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A DESCRIMINALIZAÇÃO DO

ABORTO DE FETO
ANENCEFÁLICO FACE AO
SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
Prof. João Ricardo Anastácio da Silva
joaoricardoanastacio@hotmail.com
O que é anencefalia?
Anencefalia é um defeito congênito que começa a se
desenvolver bem no início da vida intra-uterina.

A palavra anencefalia significa “sem encéfalo”, sendo encéfalo


o conjunto de órgãos do sistema nervoso central contidos
na caixa craniana.

Uma criança com anencefalia nasce sem o couro cabeludo,


calota craniana, meninges, mas contudo o tronco cerebral é
geralmente preservado (Müller 1991).

Muitas crianças com anencefalia morrem intra-útero ou


durante o parto. A expectativa de vida para aquelas que
sobrevivem é de apenas poucas horas ou dias (Jaquier 2006).
Pode ser tratada?

Infelizmente não
há tratamento
conhecido para
uma criança com
anencefalia.
ANENCELAFIA TOTAL
ANENCEFALIA PARCIAL
EXPECTATIVA DE VIDA
Como a chamada anencefalia admite vários graus, a sobrevivência do
bebê anencéfalo pode variar muito. Ele pode morrer ainda no útero
materno.

Pode viver:
 sete minutos após o nascimento, como Maria Vida, filha de Gabriela
Oliveira Cordeiro (Teresópolis -RJ),
vinte horas como Thalles, filho de Janaína da Silva César (Brasília –
DF),
quatro dias, como Pedro, filho de Mara Couto dos Santos Monteiro
(Niterói – RJ),
ou três meses, como Maria Teresa, filha de Ana Cecília Araújo Nunes
(Fortaleza – CE).
CASOS RAROS
Há ainda o conhecido caso da menina Manuela Teixeira,
de Sobradinho (DF), que teve seu aborto recomendado aos
sete meses por uma Promotoria de Justiça do Distrito
Federal.
O diagnóstico era de acrania (ausência de calota
craniana). Se a criança houvesse morrido ao ser expulsa, o
aborto teria sido consumado. No entanto, a criança não
morreu ao sair da mãe, embora essa fosse a vontade dos
médicos. Eis as palavras da mãe Gonçala Teixeira:
"Os médicos acreditavam que o parto induzido iria
acelerar a morte do bebê. Eles não deixaram nem eu
amamentar pois diziam que ele ia morrer logo".
TIPIFICAÇÃO DO ABORTO
 Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
 Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
 Pena - detenção, de um a três anos.
 Aborto provocado por terceiro
 Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
 Pena - reclusão, de três a dez anos.
 Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
 Pena - reclusão, de um a quatro anos.
 Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é
alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência
 Forma qualificada
 Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em
conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza
grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
 Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
 Aborto necessário
 I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
 Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
 II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal.
CURIOSIDADES
Em 19 de dezembro de 1992, o
juiz Dr. Miguel Kfouri Neto, de
Londrina, autorizava pela
primeira vez um aborto legal em
feto portador de anencefalia
numa gestação de 20 semanas.
CASO QUE ORIGINOU A ADPF
a questão da legalização do aborto de feto anencefálico só
conseguiu entrar no foco das discussões do Judiciário em
2004, quando a jovem Gabriela de Oliveira Cordeiro,
após percorrer todas as instâncias da Justiça – juízo de 1º
grau em Teresópolis, Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro e Superior Tribunal de Justiça (STJ) – obtendo
decisões conflitantes, teve sua filha, Maria Vida, que
morreu sete minutos depois de nascer, antes que o
Habeas Corpus n.º 84.025-6, impetrado em seu favor, fosse
julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
AJUIZAMENTO DE AÇÃO NO STF
A dúvida quanto à consideração ou não da "antecipação
terapêutica do parto" [02] de feto anencéfalo como uma prática
de aborto não prevista em lei, trouxe exposição aos profissionais
da saúde a processos penais por supostos crimes de aborto.
Por isso, com o objetivo de resguardar a segurança jurídica dos
profissionais da área da saúde, no dia 17 de junho de 2004, a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde
(CNTS), através de seu advogado, Luís Roberto Barroso,
apresentou uma Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) perante a Suprema Corte Brasileira.
CONCEITO DE MORTE
Lei 9434, de 3/2/1997 (conhecida como Lei dos
Transplantes) que "dispõe sobre a remoção de órgãos,
tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e
tratamento e dá outras providências":
Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou
partes do corpo humano destinados a transplante ou
tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de
morte encefálica, constatada e registrada por dois
médicos não participantes das equipes de remoção e
transplante, mediante a utilização de critérios clínicos
e tecnológicos definidos por resolução do Conselho
Federal de Medicina.
DECISÃO DO STF
Por 8 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu autorizar a mulher a interromper a gravidez em
casos de fetos anencéfalos, sem que a prática configure
aborto criminoso. Durante dois dias de julgamento, a
maioria dos ministros do STF considerou procedente
ação movida pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde (CNTS), autora da ADPF 54,
que tramita na Corte desde 2004.
Último ministro a se manifestar, o presidente do STF,
Cezar Peluso, votou contrariamente a interrupção da
gravidez.
DECISÃO DO STJ
 O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu liberar o aborto de feto sem
cérebro e considerou que a interrupção da gravidez nesses casos não é
crime. Atualmente, a lei brasileira considera o aborto como crime, exceto
se houver estupro ou risco de morte da mãe. Para interromper a gravidez
em caso de anencefalia, as mães precisavam de autorização judicial.

