Você está na página 1de 4

Celso dos Santos Vasconcellos fala sobre

planejamento escolar
Especialista critica a burocracia e diz que o coordenador pedagógico
deve se aliar a outros colegas para não se sentir sozinho.

Foto: Rodrigo Eribe

Celso dos Santos Vasconcellos já foi professor, coordenador


pedagógico e gestor escolar. Ao longo de sua extensa carreira de educador,
participou de inúmeros processos de planejamento nas escolas e gosta de
dizer que aprendeu muitas lições. "Às vezes, há uma tentação enorme de ficar
gastando tempo com problemas menores, quase sempre da esfera
administrativa ou burocrática. Justamente por isso é tão importante planejar o
planejamento", afirma. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo,
mestre em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e autor de diversos livros sobre esse assunto, o
especialista fala na entrevista a seguir a respeito dos meandros do processo
de elaboração das diretrizes do trabalho da escola.

 Por onde se deve começar um bom planejamento?

Depende muito da dinâmica dos grupos. Existem três dimensões


básicas que precisam ser consideradas no planejamento: a realidade, a
finalidade e o plano de ação. O plano de ação pode ser fruto da tensão entre a
realidade e a finalidade ou o desejo da equipe. Não importa muito se você
explicitou primeiro a realidade ou o desejo. Então, por exemplo, não há
problema algum em começar um planejamento sonhando, desde que depois
você tenha o momento da realidade, colocando os pés no chão. Em alguns
casos, se você começa o ano fazendo uma avaliação do ano anterior, o grupo
pode ficar desanimado - afinal, a realidade, infelizmente, de maneira geral, é
muito complicada, cheia de contradições. Às vezes, começar resgatando os
sonhos, as utopias, dependendo do grupo, pode ser mais proveitoso. O
importante é que não se percam essas três dimensões e, portanto, em algum
momento, a avaliação, que é o instrumento que aponta de fato qual é a
realidade do trabalho, vai aparecer, começando o planejamento por ela ou
não.

 É possível realizar um processo de ensino e aprendizagem sem


planejar?

É impossível porque o planejamento é uma coisa inerente ao ser humano.


Então, sempre temos algum plano, mesmo que não esteja sistematizado por
escrito. Agora, quando falamos em processo de ensino e aprendizagem,
estamos falando de algo muito sério, que precisa ser planejado, com
qualidade e intencionalidade. Planejar é antecipar ações para atingir certos
objetivos, que vêm de necessidades criadas por uma determinada realidade,
e, sobretudo, agir de acordo com essas ideias antecipadas.

 Em alguns contextos, o planejamento ainda é encarado como um


instrumento de controle?

Sim, em algumas escolas e redes, ele ainda é um instrumento burocrático e


autoritário. Em um sistema autoritário, o planejamento é uma arma que se
volta contra o professor porque o que ele disser - ou alguém disser por ele -
que vai ser feito tem que ser cumprido. Caso contrário, ele foi incompetente.
E, nem sempre, conseguimos fazer o que planejamos. Por diversas razões,
inclusive por falha nossa, mas não unicamente por isso. No entanto, o
movimento da sociedade e o processo de redemocratização têm favorecido o
conceito de planejamento como real instrumento de trabalho e não como uma
ferramenta de controle dos professores.

 Qual a relação entre o planejamento e o projeto político pedagógico?


Nesse processo de planejar as ações de ensino e aprendizagem, existem
diversos produtos, como o projeto político pedagógico, o projeto curricular, o
projeto de ensino e aprendizagem ou o projeto didático, que podem ou não
estar materializados em forma de documentos. O ideal é que estejam.
Quando falamos do planejamento anual das escolas, temos como referência o
projeto político pedagógico.

 É possível fazer um planejamento sem conhecer o projeto político


pedagógico da escola?

Um projeto, a escola sempre tem, mesmo que ele não esteja materializado em
um documento. Agora, o ideal é que esse projeto seja público e explicitado.
Na hora do planejamento anual, ele deve ser usado como algo vivo, como um
termômetro para toda a comunidade escolar saber se o trabalho que está
sendo planejado está se aproximando daqueles ideais políticos e pedagógicos
ou não.

 Como evitar que o tempo dedicado ao planejamento anual não seja


desperdiçado?

Nas escolas, o coordenador pedagógico é o responsável por esse processo. É


preciso prever momentos específicos para cada tipo de assunto e ser firme na
coordenação. Às vezes, há uma tentação muito grande em ficar gastando
tempo do planejamento com problemas menores, administrativos ou
burocráticos. Então, é muito importante planejar o planejamento, reservando
momentos específicos para cada assunto, e ser rigoroso no cumprimento
dessa organização. Ele precisa ser um coordenador pedagógico forte, mas
onde buscar apoio para se fortalecer? Em alguns casos, há o apoio da
direção, mas é muito importante que ele faça parte de um grupo com outros
profissionais no mesmo cargo para trocar experiências e sentir que não está
sozinho nesse trabalho.

 Com que frequência as ações do planejamento anual devem ser


revistas pela equipe?
Eu insisto muito na reunião pedagógica semanal. Na minha opinião, esse
encontro não deve ser por área, e sim com todos os professores daquele
ciclo, daquele período. Se todos os professores, por exemplo, do ciclo II do
Ensino Fundamental do período da manhã estão presentes no mesmo
momento, em um dia fixo da semana, no período da tarde, durante cerca de
duas horas, o coordenador pedagógico pode montar reuniões por área, ou por
nível ou gerais, conforme as necessidades. Esse momento de encontro é
imprescindível para planejar um trabalho de qualidade com coerência entre os
professores. Além de ser um momento de socialização. Existem professores
que descobrem coisas excelentes que vão morrer com ele porque não foram
sistematizadas nem ele compartilhou aquelas descobertas. E, na hora do
planejamento, há a possibilidade de reservar um momento para isso.

 Existe algum momento que deve ser planejado com mais cuidado?

Sim, as primeiras aulas. Principalmente das séries iniciais. Existem estudos


que mostram que a boa relação professor/aluno pode ser decidida nessas
aulas. Há pesquisas que vão além e apontam os primeiros instantes da
primeira aula como determinantes do sucesso da atividade docente. Então, se
o professor tem de preparar bem todas as aulas, as primeiras precisam de
mais cuidado. E não é só determinar os conteúdos a ser abordados, os
objetivos a atingir e a metodologia mais adequada. É, sobretudo, se preparar,
tornar-se disponível para aqueles alunos, acreditando na possibilidade do
ensino e da aprendizagem, estando inteiramente presente naquela sala de
aula, naquele momento.

Você também pode gostar