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Gordurofobia: caminhos que levaram o ódio à gordura e porque devemos fazer as pazes

RAFAEL TORRES COELHO

Projeto de Pesquisa apresentado à disciplina


Metodologia de pesquisa, como requisito
parcial para elaboração da monografia do
curso de pós-graduação em Obesidade e
Emagrecimento da (Universidade São
Caetano do Sul)

Universidade São Caetano do Sul


São Caetano do Sul – SP
JANEIRO – 2019
II

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3
2. OBJETIVOS ............................................................................................................ 4
3. JUSTIFICATIVA .................................................................................................... 5
4. REVISÃO TEÓRICA ............................................................................................. 5
5. METODOLOGIA.................................................................................................. 13
6. CONCLUSÃO........................................................................................................ 13
7. REFERÊNCIAS .................................................................................................... 14
III

RESUMO: A gordura é muito apreciada em várias culturas ao redor do mundo, seu consumo
acompanha o desenvolvimento do homem enquanto espécie. No entanto, o que era consumido
sem grandes restrições pelas pessoas passou a ser alvo de vigilância constante de médicos,
nutricionistas e profissionais da saúde de modo geral. Essa mudança na percepção da gordura
por grande parte tanto dos profissionais quanto da sociedade está relacionada a uma cascata
de eventos protagonizados por cientistas que buscavam compreender os efeitos da gordura
sobre o metabolismo humano. Uma série de equívocos e erros metodológicos em estudos
culminou em diretrizes alimentares que tinham como propósito reduzir mortes e doenças
cardiovasculares, no entanto, essas intervenções além de não cumprirem com seus propósitos
ainda foram responsáveis por afetar negativamente a saúde das pessoas por diversos aspectos.

ABSTRACT: Fat is much appreciated in many cultures around the world, its consumption
accompanies the development of man as a species. However, what was consumed without
major restrictions by people became the subject of constant vigilance of doctors, nutritionists
and health professionals in general. This shift in fat perception largely from both professionals
and society is related to a cascade of events led by scientists who sought to understand the
effects of fat on human metabolism. A number of misunderstandings and methodological
errors in studies culminated in dietary guidelines that were intended to reduce deaths and
cardiovascular diseases, however, these interventions in addition to not fulfilling their
purposes were still responsible for negatively affecting people's health in many respects.

1. INTRODUÇÃO

A preocupação dos seres humanos perante a própria saúde varia entre os mesmos,
dessa maneira, é do conhecimento de muitos a existência de uma relação estreita entre uma
boa alimentação e saúde de modo geral (BOTTAN, CAMPOS e VERWIEBE, 2008). Isto não
é algo recente, visto que há milhares de anos, Hipócrates, conhecido como o “pai da
medicina” já dizia: “que seu alimento seja seu remédio, que seu remédio seja seu alimento”.
Ao longo do tempo, tanto a medicina como todas as áreas da saúde se desenvolveram de
maneira exponencial contribuindo para que a vida do homem tivesse mais qualidade e
longevidade.

A maneira como lidamos com nossos alimentos também se transformou e se


desenvolveu de modo que ao compararmos nossos hábitos alimentares atuais com os antigos,
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iremos nos deparar com grandes discrepâncias, principalmente quando nos atemos a alguns
itens como: quantidade de refeições diárias; disponibilidade e variedade dos alimentos; e
principalmente da qualidade. A produção alimentícia hoje alcança números astronômicos e
consequentemente também gera muito lucro. Os beneficiados dos avanços deste segmento
somam números muito maiores comparados aos da época de Hipócrates, por exemplo
(LEONARDO, 2009).

