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NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

História do Direito

Plano de Aula

O Direito na Idade Média

Direito Canônico
O processo inquisitorial

Dentre as diferentes fases históricas da humanidade, aquela que talvez mais dúvidas
suscite, é o período medieval. Falar em medievo remete-nos sempre a um período de
obscuridade, sendo tratado como “idade de trevas”. Não obstante, a era medieval pode ser
considerada imprescindível para compreendermos o significado da formação do direito
moderno, do Estado moderno, e de toda a organização social e política a que chamaremos
modernidade.

O direito medieval é calcado num processo de descentralização política, relativismo,


sobreposição e disputa de poder entre grupos variados, fruto da crise do Império Romano, de
um processo de perda de efetividade, que culminará com as conhecidas invasões bárbaras.

A Idade Média é constituída por dois grandes períodos: a alta idade média, que se
estende dos séculos V a IX , é marcada pelos direito romano e germânico, bem como pela
formação e desenvolvimento do direito canônico; e a baixa, dos séculos IX a XV, pelo direito
feudal e pelo renascimento do direito romano nas universidades. Podemos, pois, vislumbrar
esse momento histórico embasado na vigência de quatro grandes ordenamentos jurídicos: um
direito de povos germânicos; o direito oriundo da organização eclesiástica, chamado de direito
canônico; o direito feudal; e um processo de sobrevivência e renascimento do direito romano.

A organização jurídica dos povos germânicos: Fruto de um processo de


descentralização política, a Europa medieval e a antiga organização política romana tiveram
seus territórios invadidos por uma multiplicidade de povos, a quem os romanos designaram
bárbaros1. Tais povos, mais conhecidos e melhor designados por germânicos possuíam, quanto
ao seu direito, formações jurídicas calcadas na oralidade e no costume, com cada tribo
dispondo de uma tradição própria, tal é a característica de direito consuetudinário.

O direito canônico: A Igreja era a força espiritual de longe mais importante; era a
mais coerente e mais extensa organização social da Idade Média; a sua ordem jurídica interna
era a mais poderosa da Idade Média (Wieacker, 1967, p. 67). O direito canônico, assim, é um
direito religioso, retirando suas regras de princípios divinos, revelados nos livros sagrados, o
Antigo e o Novo Testamento. É o direito de todos os que adotam a religião cristã, onde quer
que se encontrem.
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Os gregos, depois os romanos, designavam pelo nome de bárbaros todos os povos declaradamente
estrangeiros, rebeldes à sua civilização, seu modo de vida, suas estruturas econômicas e sociais, sua
cultura, e mesmo à sua língua. De fato, o bárbaro, ao longo de todo o Império, é o homem das estepes
ou das florestas, nômade mesmo nas cidadelas de agricultores, incapaz em todo caso de assimilar a
civilização greco-romana, essencialmente urbana.

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Sendo assim, vemos uma grande primazia do direito canônico na Europa,
principalmente por seu caráter unitário, sua predominância escrita, uma grande supremacia na
regulação do direito privado. O direito canônico teve uma importância crucial na formação e
manutenção das instituições e da cultura jurídica ocidental. Toda a reorganização da vida
jurídica europeia, com o desenvolvimento das cortes, dos tribunais, e das jurisdições tem
influência do direito da Igreja.

Foi a partir do século VIII que o Direito Canônico começou a ser chamado assim. Até
o Decreto de Graciano em 1140, o direito canônico não era uma ciência autônoma em relação
à teologia. Depois do Decreto até o Concílio de Trento cada vez mais a ciência canônica toma
uma direção própria, e com a promulgação do primeiro código em 1917, alcança o seu auge
como ciência jurídica dentro da Igreja.
O Direito Canônico foi, durante a maior parte da Idade Média, o único direito escrito;
foi redigido, comentado e analisado a partir da Alta Idade Média e prossegue até os nossos
dias. A Igreja admitiu (quase sempre) a dualidade de dois sistemas jurídicos: o direito religioso
e o direito laico.
A religião cristã se impôs na Idade Média por toda parte, adquirindo um caráter
unitáio. Certos domínios do direito privado foram redigidos exclusivamente pelo direito
canônico, os conflitos nessa área eram resolvidos pelos tribunais eclesiásticos, com exclusão
dos tribunais laicos.
A finalidade do Direito ou Código Canônico se resume no fato de que a Igreja,
constituída como corpo social visível, precisa de normas: para que se torne visível sua
estrutura hierárquica e orgânica; para que se organize devidamente o exercício das funções
que lhes foram devidamente confiadas; para que se componham, segundo a justiça inspirada
na caridade, as relações mútuas entre os fiéis e finalmente para que as iniciativas comuns
empreendidas em prol de uma vida cristã mais perfeita, sejam apoiadas, protegidas e
promovidas pelas leis canônicas.
Dentre as discussões sobre o direito medieval de origem eclesiástica, temos ainda
que salientar a Reforma Gregoriana e o significado político do Tribunal do Santo Ofício.

