu SÍLVIO retificou, por completo, seu depoimento, afirmando, por 3 (três)
vezes que jamais viu BRUNO e que este nunca esteve presente nos encontros para tratativa da
remessa de bananas ao exterior.
(...) Por fim, dentre os supostos elementos que provariam o envolvimento de BRUNO com a
atividade criminosa, temse a transferência de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) para
IOLANDA e o recebimento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) depositados por HÉLDER.
Explicase, neste ponto, qual a origem de tais valores e o porquê de terem sido transacionados. Tal
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Ao final requereu: a) a absolvição do acusado em relação ao delito previsto no art. 33, caput, da Lei
11.343/06, com fulcro no art. 386, incisos V e/ou VII, do Código de Processo Penal; b) a
absolvição do Acusado em torno do delito previsto no artigo 2º, §4°, V, da Lei nº 12.850/13 e, por
este motivo, a revogação da prisão preventiva e a restituição do veículo Land Rover de placa
PRH-8A60-SP e c) subsidiariamente: o reconhecimento do tráfico privilegiado, ou seja, da causa
de diminuição de pena prevista no Art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, uma vez que o acusado é
primário, de bons antecedentes, não se dedica à atividade criminosa nem integra organização
criminosa; no caso de condenação em torno de ambos os delitos imputados: A aplicação da
penabase no patamar mínimo legal em relação a ambos, com o reconhecimento da causa de
diminuição de pena prevista no Art. 33, §4º, da Lei 11.343/06 no que tange, em específico, ao
crime previsto no Art. 33, caput, da Lei de Drogas e, por fim, o afastamento da causa de aumento
de pena, prevista no Art. 40 da Lei 11.343/06 e a fixação de multa em seu mínimo legal.
Alegações finais apresentadas pela defesa de Silvio Ricardo Cordeiro dos Santos
(id:4058312.21730191, de 19/01/2022), na qual alega, preliminarmente: a) nulidade absoluta
quanto à ausência de degravação das audiências; b) inépcia da denúncia; c) ausência de
materialidade; d) negativa de autoria; e) erro do tipo e f) inocorrência de associação para o tráfico.
No mérito alegou que não ficou efetivamente demonstrado o dolo do acusado, uma vez que estava
apenas vendendo o que o importador queria comprar, buscando os produtos que foram solicitados.
Alega, também, que nos depoimentos colhidos, tanto na fase inquisitória quanto judicial, não foi
trazido aos autos nenhuma prova de que sabia que havia sido introjetado drogas no carregamento
de bananas.
Alegou, ainda:
"(...) JOSÉ JOVINO DA SILVA FILHO - relatou em depoimento que vendeu bananas para o
acusado, mas que nem sequer sabia seu nome, também narrou que não reconheceu Silvio em sede
de investigação, tendo reconhecido apenas na audiência de instrução, aduziu ainda que o réu não
pagou por parte da compra e que realizará, bem como não emitiu nota fiscal ou recibo pela
compra. Como pode se verificar o depoimento da testemunha no mínimo estranho uma vez que este
não reconhecera o acusado na fase policial, onde os fatos eram bem mais atuais e no momento da
audiência de instrução diz reconhecer o acusado, o que seria mais improvável diante do decurso
de tempo, ademais não traz em seu depoimento nenhum comprovante da compra das bananas
supostamente realizadas pelo réu.
Outrossim, o acusado poderia comprar bananas no Ceasa já que isto não configura crime, de
modo que o depoimento do sr. José Jovino é vazio em seu conteúdo, pois primeiramente não há
como ter certeza de que a pessoa que a testemunha afirma ter comprado sua mercadoria seja de
fato o réu Silvio Ricardo, depois mesmo que fosse o acusado Silvio Ricardo, comprar bananas não
constitui crime. No depoimento não há qualquer prova de que o acusado comprava as frutas,
ainda mais com o dolo de revendê-las junto com substancias entorpecentes.
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Nesta mesma senda a testemunha ANTÔNIO FERNANDO DA SILVA RODRIGUES disse que não
quis realizar o processo de exportação para Silvio Ricardo porque achava que não estava nos
padrões internacionais, contudo o réu buscava o padrão que o importador buscava e não o da
empresa do sr. Antônio, precisava baixar custos para tentar aferir o maior lucro possível, não
tendo nada de ilícito enviar as bananas conforme a suas negociação com o cliente. Em que pese os
padrões para exportação no tocante às embalagens e produtos sejam altos, no caso em tela o
acusado buscava o solicitado pelo comprador, desse modo buscava preço, sabe-se que preço e
qualidade são diretamente proporcionais, maior a qualidade, maior o preço, menor a qualidade
menor o preço (...)".
Por fim alega que o réu Sílvio apenas vislumbrou uma oportunidade de negócios e comércio
totalmente lícitos, demonstrando sempre ser mero intermediário, visando comissão e honorários de
praxe em negociações totalmente lícitas.
Ao final requereu a absolvição do delito imputado frente aos argumentos expendidos, com
substrato no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal, bem como, na remota hipótese de
não acolhimento das alegações de inépcia da inicial e ausência de configuração da ilicitude, que
seja julgada improcedente a denúncia por qualquer outro motivo da defesa apresentada, impondo-se
a absolvição do réu na forma do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Inépcia da denúncia
Não é inepta a peça inicial formulada em obediência ao disposto no art. 41 do Código de Processo
Penal, que descreve perfeitamente os fatos típicos praticados, com todas as suas circunstâncias,
atribuindo-os ao denunciado, com base nos elementos coletados na fase informativa, inclusive com
a respectiva norma penal incriminadora, permitindo a perfeita compreensão dos fatos e
possibilitando o pleno exercício do direito de defesa em seu sentido mais amplo.
Descreveu a denúncia que servidores da Receita Federal apreenderam 699 (seiscentos e noventa e
nove) tabletes de cocaína, totalizando 808,2 quilogramas, conforme Termo de Apreensão nº
211/20191. Narra, também, que a droga estava em sacos
plásticos envoltos em pó de café, em meio a uma carga de bananas; que o material foi apreendido
pela Receita Federal no contênier MEDU9155304 - vinculado à Declaração Única de Exportação nº
19BR000811798-4 - e que tinha como destino a Bélgica.
Registre-se, ainda, que a denúncia menciona a realização de exames químicos confirmando que a
substância apreendida era cocaína.
Por fim, a denúncia delineou a conduta de cada um dos denunciados na prática dos delitos
imputados, que formariam uma estruturada organização criminosa, atuando de forma orquestrada
em vários lugares e momentos distintos. Aos denunciados foram imputadas as condutas
individualizadas de internação, armazenamento e transporte de mais de 800 Kg de cocaína,
contatos com traficantes no exterior, realização de despacho aduaneiro e movimentação de altos
valores financeiros.
Houve o detalhamento da conduta delituosa supostamente praticada por cada um dos réus.
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As referidas condutas no tópico II, letra "c" da denúncia, inclusive, apresentam descrição e
elementos indicativos de outros crimes praticados em prol da organização criminosa.
