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PINTURA II
GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 32 42.1
62.2 O conceito de arte 6
3 263.1 273.2
283.3 294
324.1 324.2
354.3 434.4
505 596
646.1 676.2
726.3 747
778 83
1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
Bons estudos!
Ao longo da história, o ser humano sempre criou inúmeros artefatos para utilizar
em seu cotidiano. Esses artefatos foram criados de forma harmoniosa a partir da
combinação de cores e texturas. Contudo, a criação nesse sentido, conforme
Paukoski (2022), não se restringiu apenas a objetos ‘utilitários’, mas também a
produção de obras pelas quais ele pode expressar seus sentimentos e visão da
realidade, em diferentes linguagens.
Sob esta perspectiva, torna-se evidente que a arte é uma característica inerente
ao ser humano, emergindo da consciência de sua capacidade para criar, interpretar,
imaginar e comunicar. Essa inerência é igualmente visível ao longo da Pré-História,
onde a evolução da humanidade e a necessidade de expressão artística estão
entrelaçadas. Essa intersecção remonta aos primeiros vestígios da história, onde as
primeiras manifestações estéticas têm suas raízes nos primórdios da cultura,
frequentemente vinculadas a rituais de conquista e à relação humana com a natureza
(PAUKOSKI, 2022).
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As manifestações artísticas mais antigas desse período, das quais possuímos
evidências, se manifestam nas pinturas encontradas nas cavernas de Chauvet e
Lascaux, situadas na França (Figura 1), bem como na caverna de Altamira, na
Espanha. Essas pinturas oferecem um vislumbre fascinante das habilidades artísticas
dos primeiros seres humanos, permitindo-nos compreender de que maneira eles se
esforçava para expressar sua percepção do mundo e as relações que mantinham
entre si e com a natureza.
Os desenhos e pinturas desse período são marcados principalmente pelo
naturalismo, uma vez que a natureza e os seres vivos eram retratados de forma
realista, como eram observados pelos humanos na época paleolítica. Ao contrário de
períodos posteriores, os artistas representavam apenas o que viam (BATTISTONI
FILHO, 2020). As pinturas rupestres retratam frequentemente animais, especialmente
aqueles que eram temidos, como o bisão (Figura 2).
4
Fonte: Proença (2009)
5
No entanto, é importante reconhecer que a noção de arte está longe de ser
uniforme, uma vez que a experiência artística humana é vasta e diversificada, moldada
pelos diferentes contextos temporais e espaciais das culturas existentes. Dessa
forma, iremos, nesse tópico iremos explorar de maneira mais aprofundada o conceito
de arte, indicando aspectos de sua histórica e concepções diversas sobre a obra de
arte e a experiência artística.
A arte é muitas coisas. Uma das coisas que a arte é, parece, é uma
transformação simbólica do mundo. Quer dizer: o artista cria um mundo outro
[...] por cima da realidade imediata. [...] Naturalmente, esse mundo que o
artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das
ideias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo, que tanto pode
ser erudita como ingênua. Se é ingênua, diz-se que o pintor é primitivo. Mas
que é cultura ingênua? [...] Seria, em termos genéricos, o que se chama de
cultura popular (2006, p. 105-106).
O trecho de Gullar ressalta uma das facetas intrínsecas da arte: sua habilidade
de realizar uma transformação simbólica do mundo. O artista desencadeia uma
metamorfose ao criar um universo paralelo que sobrepuja a realidade imediata. Esse
novo mundo, contudo, é uma expressão das raízes culturais, experiências de vida e
ideias que permeiam a mente do artista, constituindo sua visão de mundo, que pode
variar entre uma abordagem erudita e uma perspectiva mais simples e ingênua, muitas
vezes associada à chamada cultura popular.
Ao propor que o artista construa um mundo derivado da sua cultura, experiência
e percepções, Gullar destaca a dualidade entre as expressões artísticas consideradas
6
eruditas e aquelas enraizadas na cultura popular. Esta última, caracterizada como
"cultura ingênua", reflete uma abordagem menos formalizada, mas igualmente rica em
significados. O texto implica que ambas as manifestações, erudita e ingênua, são
intrínsecas à arte e contribuem para sua diversidade e vitalidade, uma vez que a arte
tem a capacidade de transcender a realidade imediata e revelar perspectivas
profundas e multifacetadas do mundo.
Segundo Arthur Schopenhauer (2003), filósofo alemão do século XIX, a arte é
a "exposição de ideias" e uma forma de contemplar as coisas independentemente do
princípio da razão. Ela representa o conhecimento transparente dos níveis de
objetivação da vontade. Através da arte, o gênio - enquanto capacidade presente em
diferentes graus em todos nós - seria capaz de intuir “[...] o essencial propriamente
dito do mundo, o conteúdo verdadeiro de seus fenômenos [...]” (SCHOPENHAUER,
2003, p. 15).
Pensando no conceito de arte sob o enfoque da educação, Barbosa (2018, p.
18) preconiza que:
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Uma abordagem tradicional na busca por uma definição de arte é a visão
estética, que se concentra na apreciação da beleza e na vivência estética. Dentro
dessa ótica, a arte é concebida como uma manifestação do belo, com o propósito de
criar obras que proporcionem prazer estético e emocional ao observador. Essa
perspectiva realça a importância da forma, da harmonia e da composição na prática
artística, enfatizando a maneira pela qual os elementos visuais e sensoriais são
empregados para transmitir emoções e provocar respostas profundas no espectador
(GOMES FILHO, 2022).
De acordo com Reis (2011), a experiência estética envolve fundamentalmente
a percepção, na qual o sujeito participa de forma ativa, utilizando seus sentidos, corpo,
emoções, imaginação e criatividade diante de um objeto específico. Nesse
engajamento sensorial e emocional, ocorre uma interação complexa entre o
observador e a obra de arte, transcendendo as barreiras cotidianas e permitindo uma
imersão profunda no mundo criado pelo artista.
Essa participação ativa, que abrange desde a observação visual até a resposta
emocional e intelectual, é o que confere à experiência estética sua riqueza e
significado. Através dessa interação, o espectador não apenas absorve o que está
diante de seus olhos, mas também projeta suas próprias percepções e experiências
pessoais, enriquecendo a compreensão e a interpretação da obra. Portanto, a
experiência estética vai além da mera contemplação passiva, tornando-se uma troca
dinâmica e enriquecedora entre o indivíduo e a arte
Outra abordagem é a imitação da natureza, uma perspectiva que tem raízes na
Grécia Antiga. Conforme essa visão, a arte se configura como uma tentativa de
reproduzir ou representar a natureza de maneira fidedigna. Essa concepção encontra
sua materialização em esculturas e pinturas que buscam emular a forma humana ou
a paisagem natural. A noção de imitar a natureza está intrinsecamente associada à
ideia de capturar a verdade e a essência do mundo que nos rodeia (GRINBERG,
2018).
Esta visão tem uma presença marcante nas artes, particularmente nas
esculturas e pinturas helenísticas da Grécia Antiga, onde a ênfase na reprodução
precisa da forma humana e da paisagem reflete um desejo de preservar a
autenticidade da realidade. O exemplo visual na Figura 3 ilustra uma pintura
8
helenística que evidencia essa abordagem voltada para a natureza e a realidade
ambiente, capturando detalhes minuciosos que se aproximam do mundo observável.
Fonte: encurtador.com.br/jrMU4
Fonte: encurtador.com.br/ijB78
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Há relatos de que as esculturas de pedra gregas eram tão harmoniosas que
pareciam ter vida própria. A representação do ser humano na arte grega refletia a
visão idealizada da época. A busca pela perfeição, harmonia e proporção - expressas
pelo "cânone" ou regra - influenciava o realismo presente na arte grega, que visava
representar arquétipos perfeitos para alcançar a beleza ideal (PINHEIRO;
CRIVELARO, 2014).
Cabe salientar, que a história da arte nos revela uma dicotomia entre a
concepção grega, que se concentra na objetividade e na compreensão da natureza,
e posições que valorizam a subjetividade em detrimento dessa objetividade. Desta
maneira, com o advento da concepção moderna de subjetividade, observamos o
surgimento de formas artísticas orientadas pela ideia de expressão individual.
Dentro dessa evolução, a abordagem mais subjetiva da expressão individual
assume destaque. Segundo essa perspectiva, a arte ganha vida como uma
manifestação intrínseca dos sentimentos, emoções e ideias do artista. Através da arte,
o criador empenha-se em transmitir sua visão singular do mundo, suas experiências
pessoais e sua interpretação individual da realidade. Nesse contexto, a arte
transcende a mera representação para se tornar um canal de comunicação íntima e
autorreflexão. Por meio da arte, o artista pode compartilhar sua voz autêntica e
perspectiva genuína com o público, criando uma ligação profunda e pessoal (READ,
1987). Essa abordagem ressalta a capacidade da arte de ser mais do que uma
representação estética, sendo também um veículo de autoexpressão e uma janela
para a riqueza da subjetividade humana
Nietzsche (1883), em sua obra “Assim Falou Zaratustra”, enfatiza a importância
da expressão individual na arte. Ele argumenta que a arte é uma forma de
autotranscedência, permitindo que o artista expresse a singularidade de sua visão de
mundo e transmita suas emoções e ideias de maneira intensa e pessoal. Defende que
a arte é uma forma de liberar as paixões interiores e explorar a profundidade do ser
humano, proporcionando um meio de circulação dos afetos entre público e artista.
Segundo a análise de Martin (2011), Nietzsche defende a forma artística que
busca ir além da própria existência, não como uma escapista, mas como uma
internalização da experiência de viver. O que ele idealiza contrasta com a arte que se
concentra exclusivamente em si mesma; em vez disso, ele enaltece a arte que
consegue superar suas próprias limitações.
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Continuando em sua explanação, Martin (2011, p. 4) elabora que, de acordo
com Nietzsche, a criação artística permanece intrinsecamente ligada e vinculada ao
seu criador, e sua interpretação requer uma afinidade com o estado de espírito que a
originou. Diante do relativismo subjetivo que busca separar a obra de arte de seu
criador, a fim de elevá-la a uma natureza divina, Nietzsche reitera a importância do
caráter criativo da vontade, resultante da inventividade do artista.
Outra forma de conceber a arte a partir da perspectiva de expressão de
sentimentos e disseminação de emoções pode ser observada ao analisar a obra "O
Beijo", do artista austríaco Gustav Klimt (Figura 5). Nesse contexto, é perfeitamente
possível identificar uma cena romântica, repleta de beleza e ternura entre as figuras
retratadas.
Nesse tipo de obra, temos a oportunidade de realizar uma análise mais
profunda dos sentimentos que permearam o autor durante o processo de criação,
permitindo-nos explorar as reflexões internas que deram origem a ela. De maneira
similar, no quadro "Ecce Homo", também pintado por Klimt, encontramos uma força
igualmente intensa, evocando não apenas o silêncio, mas também o sofrimento e a
angústia de Jesus Cristo enquanto ele se entrega à vontade divina.
