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“ Temas de História de Portugal

Jean-Frédéric Schaub
Portugal na Monarquia Hispénica (1580-1640)
Jean-Frédéric Schaub
O Fim do Império Português
António Costa Pinto
PROXIMOS VOLUMES:
Histéria do Pensomento Econémico Portugués i
José Lufs Cardoso |
As Misericérdias Portuguesas de D.
Manuel I a Pombal
. \
Isabel dos Guimardes Sá i
* Os Judeus em Portugal Í
Isabel Monteiro Portugal na Monarquia Hispânica
(1580-1640)

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A
LDLLUEEvE
colecção
TEMAS DE HISTÓRIA DE PORTUGAL
addddaSS
Coordenadores:
Isabel Cluny e Nuno G. Monteiro
Índice
addUO

INTRODUÇÃO....

AS FORMAS DA COMPOSIÇÃO
NS

Introdução ....
Tomar: as Cortes inaugurais ...
A d ddd

Os termos de um contrato
A referência às Cortes
UEUNSUSS

A polissinodia portuguesa . .
Tnulo: A conservação do organograma..
Portugal na Monarquis Hispánica (1580-1640)
Avtor: As condições da reforma
Jean-Frédéric Schaub _
Capo:
João Segurado A questao militar
Troduçõo:
Lsabel Cardeal Uma convergéncia estratégica
Revisto de traduçõo e Indices: Os efeitos sociais da presenga militar castelhana
Cardim g o
A
© Livros Horizonte, 2001
A monarquia catélica...
SBN 9722412462
Paginaçia/Fotolita: Perante o Islão ...
Gráfica 99, 1da.
A Igreja portuguesa e a Inquisigdo ...
Linpeussic:
Fola & Fihos
sio 2031
Dep. Legal nº 16101 A unido dos homens ...
v As elites portuguesas sob o siguo espanhol ..
B vtk ts iseion G pubiicação
i u parcial pase e lingue purtuguene s AEspanha sob
o signo português - ..o
LIVROS HORZGHTE, LA
B das g, 17°1,# DL~ 1200-106 LISBOA
il Leriabioniasnio® mall Acluc p
Conclusdo..

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0 / Joan-Iôdério Sehaub

AS FONTES DA DISCORDIA

Introdução v i RN TS 55

Oposições 0 dissidência «.c 57


0 sobastinnismo .sn ssn . 57
D. António: guerra o diplomacia v Nr— 60
A dissiddncia tranquila dos Braganga i 63

A autonomia em qQuestão ... TR o . 69


Os presídios e a capitania geral . gn 69
Dificuldades estratégicas ...n s q 71

77
A separação impossível: violagdes dos princípios constitucionais ...n '

83
As formas da rejeição ...
83
Uma longa cronologia das revoltas .
As formas subtis da rejeição 87

0 processo de politizaÇão ...m em mem 91


91
Arbitrismo e circulações textuaiS v
Fragmentação polftica e ISHUCIONAL vt 94

COnClusão ...c s st T R EA EA P e 97
99
Governo de Portugal 1580-1640 ..,
ey ATAN RS 103
Bibliografia posterior à 1980 v
co mmissusssmsssmisssnssresis ssn
Cco uvwumrsms
toponímiti
fndice onome ás 1109

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Introdução

Os sessenta anos do que se costuma designar por período


dos Filipes
(1580-1640) foram geralmente apresentados segundo uma sequência
ternária.
Filipe 1, o Prudente (1580-1598), seria o rei da concórdia; Filipe
II (1598-
-1621), não obslante a sua participação nas Cortes de 1619, o da indife
renga;
Filipe 1 (1621-1640) e o seu favorito Olivares assinalariam os tempo
s da
hostilidade e da ruptura, Esta cronologia, estreitamente decalcada sobre
a
sucessdo dos reinados, evoca a que a hisloriogralia catald destac
ou, com a
ressalva, porém, de que, depois do regresso da Catalunha a Monarquia His-
pinica, em 1652, os reinados de um Filipe IV em lim de vida ¢ de Carlos 1l
seriam caraclerizados pela reconciliagio e pelo ])uclo( Além disso, a
historiografia portuguesa erudita do século xix chrle do século xx, apoian-
do-se nas tradigdes textuais que remontam aos discursos politicos contem-
pordneos da Reslauragio e das suas juslificagoes, tendeu a analisar a unido
das coroas e da viragem dindstica de 1640 em termos de perda e de recupera-
ção da soberania nacional portuguesa. A grelha de leitura entao aplicada em
nada se distingue daquelas a que recorrem os historiadores das relagdes in-
ternacionais contempordneas ou das ciéncias politicas da Europa liberal. Não
toma em consideragdo as formas de agregagao territorial proprias das monar-
. quias de Antigo Regime nem os debates teóricos sobre a emergéncia da sobe-
* . rania polftica nas sociedades de corpos.
Este breve trabalho tem por ambição fornecer as chaves da compreensao
deste perfodo da histéria de Portugal, adoptando um ponto de vista critico
Y em relagio as tradigdes historiogréficas que continuam actuais. Por um lado,
W afastar-se-á da cronotipologia dos reinados acima evocada, Por outro, propo-
) rá uma andlise desta etapa a partir dos conhecimentos adquiridos da histéria
W ),P politica e institucional que põe em causa a noção de Estado moderno absolu-
tista e a pertinência do conceito de nação política quando aplicado às popu-
“ ;)3)4), lações
do Antigo Regime. De uma forma mais genérica, a tónica será colocada
N 9 nadimensao politica e cultural do problema, Os nossos conhecimentos sobre
P 94 e
AR TP Y

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10/ Jean-Fréddric Schaub
)
y 9 h

.~ o história sociosconómica deste perfodo nlnãu são muito escassos para que
NN
KN
possamos arriscar uma tentativa de sfntese. A dimensão imperial ou ultrama-
rina, som estar ausente, não dirigirá a ordem da exposição, ainda que se pu-
desso porfeitamente consjderar a questão do Portugal dos Habsburgo a partir
da gestão das colónín%dnvia, o conhecimento mais profundo que foi re-
centemente adquirido sobre a história política do Portugal europeu no perfo-
do filipino merece ser objecto de uma síntese. Assim sendo, o acento será

A exposição não seguirá a ordem clássica dos trés reinados. Afigurou-se


mais eficaz identifi i rmentos discór-
de
dia que permitem compreender melhor tanto a significativa duragio da.uniio
COMO as causa
usas.da desunião. Com efeito, registam-se manifestações de hosti-
lidade contra a nova dinastia de Habsburgo desde os primeiros anos do reina-
do de Filipe 1l e, a contrario, é possível fazer a demonstração dla cunsuli?&çúo
dos lagos entre o reino e a corte madrilena até ao tempo de Olivareg{ Um
breve ensaio de sintese não poderia sacrificar esla complexidade, a thenos
que repetisse, sem os alterar, os lugares-comuns mais enraizados nas memé-
rias e préticas pedagégicas contemporaneas. A nossa ambigio consiste em
oferecer ao leitor uma introdução aos estudos sobre o Portugal dos Habsburgo.
Não se trata portanto de oferecer um compéndio que sumarie o conjunto dos
“ conhecimentos hoje disponiveis acerca desta fase importante da histéria por-
tuguesa, hispéinica e europeia,
Qualquer divisão do passado histérico fundada no uso de nogdes analiti-
cas produz efeitos de conhecimento discutiveis. Assim, ao propor como
fio
condutor da exposição a identificagio dos [actores que favorecem
a união e
dos que podem explicar a desunião, dotamo-nos dos meios
que nos podem
libertar das tipologias herdadas. Ao mesmo tempo, validamos
a ideia segun-
do a qual a época dos Habshurgo na histéria partuguesa tem nece
ssariamente.. * |
L.