Conforme orientação do Supremo Tribunal Federal (HC 88.601/CE, Segunda Turma, Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJU de 22/06/2007), a denúncia deve vir acompanhada com o mínimo
embasamento probatório, ou seja, com lastro probatório mínimo, apto a demonstrar, ainda que
através de indícios, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado.
No presente caso, quanto à alegação de ausência de justa causa, pela suposta ausência de indícios
de autoria e materialidade, observo que a denúncia se encontra consubstanciada em lastro mínimo
de prova para o exercício da ação, notadamente no IPL nº 0813198-60.2019.4.05.8300, bem como
nas diligências investigativas tomadas nos autos n° 08006896120194058312 e nº
08009295020194058312, que tiveram por objetivo apurar a prática do crime de tráfico
internacional de drogas previsto no art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 e delitos conexos.
Vale enfatizar que a denúncia veicula uma "imputação categórica" de autoria de conduta definida
em norma penal incriminadora. É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido
de que a inicial, para ser viável, necessita de mero juízo de probabilidade.
Dessa forma, entendo que não deve prosperar as alegações de falta de justa causa, porquanto
repousam nos autos depoimentos e documentos (laudos periciais, auto circunstanciado, análise
financeira e depoimentos) que demonstram haver elementos mínimos de autoria e materialidade
para o início deste feito criminal.
2. O art. 405 do Código de Processo Penal possibilita o registro dos termos da audiência de
instrução em meio audiovisual. Tal regra, cuja redação foi conferida pela Lei n.º 11.719/2008, não
tem o escopo somente de abreviar o tempo de realização do ato - em razão da desnecessidade da
redução, a termo, dos depoimentos do acusado, vítima e testemunhas -, mas também o de
possibilitar registro fiel da íntegra do." (HC 470.034/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j.
09/10/2018)
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MÉRITO
Crime de Tráfico Internacional de Drogas: artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da
Lei nº 11.343/06
O referido delito é classificado como tráfico de drogas, previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa.
A tipicidade desse crime consiste na prática de qualquer um dos verbos descritos no tipo. Trata-se
de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa (exceto no caso dos verbos
"prescrever" e ministrar"), e de perigo abstrato, ou seja, não requer a demonstração de lesão efetiva
ao bem jurídico no caso concreto. Admite coautoria, participação e não se exige a posse direta para
o reconhecimento do delito. O elemento subjetivo é o dolo genérico, dispensando-se a presença de
dolo específico, entretanto, é necessário demonstrar que a droga apreendida se destine à difusão
ilícita.
Por sua vez, a Súmula 607 do STJ, aprovada em 11/04/2018, assinala que "A majorante do tráfico
transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei 11.343/06) se configura com a prova da destinação
internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras".
Por fim, é importante ressaltar que comprovada a transnacionalidade do crime de tráfico de drogas,
é da Justiça federal a competência para processamento e julgamento da ação penal, a teor do art. 70
da Lei nº 11.343/2006.
No presente caso, o material (contêiner de banana com drogas camufladas) foi apreendido pela
Receita Federal no contênier MEDU9155304 - vinculado à Declaração Única de Exportação nº
19BR000811798-4 - e que tinha como destino a Bélgica. Portanto, a circunstância de ter sido
apreendida no Porto de Suape a droga camuflada em um contêiner de bananas, tendo a carga como
destino a Bélgica, é prova suficiente para se concluir pela transnacionalidade da conduta.
Materialidade
A materialidade delitiva do crime previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I,
ambos da Lei nº 11.343/06, está demonstrada no Termo de Apreensão nº 211/20191, na Declaração
Única de Exportação nº 19BR000811798-4 e nos laudos nº 566/2019 - SETEC/SR/PF/PE e nº
573/2019 - SETEC/SR/PF/PE, laudos preliminares de constatação de droga e laudo definitivo, bem
como nos demais documentos contidos no IPL nº 182/2019-SR/PF/PE (Processo nº
0813198-60.2019.4.05.8300).
Autoria
É evidente não ser possível realizar a internação, armazenamento e transporte de mais de 800 Kg de
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cocaína, contatos com traficantes no exterior e movimentação de altos valores financeiros sem uma
estruturada organização, atuando de forma orquestrada em vários lugares e momentos distintos.
Com essas considerações, passamos a analisar a autoria de cada um dos réus deste processo nas
suas respectivas imputações.
SILVIO RICARDO seria responsável pela operação de exportação de frutas para a Bélgica
(seleção, aquisição da mercadoria, acondicionamento e transporte da mercadoria), enquanto
EDNALDO seria responsável pela parte burocrática da exportação, tendo sido contratado por
SILVIO através da empresa BLUE COMEX.
As provas dos autos demonstram de maneira inconteste que SILVIO RICARDO CORDEIRO DOS
SANTOS incidiu na prática do delito do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº
11.343/06, conforme exposição a seguir.
Esse grupo de empresários era formado por MARCONE SANTOS DO NASCIMENTO, LUIZ
AMARO OLIVEIRA DA SILVA, CICERO ADRIANO FELIX; ARNALDO DA FONTE
DUBEUX NETO; MANOEL CLENIO CORREIA DA CRUZ, além do próprio SILVIO
RICARDO CORDEIRO DOS SANTOS e de EDNALDO DE ARAUJO CARNEIRO JUNIOR.
Todos alegaram que participaram de maneira direta ou indireta da operação de exportação de frutas
para a Bélgica, mas que não tinham ciência da existência de droga camuflada dentro da carga.
Dos depoimentos desses empresários verifica-se que JOAQUIM e TIOGO foram apresentados por
um empresário de Caruaru, JOSÉ EDILSON DA SILVA, primeiramente para SAULO BEZERRA
AMORIM, empresário de Jaboatão dos Guararapes/PE, que trabalha com logística rodoviária e
marítima, com o objetivo de expor seus planos de negócios. Já SAULO, por sua vez, apresentou-
lhes ao empresário SILVIO RICARDO, que aceitou fazer parte de uma suposta parceria para
exportarem produtos agrícolas para a Europa, sendo o primeiro projeto a exportação de bananas
(declarações de SAULO nas fls. 547 e 548 do IPL). SILVIO, como não tinha expertise em
operações de comércio exterior, iniciou contatos com profissionais da área. Foi então que ele
conheceu EDNALDO (dono da Blue Comex Importações e Exportações), que se propôs a tocar a
exportação (págs. 242-v e 243 do IPL).
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O recebimento de valores por parte de SILVIO RICARDO oriundos de uma empresa de Antônio
Varela, utilizando a conta de uma empresa que relação nenhuma tem com o comércio exterior
(Bitelli Móveis), assim como a indicação da conta pessoal da própria esposa BRUNESKA, revelam
que tinha intenção de esconder a origem dos recursos.
Ademais, o recebimento de valores na conta pessoal da esposa demonstra que tinha ligação pessoal
com integrantes da organização criminosa, não sendo uma mera relação entre empresas celebrantes
de um contrato. Nesse ponto, o réu admitiu que bem antes da apreensão da droga se encontrou com
outros integrantes (TIOGO E JOAQUIM) no Restaurante Sal e Brasa da Avenida Recife.