Nesse contexto, é como se a tela se tornasse um portal para o mundo interior
do artista, revelando as emoções e as motivações que o impulsionaram a dar vida
àquela obra. Ao observar cada pincelada, cada escolha de cor e cada detalhe, somos
convidados a mergulhar na psicologia do criador, tentando decifrar as camadas de
significado que foram incorporadas à obra ao longo do processo criativo.
11
Fonte: encurtador.com.br/vCMYZ
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Figura 6 – Obra “Ecce Homo”, de Gustav Klimt
Fonte: encurtador.com.br/vCMYZ
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Figura 7 – Obra “Uma e três cadeiras”
Fonte: hacer.com.br/kosuth
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Complementando as linhas de raciocínio previamente delineadas, a arte possui a
capacidade de incitar mudanças, estimular debates e despertar consciências. Através
dela, podemos compartilhar narrativas e perspectivas alternativas, que muitas vezes
são marginalizadas ou negligenciadas. Ao abordar questões pertinentes e desafiar as
normas convencionais, a arte se torna uma força influente, capaz de influenciar e
inspirar as pessoas, gerando empatia, sensibilizando para as injustiças e promovendo
uma metamorfose social.
Segundo Ferreira Gullar, o artista tem a capacidade de, por meio de sua obra
de arte genuína, protestar contra as crueldades do mundo, convertendo a submissão
em um ato de resistência. Nesse processo, busca-se resgatar a dignidade inerente à
humanidade, visando uma sociedade mais justa, democrática e progressiva, onde
todos possam usufruir dos bens culturais e do lazer (2011, p. 67). Portanto, a arte não
se limita a produzir apenas o belo ou o útil, proporcionando prazer. Ela tem a
capacidade de contribuir para a compreensão do mundo real e expressar a verdade
de forma significativa (GULLAR, 2011).
Outrossim, a arte também desempenha um papel crucial na preservação da
história e da cultura, vez que reflete as realidades e os valores de uma sociedade em
determinado momento, documentando sua evolução ao longo do tempo. Além disso,
ela possibilita a preservação de tradições e conhecimentos ancestrais, transmitindo-
os para as gerações futuras.
Em suma, tem-se que a arte é muito mais do que uma forma de entretenimento
estético. Ela é uma poderosa ferramenta de comunicação, capaz de transmitir ideias,
provocar emoções e desafiar nossas percepções. Por meio dela, somos convidados
a expandir nossa compreensão do mundo e a nos conectar com nossa própria
humanidade e com a humanidade dos outros (GONÇALVES, 2018).
Nesse sentido, Carla Alexandra Gonçalves (2018) ensina que uma obra de arte
deve necessariamente despertar desconforto, desafiando nossa capacidade de
envolvimento, transformação e mobilizando uma ampla gama de habilidades, sejam
elas relacionais, estéticas, cognitivas, mentais, conscientes ou inconscientes. Ainda,
diz que o poder de provocar e perturbar se configura como uma das muitas formas de
interação entre a obra de arte e o receptor. A Arte não se limita apenas ao amor, ao
prazer e à satisfação, mas também pode estimular reações de ódio, repulsa, desprezo
e horror, transformando-se sempre em uma experiência. Ou ela possui essa
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capacidade provocativa, ou deixa de ser considerada uma obra de arte
(GONÇALVES, 2018).
Silva (2023) corrobora com a ideia de que a arte possui uma ampla diversidade
de formas de manifestação, e, independentemente do seu meio de expressão, sempre
possui a capacidade de transmitir sentimentos, ideias e diferentes perspectivas sobre
o mundo. Entende-se, assim, conforme analisado por Silva (2023), que a arte exibe
a notável capacidade de nos transmitir mensagens que podem desorientar nossa
experiência, orientando-a, para lugares ainda não experimentados, sempre trazendo
consigo algo relevante para compartilhar.
Essa forma de comunicação transcende diversas manifestações artísticas,
desde as obras expostas nas paredes dos museus até as capturas fotográficas da
natureza. Ela engloba os musicais que se apresentam, as esculturas adquiridas em
feiras de artesanato e até mesmo as expressões artísticas que emergem nos cantos
das escolas, vielas e becos que pontuam o cotidiano das pessoas (SILVA, 2023).
Em concordância com essa perspectiva, Dewey (2010) argumenta que as
obras de arte são os meios de comunicação capazes de proporcionar uma expressão
completa. Na compreensão do autor, as obras de arte se tornam canais genuínos e
desobstruídos de conexão entre os seres humanos, sendo aptas a operar em um
mundo onde abismos e muralhas muitas vezes limitam a partilha da experiência
(DEWEY, 2010).
Essa visão destaca o poder singular da arte em unir as pessoas por meio de
uma linguagem que ultrapassa barreiras e instiga uma compreensão mais profunda
da condição humana. As manifestações artísticas se revelam como veículos únicos
para uma comunicação íntegra e autêntica, essenciais para uma sociedade que busca
superar as barreiras que fragmentam a compreensão mútua.
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delineado por Ricciotto Canudo em 1911 e publicado em 1923, que o cinema foi
introduzido como a sétima arte, marcando um ponto de inflexão significativo (TURAÇA
ARANTES; GOMES, 2014).
Essa perspectiva histórica sublinha a evolução contínua do conceito de arte e
como ele se expande para abranger novas modalidades criativas. A adição do cinema
ao cânone das artes demonstra como a percepção sobre a expressão artística está
sujeita a mutações ao longo do tempo, incorporando formas de comunicação visual e
narrativa que surgem com o progresso da sociedade e da tecnologia.
O manifesto representou um marco de extrema relevância no âmbito da
estética e da teoria da arte. Ele propôs, como evidenciado, a integração do cinema
como a sétima arte, em conjunto com as artes tradicionais já estabelecidas. Nessa
conjuntura, Canudo (1911) defendia que as artes visuais, a literatura, a música, a
dança, o teatro e a arquitetura compunham as seis artes tradicionais. Nesse contexto,
ele concebia o cinema como uma novidade expressiva capaz de amalgamar
elementos das demais artes, originando uma linguagem singular e impactante.
Canudo via no cinema a capacidade de amalgamar e representar todas as artes,
conferindo-lhe, portanto, o título de sétima arte, como exemplificado no trecho
subsequente de sua obra:
Por ser uma arte do espaço e do tempo, o Cinema seria a grande síntese de
todas, a sétima arte, pois parte de uma imagem projetada em uma superfície,
como a pintura ou a fotografia, mas envolve o movimento, relacionando-se
ao ritmo, ao tempo (CANUDO, 1923).
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Todavia, essas são apenas algumas das espécies de arte mais conhecidas, e
muitas vezes elas se sobrepõem e se combinam, gerando formas híbridas e novas
expressões artísticas. Portanto, existem diversas espécies ou formas de arte, cada
uma com suas características distintas. E as formas de arte são categorias amplas
que englobam diferentes tipos de manifestações artísticas, de modo que as formas de
arte e as expressões artísticas estão intrinsecamente relacionadas, pois as formas de
arte abrangem as categorias amplas que agrupam diferentes manifestações artísticas,
enquanto as expressões artísticas representam as manifestações individuais e
criativas dentro dessas formas.
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Fonte: shre.ink/97IN
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Essa perspectiva independente e romântica em relação à figura do artista é
visível em seus autorretratos, os quais funcionam como espelhos de seu estado
mental. O quadro que indicamos anteriormente também funciona com um autorretrato,
já que indica o encontro do artista com o ambiente social no qual ele estava inserido.
Importante salientar ainda, que ele somente se dedicava a criar autorretratos quando
experimentava uma mudança em sua visão de mundo ou em seu estado de espírito,
fazendo dessa prática uma manifestação sincera de sua jornada interior (GOMBRICH,
1996).
Já a obra “Impressão, nascer do sol”, de Claude Monet, é um exemplo da
pintura impressionista (Figura 9). O impressionismo é um movimento artístico que
floresceu no século XIX, principalmente na França, durante a segunda metade
daquele século. Caracterizada por uma abordagem inovadora em relação à
representação visual, a pintura impressionista busca capturar a impressão
momentânea de uma cena, enfatizando a luz, a cor e a atmosfera em constante
mutação. A obra "Impressão, nascer do sol" de Claude Monet, como dissemos,
apresentada na Figura 9, é um exemplo icônico desse estilo. A pintura impressionista
busca não apenas representar a realidade visual, mas também evocar uma
experiência sensorial e emocional única, convidando o espectador a participar da cena
capturada no instante presente.
Fonte: encurtador.com.br/vCNSZ
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Por outro lado, a escultura é uma forma de expressão artística tridimensional
que envolve a criação e a modelagem de formas físicas, geralmente a partir de
materiais como pedra, metal, madeira, argila ou outros elementos, por meio da
manipulação, esculpimento ou moldagem. Através desse processo, os escultores dão
vida a obras que ocupam o espaço de maneira tangível, explorando texturas, volumes,
linhas e proporções para transmitir ideias, emoções e narrativas.
A escultura é uma manifestação artística diversificada, que pode variar de
representações figurativas altamente realistas a abstrações ousadas e
contemporâneas, desempenhando um papel essencial na exploração da forma
humana, da natureza e do imaginário. (PEREIRA, 2014). Dentro da escultura, também
encontramos diferentes expressões artísticas, como a escultura figurativa, a escultura
abstrata, a escultura cinética, entre outras. Cada expressão artística na escultura
oferece uma abordagem distinta para a criação de formas tridimensionais e a
exploração de conceitos e emoções.
A escultura Pietá de Michelangelo representa gloriosamente a expressão de
escultura figurativa, que é um tipo de representação artística da forma humana, que
encontra seu auge na escultura renascentista, mas marca profundamente o esforço
humana de transformar a natureza em espelho da ‘natureza humana’. A escultura de
Michelangelo é feita de pedra e segue abaixo (Figura 10).
Fonte: shre.ink/9AYE
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No campo das artes espaciais, como a escultura, podemos identificar também
a escultura abstrata. Trata-se, de uma vertente que se caracteriza por se afastar da
representação fiel de objetos ou formas reconhecíveis da realidade externa. Em vez
disso, busca explorar o jogo de formas, linhas, texturas e volumes de maneira não
representacional, muitas vezes evocando emoções, sensações ou conceitos abstratos
por meio de sua linguagem visual.
Um exemplo marcante dessa abordagem é "The Arch", uma obra do renomado
escultor Henry Moore. Essa peça, confeccionada em bronze, encarna com maestria
os princípios da escultura abstrata. Ao contrário de representar formas reconhecíveis,
"The Arch" é uma composição fluida e sinuosa que se desvia das limitações da
representação literal.
Henry Moore emprega formas orgânicas e curvas, explorando a relação entre
os espaços negativos e positivos. A escultura evoca uma sensação de movimento e
fluidez, convidando o espectador a interagir com as formas em constante
transformação. Ao não estar restrita a uma interpretação literal, "The Arch" permite
que cada observador atribua significados pessoais à obra, engajando-se na
experiência estética de uma maneira única.
