Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 14

“Pequenos Guerreiros”: Narrativas de Judocas sobre o Esporte como

Ferramenta Inclusiva para Justiça Social

título em inglês

Nome completo 1ª autora1


Nome completo 2ª autora2
Nome completo 2ª autora3
1
instituição da autora. País.
2
instituição da autora. País.
3
instituição da autora. País.

O presente artigo tem como objetivo descrever e analisar relatos das histórias de vida de atletas de
categorias de base do judô acerca das dificuldades enfrentadas e vivências em sua trajetória de vida e
esporte. Trata-se de um estudo de caso, de metodologia qualitativa de história oral, utilizando como
instrumento a entrevista semiestruturada. Para isto foram entrevistados seis judocas da categoria de
base, participantes de um Projeto de Extensão Psicoeducacional em Psicologia do Esporte, de uma
cidade do interior do Paraná-Brasil. Após a coleta dos dados, as entrevistas foram transcritas na
íntegra e submetidas a análise fenomenológica de Edmund Husserl. Pôde-se compreender como o
esporte beneficia a vida das crianças, tornando-se um fator de proteção em frente às vulnerabilidades
em que se encontram. Foi observado que os princípios do judô aplicados no tatame e no cotidiano dos
judocas estimulam o desenvolvimento de competências de vida e desenvolvimento humano.

Palavras-chave: esporte, atleta, desenvolvimento de capacidades, fator social, justiça social.

This article aims to describe and analyze reports of the life histories of athletes of Judo base categories
about the difficulties faced and experiences in their trajectory of life and sport. This is a case study of a
qualitative methodology of oral history, using the semi-structured interview as an instrument. For this,
six judokas from the base category of a city in the interior of Parana were interviewed. After data
collection, the interviews were fully transcribed and submitted to Edmund Husserl's phenomenological
analysis. It was possible to understand how sport benefits children's lives, becoming a protective factor
in front of the vulnerabilities in which they are located. It was observed that the judo principles applied
in the tatami and in the daily routine of the judokas stimulate the development of competences of life
and human development.

Key-words: sport, athlete, development of capacities, social factor, social justice.

Introdução (faltam 1150 palavras para o mínimo que a revista exige)

A Psicologia do esporte e do exercício consiste no estudo científico de pessoas e dos seus


comportamentos em contextos esportivos e praticantes de atividades físícas e na aplicação
prática desse conhecimento. Amplia seus estudos em muitas áreas e campos de atuação como
situações que envolvem motivação, personalidade, agressão, violência, liderança. O bem-
estar, formação humana e a dinâmicas grupais também são ramificações de interesse desta
área, de forma que o enfoque social, educacional e clínico se complementam (Rubio, 1999).
Este estudo parte do interesse de um grupo de pesquisa em psicologia do esporte, observando
suas próprias vivências e as influências que o esporte possui desde a infância, até a vida adulta
e do impacto que ele exerce sobre todos os aspectos da vida que influênciam no
desenvolvimento. Esta indagação surge também das observações realizadas no Projeto de
Extensão Centro de Investigação e Intervenção, Desporto, Educação e Bem Estar
(CIIDEBE), cujo objetivo é o caráter preventivo e promocional no desenvolvimento de
potencial junto a atletas, pais e treinadores da atividade física do judô, dentre outras
modalidades. Além disso, o projeto busca o desenvolvimento e formação humana pelo esporte
junto a crianças e jovens.

Diante deste panorama tem como objetivo geral a análise das narrativas de atletas das
categorias de base do judô, buscando entender o impacto que o esporte tem na esfera social,
psíquica e emocional da vida destas crianças. Os objetivos secundários deste estudo enfocam
os benefícios do esporte para as crianças por meio do judô, discussão do conceito de
vulnerabilidade, resiliência, fatores de risco e proteção. A escolha desta pesquisa justifica-se
na importância encontrada pelas transformações e possibilidades que o esporte pode oferecer
para crianças e adolescentes que se encontram em situações de vulnerabilidade como
ferramente de justiça social. Segundo a UNESCO:

As práticas esportivas são opções inteligentes para o desenvolvimento


integral e equitativo, com ampliação do repertório de direitos, e
podem ser também um veículo importante para a promoção da paz.
Se levarmos em conta a população jovem no mundo, são 1,8 bilhão
(estimativa da população global na faixa etária de 10 a 24 anos) de
oportunidades de transformação (Petrillo, 2016, p.4).