O homem moderno em sua maioria possui hábitos muito distintos dos primitivos, o
que antes era basicamente uma questão de sobrevivência, hoje se mostra como algo muito
mais complexo. A vida contemporânea é um grande acúmulo de obrigações, funções e
objetivos que vão muito além de apenas obter algo para subsistência. Hoje temos a facilidade
e, para muitos, certa abundância em termos de alimentos disponíveis em nossas casas: o que a
grande maioria das pessoas tem e consomem em um dia das suas dispensas e geladeiras é o
que algum homem das cavernas teria grande dificuldade para adquirir e consumir em um mês.
O fácil acesso à comida fez também com que o homem descobrisse um número considerável
de doenças e morbidades relacionadas à sua dieta: sobrepeso e obesidade; alergias e
intolerâncias alimentares; distúrbios compulsivos, entre outros. Profissionais de saúde
notaram ao longo dos anos que muitas doenças estavam intrinsicamente ligadas aos hábitos
alimentares de um indivíduo e com isso desenvolveram diversas intervenções que pudessem
contribuir para a qualidade de vida das pessoas. Um exemplo é o surgimento da Nutrição no
século XX como uma das frentes que através da manipulação e prescrição de alimentos de
maneira adequada, individualizada e consciente pôde trazer a cura ou atenuar os sintomas
para diversos problemas que afligem o bem-estar e a saúde das pessoas (SANTELLE, 2008).

Já pertence amplamente ao conhecimento dos profissionais da saúde que o modo


como nos alimentamos influencia diretamente o funcionamento do corpo, partindo disto,
também é possível afirmar que a forma como se distribuem os nutrientes numa dieta pode
trazer benefícios ou justamente o contrário se não tomarmos certas precauções. Podemos
notar que ao redor do mundo há diversas formas de distribuição dos nutrientes numa dieta, e
estas estão de acordo com a: cultura do povo que a rege; a disponibilidade de alimentos e
recursos financeiros daquela determinada região e; regulações governamentais (OLIVEIRA e
THÉBAUD-MONY, 1997). Dentro dessa perspectiva, a gordura, um macronutriente essencial
para a vida humana, está a quase um século dividindo opiniões de profissionais de saúde do
mundo: por muito tempo foi divulgado que seu uso está correlacionado com doenças e
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respectivamente aumentando o risco de mortalidade para aqueles que a consomem


regularmente.

Para que esse pensamento fosse disseminado, houve uma série de eventos que
culminaram no cenário atual de pavor à gordura. Muitos profissionais de saúde e não-
profissionais acreditam fielmente que a gordura é um nutriente nocivo para a saúde. Mas
afinal, quais seriam os motivos pelos quais a gordura passou a ser tão mal vista pela
sociedade, algo bem diferente de algumas décadas passadas?

2. OBJETIVOS

Este artigo busca através da revisão de literatura ligar os acontecimentos que


resultaram na aversão ao uso das gorduras na dieta, de modo que ao trazer luz aos fatos,
esclarece e organiza a narrativa cronologicamente com intuito de desmistificar este imbróglio
da área da saúde que resultou no que podemos considerar como uma grande catástrofe
mundial.

Como objetivo específico, este trabalho possui caráter exploratório ao passo que
procura através do levantamento bibliográfico identificar eventos relacionados à gordurofobia
de maneira cronológica para uma melhor compreensão do cenário atual que a cerca.

3. JUSTIFICATIVA

Ao analisarmos a incidência de algumas doenças como obesidade, diabete, doenças


cardiovasculares, e síndrome metabólica no passado, observamos que: conforme passaram-se
os anos, o número de vítimas aumenta gradativamente. Há várias correntes de pensamento
para elucidação deste problema, este trabalho segue esta perspectiva: os embargos e
intervenções que as instituições de saúde promoveram contra o uso da gordura são base para
uma forte linha de raciocínio que endossa a hipótese de que foi esta a verdadeira razão pela
qual as essas doenças supracitadas se tornaram tão mais nocivas e incidentes no mundo ao
longo dos anos.

Desenterrar a história por trás desses eventos é também uma maneira de


compreender aquilo que tanto nos aflige. Dessa forma, traçar novas perspectivas a partir do
que foi observado é o alvo deste trabalho.

