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DIREITO PENAL ESPECIAL E LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE1

PROF. ALEX RIBEIRO CABRAL

AULA 03 – INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO AO SUICÍDIO


(PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO)

1 – INTRODUÇÃO AO TEMA

Trata-se a participação em suicídio de crime previsto desde a edição do CP


em 1940.

Eis a redação original:

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou


prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se
consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio
resulta lesão corporal de natureza grave.

Todavia, lei relativamente recente (13.968/2019) alterou a redação do artigo,


incluindo o induzimento, instigação ou auxílio à automutilação, além de terem sido criadas
qualificadoras (art. 122, §§1º e 2º) e causas de aumento de pena (art. 122, §§§3º, 4º e 5º),
passando-se, ainda, a prever a ocorrência de crime de homicídio (art. 122, §7º) ou de lesão
corporal gravíssima (art. 122, §6º) a depender do grau de discernimento da vítima que foi
incentivada ao ato suicida ou de automutilação.

Importante dizer que a nossa legislação não prevê pena para o indivíduo que
tenta se matar e não consegue (é vedada a punição da autolesão).

Porém, o terceiro que induz, instiga ou auxilia a vítima a praticar o suicídio


está atentando contra a vida da vítima, tendo a sua conduta prevista no artigo 122 do CP.

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Elaborado com base, precipuamente, nas obras: I. SANCHES, Rogerio. Manual de Direito Penal: Volume Único.
II. ROQUE, Fabio. Direito Penal Didático. III. GONÇALVEZ, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte
Especial. IV. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado; V. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal.
De igual modo, aquele que induz, instiga ou auxilia a vítima a praticar
automutilação está atentando contra a integridade física do ofendido.

2. ATUAÇÃO CONSCIENTE E VOLUNTÁRIA DA VÍTIMA

Outro ponto importante é que a vítima deve ter consciência e voluntariedade


quanto ao seu próprio ato.

Se a vítima atenta contra a própria vida sem consciência ou voluntariedade,


o agente responderá por homicídio.

Ex.: ausência de consciência: agente, com intenção de provocar a morte,


convence a vítima a segurar uma bomba, dizendo que se trata de artefato de brinquedo,
vindo a bomba a explodir e a matar a vítima. Responderá o agente por homicídio em tal
caso.

Ex.2: ausência de voluntariedade: agente obriga a vítima a tomar veneno,


caso contrário será morta mediante tortura. Responderá o agente por homicídio.

3. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO AO SUICÍDIO

3.1 Induzimento: juridicamente, induzimento significa a criação pelo agente


da ideia suicida ou de automutilação na mente da vítima, que antes não pensava em tais
atos, incentivando-a a praticar a conduta contra si.

3.2 Instigação: do ponto de vista jurídico revela-se como a situação em que


o agente reforça/incentiva a intenção suicida que já existia na vítima, estimulando-a a
cometer o ato.

3.3 Auxílio: o auxílio também recebe o nome de participação material,


consistindo na conduta do agente que oferece meios para que a vítima ceife a própria vida
ou se automutile. Ex.: agente que é procurado pela vítima, a qual lhe conta de sua intenção

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suicida, dizendo precisar de um revólver. O agente ao oferecer a arma à vítima está
auxiliando-a, respondendo pelo crime de participação em suicídio.

A doutrina também menciona a possibilidade de participação moral em


suicídio, que pode ocorrer na hipótese em que a vítima tem dúvidas sobre o método a ser
utilizado para tirar a própria vida, recebendo esclarecimentos do agente. É necessário que
o agente saiba da intenção da vítima para que o crime se configure.

Em tempo, importante afirmar que o crime tem tipo penal misto alternativo,
prevendo mais de uma ação para sua configuração (induzir, instigar ou auxiliar). Desde que
praticadas a condutas no mesmo contexto fático, o agente somente responderá por um
crime. Ex.: agente induz a vítima a cometer suicídio e ainda lhe oferece veneno, prestando
auxílio material para o ato. Somente responde o agente por um crime de participação em
suicídio.

4. SUJEITOS ATIVO E PASSIVO

Sujeito ativo: qualquer pessoa. Crime comum.


Sujeito passivo: qualquer pessoa, desde que maior de 14 anos, sem
enfermidade ou deficiência mental ou outra condição que lhe retire o discernimento ou lhe
prive de resistência para a prática do ato, isto porque nessas condições, havendo resultado
morte ou lesão corporal gravíssima, o agente responderá pelo resultado e não por
participação em suicídio, vide artigo 122, §§6º e 7º.

5. OBJETO JURÍDICO

Os bens jurídicos que a norma visa proteger são a vida e a integridade física
da vítima.

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6. CRIME FORMAL

Pela leitura da antiga redação do artigo 122, o crime exigia resultado (lesão
grave/gravíssima) ou morte para sua consumação. Caso a vítima não sofresse qualquer
lesão ou se sofresse lesão leve, não havia crime.

Entretando, com a nova redação do art. 122 o crime não mais exige resultado,
bastando a prática da conduta para que haja consumação.

Tem-se, portanto, que é crime formal.

7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Sendo o crime formal, não admite a tentativa. Consuma-se com a mera


prática de induzimento, instigação ou auxílio.

