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DOI: 10.

55905/cuadv16n4-136

Receipt of originals: 03/22/2024


Acceptance for publication: 04/15/2024

Políticas culturais e saúde mental na infância: políticas


públicas de cultura e sua importância para o desenvolvimento
da saúde mental das crianças

Cultural policies and mental health in childhood: public cultural


policies and their importance for the development of children's
mental health

Políticas culturales y salud mental en la infancia: políticas


públicas culturales y su importancia para el desarrollo de la
salud mental de los niños

Antônio Nacílio Sousa dos Santos


Doutor em Ciências Sociais
Instituição: Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Endereço: Av. Manuel Ferreira de Almeida, 1484, Dourado, Horizonte, Ceará
E-mail: naciliosantos1@hotmail.com

Francisco de Assis de Araújo Júnior


Mestrando em Direito Constitucional
Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
Endereço: Rua Oscar França, 649, Bom Jardim, Fortaleza, Ceará
E-mail: faaj@edu.unifor.br

Carlos Augusto Marinho de Sousa


Especialista em Ensino de Língua Portuguesa
Instituição: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)
Endereço: Rua Alzira Rodrigues Sales, s/n, Trabalhadores, Umirim, Ceará
E-mail: carlos.marinho@ufms.br

Carlos Rigor Neves


Especialista em Educação Física Escolar Práticas de Ensino
Instituição: Sistema Organizacional Modular de Ensino (SOME)
Endereço: Avenida FAB, 96, Santa Rita, Macapá, Amapá
E-mail: profcarlosrigor@gmail.com

José Maria Nogueira Neto


Mestre em Geografia
Instituição: Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Endereço: Rua Vereador Joaquim Barreto Lima, 677, Antonio Carlos Belchior,
Sobral, Ceará
E-mail: juzeneto@hotmail.com

CUADERNOS DE EDUCACIÓN Y DESARROLLO, v.16, n.4, p. 01-23, 2024 1


RESUMO
São vários os aspectos que impactam positivamente no desenvolvimento da
saúde mental de uma criança, dentre os quais se destacam as políticas públicas
culturais. Com a perspectiva de que as políticas públicas de cultura são
imprescindíveis para uma saúde mental saudável para as crianças, conforme
Couto (2015), Coimbra (2008) e Vasconcelos et al. (2005), entre outros, nosso
objetivo é descrever as ações, programas, projetos e políticas públicas
relacionadas à cultura direcionadas especificamente para a promoção de uma
infância saudável. Para isso, pesquisamos políticas públicas culturais dos
últimos dez (10) anos por meio de uma revisão integrativa de literatura (LIMA et
al., 2000; GALVÃO et al., 2004), cujo levantamento bibliográfico foi realizado nas
bases de dados PubMed, Scielo, Medline e Lilacs, utilizando os descritores em
ciência da saúde: “Public policy”, “Mental health”, “Culture”, “Child”, combinados
com o operador booleano AND. Também foram incluídos estudos originais,
publicados em qualquer idioma entre 2012 e 2022. As políticas e programas
apresentados podem auxiliar diferentes atores sociais e gestores a planejarem
e desenvolverem novos projetos para crianças, bem como aprimorarem os já
existentes. Destacaram-se ações ambientadas em escolas, comunidades locais
e ação de organismos internacionais, ao mesmo tempo em que confirmamos a
carência de programas relacionados principalmente à cultura para a saúde
mental das crianças. Reafirmamos, portanto, a necessidade da ampliação dos
estudos e práticas de políticas públicas culturais direcionadas para esse público,
com o objetivo de promover uma perspectiva psíquica que favoreça o
desenvolvimento saudável deles.

Palavras-chave: políticas públicas, cultura, saúde mental, infância.

ABSTRACT
There are several aspects that positively impact the development of a child's
mental health, among which cultural public policies stand out. With the
perspective that cultural public policies are essential for healthy mental health in
children, as stated by Couto (2015), Coimbra (2008), and Vasconcelos et al.
(2005), among others, our aim is to describe actions, programs, projects, and
public policies related to culture specifically aimed at promoting healthy
childhood. To do so, we researched cultural public policies from the last ten (10)
years through an integrative literature review (LIMA et al., 2000; GALVÃO et al.,
2004), whose bibliographic survey was conducted in the PubMed, Scielo,
Medline, and Lilacs databases, using health science descriptors: "Public policy,"
"Mental health," "Culture," "Child," combined with the boolean operator AND.
Original studies published in any language between 2012 and 2022 were also
included. The policies and programs presented can assist different social actors
and managers in planning and developing new projects for children, as well as
improving existing ones. Actions set in schools, local communities, and the action
of international organizations stood out, while confirming the lack of programs
mainly related to culture for children's mental health. Therefore, we reaffirm the
need to expand studies and practices of cultural public policies aimed at this

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audience, with the aim of promoting a psychic perspective that favors their
healthy development.

Keywords: public policies, culture, mental health, childhood.

RESUMEN
Son varios los aspectos que impactan positivamente en el desarrollo de la salud
mental de un niño, entre los que destacan las políticas públicas culturales. Con
la perspectiva de que las políticas públicas culturales son imprescindibles para
una salud mental saludable en los niños, según Couto (2015), Coimbra (2008) y
Vasconcelos et al. (2005), entre otros, nuestro objetivo es describir las acciones,
programas, proyectos y políticas públicas relacionadas con la cultura dirigidas
específicamente a promover una infancia saludable. Para ello, investigamos
políticas públicas culturales de los últimos diez (10) años mediante una revisión
integrativa de la literatura (LIMA et al., 2000; GALVÃO et al., 2004), cuyo
levantamiento bibliográfico se realizó en las bases de datos PubMed, Scielo,
Medline y Lilacs, utilizando descriptores en ciencias de la salud: "Public policy",
"Mental health", "Culture", "Child", combinados con el operador booleano AND.
También se incluyeron estudios originales publicados en cualquier idioma entre
2012 y 2022. Las políticas y programas presentados pueden ayudar a diferentes
actores sociales y gestores a planificar y desarrollar nuevos proyectos para
niños, así como a mejorar los existentes. Se destacaron acciones ambientadas
en escuelas, comunidades locales y la acción de organismos internacionales, al
mismo tiempo que confirmamos la falta de programas relacionados
principalmente con la cultura para la salud mental de los niños. Por lo tanto,
reafirmamos la necesidad de ampliar los estudios y prácticas de políticas
públicas culturales dirigidas a este público, con el objetivo de promover una
perspectiva psíquica que favorezca su desarrollo saludable.