4. REVISÃO TEÓRICA
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O QUE É A GORDURA?

Faz parte do senso comum associar a gordura ao grupo de compostos químicos


orgânicos chamado lipídios. Costuma-se dividir as gorduras por gordura animal e vegetal,
mas de fato, a “gordura” é apenas uma das classes de lipídios existentes, ou seja, nem toda
gordura é uma gordura mesmo: óleos, ceras, gorduras e lipídios compostos constituem o
grupo lipídico. No nosso organismo, suas funções são diversas: proteção dos órgãos vitais,
isolante térmico, transportador de vitaminas, fonte de energia, entre outras. Essas substâncias
apresentam a condição de serem insolúveis em água e solúveis em solventes orgânicos
apolares (MCARDLE, KATCH e KATCH, 2016).

O arranjo dos ácidos graxos de um lipídio é o parâmetro para diferenciarmos os seus


tipos: nos saturados existem apenas ligações simples entre átomos de carbono e hidrogênio;
os insaturados possuem uma ou mais ligações duplas e são divididos entre monoinsaturados e
poli-insaturados. Os monoinsaturados possuem somente uma ligação dupla ao longo da cadeia
de carbonos; os poli-insaturados possuem duas ou mais ligações duplas. Esses diferentes
arranjos proporcionam as particularidades de um lipídio: sua solubilidade em água, ponto de
fusão, consistência (com isso temos óleos, gorduras e ceras), e até mesmo seu cheiro são os
produtos da estrutura de suas cadeias hidrocarbônicas. Dadas às explicações, daqui em diante
o termo gordura irá se referir ao amplo conceito da palavra, não apenas da classe que a mesma
se sugere.

Na história da subsistência e evolução humana, a gordura sempre esteve presente. Ao


longo das eras, algo que era apenas consumido para satisfazer a fome passou a ter outras
utilidades além das nutritivas: “[...] abatiam o peixe-boi-da-Amazônia por sua gordura, que
igualmente era utilizada no preparo dos alimentos, misturada com breu para a calafetagem das
embarcações e como combustível na iluminação pública e residencial” (FIORI e SANTOS,
p.9, 2013).

Com os avanços técnico-científicos, a produção de gordura alcançara escalas globais,


o mundo passou a se beneficiar mais deste produto multifacetado. A gordura sempre esteve
muito presente na culinária brasileira, isto é justificado pelo tamanho da diversidade da fauna
e da flora do país, culminando na facilidade em sua extração/produção.

Curiosamente, um produto que por muitos anos fez parte do prato dos brasileiros, de
acordo com estudos históricos, foi importado dos Estados Unidos para compor nossa
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indústria. A banha de porco foi um produto importante em algumas regiões do Brasil, sua
produção e comercialização contribuíram para o desenvolvimento social e econômico de
algumas cidades do Rio Grande do Sul (KAIUT e ZULIAN, 2015). Atualmente a banha quase
não aparece mais no radar dos consumidores brasileiros e até mesmo em outros países do
mundo. O consumo da carne de porco também reduziu em algumas décadas, isto porque a
carne de porco é demasiadamente conhecida por conter maiores concentrações de gordura.
Mas por que razão a gordura contida nesses alimentos passou a ser tão mal vista não só no
Brasil, mas no mundo?

DISCUSSÃO

ATEROSCLEROSE E OS TRABALHOS DE ANCEL KEYS

Podemos considerar os primórdios dos estudos relacionados à aterosclerose como o


marco o zero da história da gordurofobia. A aterosclerose é uma doença crônico-degenerativa
que agride as artérias do corpo através das placas de ateroma. A obstrução causada por estas
placas nas artérias compromete demasiadamente o sistema cardiovascular. Segundo Santos e
colaboradores, 2012: a aterosclerose é a principal causa de doenças cardiovasculares (DCV)
no Brasil e essas estão em primeiro lugar em causas de mortes no mundo.