de ser compreendida-e-estudada.na perspectiva do question |


amento sobre a
União dinástica, Ora, importantes estudos sobre assuntos tão
diversificados * L—-\\\,_
quanto a Inquisigao, a reforma catélica, a vida econémica e
social, a socio-
-histéria do livro e da leitura, as estruturas Institucio
nais da monarquia por-
tuguesa, a evolução das diferentos componentes
do Ultramar, para dar apenas
alguns exemplos, mostraram nos últimos vinle
anos tudo o que a divisão
cronolégica 1580-1640 pode tor de atificial,
Acellar manter o «Portugal dos
{"ilipesw como objecto legitimo de Interrog
agdes não significa que se deva
ingenuam ente atribuir a este perfodo uma existéncia como um camp
o fecha-
do sobre si mesmo, Mas, ao aceitar entrar no jogo, torna-se inevitdv
quesléo da união como o el tomar a .g-)
fio condutor da reflexão, Do passagem,
esta viva oposição entre veremos que
dinâmicas contrífuga e centrípeta poda
ser engana-
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1 . Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640) / 11

%, dora e que numerosas situações podem relevar simultaneamente de uma 16-


4 o gica da união e da desunido. Baralhar as cartas desta problemaética deve
tam-
’\gr y bém permitir-nos ultrapassá-la. ,
' . — TalcomoFernand Braudel sahentou consistentemente, a entrada da
co-
( roa portuguesa na Monarquia Hispanica, sob a forma de uma união dinásti-
v o E constitui um acontecimento notével na histéria europeia. Não se trata de
uma peripécia na histéria das más relações entre dois vizinhos ao mesmo
tempo préximos e hostis. Se, como tanto se gosta de dizer, Filipe I nunca
' teve “uma grande estratégia”, esta não podia deixar de ser condicionada pelc

>
: ideal da Monarquia Universal. Ora, a oportunidade de unir numa mesma
” mouarqma todas as coroas oriundas da recomposicao da Peninsula Ibérica,
" durante os longos séculos da Reconquista, tendo escapado ao rei D. Manuel,
; o infcio do século, apresentou-se ao filho de Carlos V. Ainda mais do que o
Ãeu pai, Filipe II podia considerar ter mostrado a via da reunificação da Cris-
“*"fandade no grande projecto metafísico e político de união universal na igreja
de Cristo. Tudo o que fracassava na Flandres encontrava na unidade ibérica
m uma extraordinária compensação, tanto mais que o casamento se fazia entre
P dois imensos impérios.
(% . , Destemodo,não6é possivel compreender a captação de Portugal segundo
|conquista territorial do mais fraco pelo mais forte. Como
Relação com foi possível mostrar, a propaganda orquestrada por Filipe II e os seus embai-
BOUZA í xadores em Portugal no período 1578-1580 mobiliza, tal como 6 sebastianismo,
o texto de

\ o registo da consumagao escatolégica, ou como, sessenta anos mais tarde, os


2 partidérios de Jodo IV mobilizarao o registo mais particular da restauração de
:} ;5 : Portugal. Porque a devolugéo da coroa de Avis ao rei Habsburgo adqmre tam-
~
bém os contornos de saida de uma grande crise.
O fim crepuscular e sublimado da dinastia de Avis, marcado pela santa
" esterilidade de Sebastido, principe casto e martir da fé, e pela senilidade não
í í menos estéril do cardeal-rei D. Henríque, antigo inquisidor-mor do reino,
¢ enquantoosilênciodos ausentes, mortos em Alcácer-Quibir ou cativos numa
3- \,»‘ qualquer cidade de Marrocos, se abate sobre milhares de lares, tem qualquer
? f J ’Wcoxsa de um sacriffcio ou de um castigo sobrenatural /£ nesta arena que os
— Y\) s 3"‘,)7 homens que fizeram a politica portuguesa de Filipe II, a comegar por Cristé-
de Moura, futuro marqués de Castelo Rodrigo, trabalharam para o suces-
' o desta devoluçaoComo se sabe, Filipe II fez uso de todos os registos para
nseguir realizar a sua empresa. Reler-se-ão essencialmente quatro: o domi-
nid d)p]onmlfco,} no qual os seus enviados convencem o velho cardeal
% o .D. Henrique e depois a junta dos governadores do cardcter descjdvel da unido;
o dominid no qual a corle de Madrid toma toda a Europa como tes-
[ ” temunha parademonstrar que os seus direitos à sucessão, na qualidade de
nelo de D, Manuel, eram superiores aos direitos de todos os outros preten-

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DOMÍNIOS

12/ Jean-Frédéric Schaub


- DIPLOMÁTICOS

N
- JURÍDICOS
- MILITAR
- CONTRATUAL

X N
“X“. í&àentes, particularmente aos de Catarina, duquesa de Braganga; o dominio
;g\ militar, no qual o duque de Alba foi mobilizado para submeter pela forga as
, W — câmaras municipais que haviam cometido o erro de apoiar os direitos de
* D. Anténio, prior do Crato, e de o reconhecerem como seu rei; e finalmente o
domínio contratual, no qual, no recinto improvisado do convento de Tomar e
perante a reunião dos três estados em Cortes, Filipe II se comprometeu-a
respeitar escrupulosamente a imunidade jurisdicional do reino e a separação
simbólica da coroa portuguesa, em troca de uma proclamação que geralmente
não se fazia. Eu herdei, eu comprei, eu conquistei

Exprimo aqui os meus agradecimentos a dois autores que me permitiram


ler os seus trabalhos que se encontravam ainda no prelo no momento em que
redigia este livro: Fernando Bouza Alvarez, pela compilação dos seus artigos
mais importantes sobre o Portugal dos Filipes publicada pela Cosmos no ano
2000, e Diogo Ramada Curto porA cultura política em Portugal (1578-1642).
Comportamentos, ritos e negdcios, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, tese
de doutoramento inédita, 1994. Para além da consulta do seu manuscrito,
Fernando Bouza foi, desde que comecei a reflectir sobre este tema, um inter-
locutor de todas as ocasides, um companheiro de pesquisa, um guia cuja
generosidade se tornou lendé4ria no mundo académico e, sobretudo, um ami-
go. A escolha por este dominio de pesquisa foi determinada pelo encontro
com Anténio Manuel Hespanha em 1989. Desde essa data, gozei da felicida-
de de pertencer à “familia” que este antropélogo conhecedor profundo dos
nossos Antigos Regimes soube conslituir em torno da sua obra e da sua pes-
soa, e foi por seu intermédio que me foi possivel debater indefinidamente
com Mafalda Soares da Cunha, Nuno G. Monteiro, Pedro Cardim, Angela
Barreto Xavier, Ana Cristina Nogueira da Silva, Catarina Madeira dos Santos.
Na critica dos paradigmas historiograficos oriundos do pensamento nacio-
nal-liberal do século passado, que se mantém tão forte nos nossos espiritos,
fui sempre muito encorajado por Joaquim Romero Magalhaes, atento as
pesquisas dos mais jovens. Finalmente, estes agradecimentos não podem mais
do que lembrar que é a Bernard Vincent que devo o facto de ter podido
conduzir estes estudos e que é em conjunto que, no quotidiano, tentamos
compreender as diferentes componentes do antigo mundo ibérico.

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12/ Jean-Frédéric Schaub
V
Y
WS
_X“N“(àemes particularmente aos de Catarina, duquesa de Bragança; o domínio
é J\\‘ militar, no qual o duque de Alba foi mobilizado para submeter pela força as
N câmaras municipais que haviam cometido o erro de apoiar os direitos de
: D. António, prior do Crato, e de o reconhecerem como seu rei; e finalmente o
domínio contratual, no qual, no recinto improvisado do convento de Tomar e (
perante a reunião dos trés estados em Cortes, Filipe II se comprometeu-a
respeitar escrupulosamente a imunidade jurisdicional do reino e a separagao
simbélica da coroa portuguesa, em troca de uma proclamagao que geralmente
não se fazia.

