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DISCIPLINA DE ECLESIOLOGIA:

Teologia das Instituições eclesiais

Prof. Pe. Rafael Fernandes


PARTE I:
INTRODUÇÃO E FUNDAMENTOS
BÍBLICOS DA IGREJA
1) INTRODUÇÃO

IGREJA – palavra de muitos sentidos.

■ 1) Templo: “igreja”;
■ 2) Comunidade de fiéis: “Igreja”;
■ 3) No senso comum, também se diz que a Hierarquia eclesiástica é a “Igreja”. Isso
é uma forma redutiva de se compreender a mesma.
■ Entre as igrejas cristãs, como a Católica, a Ortodoxa
e a Luterana, existe uma convicção de que a Igreja
de Cristo é a communio sanctorum, ou seja, que é a
comunhão dos santos, isto é, dos crentes que têm
parte nas coisas santas.
■ O termo “Igreja” vem do grego Ekklêsía, que
quer dizer “assembleia convocada”.

■ Em alemão, Igreja significa “Kirche”. Essa palavra vem do


grego Kirios (Senhor), indicando, nessa língua, que a Igreja
é a comunidade do Senhor.
1.1) Tensão fundamental presente na
Eclesiologia
■ O fato de existirem diferentes igrejas que professam basicamente a
mesma fé em Jesus Cristo, faz com que algumas pessoas se questionem
sobre a possibilidade de reunificação das igrejas cristãs sob uma única
forma institucional, através da Igreja católica. De maneira concreta, no
entanto, isso é praticamente descartado pelo fato de existirem grandes
diferenças culturais e institucionais, consolidadas no decorrer dos
séculos.
■ As diferenças históricas entre as igrejas nos fazem perceber que a
Igreja de Cristo não é uma realidade puramente da fé, feita só de amor.
A Igreja precisa concretizar-se em um lugar determinado, isto é, em
uma instituição.
Tensão fundamental presente na Eclesiologia

■ Daí, entende-se a tensão fundamental presente em todas as igrejas cristãs:

A Igreja é communio sanctorum e, ao mesmo tempo, é


instituição, é carismática e institucional, é divina e humana,
sem que esses dois aspectos sejam vistos em separados ou
confusamente.
Dessa tensão surgem questões, como:

■ É possível praticar a fé somente na comunidade dos fiéis ou é


possível distanciar-se para vivê-la no plano privado, individual?
■ Jesus Cristo quis instituir uma Igreja?
■ Dentre as diferentes formas institucionais em que a fé em Jesus
Cristo é vivida, em qual dessas instituições está a verdadeira
Igreja de Cristo?
■ Ou seria possível minimizar as diferenças entre as igrejas, para
formar uma única igreja ecumênica, confessionalmente neutra?
1.2) MÉTODO DA DISCIPLINA DE
ECLESIOLOGIA
O que não é:
■ Não é uma abordagem puramente histórica da Igreja... Essa
perspectiva é estudada pela disciplina de História da Igreja;
■ Não é uma abordagem sociológica da Igreja. Nesse caso, a Igreja
é analisada como uma instituição simplesmente humana,
utilizando-se, para isso, de dados científicos-sociológicos,
culturais e políticos. Essa perspectiva é estudada pelas Ciências
da Religião;
1.2) MÉTODO DA DISCIPLINA DE
ECLESIOLOGIA
O que é:
■ Uma abordagem teológica e de caráter dogmático:
A Eclesiologia tem como ponto de partida a seguinte confissão de fé
comum a toda a cristandade: “credo Ecclesiam” = “Creio n(a) Igreja

A IGREJA é OBJETO DE FÉ para a teologia.


■ O caráter dogmático da Eclesiologia consiste na
convicção de que Deus se revelou em Jesus Cristo
em forma histórica de uma vez por todas e que Jesus
Cristo, enquanto o Senhor exaltado no Espírito Santo,
está permanentemente presente na Igreja para
recordar-lhe tudo o que ele disse e fez, e conduzi-la a
toda a verdade (Jo 14,26).
1.3) DEFINIÇÃO DE ECLESIOLOGIA:

■ Eclesiologia é a reflexão teológica sobre a


Igreja e o modo como ela se compreende em
sua relação com Deus e o mundo.
1.4) Fundamentos da Eclesiologia:

■ Revelação: Sagrada Escritura e Tradição;


■ Disciplinas de Trindade e, sobretudo, de Cristologia.
Esquema:

Desígnio do Pai Jesus Cristo (fundador)

Ação do Espírito Santo

Igreja
(comunidade colaboradora de Cristo na missão de evangelizar)

(torna presente o Cristo no MUNDO)