Outrossim, SÍLVIO RICARDO afirmou que já tinha conhecido ANTÔNIO VARELA em uma
reunião em Gravatá/PE, em data incerta, o qual lhe foi apresentado pelo nome de LUCAS.
Nesse sentido, não merece credibilidade a alegação do acusado em seu interrogatório de que os
valores foram recebidos na conta da esposa porque iria "montar uma empresa" para ela relacionada
à exportação. Afinal, como bem ressaltou o Ministério Público Federal, não existindo ainda a
empresa, seria irrelevante que o dinheiro fosse depositado na conta de um futuro/eventual sócio.
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Registre-se, ainda, que o acusado SILVIO RICARDO admitiu em seu interrogatório que nunca
tinha trabalhado com operação de frutas para o exterior. Dessa forma, não é crível que um grupo
que pretendia realizar uma exportação significativa para a Europa contratasse uma pessoa sem
experiência em exportação de frutas e que não tivesse conhecimento de que esse tipo de exportação
para a Europa depende de um rígido processo de seleção do produto, acondicionamento das
mercadorias, controle sanitário, notas fiscais e transporte adequado a partir de um amplo
planejamento.
Pois bem, no presente caso o réu admitiu que as bananas foram adquiridas diretamente no Centro
de Abastecimento e Logística de Pernambuco (CEASA/PE), com a participação de JOAQUIM e
TIOGO, e na presença de EDNALDO. Essa aquisição ocorreu de forma improvisada, sem prévio
controle de qualidade do produto e da embalagem, sem documentação idônea a registrar a
aquisição e sem sequer prévio contato com os fornecedores informando a quantidade desejada,
conforme depoimentos de José Jovino da Silva Filho e João Batista de Moura, vendedores de
banana do Centro.
Tudo isso indica que a qualidade das bananas não era a finalidade do acusado responsável pela
exportação, mas sim a aquisição de uma mercadoria qualquer para camuflar o tráfico de
entorpecentes. Registre-se, ainda, que é possível perceber no interrogatório do réu que foi sua a
escolha dos fornecedores da aquisição das bananas ao desistir de atuar com Antônio Fernando
Rodrigues, que já tinha um fornecedor selecionado para tentar obter maior lucro se ele próprio se
encarregasse da escolha dos fornecedores, aquisição das frutas e embalagem.
Por fim, é inexplicável que a banana adquirida no CEASA tenha ido para um galpão no Agreste do
Estado de Pernambuco a fim de ser melhor acondicionada, para só depois ser transportada em
contêineres para o Porto de Suape. Por fim, não procede a alegação da defesa no sentido de que a
responsabilidade pelo transporte e acondicionamento no galpão seria da responsabilidade de
EDNALDO, e não sua. Afinal, SÍLVIO tinha pleno conhecimento de que a mercadoria seria levada
para ser embalada noutro lugar diante da ausência de acondicionamento em caixas apropriadas em
SUAPE.
Por fim, a ausência de documento fiscal idôneo a registrar a transmissão da mercadoria dos
vendedores do CEASA à BLUE COMEX ou para qualquer outra empresa para SÍLVIO RICARDO
ou a EDNALDO, conforme reconhecido em interrogatório, é incompatível com uma operação
lícita, tendo SILVIO RICARDO conhecimento dessa situação em razão de sua formação.
Portanto, o direcionamento das bananas para um galpão no Agreste do Estado, local em que
ocorreu a camuflagem da carga, ainda que com o auxílio de outras pessoas, foi determinação direta
do acusado, sendo procedimento incompatível com a efetiva exportação de bananas para Europa,
prestando-se apenas a camuflar o tráfico de entorpecentes.
Assim, comprovada a materialidade e a autoria delitiva, não havendo nos autos excludente de
antijuridicidade ou de culpabilidade, bem como rejeitada a alegação da defesa, deve o acusado ser
condenado nas penas do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06.
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Consta na peça acusatória, ainda, que EDNALDO teria sido o responsável pela documentação
necessária para garantir a parte burocrática da operação de exportação através da utilização da sua
empresa BLUE COMEX IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES LTDA. A sua atuação abrangeria
também a compra das bananas no CEASA e a contratação do transporte logístico da carga
contaminada com a droga.
Em sua defesa técnica alegou que não adquiriu as mercadorias; não manteve contato com os
fornecedores; não possuía conhecimento acerca da origem das mercadorias ou formas e condições
de acondicionamento" e que foi "contratado apenas para organizar a documentação necessária para
garantir a parte burocrática da operação de exportação
O réu EDNALDO em seu interrogatório reafirmou que foi contratado apenas para fazer a parte
burocrática do negócio e não para adquirir mercadorias ou realizar a logística, pois a operação de
comércio exterior já estava organizada pelo réu SILVIO RICARDO. Aduziu, ainda, que não tinha
experiência em exportações de frutas para a Europa. Narrou, ainda, que não soube da transferência
das mercadorias da CEASA para um galpão no Agreste do Estado, onde houve a contaminação das
bananas, bem como não se manifestou sobre a compra de produtos para exportação em um balcão
da CEASA porque era assunto que não era da sua alçada. Por fim, afirmou que não foi emitida nota
fiscal dos vendedores da CEASA para a BLUE COMEX IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES
LTDA em razão de estar a sua empresa com problemas no Fisco Estadual, e não para ocultar a
participação de sua empresa com a colocação de empresa de terceiros.
Além do mais, milita em favor do acusado o fato - reiteradamente apontado pela defesa técnica ao longo da instrução e comprovado a partir da oitiva das
testemunhas em Juízo - de que os contêineres não embarcaram na data aprazada porque ele próprio deixou de efetuar o pagamento das taxas de
armazenagem. Não é factível que, sabendo da contaminação da carga, EDNALDO optasse por adiar o embarque da mercadoria, arriscando uma apreensão,
como, ao final, acabou por acontecer.
Por fim, há também em desfavor do réu o fato de que não havia documento fiscal idôneo a registrar a transmissão da mercadoria dos vendedores do CEASA
para BLUE COMEX ou para IMPORT TRADING, o que é incompatível com uma operação lícita. O acusado disse em Juízo que cobrou de TIOGO as notas
fiscais da mercadoria. Mas é fato que tais documentos não chegaram a ser fornecidos e que as bananas já se encontravam no Porto de Suape, prestes a
embarcar, quando da apreensão.
Vê-se, portanto, que o acusado não laborou com a diligência esperada em sua atividade comercial, levantando suspeitas sobre sua conduta.
Com a fragilização da prova de alguns dos elementos indiciários do dolo apontados na denúncia, há que se considerar, contudo, que a prova produzida em
Juízo é insuficiente para uma condenação, demandando-se a absolvição na forma do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal."
Quando se tratar de crime de ação penal pública, o artigo 385 do Código de Processo Penal,
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, autoriza que o Magistrado profira sentença
condenatória, mesmo diante de pedido de absolvição formulado pelo Ministério Público em sede de
alegações finais, observado o princípio do livre convencimento motivado e o princípio da
indisponibilidade, por meio do qual prevalece o interesse público na persecução penal.