Portanto, a escultura abstrata, como exemplificada pela obra de Henry Moore,
desafia as noções convencionais de representação e exploração visual, convidando-
nos a mergulhar em um mundo de formas, texturas e abstrações que transcendem a
realidade tangível. A escultura abstrata, por sua vez, outra forma de expressão
artística, pode ser representada pela “The Arch”, de Henry Moore. Ela é feita de bronze
e faz jus a expressão abstrata, ao passo que foge da representação de qualquer
realidade exterior (Figura 11).
Henry Moore emprega formas orgânicas e curvas, explorando a relação entre
os espaços negativos e positivos. A escultura evoca uma sensação de movimento e
fluidez, convidando o espectador a interagir com as formas em constante
transformação. Ao não estar restrita a uma interpretação literal, "The Arch" permite
que cada observador atribua significados pessoais à obra, engajando-se na
experiência estética de uma maneira única.
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Figura 11 – Escultura “The Arch” (O Arco), de Henry Moore
Fonte: shre.ink/9mrq
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A expressão musical, enquanto representação artística, se origina na
habilidade criativa e artística. Ela emerge durante o desenvolvimento artístico,
expandindo-se a partir do trabalho de organização e formulação, evoluindo
internamente na esfera do "sensível" e do intuitivo. Essa qualidade intrínseca
permanece inabalada, formando o âmago da música enquanto ela evolui e se
transforma sob a influência do processo artístico (COVALESKI, 2012).
Esses exemplos realçam as relações entre as formas de arte e as
manifestações artísticas. Cada forma de arte proporciona as condições para os
artistas explorarem e expressarem suas percepções do mundo, emoções e
concepções (PEDERIVA et al., 2022). Por sua vez, as manifestações artísticas
enriquecem e diversificam as formas de arte, introduzindo novas perspectivas, estilos
e técnicas para enriquecer o panorama artístico. Entende-se, ainda que interação
intrínseca entre as diferentes formas de arte e suas manifestações é vital para a
evolução e diversidade do universo artístico. Essa relação promove um diálogo
constante entre os artistas e o público, enriquecendo nossa compreensão e
apreciação da arte.
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o diálogo visual e emocional através da arte, ampliando a interação sensorial e
intelectual entre a obra e o observador.
Seguindo os ensinamentos de Ocvirk et al. (2018), pode-se depreender que
quando um artista consegue unir com sucesso os três componentes (tema, forma e
conteúdo) em uma obra, eles se tornam inseparáveis e mutuamente interativos,
assemelhando-se a um organismo vivo. Nesse estado, é possível dizer que a obra
possui uma unidade orgânica, não contendo elementos desnecessários ou que
possam distrair, mas sim apresentando relações que parecem inevitáveis.
Visão bem próxima a esta foi defendida por Vygotsky (1999). De acordo com
suas concepções filosóficas e teorias de arte, a obra de arte possui uma estrutura
composta por conteúdo e forma. Ele argumenta que o conteúdo da arte é derivado
das condições objetivas e das relações sociais de uma determinada sociedade, mas
é transformado pelas leis da estética. Em outras palavras, esse conteúdo objetivo é
submetido a uma forma artística, a uma composição, que é chamada de enredo.
No entanto, é importante ressaltar, como assinala Vygotsky (1999), que essa
forma artística não é uma simples reprodução da realidade, mas uma representação
que mantém uma relação complexa com ela. A forma refere-se ao arranjo e à
composição da obra de arte, enquanto o conteúdo, ou o material, constitui a base
sobre a qual a forma é construída. No entanto, essa relação entre forma e conteúdo
não é uma simples soma, mas uma unidade contraditória. A estrutura de uma obra
artística é justamente essa unidade contraditória entre forma e conteúdo, que se
complementam e se influenciam mutuamente na criação e apreciação da obra de arte.
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organização. Ao se estudar a forma de uma obra, estar-se-á analisando como ela foi
criada. Mais especificamente, é examinado, nesse caso, o motivo pelo qual o artista
faz determinadas escolhas e como essas escolhas interagem para formar a
apresentação final da obra de arte. Nesse sentido, a palavra "forma" talvez faça mais
sentido na expressão "dar forma" do que como um substantivo isolado.
Os elementos da arte, que incluem linha, textura, cor, forma e valor tonal, são
os blocos de construção fundamentais, indispensáveis e imediatos da expressão
artística. Suas características, determinadas pelas escolhas dos materiais e técnicas
feitas pelo artista, têm o poder de transmitir uma ampla variedade de sensações
complexas. Todos os artistas devem dominar e explorar esses elementos
separadamente ou em combinação. A forma como esses elementos são organizados
contribui para o sucesso ou fracasso estético de uma obra de arte (OCVIRK et al.,
2018).
Como ensina Ocvirk et al. (2018), com base na expressão pretendida, cada
artista tem a liberdade de ordenar os elementos de qualquer maneira que produza o
caráter desejado para a obra. No entanto, frisam os autores, os elementos adquirem
ordem e estrutura significativa quando são organizados de acordo com os princípios
de organização, que auxiliam na integração e organização dos elementos. Esses
princípios incluem harmonia, variação, equilíbrio, proporção, dominância, movimento
e economia. Eles ajudam a criar relações espaciais e transmitem efetivamente a
intenção do artista. Os princípios de organização são flexíveis e não dogmáticos,
podendo ser combinados e aplicados de inúmeras maneiras. Alguns artistas os
organizam intuitivamente, enquanto outros os planejam de forma mais consciente.
Com a experiência, todos desenvolvem um senso instintivo para a organização de
suas obras (OCVIRK et al., 2018).
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Por exemplo, na obra "Menina no Colo da Morte" (exposta abaixo - Figura 13),
os fortes movimentos diagonais para a esquerda, os contrastes marcantes entre os
valores tonais claros e escuros, e os traços agressivos e poderosos do desenho nos
proporcionam uma compreensão da visão de mundo de Käthe Kollwitz e da
intensidade de sua paixão, mesmo que possamos não compreender completamente
a profundidade dessa emoção (OCVIRK et al., 2018).
Fonte: shre.ink/9m1t
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4 A CRIATIVIDADE: REFLEXÕES
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perspectivas variadas em várias disciplinas, como negócios, ciências, música, artes
plásticas, teatro, dança e arquitetura.
Sob uma perspectiva bastante abrangente, a criatividade pode ser definida,
segundo preconiza Siqueira (2015), como o processo mental de geração de novas
ideias por indivíduos ou grupos. Novas ideias, como ele defende, podem se manifestar
como novos produtos, obras de arte, métodos inovadores ou soluções para
problemas. Essa definição traz consigo uma implicação importante, pois, como
processo, a criatividade pode ser estudada, compreendida e aprimorada. Isso retira
da criatividade aquela aura de um evento mágico, místico e transcendental, como se
fosse um beijo divino na testa (SIQUEIRA, 2015).
Ser criativo é possuir a habilidade de gerar ideias originais e úteis, assim como
encontrar soluções para os desafios do cotidiano. Como explica Siqueira (2015), trata-
se de olhar para as mesmas coisas que todos os outros veem, mas enxergar e pensar
de maneira diferente. Por exemplo, o balão de ar quente foi inventado pelos irmãos
Joseph e Etienne Montgolfier em 1783.
Conforme narrado por Siqueira (2015), a ideia surgiu quando Joseph observou
a camisola de sua esposa levitando após ela colocá-la em frente ao forno para secar.
A partir dessa observação, ele teve a ideia de construir um invólucro grande feito de
papel e seda em forma de pêra, com uma abertura na base para ser inflado com a
fumaça resultante da queima de palha. Embora milhões de pessoas já tivessem
presenciado esse fenômeno, somente os irmãos Montgolfier foram capazes de
aproveitar essa observação de forma prática. Eles viram muito além de uma camisola
flutuante - isso é criatividade, finaliza Siqueira (2015).
Outro questionamento levantado por Siqueira (2015) é sobre “como as ideias
surgem”. Para ele, muitos acreditam que as pessoas criativas possuem algo de
mágico e que suas ideias aparecem repentinamente, surgindo do nada como
resultado de um momento misterioso e inexplicável, ou talvez até mesmo de um feliz
acidente. Contudo, embora algumas ideias possam de fato surgir por acaso, essa não
é a regra geral, afirma o autor, que exemplifica da seguinte forma: Thomas Alva
Edison, um dos maiores inventores de todos os tempos, tinha uma visão
completamente diferente do processo criativo, visto que para ele "O gênio é 99%
transpiração e 1% inspiração”. Eu nunca criei algo de valor acidentalmente, nem fiz
nenhuma das minhas invenções por acidente. Elas surgiram do trabalho." Pablo
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Picasso compartilhava da mesma opinião: "A inspiração existe, mas ela deve nos
encontrar trabalhando.".
Basta observar a biografia dos gênios para perceber que a genialidade é uma
qualidade desenvolvida com esforço, disciplina e rigor. Esses gênios descobrem sua
criatividade através de um constante comprometimento com o trabalho árduo, que os
levam a desenvolverem o melhor de suas capacidades (PÉTRY, 1971).
Conforme lição de Siqueira (2015), o mesmo princípio que se aplica aos gênios
é válido para todos aqueles que desejam desenvolver suas habilidades criativas. O
primeiro passo é compreender que ideias criativas não surgem magicamente, por um
lampejo de genialidade ou por acidente. Embora isso possa acontecer em casos
excepcionais, não é a regra geral. O processo criativo requer esforço e nem sempre
as ideias surgem prontas, perfeitas e completas. Muitas vezes, elas começam como
ideias simples e incompletas, meros esboços que precisam ser elaborados,
combinados e aprimorados. Grandes ou pequenas, as ideias surgem a partir de um
processo que pode ser estudado, aperfeiçoado, ensinado e replicado, finaliza Siqueira
(2015).
O desenvolvimento da criatividade requer que as pessoas abandonem suas
zonas de conforto e se libertem dos bloqueios que impedem o pleno uso de suas
capacidades mentais (SIQUEIRA, 2015).
Siqueira (2015) explica, porém, que é evidente que alguns indivíduos mais
talentosos podem ter mais facilidade em dominar o processo criativo e gerar ideias
extraordinária, no entanto, a humanidade não depende apenas de grandes ideias.
Nosso cotidiano se tornou mais agradável, produtivo e seguro graças a uma infinidade
de pequenas, contudo, indispensáveis invenções, como parafusos, chaves de fenda,
escovas de dentes, escadas e muitas outras, sem as quais a vida moderna seria
menos confortável, saudável e produtiva.