Exprimo aqui os meus agradecimentos a dois autores que me permitiram


ler os seus trabalhos que se encontravam ainda no prelo no momento em que í
redigia este livro: Fernando Bouza Alvarez, pela compilação dos seus artigos
mais importantes sobre o Portugal dos Filipes publicada pela Cosmos no ano
2000, e Diogo Ramada Curto porÀ cultura política em Portugal (1578-1642).
Comportamentos, ritos e negócios, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, tese '
de doutoramento inédita, 1994. Para além da consulta do seu manuscrito,
Fernando Bouza foi, desde que comecei a reflectir sobre este tema, um inter-
locutor de todas as ocasiões, um companheiro de pesquisa, um guia cuja
generosidade se tornou lendária no mundo académico e, sobretudo, um ami-
Bo. A escolha por este domínio de pesquisa foi determinada pelo encontro
com António Manuel Hespanha em 1989. Desde essa data, gozei da felicida-
de de pertencer à “familia” que este antropólogo conhecedor profundo dos
nossos Antigos Regimes soube constituir em torno da sua obra e da sua pes-
soa, e foi por seu intermédio que me foi possível debater indefinidamente
com Mafalda Soares da Cunha, Nuno G. Monteiro, Pedro Cardim, Ângela
Barreto Xavier, Ana Cristina Nogueira da Silva, Catarina Madeira dos Santos.
Na crítica dos paradigmas historiográficos oriundos do pensamento nacio-
nal-liberal do século passado, que se mantém tão forte nos nossos espíritos,
fui sempre muito encorajado por Joaquim Romero Magalhães, atento às
pesquisas dos mais jovens. Finalmente, estes agradecimentos não podem mais
do que lembrar que é a Bernard Vincent que devo o facto de ter podido i
conduzir estes estudos e que é em conjunto que, no quotidiano, tentamos
compreender as diferentes componentes do antigo mundo ibérico.

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esa do Bragança; o domínio
pura submeter pela força as
ro de apoiar os díreitos de
omo seu rei; e finalmente o
do do convento de Tomar e
ilipe 1l se comprometeu a
onal do reino e a separagio
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oclamação que geralmente

1tores que mo permftiram


relo no momento em que
pilagdo dos sous artigos
ada pela Cosmos no ano
m Portugal (1578-1042).
do Nova de Lishoa, tose
Ita do sou manuscrito,
re este tema, um Ínter-
esquisa, um gula cuja
¢, sobretudo, um ami-
minada pelo encontro
lata, gozei da fellcida-
ecedor profundo dos
ua obra 6 da sua pes-
1ter indefinidamente
dro Cardim, Angela
Madeira dos Santos.
pensamento nacio-
0s nossos espíritos,
igalhães, atento às
os não podem mais
cto de ter podido
lidiano, tentamos
ibérico.

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Oacdoc V x :LºaLm(ÇW

Introdução

.
S
ipia a
\:}V\ O processo histérico que culmina na união dindstica de 1580 princ
DA
N
rei
i” N 4 de Agosto de 1578 na batalha de Alcdcer-Quibir, no decorrer da qual o
ra-
D. Sebastião, bem como um grande número de nobres portugueses, encont
ram a morte. O jovem monarca desaparecia sem deixar descendéncia, tendo
., bermanecido celibatério. O seu parente mais proximo na ordem de sucessao
)) era o seu tio, o cardeal D. Henrique, Inquisidor Geral, que havia exercido a
YP‘ 3 regéncia durante o periodo de menoridade do rei. O prelado, de idade avan-
XQJ/-Ó çada, também não tinha descendência e não havia qualquer esperança de
que a viesse a ter. Desde os primeiros tempos do seu reinado, recebeu o em-
baixador de Filipe II, o fidalgo português D. Cristóvão de Moura, incumbido
de assegurar ao novo rei o apoio do monarca de Castela e Aragão nas opera-
ções de resgate dos numerosos cativos que haviam caído nas mãos dos reis
_ marroquinos. Mas D. Cristévéo de Moura tinha por missão essencial prepa-
! ar o terreno diplomético e institucional para uma futura devolugao da coroa
iv y) de Portugal a Filipe II. Os seus titulos, na ordem de sucessdo, não eram certa-
XW mente insignificantes, uma vez que pelo lado da sua mae, Isabel de Portugal,
' a,v /Q/ esposa de Carlos V, era neto de D. Manuel, «o Venturoso». Além disso, a pers-
i pectiva de uma união de todas as coroas da península por meio de alianças
/@fi matrimoniais e pela via da sucessão era um sonho que o préprio D. Manuel
' havia acalentado.
Perfilavam-se, porém, outros candidatos. Os dois mais préximos do tea-
tro dos conflitos, portugueses e descendentes de D. Manuel, eram Catarina,
duquesa de Braganga e D. Anténio,(prior do Crato JA primeira apresentava o
inconveniente de ser mulher, o segundo de ser bastardo de D. Luis, filho de
D. Manuel. Os diferentes aspirantes mobilizaram o engenho polemista dos
jurisconsultos, disposlos a pdr as suas téenicas de direito civil ao servigo
desta espinhosa questdo sucessoria, A corte de D. Henrique depressa se trans-
formou em caixa de ressondncia de todas as aspiragdes e de todas as intrigas.
Os dois candidatos que desfrutavam dos favores do velho rei eram Filipe e

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16 / Jean-Frédéric Schaub

vel nas-
. Catarina, estando D. António afastado em virtude do seu inconfessá
ram durante este
0 , cimento. Por várias vezes os rds estados do reino se reuni
bh}fl breve perfodo, e/\mwww@
do cardeal-ref.
5/ a questão.sucessória e assumir a fegência em caso de morte
al. Os gover-
Em Janeira.de 1580, este falece sem designar o novo rei de Portug
,im, e
em Almeir
? iradores convocaram uma sessio das Cortes no més de Maio
a questao.
» depois em Setúbal, com o propésito de resolver definitivamente
poderosas
o Desde o Verdo de 1578, 0 embaixador de Filipe II havia tecido
* M Tedes de apoio no interior da nobreza portuguesa, na hierarquia eclesiástica e
º _nas oligarquias urbanas. O poder do Tilhode CárlosV parecia então invencivel
T e proporcionav{@;ranga de retirar o reino da prostração na qual o desas-
Y . tremilitar de Alcácer-Quibir o havia mergulhado. Cristóvão de Moura não se
abstinha de evocar a possibilidade de uma intervenção militar castelhana, no
caso de uma rejeição da candidatura do seu senhor.
? Enquanto os procuradores às Cortes pareciam maioritariamente con-
-

2 quistados pelo rei de Castela, o prior do Crato, instalado em Santarém,


o -autoproclamava-se, em 18 de Junho de 1580. Surgem manifestações de sim-

<& | dasCortes.
Os argumentos e as intrigas cederam então a vez às armas. Os -
“ ercios do Duque de Alba e a frota conduzida pelo marquês de Santa Cruz
reduziram em poucas semanas o reino de D. Antónió'ã4insignificância.
. Escorraçado da região de Lisboa, o pretendente dirigiu-se para o Norte, e
-embarcou em Viana do Castelo rumo a Inglaterra. Durante esse tempo, as
“ * cidades, uma a uma, sob a pressão das armas ou por mera convicgao, rendi-

/) fase de desestruturagdo e de recomposigdo que se seguiu ao cataclismo de


y — Alcácer-Quibir. A facilidade com que a propaganda favorável a Filipe II cir,
| culou em Portugal desde 1578, a instalação de redes de apoio ao pa.rtidoY
| castelhano fundada sobre promessas de futuros benefcios, a confirmagao da x
| convergéncia de interesses estratégicos entre as coroas de Portugal e de Castela, Ç
nomeadamente em relação às potências mugulmanas do Norte de África, a x
necessidade de recorrer à coerção como resposta à força da resistência que se Y
opôs a Filipe 11, a mobilização de diversos registos culturais anti-castelhanos *
no fervor da batalha textual; todos estes elementos continuam presentes no
Portugal dos Habsburgo de 1580-1640. Mas são todos, de alguma forma, trans-