Em 1908, alimentando coelhos com leite, carne e ovos, o médico e pesquisador


Alexander Ignatowski (1875-1955) descobriu que essa era uma boa maneira para induzir a
aterosclerose nesses animais. O estudo tinha como objetivo averiguar as possíveis alterações
no organismo dos coelhos de acordo com o tipo de alimentação que lhes era ofertada e, com
isso, estabelecer um paralelo com as alterações já conhecidas em humanos. O trabalho
realizado por Ignatowski serviu de modelo para que outros pesquisadores pudessem
compreender como funcionaria o mecanismo da aterosclerose em pessoas.

Reproduzindo os protocolos utilizados por Ignatowski, o também pesquisador e


médico Nikolaj Anitschkow (1885-1964) deduziu que a causa para o desenvolvimento de
aterosclerose fosse o colesterol oriundo dos alimentos contidos na dieta dos coelhos. O
pesquisador chegou a esta conclusão quando encontrou certo acúmulo de colesterol no fígado
dos coelhos. A partir disto, passou a introduzir uma dieta rica em colesterol para os animais e,
dessa forma, obteve o seguinte resultado: quanto mais colesterol na dieta, maiores as
complicações para o organismo, e foi justamente a partir dessa afirmação que se instaurou o
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caos no time da gordura, embora quando o estudo foi reproduzido em cães, não houve
alterações relevantes (FINKING e HANKE, 1997)

No início dos anos 50, os Estados Unidos passavam por uma epidemia de (DCV),
médicos e cientistas no intuito de desvendar os mistérios dessas doenças partiram numa
empreitada de pesquisas exaustivas e caras. Ancel Keys (1904-2004), um fisiologista
americano da Universidade de Minessota acreditava que ao nos alimentarmos com gorduras
saturadas obteríamos os mesmos efeitos observados nos estudos de dietas ricas em colesterol
com coelhos. O que Keys não considerava era o fato de que: coelhos são animais herbívoros e
possuem metabolismo digestivo diferente dos humanos, ou seja, fazer com que estes animais
comam algo que não compete à sua dieta usual tende muito mais para que eles desenvolvam
alterações do que aqueles outros que estão sabidamente adaptados para o consumo de
alimentos deste tipo.

Não poderia ser correto estabelecer uma relação direta entre o uso de gordura na
dieta de coelhos e suas decorrentes alterações com a realidade dos humanos, tendo em vista
suas disparidades fisiológicas. Logo, deduzir que uma dieta rica em gorduras para os humanos
teria os mesmos efeitos que apresentaram os coelhos nos estudos é um grande erro
metodológico, mas foi por este percurso que a história do ódio à gordura teve seu embalo.
Keys também fez testes em humanos para descobrir os efeitos da gordura no organismo,
contudo, mesmo obtendo uma amostra mais adequada para comprovar sua hipótese, seu
trabalho possuía erros de metodologia e suas conclusões dos resultados seguiram este curso
de equívocos, o que evidenciava cada vez mais seu viés duvidoso (ELLIOTT, 2014).

Como acreditava que o colesterol era um grande inimigo, Keys desenvolveu


pesquisas em um hospital no intuito de compreender os efeitos de dietas com variados níveis
e tipos de gordura. Esta pesquisa revelou que as dietas com gorduras saturadas faziam o nível
colesterol subir e os óleos vegetais descer, dando luz à ideia de que os óleos fossem mais
benéficos para a saúde.

Pete Ahrens (1915-2000) foi um pesquisador da Universidade Rockefeller de Nova


York que também possuía interesse nos mistérios que, até então, a gordura ainda velava. Em
seus estudos, Ahrens descobriu que existia certa individualidade nas alterações observadas em
indivíduos submetidos a ingestão de gorduras da dieta: as respostas pareciam para ele ser
heterogêneas, esta conclusão foi um contraponto para os trabalhos de Keys, que acreditava ser
simples a relação entre o consumo de gorduras e o colesterol sérico. A conclusão de Ahrens
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não solucionava o problema, apenas trazia mais um questionamento para a discussão em


questão. Ahrens constatou que os níveis de colesterol no sangue variam entre os indivíduos,
mesmo ingerindo uma quantidade similar de gorduras, o que poderia levantar a hipótese de
que outros fatores contribuiriam para este processo bioquímico, no entanto, a comunidade
científica estava sedenta para encontrar o culpado pelas DCV, e assim o foco ainda pairava
sobre o consumo de gordura e colesterol.