Nesse sentido, Vygotsky (1930/1987) ensina que, de fato, existe uma opinião
muito difundida de que a criação é patrimônio dos eleitos e que somente aqueles que
possuem dons e talentos extraordinários devem desenvolvê-la, considerando-se
chamados à criação. No entanto, essa situação não está correta, conforme explicado
anteriormente. Se a compreensão da criação em seu verdadeiro sentido psicológico
for levada em conta, como a geração do novo, é fácil chegar à conclusão de que a
34
criação é patrimônio de todos, em maior ou menor grau, e acompanha, de forma
normal e constante, o desenvolvimento infantil.
No que diz respeito ao desenvolvimento da criatividade, assumindo que as
pessoas já possuem o dom natural da criatividade, surgem algumas perguntas
práticas: como podemos desenvolvê-la? O que é esse processo criativo e como
dominá-lo? O desenvolvimento da criatividade individual envolve os seguintes
elementos:
No que se refere ao aperfeiçoamento da criatividade, levando em consideração
que há pessoas que já possuem um talento inato para serem criativas, surgem
algumas indagações práticas, como: de que forma podemos estimulá-la, desenvolvê-
la? O que é processo de criação e como podemos dominá-lo? Ao longo desse estudo,
essas questões serão abordadas em mais detalhes.
No século XVIII e XIX, filósofos empiristas como Locke, Hume e Mill abordaram
a criatividade humana em termos de processos cognitivos, baseando suas
concepções em uma determinada imagem do sistema de causalidades que marcam
o modo de ser do mundo da natureza, que deveriam refletir-se e orientar a experiência
humana.
Segundo essa visão, todos os adultos se comportam de maneira idêntica e
conforme leis instituídas pelo mundo da natureza. Essa perspectiva de universalidade
do comportamento criativo foi adotada pela psicologia convencional. No entanto, com
base na influência da biologia evolutiva, a concepção de criatividade se desvinculou
deste conjunto de hipóteses empiristas. Como resultado, a criatividade passou a ser
entendida como sinônimo de genialidade, especialmente no ambiente do romantismo
alemão, o que viria a determinar muitos aspectos das concepções contemporâneos
de criatividade. Nesse contexto, a criatividade foi definida como um processo psíquico
fundamentado na excepcionalidade do pensamento ou criação.
Com o objetivo de estabelecer e estudar as relações entre o estudo do
comportamento humano e os princípios teóricos da abordagem da seleção natural
proposta por Darwin (1887), Galton (1869) conduziu um ensaio estatístico para
investigar a hereditariedade da genialidade humana. Ele analisou uma amostra de
35
indivíduos com produções criativas e seus resultados revelaram diferenças no nível
de criatividade relatado por cada indivíduo. Com base nessas conclusões, Galton
argumentou que aqueles com habilidades criativas mais desenvolvidas eram tão bem
adaptados ao ambiente que alcançariam eminência social em qualquer contexto. Essa
evidência de causalidade sustentou sua hipótese de que a criatividade é uma
característica herdada geneticamente.
No início do século XX, a criatividade se tornou um tema central nos debates
acadêmicos, sendo abordada a partir de perspectivas cognitivas, intelectuais e
sociais. Em 1904, Binet e Simon desenvolveram um modelo teórico-empírico para
diagnosticar o nível intelectual de crianças em idade escolar na França. Sua pesquisa
foi fundamentada na ideia de que o desenvolvimento intelectual ocorre de forma
gradual ao longo do tempo, mas pode ser mais acelerado em certos indivíduos. Com
base nessa premissa, eles criaram uma "escala de inteligência" para medir diferentes
aspectos da intelectualidade, incluindo compreensão, julgamento, raciocínio e
criatividade.
Em um trabalho de 1910, Poincaré se dedicou a explicar a origem da criação
matemática através da interação entre o raciocínio consciente e os impulsos
inconscientes. Segundo sua perspectiva, a criatividade é um processo complexo de
invenção que envolve a tomada de decisões. Envolve o processamento lógico de
informações para resolver operações matemáticas por meio de indução ou dedução,
e a escolha satisfatória de uma combinação viável entre várias combinações inúteis
criadas pelo inconsciente. Poincaré enfatizou a importância da interação entre a
consciência e o inconsciente na geração de ideias criativas e na seleção daquelas que
são consideradas relevantes e úteis.
De acordo com a exposição feita por Michel Paty em seu artigo "A criação
científica segundo Poincaré e Einstein" (2001), o postulado teórico de Poincaré
ressalta a ideia de que as combinações que emergem na mente como lampejos de
inspiração, após um período prolongado de trabalho inconsciente, tendem a ser
combinações frutíferas e produtivas, que aparentam ser resultados de um primeiro
insight. Essa perspectiva insinua que a criatividade não é um evento súbito e
passageiro, mas sim um processo contínuo de discernimento, tomada de decisões e
amadurecimento do pensamento.
36
Conforme a visão de Poincaré, a criatividade demanda um labor prévio no
âmbito inconsciente e uma constante elaboração mental, culminando finalmente nas
formulações criativas. Portanto, a inspiração instantânea é alimentada por um
processo de preparação inconsciente e a reflexão consciente, trabalhando em
conjunto para dar forma às ideias inovadoras e criativas.
Entende-se, assim, que a criatividade é um fenômeno multifacetado que
envolve a geração de novas e originais ideias, conceitos, produtos ou soluções. Ela
representa a capacidade humana de transcender as fronteiras das formas
sedimentadas de expressão, comportamento e linguagem, combinando os elementos
de uma experiência de forma inesperada. Além da abordagem de Poincaré, vamos
encontrar diversas abordagens que buscam entender a natureza da criatividade.
Podemos, assim, encontrar uma abordagem psicológica que considera a
criatividade como um traço pessoal, relacionado à habilidade de pensar de maneira
flexível, associativa e divergente. Nesse contexto, a criatividade está ligada à
capacidade de encontrar soluções originais para problemas, de forma não
convencional. Outra perspectiva é a sociocultural, que vê a criatividade como um
fenômeno moldado pela cultura, educação e ambiente social. Ela enfatiza como as
normas, valores e padrões sociais influenciam a expressão criativa e como os
indivíduos interagem com seu contexto para gerar ideias inovadoras.
Diante da interpretação da literatura que conceitua a criatividade como um
fenômeno cognitivo, Graham Wallas (1858-1932) desenvolveu um modelo teórico com
o objetivo de descrever e mensurar o processo criativo. Esse modelo pioneiro propõe
que a criatividade ocorre em quatro etapas consecutivas:
37
● Verificação: Após a iluminação, o indivíduo passa a planejar e avaliar a
relevância das ideias geradas. É um momento de análise crítica para verificar
a viabilidade e adequação das soluções propostas.
38
um geral e outro específico - à medida que a fase de iluminação se sobrepõe à fase
de verificação. Na fase inicial de iluminação, uma ideia mais abrangente emerge
(momento de atenção geral). Entretanto, essa ideia é gradualmente refinada e
codificada pelo indivíduo por meio de mecanismos difusores, como a escrita, até
atingir a fase de verificação. Dessa forma, o processo criativo revela-se como
heurístico, evolutivo e sistemático, à medida que as ideias evoluem e se desenvolvem
ao longo do tempo.
Focado na criatividade científica, Jacques Hadamard (1865-1963) conduziu
um estudo empírico com um grupo de cientistas matemáticos, com o intuito de
explorar o comportamento psicodinâmico desses indivíduos durante a resolução de
problemas matemáticos. O objetivo era compreender as estratégias e os processos
cognitivos adotados pelos cientistas em sua busca por soluções inovadoras e
criativas.
Entre os resultados obtidos pelo pesquisador, destaca-se o fato de que o
processo criativo no campo da matemática baseia-se na lógica e na formalização das
ideias concebidas. Nesse sentido, as possíveis alternativas de solução para o
problema matemático são submetidas a um escrutínio crítico, exigindo a ativação e o
processamento das informações científicas armazenadas na memória, a fim de tornar
a criação plausível e consistente. Isso é particularmente relevante ao buscar propor
métodos originais de resolução.
Assim, a produção decorrente da criatividade deve ser passível de verificação
e, em certos casos, embasada em um processo criativo que se desenvolve ao longo
de uma trajetória científica ou disciplinar em campos específicos.
Max Wertheimer (1880-1943) investigou o esforço criativo envolvido na
resolução de problemas matemáticos, a fim de identificar, estruturar e mensurar o
raciocínio operacional realizado por um grupo de indivíduos submetidos à tarefa de
equacionar situações complexas. Ele concluiu que o processo criativo se estrutura em
unidades integradas de raciocínio. Ou seja, o indivíduo realiza a decomposição dos
problemas e das demandas que desafiam sua originalidade.
A decomposição tem como objetivo converter a representação vaga de uma
situação-problema em uma representação funcional, dividida em blocos de
interpretação. Essa abordagem envolve inicialmente a organização de elementos
39
dissociados para construir representações sistemáticas da realidade. Quando essas
representações são combinadas, elas geram impulsos originais.
Nessa perspectiva, a criatividade é concebida como um processo de
desconstrução e reconstrução intencional. A partir das dinâmicas, forças e tensões
presentes no problema em questão, um "fio condutor" é estabelecido para orientar a
geração de ideias. Esse elemento central representa os insights que surgem na mente
do indivíduo, desde a conscientização até a validação da ideia. Além disso, reforçando
essa visão, Guilford (1950) propôs que o desempenho de um indivíduo em testes de
inteligência é explicado por habilidades mentais subjacentes, também conhecidas
como inteligência. Portanto, quanto maior o nível de inteligência de uma pessoa,
maiores são suas chances de demonstrar criatividade.
Mais adiante, J. P Guilford (1897-1987) apresentou uma demonstração teórico-
quantitativa do modelo de análise fatorial da inteligência. Nesse modelo, ele
estabeleceu uma relação causal entre o processo criativo e as operações intelectuais
dos indivíduos. Essas operações intelectuais foram classificadas como “cognição,
memória, pensamento convergente, pensamento divergente e avaliação”, e aplicadas
a diferentes tipos de informações (figurativas, simbólicas etc.), resultando em
diferentes
A contribuição inovadora da pesquisa de Guilford (1967) está na definição do
pensamento, na qual ele distingue pensamento convergente e pensamento
divergente. O pensamento convergente é caracterizado como um processo cognitivo
lógico utilizado pelos indivíduos para organizar e estruturar respostas a questões de
testes psicométricos. Por outro lado, o pensamento divergente é compreendido como
um processo cognitivo sistêmico, que se baseia em conexões e interrelações,
explorando alternativas não necessariamente lógicas para os problemas
apresentados nos testes psicométricos de inteligência.
Na figura 14, encontramos uma ilustração dessa concepção.
40
Figura 14- Processo mental da pessoa criativa: pensamento divergente e
convergente
41
pessoal), as influências sociais (dimensão situacional), os traços da personalidade
(dimensão comportamental) e os estímulos (dimensão consequencial), de forma
integrada, concomitante e sistemática, interferem no esforço criativo dos indivíduos.
Portanto, o exercício criativo enseja estratégias, pelas quais os indivíduos mobilizam
condições distintas para melhorar o retorno de suas criações.
