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UNICEUB - CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA

FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO DE ANOMALIA FETAL


“CASOS DE ANENCEFALIA”

THIAGO RODRIGUES BRAGA

BRASÍLIA
2009
THIAGO RODRIGUES BRAGA

A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO DE ANOMALIA FETAL


"CASOS DE ANENCEFALIA"

Pesquisa apresentada como requisito para


conclusão do curso de bacharelado em
Direito do Centro Universitário de Brasília
– UniCEUB.

Orientador: Georges Seigneur

BRASÍLIA
2009
Dedico este trabalho à minha filha Eduarda Ribeiro Braga
RESUMO

O presente trabalho aborda aspectos jurídicos sobre a legalização da interrupção terapêutica


de fetos inviáveis. Aspectos éticos em relação ao direito da dignidade humana da mulher
quanto ao seu corpo e o reconhecimento da atipicidade da conduta como crime. Referindo-se
ao caso de anencefalia, fetos inviáveis que não possuem os hemisférios cerebrais, que uma
vez constatada torna irreversível a vida extra-uterina.

Palavra chaves: Aborto – Anencefalia - Atipicidade


SÚMARIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................6

2 ASPECTOS HISTÓRICOS.............................................................................................8

3 ANENCÉFALIA.............................................................................................................11

3.1 Parâmetros médicos..................................................................................................13


3.2 Métodos de aborto.....................................................................................................15
3.3 Direito a vida nas Leis Brasileiras............................................................................18
3.4 Aborto e o Código Penal...........................................................................................21
3.5 Os Direittos Adquiridos com o Nascituro de acordo com o Código Civil...............29
4 ASPECTOS ÉTICOS E RELIGIOSOS........................................................................32

4.1 Relações Entre a Bioética e o Direito.......................................................................34


5 ABORTOS EM OUTROS PAÍSES...............................................................................38

CONCLUSÃO.........................................................................................................................44

REFERÊNCIA..........................................................................................................................46
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1-Introdução

Com os novos avanços da medicina e o atraso de nosso poder legislativo,

acarretaram inúmeras discussões e debates sobre a defesa da vida de fetos anômalos. A

presença arcaica dos costumes e a predominância religiosa contra o desenvolvimento da

ciência e a certeza da inviabilidade do feto com a vida extra-uterina.

Contudo, embora os casos de anencefalia sejam pautas importantes e que

demandam rápido pronunciamento do ordenamento jurídico, para a supressão das lacunas

existentes no Código Penal vigente, os novos diagnósticos médicos são parâmetros bases que

evidenciam cada vez mais cedo, a incompatibilidade de vida do anencéfalo, evitando um

longo período de dores físicas e psicológicas para a mãe.

Baseando-se no pronunciamento da egrégia corte suprema com debates nas

mais diversas áreas da bioética, da medicina, na tentativa de suprir as lacunas existentes no

Código Penal. O presente trabalho trás consigo abordagens históricas sobre a inviabilidade

dos fetos anômalos com a vida extra-uterina, aspectos jurídicos sobre a proteção da vida nas

constituições brasileiras. Sua legalização e exclusão de tipicidade e culpabilidade de tal fato

como crime, abordando as execuções legais do aborto por interrupção terapêutica da gestante.

Focalizando no caso de anencefalia, os aspectos da antijuridicidade, culpabilidade,

atipicidade, apontando os fundamentos que sustentam a legalização do aborto.

Vislumbrando a aceitação social com a descoberta da anomalia fetal

incompatível com a vida, partindo de princípios científicos e jurídicos. Trazendo como

consequência a procura por interrupção da gestação, que já se torna inevitável para a mãe.

Visto que se inicia um longo período de dores sacrifício, além da indagação do risco de vida
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adquirido por esta. A busca por apoio médico e jurídico demonstra a angústia e a preocupação

das mulheres que se deparam com o impedimento legal da efetiva interrupção da gravidez.

Abrangendo visões bioéticas e médicas sobre os novos paradigmas e

descobertas, apresentando premissas, à luz da medicina e do diagnóstico pré-natal, com a

certeza da inviabilidade de vida intra-uterina, com base em dados científicos que superam as

expectativas expressadas em nossos códigos.

Em suma, tomando como base a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF n°54), abordagens constitucionais, com análises médicas sobre as novas

descobertas e a certeza da inviabilidade de vida do feto, requerendo tal execução como

atípica, incluindo na realidade dos fetos inviáveis as causas autorizadoras do aborto,

deliberando a mãe o livre convencimento de optar pela mantença ou não do processo de

gravidez.
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2-Aspectos Históricos

Ao longo dos tempos a aceitação ou criminalização da pratica abortiva,

esteve presente entre os povos, nem sempre como um ilícito criminal. Contudo, ao longo da

história das civilizações, houve, na verdade, uma grande modificação repressiva, oscilando os

parâmetros legais de proteção à vida de acordo com a cultura predominante, desenvolvimento

da ciência, tradição religiosa, movimentos políticos, entre outros aspectos. (AZAMBUJA,

2003).

Para melhor vislumbrar, de acordo com o código de Manu, era proibido o

casamento de membros de famílias doentes, e também, daqueles que possuíam alguma

enfermidade mental. Focando a época na imperfeição das crianças recém nascidas, os

brâmanes, tinham o costume de matar ou abandonar na selva os recém-nascidos que lhes

pareciam de má índole. (TESSARO, 2002, p. 22).

Diante de tais circunstancias, os fetos que não possuíam normalidades

físicas ao nascer eram tidos como inviáveis. Sendo à vontade da mãe sobre seu filho, muitas

vezes retirada por seus maridos ou até mesmo pela sociedade que sobrepunha aos laços

familiares. Na Grécia Antiga, os bebês eram abandonados no alto de uma montanha.

Acreditavam que era melhor pôr fim a uma vida que começara inauspiciosamente do que

tentar prolongá-la, com todos os problemas que ela poderia acarretar. (HUNGRIA, 1942, p.

233).

Sócrates, por sua vez, entendia que a verdade estava acima dos costumes, a

justiça acima da lei e a origem do dever na consciência de cada um, defendendo a liberdade

da mulher em escolher se abortava ou não. Prosseguindo nesta mesma linha de pensamento,


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Platão que imputava as mulheres com mais de quarenta anos, que retirassem o feto sem alma,

para preservar a pureza da raça dos guerreiros. (BELO, 1999, p. 23).

Em Esparta, motivados pelo forte espírito bélico presente na mentalidade

daquele povo, onde o interesse da coletividade se sobrepunha aos laços familiares era

vexatório para família possuir um filho que não pudesse servir ao Estado, principalmente na

guerra. Em Roma, a mulher que possuísse fetos sem aparência humana, eram jogados de

penhascos, sob o pretexto de não serem pessoas. (NOGUEIRA, 1995, p. 218)

Na antiguidade, mesmo nas sociedades em que o aborto não era tolerado, a

sua proibição não era vista como um direito do feto sobre o da mulher, mas como garantia de

“propriedade do pai” sobre um potencial herdeiro. A igreja católica se pronuncia em 1860,

onde declara que a alma era parte do feto desde a sua concepção, transformando em pecado a

pratica do aborto em qualquer período de gestação sob quaisquer circunstâncias de concepção.

Fato este que veio a consolidar a reprovação social do aborto, que por influência da igreja,

matar um feto deixou de ser apenas lesão ao patrimônio do homem, mas sim lesão à vida

enquanto bem maior.

Na Europa no século XX, com exceção da União Soviética, com a

revolução de 1917, o aborto deixou de ser considerado crime, demonstrando à liberdade de

escolha da mulher. Porém, a ascensão do Nazifacismo, fez com que as leis abortivas se

tornassem severíssimas, nos países em que esses regimes se instalavam, chegando a aplicar

pena de morte. (TESSARO, 2002).

E foi durante a primeira guerra mundial que o termo aborto eugênico foi

utilizado pela primeira vez, referindo-se ao problema das mulheres estupradas durante este
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conflito. O aborto eugênico seria o meio apropriado para defender a raça dos vícios e doenças

dos invasores. (TOCCI, 1954, p. 218)

Em outras palavras, as manifestações sobre o aborto por anomalia congênita

incompatível com a vida extra-uterina entendem-se por aborto eugênico, a interrupção da

gestação quando existe o prognóstico de que o feto venha a nascer com grave anomalia física

ou psíquica. (TESSARO, 2002, p.21)

Em suma, com o grande avanço na área genética, cientifica e tecnológica, a

aceitação da legalização em casos de anomalias fetais ganharam muitos adeptos, contudo,

trouxe consigo inúmeras discussões e debates com aspectos religiosos e culturais.