Em 1952, Keys fez uma palestra para discutir sobre os dados sobre DCV e dieta que
coletou de seis países. Com essas informações, ele estabeleceu uma correlação entre o
consumo de gordura e mortes por DCV. No Hospital Monte Sinai, em Nova York, Keys
trouxe ao público o que ele nomeou de hipótese dieta-coração, num gráfico ele demonstra a
quantidade de gordura ingerida por populações dos países observados. A correlação vista
neste gráfico corrobora com suas hipóteses anteriores: maior consumo de gordura está ligado
a maiores riscos de morte por DCV. (YERUSHALMY e HILLEBOE, 1957)

Gráfico 1. Mortes por doenças cardiovasculares

Fonte: Yerushalmy e Hilleboe (1957)

O problema desta afirmação gira em torno da omissão de dados que o próprio estudo
proporcionara: Keys aparentemente escolhe intencionalmente 6 países dentre um total de 22
observados, de modo que com esses 6 posicionados de maneira proposital no gráfico, não
restam dúvidas sobre a existência de uma correlação entre o maior o consumo de gordura às
maiores incidências de morte por DCV, entretanto, se forem introduzidos os demais países no
gráfico esta hipótese é refutada, como expõe o trabalho de Yerushalmy e Hilleboe (1957);
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Gráfico 2. Mortalidade da Aterosclerose e Doenças Cardiovasculares e percentual do total de calorias


da gordura

Fonte: Yerushalmy e Hilleboe (1957)

Mesmo sendo a hipótese dieta-coração de Keys uma peça contestável, não fora o
suficiente para que abalasse a ideia de perigo que a gordura começava a representar para a
sociedade. Pelo contrário, este estudo deu a Keys à chancela de principal pesquisador sobre
(DCV) daquela época, o que reforçou muito a tese de que gordura faria mal para a saúde das
pessoas.

O ESTUDO DOS SETE PAÍSES (SEVEN COUNTRIES STUDY)

Ressentido por ter sido contrariado, Keys decidiu dar um ultimato para a questão das
gorduras na dieta. Em 1956, ele e seus colaboradores iniciaram um estudo que proporcionou
grande impacto na comunidade científica médica, o Seven Countries Study (Estudo dos Sete
Países) tinha como objetivo identificar a ligação entre dieta e estilo de vida, e (DCV)
(MENOTTI e PUDDU, 2018).

Neste momento Keys já possuía grande influência nos Estados Unidos, suas
hipóteses já tinham tomado grande repercussão no país. Um fato que corrobora esta afirmação
é a aderência do então presidente dos Estados Unidos Dwight D. Eisenhower às suas
recomendações de redução no consumo de gorduras saturadas e aumento dos óleos vegetais.
Eisenhower havia passado por um infarto, logo, sua preocupação em aderir a alguma
intervenção que fosse benéfica para sua saúde era grande. Na época ainda não se sabia ao
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certo o que deveria ser feito para prevenir as DCV. Dessa forma, as hipóteses de Keys
ganhavam força, sua argumentação em detrimento das gorduras saturadas criou a imagem
perfeita de um vilão, que teve a identidade revelada por ele mesmo [Keys] e, a essa altura, ele
parecia ser também o único, a saber como derrotá-lo (TEICHOLZ, 2017).

