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professor-nao-le

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 313, 07 de Junho | 2018

Entre Colegas

Quando o professor não



Muitos educadores defendem que desenvolver a leitura
deveria ser a prioridade. Mas será que eles próprios leem?
Felipe Bandoni

Ilustração: Adriana Komura

Nas escolas, é comum ouvir os professores se queixando de que os alunos


não leem. Argumentam que as atividades revelam fragilidades na
compreensão dos textos, por vezes comprometendo o entendimento do
conteúdo. Em Matemática, por exemplo, é frequente ouvir que o nó não está
nos cálculos, mas na dificuldade de interpretar os enunciados. Tal queixa, em
geral, vem acompanhada de um diagnóstico mais amplo: o problema é que
os alunos não têm o hábito da leitura.

Ninguém discute que ler é uma das principais portas de entrada para o
conhecimento. Nas escolas, escutamos que dominar essa competência é
importante para o sucesso acadêmico e para o mundo do trabalho. Muitos
professores defendem que desenvolver a leitura deveria ser a prioridade
número 1 da escola. Mas será que esses professores, eles próprios, leem?
Realizada em 2015 pelo Instituto Pró-Leitor e o Ibope, a pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil joga luz sobre essa pergunta. Dos 1.680 professores
entrevistados, 6% declararam que não gostam de ler e 31% que gostam só
um pouco. Pelos critérios da pesquisa, 16% foram considerados não leitores,
já que não leram uma parte de um livro nos últimos três meses. Outros 3%
não tinham sequer um livro em casa.

Embora o discurso seja o da defesa da leitura, esses dados revelam que uma
parte significativa de nós, professores, não lê. Partindo daí, é possível concluir
que muitos docentes não gostam, não acham importante ou não têm tempo
para ler. Qualquer uma dessas hipóteses é preocupante, pois têm
consequências na maneira como encaminhamos a leitura com nossos alunos.

Uma coordenadora contou, com espanto, que os adolescentes concluindo o


Fundamental em sua escola leram só um livro nos últimos quatro anos. Ela
descobriu que só um docente propunha a leitura de uma obra completa. Fui
investigar, então, quantos livros meus alunos leem por ano a pedido dos
docentes. Você saberia responder?

Se levamos a sério o discurso de que a competência leitora importa, é preciso


cuidar para que esses vazios não aconteçam. É importante que as escolas
tenham projetos de leitura de mais fôlego, incluindo a apreciação de livros na
íntegra. A lacuna envolve também uma mudança de atitude da nossa parte.
Conheço um professor que inicia suas aulas apresentando o que está lendo.
Via de regra, são obras sem ligação direta com o conteúdo ministrado: são
contos, romances, poesias. Ele diz que as turmas revelam bastante
curiosidade e que, não raro, vê os títulos que mostrou nas mãos dos alunos.

Com este texto, não pretendo convencer quem não lê de que deveria ler
mais. Trata-se de um alerta: nós, como categoria, não temos estimulado
nossos alunos a tornarem-se leitores. A pesquisa diz que apenas metade dos
docentes entrevistados pode ser chamada assim. O que podemos fazer para
que a próxima geração seja diferente?

FELIPE BANDONI é professor de Ciências na Educação de Jovens e Adultos


(EJA) do Colégio Santa Cruz, em São Paulo

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