Sabe-se também que o esporte é considerado um direito da criança e do adolescente


assegurado pelos artigos 4, 16 e 71 do ECA (Estatuo da Criança e do Adolescente),
entretanto, ainda não são todos que têm acesso a prática esportiva. Porém, essa realidade vem
sendo modificada com a inserção do esporte por meio de projetos sociais no Brasil. Percebe-
se, portanto, a importância de se compreender como as crianças vêm sendo beneficiadas pelo
esporte e quais são as motivações para continuar a praticá-lo mesmo em meio a tantas
dificuldades enfrentadas.

1.Revisão de Literatura
1.1. O esporte como ferramenta de inclusão na vulnerabilidade social
A prática esportiva é um estímulo eficaz para o desenvolvimento de hábitos saudáveis. Dentre
estes aprendizados podem ser observados a busca pela conquista de metas, disciplina, o
aprendizado para lidar com regras e cumprir horários. O desenvolvimento social e humano
podem ser desenvolvidos nas convivências por meio do trabalho em equipe, no respeito pelo
adversário e na sensação de bem-estar ao realizar as atividades. Outra transformação
percebida na prática desportiva é o aumento da autoestima e da autoconfiança (Sanches, 2007
como citado em Zocateli, 2010; Silva & Pontes, 2013).

A importância do esporte para o desenvolvimento da personalidade é reconhecida atualmente


tanto pelas Ciências do Esporte, como pelos profissionais que exercem as funções de
educadores físicos, treinadores, atletas e dirigentes. Considera-se que o esporte é um meio
eficaz para a promoção positiva da disposição para o comportamento social, a estabilidade
emocional, a motivação para o rendimento, autodisciplina e força de vontade (Samulski,
2002).

Patrick (1903) e Hermann (1921) citados por Vieira et al. (2010) afirmam que o esporte
permite o desenvolvimento de hábitos de vida e que o corpo trabalhado por meio de sua
musculatura pode ser um mecanismo eficaz no desenvolvimento cinestésico, social,
desenvolvendo regras e caráter. Vieira et al. (2010) também citam Kellor (1908) ao
descreverem que a atividade física constrói não apenas um corpo forte, mas, também, uma
mente forte.

Além de todos os benefícios que pode trazer, o esporte tem se mostrado uma saída criativa e
eficaz para enfrentar as adversidades e a violência entre jovens e adolescentes. As atividades
esportivas podem ser um meio de resgatar a dignidade, promover a ampliação e novas
perspectivas de vida, desenvolver a consciência dos direitos e deveres, a valorização do ser
humano, inclusão social, reconstrução de valores éticos e educar para que se torne possível
exercer plena cidadania superando as condições de vulnerabilidade social (Souza, Souza &
Fidelis, 2009).

Entende-se por vulnerabilidade social como uma posição de desvantagem de determinadas


parcelas da população no que diz respeito ao acesso aos direitos de cidadania, saúde,
educação, trabalho, políticas públicas, condições de vida e suportes sociais. As taxas de
vulnerabilidade podem ascender quando há falta de acesso à informação e aos serviços
básicos de educação (Guareschi, Reis & Huning, 2007 como citado em Souza et al., 2009).
Portanto, ela não está diretamente associada a pobreza, mas sim a desigualdade social e a
negação do acesso aos bens e meios de lazer, esporte e cultura, o que acaba por desencadear
comportamentos violentos (Abramovay, Castro & Pinheiro, 2002 como citado em Souza et
al., 2009).