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|o J
e
V
Portugal na Monarqula Hispanica (1580-1640) / 17

confessável nas- condidos pelo acto verdadeiramente fundador daquilo a que Fernando Bouza
im durante este chamou o «Portugal Católico»: ns Cortos de Tomar,
da para msol_x_'çr d Ao reunir os trds estados, segundo as modalidades tradicionais, no con-
do cardeal-rel. N Y vento de Tomar, o rel Prudente apagava
0s v a laboriosa tomada
tugal. Os gover- ‘\0 ! de poder fundando-a sobre im pacto entre o rei e 0 seu reino. É certo que a
m Almeirim, e X dimenséo contratual do lago que se estabeleceu desde então entre um e outro
nte a questio. , nãoapaga, por completo, a legitimidade inscrita na sucessão hereditária, nem ,
ido poderosas . 4+ tdo pouco termina com uma retirada das tropas castelhanas do territ6rio.
a eclesidstica e “\\“.\p‘\' Os trés motores da unido, a heranga, a forga e a negociagdo constituem os
tao invencivel ! “T elementos essenciais sobre os quais toda a vida política portuguesa se organi-
1 qual o desas- — * zana época da união dinástica,z,
‘Moura não se i |
Mas o processo da união das coroas a curto prazo não deve ocultar a
;astelhana, no / existéncia de fenémenos de mais longa duragio e de maior amplitude que
— / favorecem a interpenetragdo das diferentes sociedades da Peninsula Ibérica.
iamente con- ‘: ( Foi possivel mostra-lo com clareza, a proposito dos modos de constituigio
o
m Santarém, * dos espagos corlesios nos finais da Idade Média, a propésito da concepgio
ções de sim- " teolégica dos grandes empreendimentos politicos, da circulagio cultural, e
al e em Lis- também da complementaridade dos circuitos econémicos dos dois impérios.
taneamente ; Para compreender como se desenvolveu o «Portugal dos Filipes» não se deve
res às Cortes renunciar a nenhuma destas dimensões.
que se havia As Contivaástocce, oSS o .PM—LW% .
los membros
às armas. Os * CoMUNHAO CULT
: Santa Cruz o s
ignificância. R : "Na época contemporânea, o campo linguístico torna-se um elemento fun-
a o Norte, e * damental da definição das identidades nacionais. Contudo, a tardia interpre-
se tempo, as \ tação nacionalista da histéria das relagdes politicas entre a coroa de Portugal .
icção, rendi- — _‘.,',f‘ e as outras componentes da penfnsula tem de explicar uma complexidade
;1 real dos usos da língug&be uma forma menos nítida do que no caso de Barce- -
: cultural do « *” lona, verifica-se apesar de tudo em Lisboa uma inça cada vez mais di-
: nesta longa "xº fundida do castelhano como língua literária e de comunicação escrita 2 medida
taclismo de “ rqueos A ormas de
Filipe 1l cir-/ W troca ral:

oo partido,
firmação da J o
" Nesta 6poca 0 uso da lingua ¢ um factor de discriminaçõo-inoperante”
s\m{multos os naturais do reino de Portugal cuja lingua materna era o portu-
Zde}&agela. Y o guês e que redigem WMWW
é:!:ia :]l::$: 7 mos, basta
avallar o lugar ocupado pelos textosem custelhano Hí: Cã_':ªf'ãi
castelhanos / Geral de Garcla de Resende, Não é rar clo, que nas pegas de Gil Vic
ns
se expri
cerlas personage mam em castelhano, O extraordinario éxito de
resentes no
a circul agio
Ã
das s lingua
f
s S ¢Q
Camdes em Castela, no século Xvil, comprova que
1
P,

R ) il e
gra intensa de um e do oytro lado da [ronteira lusu-caslelhan;/)_/
orma, trans-
das culturas

a AnSCR) J—‘-' M;&wh

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: 18 / Joan-Frédéric Schaub

* O grande comentério dos Lusfadas no tempo de Olivares, saido da pena de


Manuel de Faria e Sousa, foi redigido em castelhano. No próprio ano da mor-
te de D. Sebastido, para celebrar a grande vitéria catélica de Lepanto, Jerénimo
' Côrte-Real escolheu essa mesma língua para exaltar Filipe Il na sua Austrfada.
* Franéisco Rodrigues Lobo, autor de um panegirico dos duques de Braganga
- em lingua portuguesa, bem como do célebre didlogo Corte na Aldeia, escre-
veu poemas em língua castelhana (que publicou, em Coimbra, em 1596) e
E'((”A/v

S redigiu um relato das Cortes de 1619. No reinado de Filipe III, o poeta corte-
são Manuel de Galhegos celebrava o casamento de D. João de Bragança com
- D: Lufsa de Gusmão em português, e a edificação do palácio do Buen Retiro
W

em castelhano. O próprio D. João IV, como bom músico que era, enviou ao
W

impressor apenas dois discursos musicológicos em língua castelhana. Seria


absolutamente ilusório tomar a escolh uma ou de outra lingua como um
WY

indicado atriotismo mais ou menos ace


Pedro Barbosa Homem, teérico tradicionalista da monarquia jurisdicional,
anti-maquiavelista radical, explica a sua opção pela lingua castelhana para a
YW

redacgdo do seu grande tratado sobre a Razdo de Estado, de 1627. Depois de


tecer um elogio à lingua portuguesa, o autor avanga duas razoes pragmaticas
para preferir o castelhano. Por um lado, o seu tratado dirige-se a pessoa do rei
WY

de Portugal, Filipe III, cuja lingua materna sabe nao ser o portugués, e nunca
se presta mais atengdo que aos livros redigidos na prépria lingua. Por outro
S

lado, sendo o objectivo do autor exaltar a gléria do reino de Portugal aos


olhos do mundo, mais valia que as alegações alcançassem o maior número O uso da língua

possivedel juizes. Estamos orlanlo eran


castelhana não
VYWY

era uma

bragmático
no qual não mm_dmmm
questão de
ão entre patriotismo

língua de expressão,
João Salgado de Araújo, adversário do colaborador mais próximo do con-
de-duque de Olivares, Diogo Soares, e partidário de D. João IV sob a Restau-
W

ração, manifestava no tempo dos Habsburgo uma perfeita indiferença


linguística. Por seu lado, estava convencido de que todos os magistrados
W

castelhanos e portugueses podiam compreender as duas línguas. Pelo contrá- â


W

rio, Manuel Galhegos, préximo do secretário de Estado Diogo Soares, deixou )


um elogio inspirado da língua portuguesa face ao seu émulo castelhano. Dava Ti
como exemplo o poema que Gabriel Pereira de Castro, magistrado da câmara
criminal da Casa da Suplicação de Lisboa e guardião vigilante da autonomia
jurisdicional portuguesa, consagrou à capital em 1636, reatando com a linha-
gem de Camões. Temos, assim, um polemista hostil aos projectos de Olivares
V
que escreve em castelhano e um servidor literário e servil do clã olivarista
que, retomando os esforgos filológicos do século xvi, defende e ilustra a sua =
lingua materna. Como sublinharam os criticos e historiadores da literatura, &
‘tais como Eugenio Asensio, Jean Colomês, Eduardo d'Oliveira Franga ou Pi- —

- ta
e25
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Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640) / 19