Palabras clave: políticas públicas, cultura, salud mental, infancia.

1 INTRODUÇÃO

A fase infantil é uma das mais importantes para o desenvolvimento


saudável do ser humano, afirma Couto (2021). Durante a infância, o cérebro
apresenta uma plasticidade incrível, o que significa que esta é uma janela de
oportunidade para aprendizados e desenvolvimentos significativos. Os autores
acrescentam que no aspecto emocional, é na infância que começamos a
desenvolver nossa capacidade de lidar com emoções, construir relacionamentos
e formar nossa autoestima. Dito isso, experiências positivas como afeto, apoio e

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encorajamento contribuem para a formação de adultos emocionalmente
saudáveis (CID et al., 2019).
No entanto, conforme Faria e Rodrigues (2020), cognitivamente, a
infância é um período crítico para o desenvolvimento das habilidades e das
soluções dos problemas. Desse modo, é oportuno que as crianças tenham
estímulos educacionais, sociais e, principalmente, culturais, durante esta fase
para o desenvolvimento da inteligência e da capacidade da aprendizagem 1.
Assim, afirmam os teóricos, é salutar que nas etapas da infância, a família, bem
como as instituições de ensino e o Estado2 através das políticas públicas
culturais, intercedam para que esses sujeitos cresçam com suas necessidades
sendo suprimidas nos diversos aspectos.
Dito isso, enfatizando o que diz a escritora Rozilda Euzebio Costa3 (2019)
de que “[...] as crianças de hoje serão os homens e mulheres do amanhã. Serão
eles os profissionais que construirão novas coisas, a sociedade será o reflexo
deles”, afirma. Nesse sentido, as políticas públicas culturais direcionadas a uma
infância saudável contribuem significativamente para o bem-estar emocional,
cognitivo e social das crianças. Trata-se, também, de colocar em prática o que a
legislação preconiza, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA)4, de 1990, quando afirma a importância das ações culturais para o melhor
desenvolvimento desses sujeitos5 (Pinheiro, 2006).

1 Vários teóricos como Amarante (2003), Couto (2015), Coimbra (2008) e Vasconcelos et al.
(2005), bem como muitos outros, abordam a importância da infância como “porta de entrada”
dos valores morais, éticos e “civilizacionais”, isto é, de acordo com as normas, regras e leis da
sociedade. Ver referências.
2 De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído em 1990 no Brasil, vai

dizer em seu artigo 3º que “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-
lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade”. Ver referência.
3 Rozilda Euzebio da Costa é conhecida por sua atuação e contribuição na área da educação,

especialmente em contextos relacionados à educação infantil e ao desenvolvimento comunitário.


Ver referências.
4 Utilizaremos a sigla “ECA/90” para referir-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990,

ao longo do texto.
5 O ECA/90 enfatiza a necessidade de garantir às crianças e aos adolescentes o acesso à cultura,

à arte, ao lazer e à diversão como direitos fundamentais para seu pleno desenvolvimento. Por
exemplo, o artigo 4º do ECA/90 estabelece que a criança e o adolescente têm direito à cultura,

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Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA/90).

Quando nos reportamos sobre a necessidade de políticas públicas no


âmbito cultural para o melhor desenvolvimento das crianças, também estamos
querendo dizer que estas terão um crescimento saudável no que tange a sua
saúde mental. Amarante (2003) vai dizer que a arte oferece um espaço vital para
a expressão emocional. Couto (2015), por sua vez, afirma que a participação em
atividades culturais e artísticas permite que as crianças expressem seus
sentimentos e emoções de maneira construtiva, contribuindo para uma saúde
emocional e resiliência psicológica. Coimbra (2008) nos lega que as políticas
públicas culturais podem promover uma maior compreensão e apreciação da
própria cultura da criança e das culturas dos outros. Vasconcelos et al. (2005)
atesta o que afirma Coimbra (2008) ao endossar que as ações culturais na
infância são fundamentais para o fomento da empatia e do respeito pela
diversidade.
Desse modo, políticas públicas direcionadas à infância são
indispensáveis, pois configuram não só uma possibilidade de concretização de
direitos sociais fundamentais das crianças, mas também do favorecimento e do
fortalecimento da cidadania dos adultos que elas poderão se tornar. Contudo, as
políticas públicas orientadas para a infância, principalmente aquelas voltadas
para a promoção da cultura e da saúde mental, são relativamente recentes no
contexto brasileiro preconizada a partir do ECA/90. Sob esse aspecto, é preciso
dizer que os direitos fundamentais à pessoa humana6, tais como educação,
saúde, lazer, cultura, entre outros só foram conquistados formalmente para esse
segmento social a partir da institucionalização dessa normativa.

ao lazer, e à recreação, em condições que garantam seu pleno desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social.
6 Foi a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela Assembleia

Geral das Nações Unidas em 1948, que é um documento que descreve os princípios faz os
direitos humanos ser fundamental em todo mundo. No Brasil, a Constituição Federativa do Brasil
de 1988 trouxe todos esses princípios para nortear a vida dos cidadãos brasileiros.