A Reforma Gregoriana, levada a cabo pelo Papa Gregório VII, teve como objetivo um
processo de autonomização e centralização da Igreja, a partir de um movimento conhecido
como Querela das Investiduras, que cerceou nas mãos do pontífice o processo de nomeação
de bispos (o único senhor da cidade, encarna a única força espiritual do momento e, muitas
vezes, identifica-se mesmo com a “nação” romana), o que culminará com a organização de um
poder político, que será a origem do Estado Moderno: dominação burocrática, racional, legal e
formal (Weber, 1999). A partir da reforma, inaugura-se o modelo que irá vigorar na Europa até
o período das reformas, no século XVI, da Igreja constituindo-se em poder paralelo ao Estado.

O Tribunal do Santo Ofício ou Tribunal da Inquisição surgiu como um tribunal


especial para julgar e condenar os hereges.

A palavra heresia significa escolha, a partir da manipulação imposta pela Inquisição


tornou-se um termo genérico e com conotação depreciativa a partir do qual incluíam
aleatoriamente quaisquer condutas que fossem consideradas contrárias, novas ou
simplesmente diferentes do stablishment. O objetivo primordial não era a imposição da
sanção ao suposto infrator. Na verdade, consistia em um instrumento com o qual, pelo medo
generalizado, impunha uma forma única de visão de mundo, de estruturação dos poderes

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oficiais e de estratificação social, escoradas em argumentos religiosos. A vinculação do poder
da fé ao poder político e jurídico conferiu à Inquisição espanhola, na prática e no senso
coletivo, a condição de uma das mais nefastas e tenebrosas realizações da humanidade.

Características do Tribunal do Santo Ofício:

(a) o direito de acusar pertencia somente à parte lesada, com uma diferenciação na
aplicação das penas entre nobres e plebeus. A origem do processo baseava-se
em acusações secretas, os atos e provas eram mantidos em segredo e a prova
testemunhal era a mais utilizada. Além disso, a prova de confissão era a mais
importante, sendo na maioria das vezes alcançada mediante tortura. Os juízes
eram livres para interpretar as leis, além de poderem utilizar penas variadas;

(b) O processo era instaurado de ofício, a mando do inquisidor, perdendo o caráter


de contraditório, com a utilização da tortura como ato formal, sempre que
houvesse indícios;

(c) Nos Tribunais do Santo Ofício, podiam acontecer três tipos de processo: por
acusação, por denúncia, por inquérito. A investigação do processo resumia-se a
perguntar às pessoas informadas ou envolvidas no caso; aceitavam-se denúncias
de qualquer categoria de pessoas e mesmo cartas anônimas;

 O processo penal acusatório era um sistema de julgamento irracional, a


ação penal só poderia ser desencadeada por uma pessoa privada, que
seria a parte prejudicada. O juiz era um árbitro imparcial, que orientava o
processo, mas nunca julgava o acusado. Em caso de dúvidas, a
determinação da culpa ou inocência era feita de modo irracional, era
colocado nas mãos de Deus. A forma utilizada era chamada de Ordálio e
suas práticas eram diversas;
 O processo por inquérito substituiu o processo acusatório , alterando o
sistema penal, atribuindo racionalidade ao sistema. No processo por
inquérito oficializou-se todas as etapas do processo judicial a partir da
apresentação da denúncia. O juiz já não era mais um árbitro imparcial,
ele e os demais oficiais do tribunal assumiam a investigação dos crimes e
determinavam e a culpabilidade ou nao do réu, tudo registrado por
escrito.
 A tortura era o meio utilizado pelos inquisidores para obterem a
confissão ou informação de uma pessoa acusada. Argumentava-se que
quando uma pessoa fosse submetida ao sofrimento físico durante o
interrogatório, confessaria a verdade.
 O condenado era obrigado a confessar sua culpa em uma igreja e a pedir
perdão na frente de uma multidão, esse evento era denominado autos-
de-fé. Em seguida, era conduzido ao cadafalso, em praça pública, onde
seria queimado pelo carrasco. Durante a execução a sentença era lida em
público para que todos tomassem ciência dos malefícios por eles
praticados.
 Após a morte na fogueira, os bens da pessoa executada eram confiscados
a pretexto de prover as custas do processo e os familiares passavam a ser

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investigados, uma vez que a prática de certos crimes era considerada
hereditária.

(d) O processo inquisitorial faz surgir um novo personagem: o inquisidor, um


acusador oficial que irá representar o Estado de forma ordenada e racional;

(e) A Inquisição exercia também uma severa vigilância sobre o comportamento


moral dos fiéis e censurava toda a produção cultural bem como resistia
fortemente a todas as inovações científicas. Era composta por tribunais
Eclesiásticos e Seculares que julgavam todos aqueles considerados uma ameaça
às doutrinas da Igreja. Todos os suspeitos eram perseguidos e julgados, e aqueles
que eram condenados, cumpriam as penas que podiam variar desde prisão
temporária ou perpétua até a morte na fogueira, onde os condenados eram
queimados vivos em plena praça pública;

Referências

BOLTON, B. A Reforma na Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1985, p.126.


BARRACLOUGH, G. Os Papas na Idade Média. Lisboa: Verbo, 1973;
GALLEGO BLANCO, E.Relaciones entre la Iglesia y el Estado en la Edad Media. Madrid : Revista
de Occidente, 1973;
MADEIRA, Ligia Mori. A história do direito medieval: heranças jurídico-políticas para a
construção da modernidade.

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