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Teste Episódio Jornal A TARDE (Alheio)
Teste Episódio Jornal A TARDE (Alheio)
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I
Lê atentamente o seguinte excerto d’ Os Maias:
Subitamente, com uma ideia, apalpou por sobre o bolso a carteira onde na véspera
guardara a carta do Dâmaso… «Eu t’ arranjo!», murmurou ele. E abalou, desceu a Rua da
Trindade, cortou pelo Loreto como uma pedra que rola, enfiou, ao fundo da Praça de Camões,
num grande portão que uma lanterna alumiava. Era a redação d’ «A Tarde».
Dentro do pátio desse jornal elegante fedia. Na escadaria de pedra, sem luz, cruzou um
sujeito acatarroado que lhe disse que o Neves estava em cima no cavaco. O Neves, deputado,
político, director d’ «A Tarde», fora, havia anos, numas férias, seu companheiro de casa no
Largo do Carmo; e desde esse Verão alegre em que o Neves lhe ficara sempre devendo três
moedas, os dois tratavam-se por tu.
Foi encontrá-lo numa vasta sala alumiada por bicos de gás sem globo, sentado na borda
de uma mesa atulhada de jornais, com o chapéu para a nuca, discursando a alguns cavalheiros
de província que o escutavam de pé, num respeito de crentes. Num vão de janela, com dois
homens de idade, um rapaz esgalgado, de jaquetão de cheviote claro e uma cabeleira crespa que
parecia erguida numa rajada de vento, bracejava como um moinho na crista de um monte. E,
abancando, outro sujeito já calvo rascunhava laboriosamente uma tira de papel.
Ao ver o Ega (um íntimo do Gouvarinho) ali na redacção, naquela noite de intriga, Neves
cravou nele os olhos tão curiosos, tão inquietos, que o Ega apressou-se a dizer:
– Nada de política, negócio particular… Não te interrompas. Depois falaremos.
O outro findou a injúria que estava lançando ao José Bento, «essa grande besta que fora
meter no bico da amiga do Sousa e Sá, o par do Reino» – e na sua impaciência saltou da mesa,
travou do braço do Ega, arrastando-o para um canto:
– Então que é?
– É isto, em quatro palavras. O Carlos da Maia foi ofendido aí por um sujeito muito
conhecido. Nada de interessante. Um parágrafo imundo na «Corneta do Diabo», por uma
questão de cavalos… O Maia pediu-lhe explicações. O outro deu-as, chatas, medonhas, numa
carta que quero que vocês publiquem.
A curiosidade do Neves flamejou:
– Quem é?
– O Dâmaso.
O Neves recuou de assombro:
– O Dâmaso!? Ora essa! Isso é extraordinário! Ainda esta tarde jantei com ele! Que diz a
carta?
– Tudo. Pede perdão, declara que estava bêbado, que é de profissão um bêbado…
O Neves agitou as mãos com indignação:
– E tu querias que eu publicasse isso, homem? O Dâmaso, nosso amigo político!... E que
não fosse, não é questão de partido, é de decência! Eu faço lá isso!... Se fosse uma ata de duelo,
uma coisa honrosa, explicações dignas… Mas uma carta em que um homem se declara bêbado!
Tu estás a mangar!
Ega, já furioso, franzia a testa. Mas o Neves, com todo o sangue na face, teve ainda uma
revolta àquela ideia de o Dâmaso se declarar bêbado!
– Isso não pode ser! É absurdo! Aí há história… Deixa ver a carta.
E, mal relanceara os olhos ao papel, à larga assinatura floreada, rompeu num alarido:
– Isto não é o Dâmaso nem é letra do Dâmaso!... Salcede! Quem diabo é Salcede? Nunca
foi o meu Dâmaso!
– É o meu Dâmaso – disse o Ega. – O Dâmaso Salcede, um gordo…
O outro atirou os braços ao ar:
– O meu é o Guedes, homem, o Dâmaso Guedes! Não há outro! Que diabo, quando se diz
o Dâmaso é o Guedes!...
Respirou com alívio:
– Irra, que me assustaste! Olha agora neste momento, com estas coisas de Ministério,
uma carta dessas escrita pelo Guedes… Se é o Salcede, bem, acabou-se! Espera lá… Não é um
gordalhufo, um janota que tem uma propriedade em Sintra? Isso! Um maganão que nos entalou
na eleição passada, fez gastar ao Silvério mais de trezentos mil réis… Perfeitamente, às ordens…
Ó Parreirinha, olhe aqui o sr. Ega. Tem aí uma carta para sair amanhã, na primeira página, tipo
largo…
O sr. Parreirinha lembrou o artigo do sr. Vieira da Costa sobre a reforma das pautas.
– Vai depois! – gritou o Neves. – As questões de honra antes de tudo!
Cenários de resposta
( Madalena Novais e Tiago Jerónimo)
4. A figura de estilo que, ao nível semântico, se realiza nesta passagem é a ironia. Eça
de Queirós pretende ridicularizar a tão grande importância que os “cavalheiros de
província” davam às altas posições sociais na capital. Nesta passagem, Neves aproveita
a sua posição influenciando politicamente os seus ouvintes ignorantes, que o
respeitavam e o ouviam atentamente: “[…] cavalheiros de província […], num respeito
de crentes.”. Eça denuncia, assim, a macrocefalia da capital relativamente ao resto do
país.
5. O artifício teatral que se realiza nesta passagem é o qui pro quo, que consiste num
equívoco pela diferença de saberes. Isto acontece quando Neves pensa que Ega está a
falar de Dâmaso Guedes. O equívoco é destruído quando Neves percebe que, na
verdade, ele está a referir-se a Dâmaso Salcede (“- O Dâmaso!? Ora essa! Isso é
extraordinário! Ainda esta tarde jantei com ele! Que diz a carta? […] Isso não pode ser!
É absurdo! Aí há história… […]”).
Com este artifício, cria-se tensão nas personagens e no leitor, concorrendo, assim, para
o interesse em conhecermos a razão da recusa e o aumento do interesse da leitura.