[ lar Vázquez Cuesta, e ainda Fernando Bouza nos seus estudos sobre os fenó-
menos de propaganda nos séculos xv1 e xvi, a escolha da lingua é um indica-
dor pouco fiével, porventura até enganador, quando se procura organizar o
conjunto dos campos discursivos, impressos ou manuscritos, lancad%
mercado das ideias politicas na época da uniao dinastica.
— T Estaconclusao assenta também no facto de o latim desempenhar um pa-
/.y~ pel sem sombra de dúvida tao importante quanto o das duas linguas
J&\_’» " vernáculas. Na viragem dos séculos xv! e XvII, os textos mais citados na pe-
nínsula sobre a questão política do tiranicídio são escritos em latim (Juan de
. Mariana, Emanuel de Sá, Serafim de Freitas). Os temas politico-institucio-
? | nais mais espinhosos, por exemplo no domínio fiscal, são objecto de alega-
ções juridicas e de comentarios doutrinais nos tratados teolégico-juridicos
redigidos nos circulos das cátedras das Universidades ou nos grandes tribu-
nais, na lingua da segunda escoléstica.
Sem querer retomar o debate, realmente rico, que permitiu nos últimos
, anos colocar com nova clareza a questao da identidade portuguesa numa
perspecliva histérica, algumas palavras sobre a hispanidade portuguesa afi-
guram-se, porém, necessarias. A tradigéo textual medieval profbe pensar a/
_Wra da Hispânia antiga e geográfica. Contudo, para além desta ne-
. . Cessária inscrição formal, as relações entre as principais compo
nentes da
2.” peninsula desde a Idade Média, em particular no decorrer das diferentes
eta- ;/-
W ~ pas da reconquista, são extraordinariamente intensas. Não
v
\)l" __(N\D‘
foi só o Cid, arma-/"s
S £do cavaleiro em Coimbra, que foi assumido pela cultura portu
guesa, Uma
W ;\, P das traduções sociais mais conhecidas deste fenómeno é a multi
plicação das
º * alianças de linªqgens__nobres_Eo_[t'quesfas, castelhanas e arago
nesas. Como
"\5}) \‘);,r-‘mnsuou Rita Costa Gomes, as sociedades de corte ibéric
as desenvolvem-se
8 ‘:'\E\Qumas perante as outras durante todo o final da Idade
Média. Nesta medida %/
W \}F‘\@;importa sublinhar que o sentimento de pertena ga
uma koing, fundada sobre'.;
| Q}fn {93 uma experiéncia histérica comum, torna possivel pensa
r a pertenga do réino‘\
h\:M Qmflmii@end{darnum sentido teolégico-polftico e cul- ,
! (N/tural‘A tftulo de sintoma, poder-se-4 citar um texto do céleb
re poligraférwf{x;,J |
! ’fid\() nuel Severim de Faria, extraido do tratado dedicado
as Universidades de/|
Í \élflh Espanha, que ofereceu a D. Joao IV em 1653. Evoca
a importancia dosg
| \fi“ 0 ‘y\i\\gnsinamentos de professores ibéricos não portugueses,
tais como o castelhano
' \ i ino Martin de Azpilcuefa, nas universidades
% 6 chantré dê Évora conclui que «nã Tossa Hespano ha»
alraso
, na constitúição da rede universitária ficou a dever-se
ao esforço dos «Espa- .
nhóis» na luta contra o Islão. No pensamento de Sever
im de Faria, era claro )
| .' á
»4ue «a nossa Hespanha» se opunha ao resto da
Europa, mesmo quando a .
guerra luso-castelhana atingia o auge. Desde o periodo de negoc
iações com o /
cardeal D, Henrique, os embaixadores e os representantes dos intere
sses de ,

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v
) º
NQ o
e“
\V 4 \
> A
"
“20 / Jean-Fr édéric Schaub ‘ o Ui
o5

a história ea x
Filipe II puderam mobilizar um arsenal de argumentos sobre
os tão facil- x
" memória comum dos portugueses e dos outros vassalos ibéric
a antipatia reci- |
“ mentequantoo podiam ser os argumentos contrérios, sobre
também, a '
%- proca luso-castelhana. Esta constante ambivaléncia determina,
um
organização deste livro, porqueo perfodo da unido dinéstica constitui
des
. perfodo propicio para quem procura analisar a complexidade das relag
ar
% histéricas entre Portugal e as outras componentes da penfnsula. Para retom
o esquema eficaz indicado por José Mattoso, a inscrição de Portugal na
fn;;" hispanidade temde ser analisada tanto na composição como na oposição.
REAA

WY

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' ___> Tomar: as Cortes inaugurais
1

/ wzl
w Depoxs da campanha diplomética, ideolégi ilitar copduzida pelos
fif} conselheiros e pelos partidarios de Filipe Il o_processo de aquisição da
coroa portuguesa pelo rei Habsburgo é sancionado por uma assembleia de
B 0 P estados, as Cortes, que se reuniram em Tomar no més de Abril de 1581. No
q final desta longa negociação, a Patente dos capítulos concegíg ao reino Én-
(}9,‘(& & rantias numa série de dom(nltlsj:‘lo que diz respeito ao(governo politico . /)
» (L\‘ criado um Conselho de Portugal que tem de funcionar sempre junto do rei,
q}“}‘
X) v onde quer que ele se encontre. No caso de o rei ser levado a afastar-se do
«) X reino, o governo só poderia ser incarnado por um vice-rei de sangue real ou
Q) “Q'“ por uma junta de governudorcs portugueses, à semellmnçu do conselho de
W
\\iy\ ' regéncia que presidira aos destinos do pais entre a_morte do cardeal-rei
KP Henrique e o advento de Filipe ll/A organizagao da V)
\!7’ igualmente submetida a um certo número de regras. [Mwflmom
\0’ justiça e da fazenda, excluem»se-todos
os estrangeiros, isto ¢, todas as pes-
soas não naturais de Portugal/ São também impedidos-de-exercer todas as
\ x (fungdes e cargos da casa e da capela reais. @ comando militar das
/\» 4 , das frotas portuguesas tem 1necessanameme de caber a um natural de Por-
fi tugal A exclusão dos forasteiros aplica-se de igual modo no domínio do
}\ \)‘5}o ypadroado eclesiéstico (prelatura, abadias, beneficios e capelanias). A medi-
à—rj\ ,y da também abrange a designagao dos novos membros das ordens militares,
« incorporadas no dominio da coroa/Q titular desta última compromete-se
. a nao conceder nenhuma mercé
também os rendimentos e bens da ,
.coroa. Os estados do reino, reunidos nas/Cortes, devem ser convocados pelo
" rei como única forma de representagao fegit do reino. Em suma, 0 novo A
é’" rei promeha T30 suprimir nenhuma função ou ofício do aparelho monár-
x/"
\J) quico portugués no qual sucedia e garantia aos seus súbditos a exclusividade
> D total das futuras nomeações. T / (/"L
A
(\x\,(,v ,._J PA e ——mwaf“« 1(h v

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(\%2 1 Joan-Frédéric Schaub
Y
ª'*x'“w.(,*—
, *
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s À á
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{ (\ W)
ura do uma composigio
1VR W estratdgia do novo re | consisto de faclo na proc
Á N

de legitimidade..
da sociedade portuguesa e do um acréscimo
pt tal

‘“odéom os corpos
çõos Lradicionais da monarquia de
V\‘" A encenagiio do seu respeito pelas institui
para o manifestar, 6 porém acom-
Y Avis, organizada no órgão mais adequado
quando a reprodugdo exacta dos
panhada por um desvio cerimonial. Mesmo ento
i o garante do funcionam
. procedimentos e dos gestos herdados constitu
pe II pede aos procura- _
" das instituições, o novo rei inova. Efectivamente, Fili
Prrrsmrocel)
o

para jurar fidelidade à sua pessoa


Y _?'gores dos trés estados, reunidos em Tomar, que as Cortes
W & do seu presumido herdeiro, D. Diego. Ora, não era habitual
rei: nem D. Manuel nem D. João 11,
“portuguesas prestassem juramento ao seu rrer
renova o gesto no deco
nem mesmo D. Sebastião o haviam feito. Filipe Il
de
.a

das Cortes de 1619.


sociedade recebem
s Mas, em troca, os diferentes corpos privilegiad os da
Jgarantias essenciais para o desenvolvimento
dos seus negdcios, vantagens e
E +
T

fosse imposta a fiscalidade


“«'* 4\\[0\/6

W N patriménio. A primeira ordem, temendo que lhe


esses tributos jamais se
X aplicada ao dlero castelhano, obteve a garantia de que
eram
+ < haviam de estender a Portugal. As familias da nobreza obtiv
om-
<o

da
“promisso do rei sobre a questão estratégica da aplicagdo
sta

tava de 1434, permitia ao rei fazer reverter para o domínio


sem deixar
régio qualquer doação de bens da coroa cujo donatário falecesse
7

xvi, os reis portugueses re-


s Terdeiro masculino em linha directa,No á século

1.as oligarquias obtiveram, no texto da patente de Tomar, garantias precisas


ne-
* sobrea exportação de cereais castelhanos para Portugal. Finalmente, os
17 Bociantes alcançaram o desmantelamento do sistema de portos secos, alfân-
.
degas terrestres instaladas nos caminhos que levavam de Portugal a Castela. / ,«,\0

V
N
A REFERENCIA ÀS CORTES ee
S ee ND D

PR )
3 .& Durante todo o perfodo da unido das coroas, a referência explícita ou im-
É. plícíta ao pacto iinaugural constitui um dos elementos fundamentais da forma-
oS
A ção do juízo sobre a acção da nova família reinante. As vantagens retiradas da
M

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Portugal na Monarquia Hispânico (1680-1640) / 23