Concluindo:
O percurso realizado até o momento nos leva a descrever:

IGREJA: “Comunidade de fiéis, instituída por Jesus Cristo,


em nome da Santíssima Trindade, com o intuito de
constituir a comunidade de salvação fundada por Ele e,
assim, continuar a missão de Cristo até a sua consumação
no Reino de Deus”.
2) FUNDAMENTOS BÍBLICOS E
PATRÍSTICOS DA IGREJA
2.1) Bases jesuânicas e cristológicas da
Igreja
Problemática

■ Nos Evangelhos, os exegetas afirmam que não há


uma afirmação explícita de Jesus sobre a fundação
da Igreja, em um sentido jurídico.
■ Ainda assim, a origem da Igreja em Jesus sempre foi
algo óbvio para toda a tradição eclesial.
Problemática:
Jesus quis uma igreja?
■ No iluminismo, a fundação da Igreja por Jesus se
tornou um problema...
■ Hermann Reimarus (+ 1769);
■ Adolf von Harnack (+1930);
■ Alfred Loisy (+1940)
■ Rudolf Bultmann (+1976)
Problemática:
Jesus quis uma igreja?
■ Para Bultmann era impossível acessar o Jesus
histórico... Sobrava apenas o Cristo da fé.
■ Essa posição foi questionada por vários de seus
discípulos, como Ernest Käsemann.
■ Exegetas como Joachim Jeremias conseguiram
desvendar em Jesus uma espécie de eclesiologia
implícita
2.1) Bases jesuânicas e cristológicas da
Igreja
Resposta

■ Jesus quis congregar o povo de Deus;


■ Dirigiu-se para as ovelhas perdidas da casa de Israel
(Mc 3,13-19)
■ Segundo Mt 10,6, visava unicamente às ovelhas
perdidas da casa de Israel.
■ Isto nos leva a considerar que Jesus não queria fundar uma
comunidade separada de Israel;
■ Vocação dos 12 apóstolos – representantes escatológicos
das 12 tribos de Israel;
• Chamou os que Ele quis (novidade);
• Ele é o novo centro do povo de Deus.
■ Jesus encontra a fé nos pagãos (Mc 7,24-30)
■ Ele, então, afirma: “muitos virão do Oriente e do
Ocidente e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus,
junto com Abraão... (Mt 8,11).
■ O passo decisivo que levou à constituição da Igreja
foi dado na Última Ceia que Jesus celebrou com
seus discípulos, antes de sua paixão.
■ Jesus diz que não beberá mais do fruto da videira
até o dia em que o beber de novo no Reino de Deus
(Mc 14,25ss)
■ Na última ceia, fica evidente a antecipação da ceia
escatológica no Reino de Deus;
■ Termos como “novo passah” e “sangue da aliança”
revelam de modos diferenciados que Jesus estava
cumprindo as promessas messiânicas do Antigo
Testamento: a instauração do Reinado de Deus
■ A Última Ceia não foi um ato institucional da igreja
no sentido jurídico da palavra. Ela significou bem
mais que isso.
■ A Última Ceia lança o fundamento do que é o núcleo
vivificador da Igreja: a Eucaristia – memória,
presença real de Jesus e antecipação do Reino de
Deus.
• Nesse sentido abrangente, trata-se de um
ato fundador da Igreja.
■ O derramamento do Espírito Santo em Pentecostes
constitui o que, pela 1ª vez, realiza-se como
manifestação pública e universal da Igreja.
2.1) Bases jesuânicas e cristológicas da
Igreja
■ Concluindo: o fundamento propriamente dito da Igreja é a
fé no próprio Jesus ressuscitado e presente no Espírito.
• Assim, a Igreja existe em Jesus Cristo
• A Igreja não é uma solução de emergência;
• Ela se insere na dinâmica global da realização do Reino
de Deus que vem com Jesus e irrompeu definitivamente
na ressurreição.
2.2) Ekklesia no Novo Testamento

■ Ekklesia = igreja
■ É a tradução do termo hebraico qahal, do Antigo
Testamento.
▪ Qahal – assembleia messiânica do deserto,
reunida no Sinai, convocada por Deus para
alcançar a terra prometida
O que quer dizer Ekklesia?