No presente caso, a partir dos documentos constantes dos autos, do depoimento das diversas
testemunhas e dos demais acusados, há indícios de sua participação no tráfico de drogas objeto da
presente imputação e de que não atuou com a diligência esperada ao não desistir de um negócio que
pretendia exportar bananas para a Europa sem qualquer controle de qualidade.
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Todavia, como bem ressaltou o Ministério Público Federal, não há prova segura de que ele
auxiliou, intencionalmente, o tráfico internacional de drogas, notadamente em razão de ter sido
responsável pelo adiamento do embarque da mercadoria pelo não pagamento das taxas de
armazenagem. Afinal, deixa dúvidas se realmente sabia da contaminação da carga, pois a demora
arriscava uma apreensão, como aconteceu. Outrossim, não recebeu valores expressivos da
organização criminosa. Assim, diante de prova plena da certeza de sua participação e levando em
conta o princípio da presunção da inocência, resta reconhecer a necessidade de sua absolvição por
ausência de provas, nos termos do art. 386, V, CPP.
Consta na denúncia que o réu deu apoio à movimentação econômica criminosa da organização e o
fez de forma a dissimular a natureza, a origem, a movimentação e a propriedade dos valores
provenientes e relacionados ao tráfico de entorpecentes objeto da imputação.
Em seu interrogatório, BRUNO afirmou que é sócio da BHS Soluções Empresariais, empresa
regular que teria sido criada desde 2017, sala comercial em Sumaré/SP, tendo por objeto a locação
de máquinas, tratores e caminhões, bem como compra e venda de veículos. Aduziu que a empresa
fechou na Pandemia, mas que na época dos fatos tinha uma empregada na empresa para atender
telefones e fazer serviços em agências bancárias, ressaltando, ainda, que a empresa chegou a ter de
sete a dez carros, que ficavam guardados em lojas.
Em sua defesa técnica o réu sustenta que não há prova nos autos que apontando para seu
envolvimento com o tráfico de entorpecentes objeto da imputação acima apontada. Em sua versão
aduz que o depósito de R$100.000,00 apenas atesta a venda de uma caminhonete Hilux - cuja
compra e venda fora declarada em documentos juntados aos autos, com figuras como FRANCISCO
HELDER e ANTÔNIO VARELA FERNANDES SOBRINHO, corréus na Ação Penal.
Aduz, ainda, que o cartão de débito de BRUNO encontrado na posse de ANTÔNIO VARELA
ocorreu porque foi esquecido dentro de um dos veículos negociados. Nesse sentido, afirmou que
tal cartão foi solicitado por BRUNO eletronicamente perante um banco digital e por não possuir
taxas de manutenção, só poderia ser utilizado colocando valores previamente ao uso, razão pela
qual ficou na responsabilidade de ANTÔNIO VARELA por mero acordo entre eles.
Por fim, aduziu que são sabe o motivo que levou MARCIEL a criar essa versão fantasiosa de que
esquentava dinheiro do PCC, mas fato é que BRUNO jamais morou no condomínio Alphaville
como MARCIEL chegou a dizer, fato que por si só demonstra a contradição e ausência de
fidedignidade de seu testemunho.
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Passo a analisar a autoria do réu a partir dos documentos constantes dos autos, dos depoimentos das
diversas testemunhas em juízo e dos demais acusados.
A ligação de BRUNO com os demais agentes envolvidos no tráfico de drogas objeto de análise na
presente ação penal, bem como sua atuação na prática do referido delito, restou demonstrada
através de diversos elementos de prova, notadamente: 1) alguns encontros com agentes envolvidos
no tráfico no Nordeste em período anterior à apreensão da droga; 2) realização de transações
financeiras com agentes envolvidos no tráfico objeto da presente ação penal em período próximo à
apreensão da droga, sem prova da existência de motivo idôneo; 3) apreensão de um cartão de
crédito nome de BRUNO que estava em poder de ANTÔNIO VARELA, quando da prisão deste em
Goiânia/GO; 3) alguns encontros com agentes envolvidos no tráfico no Nordeste em período
anterior à apreensão da droga; 4) viagem de JOAQUIM para Sumaré/SP poucos dias após a
apreensão da droga com a finalidade de encontrar BRUNO. Vejamos:
BRUNO em sua defesa alegou que anteriormente à apreensão da droga negociou veículos com
ANTÔNIO VARELA, FRANCISCO HÉLDER e TIOGO, não se podendo atrelar tais negócios ao
comércio ilícito de entorpecentes. Ressaltou que esteve algumas vezes em Recife e Fortaleza para
realizar negócios de veículos com tais agentes. Todavia, não apresentou qualquer nota fiscal ou
comprovante de venda emitido por sua empresa (BHS Soluções Empresariais) comprovando a
venda desses veículos para essas pessoas. Ademais, não foi apresentada justificativa idônea para
um pequeno comerciante realizar viagens de São Paulo ao Nordeste para negociar venda de veículo
usado, não sendo essa prática usual nesse ramo para vendas individuais, ainda mais porque o custo
dessa viagem oneraria bastante o negócio.
Importante aduzir, ainda, que BRUNO admitiu que, em uma das vezes em que esteve em Recife, no
ano de 2019, veio com JONATHAN, que comprou uma caminhonete FRONTIER, que havia sido
vendida a ele por ANTÔNIO, porém ANTÔNIO não lhe dava o recibo do carro.
Registre-se, ainda, que a justificativa para o depósito de R$ 100.000,00 (cem mil reais), informação
extraída da análise de informações de RIF e SIMBA, realizado por FRANCISCO HÉLDER no dia
10/10/2019 na conta da empresa B H S SOL EMPRESARIAIS EIRELI, acerca da suposta venda da
Toyota Hilux SW4, não restou comprovada. É que o documento (id. 4058312.20021519) juntado
pela defesa de BRUNO registra o montante de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais) como
valor de venda do veículo, tendo sido comprado por EBER RICARDO DE BARROS. Além do
mais, a venda teria se efetivado em julho de 2019, enquanto que o depósito de FRANCISCO
HÉLDER somente foi efetuado em outubro daquele ano. Ademais, não foram juntados aos autos
notas fiscais de vendas de automóveis emitidas pela BHS Soluções Empresariais.
Importante destacar, ainda, que não foi comprovado o real funcionamento da pessoa jurídica BHS
Soluções Empresariais EIRELI. É que apesar da existência formal da referida empresa, ato
comprovado com a juntada do instrumento particular de sua constituição (id. 4058312.20021545),
através de diligência da Polícia Federal, no Inquérito Policial, verificou-se que no local funcionava
apenas um salão de beleza, sendo a BHS uma empresa de fachada. Trata-se do salão de beleza
STUDIO GLOZZ, da esposa de BRUNO. Não se está dizendo que o salão de beleza era uma
empresa de fachada, pois essa empresa realmente existe e funcionava, mas sim que BRUNO
utilizava o endereço da empresa da esposa para encobrir sua atuação ilícita na BHS.