& grande barganha de 1581 por numerosos aclores soclals e a convicgio de que a
¢ ceriménia que celebrava o acordo devla ser repetida tornaram o desejo de Cor-
tes em lugar comum do discurso politico. Especificamente, pode-se afirmar
1 . / sem exagero, que todo o reinado pórluguês de Filipe II é atravessado pelo pro-
% * — jecto, vérias vezes adiado, de celebragio das Cortes em Lisboa. Desde que o rei
manifestou pela primeira vez a vontade de se deslocar a Portugal, em 1602, até
\\\‘ \3” à concretizagéo dessa intenção, em 1619, as instituições portuguesas dedica-
ram uma grande parte da sua atengdo a esta perspectiva desejada. As necessi-
N
N 13 ) dades de financiamento da viagem real levaram os sucessivos vice-reis á negociar
ecom as principais cidades do reino, a começar por Lisboa, mas também com o
0 K : :
, PPOrto, Évora, Coimbra e Santarém, o pagamento de donativos destinados à sua
R " Y N quncretização. E celente ocasião para testar a capacidade das câmaras x £ v\\“k
A municipais
para arem a favor do seu rei. A sua boa vontade foiA postayY)A
zassete anos a concretxzar—se.(‘ )

y Q('Contudo,
as cidad dquiriram assim uma espécie de autonomia acrescida(
W \relativam nte à ú gitima de representagdo corporativa que lhesera ;
W 0’ permitida, isto é, nos bancos das Cortes do reino. A cidade de Lisboa havia sem
P« dúvida perdido o seu estatuto de corte, mas exercia uma fungao eminente de *
do reino» como interlocutora privilegiada da coroa. Us presidentes da\)
" .«cabeça o
"> Câmara de Lisboa, sob os Hahsburgo, pertenciam muito frequenfemente ina-- *
_cbreza mais elevada. i A v P ) s D d

v São numerosos os relatos que até hoje se conservam da extraordinária re-

ce-se, graças a João Baptista Lavanha, o conjunto de dispositivos de arquitectura — <)

pediu os representantes das cidades do reino de fazer chegar numerosos pro- — *


testos. Pelo menos formalmente, este último= compro meteu-se a tomá-los em, N\º,,
a das Cortes, *.*,
i‘, consideragdo. Portanto, no essencial, a função simboli ica e politic
B 211 Y
)

$
rei e 0 reino,
i
| era respeitada. " Lol
Q)/
4 enquanto lugar de actualizag@o do pacto entreo À
guesas durante W
Em conlr:ifiéffida, Filipe IV não convocou as Cortes portu
ito reatavam deste modo a \
o seu reinado interrompido. O rei e o seu favor

&
o tratamento deste a.ssunt.o (\L\.’
/ 3y politica de protelamento que havia caracterizado
As vantagens que um rei podia
¢ \)‘?‘ Q‘belo duque de Lerma, até cair em desgraga.
de estados compensariam 0s '\\\\ V (v
yU x-Yl(") então retirar da desactivagéo das assembleias Es_ta \“\p\
R
inconvenientes de não utilizar a força simbólica da memória de Tomar?
[j
por consequéncia a inlens_ificaçfo
.» opção, supondo que disso se tratava, teve
corte de Madrid e a cothrmaçao
das deslocações de fidalgos portugueses à
hierarquia das cidades do reino.
do papel extraordinário de Lisboa na

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O pacto de Tomar tinha previsto a conservação de todas as instituições
“Yurisdicionais portuguesas no seio da Monarquia Hispanica. As condigdes
restritivas do modo de designagao dos vice-reis e a criação de um Conselho
de Portugal; funcionando junto do rei, reforcavam a credibilidade do com-
' promisso assumido pelos Habsburgo de respeitar a arquitectura institucional
7\}4\]{4“ E};(vherdada dos reis da dinastia de Avis. Este impedimento completava-se com a
W

X promessa de que nenhum súbdito não natural do reino seria designado para
xídf exercer'um cargo jurisdiscional. Era um dispositivo que garantiauma verda-
. deira autonomia da coroa portuguesana arquitectura da Monarquia. O siste-
POLISSINODAL
N Sistema de governo

\9)‘ W ma polissinodal portugués, tal como o castelhano, confirmava o governo dos


que consiste em
substituir cada
ministro por um

\_}F q,)” magistrados, já que, no essencial, os pareceres dos Conselhos eram emitidos
conselho

por juristas preocupados com a defesa da legitimidade e da exclusividade da


à sua autoridade. Para além do exclusivismo reinicola, tratava-se também da
AN exigéncia de uma gestdo tradicional dos assuntos que a conservagao do siste-
. ma polissinodo assegurava.
. yj‘/ Caso se pretenda seguir com mais precisao a histéria politica do periodo
que %m o gover-
ntação dos tribunais
.Çf“í r"’ Habsburgo, uma breve aprese O Consejo de Portu al tál como foi
:. no da coroa de Portugal afigurar-se-a util
por Filipe I durante a sua estada em Lisboa desempenha o papel
' organizado
1583,
1 de un@onselho de Estado)Mas depois do regresso do rei a Castela, em
: obed ecaeque havia sido concebido por D. Manuel, «o Venturoso»,
ão ésquem
. no início do século, quando, após o casamento aragonês, considerou a possi-
ins-
-” pilidade de não residir de forma permanente em Portugal. Este conselho,
do rei,
; 1( talado em Madrid, representa os tribunais da coroa de Portugal junto 29I,
a extraordinária
n_oªx_çd/iz,re,speuoijustiça-ordixxáún_a_egl_esªºãà justig
ia
património
do om
e àgraça, e & econ régio português. Está sujeito a varia-
funcionamento. Qual-
ções, na sua composição, no seu regimento e no seu c———

a
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20/ Joan-Wódóric Sohaub

quer decisã r Portuga [ 210 de uma


consulta ao (nnu']n, nnlmllu (Im unllndn na chancelaria de Lisbon e nos
tribunais a que le mepnilqu‘ este oprocedimonto logftimo que surge como
gnrnnlín du nnumdndu jurisdicional do reino rolativamento a Castola, ATém
“disso, o Consejo de Portugal não funciona nem como uma climara de registo
\wm como uma tribuna de oposigdo sistemética, É ' no seuselo que são nego-


& umaambiguldnde que há-de envenenar a vida do Conselho até à Restaura- — ”

“ — ção. Enquanto o rei residisse na sua corte lisboeta não restavam dúvidas de ,Y
N : que o Conselho usufruiria do estatuto de Conselho de Estado. Mas, logo que ),
««“' ‘adisténcia fisica do rei exigiu a instalação de uma jurisdigdo mtermedxána»“ " ; *
" entre os (nbunaxs da coroa portuguesa e a pessoa do rei, o estatuto doConse]a v
de Portugal tornou-se dúplice/ Permanecendo um Conselho de Estado, con-’)‘
rertia-se 1gualmenle em tribunal comum, incumbido de examinar em última
instância as causas julgadas pelos tribunais portugueses e, em particular, peloy:
Desembargo do Pago. Esta mutação funcional e simbélica é sancionada pela ;
criação, muito discutida, de uma presidéncia do Consejo de Portugal, em 1616,
Com efeito, só a pessoa do rei podia presidir a um Conselho de Estado, en-’
quanto um tribunal comum superior podia ser presidido por um magistrado.
Esta primeira alteragdo institucional parece, porém, menos fundamental::
do que a evolução por intermédio da qual uma parle crescente do sistema de
decisdes acabou por assentar no trabalho do secretariado do Conselho. Con-
vém finalmente recordar que a instituicéo foi dissolvida por trés vezes. Uma
primeira, em 1614-1615, em consequéncia dos conflitos internos que a divi-
diam; foi então substitufda por uma Junta Grande. Depois, em 1619, quando
o rei se desloca a Lisboa para inaugurar os trabalhos das Cortes, a instituigdo
¢ dissolvida porque a presenga do rei no seu reino torna-a desnecesséria.
E finalmente, em 1638, quando foi substitufda por duas Juntas de Portugal,
uma estabelecida em Madrid, outra em Lisboa, marcando desta forma um
novo desenvolvimento da politica voluntarista de Olivares. t

Em Portugal mantém-se o conjunto dos tribunais da polissinodia, tal como


º funcionava no tempo de D, Sebastião. i
(o= —
f to)Desembargo do Pago) Trata-se da mais alta jurisdigéo civil e criminal
da coroa portugiiesa; Decide segundo recurso todos os conflitos jurisdicionais Í
que surgem entre os outros tribunais do reino, bem como todos os vícios de
forma censurados aos tribunais inferiores, A sua preeminéncia traduz-se pela )
sua competéncia em matéria de administragio das dispensas de idade ou de
estatuto pessoal, de actos de legitimagdo e de outras disposigdes que são le-

