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CULTURA ARTÍSTICA

ARQUITETÔNICA,
URBANÍSTICA E PAISAGÍSTICA
AULA 4

Prof. Pericles Varella Gomes

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CONVERSA INICIAL

Esta aula aborda a arquitetura como função e vai apresentar o conceito


de que obras arquitetônicas devem ser construídas para a função a que se
destinam. A funcionalidade parte do princípio de que a forma segue a função.
Vamos estudar um aparente conflito que existe entre a estética e a
funcionalidade na arquitetura, sem esquecer que sempre há tecnologias
envolvidas no ato de construir.
Partiremos da hipótese de que, se uma obra de arquitetura tiver sua
funcionalidade bem resolvida, ela automaticamente passa a ser válida sob o
ponto de vista estético. Trata-se de uma hipótese que será debatida nesta aula.
O fato de a arquitetura não ser uma ciência exata (iremos aprofundar este tema
adiante), mas sim uma ciência social, permite múltiplas abordagens de diferentes
ângulos. A Figura 1 demonstra um exemplo alemão da Bauhaus, movimento
precursor do funcionalismo.

Figura 1 − ADBG Bauhaus, 1931, bloco de habitação da Escola Sindical

Crédito: Pericles Varella Gomes.

No decorrer dos séculos da história da arquitetura, é possível constatar


que essa discussão parece um pêndulo que ora vai mais para um lado (da
função), ora vai mais para o outro (da estética). Algumas correntes arquitetônicas
(Bauhaus e também Die Stijl e Modernism, por exemplo) tiveram bastante
influência nessa tendência que desemboca na arquitetura do século XXI.

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A esse respeito, Elgson Ribeiro Gomes, arquiteto modernista paranaense,
comenta:

Se tivesse que ensinar-lhe arquitetura hoje, diria para aprender a


desenhar magnificamente bem, a dedilhar um instrumento musical
magnificamente bem, a estudar uma língua universal fluentemente, a
viajar incansavelmente e tentar “olhar” e “ver” tudo o que estiver ao
alcance da vista, a dominar os meios de comunicação gráfica, e se
inter-relacionar com todos os que estejam na ponta do processo
evolutivo em qualquer área do conhecimento, e que compreenda que
nosso mundo está em expansão exponencial e transcende, em função
do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, que vivemos num
mundo dinâmico em movimento, e que a arte e a arquitetura estática
pertence ao passado. (Gomes, 1995)

Figura 2 − Arquitetura do século XXI como resultado do movimento funcionalista

Crédito: Grand Warszawski/Shutterstock.

CONTEXTUALIZANDO

Nesta aula vamos delinear o tema da funcionalidade na arquitetura,


contextualizando conceitos importantes que irão definir as formas arquitetônicas.
Pretendemos defender a hipótese de que a forma deve sempre seguir a função.
Vamos resgatar da antiguidade o pioneiro Vitruvius e perceber como a dicotomia
entre forma e função foi sendo abordada ao longo da história da arquitetura e
urbanismo. Também discutiremos a importância da funcionalidade na arte de
projetar modernista, o ser humano e suas referências e medidas.
Lembre-se: o arquiteto sempre deve ponderar a funcionalidade antes da
forma, dentro das tecnologias existentes e também das que surgem

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constantemente. Finalmente, trataremos da questão de várias funções
acontecendo ao mesmo tempo nas obras arquitetônicas (multifuncionalidade).
Exemplos icônicos de arquitetos incríveis serão apresentados para ilustrar que
a forma deve seguir a função.

TEMA 1 − O CONCEITO FUNCIONALISTA DE VITRUVIUS (UTILITAS)

Historicamente, as construções dependem dos materiais disponíveis nas


regiões geográficas das civilizações humanas. Grécia, Império Romano, Rússia
e mesmo as civilizações indígenas e incas e maias da América realizaram obras
arquitetônicas com tecnologias compatíveis com a cultura de cada contexto.
Marcus Vitruvius, o famoso arquiteto romano que viveu na época de Jesus
Cristo, escreveu o tratado De Architectura, no qual conceitua a arquitetura com
base em três grandes pilares:

• Utilitas − utilidade e função;


• Venustas − beleza e estética;
• Firmitas − solidez e estabilidade.

