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PROJETO PARA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO - PPF3

TÍTULO: Os pólos mágico e político da arte pedagógica grega: um olhar benjaminiano para o
embate entre Platão e Homero
ALUNO: Gabriel França Marcolino
Matrícula: 119058013

RESUMO:
O presente projeto procura se usar de algumas categorias do filósofo da arte e da estética do
séc. XX, Walter Benjamin, para descrever o embate na Grécia Clássica, entre filosofia e poesia.
Em maiores detalhes, Benjamin, em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”,
lança mão da ideia de que há dois pólos na arte ao longo de sua história: um pólo mágico e
outro político, que se estabelecem como a natureza de uma determinada arte segundo o quão
reprodutível e expositiva ela é. O intuito deste trabalho é o de investigar as possibilidades de
se usar essas relações entre os pólos e a reprodutibilidade como ferramenta para se analisar —
e, portanto, clarificar — a disputa entre a pedagogia homérica, representada mormente pela
poesia oral grega, e a pedagogia filosófica, que tem um de seus expoentes na Grécia Clássica
com Platão.

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA:
Walter Benjamin é um filósofo do século XX e sua obra foca nos estudos da estética. No
entanto, é um dos pioneiros em repensar a disciplina para além da investigação do belo das
obras de arte, como era tradicional até então. Antes, Benjamin toma as obras de arte como um
meio de fazer uma teoria da percepção; isto é, sua estética investiga, a partir da recepção da
arte, o modo pelo qual o ser humano percebe (aisthesis) o mundo ao seu redor. A obra pela
qual Benjamin ficou mais famoso nessas suas investidas foi “A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica”. Nela, Benjamin investiga as transformações na percepção humana
dos tempos da Modernidade, tendo como objeto de análise as novas artes do cinema e da
fotografia.
Para demonstrar essas transformações na sensibilidade humana, Benjamin contrapõe a
Modernidade com a Antiguidade, fazendo entre os dois períodos uma breve história da
percepção das obras de arte, através da dinâmica de dois conceitos chaves: os pólos presentes
em qualquer obra, o de culto e o de exposição. Benjamin lança mão dessa breve história com
o intuito de contrapor a época Moderna, como aquela na qual a obra de arte é caracterizada
pela ênfase no pólo de exposição, à época da Antiguidade, como aquela na qual a obra é
caracterizada pela ênfase no pólo de culto. E, na sequência, essa diferenciação permite-o
caracterizar ambos os extremos do seguinte modo: a obra de arte da Antiguidade pode ser vista
como uma ferramenta religiosa, e de caráter mágico, pela qual o ser humano expressa suas
necessidades de domínio da natureza, tendo o sacrifício humano como sua maior expressão; e
a obra de arte da Modernidade pode ser vista como uma ferramenta política, de caráter
reprodutível, pela qual o ser humano expressa suas possibilidades de jogar com a natureza; o
cinema pode ser visto, na época de Benjamin, como sua maior expressão.
O presente trabalho pretende justamente observar um período histórico da filosofia
como uma escala menor dessa leitura benjaminiana das obras de arte; mais especificamente a
relação entre poesia oral grega e prosa filosófica. Quando procuramos na história exemplos de
artes mágicas, como aquelas descritas pelo ensaio de Benjamin, uma que este projeto pretende
ressaltar a atenção é a poesia oral grega, a poesia dos aedos que atravessaram a época arcaica
grega e marcaram a própria poesia como um trabalho de sua itinerância. Esse tipo de arte
resguarda as características apontadas pelo ensaio de Benjamin para uma arte mágica, no que
concerne a sua aura, sua ritualização, seu domínio da natureza e sua magia de comoção. Ora,
se temos em mãos a arte mágica da qual fala Benjamin, podemos aplicar a ela o resto do
raciocínio da investigação do ensaio, e nos perguntar quais são as consequências que tal arte
sofre com o aumento de sua reprodutibilidade, chegando até a pergunta de qual seria sua
contraparte política.
Como podemos entender a reprodutibilidade que se aplicaria, portanto, à poesia oral,
modificando-a? Um dos autores que nos auxilia a compreender essa transformação é Walter
Ong. Filósofo contemporâneo, falecido em 2003, foi estudioso das relações entre oralidade e
escrita, caracterizando a segunda, em seu livro mais famoso Orality and Literacy, como uma
tecnologia através da qual o ser humano possibilitou a si mesmo modificações em sua cognição.
Em maiores detalhes, uma sociedade oral, que não tem qualquer contato com a escrita ou que
a possui apenas como uma ferramenta secundária1 , aplica suas energias cognitivas em
resguardar o conhecimento, tão dificilmente adquirido pela tradição das gerações anteriores,
tão somente na memória. Essa necessidade demanda uma estrutura cognitiva que facilite a
memorização desse conhecimento, transformando o pensamento em um pensamento
memorizável. É por isso, segundo Ong, que as sociedades orais se usavam de uma linguagem
que preferia o pensamento, por exemplo, aditivo e agregativo no lugar do subordinativo e
analítico; preferia o pensamento redundante, tradicional, sensivelmente impactante, generalista
e radicalmente agonista no lugar de um pensamento intelectual mais experimental e abstrato,
devido às capacidades materiais de registro e reprodução daquele conhecimento.