Vinculados ao conceito de vulnerabilidade, estão os fatores de risco e fatores de proteção. Por


fatores de risco entende-se que são obstáculos pessoais ou ambientais que impulsionam e
aumentam a vulnerabilidade de crianças para resultados negativos do seu desenvolvimento, de
acordo com a compreensão do sujeito mediante a sua interação (Olsson et al., 2003; Pesce et
al., 2004 como citado em Zocateli, 2010). Alguns fatores de risco podem ser ambientais como
a pobreza, características da família, eventos negativos da vida para o sujeito e a ausência de
apoio social; e também podem ser pessoais como fatores genéticos e as habilidades do sujeito
em aspectos social, intelectual e psicológico (Masten & Garmezy, 1985 como citado em
Zocateli, 2010).

Os fatores de proteção, por sua vez, agem como mediadores entre os fatores de risco e os
comportamentos consequentes do indivíduo. Eles são divididos em três categorias: atributos
pessoais do sujeito; laços familiares afetivos e a existência de sistemas de apoio externo como
a escola ou a comunidade. Em meio a este processo, a criança que se apoia em fatores de
proteção como recursos internos (autoestima positiva, autocontrole, autonomia), família ou
sistemas externos (escola, comunidade) pode vir a desenvolver uma capacidade de resiliência
frente as dificuldades que encontra (Pesce et al., 2004; Pinheiro, 2004; Rutter, 1985, 1987,
2006 e Smokowski, 1999 et al., como citado em Zocateli, 2010). Além disso, estes tipos de
proteção podem amenizar os efeitos de risco, possibilitando a criança um desenvolvimento
saudável. Portanto, a formação e o desenvolvimento humano nos contextos social, cognitivo,
psicológico, emocional, pessoal e moral é de grande interesse de estudo da Psicologia do
Desporto e do Exercício (Miller & Kerr, 2002 como citado em Souza, 2019), visto que o
esporte pode vir a ser um importante instrumento para eles.

Para Danish et al. (2004) as competências de vida, são os recursos pessoais que um indivíduo
possui que o levam a ter sucesso no meio em que vive e devem ser aplicadas em diferentes
contextos em que este se encontra. Logo, o esporte só servirá como uma ferramenta de treino
de competências caso a pessoa seja capaz de transferi-las para outro contexto.

1.2. A prática do judô e o desenvolvimento de valores

O judô (ju: suavidade; do: caminho, doutrina) é uma arte marcial que surgiu no Japão no fim
do século XIX, em 1882. Numa tentativa de readaptação e aprimoramento do ju-jutsu, Jigoro
Kano criou o judô, um esporte de combate, que tem como objetivo principal não mais a
vitória, mas, a educação global do praticante (Calleja, 1982 como citado em Trusz &
Dell’Aglio, 2010). Kano buscou na elaboração do judô uma oportunidade para o
desenvolvimento físico e espiritual dos atletas, bem como um meio de superar as limitações
do próprio participante, retomando questões morais e intelectuais e o próprio aprimoramento
físico baseado em fundamentação filosófica de paz e superação.

As práticas no judô buscam auxiliar o desenvolvimento moral e social do praticante, em


especial para as crianças, que ainda estão sob processo de internalização de regras morais e
sociais. O desenvolvimento da moral, segundo Piaget, 1994 como citado em Trusz &
Dell’Aglio, 2010, ocorre em fases que são distinguidas em três etapas: anomia, heteronomia e
autonomia. A primeira ocorre em crianças de até cinco anos, onde as regras são seguidas por
hábito e por dever. A segunda fase atinge crianças de até nove e dez anos, onde a moral é
percebida como uma autoridade que lhe foi imposta coercitivamente pela tradição, é imutável
e deve ser seguida. A terceira fase, da autonomia, é onde a criança adquire uma consciência
moral, percebendo a obediência a regras como um acordo mútuo entre os indivíduos, sendo
que cada um possui o papel de legislador em processo de cooperação com outros integrantes
do grupo. O indivíduo torna-se responsável, autodisciplinado e justo, pois cumpre deveres
com consciência de sua necessidade e significação, partindo de princípios éticos e morais.