Vitruvius assim definiu a nossa profissão: “A ARQUICTETURA é uma


ciência que deve ser apoiada por uma grande diversidade de estudos e
conhecimentos através dos quais ela julga todas as obras das outras artes que
lhe pertencem. Esta ciência se adquire pela pratica e pela teoria”.

Figura 3 − Em frente de edifício funcional em Boston

Crédito: Pericles Varella Gomes.

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Vamos estudar nesta aula o pilar utilitas: utilidade e funcionalidade na
obra arquitetônica. Vamos refletir sobre os elementos construtivos da edificação
por meio da cuidadosa escolha dos principais elementos: estruturais, sistemas
de janelas e vedação de fachadas (paredes externas), tipos de tecnologias
empregadas e qualidade nos materiais utilizados, resolução das circulação das
pessoas, solução de incidência solar, ventilação, prevenção contra incêndio,
escadas e rampas, enfim a função ou utilidade dentro da arquitetura, do
paisagismo e áreas afins.
De forma simplificada, grande parte da população acredita que o papel do
arquiteto se resume a fazer uma planta e depois desenhar de forma estética as
paredes externas e o telhado. Esse entendimento não reflete a complexidade da
atividade desse profissional. Podemos afirmar que essa abordagem simplificada
de projetar reflete a maneira como engenheiros projetam, quando não se
aprofundam na arquitetura. A formação da engenharia civil, em seu currículo,
não os prepara para a complexa tarefa de projetar arquitetura.
A Figura 4 apresenta as relações existentes entre três componentes
envolvidos no projeto (ou design) de uma obra. No centro do gráfico, a obra
existe a partir da interseção da função, da forma e da tecnologia.

• Função: existem funções primárias e secundárias na arquitetura.


• Forma: existem valores estéticos e valores de significado na arquitetura.
• Tecnologia: existem materiais e processos envolvidos na arquitetura.

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Figura 4 − Relação entre função, forma e tecnologia, sempre presentes na obra
arquitetônica

Crédito: Pericles Varella Gomes.

Quando algumas vezes aparece uma crítica pública em relação a


determinada obra de arquitetura ou arquiteto, afirmando-se que ele foi muito
“formalista” na solução, essa expressão significa que a função foi relegada ao
segundo plano que e foi valorizada em excesso a forma, muitas vezes buscando
imitar um estilo arquitetônico do passado (recente ou remoto). A Figura 5
apresenta um grande projeto em Curitiba, cujas formas são expressivas, sem
dúvida. A forma aqui prevalece sobre a função? Vamos estudar mais a fundo
esse tema.

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Figura 5 − Centro Comercial Itália, em Curitiba

Crédito: Pericles Varella Gomes.

TEMA 2 − ARQUITETURA E FUNCIONALIDADE AO LONGO DA HISTÓRIA

Ao longo da história humana, o ato de projetar foi sempre uma atividade


variável com base na modificação de três fatores mais importantes: 1) a função;
2) a forma; e 3) a tecnologia. Dependendo de como se estuda determinada
obra, é possível percebê-los e talvez detectar a predominância de um em relação
aos demais. Em 1896, Louis Sullivan cunhou uma frase famosa: “a forma das
construções segue necessariamente a função”. Essa tendência, denominada
funcionalismo, veio a se consolidar em 1930 com movimentos articulados pela
Bauhaus (uma escola de arte e arquitetura na Alemanha) e que com a Segunda
Guerra Mundial se ramificou para os Estados Unidos.
Na Bauhaus, a ênfase inicial foi nas artes e se discutiu muito a estética,
mas com a mudança da direção para Ludwig Mies van der Rohe o foco mudou
para a arquitetura. Infelizmente, em 1933 os próprios professores decidiram
fechar a escola, com a sombra da chegada do nazismo.

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Figura 6 − Museu de Arte de São Paulo

Crédito: Antonio Salaverry/Shutterstock.