Com uma verba anual de 200 mil dólares cedidos pelo Serviço de Saúde Pública dos
Estados Unidos, Keys promoveu seu estudo epidemiológico nos: Estados Unidos, Finlândia,
Grécia, Holanda, Itália, Iugoslávia e Japão. Novamente rompe com a metodologia científica:
além de escolher países que provavelmente iriam corroborar suas hipóteses, Keys omitiu ou
não percebeu que até mesmo nos países onde, à primeira vista, validavam sua ideia de que a
gordura saturada era um mal, esta relação parecia não existir quando observamos os dados de
maneira criteriosa.

Ao observamos os exemplos dos Finlandeses e Gregos, concluímos que a relação


entre a gordura e o risco de morte não é tão simples quanto parece. Para a averiguação dos
dados é necessária uma análise criteriosa no intuito de evitar equívocos, como os quais Keys
cometeu: mesmo tendo uma alimentação e estilos de vida similares, os Finlandeses do leste
morriam três vezes mais por (DCV) do que os do oeste. 992 mortes a cada 10 mil durante 10
anos era um número alto de mortes, esses eram os números dos Finlandeses comparados a
apenas 9 mortes de Creta e Corfu (Grécia). Outra evidência que depõe contra as hipóteses do
próprio Keys em seu trabalho é a situação das cidades de Creta e Corfu. As mortes por (DCV)
em Corfu eram mais altas do que em Creta, toda via, Corfu era uma cidade que consumia
menos gorduras saturadas comparada à Creta, sendo assim, um inconveniente para as
conclusões sobre a gordura de Keys.

Em Creta, era ingerido apenas 8% das calorias da dieta em gorduras saturadas,


enquanto na Finlândia 22%. Esta informação isolada pode facilmente nos induzir a acreditar
que o consumo de gorduras saturadas é um fator determinante nas (DCV). Contudo, como foi
supracitada, mesmo a Finlândia obtendo um número considerado alto de mortes e
consecutivamente alto consumo de gordura em todo o país, a porcentagem de morte diverge
em determinadas regiões. Na Grécia, constatou-se que o menor consumo de gordura saturada
estava ligado a mais mortes. A partir disto, surge o questionamento: por que se morre três
vezes mais no leste do que no oeste da Finlândia, mesmo as pessoas comendo basicamente as
mesmas quantidades de gorduras saturadas? E porque na Grécia morreram mais aqueles que
se privaram dessas gorduras?
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Passando por cima destas incógnitas, Keys começa a olhar mais atentamente para o
tipo de gordura utilizada na dieta. Os dados gerais apontavam que a Finlândia tinha muitas
mortes por (DCV) junto a um maior consumo de gordura saturada, enquanto a Grécia possuía
baixos índices de mortes por (DCV) e menor consumo de gordura saturada, sendo mais
utilizada as do tipo monoinsaturadas. Por esse ponto de vista era quase inevitável não
sucumbir à ideia de que a gordura saturada era realmente uma vilã. A partir desses dados, era
possível concluir que o tipo de gordura consumido era o que determinava as (DCV).

Por ser um estudo epidemiológico, suas interpretações só poderiam estabelecer


relações sem um viés de causalidade, ou seja: um estudo dessa natureza pode encontrar
informações que levantem suspeitas, mas não deve ser o último argumento numa investigação
de hipóteses, existem outras ferramentas do campo da ciência que são mais eficazes nesse
propósito, como o ensaio clínico randomizado. Estudos epidemiológicos contribuem para
nortear investigações, mas não são eles que batem o martelo na comprovação de uma hipótese
ou teoria.

Keys, cada vez mais inserido no campo dos estudos lipídicos se consolida ao receber
apoio de grandes organizações da área da saúde: AHA (American Heart Association); NIH
(National Heart Institute); revista Time, a revista mais relevante deste período. Considerando
os trabalhos de Keys, a AHA criou diretrizes que restringiam o uso da gordura saturada para
os norte-americanos, bem como, substituí-la por óleos vegetais. Essas diretrizes serviram
como parâmetro para muitos países e ainda estão atuantes até os dias atuais transformando
costumes alimentares culturais antigos em, muita das vezes, algo considerado nocivo.