O judô, portanto, é visto como uma oportunidade eficaz para o desenvolvimento integral da
criança, incluindo suas competências comportamentais (comunicação), cognitivas (raciocínio,
tomada de decisões), interpessoais (relacionamentos) e intrapessoais (formular objetivos)
(Danish et al., 2004 como citado em Dias et al., 2012), auxiliando-a a se inserir em sua
sociedade com valores morais e atitudes cultural e socialmente aceitas.
2.Método

Para realizar a proposta deste trabalho foi utilizada a abordagem biográfica de História Oral,
de metodologia qualitativa. As características utilizadas no método de História Oral envolvem
primeiramente a elaboração de um projeto, a definição de um grupo de pessoas a serem
entrevistadas, o planejamento da condução das gravações, a transcrição e conferência do
depoimento, a autorização para o uso da história, e a publicação dos resultados, sempre que
possível (Silva et al., 2007).

Foram entrevistados 6 adolescentes, atletas de judô na cidade de Guarapuava/PR,


participantes do CIIDEBE. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas na sala de
metodologias ativas da Faculdade Guairacá. Antes de efetivar as entrevistas, o projeto foi
aprovado pelo comitê de ética sob o parecer nº 2.813.630, e um termo de consentimento livre
e esclarecido foi assinado pelos entrevistados. A fim e preservar o anonimato os atletas serão
identificados pelos números “1”, “2”, “3”, “4”, “5” e “6”, conforme a ordem de obtenção das
entrevistas, as quais serão denominadas e identificadas com o número do atleta
correspondente.

O roteiro das entrevistas foi organizado sistematicamente, com o objetivo de encontrar dados
das experiências subjetivas dos indivíduos ou de suas vivências. As informações obtidas nas
entrevistas foram analisadas através da metodologia fenomenológica criada por Edmund
Husserl. A fenomenologia é um método de conhecimento rigoroso, uma perspectiva filosófica
que constitui um modo de pensar a realidade e questioná-la (Holanda, 1998 como citado em
Bezerra & Bezerra, 2012). Objetivou-se, portanto, captar o essencial das falas obtidas nas
entrevistas, deixando em suspensão possíveis pressuposições, noções preconcebidas ou
qualquer tipo de crenças no mundo exterior (Carvalho, Nascimento & Soares, 2012), a fim de
buscar compreender os fenômenos manifestados tais como são.

3.Resultados e Discussão

As falas obtidas por meio das entrevistas realizadas serão aqui apresentadas e discutidas por
meio de 3 questões norteadoras: (1) Minha história de vida e o esporte, (2) Você conhece os
princípios do judô e consegue aplicá-los no seu cotidiano? (3) Você notou alguma mudança
de comportamento fora do tatame após iniciar a prática esportiva do judô?

Minha história de vida e o esporte

As narrativas descritas pelos participantes evidenciaram que o judô é uma atividade


física, um meio de lazer, distração, dedicação e foco ao mesmo tempo.

Atleta 1

Para esta atleta o esporte a ajudou em todos os aspectos da sua vida. Em anos muito
difíceis de sua vida pessoal e familiar, o judô foi uma distração que a ajudou a esquecer um
pouco dos problemas que estava enfrentando. Percebeu que o judô a deixou uma adolescente
mais feliz, mesmo diante de sérios problemas. Para ela o esporte é uma maneira de se dedicar
a algo, sem ficar o dia todo ociosa.

Atleta 03

“O esporte é o que me motiva”

O atleta 3 tem 15 anos e acorda às 6h da manhã para ir ao trabalho. Segue direto para a
escola, tendo a possibilidade de almoçar em um restaurante parceiro que oferece alimentação
gratuita todos os dias (pelas precárias condições financeiras do atleta). Saindo da escola, ele
segue diretamente para o treino de judô, retornando para casa às 22h15 da noite, tendo como
meio de transporte o ônibus coletivo. Para este atleta o judô é uma distração no meio das
outras obrigações do seu dia a dia, mas relata gostar da rotina que possui e mais ainda de
treinar.