Nesse sentido, vamos focar na forma como um elemento determinante do


projeto no decorrer da história e acompanhar exemplos, verificando que alguma
tecnologia está presente sempre, mas vai evoluindo. As civilizações que
constroem suas obras com formas distintas deveriam estar seguindo a função à
qual se direcionavam seus projetos; no entanto, em certos momentos podemos
notar que existe um exagero do formalismo em detrimento da forma. Talvez o
barroco seja o exemplo mais eloquente do quanto a forma pode se sobressair
em relação à função a que a obra se destina.

Saiba mais

Para aprofundar nossas discussões, assista ao video a seguir, um


especial em comemoração do centenário de Lina Bo Bardi.
FAMA MUSEU. Especial - 100 anos de Lina Bo Bardi - Parte 1. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=z2mkutMCx3M&t=205s>. Acesso em:
18 nov. 2021.

A função não é independente da cultura, e cada civilização vai atribui-la


de forma particular. Por exemplo, a função morar no Japão tem características
distintas da função morar no Brasil, que, por sua vez, tem características
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diferentes da função morar na Alemanha ou nos Estados Unidos. Então, é
importante compreendermos que mesmo a função pode ter aspectos relativos e
que não pode ser considerada uma ciência exata, ainda que a parte estrutural
de edifícios deva ser sólida no sentido de que ninguém quer que prédios caiam,
sofrer infiltração de água ou pegar fogo. Portanto, existem aspectos da
funcionalidade que são bem objetivos; outros aspectos de ergonomia, ou seja,
da forma como as pessoas irão usar os espaços projetados, também são bem
óbvios.

TEMA 3 − ARQUITETURA MODERNA E FUNCIONALIDADE

Historicamente, projetos arquitetônicos, para se tornarem referência e


marcos de qualidade, devem cumprir a funcionalidade a que se destinam,
evitando modismos. A comparação das Figuras 7 e 8 revela um contraste de
arquitetura moderna. O que define a casa da Figura 7 como exemplo universal
de boa arquitetura? Podemos citar alguns fatores, a saber: uso racional da
tecnologia vigente, funcionalidade total, adequação dos espaços, boa
implantação no terreno e outros.

Figura 7 − Villa Savoye: Le Corbusier valoriza ao extremo função nessa casa


modernista

Crédito: VPC Travel Photoalamy/Fotoarena.


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Esse conceito tem grande importância para quem inicia os estudos de
arquitetura. Devemos ser críticos e evitar copiar soluções projetuais e designs já
existentes, na medida em que soluções passadas foram apropriadas para
tempos passados, em função de usos e tecnologias passadas (e muitas vezes
ultrapassadas).
A casa projetada por Le Corbusier na Villa Savoye (Figura 7) apresenta
total despojo daquilo que se chama frivolidade arquitetônica. Por meio do uso do
concreto e da cor branca, Le Corbusier busca enxugar e transformar a moradia
numa máquina de morar no sentido de fazer a casa ser a mais funcional possível
dentro da tecnologia vigente, que à época era o concreto armado, que na mão
de arquitetos modernistas se mostra extremamente versátil.
O profissional sério em arquitetura deve evitar projetar usando estilos de
moda, tais como colonial, neoclássico, pós-moderno, francês, enxaimel, apenas
citando algumas das tendências que aparecem da arquitetura. O projeto
arquitetônico autêntico deve transparecer a função a que se destina,
empregando de maneira racional os materiais e técnicas de construção mais
adequados no contexto e momento histórico em que são elaborados.
Fernando Carneiro, um professor de história da arte de Curitiba, afirmava
em suas aulas de história da arquitetura o seguinte: “historicamente, as formas
permanecem, mesmo depois de suas funções desaparecerem”.
Na casa da Figura 8, podemos perceber venezianas decorativas (sem
função de escurecer os ambientes). Vemos também colunas ao estilo grego,
tanto na porta de entrada quanto nas fachadas. Estes elementos compõem um
“estilo” de significado importante na cultura americana das residências pre-
fabricadas.