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3-Anencéfalia

A expressão “viver a vida” parece uma tautologia, mas é exatamente a

fronteira que diferencia o aborto por anomalia fetal incompatível com a vida de outras

situações de aborto voluntário. (DINIZ; RIBEIRO, 2003, p. 71).

O termo anencefalia, sob o ponto de vista técnico-científico, origina-se da

junção dos termos gregos an — privação— e enckephalos — cérebro. Trata-se de uma

malformação congênita que, uma vez presente no feto, torna a vida inviável, já que ele se

desenvolve com ausência do cérebro e do crânio, restando somente o tronco cerebral. Em

todos os casos o feto morre, seja dentro do útero ou após o parto, em poucos minutos (ANIS,

2004, p. 118).

A anencefalia é um defeito de fechamento do tubo neural caracterizado pela

ausência completa ou parcial de cérebro, das meninges, do crânio e da pele. Pode ser dividida

em halocrania e merocrania. A ausência de toda a calota craniana caracteriza a halocrania.

Representando uma formação considerada letal (MOROM, 2003).

Constatando, há ausência do sistema nervoso da vida, uma relação entre o

receptor e o informante. Verificando nesses casos o funcionamento de receptores e há não

existência de capacidade de interpretação de informação. Observado a não presença do

cérebro. Cerca de aproximadamente 75% dos fetos anencefálicos morrem dentro do útero.

Dos 25% restantes, todos apresentam diagnóstico indiscutível de morte cerebral após o parto e

a maioria deles tem sobrevida inferior a uma semana. (LEITE, 2007).


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Literaturas médicas apontam que a má formação ocorre por defeito do

fechamento do tubo neural durante a gestação, levando o feto ou à morte intra-uterina, ou à

sobrevida de, no máximo, algumas horas após o parto. A permanência de feto anômalo no

útero da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da

gestante (MOROM, 2003).

A morte encefálica é conseqüência de processo irreversível e de causa

conhecida, sendo o anencéfalo o resultado desse processo, sem qualquer possibilidade de

sobrevida, por não possuir a parte vital do cérebro. Nesse sentido de posse do reconhecimento

da impotência humana diante da natureza nesses casos, o mais adequado seria uma revisão do

silogismo que reconhece o status moral de pessoa aos fetos e lhe concede o direito à vida.

Uma vez revisto, o novo silogismo seria, então: Somente alguém vivo ou potencialmente vivo

é pessoa e tem direito à vida. O feto inviável não tem potencialidade de viver. Conclusão: O

feto inviável não é pessoa e não tem direito à vida (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Salienta-se que não importa a quantidade e a qualidade dos recursos

biomédicos que sejam colocados à sua disposição. Uma vez diagnosticada a anencefalia, não

há nada que a ciência médica possa fazer quanto ao feto. A permanência deste anômalo no

útero da mãe é comprovadamente perigosa, podendo gerar danos a saúde da gestante levando

em alguns casos a morte, em razão do alto índice de óbito intra-útero. Além da dor

psicológica que terá durante nove meses de gravidez ao imaginar seu filho nascer e morrer em

minutos, dias ou raramente meses. (MOROM, 2003).

O aborto anencefálico sobre um ponto de vista físico e psíquico da mulher

gestante, onde, há obrigação que constrange e deprime a gestante, mas, pelo contrário, será

apenas uma faculdade que, se não desejar, a gestante não precisará, sem ademais, ficar
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submetida aos rigores próprios da violação de norma jurídica, com suas drásticas

conseqüências punitivas (MOROM, 2003).

Não é cabível à ciência e ao cientista ignorarem os avanços técnicos,

científicos e tecnológicos da sociedade em geral e, no caso, da medicina em particular, mesmo

diante da mais profunda transformação que tantas décadas possam ter produzido (TESSARO,

2002).

Pois é nessas condições que se deve enfrentar a questão atualíssima do

aborto anencefálico, a começar pelo exame da adequação ou inadequação da denominação

aborto, na medida em que se trata de feto sem vida, ou, numa linguagem médica moderna,

trata-se de um feto com morte cerebral. Examinando o Código Penal de 1940, constata-se que

o legislador de então, ao criminalizar o aborto, não foi radical, pois admitiu como lícito, ainda

que excepcionalmente, o aborto necessário e o aborto sentimental. (BITENCOURT, 2001).

Isso permite concluir que, se na época, houvesse o arsenal de conhecimento

e tecnologia de hoje, provavelmente, também teria admitido o denominado aborto

anencefálico, diante da absoluta certeza da inexistência de vida, como ocorre na atualidade

(BITENCOURT, 2001).

3.1 Parâmetros Médicos

As discussões médicas sempre tiveram por objetivo chegar a um consenso

sobre o instante em que a vida deixa de existir. A incapacidade de respiração foi, durante

anos, o único parâmetro responsável por dimensionar os indícios vitais. Com o passar do

tempo, novos fatores passaram a constituir elementos importantes em sua verificação. Seja

como for, determinar o momento da morte do ser humano é uma das tarefas mais delicadas

para estudiosos da área médica.


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André Martins faz algumas considerações médicas sobre o assunto:

Para a Medicina, existem dois processos que evidenciam o momento morte:


a morte cerebral e a morte clínica. A morte cerebral é a parada total e
irreversível das funções encefálicas, em conseqüência de processo
irreversível e de causa conhecida, mesmo que o tronco cerebral esteja
temporariamente funcionante. A morte clínica (ou biológica) é a parada
irreversível das funções cardio-respiratórias, com parada cardíaca e
conseqüente morte cerebral, por falta de irrigação sanguínea, levando a
posterior necrose celular. (DORLAND, 1997)

A explicação acima consignada é bastante clara quanto às duas

possibilidades de aferição da morte. Prosseguindo com a explicação sobre a morte encefálica.

Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), os exames complementares a serem

observados para constatação de morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca:

ausência de atividade elétrica cerebral, ou ausência de atividade metabólica cerebral, ou

ausência de perfusão sanguínea cerebral. (Conselho Federal de Medicina, 1997).

Segundo o CFM, em sua Resolução Nº. 1.752/04 os anencéfalos são

natimortos cerebrais, e por não possuírem o córtex, mas apenas o tronco encefálico, são

inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica. Seguindo, ainda mais, na esteira

dessas explicações. E sendo o anencéfalo o resultado de um processo irreversível, de causa

conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida, por não possuir a parte vital do cérebro,

é considerado desde o útero um feto morto cerebral.

Exposta, de modo sumário, a relação entre anencefalia e a vida, nota-se

então quais são, do ponto de vista médico, as características da primeira. Tome-se como

referência um texto de caráter multidisciplinar: Uma malformação que faz parte dos defeitos

de fechamento do tubo neural. Quando o defeito se dá na extensão do tubo neural, acontece a

espinha bífida. (DORLAND, 1997).


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Quando o defeito ocorre na extremidade distal do tubo neural, tem-se a

anencefalia, levando a ausência completa ou parcial do cérebro e do crânio. O defeito, na

maioria das vezes, é recoberto por uma membrana espessa de estroma angiomatoso, mas

nunca por osso ou pele normal. Parece demasiado relevante a incompatibilidade entre a vida e

a anencefalia. Correndo o risco do exagero, certamente há quem enxergue mais do que

incompatibilidade e coloque ambos como termos antitéticos. (DORLAND, 1997).

As complicações maternas derivadas da gestação de fetos anencéfalos

também não são suficientes para justificar o aborto. A doutrina é bastante enfática ao assinalar

que o simples agravamento do estado de saúde da gestante é insuficiente para autorizar a

prática abortiva.

3.2 Métodos de aborto

Classifica-se o aborto em espontâneo, involuntário, acontecendo em 25%

das gestações, sendo que mais da metade ocorrem nos três primeiros meses, muitas vezes por

distúrbios de origem genética. Aborto provocado, onde ocorre a extração do feto da cavidade

uterina (TESSARO, 2008).