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Desta maneira, a pesquisa visa realizar um apanhado descritivo dos
trabalhos relacionados a políticas públicas culturais que incidem diretamente
para o desenvolvimento da saúde mental das crianças. Em tempo, o artigo está
disposto da seguinte maneira: a) na introdução temos a exposição do objeto
pesquisado; posteriormente, b) discorremos sobre os “passos dados” na
pesquisa, isto é, a metodologia utilizada para o apanhado do material empírico;
seguidamente, c) realizamos a exposição descritiva dos resultados encontrados
e, por fim d) as discussões que denominamos de “tensionamento”, com a ajuda
dos autores (Couto, 2015; Coimbra, 2009 e Vasconcelos et al., 2005) sobre o
material descrito e as considerações finais.

2 “PASSOS DADOS”: A METODOLOGIA

A pesquisa é de cunho descritivo a partir de uma revisão integrativa da


literatura (Lima et al., 2000; Galvão et al., 2004), uma vez que é uma metodologia
que permite, posteriormente, uma análise compreensiva7 dos estudos anteriores
sobre um determinado tema, combinando dados de pesquisas qualitativas,
quantitativas, e, por vezes, práticas baseadas em evidência, afirma Ramon et al.
(1998).
Segundo Galvão et al. (2004) uma pesquisa de cunho integrativa
proporciona sintetizar os resultados de múltiplos estudos, oferecendo uma visão
geral do estado atual do conhecimento em uma área específica. Desse modo,
pode, com relativa facilidade compreender que o objetivo desta pesquisa é de
demonstrar, descritivamente, o que vem sendo produzido em termos de políticas
públicas de cultura para um desenvolvimento saudável das crianças no que
tange sua saúde mental. Assim, este empreendimento intelectual é crucial para
identificar o que já se sabe sobre um tema e onde existem lacunas que
necessitam de mais investigação, possibilitando pensar sobre possíveis
intervenções no plano prático da atuação.

7Weber (2004) argumentava que as ações humanas são motivadas por significados subjetivos
que os indivíduos atribuem a elas. Portanto, para compreender a sociedade e suas instituições,
é essencial entender esses significados e interpretações subjetivas. Ver referências

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Para Lima et al. (2000) os resultados de uma revisão integrativa podem
informar a formulação de políticas, assegurando que decisões e diretrizes sejam
baseadas em uma compreensão abrangente e atualizada das evidências
científicas disponíveis, maximizando a eficácia e a eficiência das intervenções
públicas. Assim, esta pesquisa tem grande importância ao compilar
conhecimento essencial para estudantes e profissionais que estão se
atualizando sobre políticas públicas de cultura para um desenvolvimento de uma
saúde mental saudável para as crianças.
De acordo com Botelho et al. (2011), esta metodologia é composta por
seis etapas, isto é: 1) Identificação do tema e seleção da questão da pesquisa;
2) Estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão; 3) Identificação dos
estudos pré-selecionados e selecionados; 4) Categorização dos estudos
selecionados; 5) Análise e interpretação dos resultados e 6) Apresentação da
revisão ou síntese do conhecimento. A realização dessas etapas ocorreram no
segundo semestre do ano de 2023 utilizando as base de dados Scielo, Medline,
PubMed e Lilacs a partir dos descritores na área das ciências da saúde (DeCS):
“Public Policy”, “Mental Health”, “Culture”, “Child”, combinados com o operador
booleano AND8.
Foram incluídos estudos originais, publicados em qualquer idioma entre
2012 e 2022 e, excluídos artigos duplicados, publicados em outro período,
revisões, protocolos e/ou estudos não relacionados ao objetivo. Os dados
encontrados, após tabulados em planilha eletrônica do Excel9, foram analisados
e apresentados por meio de um quadro (Figura I) de forma independente e
considerando as características e variáveis analisadas: a) autor e ano; b)
desenho e local do estudo; c) estratégias adotadas e, d) principais resultados. O

8 Em termos simples, o operador AND atua como um filtro que exige que duas ou mais condições
sejam satisfeitas ao mesmo tempo. Por exemplo, se tivermos duas afirmações, A e B, o resultado
da operação “A AND B” será verdadeiro apenas de A for verdadeiro e B também for verdadeiro.
Se qualquer uma das condições for falsa, ou se ambas forem, o resultado será falso. Dito isso,
esse operador é amplamente utilizado em pesquisas em bases de dados e na internet para
refinar resultados de busca, combinando palavras-chave ou critérios.
9 O Excel é um dos softwares de planilha eletrônica utilizado para criar, visualizar e manipular

dados em formato de planilhas.

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aplicativo da web gratuito Rayyan10, foi utilizado para auxiliar no gerenciamento
dos estudos incluídos.

3 “OS ACHADOS”: RESULTADOS

Dos 857 artigos localizados, foram selecionados quatro (4) para compor
a amostra bibliográfica desta revisão. De acordo com os critérios de
elegibilidade, foram descartados artigos que não atenderam ao objetivo da
pesquisa, ou seja, que não tiveram políticas públicas ou programas relacionados
à cultura e/ou para o desenvolvimento saudável da saúde mental como objeto
de investigação. Dito isso, os trabalhos que não compuseram os “achados” foram
restritos a condições específicas, por exemplo, não tiveram como público alvo
crianças, não foram contextualizadas para a infância, ou não se referiam a saúde
mental.

Figura 1 – Fluxograma da seleção bibliográfica.

Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

10 Rayyan é uma plataforma web e aplicativo móvel desenhada para ajudar pesquisadores,
acadêmicos e cientistas na realização de revisões sistemáticas de literatura. O software oferece
uma série de ferramentas que facilitam a filtragem, organização e revisão de estudos e artigos
científicos.