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Figura 8 − Residência típica de subúrbio nos Estados Unidos: vários elementos
decorativos sem função alguma

Crédito: Kovalenko/Shutterstock.

Em comparação, vamos analisar uma obra incrível, localizada no litoral do


Estado do Paraná (Caiobá). De autoria do arquiteto alemão naturalizado
brasileiro Adolf Franz Heep (autor do Edifício Itália, de São Paulo), o projeto
demonstra o funcionalismo na sua expressão máxima. Construído no início dos
anos 1960, ele desponta até hoje de forma elegante, com sua fachada principal
virada para o nordeste (máxima insolação e ventilação). Note que as venezianas
não são decorativas, mas têm a função específica de escurecer os quartos. A
maquete (Figura 9) e o detalhe da obra em 2021 (Figura 10) demonstram a
correta utilização da madeira como tecnologia para a fachada (além do concreto
armado e pastilhas), dando um acabamento que resiste à maresia.

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Figura 9 − Complexo MAPI projeto de Adolf Heep, Caiobá, Brasil, 1961
(maquete)

Crédito: Pericles Varella Gomes.

Figura 10 − Detalhe da fachada no projeto de Caiobá de Heep, com função


claramente definida

Crédito: Pericles Varella Gomes.

A implantação do complexo revela por parte do arquiteto o respeito à


natureza. O edifício maior foi planejado para ter pequenas quitinetes, inspirado
em um navio cruzeiro. Alem do prédio principal, o complexo inclui um hotel

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(prédio de seis andares) e um restaurante. A capela sobre a pedra não foi
construída, mas uma piscina foi incluída entre o restaurante triangular e o edifício
principal.
O exemplo do litoral do Paraná ilustra de forma eloquente a função na
obra arquitetônica. Podemos afirmar que tendo sido resolvido o problema com
funcionalidade adequada, o resultado apresenta beleza própria, derivada do
equilíbrio entre função, forma e tecnologia.

TEMA 4 − DIÁLOGOS FUNCIONAIS DO ANTIGO, DO EXISTENTE E DO NOVO

Historicamente falando, sempre teremos um dilema quando formos


construir algo, na medida em que devemos levar em conta o que já existe, no
sentido de respeitar as obras antigas, mas buscar inovar todas as vezes em que
isso for possível. Em alguns países, esse dilema pode ser mais complexo, em
função da idade das cidades.

Figura 11 − Edifício Barão do Cerro Azul, em Curitiba – Elgson Ribeiro Gomes

Crédito: Pericles Varella Gomes.

Um conceito importante para o estudante que inicia sua formação em


arquitetura é o de tombamento. Considera-se tombada pelo patrimônio histórico
no Brasil determinada obra com importância comprovada para a paisagem ou
localização onde se encontra. Esse mecanismo visa evitar demolições e,

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portanto, a perda da memória das cidades, preservando o passado para as
futuras gerações. Obras tombadas não significam obras abandonadas.
Cabe ao arquiteto projetar novas funções, inclusive ampliações, para
revitalizar obras tombadas. Esse processo apresenta complexidades que
somente a profissão de arquiteto tem atribuição e competência para intervir.
A tendência, no mundo capitalista, é sempre a mais pragmática e barata:
demolir o velho e construir algo novo em seu lugar. Essa forma superficial de
resolver questões arquitetônicas e urbanísticas acaba desfigurando as cidades
e tornando a paisagem urbana árida e sem atrativos culturais. Algumas quadras
em Nova York já foram demolidas e reconstruídas dezenas de vezes. Essa e
outras cidades são movidas pela especulação imobiliária. Um exemplo similar
no Brasil hoje, ainda que em menor escala, é Balneário de Camboriú, no Estado
de Santa Catarina. Alguns edifícios históricos foram demolidos, e a verticalizacao
da cidade de fato impressiona, não apenas pela velocidade mas também pelo
luxo dos prédios.
O retrofit surgiu como forte tendência para recuperar prédios antigos na
Europa, e nos dias de hoje é uma solução bastante popular em grandes centros
urbanos mundo afora. Não é à toa que muitos países começaram a perceber
que o diálogo entre o antigo, o existente e o novo valoriza a paisagem urbana,
revitaliza a cidade, preserva a memória e aumenta o sentiment de pertencimento
por parte de seus habitants, bem como dos turistas, que apreciam ver soluções
equilibradas de arquitetura e urbanismo.
O Centro Cultural Pompidou, em Paris (Figura 12), é uma referência em
arquitetura moderna por duas razões: 1) foi construído na área degradada da
cidade pelos arquitetos Richard Rogers e Renzo Piano; e 2) ambos afirmaram
que tecnologias sempre têm de resolver problemas de longo prazo de natureza
sociológica e ecológica na arquitetura e no urbanismo.
O prédio tem uma solução genial, na medida em que coloca toda a parte
técnica (ar-condicionado e canos expostos para o público) na fachada externa,
de forma a liberar espaço para o centro cultural e tornando-se um ícone quando
foi inaugurado.