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Portugal na Monarqula Hispânica (1500-1040) /
27

vadas perante a justiga o a graga do rel, Para os magl


strados, os letrados, um
cargo de desombargador do Pago reprosenta
o topo de uma carreira de
. Jurisconsulto. Este tribunal verifica as cond
ições do recrutamento de todos
1) , -os magistrados régios, uma vez quo asseg
ura n realização do exame de acesso
o — ds magistraturas réglas, a loltura de bacharéls,
O seu controlo estende-se ao
NS conjunto das profissões jurídicas, juízes ordin
ários, notários, advogados,
' _E_Qoilg_sguj 0 Desembargo do Pago continua
a ser o lugar por excelancia de
expressdo do pensamento e da cultura dos juristas.
Ainda mais relevante que o
Conselho de Portugal, o tribunal superior lisboeta
dita o direito nos domfnios
civil, criminal e polftico. Permaneceo símbolo do cardcter disti
nto da juris
di-
ção portuguesa relativamente a qualquer outra e, em
particular, à de Castela.
VE to
QA sa ol A Casa da Suplicação (ou Relagio dw/@u
ú& Rela-
çãodo Porto). Estes dois tribunais régios ouvem os
apelos interpostos fanto
' em matéria cfvel como em matéria criminal. Cobr
em o conjunto do território
metropolitano e as ilhas (Madeira e Açores). Desd
e as Cortes de Évora de
1535, os estados do reino reclamavam uma repartição
territorial. Foi Filipe II,
que, a 27 de Julho de 1582, tomou a decisão de
instalar a Casa do Cível no
Porto, onde recebeu a designação de Relação da
Casa do Porto. A Casa da
Suplicagao de Lisboa exercia a sua jurisdigdo sobre
parte da Beira, a Estrema-
dura, o Alentejo, o Algarve e a cidade de Lisbo
a, bem como sobre as ilhas
atlanticas e até sobre o Ultramar, Quanto à
Casa do Civel, abarcava Entre-
-Douro e Minho, Trés-os-Montes, as comarcas de Coim
bra e de Esgueira. Existia
ainda, desde 1544, uma Relação em Goa para
o Estado da Índia.

No Brasil, o período espanhol vê a autoridade da coroa


e dos seus magis-
/ trados disputar o poder até então considerável
dos capitães-donatários. As
.1 . cmetamorfoses do espaço político brasileiro durante
as primeiras décadas são
MW ratif icadas pela mobilidade das demarcações administ
rativas, em constante
(«( ',;—'º _.(""Ínutação. A criação da Relação da Bafa, em
1609, representa um dos legados
W n\} 'mais importantes da época dos Filipes
para a colónia em expansdo.
% ¢ Aimensiddo territorial do Brasil explica de igual modo
a necessidade de cri-
1) artribunais a Sul, no Rio de Janeiro, e a Norte, no Mara
nhao, em 1619, As
v™ senlencas e os acórdãos ordenados por estes tribunais
podem ser objecto de
-

N
uma reapreciagao sobre o fundo (apelagéo) ou sobre
o processo (agravo) jun-
to do Desembargo do Pago, As Relações portuguesas pode
m ser chamadas a
emitir pareceres relativos as ordenagdes réglas e às nova
s leis. No cursus
honorum de um jurisconsulto, cuja ambição é de aced
er a um cargo no
Desembargo do Pago, a passagem por uma magistratura
na Relação é a via
mais comum.

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)
28 / Joan-Ivédéric Schaub
sS
DU U —
m* ,4\)\;\.‘ LA Mosa da Consciância e CW o tribunal incumbido de examinar os
"1 "assuntos que dizem respeito no padroado aclesifistico da cora, s ordens
militares (Ordens de Cristo, de Sanl'lago e de Avis), incorporadas na coroa
desde 1551, e às universidades. Dessmpenha um papel considerével na cons-
trução de estratégias de reprodução social das famflias já que exerce um con-
trolo na distribuigdo das capelanias e das doações piedosas.
W), Y
0 Santo Oficio da Inquisigac. Independente da Mesa da Consciéncia e
Ordens, também não sofre a atracção da jurisdigdo Inquisitorial castelhana.
Os seus trés grandes tribunais são em Lisboa, Coimbra e Evora. No império, o
tribunal do Santo Offcio de Goa data de 1560.
Voo aA

i O Conselho da Fazenda. Até aos reinados de D. Sebastião e D. Henrique,


1 exisliam trés vedorias da Fazenda (inspecgdes das finangas). Deve-se a Filipe 11
* asua incorporagio num Conselho das Finangas, cujo regimento foi promulga-
do a 20 de Novembro de 1591. Os magistrados do Conselho da Fazenda exerci-
am o controlo sobre os oficiais das finangas, administram os bens do patriménio
régio e ratificam os contratos e as alienagoes relativos a rendimentos da coroa.
O Conselho exerce a sua jurisdição sobre as alfandegas, as feitorias e os arse-
nais, o tribunal de contas e a administragio do comércio real com o Ultramar
(Casa da India). O seu papel é fundamental para assegurar as condigdes finan-
ceiras das frotas destinadas às Indias orientais e ao Brasil. aa
o hudiow . |
7 * Q Conselho das Índias. Filipe III de Castela cria este Conselhoeem 1604.
Em principio, a sua algada estende-se a todas as conquistas do Ultramar, com
, excepção das ilhas atlanticas e dos presfdios de Marrocos. Mas numerosos
> conflitos de competéncia, nomeadamente com o Conselho da Fazenda, impe-
dem esta instituigdo de funcionar normalmente. O Conselho não sobrevive
para além de 1614. Wa _J;M _'fmºl;_ es: í
A ( pumeleedo tn Jeo 4, 2 xà Ls 1657 )
17?0 Conselho de Eslado de Lisboa. Trata-se do Conselho privado do rei,
encarregado de debater as grandes questões respeitantes à coroa, particul
ar-
mente em matéria de politica externa, Os seus membros saem da elite natural
do reino, prelados e grandes aristocratas, eventualmente juristas eminente :.
Na verdade, é ao vice-rel que se dirigem e espera-se que o ajudem nas
suas
decisdes. Por isso é que a função de secretdrio do Conselho de Estado (secre-
1. lário de Estado) se torna um oficio eslratégico na transmisséo das
decisoes e
das informagdes enviadas à corte. O prestigio deste conselho é considerével,
mas néo exerce uma verdadeira jurisdigio e não possui a capacidade de con-
trolar as diferentes magistraturas de Portugal e do Império, função que estd
confiada aos tribunais de justica.

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) Portugal na Monarqula Hispânica (1680-1640) / 29
i

e examinar os Í AS CONDIÇÕES DA REFORMA


oa, às ordens ) ml*' @W@Wb‘“
1das na coroa cp)\)’ {\Os reis Habsburgo mantiveram o sistema polissinodal que herdaram.
rável na cons- \J Importa assinalar que o carácter tardio da união dinástica portuguesa relati-
erce um con- \)’ vamente à reunião de Castela e de Aragão altera consideravelmente a questio’
|}\‘y "_da adaptagao institucional. Quando Filipe 11 cingiu a coroa de Avis, esta ji
havia fixado os elementos essenciais da sua organizagio institucional mo- D)
onsciéncia e derna. Todavia, ,Filipe II e 0s seus sucessores foram verdadeiros reformadore
1 castelhana. ) do sistema:novo regimentodo Desembargo do Pago (1582), tran;formagfi:g
No império, o das vedorias da Fazenda em Conselho da Fazenda (1591), novo regimento da
— Casa da Suplicagio e da Casa do Civel (1005‘\\Quunlo a0 Consclho da Índia;,
,euja existéncia fora breve, trata-se de uma criação puramente
2
filipina. A di-g{\’
D. Henrique, * nastia
de Braganga inaugura, também ela, o seu poder, desde 1641, alterando <
-se a Filipe II grama com qunl
o haviam lrabalhado os Habsburgo, por
oi promulga-
zenda exerci-
o patriménio as introduzidas pela dinastia intrusa. A compilação legislativa rea- )‘ ú
tos da coroa. . lizada por ordem de Filipe I1I, as Ordenações Filipinas impressas em 1602,
ias e os arse- perdurará como referêncna jurídica até aos fmals do Antigo Reg)me [) uespí- 27
n o Ultramar
dições finan- Cia da forma )unsdxcxonard_ autoridade permanece no centro dos dxsposmvos
-
?
3 /