De modo semelhante, Feldman et al. (1994) defendem que o estudo da
criatividade ultrapassa a perspectiva individualista vinculada à abordagem cognitiva,
dado que o processo criativo passa a ser reconhecido na literatura como um fenômeno
cognitivo integrado ao contexto social, econômico, cultural e à personalidade do
indivíduo (AMABILE, 1983). Para tanto, definem o processo criativo como um sistema
dimensional, caracterizado por um conjunto de elementos individuais, culturais e
sociais, interdependentes entre si.
De acordo com Cavalcante (2021), esses elementos desempenham um papel
crucial ao fornecer os impulsos necessários para a atividade criativa, impulsionando a
dedução e a originalidade. Segundo o modelo proposto, a dimensão individual do
sistema é representada pelas características psíquicas do indivíduo, como cognição,
memória e percepção, que estão intimamente ligadas às experiências pessoais
acumuladas ao longo da vida. Uma contribuição significativa desse modelo é a
inclusão de aspectos como curiosidade, entusiasmo, motivação, experiências,
persistência e flexibilidade de pensamento no contexto da dinâmica criativa. Isso
permite abordar o processo criativo como um fenômeno endógeno, influenciado por
fatores externos de grande relevância (CAVALCANTE, 2021).
Nesse contexto, é postulado, segundo Cavalcante (2021), que o processo
criativo é composto por dois elementos essenciais: o núcleo de domínio e o núcleo de
campo. O núcleo de domínio abrange conjuntos sistemáticos de regras, símbolos ou
conhecimentos presentes na sociedade, com destaque para o domínio cultural e o
domínio científico. Por outro lado, o núcleo de campo é definido como o ambiente ou
espaço responsável por selecionar e validar a originalidade das ideias propostas. Em
diferentes áreas, como na economia, o campo pode ser representado pelo mercado,
onde ocorre a seleção das inovações relacionadas aos processos de produção e
comercialização de produtos. Com base nessas definições, a dimensão individual do
sistema criativo é influenciada simultaneamente pelo conhecimento e domínio das
ideias e pelo contexto do campo específico em que atuam (CAVALCANTE, 2021).
42
A noção de criatividade multidimensional abrange a capacidade de criar e
expressar originalidade por meio da interação complexa e harmoniosa de fatores
cognitivos, conativos, emocionais e socioculturais em indivíduos. Essa concepção,
como ensina Cavalcante (2021), tem impulsionado o debate sobre criatividade no
contexto econômico, destacando a importância desses diversos aspectos na
manifestação do potencial criativo.
43
Fonte: Adaptada de Guilford (1960)
45
Ao analisar o quadro acima, é possível observar que Pinheiro (2009) destaca
que apenas cinco das características apresentadas por Eysenck e Wechsler são
comuns: independência, abertura, interesse, autoaceitação e flexibilidade. Por outro
lado, características como impulsividade e introversão, atitudes sociais e antissociais,
entre outras, parecem ser diferentes e, em alguns casos, até contraditórias. Alguns
autores sugerem que a razão para o sucesso criativo dos indivíduos estudados por
Mackinnon (1978) seja justamente a tensão gerada pelos traços contraditórios, como
a presença e atitudes sociais combinadas com uma atitude antissocial.
Considerando que a proposta de Wechsler se alinha em certas características
com a de Eysenck, e é mais atualizada, abrangendo extensas pesquisas baseadas
em outros autores que referenciam as características apresentadas, é oportuno
explorá-las com mais detalhes, conforme será exposto no Quadro 3 abaixo.
Fantasia e Imaginação
Tudo o que é concreto teve sua
origem na mente de alguém. A
imaginação desempenha um papel
fundamental ao permitir que o indivíduo
visualize em sua mente situações, fatos,
ideias e sentimentos que ainda não
existem, mas que têm potencial para se
tornarem realidade. Isso abre caminho
para o desenvolvimento do processo
criativo, criando uma interação entre a
fantasia e a realidade (PELAES, 2012).
Inconformismo
Muitas criações surgem como
resultado da não aceitação de situações
vivenciadas. A contestação da realidade
e a recusa em aceitar um problema sem
solução são características marcantes
do indivíduo criativo. Um exemplo disso
é Alexander Fleming, que não se
conformava em ver tantas pessoas
morrendo de doenças infecciosas
durante e após a Primeira Guerra
Mundial. Como resultado, ele dedicou
anos de pesquisa incansável em um
único tema (FIATES, 2014).
Independência de Julgamentos
Ao realizar pré-julgamentos,
corre-se o risco de excluir boas ideias,
pois isso é feito com base em padrões
antigos. No processo de criação de algo
novo, é essencial avaliar com base em
novos parâmetros, buscando uma
47
abordagem livre de preconceitos. Caso
houvesse pré-julgamentos, é provável
que ideias como o uso de vírus para a
produção de vacinas teriam sido
rejeitadas (FIATES, 2014).
A criatividade está
intrinsecamente ligada à inteligência e às
habilidades, e, por consequência, ao
processo de aprendizagem. Há quase 40
anos, Lewin (1965), um estudioso da
psicologia social, já enfatizava a
Abertura a Novas Experiências aprendizagem como um processo
experimental. Segundo o autor, a
aprendizagem requer experimentação e
vivências. Portanto, para criar algo novo,
é essencial estar aberto a vivenciar
experiências inéditas e aprender coisas
novas (FIATES, 2014).
A impulsividade e a
espontaneidade são responsáveis pela
geração de ideias sem a preocupação de
passar por filtros pré estabelecidos e,
consequentemente, sem julgamentos de
Impulsividade e Espontaneidade
valor. Isso permite uma abertura para a
criatividade fluir livremente, explorando
novas possibilidades e abordagens sem
restrições ou restrições autoimpostas
(FIATES, 2014).
51
a aceitação dessas diferenças contribui para relações mais equilibradas e uma
convivência mais harmoniosa e afetiva entre as pessoas. Ao incentivar a
compreensão mútua e o respeito pelas diversidades, a escola criativa promove um
ambiente propício ao crescimento pessoal e ao desenvolvimento de relações
saudáveis entre os membros da comunidade escolar (SUANNO, 2013).
Segundo esse mesmo autor, o cuidado com a afetividade dos alunos
desempenha um papel crucial, pois permite que eles reconheçam uma ampla gama
de sentimentos e emoções em si mesmos. Ao adquirir essa habilidade de
autoconhecimento emocional, os alunos aprendem a conviver com seus sentimentos,
enfrentando-os de maneira mais compreensiva e construtiva, o que, por sua vez,
melhora suas interações no convívio social.
De acordo com Suanno (2013), essa abordagem centrada no cuidado afetivo
também desempenha um papel fundamental em ajudar os alunos a reconhecer a
necessidade de reorganizar seus sentimentos e a desenvolver uma compreensão
mais profunda do seu mundo interior. Isso resulta em uma melhor percepção de suas
capacidades atuais e potenciais, incentivando-os a se superarem constantemente no
seu crescimento pessoal.
A ênfase na dimensão afetiva por parte da escola, conforme explicado por
Suanno (2013), cria um ambiente propício para que os alunos aprendam a lidar de
maneira saudável e construtiva com suas emoções. Esse enfoque contribui para uma
jornada de desenvolvimento pessoal mais enriquecedora e para o aprimoramento das
relações interpessoais dentro do contexto social em que estão inseridos.
Uma escola com abordagem criativa procura estabelecer uma conexão ativa
com a família e a comunidade, demonstrando um genuíno interesse no ambiente
social de cada aluno, inclusive sua vizinhança e comunidade local. Essa integração
incorpora essas realidades e saberes ao ambiente escolar, permitindo que a
instituição esteja sempre aberta à aprendizagem contínua (SUANNO, 2013).
A ênfase na formação contínua do corpo docente é uma manifestação de ação
criativa por parte da escola. Isso envolve a (re)construção das estruturas cognitivas,
conforme proposto por Piaget em 1975. Essa abordagem demanda tempo e ajustes
internos para assimilar novos conteúdos de forma significativa.
Quando o processo de ensino é concebido de maneira criativa, os professores
se concentram na aprendizagem dos alunos, buscando criar conflitos cognitivos
52
deliberados com o intuito de instigar angústias que estimulem a busca por
conhecimento e o desenvolvimento da curiosidade (SUANNO, 2013). Nesse cenário,
os alunos são encorajados a se tornarem exploradores da natureza humana, social e
natural, orientados por educadores que os auxiliam a aprender por meio de desafios,
problemas e situações estimulantes. Esse ambiente educacional propicia o
desenvolvimento de habilidades e a motivação para explorar e aprender cada vez
mais.
Em uma escola que se baseia na criatividade, o processo de aprendizagem
transcende a interação entre professores e alunos. Ele se estende, de acordo com
Suanno (2013), para além das salas de aula, abrangendo a interação entre os próprios
alunos, suas famílias, a comunidade local e diversos representantes da sociedade,
como associações e outros órgãos, que passam a participar ativamente na vida
escolar, conscientes de que os resultados desse investimento serão colhidos em um
futuro próximo (SUANNO, 2013).
Outrossim, o autor ensina que a aprendizagem é enriquecida com o uso dos
recursos tecnológicos disponíveis atualmente, como computadores, internet e redes
sociais. Esses instrumentos proporcionam aos alunos uma experiência de
aprendizado sensível e facilitam o acesso tanto ao professor quanto entre os próprios
alunos, através de fóruns, bate-papos, telefones celulares e outros recursos
interativos (SUANNO, 2013). Nessa abordagem criativa, o conhecimento é
disseminado de maneira ampla e diversificada, permitindo uma maior troca de
informações e aprofundamento dos conteúdos de forma inovadora.
A escola desempenha, portanto, um papel crucial não apenas na formação
acadêmica dos alunos, mas também no estímulo e desafio individual, proporcionando
uma atenção personalizada. Essa abordagem ética e criativa permite identificar
habilidades e talentos únicos em cada estudante, possibilitando o planejamento
adequado de atividades que se alinhem com suas características pessoais (SUANNO,
2013).
Além disso, Suanno (2013) defende que a escola deve estar comprometida
com o conhecimento, tornando-o acessível, agradável e aberto a todos. Ao mesmo
tempo, é essencial, como frisa o autor, que a instituição tenha desenvolvido
responsabilidades sociais, respeitando as subjetividades e individualidades de cada
aluno. Suas ações devem ser transparentes e pautadas pela inovação, buscando
53
sempre novas formas de promover um ambiente de aprendizagem enriquecedor e
motivador. Ao agir assim, a escola proporciona um ambiente acolhedor e progressista,
onde cada aluno pode florescer e alcançar seu potencial máximo.
O progresso educacional reside, conforme Suanno (2013), na capacidade de
adaptar-se às necessidades individuais dos alunos, buscando equilibrar o
planejamento das atividades com uma abordagem criativa e positiva. Uma ação
transformadora bem-sucedida começa a evitar o foco imediato nos problemas, pois
essa abordagem pode causar bloqueios na busca por mudanças significativas.