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Depois de realizar as etapas da escolha dos artigos que versam sobre o
objetivo da pesquisa, produzimos um quadro com os quatros (4) trabalhos que
versam sobre a relação entre políticas públicas culturais para o desenvolvimento
da saúde mental saudável para crianças.
A amostra bibliográfica contemplou, como já dito, o período compreendido
entre 2017-2022. Assim, ressaltamos a carência dos estudos sobre políticas
públicas culturais para a saúde mental na infância dados o pequeno número
encontrado. A pesquisa contemplou uma descrição dos resultados das ações
desenvolvidas na Argentina, no Canadá, no Reino Unido, bem como em regiões
caribenhas. Quanto aos desenhos do estudo, foram incluídas principalmente
pesquisas qualitativas e a maioria delas descreveram ações com repercussões
para a saúde mental, com poucas menções relacionadas à promoção e
desenvolvimento de projetos culturais, mas, mesmo assim, relacionando-os.

Figura 2 – Caracterização individual dos resultados incluídos.


Desenho e local do
Autor e ano Estratégias adotadas Principais resultados
estudo

Mudança no perfil da
escola quanto à
visualização acerca da
Pesquisa qualitativa Implementação de
saúde, principalmente
MCISAAC, Jessie-Lee D. (estudo de caso). Escolas Promotoras de
acerca de tópicos em
et al., 2017 Nova Scotia, Canadá. Saúde.
nutrição, seguidos de
atividade física, cultural e
saúde mental.

Observação de políticas As campanhas


públicas relacionadas à educativas, de saúde e
Pesquisa qualitativa promoção da saúde nas culturais contribuíram
(estudo de caso). temáticas de obesidade, para redução de fatores
BRAY et al., 2018
Reino Unido. transtornos mentais e de risco, sintomas e
demandas em saúde início de transtornos
mental. alimentares.

De modo geral, as ações


Ações comunitárias
promoveram espaços
tendo crianças e
que permitem o acesso à
Pesquisa qualitativa. adolescentes
cultura e à recreação,
Neuquén e Rio Negro, Transgêneros e crianças
suporte informacional e
Argentina. com Transtorno do
emocional a tais grupos e
PARRA, Marcela Espectro Autista (TEA)
suas famílias, além do
Alejandra. 2022 como protagonistas.
seu papel na criação e

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luta por leis que
garantem os direitos,
bem estar e a visibilidade
dessa população
discutida.

Participação de
Análise situacional.
iniciativas da UNICEF O estudo apresentou
Territórios ultramarinos
quanto ao impacto informações no que se
pertencentes ao Reino
psicológico frente a refere aos resultados
Unido: Anguilla,
desastres naturais e acerca do grau de
Bermuda, Ilhas Virgens
atividades como cobertura das ações e
Britânicas, Ilhas Cayman,
WALKER et al., 2022 brincadeiras, música e impacto nessa
Montserrat, Ilhas Turcas
teatro nas escolas para população.
e Caicos.
apoio da saúde mental.
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

No contexto da Argentina, são descritas ações comunitárias direcionadas


a crianças e adolescentes transgêneros11 e a crianças com Transtorno do
Espectro Autista (TEA)12, bem como suas contribuições na construção e
atualização de políticas públicas que incluam esses grupos. Acerca disso,
podem-se destacar espaços culturais e recreacionais para a promoção do
acesso à cultura e envolvimento das pessoas autistas e transgêneros. Também
descreve apoio às ações de saúde inclusivas em hospitais para, junto ao
Ministério da Saúde da Argentina, na criação de leis que asseguram o bem-estar
dessas crianças. Por exemplo, a aprovação da regulamentação do uso de fogos
de artifício buscando proteger as crianças de altos ruídos, além da
implementação de abordagem integral e interdisciplinar dos sujeitos com TEA e
trans.

11 “Pessoas transgêneras” ou popularmente chamada de pessoas “trans”, são sujeitos que não
se identificam com nenhuma identidade de gênero, isto é, masculino ou feminino. Butler (2018)
argumenta que as identidades de gênero não são inerentes ou naturais, mas sim social e
culturalmente construídas por meio de práticas discursivas e performativas. Ela introduziu o
conceito de "performatividade de gênero", que sugere que o gênero não é algo que uma pessoa
simplesmente é, mas algo que ela faz, ou seja, uma performance repetida e ritualizada de normas
de gênero. Destaca ainda que as normas de gênero são coercitivas e frequentemente
limitadoras, impondo expectativas rígidas sobre como os corpos devem se comportar de acordo
com as categorias binárias de masculino e feminino. Para as pessoas transgêneros, essas
normas podem ser especialmente problemáticas, pois não se encaixam nas categorias
tradicionais de gênero atribuídas a seus corpos ao nascerem.
12 Iremos utilizar a sigla TEA no artigo para denominar crianças, adolescentes, jovens adultos ou

idosos que possuem transtorno do espectro do autismo. Assim como usaremos a sigla “trans”
para se referir a crianças e adolescentes transgêneros.