Atleta 4

Esta atleta afirmou: “Eu me encontro no esporte, é uma coisa que eu gosto, quero levar
para a vida. Quando eu entro no tatame eu esqueço de tudo, me sinto bem, alegre, com meus
amigos, e gosto dos professores.”

Atleta 5

A atleta 5 relatou que em um momento difícil de sua vida, onde apresentou sintomas
de depressão e síndrome do pânico, o judô a ajudou muito, sendo uma distração para ela. Ela
também afirmou: “o judô me ajuda muito a relaxar, por mais cansativo que seja, eu fico muito
relaxada ao treinar e alivia muito o meu estresse.”

Atleta 6

A atleta 6 afirmou que o esporte mudou muita coisa em sua vida. Sua mãe foi
assassinada quando tinha apenas 4 anos idade. Ela sentia-se muito sozinha, e sofria bullying
na escola por ser maior do que os seus colegas. Brigava muito na escola e batia sempre que
perdia a paciência com alguém. Sobre a importância do esporte em sua vida, ela relatou:

“... eu me sentia muito sozinha em casa, então eu ficava muito tempo


na escola, fazendo todo tipo de atividade. E encontrei o judô. No judô
eu conseguia bater nos outros de uma maneira técnica, conseguindo
canalizar tudo aquilo em forma de luta e me encantei. Hoje, eu to com
13 anos, não foi nada fácil [...], mas o esporte e o livro são as minhas
ferramentas, eu ainda tenho problemas, tenho um tio que está preso,
tenho uma vó que briga porque quer me tirar do meu pai, mas ele é
meu pai e eu gosto dele. Então eu luto, eu luto com o que eu posso, eu
luto com o judô e ganho vários campeonatos, eu luto com o meu livro
em minha mão e assim eu vou conseguindo a cada dia sendo uma
vitoriosa, mesmo que a vida tenha me dado muitas rasteiras. [...] No
judô eu fiz amizade com pessoas que se importam comigo e me
ensinaram o que é amizade verdadeira.”

Martinek & Hellison (1997) como citados em Zocateli (2010) afirmam que programas
de prática esportiva que visam o desenvolvimento da autoestima, dignidade, autonomia,
competência social e esperança em crianças e jovens, podem auxiliar a promover o reforço da
resiliência e diversas outras competências de vida, sendo, portanto, um fator de proteção para
eles. A resiliência se refere a um processo dinâmico envolvendo fatores sociais e
intrapsíquicos de risco e proteção, presente em vários momentos da vida de uma pessoa
(Yunes, 2003 como citado em Zocareli, 2010; Zocateli, 2010). É a capacidade que o indivíduo
possui, se apoiando em fatores de proteção, para adaptar-se, enfrentar, superar e ultrapassar
momentos de dificuldade, patologia e crise. Em estudos encontrados sobre a relação entre a
resiliência e a prática esportiva o foco está no alto rendimento no esporte e na superação das
dificuldades (Halgin, 2009; Milham, 2007 como citado em Zocateli, 2010).
O esporte propicia ao praticante vivenciar experiências que desenvolvem algumas
características como: aprender a controlar sentimentos, disciplina pessoal, uma maior
resistência a frustração, tolerância ao sofrimento e comportamentos direcionados ao
cumprimento de metas (Sanches, 2007 como citado em Fontes, 2013). Estas características
favorecem a promoção da resiliência, auxiliando na exposição e no enfrentamento de
dificuldades encontradas no decorrer da vida (Bell & Suggs, 1998 como citado em Fontes,
2013). As experiências positivas, por sua vez, também são importantes para o
desenvolvimento da resiliência, já que estas elevam os sentimentos de autoestima, auto
eficácia, autonomia, resolução de problemas e adaptações (Rutter, 1985 como citado em
Fontes, 2013).
Você conhece os princípios do judô e consegue aplicá-los no seu cotidiano?