Problemas de longa data, muitas vezes negligenciados e pouco resolvidos, podem se
tornar obstáculos iniciais para alcançar a transformação desejada. Portanto, é
fundamental abordar os desafios com uma mentalidade inovadora e proativa,
encontrando soluções construtivas que direcionam o caminho rumo ao
desenvolvimento e ao crescimento educacional (SUANNO, 2013).
O avanço na educação se reflete na organização de programas de ensino que
atendam tanto às necessidades dos alunos quanto dos professores e isso implica
contextualizar o conteúdo da sala de aula com situações do cotidiano e as incertezas
enfrentadas diariamente (SUANNO, 2013). Os projetos de investigação são
essenciais para desafiar os alunos na busca e construção do conhecimento,
incentivando uma abordagem criativa na organização dos conteúdos e planejamento
das atividades.
De acordo com Suanno (2013), ao proporcionar aos professores a liberdade de
experimentar diferentes metodologias de ensino e inovar nas estratégias de
abordagem dos conteúdos e no contato com os alunos, a escola cria um ambiente
propício para o crescimento mútuo. A coparticipação de alunos e professores, com a
incorporação do novo e do incerto, é incentivada, permitindo que todos contribuam
com suas sugestões e colaborações, fortalecendo a confiança mútua no processo de
aprendizado.
Essa abordagem colaborativa e criativa fomenta o envolvimento e interesse dos
alunos, tornando o ensino mais significativo e relevante para suas vidas. Ao se
aproximarem da realidade cotidiana, os estudantes percebem a aplicabilidade do
conhecimento adquirido, tornando-se aprendizes mais motivados e engajados. Da
mesma forma, os professores encontram satisfação em ver o impacto positivo que
54
suas abordagens inovadoras têm na formação dos alunos, estabelecendo uma
relação de confiança e respeito mútuo (SUANNO, 2013).
De acordo com Vygotsky (2001), o desenvolvimento humano e a educação são
interligados e considerados como duas faces de uma mesma moeda. A educação
desempenha um papel fundamental ao permitir a mediação social, através da qual
ocorre a internalização da cultura pelo indivíduo. É por meio desse processo que o ser
humano se constitui e se desenvolve de forma dialética, sendo influenciado por
desequilíbrios e rupturas que se organizam internamente e de maneira contínua.
Essa abordagem, ressalta o potencial criativo inerente a cada indivíduo, que se
manifesta em diversas formas de expressão. A educação, consoante ensinamento de
Suanno (2013), ao promover a mediação social e a internalização da cultura,
impulsiona o desenvolvimento humano, incentivando a busca por novos
conhecimentos, habilidades e perspectivas. O ser humano, em constante processo de
desenvolvimento, é moldado por seu ambiente social e cultural, encontrando na
educação um caminho para o crescimento intelectual e emocional, bem como para a
manifestação de sua criatividade singular (SUANNO, 2013).
De fato, o planejamento criativo requer uma sinergia entre todos os envolvidos,
e essa relação sinérgica tem suas raízes na confiança mútua. Ao estabelecer uma
atmosfera positiva e propícia às relações humanas, a confiança é cultivada, permitindo
que todos os participantes se sintam valorizados e respeitados em suas diferenças
pessoais.
Compreender que cada indivíduo possui seu próprio ritmo e velocidade de
aprendizagem é essencial para o planejamento do ensino e do espaço de
aprendizagem. Ao levar em consideração essas particularidades, o ambiente
educacional se torna mais inclusivo e acolhedor. Valorizar as diferenças e promover
um ambiente que reconheça a singularidade de cada aluno incentiva o respeito mútuo
e a colaboração, fortalecendo a relação entre os envolvidos (SUANNO, 2013).
Dessa forma, ensina Suanno (2013): a confiança e o respeito mútuo criam uma
base sólida para o planejamento criativo, permitindo que as ideias sejam
compartilhadas e desenvolvidas de forma colaborativa. Isso resulta em um ambiente
de aprendizagem enriquecedor, no qual todos podem se sentir motivados a participar
ativamente do processo de ensino-aprendizagem.
55
A compreensão das diferenças individuais na escola criativa aproxima as
pessoas do entendimento das dimensões pessoais e sociais, promovendo relações
saudáveis e habilidades sociais. Essa abordagem possibilita um avanço social
significativo, criando uma comunidade mais inclusiva e compassiva (SUANNO, 2013).
Wallon (1981) aborda a compreensão do indivíduo em seu contexto,
destacando a instalação de uma relação dinâmica e recíproca entre os recursos do
meio e as características pessoais. A cada momento vivido, uma interação singular
entre o ambiente e o sujeito se manifesta, revelando a complexidade das interrelações
humanas.
Conforme esse autor, o desenvolvimento de cada indivíduo, especialmente no
caso das crianças, é influenciado pelo contexto em que estão inseridas. Esse contexto
é composto pelos conhecimentos pessoais e culturais da criança, pela linguagem
utilizada nas interações com os outros sujeitos, incluindo os mais próximos, e pelo
ambiente físico e seus aspectos. Esses elementos se entrelaçam e desempenham um
papel crucial na formação e no crescimento da criança, moldando suas experiências
e perspectivas ao longo do desenvolvimento (WALLON, 1981).
Conforme explica Suanno (2013), Wallon enfatiza que o desenvolvimento do
pensamento criativo, com todo o seu potencial, está intrinsecamente ligado ao
ambiente em que o indivíduo se encontra. Esse ambiente pode ser a sala de aula ou
qualquer outro espaço dentro da escola, incluindo as relações entre os alunos, entre
os alunos e os professores, bem como com a equipe de gestão da escola e seus
familiares. Todos esses elementos do ambiente escolar têm um papel fundamental na
promoção e no desenvolvimento da criatividade, proporcionando um cenário propício
para o florescimento das habilidades criativas dos estudantes.
Propor e fazer mudanças significativas nas escolas pode ser difícil, pois muitas
vezes as instituições resistem à experimentação e não dedicam tempo suficiente para
a consolidação das transformações. Algumas escolas optam por pequenos ajustes
que têm pouco impacto real e faltam criatividade, não trazendo benefícios
significativos para os alunos. É necessário comprometimento, inovação e
envolvimento de todos os stakeholders (envolvidos) para promover mudanças efetivas
na educação, visando melhorar a experiência de aprendizado dos estudantes
(SUANNO, 2013).
Nesse sentido, Suanno (2013, p. 152) ainda fala o seguinte:
56
Para promover um ambiente mais estimulante, é necessário priorizar soluções para
os desafios e não apenas observar situações angustiantes. Abraçar a inovação e a
criatividade é essencial para reavivar o entusiasmo pela educação e desencadear um
impacto positivo no processo de aprendizado.
57
De acordo com a autora, a aprendizagem criativa é fundamentada em quatro
aspectos nucleares, que serão expostos no quadro abaixo (Quadro 4).
58
suas ações e assumindo a responsabilidade pela criação de ambientes que facilitem
ou dificultem as interações interpessoais e sociais. Amaral (2011) sugere que a
aprendizagem criativa pode ser estudada em duas dimensões: a produtiva,
relacionada aos resultados concretos, como atividades, trabalhos e ideias originais
elaboradas em sala de aula, e a subjetiva, relacionada aos processos internos que
favorecem a construção criativa do conhecimento pessoal. Esse conhecimento
pessoal refere-se ao acervo individual de conhecimentos que cada pessoa desenvolve
ao longo do tempo.
5 BLOQUEADORES DE CRIATIVIDADE
59
Para permitir que a criatividade flua livremente e que novas ideias surjam, é
necessário, de acordo com Pirolo (2016), abandonar conceitos antigos e enfrentar as
tendências naturais que resistem à inovação, pois quando essas tendências se tornam
extremas, elas se transformam em verdadeiros obstáculos. Geralmente, esses
bloqueios criativos estão enraizados em nós mesmos, e raramente estamos
conscientes de sua existência. Reconhecer e lidar com nossos próprios bloqueios é a
melhor maneira de avançar no caminho da inovação (PIROLO, 2016).
Torre (2008) diz que os obstáculos ao desenvolvimento da criatividade podem
surgir de diversas fontes, seja de nós mesmos (em termos mentais ou emocionais),
do ambiente sociocultural ou do ambiente escolar.
Segundo esse autor, é essencial identificar e tomar consciência dos obstáculos
para prosseguir no processo criativo. Além disso, Predebon (2002) apresenta uma
lista dos bloqueios mais comuns associados à criatividade, que incluem acomodação,
miopia estratégica, imediatismo, insegurança, pessimismo, timidez, prudência,
desânimo e dispersão.
Já a autora Wechsler (2002) destaca que existem variáveis que influenciam a
criatividade, como as barreiras culturais, perceptuais (que se subdividem em
bloqueios perceptuais geométricos e bloqueios perceptuais visuais) e emocionais.
A figura seguinte apresenta os tipos de bloqueios ou barreiras à criatividade
defendidos por Wechsler (2002) - Figura 16.
60
As barreiras de natureza cultural constituem entraves que restringem o
pensamento e comportamento criativo, principalmente na esfera social. Os bloqueios
culturais são impostos por coletivos, organizações ou mesmo pela sociedade em
geral, resultando no receio de ser rejeitado pelo grupo e dificultando a formulação de
ideias que se desviem das convencionalmente aceitas.
De acordo com investigações conduzidas Goleman, Kaufman e Ray (1992), é
claramente perceptível que a grande maioria das pessoas tende a limitar o âmbito de
sua criatividade nos primeiros anos de vida, especialmente quando adentram o
ambiente escolar primário ou o jardim de infância. A influência da educação
convencional nesse contexto se destaca, uma vez que tende a subjugar e restringir
nossa capacidade de expressão criativa.
Nos primeiros estágios da fase escolar, conforme salientado por Weiner (2011),
as crianças exibem entusiasmo pela escola, pelo aprendizado e pela exploração. No
entanto, ao longo do tempo, as pressões psicológicas acabam por fazer com que
poucas crianças "desfrutem e encontrem satisfação em sua própria criatividade". Na
sociedade em geral, é uma prática comum que aqueles que se diferenciam dos
padrões estabelecidos enfrentam punições ou sejam excluídos (PIROLO, 2016).
Pirolo (2016) cita ainda o holandês Vincent Van Gogh como grande exemplo
de pessoa que deixou de lado as barreiras culturais para atender ao chamado de sua
arte. Veja:
O holandês Vincent Van Gogh foi um grande exemplo de pessoa que deixou
de lado as barreiras culturais para desenvolver a criatividade sem limites em
sua arte. Durante sua atormentada existência optou por manter a sua
singularidade contra tudo e contra todos. Enfrentou pai, família, marchands e
não se dobrou a nenhum modelo social. Foi sempre fiel a si mesmo, fosse
como pintor, como estudante, como missionário, como amante. E mais do
que isso, teve a coragem de assumir uma posição ideológica que podemos
chamar de panteísta. O termo panteísta refere-se ao sistema de crença
daqueles que sustentam/ defendem que a totalidade do universo é o único
Deus. Talvez por não ter sido compreendido e aceito pela sociedade, por ter
sido espiritualmente excluído dela, tenha se suicidado (PIROLO, 2016, p.