 Relator da ação, proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos


Trabalhadores na Saúde, o ministro
Marco Aurélio Mello votou a favor da descriminalização do aborto
de fetos sem cérebro. O ministro defendeu que é inconstitucional a
interpretação segundo a qual interromper a gravidez de feto anencéfalo é
crime previsto no Código Penal. Os ministros Rosa Weber, Joaquim
Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de
Mello acompanharam o relator. Ricardo Lewandowski e o presidente da
corte, ministro Cezar Peluso, votaram contra a liberação.
ANÁLISE DOS VOTOS

 Marco Aurélio, relator


Votou a favor da liberação do aborto de feto anencéfalo

"Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em
potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível.
O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado
por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de
proteção estatal. [...] O anencéfalo jamais se tornará uma
pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas
de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida."
ANÁLISE DOS VOTOS

Rosa Weber
Votou a favor da liberação do aborto de feto anencéfalo

"É de se reconhecer que merecem endosso as opiniões


que expressam não caber anencefalia no conceito de
aborto. O crime de aborto quer dizer a interrupção da
vida e, por tudo o que foi debatido nesta ação, a
anencefalia não é compatível com essas características
que consubstanciam a ideia de vida para o direito."
ANÁLISE DOS VOTOS

Joaquim Barbosa
Votou a favor da liberação do aborto de feto anencéfalo
Obs. O ministro não apresentou seu voto no
julgamento porque precisou deixar a sessão e apenas
pediu a juntada de seu voto aos autos.
ANÁLISE DOS VOTOS

Luiz Fux
Votou a favor da liberação do aborto de feto anencéfalo

"Um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo,


inconsciente e incapaz de sentir dor. Apesar de que
alguns indivíduos com anencefalia possam viver por
minutos, a falta de um cérebro descarta
complementamente qualquer possibilidade de haver
consciência. [...] Impedir a interrupção da gravidez sob
ameaça penal equivale à tortura."
ANÁLISE DOS VOTOS

Cármen Lúcia
Votou a favor da liberação do aborto de feto anencéfalo

"Não é escolha fácil. É escolha trágica. Sempre é


escolha do possível dentro de uma situação
extremamente difícil. Por isso, acho que todas as
opções são de dor. Exatamente fundado na
dignidade da vida neste caso acho que esta
interrupção não é criminalizável."
ANÁLISE DOS VOTOS

Ricardo Lewandowski
Votou contra a liberação do aborto de feto anencéfalo

"Não é lícito ao maior órgão judicante do país


envergar as vestes de legislador criando normas
legais. [...] Não é dado aos integrantes do Poder
Judiciário promover inovações no ordenamento
normativo como se parlamentares eleitos fossem."
ANÁLISE DOS VOTOS
 Ayres Britto
Votou a favor da liberação do aborto de feto anencéfalo

"O feto anencéfalo é um crisálida que jamais, em tempo


algum, chegará ao estágio de borboleta porque não alçará voo
jamais. [...] Não se pode tipificar esse direito de escolha [da
mulher] como caracterizador do aborto proibido pelo Código
Penal. [...] Levar esse martírio às últimas conseqüências
contra a vontade da mulher equivale a tortura, a martírio
cruel.[...] É preferível arrancar essa plantinha ainda tenra do
chão do útero do que vê-la precipitar no abismo da sepultura."
ANÁLISE DOS VOTOS

 Gilmar Mendes
Votou a favor da liberação do aborto de feto anencéfalo

"O aborto de fetos anencéfalos está compreendido entre as duas


causas excludentes já prevista no Código Penal [estupro e risco de
morte para mãe], não citada pelo legislador de 1940 até pelas
limitações tecnológicas, imagino. [...] Não parece tolerável que se
imponha à mulher esse tamanho ônus à falta de um modelo
institucional adequado para resolver esta questão. [...] A falta de
modelo adequado contribui para essa verdadeira tortura psíquica
e física causando danos talvez indeléveis na alma dessas pessoas."
ANÁLISE DOS VOTOS

Celso de Mello
Votou a favor da liberação do aborto de feto anencéfalo

"O crime de aborto pressupõe gravidez em curso e que o


feto esteja vivo. E mais, a morte do feto vivo tem que ser
resultado direto e imediato das manobras abortivas. [...]
A interrupção da gravidez em decorrência da
anencefalia não satisfaz esses elementos. [...] A
interrupção da gravidez é atípica e não pode ser taxada
de aborto, criminoso ou não."
ANÁLISE DOS VOTOS

 Cezar Peluso
Votou contra a liberação do aborto de feto anencéfalo

"Ao feto, reduzido no fim das contas à condição de lixo ou de outra coisa
imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor
consideração ética ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade
jurídica que lhe vem da incontestável ascendência e natureza humana. Essa
forma de discriminação em nada difere, a meu ver, do racismo e do sexismo e
do chamado especismo. Todos esses casos retratam a absurda defesa em
absolvição da superioridade de alguns, em regra brancos de estirpe ariana,
homens e ser humanos, sobre outros, negros, judeus, mulheres, e animais. No
caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do ser
poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a um
incapaz de prescendir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa."
ANÁLISE DOS VOTOS

O ministro Dias Toffoli se declarou impedido de


participar do julgamento por ter participado do
processo enquanto era advogado-geral da União e
ter emitido parecer a favor da legalidade da
interrupção da gravidez nos casos de fetos sem
cérebro.

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