8. PENAS PREVISTAS E COMENTÁRIOS

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação


ou prestar-lhe auxílio material para que o faça: (Redação dada pela Lei nº 13.968, de 2019)

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. (Redação dada pela Lei nº
13.968, de 2019)

Obs.1: se não resultar morte ou lesão grave/gravíssima, haverá o crime


do caput, tratando-se, pois de infração de menor potencial ofensivo2, sendo possível
transação penal3 ou suspensão condicional do processo4.

2
Lei. 9099/95: Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as
contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não
com multa.

3
Lei 9099/95: Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada,
não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de
direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

4
Lei 9099/95: Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou
não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois
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Percebe-se que em tal hipótese, configurado estará o crime previsto
pelo caput se nenhuma lesão for ocasionada à vítima ou se resultar apenas lesão
leve.

§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de


natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código: (Incluído
pela Lei nº 13.968, de 2019)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Incluído pela Lei nº 13.968, de


2019)

Obs.2: caso resulte lesão de natureza grave ou gravíssima, a pena passa


a ser de 1 a 3 anos, deixando de ser a infração de menor potencial ofensivo. Ainda
assim, é possível a suspensão condicional do processo, prevista pelo artigo 89 da
Lei 9.099/95.

§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte: (Incluído


pela Lei nº 13.968, de 2019)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Incluído pela Lei nº 13.968, de


2019)

Obs.3: caso resulte morte, a pena passa a ser de 2 a 6 anos, tornando-


se inviável a suspensão condicional do processo.

§ 3º A pena é duplicada: (Incluído pela Lei nº 13.968, de 2019)

I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; (Incluído pela


Lei nº 13.968, de 2019)

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade


de resistência. (Incluído pela Lei nº 13.968, de 2019)

a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,
presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
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Obs.4: Trata-se de causa de aumento de pena. Caso o motivo do crime
seja egoístico (vingança, inveja, egoísmo), torpe (abjeto, repugnante) ou fútil
(desproporcional), a pena será duplicada.

Haverá também duplicação se a vítima for menor ou tiver sua


capacidade de resistência diminuída (ex.: embriaguez que retira parcialmente a
capacidade de resistência do ofendido).

§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede


de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. (Incluído pela Lei nº 13.968,
de 2019)

Obs.5: Trata-se de causa de aumento de pena. Se a participação em


suicídio ou automutilação se der pela internet ou sendo transmitida em tempo real,
a pena é aumentada até o dobro.

§ 5º Aplica-se a pena em dobro se o autor é líder, coordenador ou


administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é
responsável. (Redação dada pela Lei nº 14.811, de 2024)

Obs.6: Trata-se de outra causa de aumento de pena. Se a participação


em suicídio ou automutilação feita tiver como agente pessoa que atue como líder,
coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual ou por
estes for responsável aplica-se a pena em dobro. Trata-se de inovação de lei
sancionada em janeiro de 2024.

§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de


natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do
ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo
crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.968, de 2019)

Obs.7: NÃO haverá crime de participação em automutilação contra


menores de 14 anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não
tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
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causa, não pode oferecer resistência, desde que haja resultado lesão corporal
gravíssima. O agente responderá por lesão corporal gravíssima, sendo considerado
autor mediato.

§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14


(quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo
crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.968, de
2019)

Obs.8: NÃO haverá crime de participação em suicídio contra menores


de 14 anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa,
não pode oferecer resistência, desde que haja resultado lesão corporal gravíssima.
O agente responderá por homicídio, sendo considerado autor mediato.

9. AUTOMUTILAÇÃO E JÚRI POPULAR

Segundo o artigo 5º, XXXVIII, d, da CF/88, cabe ao Tribunal do Júri o


julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

O artigo 74, §1º do CPP estabelece:

Art. 74. A competência pela natureza da infração será


regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência
privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes
previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125,
126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados. (Redação
dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)

Há, portanto, aparente incongruência do legislador, pois inseriu no artigo 122


do CP o crime de participação (induzimento, instigação ou auxílio) em automutilação,
que não ofende a vida, mas sim a integridade física do ofendido.
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Seria possível, portanto, o agente ser levado a Júri popular por crime doloso
contra a integridade física (automutilação) e não contra a vida?

Há duas correntes sobre o tema. Antes de mencioná-las, no entanto, é


consenso que poderia o legislador ter evitado tal problema, bastando que previsse o crime
específico de induzimento, instigação ou auxílio à automutilação em tipo penal próprio,
fora do capítulo dos crimes contra a vida.

De todo modo, eis as duas correntes:

1ª Corrente: o legislador previu, propositalmente, o crime de participação em


automutilação no capítulo dos crimes contra a vida, não sendo possível retirar a
competência do Tribunal do Júri para sua análise.

2ª Corrente: o crime de participação em automutilação tem a integridade


física como o bem jurídico a ser protegido e não a vida. Logo, impossível o agente ser
levado a júri popular, sob pena de ofensa à Constituição. Ademais, o art. 74, §1º, do CPP
se refere ao antigo artigo 122 do Código Penal, tanto que ainda se refere ao parágrafo único
do artigo, que sequer existe atualmente, pois foram inseridos 7 parágrafos ao tipo penal.

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