A testemunha MARIÂNGELA ALVARES, advogada, afirmou que BRUNO atuava com compra e
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venda de automóveis, mas ressaltou que a empresa BHS não figurava nos contratos celebrados
entre as partes do negócio que BRUNO supostamente intermediava.
Por sua vez, a testemunha VALDIR JOSÉ DE CARVALHO, contador da empresa, afirmou que a
BHS atuava com locação de máquinas pesadas, bem como compra e venda de veículos. Todavia,
aduziu não ter conhecimento se a empresa possuía alguma filial ou galpão para guardar as
máquinas, bem como não conhecia alguém que tivesse feito a locação de veículo ou máquina com a
BHS, tendo apenas feito algum recibo de locação.
Outrossim, nenhum dos compradores ou vendedores dos veículos foram apresentados como
testemunha e os automóveis sequer foram apontados pelo réu, com exceção do transferido para
EBER RICARDO.
Importante relembrar, ainda, que o COAF (Informação de Polícia Judiciária nº 26/2020 GISE/NE)
indicou incompatibilidade entre os valores movimentados e o faturamento da empresa BHS,
pontuou que a pessoa jurídica recebeu depósitos com indícios de fracionamento para ocultação da
origem, ressaltou que houve expressiva movimentação de valores em espécie - o que não é
característico para do segmento. Consta no referido documento que "No período de 15/03/2017 a 08/05/2018, a
empresa recebeu R$ 516.703,00 de crédito, sendo a maior parte por TEDs (R$ 237.600,00) e depósitos em espécie (R$ 203.800,00) realizados nos guichês de
caixa com indícios de fracionamento para ocultação da origem. Já no período de 01/07/2018 a 31/12/2018, a empresa sofreu alteração no ramo de atividade,
passando a atuar no comércio sob consignação de veículos automotores. Foi notado também que o faturamento anual declarado passou para R$
3.397.578,00. A empresa possui uma ambulância, 6 tratores e alguns carros que prestariam serviço para a Prefeitura de Sumaré, porém a conta apresentou
depósitos e saques em espécie de valores relevantes, forma de transação não característica com o ramo de atuação da empresa. Posto isso, é preciso destacar
que a empresa também transacionou com contrapartes atuantes em ramos não ligados com a atividade da empresa, tais como salão de beleza,
intermediadora/corretora de criptomoedas e pessoas físicas que atuariam como auxiliar de escritório/vigilante. Nesse período, a empresa acolheu à crédito o
total de R$ 1.530.573,00, com quase todas entradas por TEDs (R$ 908.590,00) e depósitos em dinheiro (R$ 338.452,00)"
Portanto, não houve elementos indicando estrutura compatível com a soma dos recursos que
operava, além da ausência de documentos fiscais comprobatórios de grande parte de sua atuação e
recebimento de depósitos em espécie realizados nos guichês de caixa com indícios de
fracionamento para ocultação da origem.
Importante ressaltar, ainda, que a apreensão de um cartão de crédito do Banco Inter em nome de
BRUNO, que estava em poder de ANTÔNIO VARELA, quando da prisão deste em Goiânia/GO,
demonstra que BRUNO deu suporte aos agentes que realizaram o tráfico de drogas no Porto de
Suape, bem como que deu cobertura financeira diretamente ao líder ANTÕNIO VARELA. Afinal,
ninguém entrega um cartão bancário pessoal e intransferível para alguém que teve alguns poucos
contatos comerciais
O réu BRUNO ainda alegou que esse cartão não teria sido entregue para ANTÕNIO VARELA,
mas que teria ficado, por esquecimento, em um veículo que BRUNO vendeu para ANTÕNIO e que
JOAQUIM foi pegar. Ademais, disse que só foi permitida a utilização do cartão porque ANTÔNIO,
posteriormente à localização do cartão, pediu a BRUNO sua utilização em razão de restrições que
tinha no SERASA para emitir cartões em seu próprio nome, bem como que esse cartão só podia ser
utilizado com depósito prévio, sendo essa a razão da permissão.
Como já ressaltado, essas teses defensivas não merecem acolhimento, pois ninguém entrega um
cartão bancário pessoal e intransferível a uma pessoa que teve apenas alguns poucos contatos
comerciais e que vendeu um carro. Trata-se de mecanismo para ocultar a origem de valores
oriundos do tráfico de drogas.
Ademais, essa transação financeira não foi um caso isolado, pois há registro da existência de
transações financeiras feitas por BRUNO para CARLOS ANTÔNIO MOREIRA, outra identidade
falsa de ANTÔNIO VARELA, conforme documento constante da Informação de Polícia Judiciária
nº 52/2020 GISE/NE.
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Por fim, a testemunha MARCIEL STRAPASSON afirmou em Juízo que soube que BRUNO
esteve em Recife no primeiro semestre de 2019 por JONATHAN, que teria dito que viria a Recife
para encontrar um investidor, mas que depois do retorno teria lhe dito que o real motivo da viagem
a Recife seria o tráfico de drogas, mostrando-lhe um link do site da globo com a notícia da
apreensão da carga.
Portanto, as provas constantes dos autos demonstram que as viagens de BRUNO para o Nordeste,
notadamente Recife, tiveram por finalidade encontrar os agentes e empresários corréus para
organizar e preparar o tráfico de drogas em SUAPE. Ademais, também restou demonstrado que a
empresa BHS era de fachada e que sua principal função era ocultar e dissimular a origem de
valores para os principais integrantes que atuaram no delito de tráfico de drogas, tendo o réu
BRUNO utilizado não só a empresa para recebimento de valores como fornecido cartão de crédito
para o principal líder (ANTÔNIO VARELA).
Assim, comprovada a materialidade e a autoria delitiva, não havendo nos autos excludente de
antijuridicidade ou de culpabilidade, bem como rejeitada a alegação da defesa, deve o acusado ser
condenado nas penas do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06.
Importante aduzir que a organização criminosa não é uma simples reunião de pessoas que resolvem
praticar alguns crimes, e tampouco a ciente e voluntária reunião de algumas pessoas para a prática
de determinados crimes, cuja previsão consta de nossos códigos penais, não passando do conhecido
concurso eventual de pessoas.
A organização criminosa, para assim ser considerada, deve ser revestida da característica de
organização, necessitando ser estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.
Nesse contexto, afirma Guilherme Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa. 2.
Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, pág. 13) que para a organização criminosa ser estruturalmente
ordenada exige-se um conjunto de pessoas estabelecido da maneira organizada, simplificando
alguma forma de hierarquia (superiores e subordinados).
É evidente que não é possível realizar a internação, armazenamento e transporte de mais de 800 Kg
de cocaína, contatos com traficantes no exterior e movimentação de altos valores financeiros sem
uma estruturada de organização criminosa, no caso denominada pela Polícia Federal de "IRMÃOS
COBRA", atuando de forma orquestrada em vários lugares e momentos distintos.