A provocação do aborto acontece de várias formas, seja por ação, seja por

omissão. A ação provocadora poderá dar-se através dos seguintes meios executivos, aborto

espontâneo ou natural seria uma interrupção que o próprio organismo expulsa o feto em

decorrência de possível má formação ou problemas na saúde materna, também não é punível

o aborto acidental (ocasional, circunstancial), geralmente decorrente de agentes externos

como violenta emoção, intenso susto, traumatismos, como quedas. Sobre o aborto provocado,

este resulta de intervenções humanas no processo de gestação do feto.

De acordo com Fernando Capez (2004),


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Meios químicos: São substâncias não propriamente abortivas, mas que


atuam por via e intoxicação, como o arsênio, fósforo, mercúrio, quinina,
ópio e etc. Meios psíquicos: A provocação de sustos, terror, sugestões etc.
Meios físicos: são os mecânicos (p. ex., curetagem); térmicos (p. ex.,
aplicação de bolsas de água quente e fria no ventre); e elétricos (p.ex.,
emprego de corrente galvânica ou farádica.

Os métodos de aborto utilizados: "Karma utilizado até a oitava semana nas

mulheres que nunca tiveram filhos e até a décima nas que já tiveram. Normalmente não é

necessário anestesia geral, a dor e semelhante a uma contração menstrual mais forte. Insere se

um especula no canal vaginal para permitir a exposição do colo do útero”. (VERARDO,

1987).

A todo um processo de desinfecção do canal vaginal e do colo do útero, a

dilatação feita progressivamente com velas de plástico macio e flexível, contando com todo

um aparato médico. Sendo o conteúdo do útero aspirado por uma pressão negativa, deve se,

ademais, vigiar a temperatura. Durante os dias seguintes evitam se relações sexuais vaginais,

colocação de tampões, lavagens vaginais e banho de mar. Sempre controlado por um médico.

Curetagem é utilizada até décima quarta semana, sob anestesia de preferência geral. Trata se

de uma pequena cirurgia contando com todo um aparato bem qualificado. Ocorre uma

raspagem na parede do útero, exigindo certa perícia para não haver retenções ou perfuração

do útero. (VERARDO, 1987).

Indução consiste na retirada do líquido amniótico, que é substituído por uma

solução composta de soro (ou glicose) hipertônico misturado com ocitocina; que provocará

contrações semelhantes as do parto, sendo o feto expulso. Sendo esse método bem mais

arriscado. A microcessariana, como seu próprio nome diz ,é uma cirurgia que em nada difere

da cesariana com anestesia geral ou peridural. Aborto farmacológico, em períodos e dosagens

diferentes provocando a expulsão do feto. Com uma substância chamada prostaglandina, que

produz reações de contração do útero. (VERARDO, 1987).


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Contrariando todos esses métodos, várias pessoas que utilizam sem

orientação médica métodos como introdução de sondas através do colo do útero com o

objetivo de provocar contrações e a consequente expulsão do feto. Causando diversas

infecções. Injeção no útero de soluções de sabão ou produtos químicos - água sanitária e sais

de chumbo, mercúrio, e um dos mais comercializados nos dias atuais citotec, causando na

maioria das vezes fortes hemorragias. (VERARDO, 1987).

Entre várias mulheres é utilizada a introdução de objetos no útero, como

agulhas de tricô ou talos de mamona. Levando a várias infecções, perfurações do útero.

Curetagem praticada sem anestesia nem anti-sépticos, com material não esterilizado. Casos

esse que geralmente levam essas mulheres até a morte. (VERARDO, 1987).

Os relatos de mulheres aprisionadas por utilizarem os “serviços” de clínica

clandestina de aborto, os altos índices de mortalidade ou sequelas em virtude de abortos

realizados sem o mínimo de segurança, higiene e assistência, histórias de mulheres grávidas,

em virtude de abuso sexual, gravidade de fetos inviáveis por gravíssimas e irreversíveis

anomalias, entre outras problemáticas. (DINIZ & RIBEIRO, 2003).

O aborto feito de uma forma segura com menos riscos possíveis evitaria as

estruturas clandestinas - portões fechados, linguagem em código e até circuito interno de TV-.

O aparato que envolve a clandestinidade acaba provocando uma sensação de culpa. Culpa

nem se sabe exatamente do quê. Mesmo tendo certeza de que o aborto é a melhor coisa que

poderia ter feito. (VERARDO, 1987).

A organização Mundial de Saúde, órgão da ONU relatou que cerca de 10

milhões de abortos clandestinos, fato estes relatado em 1984 é destes abortos provocaram a
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morte de mais de 300 mil mulheres. Muitas vezes essas mortes poderiam ser evitadas com um

simples aborto de custo baixo é simples como o método karmam.(VERARDO, 1987).

A situação clínica da anencefalia é considerada tão extrema e paradigmática

para o movimento de revisão da legislação brasileira que inúmeras metáforas são utilizadas

para descrever o grau do sofrimento imposto pelo diagnóstico. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

3.3 Direito a Vida nas Leis Brasileiras

Nas Constituições Brasileiras de 1824, 1891, 1934 e de 1937, não há

destaque à vida humana. No entanto, na constituição de 1946, precisamente no art. 41, está

explicitado: “A constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a

inviolabilidade dos direitos concernente à vida, à liberdade, à segurança individual e à

propriedade. No art. 150, da Constituição de 1967, assegura a inviolabilidade do direito

concernente à vida, ratificando no art. 153 da Constituição de 1969”. (CARLOS, 2006, p. 41).

Em nossa Constituição Federal vigente em seu art. 5° explanou:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.

No art. 227 afirma-se:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao


adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, á
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência famílias e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
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Ainda estabelecendo como um dos fundamentos do Estado a “dignidade da

pessoa humana”- artigo 1°, inciso III. E acrescenta: A vida humana se distingue das demais,

seja pela sua origem, vale dizer, pelo processo de sua constituição genética.

Amparado na norma constitucional, acima referida, o legislador trouxe para

o estatuto da criança e do adolescente, apenas mudando a ordem das palavras, o mesmo

conteúdo, assim estabelecendo:

Art. 3°- A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral que trata essa
lei, assegurando-se-lhes por lei ou por outros meios, todas as oportunidades,
afim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 4°- É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.

Art. 7°- a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,


mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas
de existência.”

Os preceitos fundamentais de acordo com os artigos 1°, IV – dignidade da

pessoa humana- 5° II – princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade- 6°, cabeça,

e 196 – direito a saúde-, todos da Carta da República e, como ato do poder público, causador

da lesão, o conjunto normativo ensejado pelos artigos 124, 126, cabeça e 128, inciso I e II, do

Código Penal onde respalda os casos legais pra a execução do aborto.

Da mesma forma, o Código Civil brasileiro de 1916 e o atual asseguraram

os artigos 4° do antigo Código Civil e 2° do atual, assim redigidos:

Art. 4° A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida;


mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro. Art. 2° A
20

personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas põe a


salvo desde a concepção os direitos do nascituro.

A lei penal proibiu o aborto, admitindo não sua legalidade, mas sua

impunibilidade em duas hipóteses: O aborto terapêutico, objetivando salvar a vida da mãe, e o

aborto em virtude de estupro. Assunto este abordado no próximo capítulo. (MARTINS, 2008,

p. 100)

Conforme exposto na ADPF 54, onde abordado pelo Ministro Marco

Aurélio a constitucionalidade do aborto por anomalia fetal, com base nos textos

constitucionais que consignam conceitos básicos, princípios fundamentais da carta da

república, com o Código Penal. Argumentando em seu ponto de vista, que o feto expulso para

caracterizar o aborto deve ser um produto fisiológico e não patológico. Se a gravidez se

apresenta, como de fato acontece, um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não

permitir se quer uma intervenção cirúrgica que obtenha uma perspectiva de vida extra-uterina,

logo, que a proibição de se efetuar a antecipação terapêutica do parto nos casos de fetos

anencéfalos, não consubstancia aborto, visto que não há vida extra-uterina em potencial.