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Figura 12 − Centro Cultural George Pompidou, em Paris

Crédito: Robert Nipiorkowski/Shutterstock.

O Centro Pompidou passou desde então a ser um exemplo a ser seguido


de funcionalidade acima da estética, ou seja, de que um edifício bem resolvido
do ponto de vista funcional pode vir a se tornar um ícone estético. Ele se tornou
atração turística em Paris desde que foi inaugurado; seu entorno são casas
antigas, no entanto essa área passou a ser mais valorizada para moradias e
muito mais bem frequentada.

TEMA 5 − MULTIFUNCIONALIDADE: PARA ALÉM DA FUNCIONALIDADE

Agora que já sabemos definir a funcionalidade na arquitetura, vamos


ampliar a discussão para a multifuncionalidade. No início desta aula (Figura 4)
definimos a função no design como sendo primárias e secundárias; entretanto,
podemos aprofundar esse conceito e identificar varios níveis de funcionalidade.
Uma casa, além de abrigar uma família como residência, pode também ser um
home office, e dentro do bairro ela desempenha um papel importante na
paisagem urbana.
Cidades também apresentam muitas funcionalidades: moradia,
circulação, trabalho, educação, exercício físico, contemplação, namoro e
diversão. Alguns urbanistas acreditam que as cidades devem ser planejadas
separando-se cada função em determinada área geográfica. Entretanto, a
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pandemia de Covid-19 veio e os urbanistas perceberam que essas funções
agora se confundem e que as cidades precisam ser repensadas, em grande
parte, pela impressionante mudança estrutural que as tecnologias de informação
e comunicação provocaram na vida das pessoas. Podemos afirmar que essa
radical mudança de natureza multifuncional atingiu o planeta como um todo.
Mas voltando ao assunto da arquitetura, a multifuncionalidade abrange a
ideia de que toda obra arquitetônica pode ter mais de uma função: a original para
a qual foi projetada originalmente, pode vir a ser adaptada com o passar do
tempo para assumiir outras. Algumas áreas de cidades antigas são
reaproveitadas; fábricas viram centros culturais; prédios de escritórios podem se
tornar apartamentos; até mesmo igrejas ou estádios de futebol adquirem novas
funcoes. Enfim, todo tipo de edificação pode ser readaptada (retrofit), sendo uma
tendência contemporânea evitar a demolição e buscar adaptar espaços
existentes para novos usos para espaços preexistentes.

Figura 13 − Pinacoteca do Estado de São Paulo, um exemplo de retrofit

Crédito: Pericles Varella Gomes.

Esse princípio também serve para espaços degradados em cidades que


podem ter novos usos, evitando áreas de declínio ou abandonadas. Conceitos
como “metabolismo urbano” ou “acupuntura urbana" passam agora a fazer parte
do nosso vocabulário de estudantes de arquitetura.
Um exemplo de multifuncionalidade sem dúvida são os novos aeroportos
(Figura 14). Tendência de novos projetos fazem esses locais se transformarem
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em verdadeiros shopping centers, tanto para quem vai viajar (após passar pelo
raio-X) como para quem leva ou busca passageiros ou simplesmente passeia
por ali aos domingos e feriados. Além de receber passageiros, aeroportos são
também centros de logística para carga, servem de estacionamento e sempre
que possível estão conectados com sistemas de transporte público, bons
restaurantes, hotéis e bares. O arquiteto curitibano Sergio Parada, que se formou
em arquitetura na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e fez carreira em
Brasília, onde reside, projetou muitos aeroportos brasileiros.