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Restou comprovado autos apenas que BRUNO atuou na prática do delito do tráfico objeto dos
presentes autos, que resultou na tarde de 21/06/2019, servidores da Receita Federal apreenderam no
Porto de Suape 699 (seiscentos e noventa e nove) tabletes de cocaína, totalizando 808,2
quilogramas, conforme Termo de Apreensão nº 211/20191.
Afinal, embora tenha BRUNO se encontrado com agentes e empresários corréus para organizar e
preparar o tráfico de drogas em SUAPE, tenha utilizado a empresa BHS para dissimular a origem
de valores para os principais integrantes que atuaram no delito de tráfico de drogas, bem como
fornecido cartão de crédito para o principal líder (ANTÔNIO VARELA), não há prova nos autos de
que essa reunião de BRUNO com os demais corréus era no intuito de cometer reiterados crimes de
tráfico de drogas de caráter transnacional.
A condenação do delito de organização criminosa pressupõe que a instrução demonstre que havia
ajuste prévio entre BRUNO e os demais agentes da organização, no intuito de formar um vínculo
associativo no qual a vontade de se associar seja distinta da vontade de praticar algum crime
específico. Participar é aderir não só ao propósito de realizar um ou mais delitos isolados, mas
vivenciar a realidade daquela estrutura organizada que atua à margem da lei.
Assim, a partir dos documentos constantes dos autos, do depoimento das diversas testemunhas e
dos demais acusados, realmente não há prova segura de que BRUNO HENRIQUE DA SILVA
cometeu o delito previsto no artigo 2º, §4°, V, da Lei n°12.850/13, impondo-se sua absolvição, nos
termos do art. 386, V, do CPP.
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.
Ensina José Paulo Baltazar Junior que 'financiar é propiciar a realização do tráfico, emprestando o
dinheiro para a aquisição da própria droga ou de meios para seu transporte, preparação, remessa ou
qualquer conduta prevista nos tipos do caput e § 1º do art. 33 ou no art. 34 da lei, com a promessa
de remuneração ou participação no resultado da operação.' (in 'Crimes Federais', 8ª ed.rev., atual. e
ampl., Livraria do Advogado Editora, p. 896).
Os verbos-núcleo financiar e custear não são sinônimos. A distinção entre ambos reside quando do
emprego da verba pelo empresário do crime. Assim, financiar, crime instantâneo, em regra, tem o
sentido de prover o capital necessário para a iniciação ou estruturação de qualquer atividade
característica do tráfico de drogas, como, por exemplo, ter em depósito, guarda, fabrico, preparo,
produção ou transformação de drogas. Custear, por sua vez, crime eventualmente permanente e
habitual, representa o abastecimento financeiro exigível à manutenção de uma ou mais daquelas
atividades ilícitas.
A tipicidade desse crime consiste na prática de qualquer um dos verbos descritos no tipo. Trata-se
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de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa (exceto no caso dos verbos
"prescrever" e ministrar"). Admite coautoria, participação. O elemento subjetivo é o dolo genérico,
consistente na vontade de financiar ou custear o tráfico de drogas.
Importante registrar que o financiamento ou custeio ao tráfico ilícito de drogas (art. 36 da Lei nº
11.343/2006) é delito autônomo aplicável ao agente que não tem participação direta na execução do
tráfico, limitando-se a fornecer os recursos necessários para subsidiar a mercancia.
Na hipótese de autofinanciamento para o tráfico ilícito de drogas não há falar em concurso material
entre os crimes de tráfico e de financiamento ao tráfico, devendo ser o agente condenado pela pena
do artigo 33, caput, com a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso VII, da Lei de Drogas
(REsp 1290296/PR, Rel. Ministra, Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 03/02/2014).
Por sua vez, o Lei de Crimes de Lavagem de Bens, Direitos e Valores (Lei nº 9.613/98) define em
seu artigo 1º o crime imputado a ZHANGJIE QIU:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de infração penal.
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.342.710/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, DJe 02.05.2014) já decidiu que a lavagem de ativos é delito autônomo em relação
ao crime antecedente (não é meramente acessório a crimes anteriores), já que possui estrutura típica
independente (preceito primário e secundário), pena específica, conteúdo de culpabilidade própria e
não constitui uma forma de participação post-delictum.
De acordo com a doutrina de José Paulo BALTAZAR Júnior, "a criação desse tipo penal parte da
ideia de que o agente que busca proveito econômico na prática criminosa precisa disfarçar a
origem dos valores, ou seja, desvincular o dinheiro da sua procedência delituosa e conferir-lhe
uma aparência lícita a fim de poder aproveitar os ganhos ilícitos, considerando que o móvel de tais
crimes é justamente a acumulação material. Essa tentativa de disfarçar a origem ilegal sempre
acompanhou a prática criminosa, tendo apenas se tornado, contemporaneamente, mais
sofisticada" (in Crimes Federais, 8ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 812).
ZHANGJIE QIU
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Consta na denúncia que os recursos financeiros utilizados para o tráfico de drogas que restou
frustrado pela atuação da Receita Federal tiveram origem numa tríade de empresas de São Paulo/SP
(MISSION TECH, TECH2GO e IN TOUCH MOBILE).
Essas sociedades empresárias teriam aberto contas com numeração próximas na mesma agência do
Banco Bradesco e duas delas, a MISSION TECH e a IN TOUCH, possuem endereço na Rua
Comendador Afonso Kherlakian, 80, em São Paulo/SP.
Em sua defesa, ZHANGJIE QIU afirmou que é dono das empresas TECH2GO, MISSION TECH e
INTOUCH MOBILE há cerca de 2 anos, mas depois fechou, nenhuma estando ativa atualmente.
Não conhece ANTÔNIO VARELA; não soube da apreensão do carregamento de bananas no Porto
de Suape contaminado por drogas; não conhece as testemunhas que prestaram depoimento no
processo. Não sabe explicar as transferências que foram feitas pela empresa TECH2GO para a
empresa AGROSHOW e ANTÔNIO GABRIEL DE MOURA FERREIRA, porque só cuidava do
estoque. Narrou que a responsável pela movimentação da conta empresa era sua esposa, mas que
ela não lhe explicou porque fez essas transferências. Por fim, afirmou que ele e a esposa a esposa
possuem uma loja no nº 90, box 2, na Rua vinte e cinco de março, em São Paulo/SP.
Nenhuma testemunha em juízo afirmou ter realizado negócios diretamente com XIUMEI MO e
nem as quebras de dados telemáticos indicaram que ele teria relação direta com outros integrantes
da organização criminosa.
O Ministério Público Federal pleiteou a sua absolvição em relação a ambos os crimes com
fundamento no fato de que dadas as circunstâncias em que se deram as transferências, a operação
de exportação de cocaína em questão fugia à esfera de previsibilidade da ré. Isso porque não foi
possível provar eventual relação da ré com o financiamento dos demais acusados para a operação
do tráfico internacional de drogas referidos na denúncia.