Devido à ausência de legislação específica sobre a interrupção da gravidez

em decorrência de anomalia fetal letal, faz-se necessário a interpretação extensiva da lei e de

debates sobre o assunto por juristas e também pela sociedade (MOMURA, 2007, p. 489).

Porém, neste caso, não se refere o direito ou não à vida, porquanto esta, não

tem a possibilidade de ocorrer, já que não há bem jurídico a ser protegido pelo Direito Penal,

sendo este necessário para a formação do tipo penal. Sabendo que na Constituição Federal de

1988 apregoa em seu art. 5° a consagração da vida como direito fundamental e inviolável.

Ressaltando que no Código Penal prevê situações em que não se pune a interrupção da

gravidez. (MOMURA, 2007, p. 489).


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Por derradeiro, nos termos da nossa Constituição Federal (art. 5º, § 2º), os

Tratados Internacionais de Direitos Humanos, que forem ratificados pelo Brasil, constituem

dogmas constitucionais e integram as garantias fundamentais.

Em suma, em nenhum momento na Constituição Federal à vedação da

interrupção da gravidez em casos de anencefalia, pois tal feto inviável não configura crime de

aborto, uma vez que a anencefalia é uma má-formação que impede a sobrevida. (MOMURA,

2007).

3.4 Aborto e o Código Penal

O Código Penal do império brasileiro, de 1830, previa punição somente ao

terceiro que provocasse o aborto e não a gestante. Sua extensão à mulher veio a ocorrer com o

advento do Código Penal 1890, sendo também expressa a distinção entre o aborto com ou sem

expulsão do feto. Sendo autorizado apenas o aborto para salvar a vida da parturiente. Em

1940, à luz dos costumes e hábitos da década de 1930, foi publicado o novo Código Penal,

vigente até os dias atuais, que tipificou três tipos de aborto, somando ao artigo 5° e 227 da

Constituição Federal de 1988, dispondo o direito à vida como inviolável, trazendo como dever

do Estado, da Sociedade, e da Família assegurar o direito à vida.

A lei penal vigente proíbe a pratica de aborto, admitindo não sua legalidade,

mas sua impunibilidade em duas hipóteses: O aborto terapêutico, objetivando salvar a vida da

mãe, e o aborto em virtude de estupro. (MARTINS, 2008, p. 100).

Para melhor elucida, aborto é a interrupção da gravidez com a consequente

morte do feto (produto da concepção). Que no sentido etimológico, aborto quer dizer privação
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de nascimento. Advém de ab, que significa privação, e ortus, nascimento. (DAMÁSIO, 2001,

p. 119).

Na parte especial do Código Penal estão previstos os crimes contra vida:

Homicídio simples, caso de diminuição de pena, homicídio qualificado, homicídio culposo,

induzimento, instigação ou auxilio a suicídio, infanticídio, e o aborto provocado pela gestante

ou com seu consentimento, aborto provocado por terceiro, forma qualificada, aborto

necessário e aborto no caso de gravidez resultante de estupro (SILVA, 2006, p. 51).

Salienta que a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do

produto da concepção, consiste na eliminação da vida intra-uterina. Logo, o embrião não pode

ser considerado pessoa humana. Como também não se trata de coisa, visto que o significado

da palavra aborto se traduz na expulsão do útero dos produtos da concepção, antes de o feto se

encontrar viável, ou seja, na interrupção da gravidez antes que o feto tenha razoáveis

possibilidades de sobrevivência.

No art. 124 do Código Penal estão definidos: “Provocar aborto em si mesma

ou consentir que outrem lho provoque”. Pena-detenção de um a três anos. Explanado aqui o

auto-aborto, em que a própria gestante o pratica em sim mesma, e a de um terceiro que o

pratica com o consentimento dela, considerado, assim, co-autor. No artigo 125 do Código

Penal afirma-se: Provocar aborto sem o consentimento da gestante: Pena-reclusão de três a

dez anos. É o aborto praticado em mulher dissenciente. Ocorre, quer seja feito contra sua

vontade quer á sua revelia. É ela sujeito passivo do delito. No artigo 126 do Código Penal diz-

se: Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena- reclusão de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze
23

anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave

ameaça ou violência. (SILVA, 2006, p. 62).

O importante é considerar a vida humana o bem maior, sem, no entanto,

desconhecer a importância também de outro bem jurídico, ou seja, a liberdade. As penas

cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do

aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofra lesão corporal de natureza

grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém à morte. No primeiro

caso, as penas são aumentadas de um terço. No segundo, são duplicadas. (SILVA, 2006, p.

62).

Estes casos de qualificação não se aplicam à própria gestante, mas apenas ao

agente que pratica o aborto na mulher, com ou sem o consentimento, pois o artigo 127 só faz

referência aos 125 e 126. No artigo 128 não há previsão de crime, mas de situações

excepcionais de excludentes de antijuricidade. Não se pune o aborto por médico: I- Se não há

outro meio de salvar a vida da gestante. Somente o médico deverá praticar o aborto. Ele sabe

quando praticá-lo. Nesse caso, tem por objetivo salvar a vida da gestante. Trata-se de um fato

típico, porém, não é antijurídico e consequentemente não é punível. (MATIELO,1994).

No Código Penal está prevista a exclusão da antijuricidade assim: Não se

pune o aborto médico: I – Se não há outro meio de salvar a vida da gestante. Nesse caso, tem

por objetivo salvar a vida da gestante. Estará assim amparado pela autorização da própria

norma que estabelece, nessa hipótese, a exclusão da antijuricidade.

Estamos diante do aborto necessário, praticado, por tanto, pelo médico que

sabe perfeitamente como praticá-lo com o fim exclusivo de salvar a vida da gestante. Trata-se

de um fato típico, porém, não é antijurídico e conseqüentemente não é punível.


24

Nelson Hungria esclarece:

O aborto necessário é a interrupção artificial da gravidez para conjurar


perigo certo, e inevitável por outro modo, à vista da gestante. O aborto
necessário pode ser terapêutico (curativo) ou profilático (Preventivo).
Durante a gravidez, apresenta-se, às vezes, em razão do estado da mulher ou
de alguma enfermidade intercorrente, séria e grave complicação mórbida,
pondo em risco a vida da gestante. Em tal situação, o médico assistente é o
árbitro a quem cabe decidir sobre a continuidade ou não do processo da
prenhez. (SILVA, 2006, p. 63)

O inciso I do artigo 128 refere-se ao aborto necessário ou terapêutico,

executado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Não e estritamente

obrigatória à ocorrência de risco presente para a vida da mulher, bastando que se comprove

clinicamente que a continuação do estado gravídico venha a originar o risco de vida.

(MATIELO, 1994).

São requisitos inafastáveis:

a) O prosseguimento da gestação traz riscos para a vida da grávida. b)


Inexistência de outro meio para salvá-la, a não ser a prática abortiva; c)
Consentimento da gestante ou de seu representante legal, pois, o aborto não
se equipara à intervenção cirúrgica comum, que admite a ação médica
mesmo contra a vontade do paciente, quando urgente e necessário.
(MATIELO, 1994)

No caso de aborto necessário, a gestante ou seu representante legal (quando

incapaz por idade o debilidade mental) devem consentir com as manobras de interrupção

(MATIELO, 1994).

No inciso II está o que se costuma chamar de aborto ético, sentimental ou

humanitário, permitido quando resultante de estupro contra a gestante. São requisitos

essenciais, à evidência:

a) gravidez resultante de estupro; b) prévio consentimento da grávida, ou,


quando incapaz (por idade ou debilidade mental) de seu representante legal.
A razão primordial dessa faculdade que assiste a gestante prende se ao fato
25

de não estar obrigada a ter um filho que é de fruto de violência ou grave


ameaça além de natural e humana repulsa que lhe causará a situação de estar
tomando conta do filho de pessoa de filho psicologicamente desequilibrada e
afeita a ações delitivas, como e o caso de uma pessoa que prática estupro.
(MATIELO, 1994).

Estas excludentes de ilicitudes são respaldadas legalmente por

caracterizarem um estado de necessidade ou a inexigibilidade de conduta diversa da gestante,

pois a mesma não deve estar obrigada a cuidar de um filho gerado por um ato de violência.

Tendo o legislador eximido de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, o caso de

anomalia fetal. (DINIZ E RIBEIRO, 2003).