“Quem teme perder, já está vencido” (atletas 1, 2, 3, 4, 5)

Este princípio foi citado por quase todos os participantes. O atleta 2 afirmou que este
foi o primeiro princípio que ouviu ao entrar no judô e é o que faz mais sentido para ele, ele
acrescentou: “Quando eu fui fazer uma prova eu achei que ia tirar uma nota baixa, e eu
realmente tirei nota baixa e eu acho que minha nota foi consequência de ter acreditado nisso,
do contrário eu teria ido bem”. O atleta 3 disse ter percebido mudanças em seu
comportamento devido ao esporte, ele afirmou que deseja “Ser campeão na vida e no esporte.
Sou muito competitivo, não gosto de perder”. No relato da atleta 5 algumas questões
imporantes foram trazidas:
“quando eu penso que vou perder eu realmente acabo perdendo. Eu
sou muito insegura e ansiosa. Em campeonatos quando vejo a faixa
do meu adversário, quando é maior do que a minha já penso “vou
perder” e acho que isso me deixa tão nervosa e ansiosa que acabo
perdendo”.

Na fala do atleta 4 as derrotas também foram discutidas: “Às vezes quando você entra
com a cabeça que já vai perder, você acaba sendo derrotado, então você sempre tem que ter
em mente o seu melhor resultado”. Além deste princípio, foram citados: “Somente se
aproxima da perfeição quem a procura com constância, sabedoria e, sobretudo, muita
humildade”, “O judoca não se aperfeiçoa para lutar, mas luta para se aperfeiçoar”,
“Quando verificares com tristeza que não sabes nada, terás dado o seu primeiro passo no
aprendizado”, “Amizade e prosperidade mútua”, “Melhor uso da energia vital”, “Quando
derrotar um inimigo nunca se exalte porque ele pode derrotar você”.
Estes princípios criados por Jigoro Kano são fortemente influenciados pela filosofia de
vida oriental, que ensina, através da arte suavizante do judô, o equilíbrio do corpo e da mente,
saber ganhar e perder, aprender com humildade, desenvolver espírito de coletividade, amizade
e compreender que estes valores humanitários, éticos, morais e educacionais objetivam o
aprimoramento dos judocas, promovendo um melhor desempenho em tatame e nos afazeres
do seu cotidiano (Araújo, 2005).
O princípio da amizade e prosperidade mútuas ensina que se o judoca machuca o seu
parceiro de luta, futuramente não terá com quem treinar. Portanto, o oponente dever ser
tratado, tanto no tatame como na vida diária, como o próprio judoca gostaria de ser tratado
(Virgílio, 1986 como citado em Junior & Freitas, 2015), reforçando uma atitude de
reciprocidade.

Você notou alguma mudança de comportamento fora do tatame após iniciar a prática
esportiva do judô?

Foi possível perceber pela fala de todos os participantes como o esporte estimulou a
disciplina, o respeito, a obediência e o autocontrole. A atleta 1 relatou sobre as mudanças de
comportamento que o judô lhe estimulou:

“Melhorou a disciplina, antes eu conversava muito na sala de aula e


agora não, eu estudo mais, não estou tão relaxada. Procuro ter
ótimas notas, porque minha mãe disse que se eu não tirar notas boas
ela não vai deixar eu treinar judô. Aprendi a nunca desistir de nada,
sou muito focada.”
O atleta 2 relatou que está mais calmo e menos briguento. O atleta 3 afirmou que
atualmente ele não é tão bagunceiro em sala de aula como antes, aprendeu a respeitar os mais
velhos e a ter mais disciplina.
Para o atleta 4, o esporte o auxiliou a ter mais paciência em casa com a família. Suas
notas na escola melhoraram, pois consegue ter mais foco, concentração e disciplina.
O discurso da atleta 5 traz comentários de que antes era uma adolescente muito
rebelde em suas relações e na escola, entretanto, por meio do judô aprendeu regras, o que é
correto a se fazer, e a obedecer. Relata ainda que atualmente sabe respeitar os outros,
principalmente seus colegas de tatame e o Sensei.
A atleta 6 afirmou que no judô é preciso ter muita calma e autocontrole. Ela relatou
que não costumava ser calma e quando se afobava antes de uma luta, acabava perdendo.
Dessa forma, ela teve que aprender a controlar a si mesma antes de enfrentar um adversário.
Ela relatou que brigava muito na escola, mas, atualmente, o esporte a tem ajudado muito a
manter a calma.