137).
61
como a fantasia e a intuição. O medo de ser ridicularizado e de não ser amado leva
muitas vezes o indivíduo a aceitar as barreiras impostas pela sociedade.
Isaksen e Treffinger (1985) elaboraram uma lista de frases ou comentários
frequentemente ouvidos ao tentar apresentar e implementar ideias novas no ambiente
de trabalho ou até em casa:
62
De acordo com Wechster (2002), para superar essas dificuldades, é necessário
que o indivíduo seja capaz de realizar uma reestruturação cognitiva, ou seja, ter
flexibilidade cognitiva, de modo a reformular o problema e gerar novas possibilidades
de soluções. O estado de desconforto ou insatisfação é o requisito fundamental para
buscar uma mudança.
As barreiras perceptuais, assim como outras barreiras, geram dificuldades e
limitações. A percepção está intimamente ligada aos nossos órgãos sensoriais, como
a visão, audição, tato, paladar e olfato. Nesse contexto, uma barreira, obstáculo ou
bloqueio impede que o indivíduo perceba além do óbvio. Shalcross (1985) acrescenta
que as barreiras perceptuais podem assumir formas geométricas ou visuais.
As barreiras emocionais são obstáculos internos à expressão criativa e
representam um grande impedimento para o comportamento e realização criativa.
Essas barreiras são construídas ao longo da história de vida da pessoa e de sua
interação com a família e a sociedade. Pode-se identificar as seguintes barreiras ou
bloqueios emocionais que prejudicam a manifestação da criatividade:
63
● Necessidade de equilíbrio: dificuldade em lidar com desordem, confusão e
busca pela simetria, aversão à complexidade.
● Medo de exercer influência: temor de ser agressivo demais ou de influenciar
negativamente outras pessoas, medo de expressar suas próprias crenças e
dificuldade em ser ouvido. Receio de assumir liderança.
● Medo de perder o controle: necessidade de encontrar soluções rápidas para
problemas, dificuldade em permitir um tempo adequado para a incubação e em
deixar que as coisas ocorram naturalmente. Descrença em sua própria
capacidade e na capacidade da humanidade.
6 O PROCESSO CRIATIVO
Já refletiu sobre como um indivíduo molda uma ideia? Quais são os estágios
pelos quais a mente humana transita até que uma ideia inovadora seja gerada? Vários
autores têm explorado esse tema e identificado fases claras nesse processo. A seguir,
exploraremos alguns exemplos dessas fases.
Vale ressaltar que quando falamos sobre o processo criativo na Arte, estamos
nos referindo a um conjunto de etapas que os artistas percorrem para dar vida às suas
visões e conceitos. Essas etapas envolvem a geração de ideias, o desenvolvimento
de técnicas e a criação de obras que transmitam uma mensagem ou provoquem uma
resposta emocional nos espectadores.
As etapas do processo criativo a serem apresentadas a seguir abrangem tanto
o processo criativo em geral como o processo criativo artístico. Independentemente
do nível de organização adotado, o processo criativo, conforme ensinado por Siqueira
(2015) e inspirado, como ele mesmo destaca, no trabalho de Plsek (1998), é
fundamentado em três princípios essenciais: atenção, divergência e convergência.
Na Figura 17 são apresentados os passos a serem percorridos seguindo os
três princípios mencionados anteriormente, levando-nos ao resultado final.
64
Figura 17 – Os 3 princípios do processo criativo
65
capítulo anterior, que podem limitar nossa imaginação ao território conhecido e
seguro, e explorar novas possibilidades criativas (SIQUEIRA, 2015).
A verdade é que os hábitos, mais do que as habilidades, desempenham um
papel predominante na escolha dos caminhos que seguimos. Tendemos a seguir
sempre o mesmo caminho, que se torna cada vez mais profundo e difícil de escapar.
No terceiro princípio, "movimento", conforme Siqueira (2015) explica, o objetivo
não é apenas prestar atenção e escapar do modelo de pensamento atual, pois nem
sempre isso é suficiente para gerar ideias criativas. O movimento nos impulsiona a
continuar explorando e combinando novas ideias. É o momento de liberar a
imaginação e gerar novas alternativas, mantendo em mente os propósitos do
processo criativo. É a hora de fazer conexões extraordinárias, descobrir analogias e
relações entre ideias e objetos que antes não estavam ligados.
Para Siqueira (2015), o conhecimento desses três princípios abre caminho para
o entendimento dos diversos métodos e técnicas de criatividade encontrados nos
livros. As técnicas existentes têm como objetivo auxiliar os indivíduos em pelo menos
um dos três princípios. Diferentes métodos surgem a partir de diferentes combinações
dessas técnicas. Ao dominar os três princípios - Atenção, Fuga e Movimento -, a
pessoa pode criar o seu próprio método, selecionando, combinando ou até mesmo
criando as técnicas e ferramentas que melhor se adequam à sua personalidade e
preferências (SIQUEIRA, 2015).
É importante destacar que ao longo do tempo vários autores propuseram
modelos com etapas semelhantes às que serão apresentadas a seguir para descrever
o processo criativo. Entende-se, assim, que a abordagem por etapas e processual da
criatividade que foi discutida até agora não é universalmente aceita entre os
pesquisadores. Alguns pensadores, como Wertheimer (1945), adotam a filosofia
Gestaltista, que se contrapõe à ideia de dividir o processo criativo em uma sequência
de etapas distintas.
Em outras palavras, a perspectiva Gestalt enfatiza que a percepção de um todo
não é simplesmente a soma das partes individuais que o constituem. Em vez disso,
essa percepção é influenciada pela organização na qual os elementos individuais são
apresentados no contexto do todo.
66
De acordo com a perspectiva da psicologia da Gestalt, a forma como as partes
são organizadas dentro de um todo também impacta a maneira como aprendemos e
compreendemos (PIROLO, 2016).
67
Fonte: Silva, 2021.
1ª Etapa - Preparação
Portanto, para Kneller, de forma geral, o processo criativo tende a ocorrer após
uma extensa preparação consciente, seguida por um período de atividade
inconsciente. Contudo, antes desse momento, é necessário que surja o embrião da
criação. O criador deve ter seu primeiro insight - a apreensão inicial de uma ideia a
ser concretizada ou de um problema a ser resolvido. Até esse ponto, não houve
inspiração real, apenas existia uma noção do que deveria ser feito. (KNELLER, 1978).
2ª Etapa – Incubação
69
concluir a ideia, criando novas associações. Durante esse estágio, o criador sente
uma sensação de insatisfação e tensão em relação à necessidade de completar algo
(TAVARES, 1998). Nessa fase, não é aplicado nenhum esforço direto para resolver o
problema. Pelo contrário, sugere-se um distanciamento intencional da situação, o que,
segundo Wallas, contribuirá para a resolução do problema.
Durante a etapa de incubação, o indivíduo propositadamente se distancia da
tarefa em mãos, utilizando uma variedade de estratégias de afastamento, como
descansar, dar um passeio de carro, realizar tarefas domésticas, se envolver na
jardinagem, entre outras. No entanto, o desafio que o criador identificou ainda persiste
e permanece constantemente em sua consciência, o que facilita as atividades do pré-
consciente (MENDES, 2017).
Nessa fase, o processo de geração criativa ocorre de maneira inconsciente e
está intimamente relacionado ao esforço consciente e propositado da fase anterior
(AMARAL, 2016). Wallas apresenta uma técnica para otimizar os benefícios do
período de incubação - um conceito que a psicologia da produtividade tem respaldado
recentemente - que envolve deliberadamente interromper o fluxo de trabalho. A
respeito desse ponto, ele considera, que alcançamos resultados mais satisfatórios ao
iniciar várias tarefas em sequência, deliberadamente deixando-as incompletas
enquanto nos movemos para outras, ao invés de tentar concluir uma tarefa por
completo a cada vez que a abordamos. (WALLAS, 1926).
Segundo Wallas (1926), a melhor abordagem é direcionar a atenção para outra
atividade, preferencialmente uma que não tenha relação com as questões anteriores.
Pode ser olhar para o horizonte sem buscar nada em específico, observar sem
realmente ver ou ouvir sem prestar atenção. Para os artistas contemporâneos,
possivelmente o maior desafio é se afastar do ambiente digital, já que suas vidas
sociais parecem estar constantemente vinculadas a ele (MENDES, 2016). Torre
(2005) frisa que a segunda fase é o momento de se afastar do projeto, problema ou
plano inicial, permitindo que o subconsciente integre informações relacionadas à
inquietação inicial, sem desgastar a energia psíquica.
3ª Etapa - Iluminação
70
Após o período de incubação, surge a iluminação, marcando a terceira fase.
Nesse momento, ocorre uma transição entre o estado inconsciente e consciente,
resultando em uma ideia ou solução que emerge na mente do solucionador (AMARAL,
2016).
O terceiro estágio é caracterizado pela ocorrência súbita da solução para o
problema, também conhecida como insight ou o momento "EUREKA", como se fosse
um “AHA” de descoberta. Durante essa fase, ocorre a formação de associações
mentais que possibilitam conexões com conhecimentos adquiridos previamente
(TAVARES, 1998).
Essa etapa é exclusiva do cérebro humano. Embora máquinas possam produzir
conclusões e resultados, estes serão apenas empíricos e quantitativos. Por exemplo,
um computador pode identificar títulos de músicas, mas não é capaz de discernir o
que seria considerado uma "boa" música. Ele pode localizar frases, mas não as
interpretar. O insight da iluminação demanda uma complexa conexão de ideias e
estímulos provenientes tanto do consciente quanto do inconsciente, culminando na
repentina formação de uma hipótese baseada em interpretações, suposições e
conclusões que ultrapassam a capacidade lógica de qualquer computador (SANTOS,
2018).
É importante destacar que, embora nessa etapa o indivíduo encontre uma ideia
de solução, o processo criativo ainda não está completamente finalizado, como
ressalta Torre (2005). Por esse motivo, a última etapa é a da verificação.
4ª Etapa - Verificação
71
Essa fase equivale a “um processo de revisão em que a solução do problema
é conscientemente elaborada, sendo passível de alteração e correção” (TAVARES,
1998, p. 34).
Fonteque (2019) explica que o estágio final compreende o momento em que
ocorre a avaliação das possíveis aplicações dos resultados encontrados, validando as
soluções encontradas e, ao mesmo tempo, levantando novas questões ou problemas
para serem explorados. Ou seja, nessa fase é o momento de avaliar a ideia,
desenvolvê-la de maneira apropriada e aberta às possibilidades, demonstrando uma
mente flexível.