A lei é bem clara quando exclui a possibilidade de aborto eugênico, ou seja,

feto com deformidade ou enfermidade incurável. Fatos geradores de discussões e

controvérsias em diversos aspectos tanto éticos, como religiosos, jurídicos, etc. Porém, não

cabe neste momento analisar outros aspectos senão o jurídico. “Onde o legislador penal

definiu como crime de aborto a interrupção voluntaria da gestação que implique na morte do

produto da concepção, sendo, irrelevante o período de desenvolvimento em que se encontre a

gravidez”. (TESSARO 2008, p. 58)

Convém destacar que o Código Penal foi sancionado em 1940, época em

que os conhecimentos médicos eram precários se comparados ao avanço tecnológico que a

medicina contemporânea incorporou aos seus diagnósticos e tratamentos, notadamente a

medicina fetal. Situações antes imprevisíveis hoje podem ser diagnosticadas com alto grau de

precisão. Valendo ressaltar que o mesmo Código Penal, que incrimina a interrupção da

gestante por anomalia fetal incompatível com a vida, consagra duas excludentes de ilicitude

para o crime de aborto, independentemente das condições físicas do feto: são os casos em que

a gravidez cause perigo de vida para a gestante ou se a gestante é decorrente de estupro.

(TESSARO, 2002, p. 83).


26

A justificação do aborto em gravidez decorrente de estupro visa preservar

apenas a idoneidade sentimental da mulher, em nada se importando com o bem jurídico vida

fetal e nem obedecendo qualquer critério médico, sacrificando a vida em gestação, uma vez

que a única coisa que se procura resguardar é a honra subjetiva da parturiente, ou sua sanidade

psicológica; a justificação do aborto quando a gravidez importa em risco para a mulher

também não leva em conta com o bem jurídico vida fetal que Será lesionado para que o risco

da mãe cesse.

Impedir que a gestante de um feto inviável interrompa a gestação que só lhe

traz pesares, que lhe afeta física e psicologicamente, que a traumatiza e desconforta, constitui

violação ao Princípio da Dignidade Humana previsto constitucionalmente, visando resguardar

os direitos e garantias fundamentais de todos. (TESSARO, 2002, p. 83).

Justificam o aborto de anencéfalos, com os avanços científicos e tecnologias

apuradas, onde detecta o nível de sobre vida do feto, e as possibilidades de morte de ambos.

Ou seja, mesmo para juízes e promotores pouco sensíveis à legalização do aborto, por

anomalia fetal e uma situação tão especial que um mero apelo aos artigos do Código Penal

que instituem a ilegalidade do aborto não basta para fundamentar o processo. E preciso sair à

procura de fundamentos que estão além da lei que se apresenta nos dias atuais. (DINIZ;

RIBEIRO, 2003).

Como explanado, neste capítulo, o Código Penal precisa de acréscimos de

dispositivos para disciplinar, de modo coerente com todo o ordenamento jurídico em vigor,

sobre a interrupção da gestação de fetos inviáveis, como dos fetos anencefálicos. Salientando

aos fetos que possuem anomalias incompatíveis com a vida é que a conduta de uma mulher
27

que opta pela interrupção de sua gestação, nestes casos, não seja considerada antijurídica, ou

seja, criminosa, bem como a conduta do médico por ela autorizado.

Voltando aos preceitos penais, o aborto seria a interrupção de um feto de

viver. Porém isto submete a entender que o feto adquiriria vida após o parto, fato este

chamado como "vida extra-uterina do feto". O preceito principal do anencéfalo, e a

inviabilidade de vida do feto pós-parto. A ocorrência da má formação do feto sem os

hemisférios celebrais, levará este a uma vida de poucas horas, muitas das vezes nem chegando

a respirar.

A gestante ao receber, laudo médico, assegurando que o feto que está em

seu ventre não tem cérebro e não lhe resta nenhuma possibilidade de vida extra-uterina, quem

poderá, afinal, nas circunstâncias, censurá-la por buscar o abortamento. Mantendo em seu

ventre um ser inanimado, que, quando a natureza resolver expeli-lo, não terá alternativa senão

pranteá-lo, enterrá-lo ou cremá-lo. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Exigir que a gestante leve a termo sua gravidez, em situação de reconhecida

anencefalia, constitui, inquestionavelmente, uma forma brutal de submetê-la a odioso

"tratamento desumano", em flagrante violação ao disposto no artigo 5º da Constituição

Federal, segundo o qual, ninguém será submetido a tratamento desumano. Ademais, permitir

a realização de aborto anencéfalo constitui somente uma faculdade, que a gestante somente

usará se o desejar, que é muito diferente de sua proibição, imposta por norma jurídica

cogente, acrescida de sanção criminal privativa de liberdade. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

O Código Penal que incrimina a interrupção da gestação por anomalia fetal


incompatível com a vida consagra duas excludentes de ilicitude para o crime
de aborto, independentemente das condições físicas do feto, são os casos em
que a gravidez cause perigo de vida para a gestante ou se a gestação é
decorrente de estupro. (Tessaro, 2008, p. 73)
28

A omissão legislativa é presumível, visto que, na década de 40 o

acompanhamento da gestação e saúde fetal limitava-se ao auscultamento dos batimentos

cardíacos. (TESSARO, 2008).

A inexigibilidade de conduta diversa, nessa hipótese, deve ser aceita como

causa excludente da culpabilidade. A culpabilidade é juízo de reprovação social, compõe-se,

além da imputabilidade e consciência da ilicitude, qual seja a exigibilidade de conduta

conforme ao direito (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Pois culpável é a pessoa que praticou o fato, quando outro comportamento

lhe era exigido, e, por isso, exclui-se a culpa pela inexigibilidade de comportamento diverso

daquele que, nas circunstâncias, adotou. Assim, a inexigibilidade de outra conduta exclui,

portanto, a culpabilidade, não bastando, por conseguinte, a prática de um fato típico e

antijurídico para que seja socialmente reprovável.

As maiorias das mães possuem a feliz expectativa de vestir seu bebê logo

após o nascimento; mas a genitora de um anencéfalo sabe que sua roupa será,

irremediavelmente, um pequeno caixão (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Em suma, não se pode falar em reprovabilidade social nem em

censurabilidade da conduta de quem interrompe uma gravidez ante a inviabilidade de um feto

anencéfalo, que a ciência médica assegura, com segurança, a absoluta impossibilidade de vida

extra-uterina, sendo desumano exigir-se de uma gestante que suporte a gravidez até seu final,

com todas as consequências e riscos, para que, no final, ao invés de comemorar o nascimento

de um filho, pranteie o enterro de um feto, acrescido do dissabor de ser obrigada a registrar o

nascimento de um natimorto.
29

3.5 Os Direitos Adquiridos com o Nascituro de acordo com o Código Civil.

O legislador no código 1916, assim definiu no seu art. 4°que “A

personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a

concepção, os direitos do nascituro.” No Código Civil de 2002 em seu art. 2° está explicitado:

“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,

desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Pontes de Miranda ensina:

O direito de personalidade, os direitos as pretensões e ações que dele se


irradiam são irrenunciáveis, inalienáveis, irrestringíveis. São direitos
irradiados dele os de vida, liberdade, saúde (integridade física e psíquica),
honra igualdade.

Segundo Damásio:

Diante do Direito Civil o feto, de fato, não é pessoa, mas sim expectativa de
ente humano, com expectativas de direito. Entretanto, à luz das palavras de
Damásio de Jesus, mesmo não sendo vida independente, o produto da
concepção vive o que é suficiente para ser protegido. (DAMÁSIO,
2001)Mesmo o nascituro, isto é, aquele concebido, mas ainda não
nascido, apesar de ainda não ter personalidade 1, já terá, em nosso
direito positivo, resguardado seus direitos (NEGRÃO, 2008).