No judô, a criança pode se deparar com situações em que o autocontrole e a reflexão


são estimulados. Este esporte desenvolve uma cultura de domínio de si mesmo, onde há o
controle de comportamentos impulsivos e da violência (Hokino & Casal, 2001 como citado
em Trusz & Dell’Aglio, 2010). O sentimento de cooperação e respeito mútuo são estimulados
ao perceber que os outros membros do grupo também compartilham das mesmas regras e
rituais para perseguir o mesmo objetivo.

A saudação ao Sensei e aos competidores oponentes no início e no final de uma luta,


tanto na vitória como na derrota, proporcionam uma vivência de respeito e confiança pelo
outro, pelo espaço do treino, pelo Sensei, e pelo Sensei Jigoro Kano, que idealizou o judô
praticado. Com o passar do tempo, a criança vai entendendo que para receber uma saudação,
ela também precisa fazê-la, estimulando, assim, uma atitude de reciprocidade, onde a criança
se vê coagida, mediante uma relação de cooperação, a se colocar mentalmente no lugar do
outro (Freitas, 2002 como citado em Trusz & Dell’Aglio, 2010). Além do desenvolvimento
físico, moral, emocional e social, o desenvolvimento cognitivo do praticamente também é
estimulado, mediante a concentração. Também é possível a ele analisar e conviver com
situações de sucesso e fracasso (Villamón & Brousse, 2002 como citado em Trusz &
Dell’Aglio, 2010).

4. Considerações Finais

A partir da análise das informações obtidas por meio desta pesquisa, foi possível
perceber como o esporte traz benefícios para a vida das crianças e pode estimular a promoção
do seu desenvolvimento humano e competências de vida. Considerando estes fatos, o esporte
pode ser visto como um fator de proteção externo para a criança que se encontra em situações
de vulnerabilidade, pois a relação que ela estabelece com este possui um grande impacto nas
esferas social, psíquica e emocional da vida destas crianças, influenciando muito no seu
desenvolvimento.
Há diversas características, consideradas como fatores de proteção internos, que
podem vir a serem desenvolvidas pelo esporte. Dentre elas estão a construção da autoestima,
autonomia, autocontrole, tolerância ao sofrimento, estabilidade emocional, engajamento,
comportamento direcionado a metas, otimismo, disciplina pessoal e responsabilidade,
reconhecimento e desenvolvimento dos próprios talentos, identificação com modelos
positivos, aquisição de competências cognitivas e sociais (lidar com regras e convivência),
planejar atividades (rotina de treinos, pensar num movimento do corpo, golpe), aquisição de
habilidades para lidar com ganhos e perdas (Trombeta, 2000; Rutter, 1987 como citado em
Sanches, 2019).
Considerando que todos os participantes desta pesquisa relataram em seus discursos
aplicar as competências de vida e recursos internos aprendidos no esporte para outros
contextos de sua vida, entende-se que o esporte é uma ferramenta de treino destas
competências, podendo auxiliar a criança no enfrentamento de adversivdades em diversas
situações do seu cotidiano (Danish et al., 2004). As vulnerabilidades identificadas em suas
falas, como a social, familiar e econômica, que estas crianças vivenciam, podem ser mediadas
pelas competências (fatores de proteção internos) desenvolvidas pelo esporte, possibilitando a
criança um desenvolvimento saudável mesmo quando se encontra em situações de risco.

Referências
Araújo, V. R. (2005). Judô: da história à pedagogia do esporte. Universidade Federal De
Goiás
Faculdade de Educação Física. Goiânia.