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Em relação à população “trans”, tais ações comunitárias buscaram
principalmente a promoção da visibilidade quanto à diversidade do grupo através
das ações como suporte informacional e emocional às famílias e a integração
entre comunidade, escolas e demais espaços institucionais. Ainda, no que se
refere à extensão das políticas públicas, a autora descreve a participação dessas
iniciativas comunitárias em protocolos de mudança de documentos de identidade
em pessoas que ainda não estão na maioridade e no protocolo de registro das
crianças e adolescentes “trans” nas instituições de ensino. A autora endossa a
necessidade do fortalecimento das ações diretas das políticas públicas, visto que
essas ações comunitárias assumem o papel de completar lacunas deixadas pelo
Estado, mas que, sozinhas, não dão conta da dimensão dos interesses dos
sujeitos.
No Caribe, dos seis territórios ultramarinos13 pertencentes ao Reino Unido
foram analisados: Anguilla, Bermuda, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman,
Montserrat, Ilhas Turcas e Caicos. Os autores descreveram que Anguilla, Ilhas
Virgens Britânicas Montserrat e Ilhas Turcas e Caicos participam das iniciativas
promovidas pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)14 para lidar
com o impacto psicológico dos desastres naturais como os furacões que atingem
esses locais, promovendo ações e ofertando brincadeiras, músicas e teatro para
crianças e o público jovem. Quanto ao papel das Organizações Não
Governamentais, nas Ilhas Cayman desenvolvem atividades de apoio à saúde
mental para crianças e jovens nas escolas. Foi destacado também que apenas
as llhas Caymans e Bermuda possuíam algum tipo de dedicação relacionada à
saúde mental direcionada às crianças e adolescentes, como serviço ambulatorial
de internamento e clínica psicológica, embora os países reconheçam a
necessidade da ampliação da cobertura para esse grupo devido ao aumento da

13 Os territórios ultramarinos que pertencem à Inglaterra nas Américas surgiram principalmente


devido à colonização britânica na região a partir do século XV até o início do século XIX, com os
britânicos estabelecendo colônias para diversos propósitos, incluindo comércio, agricultura e
estratégia militar.
14 Utilizaremos o termo UNICEF ao longo do texto para se referir ao Fundo das Nações Unidas

para a Infância.

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demanda encaminhada pelas instituições de ensino e na atenção primária a
saúde15.
No cenário europeu, o estudo realizado no Reino Unido, analisou o
contexto entre campanhas de promoção da saúde relacionadas ao corpo e sua
dualidade com a saúde psicológica, principalmente no que tange a insatisfação
corporal. Nesse sentido, os autores fizeram uma análise acerca do cenário das
políticas públicas em relação à obesidade, transtornos alimentares e o crescente
aumento em demandas relacionadas à saúde mental dos jovens. Assim,
colocaram em prática campanhas em mídias de massa, alertando a sociedade
civil, bem como objetivando o diagnóstico do contexto familiar, que
demonstraram redução dos fatores de risco, sintomas e início de transtornos
alimentares. Em continuação, a pesquisa sugere a implementação das políticas,
principalmente relacionadas à aplicação nos currículos escolares, que alinhem
tanto a promoção e a prevenção de tais riscos quanto o incentivo ao
fortalecimento da saúde mental, por meio de práticas de atividades culturais e
físicas, possibilitando cuidar do corpo enquanto promovem bem-estar.
Em relação ao Canadá, o estudo com amostra de nove (9) escolas, sendo
a maior parte delas na zona rural, com seis (6), enquanto três (3) ficam
localizadas na zona urbana. Evidenciaram através das entrevistas com diretores,
professores, pais e representantes da comunidade, a introdução das políticas
com foco em práticas relacionadas à nutrição, atividade física, educacional e
cultural, estendendo-se para saúde mental e sexual. A implementação do
“programa HPS” (Health Promoting Schools), isto é, “Escolas Promotoras de
Saúde”, apresentaram dificuldades, por exemplo, o aumento das demandas do
projeto fez com que os participantes16, por mais que desejassem apoiar a saúde
do estudante, elegessem a parte acadêmica como prioridade.

15 Nas ilhas britânicas na América, como Bermuda, Ilhas Cayman, Montserrat, Ilhas Virgens
Britânicas e Ilhas Turcas e Caicos, existe um sistema de atenção primária à saúde. A atenção
primária à saúde é uma abordagem fundamental que visa fornecer cuidados de saúde
acessíveis, abrangentes e integrada a indivíduos e comunidades. Isso ocorre geralmente no
primeiro nível de atenção médica e é a porta de entrada para o sistema de saúde.
16 Os participantes são pessoas da comunidade que se voluntariaram para fazer parte do

programa. Como o mesmo possuía vários eixos de ações educativas, a grande maioria escolhia

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Por outro lado, políticas anteriores como a de nutrição da província,
facilitaram o estabelecimento das práticas saudáveis e a figura de liderança
escolar foi tida como essencial para a adesão do projeto e das atividades locais.
O artigo centrou-se nas facilidades e dificuldades durante esse processo,
salientando que a saúde mental e física, necessitam de atenção governamental
contínua, da família e da comunidade.
Destaca-se a convergência dos estudos quanto às questões que
envolvem o âmbito escolar como protagonista para implementação das políticas
públicas culturais relacionadas à saúde envolvendo hábitos de vida saudáveis,
os quais incluem nutrição, atividade física e cultural, levando a uma repercussão
positiva na saúde mental do público infanto-juvenil.

4 “TENSIONANDO”17 OS DADOS

O primeiro organismo internacional a falar sobre a importância das


políticas públicas culturais para a saúde mental na infância foi a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)18. Ela
tem destacado a relação entre cultura, educação e saúde mental das crianças,
enfatizando a importância das políticas culturais inclusivas e educacionais para
o desenvolvimento saudável das crianças.
A UNESCO aborda a importância das políticas públicas de cultura em
diversos documentos e publicações. Um dos documentos importantes é a
“Declaração de Florença sobre Ação Intersetorial para a Saúde Mental:
Investindo em Bem-Estar”, de 2017. Embora não existe um artigo específico
nesta declaração que mencione diretamente políticas culturais para a saúde

estarem presentes em intervenções práticas acadêmicas “pragmáticas”, por exemplo, leitura,


exercícios didáticos, entre outros.
17 Para analisar os dados, que nominamos de “tensionamento”, utilizamos os trabalhos de Couto

(2015), Coimbra (2008) e Vasconcelos et al. (2005).