1
Caso daqueles que a usavam apenas para registros contábeis; exemplo dos micênicos e o Linear B.
Com os estudos de Ong, podemos retornar à avaliação benjaminiana que nos propomos
da poesia oral grega, e perceber que a reprodutibilidade que transforma sua natureza mágica
está diretamente relacionada ao advento da escrita. É exatamente a estabilização escrita da
poesia oral que permitiu uma nova forma de recebê-la, abalando a aura mágica que possuía
sobre o povo grego, inaugurando uma nova forma de percepção não só da poesia, mas da
própria realidade.
Detenhamo-nos um pouco sobre esta reprodutibilidade e o abalo que a aura oral da
poesia sofreria com ela. Ainda que pareça muito clara a identificação entre o conceito de
reprodutibilidade e o evento descrito por Ong, temos um aparente problema na transferência
da relação entre os pólos de culto e exposição para um período histórico d iferente daquele
analisado por Benjamin, objetivo principal de nosso trabalho. O que se apresenta é que, no
ensaio de A Obra de Arte, acaba-se por marcar o conceito de reprodutibilidade técnica e a
transformação que ele ocasiona na natureza da obra de arte como as duas grandes forças tão
somente da Modernidade e não da Antiguidade.
Uma possível solução, já antevista pelo nosso trabalho e adicionada aos objetivos do
mesmo, procura ressaltar algumas noções que Benjamin apresenta no início do ensaio. Elas
possibilitam que vejamos a relação entre os pólos da obra de arte em diferentes graduações,
devido a outras várias graduações de reprodutibilidade e a interferência de fatores culturais
paralelos. Benjamin diz que toda obra de arte possui dois pólos, um de culto e um de exposição.
O aumento da capacidade de reprodução é diretamente proporcional ao aumento da ênfase no
pólo de exposição, e diminuição, portanto, do pólo de culto. Desse modo, diferentes ênfases
que ao longo da história se deram ao pólo de exposição geraram diversas transformações na
obra de arte. Benjamin, no ensaio, por diversas vezes comenta das diferenças quantitativas
presentes entre os pólos ao longo da história em relação às suas mudanças qualitativas. O
enfoque que é dado à Modernidade, nesse sentido, tem o objetivo de avaliá-la como a
exacerbação nunca antes vista da reprodutibilidade técnica, ocasionando num tipo
completamente novo de arte. Isso não quer dizer, portanto, que não seja possível avaliar artes
já antigas e sua relação com graus menores de reprodutibilidade, tampouco que não seja
possível avaliar como características políticas e emancipatórias as transformações ocasionadas
a tais artes pelo aumento da reprodutibilidade das mesmas, mesmo que isso não altere de todo
ainda a natureza da obra de arte.
Com esta solução em mãos, voltemos à aplicação do resto do raciocínio do ensaio de
Benjamin à poesia oral grega. Se podemos verificar que a arte mágica pode ser identificada
com a poesia homérica e a reprodutibilidade da mesma pode ser identificada com o advento da
escrita grega, falta-nos avaliar o resultado disso em consequências culturais, além das
cognitivas descritas por Ong. A hipótese principal deste trabalho é que tais consequências
assemelham-se ao que Benjamin descreve como uma transformação de características mágicas
para características políticas. E que as novas artes gregas marcadas por essas novas
características políticas seriam a rapsódia, a sofística e — foco de nosso trabalho — a filosofia.
Um acontecimento que corrobora com essa nossa hipótese é o embate, presente nos
escritos de Platão principalmente, entre filosofia e poesia homérica. Na República, Platão faz
uma crítica severa à pedagogia grega de sua época e das antecessoras, que viam Homero como
"O Pedagogo de todos os Helenos". A crítica repousa, resumindo, em invalidar
epistemologicamente o ensino moral que o mito dava aos seus ouvintes, tendo a intenção de
colocar no lugar desse antigo mestre um novo pedagogo, o filósofo. Critica-se o conteúdo moral
e o seu modo de alcançá-lo, mas, ressaltamos, valoriza-se a força de transmissão desse
conhecimento, a força de comoção. Ou seja, Platão critica o conteúdo e o método da poesia
homérica, mas segue louvando e até se apropriando das capacidades comunicacionais dela. O
que corrobora nossa hipótese é justamente este embate político que se cria, contra certos
aspectos mágicos que estavam à serviço da classe religiosa, pela presença de uma nova arte: a
prosa escrita.
Outro objetivo a ser ressaltado de nosso trabalho é a apropriação que a prosa filosófica
faz do aspecto mágico da poesia homérica no que tange a sua capacidade comunicacional pela
comoção do ouvinte. Isso também corrobora com nossa investigação, no sentido em que
veríamos uma dinâmica entre pólo de culto e pólo de exposição. Isto é, a nova arte escrita,
advinda do declínio da aura oral pela reprodutibilidade da mesma, ainda resguarda certos
componentes mágicos, conquanto expresse transformações de teor político. É justamente essa
caracterização um tanto mágica da filosofia clássica que nos parece justificar o presente
trabalho. Contra uma série de leituras racionalizantes da filosofia, e contra a antiga dicotomia
entre mito e lógos, é que a nossa investigação se propõe a análise referida com as categorias
que apresentamos. Nos parece extremamente frutífero um novo olhar que permita ver a relação
entre poesia e filosofia não como uma mera cisão, mas como uma continuidade das funções
humanas em transformação.