Bezerra S. E. M. & Bezerra N. E. (2012). Aspectos humanistas, existenciais e


fenomenológicos
presentes na abordagem centrada na pessoa. Revista NUFEN, 4(2), 21-36.

Brasil. (1990). Decreto lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança
e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União.
Recuperado em 4 de setembro de 2019.

Brasil. (2013). Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012. Regulamento de pesquisas em


seres
humanos no Brasil. Diário Oficial da União, Brasília. Recuperado em 4 de setembro
de 2019.

Carvalho, F. A.; Nascimento F. Y. & Soares N. J. M. (2012). O método fenomenológico de


Edmund Husserl. VI Colóquio Internacional: Educação e Contemporaneidade. São
Cristóvão.

Dias I.; Gomes R. A.; Peixoto A.; Marques B. & Ramalho V. (2012). Treino de competências
de vida: Conceptualização, intervenção e investigação. II Seminário Internacional
Contributos da Psicologia em Contextos Educativos. Braga: Universidade de Minho.

Fontes, C. C. R. (2013). A resiliência no âmbito esportivo: uma perspectiva bioecológica do


desenvolvimento humano. Motriz, 19(1),151-159.

Junior, K. P. V & Freitas, F.P.R. (2015). Valores e atitudes no judô: uma revisão bibliográfica
sobre o tema. Revista Ensaios & Diálogos, 8, 97-104.

Portilho, M. (2016). Esporte para o desenvolvimento e a paz: informativo da ONU no Brasil.


UNESCO, Brasil. Recuperado em 23 de março de 2019.

Rubio, K. A. (1999). Psicologia do esporte: histórico e áreas de atuação e pesquisa.


Psicologia,
Ciência e Profissão, 19(3) 60-69, 1999.

Samulski M. D. (2002). Psicologia do Esporte. Manual para a Educação Física, Psicologia e


Fisioterapia. São Paulo: Manole.

Sanches, S. M. (2007). A prática esportiva como uma atividade potencialmente promotora de


resiliência. Revista Brasileira de Psicologia do Esporte, 1(1), 1-15. Recuperado em 28
de agosto de 2019.
Silva P. A.; Barros R. C.; Nogueira M. L. M. & Barros A. V. (2007). “Conte-me a sua
história”:
reflexões sobre o método de História de Vida. Mosaicos: estudos em psicologia, 1(1),
25-35. Recuperado em 20 de agosto de 2019.

Silva, C. M. & LIMA, P. M. (2010). A prática de futsal por meninas: uma medida importante
para aumentar a resiliência de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade
social. Estudos IAT, 1(1) 109-121. Recuperado em 2 de junho de 2019.

Silva, J. L. P. & Pontes, M. A. J. (2013). A Importância do Esporte para Desenvolvimento


Social: uma análise do incentivo de programas federais. VI Jornada Internacional de
Políticas Públicas. São Luiz.

Souza P. J. (2019). Programa competências de vida pelo esporte: formação humana na


inclusão
social de adolescentes. (é artigo? Se sim, falta volume, número e página)

Souza O. A.; Souza M. F. & Fidelis M. (2009). A utilização do esporte como ferramenta de
intervenção educativa em condições de vulnerabilidade social. Revista Digital,
14(131). (falta página)

Trusz, R. A.; Dell’Aglio, D. D. (2010). A prática do judô e o desenvolvimento moral de


crianças. Revista Brasileira de Psicologia do Esporte, 3(2) 117-135.

Vieira, L. F.; Vissoci J. R. N.; Oliveira L. P. & Vieira J. L. L. (2010). Psicologia do esporte:
uma área emergente da psicologia. Psicologia em Estudo, 15(2) 391-399.

Zocateli, V. (2010) Resiliência e prática desportiva: um estudo com jovens brasileiros e


portugueses. Dissertação apresentada com vista à obtenção do grau de mestre em
desporto para crianças e jovens. Porto.

Você também pode gostar