■ Para os gregos, designa a assembleia dos cidadãos


(homens livres)
■ No Novo Testamento, Ekklesia pode ser entendida
sobretudo em At 15 – Concílio de Jerusalém.
• É Ekklesia tou Theou – assembleia de Deus
■ Lucas, na composição de seu evangelho e dos Atos
dos Apóstolos, passa a utilizar o termo ekklesía
apenas depois do relato de Pentecostes.
▪ Isso revela que a transformação do grupo dos
discípulos na nova qahal, ocorreu apenas após a
Páscoa e Pentecostes.
O que nos faz compreender que a Igreja
possui, na sua origem, um caráter
messiânico e escatológico
Ekkêsia indicava:
■ 1º a assembleia litúrgica (1 Cor 11,18);
■ 2º a “comunidade doméstica”, isto é, as casas onde os cristãos se
encontravam para celebrar a liturgia;
■ 3º a comunidade cristã de uma determinada cidade (cf. At 11,22);
“Saudai Prisca e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus [...]. Saudai
também a Igreja que se reúne em sua casa” (Rm 16,3.5).
■ 4º a comunidade inteira dos cristãos, designando o povo de Deus na
sua totalidade (cf. At 9,31).
2.3) A consciência eclesial em Atos dos Apóstolos

■ A Igreja tem consciência de ser a comunidade de Jesus, o


Messias, que realizou o plano salvífico do Pai (At 10,38 e 39-43) e
de ser conduzida, a partir de Pentecostes, pelo Espírito Santo (At
15).
■ Os relatos das primeiras comunidades cristãs de At 2,42-47 e
4,32-35 são decisivos para colher a identidade da Igreja primitiva.
Elementos centrais da Igreja em At 2,42-47:
■ 1º Ensinamento dos apóstolos: «a palavra dos apóstolos é a nova
interpretação da vida e da lei a partir da experiência da
ressurreição».
■ 2º A comunhão fraterna: indica a atitude de partilha de bens
materiais e espirituais das pessoas que vivem sob a mesma fé, o
mesmo evangelho:
■ 3º A fração do pão (Eucaristia): herança das refeições judaicas,
principalmente da ceia pascal, a fração do pão é o rito que faz
memória da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ocorria
nas casas e sua celebração não estava separada de uma
verdadeira refeição (cf. At 2,46; 20,7).
■ 4º As orações: «é um aspecto fundamental do clima espiritual dos
Atos dos Apóstolos».
2.4 A autoconsciência da Igreja em São Paulo

Paulo emprega muitas imagens para referir-se à Igreja:


■ Corpo de Cristo (1Cor 12,12-30);
■ Esposa de Cristo (Ef 5,25-32);
■ Novo Israel (Gl 3,28; 4,26 e 6,16; Rm 11,32);
■ templo e plantação (1Cor 3,16 e 3, 6-8);
■ comunidade sacramental (Gl 3,27; 1Cor 12,13; Rm 6,3-5; 1Cor
10,17 e 11, 20-34; Ef 5,22-23.25s.32).
2.5) A consciência eclesial no período
patrístico
■ Dos séculos II ao VI d. C., os Padres da Igreja
fizeram um grande trabalho de aprofundamento do
Mistério da Igreja
■ Temas sobre a Igreja nesse período: santidade da Igreja;
apostolicidade; sucessão apostólica; colegialidade
episcopal; bispo de Roma como cabeça do corpo da
Igreja; descrição da Igreja em imagens/ símbolos.
Principais características da Igreja “mistério de
comunhão”:

a) A Igreja-comunidade é o lugar por excelência da vivência


da fé cristã – “nós batismal”;
b) Mistério da Igreja é demonstrado por meio de uma
teologia simbólica e bíblica.
“A Igreja para os primeiros Padres não é nem
um conceito, nem uma noção, nem ainda uma
simples estrutura; antes, é uma realidade viva,
uma ‘pessoa’: ela é a ‘Esposa’ para sempre
predestinada qual cônjuge do Verbo e como
Ekklesía Mater que gera os fiéis para a vida
eterna”
O mistério da Igreja em alegorias...
• A Igreja é, sobretudo, uma mulher. Confunde-se com os
atributos de Maria: é a Virgem e Mãe, a Nova Eva, a
Esposa.
• Em outras ocasiões, ela é o “povo de Deus” e o “corpo de
Cristo”.
• Para reforçar a ideia de unicidade, a Igreja assume o
nome de “túnica de Cristo”.
• Para reforçar a ideia de predestinada por Deus desde o
início dos tempos, ela é a “arca de Noé” e a “Igreja de
Abel”
c) As comunidades possuem um sentido vivo de Igreja
local, fundada no bispo (Teologia do monoepiscopado
monárquico).
Ver Inácio de Antioquia, Irineu de Lião e Cipriano de Cartago.
d) Diversidade de carismas e ministérios
e) Escatologia: forte esperança na Parusia, ou seja, na
realização definitiva do Reino de Deus.
f) Caráter extraordinário do cristão diante da
sociedade. Ver Carta a Diogneto.

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