Para o Parquet, a despeito de ZHAGJIE QIU figurar como representante legal da TECH2GO, não
se produziu prova que afastasse as alegações uníssonas do casal de que a movimentação financeira
das empresas era realizada exclusivamente por XIUMEI MO. Assim, à míngua de prova suficiente
da efetiva participação de ZHAGJIE QIU nas remessas de dinheiro realizadas a pedido do doleiro
para AGROSHOW
EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS EIRELI, ANTÔNIO GABRIEL DE MOURA
FERREIRA e SILVIO R DOS SANTOS ME, a absolvição do acusado é medida que se impõe.
Quando se tratar de crime de ação penal pública, o artigo 385 do Código de Processo Penal,
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, autoriza que o Magistrado profira sentença
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condenatória, mesmo diante de pedido de absolvição formulado pelo Ministério Público em sede de
alegações finais, observado o princípio do livre convencimento motivado e o princípio da
indisponibilidade, por meio do qual prevalece o interesse público na persecução penal.
Todavia, no presente caso, a partir dos documentos constantes dos autos, do depoimento das
diversas testemunhas e dos demais acusados, realmente não há prova segura de que ZHANGJIE
QIU possuía relação com os demais integrantes da organização criminosa, bem como que
dolosamente pretendeu financiar o tráfico de drogas constante da denúncia, impondo-se sua
absolvição pela imputação da prática dos delitos do art. 36 da Lei 11.343/06 e do art. 1 da Lei nº
9.613/98, nos termos do art. 386, V, do CPP.
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, com base nos fundamentos de fato e de direito acima expostos:
Passo, pois, à dosimetria da pena a ser imposta aos acusados (art. 68 do Código Penal), analisando
as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, a eventual existência de circunstâncias agravantes e
atenuantes, de causas de aumento ou diminuição de pena, bem como, ao final, a possibilidade de
substituição da pena privativa de liberdade aplicada por pena(s) restritiva(s) de direito ou de
suspensão condicional da pena (sursis).
Dosagem da pena do Crime de Tráfico Internacional de Drogas: artigo 33, caput, c/c artigo
40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06
Atendendo-se à garantia de individualização da pena, passa-se à dosimetria das penas dos réus
SÍLVIO RICARDO CORDEIRO DOS SANTOS e BRUNO HENRIQUE DA SILVA, seguindo
o método trifásico previsto no art. 68 do Código Penal.
Quanto à pena privativa de liberdade, a primeira fase de fixação da pena deve observar os
parâmetros do art. 59 do Código Penal.
Com relação aos antecedentes, não há prova nos autos de que os réus tenham sido condenados
definitivamente pela prática de crime, em momento anterior, vez que apenas condenações
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No que tange à conduta social e personalidade dos agentes, também não há nos autos quaisquer
elementos que justifiquem a majoração.
Assim é que, nesta oportunidade, classifica-se a culpabilidade entre intensa, média ou reduzida.
No caso, verifica-se que os réus SÍLVIO RICARDO CORDEIRO DOS SANTOS e BRUNO
HENRIQUE DA SILVA tiveram extenso conhecimento e participação da natureza criminosa da
conduta. Explico
SILVIO RICARDO, embora não fosse o líder da organização criminosa, teve atuação relevante e
poder decisório. Foi responsável pela operação de exportação de frutas para a Bélgica (seleção e
aquisição da mercadoria no CEASA, acondicionamento em um galpão no Agreste de Pernambuco e
transporte para o Porto de Suape). Conforme consta na fundamentação da sentença, ainda utilizou
uma empresa da qual era sócio (BITELLI MÓVEIS), sem relação com o ramo de exportação de
frutas, para receber valores preparatórios ao tráfico de drogas. Sobre suas condutas, pois, incide
reprovação social de grau relevante, que não se afigura inerente ao próprio tipo penal.
No caso de BRUNO, as provas constantes da fundamentação da sentença revelam que ele tinha
contatos com os líderes do tráfico, a exemplo de Antônio Varela e Tiogo, chegando até mesmo a
ceder um cartão de crédito em seu nome a Antônio para livre uso. Ademais, promoveu a
movimentação de altos valores financeiros através de empresa de fachada (BHS) para corréus que
atuaram no tráfico, que possibilitou o pagamento de boa parte da operação. Ademais, agiu de forma
orquestrada em vários lugares (Sumaré, Recife, Fortaleza) e momentos distintos (antes e após a
apreensão da droga). Sobre sua conduta, pois, incide reprovação social de grau bastante intenso,
que não se afigura inerente ao próprio tipo penal.
Pelo exposto, na primeira fase de aplicação da pena, fixo para SÍLVIO RICARDO
CORDEIRO DOS SANTOS a pena de 10 (dez) anos de reclusão, para BRUNO HENRIQUE
DA SILVA a pena de 11 (onze) anos de reclusão.
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Quanto à terceira fase, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que,
"para a incidência da causa especial de aumento de pena prevista no inciso I do art. 40 da Lei de
Drogas, é irrelevante que haja a efetiva transposição das fronteiras nacionais, sendo suficiente,
para a configuração da transnacionalidade do delito, que haja a comprovação de que a substância
tinha como destino/origem localidade em outro País" (REsp 1302515/RS, Rel. Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 5/5/2016, DJe 17/5/2016), podendo a pena ser
aumentada de 1/6 a 2/3, a depender das circunstâncias do caso concreto.
No caso se aplica a causa de aumento prevista no art. 40, I da Lei nº 11.343/2006 e, em atenção ao
que dispõe o art. 42 da mesma Lei, considerando se tratar de cerca de 800 Kg de cocaína e tendo
em vista que os acusados estiveram muito próximos de ter conseguido enviar a droga para a
Bélgica, só tendo sido interceptado o entorpecente em virtude da criteriosa fiscalização da Receita
Federal, aplica-se a majoração de 1/3 (um terço).
Por sua vez, não há que se falar em aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de
Drogas em relação a BRUNO, pois embora ele seja primário e de bons antecedentes, houve
diversas transações financeiras sem justificativa, indicando movimentação de valores incompatível
com sua atividade profissional e utilização de empresa de fachada, em clara indicação de que se
dedica à atividade criminosa.
Por sua vez, SILVIO RICARDO merece a incidência da causa de diminuição do art. 33, §4º, da
Lei de Drogas. Afinal, é primário e de bons antecedentes, bem como não há elementos de prova de
que se dedicava à atividade criminosa. Como ele teve intensa participação e teve contato com
agentes de alto poder decisório, a redução deve ser aplicada no mínimo, qual seja 1/6 (um sexto da
pena).
- SÍLVIO RICARDO CORDEIRO DOS SANTOS: 11 (onze) anos e 01 (um) mês de reclusão.
Quanto à pena de multa, para fins de fixação, deve-se obedecer ao sistema bifásico. Na primeira
fase, guarda-se uma proporcionalidade com a sanção corporal imposta, levando-se em conta as
circunstâncias judiciais, eventuais atenuantes/agravantes e causas de aumento/diminuição de pena
incidentes, ao passo que na segunda fase devem-se considerar as possibilidades financeiras do
acusado.