OBJETIVOS:
O objetivo maior deste trabalho é usar a relação entre as categorias de pólo mágico, pólo
político e reprodutibilidade da arte para examinar e descrever o embate político e
epistemológico entre a poesia grega e a filosofia clássica. Outros dois objetivos menores que
surgem em meio ao caminho para alcançar-se o primeiro são: a) averiguar a possibilidade de
transpor-se tal relação benjaminiana, já vinculada tradicionalmente ao longo período histórico
Antiguidade-Modernidade, para analisar apenas o período mais curto entre Grécia Arcaica e
Grécia Clássica, visto por Benjamin como um período oposto ao Moderno; sendo que tal
transposição demanda que b) se esmiúça a relação entre os dois pólos a fim de verificar a
existência de uma dinâmica entre ambos já presente na Antiguidade, conquanto tal dinâmica
fique mais explícita ao longo do período Antiguidade-Modernidade analisado no ensaio de
Benjamin. As hipóteses a serem investigadas são as seguintes: acerca dos dois objetivos
menores, temos que haveria uma graduação de destaque entre os pólos mágico e político ao
longo da história da arte, e que tal graduação permitiria analisar o período histórico da
antiguidade como uma escala menor em relação ao longo período tomado por Benjamin; e
acerca do objetivo maior temos a hipótese de que a Filosofia adveio como uma arte política da
prosa, sendo produto do aumento da reprodutibilidade da poesia mágica oral, acarretando na
continuidade de certas características igualmente mágicas, conquanto sua natureza fosse
definida pelo pólo que lhe é correspondente, o político.

METODOLOGIA E ANÁLISE:
O método de nossa investigação consiste na pesquisa bibliográfica e discussão dos dados
encontrados com especialistas tanto no pensamento de Walter Benjamin, quanto na poesia
homérica e suas relações com a filosofia da Grécia Clássica. Faremos uma busca,
primeiramente, no ensaio “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica” das
características que Benjamin atribui à arte mágica e das que atribui à arte política, sempre
buscando analisar os trechos da obra com a leitura secundária sobre o ensaio e o tema que
circunscrevemos. A ideia é descrever com exatidão os conceitos de pólo de culto, pólo de
exposição e reprodutibilidade técnica, a fim de, tão claro quanto possível, identificar seus
paralelos no embate entre a filosofia clássica grega e a poesia homérica. Nesse sentido, nosso
método também demanda uma leitura da obra Orality and Literacy, de Walter Ong, para que
cubramos a extensão do conceito de reprodutibilidade que apresentamos na introdução,
cotejando suas informações com as obras de seus contemporâneos que versam sobre o mesmo
tema, como Eric Havelock, por exemplo. À bibliografia relacionada à Walter Ong soma-se
aquela relacionada ao embate entre filosofia clássica grega e poesia homérica, a fim de
compreender o período tão profundo quanto necessário para a identificação dos paralelos aos
conceitos de Walter Benjamin.

PLANEJAMENTO E CRONOGRAMA:
Tendo como base o tempo de um ano para a pesquisa, o primeiro semestre será investido no
levantamento da bibliografia primária e secundária e a leitura da mesma, de modo que os outros
seis meses serão reservados para a discussão da leitura e confecção do texto final do projeto.

ATIVIDADES 1 2 3 4 5 6
BIMESTRES

levantamento X X
bibliográfico

análise dos textos X X X X

análise de X X X
comentadores

comparação entre X X X
os conceitos e o
período

discussão X X
conclusão

redação do texto X X
final

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

— BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Tradução por
Gabriel Valladão Silva. L&PM, 2020
— ONG, Walter J. Orality and Literacy: the technologizing of the word. Routledge Books,
2012
— HAVELOCK, Eric A. The muse learns to write: reflections on orality and literacy from
antiquity to the present. Yale University Press, 1986
— HOMERO. Ilíada. Tradução de Frederico Lourenço. Penguim Classics, 2005
— ________. Odisséia. Tradução de Frederico Lourenço. Penguim Classics, 2005
— PLATÃO. República. Introdução, Tradução e Notas por Maria Helena da Rocha Pereira.
Fundação Calouste Gulbenkian, 2001

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