Figura 14 − Aeroporto Viracopos, em Campinas, hub aeroportuário

Crédito: Pericles Varella Gomes.

Finalmente, não há como não incluir neste tema o arquiteto brasileiro


Oscar Niemeyer no contexto da arquitetura mundial, pois suas obras (em
concreto armado) são marcantes. Muitas vezes ele sacrificou de propósito a
função principal, valorizando em exagero a forma, mas assim se transformou em
uma celebridade: tornou-se o grande artista da arquitetura brasileira, com suas
formas sensuais. A arquitetura monumental de Niemeyer presente da Catedral
de Brasilia (Figura 15) sintetiza com maestria o uso racional da estrutura e vidro
para um templo, uma verdadeira maravilha da arquitetura moderna. Nessa obra
fenomenal, função, forma e significado se integram plenamente! Oscar Niemeyer
acertou em cheio o uso da receita de Vitruvio.

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Figura 15 − Catedral de Brasília, de Oscar Niemeyer: forma segue a função

Crédito: Edson J Ferreira/Shutterstock.

Vamos citar apenas mais uma frase de Vitruvius: “Na ARCHICTETURA


como em qualquer outra ciência podem observar-se duas atitudes: Aquilo que é
significado e aquilo que significa”. Mais uma função, portanto, surge na nossa
discussão sobre função: o significado que as pessoas atribuem às obras
arquitetônicas.

5.1 Desafio: pesquisando casas funcionais

Você está preparado para praticar o que foi aprendido nesta aula? Como
vimos, a história nos revela muitos aspectos interessantes e consequências de
longos processos. Neste exercício, olhe para a sua cidade e identifique os
principais problemas urbanos. Pesquise em matérias de jornal e faça uma lista
dos três mais importantes.

NA PRÁTICA

Vamos fazer um exercício de pesquisa, comparando duas soluções de


projeto arquitetônico de casas. Primeiro, você deve encontrar duas casas para
comparar:

1) Uma casa construída em que predomine a funcionalidade.


2) Uma casa construída usando nitidamente algum “estilo” arquitetônico.

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Após fotografá-las (apenas por fora; não precisa entrar nelas), inclua
também uma foto do Google Maps, especificando a localização dessas casas.
Na sequência, você vai listar as diferenças, do ponto de vista funcional e estético,
tentando usar os conhecimentos adquiridos nesta aula e também nas anteriores.
É importante você incluir croquis a mão livre para evidenciar suas conclusões
sobre as diferenças projetuais entre as duas casas.
Desse modo, você terá condições de perceber a importância da nossa
profissão na paisagem urbana da cidade, e poderemos iniciar uma pesquisa
comparando com outras regiões do Brasil. Boa sorte!

TROCANDO IDEIAS

Após o exercício, compartilhe suas ideias com os colegas no fórum.


Comente e observe as soluções diferentes. O fórum é um local para você
interagir e trocar ideias sobre os exercícios e o curso. Compartilhe as
experiências e dúvidas. Assim, você verá que alguns possuem desafios em
comum, e outros não.

FINALIZANDO

Após ter acompanhado com atenção esta aula e ter feito as reflexões
propostas, sugerimos seguir o mesmo caminho de Leonardo da Vinci:
desenvolver um olhar crítico e curioso e buscar sempre entender ou formular
perguntas sobre arquitetura e também sobre a natureza. Muitas das soluções
encontradas por ele foram inspiradas no que observava nas plantas, pássaros e
elementos da natureza. Nelas, a forma apresenta necessariamente alguma
função.
De agora em diante, cabe a você ollhar constantemente de forma crítica
as soluções implementadas por outras gerações e sempre se desafiar,
pensando: “talvez eu possa fazer algo ainda mais functional”.

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REFERÊNCIAS

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