18 Utilizaremos a sigla UNESCO para se referir a Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura.

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mental das crianças, a declaração19 como um todo destaca a importância das
abordagens intersetorias para promover a saúde mental, incluindo o papel da
cultura e da educação nesse contexto.
A Carta de Ottawa (1986) é um documento fundamental no campo da
promoção da saúde, porém não menciona especificamente a saúde mental na
infância. Ela foi elaborada durante a Primeira Conferência Internacional sobre
Promoção da Saúde20, em Ottawa, no Canadá. Essa carta define a promoção
da saúde como processo que capacita as pessoas a aumentarem o controle
sobre sua saúde e a melhorá-la. Ela enfatiza a importância de criar ambientes
saudáveis, desenvolver habilidades pessoas e reorientar os serviços de saúde
para a prevenção de doença, afirma Vasconcelos et al. (2013).
Embora não mencione diretamente a saúde mental na infância, os
princípios gerais que existem na carta, como empoderamento, ambiente
saudável e prevenção de doenças, podem certamente ser aplicados ao
desenvolvimento de políticas e programas de saúde mental infantil. A promoção
da saúde mental na infância envolve, segundo Parra (2022), a criação de
ambientes seguros e favoráveis, o fortalecimento das habilidades emocionais
das crianças e o acesso a serviços de apoio psicossocial.
No Brasil, a III Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) aconteceu
em 2001 e teve como tema “Saúde Mental, Direito e Cidadania”. Nessa
conferência, foram discutidos diversos aspectos relacionados à saúde mental,
incluindo a importância das políticas públicas de cultura para a saúde mental das
crianças. Conforme Vasconcelos et al. (2013), ela abordou a necessidade das
políticas públicas promoverem a inclusão social e cultural como um dos pilares

19 A UNESCO também tem uma série de documentos e publicações que discutem a importância
da cultura para a saúde mental, como o Relatório Mundial sobre Cultura para o Desenvolvimento,
que contêm políticas culturais para a saúde mental das crianças. Ver referências.
20 A Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde e a Carta de Ottawa são

marcos importantes na promoção da saúde global e têm implicações significativas para a


promoção da saúde mental das crianças, enfatizando a importância da prevenção, do
empoderamento e da abordagem de determinantes sociais, econômicos e culturais na saúde
das crianças. A conferência definiu os princípios fundamentais da promoção da saúde e
estabeleceu diretrizes para a ação em níveis global, nacional e local. A Carta de Ottawa destacou
a importância em abordar os determinantes sociais, econômicos e culturais em ambientais da
saúde, bem como a necessidade de empoderar as comunidades e indivíduos para que tomem
controle da sua própria saúde.

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fundamentais para a promoção da saúde mental desses sujeitos. A conferência
destacou que o acesso à cultura, às artes, ao lazer e à educação são essenciais
para o desenvolvimento saudável e integral das crianças, contribuindo para a
prevenção dos problemas da saúde mental. Dito isso, essa conferência sobre
saúde mental enfatizou a importância das ações culturais como um meio de
fortalecer a saúde mental desse segmento social, reconhecendo que o acesso a
este campo da vida social, isto é, a cultura e as atividades artísticas podem
proporcionar benefícios significativos para o bem-estar psicológico e emocional
dos jovens (Couto, 2015; Coimbra, 2008).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/90), que dispõe sobre os
direitos e garantias fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil, assim
como os demais documentos citados acima, não menciona diretamente a
importância da cultura para a saúde mental das crianças, mas possui dispositivos
que podem ser interpretados nesse sentido. Por exemplo, ele assegura o direito
das crianças e adolescentes à cultura, lazer e diversão (Art. 16º do ECA/90).
Logo, o acesso as atividades culturais pode contribuir para o desenvolvimento
saudável e integral, incluindo aspectos relacionados a saúde mental. Além disso,
o ECA/90 defende o direito à convivência familiar e comunitária, o direito à
educação e ao lazer (Art. 4º). Desse modo, um ambiente culturalmente rico e
diversificado, conforme afirma Walker et al. (2022), beneficia o desenvolvimento
integral das crianças, incluindo aspectos emocionais e psicológicos. O ECA/90
também prevê medidas de prevenção à violência e promoção da cultura de paz
(Art. 70º). Conforme Parra (2022), um ambiente culturalmente enriquecedor
contribui para a prevenção das situações de violência, que têm impacto
significativo na saúde mental das crianças. Prosseguindo, o Estatuto garante o
direito à liberdade de expressão, pensamento e manifestação (Art. 15º) e, de
acordo com Mcissac et al. (2017), através das ações culturais nas comunidades
onde residem as crianças, elas podem expressar suas emoções e pensamentos,
o que é importante para a saúde mental.
Mcisaac et al. (2017) que pesquisou a importância das instituições de
ensino como promotoras para a saúde mental das crianças afirma que o