A questão do início da personalidade tem relevância porque, com a

personalidade, o homem se torna sujeito de direitos. O ordenamento brasileiro poderia ter

seguido a orientação do Código Francês que estabelece começar a personalidade com a

concepção. Em nosso código, contudo, predominou a teoria do nascimento com vida para ter

início à personalidade. No Brasil o nascimento é comprovado por meio da respiração. Se a

1
Ilegitimidade de parte – Ativa – Ocorrência- Investigatória de paternidade ajuizada por futura mãe de
nascituro – Inad. – Ausente a personalidade, ao nascituro falta à capacidade de ser parte e de se fazer
representar em juízo- aplicabilidade do art. 7°, do CPC-RNP. Embora a lei ponha a salvo desde a concepção os
direitos do nascituro, a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida (art. 4° do CC).
30

criança respirou, então houve nascimento com vida. Nesse campo, o direito vale-se dos

ensinamentos da medicina (VENOSA, 2002).

Segundo Peter Wingate: “Concepção é a união do espermatozóide com o

Óvulo para formar um zigoto (óvulo fecundado). Isto se dá nas trompas de Falópio, quando o

espermatozóide aí chega deslocando-se da vagina ao longo o útero.”

Pedro Nunes Define o nascituro em:

Ser humano já concebido, mas, ainda por nascer. Por uma ficção de direito, é
considerado, provisoriamente, com certa capacidade jurídica: direito do
nascituro. A partir do momento que nasça com vida, é reputado pessoa, para
os efeitos Legais”. (Dicionário de Tecnologia Jurídica, Vol. II, p. 209, 6 ed.,
Livraria Freitas Bastos S/A, Rio de Janeiro e São Paulo, 1965).

Para elucidar: “O fato de o nascituro ter proteção legal não deve levar a

imaginar que tenha ele personalidade. Esta só advém do nascimento com vida. Trata-se de

uma expectativa de direito Nosso estatuto contentou-se, portanto, com o nascimento com

vida. Não exige que a vida seja viável, como o código Napoleônico”. (VENOSA, 2002, p.

160).

O nascimento dá-se com a positiva separação da criança das vísceras

maternas, pouco importando que isso decorra de operação natural ou artificial. A prova

inequívoca de o ser ter respirado pertence à medicina. Se a criança nascer com vida e logo

depois vier a falecer, será considerado sujeito de direitos. Tal prova, portanto é importante,

mormente para o direito sucessório, pois a partir desse fato pode receber herança e transmiti-

la a seus sucessores.

O código tem várias disposições a respeito do nascituro, embora não o

conceba como personalidade. O nascituro é um ente já concebido que se distingue daquele


31

que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo de uma

prole eventual; isso faz pensar na noção de direito eventual, isto é, um direito em mera

situação de potencialidade para que nem ainda foi concebido. É possível ser beneficiado em

testamento o ainda não concebido. (VENOSA, 2002).

Todavia, a posição do nascituro é diversa, pois o nascituro já tem um regime

tanto no Direito Civil, como no Direito Penal, entre nós. O fato de o nascimento ter proteção

legal não deve levar a imaginar que tenha ele personalidade. Esta só advém do nascimento

com vida. Trata-se de uma expectativa de direito. A liberdade de poder tentar viver

suportando a perda de um filho, sem constrangimento maior. A evolução nos cientifica, trás

novas concepções sobre a vida. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Logo, importante faz-se ressaltar que diante do Direito Civil o feto, de fato,

não é pessoa, mas sim expectativa de ente humano, com expectativas de direito. Entretanto, à

luz das palavras de Damásio de Jesus, mesmo não sendo vida independente, “o produto da

concepção vive, o que é suficiente para ser protegido.


32

4 Aspectos Éticos e Religiosos.

Com as divergências entre os grupos pró- escolha, ou melhor, pró-aborto

intensificados pelo movimento feminista contra os pró- vida que fundamentam sua decisão

em aspectos religiosos, não vislumbrando os motivos de saúde física e mental da gestante, de

modo geral, aspectos culturais contrários ao aborto, impedindo aos avanços recentes na área

genética , cientifica e tecnológicas de prosseguirem com a execução do aborto.

Tornando assim, a mulher grávida num "caixão ambulante" é o anencefálico

"um vegetal", expressões fortes são, até mesmo, desrespeitosa, mais que comumente são

utilizadas para representar o sofrimento das mulheres e famílias que procuram um amparo

legal para realizar o aborto apesar de haver um consenso crescente no país de que

diagnósticos de anomalias fetais e incompatíveis com a vida justificam a legitimidade de uma

solicitação judicial de aborto, há casos isolados em que o pedido e negado. (DINIZ;

RIBEIRO, 2003).

Uma análise dos argumentos usados nos processos que negaram o pedido de

aborto mostra o quanto e urgente à mudança da legislação no Brasil: são decisões arbitrárias,

na maior parte das vezes fundamentadas em premissas religiosas do juiz ou do promotor e que

são, equivocadamente, anunciadas como fundamentos jurídicos para negar o pedido (DINIZ;

RIBEIRO, 2003).

A ilegalidade do aborto por anomalia fetal transforma a mulher grávida, sua

família, e a equipe biomédica que a assiste, em reféns da moralidade pessoal de alguns

promotores e juízes. Nega se a autorização judicial em nome do art. 128 do código penal, que

não prevê este permissivo. Ou seja, mesmo para juízes e promotores pouco sensíveis à

legalização do aborto, o aborto por anomalia fetal e uma situação tão especial que um mero
33

apelo aos artigos do código penal que instituem a ilegalidade do aborto não basta para

fundamentar o processo: E preciso sair à procura de fundamentos morais que estão além da

lei, como e o caso das razões religiosas. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

A premissa da santidade da vida humana defende a idéia de que a vida é um

dom ou um bem divino e que não deve ser objeto de intervenção humana. Acredita-se que

exista um ciclo natural da vida e que qualquer tentativa de intervir nele seria um atentado á

ordem divina e, portanto, algo moralmente inaceitável. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Decisões como o nascimento ou a morte são os pontos críticos para a

premissa da santidade da vida humana, pois ambas são consideradas atribuições divinas por

excelência. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Uma análise dos argumentos usados nos processos que negaram o pedido de

aborto mostra-se o quanto e urgente a mudança da legislação no Brasil: São decisões

arbitrárias, na maior parte das vezes fundamentadas em premissas religiosas do juiz ou do

promotor e que são, equivocadamente, anunciadas como fundamentos jurídicos para negar o

pedido. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Diante dessas constatações, as dificuldades em admitir que a expulsão

antecipada de um feto, sem vida, pudesse configurar aborto, provocado ou consentido,

criminoso ou não.

“Quando a mãe pede para retirar esse feto e o médico pratica o ato, isto não
configura propriamente aborto, com base no art. 126 do Código Penal, pois o
feto, conceitualmente, não tem vida”[9]. E complementa Becker: “a morte
não é um evento, mas sim um processo. O conceito jurídico de morte
considera um determinado ponto desse processo biológico. Durante séculos
adotou-se a parada cardiorrespiratória como índice demarcador da vida”.
Marco Antonio Becker, Secretário do Conselho Federal de Medicina que
sustenta
34

Se a morte cerebral põe termo à vida humana seria um pleonasmo dizer que

fetos sem os hemisférios celebrais sobreviveriam. Não há porque adicionar outra excludente

ao art. 128 do Código Penal, pois pelas razões expostas o ordenamento jurídico já existente

autoriza o médico a retirar o feto de anencéfalo da gestante, a seu pedido, sem que com isso

incorra em infração penal ou ética, pois, se não há vida, não há que se falar em aborto.

(DINIZ E RIBEIRO, 2003).

Em suma, a expulsão voluntária antecipadamente de feto anencefálico não

constitui aborto, fato este atípico em nosso ordenamento jurídico. Valendo ressaltar da morte

do feto, pois o crime somente se consuma com a ocorrência desta, que, segundo a ciência

médica, nesses casos anencéfalo, acontecera antes. A interrupção da gravidez aconteceu

porque a vida do bebê não era viável e não porque a gravidez era indesejada.

A associação brasileira de psiquiatria em nome da saúde mental da mulher

defende a autodeterminação da gestante para decidir livremente sobre a antecipação

terapêutico do parto em gravidez de feto anencefálico. Defende que mulher grávida de feto

anencéfalo. Defende que mulher grávida de feto anencéfalo tenha direito à assistência

governamental em relação aos cuidados protetivos à sua saúde, em especial á saúde mental.

4.1 Relações Entre a Bioética e o Direito

Segundo Guy Durant, o conceito de bioética corresponde: “estudo

interdisciplinar do conjunto das condições exigidas por uma administração responsável da

vida humana, tendo em vista os progressos rápidos e complexos do saber e das tecnologias

biomédicas”. (DURANT, 1995, p. 22).