EVIDÊNCIAS QUE CONTRARIAM A HIPÓTESE DIETA-CORAÇÃO

“Os dados de Framingham tampouco provaram que a diminuição do colesterol de


uma pessoa ao longo do tempo pudesse ajudar, mesmo que só um pouco. No
relatório publicado 30 anos depois do início do estudo, os autores declararam: “Para
cada queda de 1% mg/dl de colesterol, houve um aumento de 11% na mortalidade
por doença coronariana e na mortalidade total” (TEICHOLZ, 2017).

O Estudo de Framingham foi desenvolvido com intuito de prever a morte por (DCV)
através de fatores de risco como: tabagismo e pressão alta, entre outros. Nele os participantes
foram submetidos a exames físicos, testes e entrevistas a cada dois anos. De início, os
pesquisadores acreditaram que o colesterol no sangue tivesse uma relação direta com as
(DCV), no entanto, 30 anos depois, um estudo feito na mesma cidade constatou que essa
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relação era inexistente: 50% das pessoas que foram vítimas de infarto tinham níveis de
colesterol abaixo do que era considerado como normal (220mg/dll), em outros grupos, os que
tinham colesterol médio (183-221 mg/dll) tinham maior risco dos que tinham o colesterol
considerado como alto (222-261 mg/dll) (ANDERSON, CASTELLI e LEVY, 1987).

Em 1982 foi publicado no periódico JAMA o Estudo de Intervenção com Fator


Múltiplo de Risco (MRFIT), neste trabalho os pesquisadores buscavam descobrir como
diminuir a mortalidade das pessoas, para isto foram incluídas nas intervenções impostas aos
voluntários mudanças nos hábitos. 12866 homens considerados pelos pesquisadores fazerem
parte do grupo de alto risco cardiovascular foram divididos em dois grupos: um foi orientado
a parar de fumar, tratar a hipertensão e aderir a uma dieta pobre em gorduras saturadas.
Sete anos depois foi observado que a diferença estatística na mortalidade entre os grupos era
ínfima, no entanto, o grupo controle apresentou menor incidência de mortes. (JAMA, 1982)

Conhecido por ser um dos maiores estudos que avaliaram o efeito de uma dieta pobre
em gorduras sobre a (DCV), o Womens Health Initiative (WHI) avaliou 48835 mulheres em
40 centros clínicos nos Estados Unidos por um período pouco além de oito anos. Os
pesquisadores ao fim da pesquisa concluíram que reduzir a ingestão de gordura total e
aumentar a ingestão de vegetais, frutas e grãos não reduziu de maneira significativa o risco de
(DCV), com isso, sugerem que outros hábitos além dos alimentares devem ser considerados
para a prevenção dessas doenças. (HOWARD et. al., 2006)

5. METODOLOGIA

Este trabalho foi produzido a partir de uma pesquisa bibliográfica, nela foram
selecionados 02 livros e 13 artigos científicos. Os bancos de dados consultados para a
pesquisa foram: Pubmed e Google Acadêmico. Para seleção das leituras foi pré-estabelecido
que só fossem escolhidos os artigos nos idiomas Inglês e Português e; artigos que continham
no título ou resumo as palavras-chaves “gordura”, “doenças cardiovasculares”, “dieta” e
“saúde”.

6. CONCLUSÃO

Existe disponível na literatura uma ampla fonte de evidências que contradizem os


trabalhos realizados por Ancel Keys, suas hipóteses não resistiram ao tempo. Sendo refutado
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por inúmeros trabalhos posteriores aos seus, Keys e suas ideias sobre a gordura e colesterol
estão ultrapassadas, atualmente o cenário dos estudos referente às gorduras possui dados mais
seguros e fidedignos que corroboram sobre a segurança ao consumir alimentos que possuem
gorduras saturadas e que os fatores de risco para doenças cardiovasculares são múltiplos, não
atendendo apenas a ingestão de gorduras da dieta.

7. REFERÊNCIAS

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