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ambiente escolar é um espaço onde esses sujeitos têm a oportunidade de serem
expostas a diversas manifestações culturais, como música, dança, arte e
literatura. Coimbra (2008), por sua vez, endossa que as políticas que promovem
e valorizam essa diversidade cultural fortalecem a identidade e autoestima das
crianças, contribuindo para sua saúde mental. Com efeito, ao aprender sobre
diferentes culturas e perspectivas na escola, as crianças desenvolvem empatia
e compreensão pelo outro. Isso auxilia para um ambiente escolar mais acolhedor
e inclusivo, o que impacta positivamente a saúde de todos os alunos.
Desse modo, políticas culturais que promovem a valorização da história
local, étnica das crianças e aspectos específicos como alimentação e nutrição,
pontua Bray et al. (2018) reduz o estigma e a discriminação que podem afetar a
saúde mental dos colegas que pertencem a grupos minoritários. Colocar no
currículo escolar a necessidade das ações culturais, afirma Mcisaac et al. (2017)
traz um aprendizado significativo, holístico e conectado com a realidade
específica de cada aluno. Assim, questões como obesidade, que fez parte da
pesquisa de Bray et al., (2018), podem ser encaradas como uma situação de
saúde pública, mas que afeta a saúde mental dos alunos. Assim, realizar ações,
campanhas e atividades através da cultura ajuda a prevenir a discriminação,
trabalhando o bem-estar desses sujeitos (Couto, 2015; Coimbra, 2008;
Vasconcelos et al., 2005).
Segundo Parra (2022), as ações comunitárias de cultura podem ser
especialmente benéficas para a saúde mental das crianças com Transtorno do
Espectro Autista (TEA) e crianças e adolescentes transexuais, oferecendo
oportunidades de inclusão, expressão e desenvolvimento social. Realizar
oficinas de arte como pintura, desenho, escultura ou artesanato, pode ser uma
ótima maneira para as crianças com TEA e “Trans” expressarem suas emoções
e pensamentos de forma não verbal. Essas atividades, segundo a autora,
ajudam a desenvolver habilidades motoras e cognitivas. Soma-se a isso, a
importância que as atividades com música possuem na evolução da
comunicação e expressão. Estas, adaptadas às necessidades das crianças com
TEA podem ajudar na linguagem, bem como na coordenação motora. E para as

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crianças transexuais as atividades culturais com a música e a dança ajudam na
interação social.
Em verdade, atividades como teatro e a dramatização oferecem
elementos importantes como ação terapêutica para as crianças com TEA e trans,
afirma Parra (2022). Essas tarefas permitem que as crianças e adolescentes
experimentem diferentes papéis e emoções de forma segura. Além disso, essas
ações culturais melhoram a comunicação não verbal e a compreensão social.
Ainda nesse sentido, faz-se necessário a existência das atribuições como a
promoção dos eventos culturais, como festivais ou apresentações, que sejam
inclusivos e acolhedores para esses sujeitos e suas famílias. Afazeres ao ar livre,
como jardinagem e exploração da natureza, podem ser relaxantes e
terapêuticas, afirma Couto (2015), para as crianças que carregam um peso
psíquico. Essas ocupações estimulam os sentidos e oferecem uma oportunidade
para aprender sobre o ambiente natural.
Walker et al. (2022) trouxe as atividades culturais colocadas em prática
pelo UNICEF para apoiar a saúde mental das crianças que são afetadas por
diversas catástrofes, tanto de ordem natural (por exemplo: enchentes,
terremotos, entre outros), como de ordem dos conflitos e interesses das pessoas
(ou seja: guerras civis, fome, etc). Neste sentido, este organismo reconhece a
importância de abordar o trauma e o estresse que resultam dessas experiências
que atravessam a vida de milhares de infantis. Assim, são criados espaços
seguros e acolhedores onde crianças podem brincar, aprender e expressar-se,
ajudando-as a retomar alguma sensação de “normalidade” e rotina após os
acontecimentos hostis. Esses ambientes também oferecem oportunidades para
atividades culturais que promovem a expressão e a cura emocional.
Para que essas ações culturais sejam colocadas em prática, o UNICEF
treina profissionais e voluntários para fornecer apoio psicossocial às crianças
afetadas (Walker et al., 2022). Isso pode incluir terapia através da arte, música
e dramatização, exercícios que permitem os sujeitos processar suas
experiências de maneiras não verbais e culturalmente sensíveis. Além disso,
continuar a educação, mesmo diante de acontecimentos devastadores, é crucial

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para a recuperação das crianças. Há, portanto, implementações de programas
educacionais que são dedicados ao trauma, incluindo currículos que incorporam
atividades culturais e artísticas para ajuda-las a expressar seus sentimentos e
experimentações, afirma Mcisaac (2017).
Dito isso, diante de contextos como catástrofes, o UNICEF lança
campanhas de conscientização21. Estas podem incluir elementos culturais, como
histórias, músicas e peças de teatro que falam sobre saúde mental de maneira
acessível e ressoante, afirma Walker et al. (2022). Ainda segundo o autor, a
organização trabalha para envolver comunidades inteiras na recuperação,
incluindo a realização de eventos culturais que unem pessoas e promovem a
solidariedade e o apoio mútuo.
Mcisaac et al. (2017) vai discorrer sobre um estudo de caso onde busca-
se um novo perfil da instituição de ensino, agora, com foco na promoção da
saúde dos educandos. Para ele, integrar a saúde mental no currículo e nas
atividades escolares favorecem vários benefícios, por exemplo, ajudar as
crianças a entender e gerenciar suas emoções desde cedo contribui para seu
bem-estar geral e a capacidade de enfrentar desafios. Além disso, a identificação
e o tratamento precoce dos problemas de saúde mental previnem o
desenvolvimento de problemas mais sérios no futuro, confirma Vasconcelos et
al. (2005).
Desse modo, afirma Mcisaac et al. (2017), falar abertamente sobre saúde
mental na escola pode ajudar a reduzir o estigma, incentivando um ambiente
mais inclusivo e de apoio entre os alunos. Estes, com boa saúde mental,
sentencia, têm mais probabilidade de se saírem melhor academicamente, pois o
estresse e a ansiedade podem afetar negativamente a concentração e a
memória (Coimbra, 2008). Assim, programas de mindfuldness22 ajudam as

21 De acordo com Walker et al. (2022) o UNICEF promove a realização de atividades recreativas
e artísticas como uma forma de ajudar as crianças a expressar suas emoções e experiências.
Isso pode incluir desenho, pintura, teatro, dança e música, que são formas poderosas de terapia
não verbal. Mas é importante salientar que essas ações são adaptadas a cada contexto, situação
e com suas específicas manifestações.
22 Mindfulness, palavra que pode ser traduzida como “atenção plena”. Este programa é uma

prática que envolve prestar atenção de maneira intencional ao presente, observando


pensamentos, sentidos e sensações sem julgamento. Originário de tradições budistas,