35

Por não ser um campo disciplinar dogmático, mas sim que intervém em

processos reflexivos coletivos, plurais e democráticos, o discurso bioético torna o processo de

tomada de decisão bem mais promovedor dos princípios e garantias constitucionais.

Colocando as próprias crenças sob suspeitas, pois é a dúvida a única ferramenta reflexiva

compartilhada por todos os praticantes da bioética. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

A interrupção da gestação do feto inviável implica entre princípios morais

fundamentais e a tomada da decisão, e a resolução deste impasse acarretará necessariamente

uma valoração dessas diretrizes, sendo que para isso, um destes princípios terá precedência

sobre o outro.

Devido à evolução e ao desenvolvimento dos “direitos humanos” sociedade,

que dão alicerce para o desempenho do papel social a ser desempenhado pelo indivíduo na

sociedade, preservando sua personalidade e integridade física e psicológica, a Bioética e o

Direito passam a trilhar os mesmos caminhos. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

Verifica-se então que, valores fundamentais estão envolvidos, a solução

eticamente mais justa equivale aquela que considera a vida na sua plenitude, incluído neste

conceito a qualidade no viver e a dignidade da pessoa. (TESSARO, 2002, p. 80).

O direito à vida deve ser entendido em sua mais ampla acepção,


compreendendo, essencial e indissociável, a dignidade da essoa humana,
imperativo que, em certos casos concretos, orienta-se por acatar a morte
como única opção eticamente sustentável. Deve-se, ainda, atentar para um
conceito pluridimencional de vida, abarcando a consciência e a
personalidade, sem as quais, a existência humana encontra-se desfalcada de
toda sua plenitude, resultando, apenas, em uma vida vegetativa ou biológica.
( GOMES, Renato Raupp,TEIXEIRA, Larissa Solek. Eutanásia: O direito de
Morrer como um Dilema Bioético. In: Ética e Bioética. Org. Volnei Ivo
Carlin. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998, p.143.)

Nesse contexto, inclui-se também a hipótese de anomalia fetal incompatível

com a vida, pois levar a termo tal gestação, quando esta mulher fez a opção de interrompê-la,
36

significa uma forte agressão à dignidade desta gestante, comparada os efeitos de uma tortura,

restando prejudicada também a sua saúde psíquica, e consequentemente, a qualidade de vida.

Outrossim, defender o direito à vida do feto que já teve o diagnóstico irreversível.(TESSARO,

2002, p. 77).

Observa-se que já há uma tendência em não colocar, na mesma seara do

aborto, facilitando uma normatização, uma vez que o aborto pressupõe que haja vida ao

nascer, ou seja, o tipo penal objetiva resguardar a vida do nascituro, ao passo que a situação

dos fetos inviáveis é totalmente oposta, oposta que não terá vida a ser tutelada após o

nascimento. (TESSARO, 2002, p. 81)

Pelo motivo supracitado, os defensores dos direitos humanos estão cada vez

mais presentes na fiscalização e na cobrança de normatizações a respeito do desenvolvimento

biotecnológico e da saúde. Assim, qualquer ato que agrida a condição humana ou viole

qualquer preceito já estabelecido, é alvo de severas críticas e está sujeito às penas já

normatizadas, que, apesar de terem o objetivo de trazer benefícios à sociedade, essas normas

devem ser analisadas e conduzidas com a devida cautela.

Portanto, os profissionais de saúde e os operadores do Direito devem ter o

intuito de trazer benefícios ao cidadão, entretanto, devem ser observados sua dignidade,

integridade e os limites éticos e jurídicos de respeito à vida.

Atualmente devido aos referidos avanços tecnológicos, facilmente constata

em periódicos, revistas, em emissoras de televisão, notícias a respeito de assuntos

relacionados à bioética, como por exemplo, a questão do aborto de fetos com má formação.
37

Com relação ao tema supracitado, algumas considerações devem ser

mencionadas, os exames que detectam a anencefalia de um feto, é um grande avanço

tecnológico. Por que minimizar ou não a dor psicológica dos pais que ao verem seu filho

nascer, este não terá nenhuma perspectiva de vida.

A bioética brasileira tende a não reconhecer como sua, a tarefa de analisar a

ilegalidade do aborto, assunto que deve ser abordado sob o enfoque das seguintes premissas: a

primeira, se o aborto por anomalia fetal incompatível com a vida extra-uterina deveria ser

uma prática legal no país, já a segunda, se este, deveria ser considerado juridicamente

antecipação do parto e não aborto. (DINIZ; RIBEIRO, 2003).

O tema é polêmico, haja vista a influência religiosa que predomina no debate.

Entretanto, ao analisar se o Estado pode ser intervencionista no que discerne a questão em

epígrafe, sob pena de, em nome de um pretenso direito à vida, negar outro direito não menos

importante, o da liberdade, o da liberdade de escolha.


38

5 Abortos em Outros Países

Os sistemas adotados pelos países para efetuar a interrupção da gravidez,

geralmente são estipulados pelos meses de gravidez, tornando lícita a interrupção do embrião,

ou seja, a quantidade de semanas de gestação que estipula a legalidade da interrupção.

Estudo feito em 41 países em cinco continentes: 90% dos países

desenvolvidos e 20% daqueles em desenvolvimento permitiam interrupção de gestação em

casos de anencefalia em 1994. (IWASSO, 2004).

Estas indicações feitas por indicações e recomendações médicas,

psicológicas, sociais ou econômicas, dependendo das leis vigentes naquele país, que em

relação ao aborto, pode ser menos ou mais restritiva, chegando a ser totalmente liberal

(Holanda e nos Estados Unidos, onde a suprema corte Americana já assentou o entendimento

em favor do direito de opção da mulher). (TESSARO, 2008).

Algumas legislações preferiram adotar a nomenclatura “interrupção

voluntária da gravidez” ao invés de aborto, posto que esta última vem estigmatizada por um

sentimento de reprovação moral e religiosa. (TESSARO, 2008).

Com fundamento na revisão elaborada por HENSHAW (1990), que trata

das leis relativas ao aborto no mundo, Thomaz Gollop afirma que:

As leis que norteiam o aborto induzido têm abrangência variável, desde


aquelas que proíbem sem nenhuma exceção até aquelas que o consideram
um direito da mulher grávida. Cerca de 25% da população mundial situam-
se na categoria mais restritiva, em que o aborto é permitido somente quando
a gravidez representa um risco de vida para a vida da mãe (GOLLOP, 1994-
1995, p. 56).
39

Ao lado disso, analisando as legislações que autorizam o aborto por razões

médicas em sentido amplo - a saber, quando há saúde da mãe está em perigo , não limitando

ao risco de perder sua vida, e, algumas vezes, por risco genético ou por razões jurídicas como

estupro ou incesto – certifica- se sua incidência em compreendendo 12% da população

mundial. (TESSARO, 2008).

Entretanto, nesses países “não é permitido o aborto por indicações sociais

isoladamente ou a pedido unicamente da gestante”. De outra parte, a população do grupo de

quatro países com mais de 1.000 de habitantes, nos quais o aborto e permitido por razões

sociais ou médico sociais, ou seja, condições sociais adversas, representa 23% da população

mundial. Nesses casos, as condições sociais adversas. “Tanto justificam a interrupção da

gestação quanto deve ser considerados do agravo a saúde mental da mulher. Na maioria

desses países, incluindo Austrália, Finlândia, Inglaterra, Japão e Taiwan, o aborto e

virtualmente permitido pela simples decisão da gestante.” E finalmente as leis menos restrita

dizem respeito ao 23 países onde o aborto é permitido pela simples opção da gestante. É o

caso de algum dos países mais populosos do mundo – China, Rússia, países da antiga união

soviética, Estados Unidos e a metade dos países da Europa – correspondendo 40% da

população mundial. Nos países muçulmanos, de uma maneira geral, além da áfrica e a

America Latina contam com poucas indicações de abortos legais, executados apenas os casos

de estupro e risco de vida materna. (TESSARO, 2008).