Por fim, vale registrar que, de acordo com Wallas (1926), as etapas de criação
não funcionam de maneira isolada, pois o mecanismo da criatividade é como uma
máquina hermética, composta por inúmeras e interligadas peças em equilíbrio. Essas
etapas podem se misturar entre si, criando uma elaborada teia mental de conexões
superpostas, já que lidamos com a resolução de vários problemas simultaneamente
no dia a dia, em vez de lidar com causas e situações individuais separadamente. Por
exemplo, enquanto apreciamos visualmente uma pintura, nosso subconsciente pode
estar trabalhando na solução de um problema completamente diferente e, assim,
sucessivamente, com todas as etapas do processo criativo.
72
A quarta etapa é a avaliação, onde os insights são examinados para identificar
aqueles que são válidos e têm potencial para gerar resultados satisfatórios.
Csikszentmihalyi (1996) considera essa fase como a mais emocionalmente carregada,
pois os indivíduos podem experimentar incertezas e inseguranças, sendo
influenciados pela autocrítica e pelos critérios do domínio, bem como pelas opiniões
do campo.
Por fim, a quinta etapa é a elaboração, que representa o último passo do
processo criativo. Nessa fase, as ideias são implementadas e ocorre a concretização
do projeto (CSIKSZENTMIHALYI, 1996). A Figura 20 ilustra o modelo proposto por
Csikszentmihalyi (1996).
O autor também argumenta que o modelo do processo criativo não é rígido nem
linear. Ele enfatiza que o processo criativo envolve várias interações entre as etapas,
o que significa que cada uma delas pode durar horas ou até mesmo anos. O próprio
processo criativo organiza a necessidade de revisitar algumas etapas, incluindo a
ocorrência de repetições no framework. Durante a etapa de elaboração, o indivíduo é
frequentemente interrompido por períodos de incubação e momentos de epifanias
pontuais (CSIKSZENTMIHALYI, 1996).
73
6.3 As etapas do processo criativo na perspectiva de Amabile
74
Figura 21 – Etapas do processo criativo de Amabile (1983)
76
expectativas do contexto em que serão aplicadas, permitindo a seleção da resposta
mais apropriada e eficaz para resolver o problema apresentado.
78
profissional capaz de utilizar suas obras e o processo criativo para contribuir para a
evolução da arte e para a modificação das formas de produção e recepção pela
comunidade ao longo da história.
Dessa forma, consoante Santos (2018), não há artistas completamente
independentes, isolados ou desarraigados da sociedade. Pelo contrário, vivendo em
sua época, o artista se comunica com as pessoas que também estão sob as mesmas
leis e regras sociais, utilizando a linguagem contemporânea para interagir e se
conectar com a comunidade. Sua presença e atuação são fundamentais para o
progresso e a evolução da sociedade, pois suas obras podem influenciar a cultura,
promover mudanças e desafiar as normas estabelecidas.
Para outros sociólogos, como Pierre Bourdieu (1996), a chamada 'experiência
individual' mencionada por Dabul é, na verdade, bastante coletiva. Por essa
perspectiva, para compreender o processo criativo, é essencial avaliar aspectos
sociologicamente relevantes, especialmente a natureza relacional que o artista
estabelece com o mundo social. Bourdieu argumenta que a produção artística é
influenciada por várias forças, além das intenções e motivações individuais do artista.
O autor destaca que o domínio econômico exerce controle sobre a pesquisa
artística e científica, tanto internamente quanto externamente ao campo artístico. Isso
abrange o controle dos meios de produção e difusão cultural, assim como as
instâncias de reconhecimento e consagração no mundo das artes. A crescente
interpenetração entre o mundo da arte e o mundo do dinheiro gera ameaças à
autonomia do campo artístico (BOURDIEU, 1996).
Em outras palavras, Bourdieu (1996) ressalta que o processo criativo do artista
é moldado por influências socioeconômicas que afetam suas escolhas e
oportunidades. Portanto, o contexto social e econômico em que o artista está inserido
tem um papel significativo na determinação de suas práticas criativas. Essas forças
sociais podem restringir ou ampliar a liberdade artística e a capacidade de inovação,
o que indica que o processo criativo não é uma experiência isolada e individual, mas
sim uma construção coletiva que reflete as dinâmicas e estruturas presentes no campo
artístico e na sociedade em geral.
Dessa forma, entende-se, segundo explicação de Santos (2018), que o
processo criativo é uma atividade executada pelo artista, onde ele desempenha um
papel central na concepção e realização de suas obras. No entanto, é essencial
79
compreender que esse processo também é influenciado por fatores coletivos e
socialmente determinados. Diversas instituições, órgãos do Estado e entidades
privadas exercem influência sobre as escolhas do artista, afetando tanto os temas que
ele escolhe representar quanto o estilo e a forma de suas obras.
As instituições artísticas, o mercado de arte e as dinâmicas culturais moldam o
contexto em que o artista opera. A busca pelo reconhecimento e sustento através da
arte muitas vezes requer a criação de obras que sejam apelativas e aceitas dentro do
meio social e do mercado de trocas e valores. Isso pode levar o artista a se adaptar
às demandas do público e das instituições, influenciando suas escolhas criativas
(SANTOS, 2018).
Portanto, explica Santos (2018), embora o artista seja o executor do processo
criativo, ele não está isolado ou imune às pressões externas. O meio social e as
estruturas institucionais exercem uma influência significativa sobre o contexto em que
o processo criativo acontece, afetando as possibilidades e as escolhas do artista. Essa
dinâmica entre o indivíduo artista e o meio social é um fator importante para
compreender a produção artística e suas relações com a sociedade.
Em uma análise mais aprofundada do papel do artista como intelectual e
produtor de arte, fica claro que ele está sujeito à vontade muitas vezes dominante da
sociedade em que vive, que estabelece normas e regras (SANTOS, 2018). Embora
seja o autor de suas obras, como afirmou Damisch (1984), "a obra de arte será sempre
obra de um indivíduo", o artista não escapa à força da tradição e das normas
convencionais que a sociedade aceita e assume como lei. Isso leva o artista a seguir
imposições e exigências que são delegadas pela sociedade e que são impostas à sua
obra.
De acordo com Bourdieu (1984) e seu conceito de campo artístico, as intenções
e escolhas do artista são filtradas pelas diversas entidades que compõem essa esfera.
Por essa razão, o artista acaba por desempenhar um papel híbrido, posicionando-se
no intervalo entre duas posições: a de ator e espectador do seu próprio trabalho. Ele
acata as regras do seu tempo e muitas vezes se subordina a elas para garantir sua
inserção e reconhecimento no campo artístico.
Essa relação de influência e submissão às normas sociais e culturais pode ser
um desafio para o artista, que pode se sentir pressionado a se adequar às
expectativas do público e do mercado artístico, comenta Santos (2018). A busca por
80
legitimidade e reconhecimento, aliada à necessidade de sustento, muitas vezes
conduz o artista a navegar entre suas visões criativas pessoais e as demandas
impostas pela sociedade e pelas instituições artísticas. Assim, o processo criativo do
artista é moldado tanto por sua individualidade como por uma série de forças e
influências externas, que tornam a relação entre o artista e a sociedade uma
interdependência complexa e desafiadora (SANTOS, 2018).
A questão da liberdade artística durante o processo criativo é complexa, afirma
Santos (2018), pois o artista se encontra sujeito a múltiplas pressões e exigências que
afetam a expressão de sua criatividade. Além das normas e expectativas sociais,
morais e culturais, o processo criativo também é influenciado pelas leis do mercado
econômico. A obra de arte, enquanto mercadoria, recebe um valor monetário atribuído
que pode determinar o sustento do artista (AGUIAR; BASTOS, 2013).
A necessidade de reconhecimento profissional e sucesso na carreira leva
muitos artistas a considerarem o mercado como uma fonte de sobrevivência. A
profissionalização e a busca por ganhos financeiros podem se tornar uma prioridade,
o que pode levar o artista a fazer concessões criativas ou a adaptar seu trabalho para
atender às preferências do público ou das instituições culturais (SANTOS, 2018).
Para Santos (2018), essa dinâmica pode gerar conflitos entre a liberdade
artística e as exigências do mercado. O artista pode sentir-se limitado em sua
expressão criativa, enfrentando dilemas sobre como equilibrar sua visão pessoal com
as demandas do público ou das instituições de poder. A busca pela sustentabilidade
financeira e reconhecimento profissional pode levar a escolhas que afetam o caráter
inovador e autêntico da arte.
Por outro lado, conduz a autora, alguns artistas veem na capacidade de criar
arte que agrade ao público e ao mercado uma forma de alcançar uma maior liberdade,
permitindo-lhes continuar produzindo e vivendo da arte que amam.
Em resumo, a liberdade artística no processo criativo é uma questão complexa,
com uma interação entre o desejo de expressão individual, o reconhecimento social e
as demandas do mercado econômico. A compreensão dessa dinâmica é crucial para
uma apreciação mais profunda do impacto que as condições sociais e econômicas
têm sobre a produção artística.
Outro ponto importante do viés do processo criativo artístico, considerado na
opinião de Santos (2018) como parte integrante dele e decisivo na definição de estilo
81
atribuída ao artista, é a escolha das ferramentas de trabalho e dos materiais a utilizar,
bem como do propósito na mensagem a transmitir e a executar na obra.
Nesse sentido, Santos (2018) traz à baila o impulso criativo do artista no
processo, frequentemente chamado de "inspiração", "imaginação", "talento",
"originalidade" ou "novidade". Para a autora, o impulso criativo pode ser compreendido
como o conjunto de experiências relevantes e recorrentes decorrentes da prática
artística, experiência estas que ela entende estarem fundamentalmente ligadas aos
procedimentos técnicos ou situações sociais que despertam no artista a habilidade e
o desejo de expressar sua visão e posição analítica, social e artística.
Vale registrar que a "inspiração" ou "criatividade" não deve ser entendida como
uma mera revelação divina ou um dom sobrenatural. Em vez disso, ela é resultado do
acúmulo de experiências, vivências e práticas desenvolvidas pelo artista ao longo do
tempo. Essas experiências podem ser influenciadas por questões técnicas,
conhecimento de materiais, interações sociais, bem como o contexto histórico e
cultural em que o artista está inserido (SANTOS, 2018).
A habilidade de expressar uma visão única e uma consciência crítica é
construída pela própria experiência do artista e sua imersão no mundo das artes. De
acordo com Santos (2018), cada artista desenvolve um estilo próprio, que reflete suas
escolhas estéticas e suas interpretações pessoais do mundo ao seu redor.
Essa perspectiva desmistifica a ideia romântica do "gênio artístico" e enfatiza a
importância da prática, do estudo e da interação com o meio social para o
desenvolvimento do impulso criativo. A criatividade do artista é, portanto, uma
construção contínua, que evolui a partir de suas experiências e da reflexão crítica
sobre sua prática artística (SANTOS, 2018).
82
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