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crianças a se concentrarem no presente, reduzindo o estresse e a ansiedade.
Atividades artísticas, como visuais, música e teatro podem ser usadas como
ferramentas para expressar o que estão sentindo e aliviar o estresse causador
do desconforto. É pertinente a criação de espaços de escuta, que acolha com
segurança, onde as crianças possam falar sobre suas preocupações e
sentimentos sem julgamentos (Couto, 2015). Soma-se a isso a importância das
atividades físicas que são fundamentais para a saúde mental, reduzindo
sintomas de depressão e ansiedade. Neste sentido, ensinar habilidades sociais
e de resolução dos conflitos melhora as relações interpessoais e o ambiente
escolar. Contudo, o autor saliente que implementar essas atividades requer um
esforço colaborativo entre professores, pais e profissionais de saúde mental,
mas os benefícios para o desenvolvimento integral e bem-estar das crianças
justificam esse investimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo dessa pesquisa teve como pano de fundo uma exploração


bibliográfica sobre trabalhos cujo conteúdo versam sobre políticas públicas de
cultura direcionadas para a saúde mental das crianças. A partir do conteúdo
levantado, isto é, o que denominamos como sendo “os achados” da pesquisa,
evidenciamos como são poucos os trabalhos publicados que exploram esse
enfoque. Diante disso, nos debruçamos nos quatro (4) manuscritos que foram
delineados a partir da metodologia da revisão integrativa da literatura (Lima et
al., 2000; Galvão et al., 2004).
O primeiro trabalho debruçou-se sobre a importância das ações de cultura
na saúde mental para crianças com transtornos do espectro do autismo (TEA) e
de jovens trans. Foram elencadas diversas ações que podem contribuir com o

“mindfulness” foi adaptado para diversos contextos, incluindo a saúde mental, educação e
terapias comportamentais. A importância desse programa para a saúde mental das crianças é
amplamente reconhecida por vários motivos: redução do estresse e ansiedade, melhora da
concentração, desenvolvimento da resiliência emocional, regulação emocional, melhora nas
relações sociais e bem-estar geral.

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desenvolvimento cognitivo e a inserção dos sujeitos na sociedade, preparando-
os para lidar com os desafios de ser quem são e como se auto-identificam como
indivíduos que possuem características que lhes são peculiares. O segundo
trabalho versou sobre o cenário das políticas públicas relacionadas ao corpo e
sua aceitação. Foi dito que muitas crianças e jovens sofrem psicologicamente a
partir de uma cultura do “corpo perfeito” e que se faz pertinente colocar ações
educacionais, de saúde e culturais voltadas para trabalhar aspectos a fim de
elevar a autoestima. Para isso, o espaço escolar é um ambiente propício para a
prática das ações educacionais sobre alimentação saudável e nutricional, bem
como de cunho cultural para quebrar estereótipos enraizados na sociedade
sobre “ter um corpo perfeito”.
O terceiro trabalhou trouxe uma proposta sobre um modelo de instituição
de ensino que privilegie a saúde mental dos educandos de maneira prioritária
nas ações cotidianas neste espaço. O objetivo era mudar o perfil da escola,
agora, centrada nas particularidades psíquicas que atravessavam a vida das
crianças. Para isso, deveriam ser colocadas em ação, diversas atividades, entre
estas, as de cunho cultural. O quarto trabalho, por sua vez, abordou práticas
culturais realizadas pelo UNICEF para com a saúde mental das crianças que
vivenciaram situações diversas de tragédia. Dito isso, o organismo internacional
tem como um dos eixos de trabalho, ajudar esses sujeitos a superar os traumas
sofridos.
Além disso, ficou explícito que alguns organismos internacionais como a
UNESCO e a Carta de Ottawa (1996), por mais que versam sobre a importância
de trabalhar a saúde mental dos sujeitos através dos trabalhos, ações,
programas e políticas públicas culturais, não fica claro, de maneira direta e
objetiva, essa relação. No entanto, entendemos, a partir da interpretação dos
textos que eles endossam a importância das políticas culturais para um saudável
desenvolvimento da saúde mental das crianças. Soma-se a isso, também, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/90) no Brasil que fala de maneira
geral, entendendo que, através da proteção integral a criança, subentende-se

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que é preciso realizar políticas públicas culturais para o bem-estar da saúde
mental desses sujeitos.
Outro aspecto importante que deve ser destacado na pesquisa a partir
dos “achados”, bem como no desenvolvimento do “tensionamento” dos dados,
diz respeito a intersetorialidade das ações. As políticas públicas, programas e
ações culturais que dão corpo a esta pesquisa, que ser seja de ordem mais
abrangente e com duração a longo prazo, quer seja de modo pontual a curto
tempo, são realizadas em conjunto, hibridamente, isto é, como resultado da
interação e fusão de diferentes áreas: saúde, educação e cultura. Esta última,
que é a centralidade da nossa exploração, ora aparece orbitando centralmente
as ações. Contudo, em outras situações, percebemos que as políticas culturais
são colocadas nas franjas dos procedimentos.
Apesar disso, essa pesquisa vem preencher essa lacuna: de pouca
investigação científica sobre a importância das políticas públicas culturais para
o desenvolvimento saudável das crianças. Além disso, ao tencionar os dados
encontrados, possibilitamos a exposição das ações para que sejam realizadas
nos espaços da sociedade civil com o objetivo de utilizar esse campo da
sociedade, isto é, a cultura, através de política pública para trabalhar a saúde
mental das crianças.

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