Importante ressaltar que, ocorre uma combinação de indicações e prazo para

autorizar interrupção voluntaria da gravidez. Constituem exemplos de países cujas legislações

autorizam à gestante interromperem a gravidez quando a risco de vida para sua saúde mental,

do feto ou lesão deste: Alemanha, África do Sul, Bélgica, Bulgária, Canadá, Dinamarca,

Espanha, (porém, condiciona a interrupção nos primeiros três meses de gestação, quando esta
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é motivada pelo abalo a saúde mental da mulher), Gana, Reino Unido, Grécia, Holanda, Índia,

Israel, Itália, Luxemburgo, Portugal e Turquia. Contudo, na Suíça e no Peru, estas indicações

às hipóteses em que há perigo para a saúde psíquica da gestante. (RIBEIRO, 2000, p. 96).

Na Alemanha, após a decisão da mãe e do médico a gestante será submetida

a um acompanhamento, sendo que a interrupção da gestação deverá ocorre no prazo mínimo

de três dias após este aconselhamento. Esta intervenção não deverá ser realizada pelo médico

que decidiu, juntamente com a mãe, pela interrupção da gravidez. Quando a interrupção for

motivada pela malformação do feto, deverá ser realizado nas primeiras 22 semanas. Já,

quando for razão do dano a saúde física ou mental da mulher, não é condicionada a nenhuma

prazo. No entanto apesar de serem gratuitas, muitas alemãs procuram outros países para

realizar esta cirurgia, pois muitos hospitais se recusam a realiza – lá por motivos

sociopsicológicos. (RIBEIRO, 2000, p. 97).

Similarmente, com relação ao procedimento de aconselhamento psicológico,

na Dinamarca a interrupção será decidida por quatro profissionais de saúde. Se a gestante for

menor de 18 anos, exigisse o consentimento de seus pais para realização de tal procedimento.

Quando for requerida pela mulher, o prazo para a execução e de 12 semanas. Os hospitais

ficam obrigados a realizar a interrupção quando procurados nas 12 primeiras semanas, sendo

reembolsados pelo próprio Estado. Entretanto somente as residentes no país podem ser

beneficiados por esta intervenção médica. (RIBEIRO, 2000, p. 97-98).

Por sua vez, a legislação da Espanha permite a realização do abortamento de

grave risco à vida ou a saúde física ou psíquica da gestante, hipótese em que o procedimento

poderá ser realizado em qualquer momento. Se a gravidez for decorrente de estupro, sua

interrupção poderá ocorre até as 12 primeiras semanas quando se presumir que o feto nascerá
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com grave doença física ou psíquica esta operação deverá ocorre dentro das 22 primeiras

semanas de gestação mediante o consentimento expresso de mais dois médicos especialistas.

A legislação espanhola exige que a interrupção seja executada por médico distinto daquele

que fez diagnóstico. Na prática, tem prevalecido na Espanha um conceito muito abrangente de

risco a saúde psíquica da mulher e que amplia a possibilidade de aborto legal (RIBEIRO,

2000, p.97-98).

Já na França, a primeira legislação que dispões sobre a interrupção

voluntaria da gravidez data de 1975, sendo que em razão da previsão de vigência por cinco

anos, foi ratificado por uma nova lei, em 1979, a qual sofreu algumas modificações em 2001.

Nesse sentido, durante as 12 primeiras semanas de gestação, a pedido da gestante, a gravidez

poderá ser interrompida se lhe causar forte angústia, ou, a qualquer tempo quando haja risco à

sua vida ou saúde, ou ainda, exista grande probabilidade de que o feto venha a sofrer, após o

nascimento, de doença grave e incurável no momento do diagnóstico. A recente alteração

legislativa tornou facultativa para as gestantes adultas a consulta prévia para aconselhamento

e informação. O Estado custeia 70% das despesas hospitalares, assegurando ao médico o

direito à objeção de consciência (SARMENTO, 2006, p. 120).

Da mesma forma, na Holanda a interrupção voluntaria da gravidez poderá

ser realizada durante as treze primeiras semanas de gestação, independente de uma indicação,

e até a 24 semana, no caso da gestação lhe causarem forte angústia. Em ambas as hipóteses

um médico deverá assegurar que a decisão e a interrupção. O Estado reembolsa totalmente os

custos da operação (TESSARO, 2008, p. 40-41).

No Reino Unido, o aborto é permitido durante as 24 primeiras semanas,

desde que motivado por razões sociais, sociomédicas, socioeconômicas ou, ainda, no caso de
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risco de lesões severas para a vida da gestante. Quando realizada em hospital público, não

haverá custo para paciente. Outrossim, se a gestante for menor de 16 anos, a intervenção

deverá ser precedida pelo consentimento de dois médicos e da autorização dos pais

(TESSARO, 2008).

De modo semelhante, na Grécia, se a interrupção da gravidez ocorrer em

virtude de razão médicas-psicológicas, deverá ser executada nas 20 primeiras semanas. Se for

o caso motivado pela malformação do feto, deverá ocorrer nas primeiras 24 semanas. Exige-

se o consentimento dos pais se a mãe for menor (RIBEIRO, 2000, p. 98).

Em Portugal, com a reforma do Código Penal, em 1997, o prazo para

interromper a gestação, quando o nascituro padecer de grave doença ou malformação

congênita, foi alterado para 24 semanas de gestação. Quando for indicado preservar a vida ou

a saúde física ou psíquica da mãe, deverá ocorrer nas 12 primeiras semanas primeiras semanas

de gravidez. Em se tratando de fetos inviáveis, este procedimento poderá ser praticado a

qualquer tempo. O médico que indicar a interrupção, por meio de prévio atestado, não deverá

conduzir a operação. O consentimento materno deverá ser obtido com antecedência mínima

de três dias da data da intervenção. Se for impossível obter a autorização, e a realização da

interrupção for de caráter urgente, o médico decidirá, e quando possível auxiliado por parecer

de outro médico (RIBEIRO, 2000, p. 99).

Por fim, na Itália, após a corte Constitucional ter declarado em 1975 a

inconstitucionalidade parcial no art. 546 do Código Penal italiano, o qual punia

indistintamente o aborto, em 1978 foi editada uma lei que regulamentou detalhadamente a

interrupção da gravidez. De acordo com o referido diploma, durante os primeiros noventa dias

da gestação, a gestante poderá solicitar a realização do aborto nas hipóteses em que sua saúde
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física ou psíquica esteja em risco; comprometimento das suas condições econômicas, sociais

ou familiares; em razão das circunstancias em que ocorreu a concepção; ou nas hipóteses se

má formação fetal (SARMENTO, 2006, p. 122-123).


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CONCLUSÃO

Conforme exposto e defendido neste trabalho, conclui-se com todos os

argumentos apresentados, a necessidade de uma legalização para interrupção terapêutica dos

fetos com anencefalia.

Conforme exposto, a aceitação da sociedade alterou-se juntamente com o

avanço da medicina. Diagnósticos médicos, que permitem a identificação de inúmeros

problemas dentro do ventre materno, constatam, que uma vez identificado a anomalia fetal,

este na verdade, dará seguimento a um processo de morte, visto a inviabilidade da vida extra-

uterina do feto. Além de submeter à gravidez da mulher a consideráveis riscos de ordem física

e psicológica.

Logo, traduz-se na mais completa avaliação do ser humano, antecipar o fim

da gestação, visto que não há objeto jurídico a ser tutelado, o que dá causa a atipicidade ou

exclusão de ilicitude da conduta, em outras palavras, não se trata de um ser que possui vida.

Intenta-se, apenas, antecipar o parto e o fim de todo o sofrimento que a anomalia fetal já

trouxe à mulher.

Os novos paradigmas e descobertas, apresentados por premissas, à luz da

medicina e do diagnóstico pré-natal, traz a certeza da inviabilidade de vida, que superam as

expectativas expressas em nosso ordenamento jurídico, garantindo à gestante a liberdade de

escolha em seu próprio corpo.

Em suma, baseando-se nos argumentos médicos, psicológicos, bioéticos e

jurídicos demonstrados neste trabalho, onde considera-se perfeitamente legítima a interrupção

da gestação de feto inviável, a não legalização do aborto, além de violar os preceitos


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fundamentais da dignidade da pessoa humana, limita os avanços tecnológicos incorporado à

medicina.
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