Considerando as informações de bens e rendimentos dos réus, em momento anterior à prisão, fixo a
pena de multa, em atenção aos critérios do art. 49 do Código Penal e aos critérios de
aumento/diminuição aplicáveis à pena privativa de liberdade:
- SÍLVIO RICARDO CORDEIRO DOS SANTOS: 1.100 (um mil e cem) dias-multa, fixando o
valor do dia multa em 1/5 (um quinto) do salário-mínimo (data do fato: junho/2019);
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- BRUNO HENRIQUE DA SILVA: 1350 (um mil trezentos e cinquenta) dias-multa, fixando o
valor do dia-multa em 1/5 (um quinto) do salário-mínimo (data do fato: junho/2019);
O valor da multa deve ser atualizado, quando da execução, e paga no prazo de 10 (dez) dias, a
partir do trânsito em julgado da sentença, ressalvadas as hipóteses do art. 50 do Código Penal.
Nesse passo, levando-se em conta o total da pena aplicada a cada um dos réus ser superior a 08
(oito) anos de reclusão, a pena deverá ser cumprida, inicialmente, em regime fechado.
Levando-se em conta o total de pena privativa da liberdade, não é cabível a substituição por pena
restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal.
O recolhimento do réu à prisão, após a sentença condenatória ainda não transitada em julgado, e a
consequente negativa do seu direito de recorrer em liberdade, somente se justifica quando se
constatar a presença de alguma das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, nos moldes do art.
312 do Código de Processo Penal, bem como pedido expresso do Ministério Público.
No caso dos autos, não houve pedido expresso do Ministério Público de decretação de prisão
preventiva, sendo vedado ao juízo qualquer possibilidade de análise e determinação de
encarceramento de ofício.
Em conformidade com o art. 387, parágrafo único, do CPP, nego ao acusado o direito de apelar em
liberdade porque, se respondeu custodiado ao processo, nada justificaria que fosse, agora que
condenado, libertado.
Primeiramente, não há que se falar em excesso de prazo, pois a denúncia foi oferecida em
29/01/2021.
Por outro lado, houve dificuldades em realizar a citação de alguns réus, houve a necessidade de
designar advogados dativos ante o decurso de prazo para apresentação da defesa prévia, a própria
defesa requereu a apresentação das alegações finais por memoriais, bem como alguns dos réus da
presente ação penal deixaram transcorrer in albis o prazo fixado, verificando-se que a alegação de
suposto excesso de prazo não pode ser utilizada em benefício da defesa quando deu causa a atrasos
no andamento do feito.
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Por fim, trata-se de feito complexo, em que houve pluralidade de réus, diversas testemunhas
localizadas em diferentes unidades da federação, utilização de tradutor e necessidade de análise das
provas constantes dos autos, das diligências de quebra de dados telemáticos e interceptação
telefônica.
Ultrapassada a questão, a manutenção dos requisitos da prisão preventiva estão mantidos, em face
dos fundamentos expostos na presente condenação, bem como pelo
risco de reiteração criminosa dos agentes (garantia da ordem pública) e pelo risco concreto de fuga
do distrito da culpa (garantia de aplicação da lei penal), agora que têm ciência da condenação.
Explico.
Conforme dispõe o art. 312. do CPP"A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria
e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado".
Como se verifica, os requisitos para a decretação da prisão preventiva são divididos em dois
grupos: 1) concomitantes (prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria); e 2)
alternativos (garantia da ordem pública, aplicação da lei penal e conveniência da instrução
criminal). Para a decretação da prisão preventiva devem estar presentes todos os requisitos
concomitantes e ao menos um dos alternativos.
Ademais, a prisão preventiva só será admitida nos crimes dolosos punidos com pena privativa de
liberdade máxima superior a 04 anos, ou, se o réu ou investigado já tiver sido condenado por outro
crime doloso, em sentença transitada em julgado, e desde que insuficientes as medidas cautelares
diversas da prisão, por seu caráter nitidamente subsidiário.
Exige-se, ainda, que a decisão seja fundamentada em elementos concretos, não bastando simples
remissão genérica às hipóteses legais do art. 312 do CPP.
Também está presente em relação a ele a garantia da ordem pública, pois o Superior Tribunal de
Justiça em recente decisão definiu que se "Considera suficientemente fundamentada na
necessidade de garantida da ordem pública a prisão decretada com base na vultosa quantidade de
droga - 215,26 kg de cocaína -, além das circunstâncias da apreensão, tendo sido encontrada a
droga escondida em parede falsa e em cofre especialmente projetado para tal finalidade". (STJ,
HC 619189/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 20/10/2020), sendo inadequadas as
medidas cautelares diversas da prisão.
É justamente a hipótese dos autos, pois o réu integra núcleo duro de organização criminosa
destinada ao tráfico de drogas, bem como houve a apreensão 699 (seiscentos e noventa e nove)
tabletes de cocaína, totalizando 808,2 Kg, camuflados em um contêiner carregado de bananas.
Por fim, nos termos da Lei nº 12.736/2012, deve ser observada, na fase de execução, a detração do
período de prisão cautelar.
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O Código de Processo Penal foi modificado pela Lei 11.719/2008 que, dentre outras alterações,
estabeleceu que o magistrado ao proferir a sentença condenatória fixará o valor mínimo de
indenização à reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo
ofendido (art. 387, IV).
Entretanto, para que possa o juiz aplicar a norma prevista no art. 387, IV do CPP, deve haver
pedido expresso formulado na denúncia ou queixa, sem prejuízo, ainda, de toda a formação da
prova a ser feita na fase instrutória do processo penal, sob pena de violação dos princípios do
contraditório e da ampla defesa.
(...) Para que seja fixado na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima,
com base no art. 387, inciso IV, do Código Penal, deve haver pedido formal nesse sentido pelo
ofendido,além de ser oportunizada a defesa pelo réu, sob pena de violação aos princípios da ampla
defesa e do contraditório. (...) (STJ - EDcl no REsp: 1286810 RS 2011/0246710-7, Relator:
Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR, T5 - QUINTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2013)
No presente caso, diante da ausência de pedido expresso formulado, deixo de analisar o valor
mínimo de indenização devida.
PROVIDÊNCIAS FINAIS
a) lance-se o nome dos réus ora condenados no rol dos culpados (art. 393, II, do Código de
Processo Penal);
b) comunique-se ao IITB para fins de antecedentes e oficie-se ao TRE para o fim de suspensão dos
direitos políticos (art. 15, III, da Constituição Federal); registre-se o trânsito em julgado junto ao
SINIC;
c) remetam-se os autos à Contadoria para que forneça o valor da multa imposta. Após, intime-se
para recolherm a pena de multa aplicada, que deverá ser paga até 10 (dez) dias da intimação, sob
pena de ser considerada dívida de valor (art. 51, CP).
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Processo: 0800568-62.2021.4.05.8312
Assinado eletronicamente por: 22012609040826800000021870323
RODRIGO VASCONCELOS COELHO DE
ARAUJO - Magistrado
Data e hora da assinatura: 28/02/2022 22:37:37
Identificador: 4058312.21808520
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