políticos tanto depois de 1580 como após 1640. Não se pode por conseguinte
“Interpretar
todas as modificações ocorridas como outros tantos golpes dirigi-
ho em 1604. dos contra a integridade jurisdicional do reino de Portugal, a menos que se
ltramar, com tome 2 letra o ideal rigido de um mundo institucional imével que mesmo os
S numerosos jurisconsultos mais tradicionais do século xvi já nao defendiam.
zenda, impe- º” BOUZAA auséncia prolongada do rei, neste dominio, não deixa de ter consequén-
ão sobrevive " cias. Da viuvez imposta ao reino, segundo a metéfora do casamento do rei com
o seu reino, decorre um certo número de consequéncias. O que se perde em
il 164 controlo institucional, em razao da deslocagéo do rei, da corte e do supremo
ivado do rei, tribunal do reino para Castela, é de certa forma compensado por um acréscimo
a, particular- -de podersocial. No fundo, o reino está em melhores condigoes para dominar
elite natural os instrumentos do poder quando o rei se afasta. De tal modo que os principais
s eminente . x beneficiérios dos negécios de 1580-1581, nomeadamente os clas aristocréticos /
lem nas suas porlugueses, passam a dlspor de maior autoridade na perpétua negociação com
stado (secre- o rei e a sua casa do que se a coroa tivesse permanecido com o seu titular em
as decisoes e Lisboa, sob um sucessor dueclo de D. Sebastião ou de D. Henrique. Querendo »
consideravel, analisar a uniao dinástica apenas sob o angulo da conquista das vontades por- y/
idade de con- tuguesas por um vizinho muito mais poderoso, os historiadores acabaram por |
1Gdo que está
º deixar de descrever o acréscimo de autonomia adquirida, nessa operagao, _pe-
andes casas senhoriais e pelas instituigoes urbanas.
0
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A garantir a ppçpelugêarov dos /
‘.h‘:_\."lhdo o dispositivo do pacto iniclal tena dia

U’fl,é}oés-—v
W ,X“ Anocanismos logítimos do exercício da autoridade: a decisão régla,é_or'xentada yY
y ¥ polos paracoros juridicamento fundamentados emitidos pelos magistrados /
NW dos conselhos. "Todavia, outros vefculos e fontes de poder surgem & escal? da
& W monarquia om geral e da coroa portuguesa em particular. A criação das jun-
: '\(\nlfls 6 contempordnea da definigdo do sistema dos conselho.s tal com?.funcio-

4{‘
]‘\K\\\“ nou de meados do século xv: até finais do século xvii. As juntas agilizam os x

‘(-n
ç] %

/Q.—\A,a.
g\\\ lugar ideal de discussdo das modalidades de imposigao dz'as contribuigdes *
fiscais extraordinérias. É no seu seio que o rei e os seus favoritos podem fazer —
trabalhar em conjunto magistrados portug uesanos
e castelh es nas questoes
_:qgg :afectam o reino de Portugal. Consoante as conjunturas, a existéncia des-
tas corporações mistas podia ser ou não ser denunciada como uma violagao
do espfrito de Tomar. A coroa portuguesa, desde o reinado de Filipe II, é
dotada de uma Junta da Fazenda. Esta renasce no tempo de Olivares, a partir
de 1631.
¥\ A gestdo partilhada da defesa da coroa portuguesa põe também em causa
򻻒 WW instalagao dos presidios na costa portu-
/. guesa, durante a campanha militar do duque de Alba, devia ser temporéria.
— Ora, arede de cidadelas nunca foi desmantelada. A jurisdigao militar do ca-
'” pitao-geral sobrepõe-se à de determ
inslituições
inadas
portudrias, nomeada- -
* mente os tribunais das alfândegas. Quando se organizam frotas conjuntas
.sob a autoridade da Capitania Geral, para os efectivos castelhanos, e do vice-
rei e do seu Conselho de Estado, para as tripulações portuguesas, sobrevêm
tuações de confronto ou de viciação de autoridade. Pode então afirmar-se, a
despeito da autonomia jurisdicional de que Portugal goza, que certas jurisdi-
ções castelhanas apreciam assuntos portugueses, e isto desde o início da união
dinástica.
; — O Consejo de Estado de Madrid, incumbido de se pronunciar sobre as
'grandes decisões relativas à organização e à defesa do conjunto da Monar-
. quia hispânica, teve de se intrometer em assuntos portugueses, não sem an-
tes convocar esta ou aquela personalidade portuguesa. Do mesmo modo, o
../7 Consejo de Guerra castelhano exerce a sua jurisdigdo sobre as tropas estacio-
' — nadas nos presidios castelhanos instalados no litoral portugués. O capitio-
. ,7Beral que por vezes também era o vice-rei (0 arquiduque Alberto, o marqués
.0' de Alenquer, Margarida de Méntua), autoridade militar superior para a juris-
* dição dos contigentes não portugueses, dependia do Consejo de Guerra
W castelhano e das suas Juntas (Armadas, Mar Oceano). A capacidade de inter-
.) venção castelhana em matéria de defesa constituía também a garantia da

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&3! é Louauheo e A
R ; | ds SN2
b
; ' ; VITENTENIMA
ee ) Portugalna Monarquia Hispnica (1580-1640)
/ 31

participagdo financeira de Castela na defesa de Portugal. Empreendimentos


comuns felizes, como a expedição conjunta que reconquistou S. Salvador da
Bafa em 1625, ou infelizes, como a Invencfvel Armada ou a Batalha das Du-
;pas, resultam desta situação herdada das condigdes de aquisição da coroa
.. portuguesa pela Monarquia Hispénica,
Y O sistema da polissi
a afirmaçã valimento, O valimento, cujas primeiras manifestagées re-
)
N 4P” montam ao reinado de Filipe II, rodeado pelos seus secretários de Estado, e
.” de D. , Com os seus escrivães da puridade, encontra a sua forma
clássíc_aª_rpêssoabdo duque de Lerma,)o favorito de Filipe III. O valido

Monarquia. Numa sociedade de corte em formação, a amizade que o une


ao
monarca coloca-o no lopo da Casa Real, cujos cargos e oficios distribui.
Sob o
reinado de Filipe 1II, o monopólio do contacto directo com o rei nas maos
de *
sa ? uma alta personalidade e o recurso às Juntas tornam-se as caracteristica
s prin-..
u- i cipais do governo monérquico. Relativamente a estes dois pontos
, o conde-
ia. | Y -duque de Olivares não inova.
sa f Contudo, insistiu-se na ruptura política que constituiu o valimento
de
la- i W' Olivares. O recurso às contribuições extraordinárias e sobretudo a formul
a-
as Í )
2e-
im
,a
1i- tico instaurado por Olivares pretende construir um sistem
a de tomada de,, /
ão decisões mais coerente do que existira até então. Enquanto as investigaçõe
s/ ,
mais recentes parecem confirmar a inexistência de um programa
de acção do -~
as * — duque de Lerma, o favorito de Filipe III, o caso do conde-duqu
e é bem dife- .-
ar- ) TÉY.X;ÚP rente. O que faz a força do ministério de Olivares, um homem
com objectivos .
n- { * & e métodos só por ele definidos, constitui também a sua principal
fraqueza.
o í QQN“( 3) Porque quando se ataca quer o homem (e a sua facgao), quer os
seus projec- — ;
o- IR ¢ tos, quer ainda os seus métodos, é todo o edificio que é atingido.
A inacessi-
o- ?XFL S bilidade do sistema, a sua racionalidade, para quem
nele quer ver uma
ês E y *. — prefiguração do despotismo esclarecido, vale
ao favorito do rei a acusação de
is- i usurpagéo.O favorito recorre regularmente as Juntas,
muitas vezes convocadas
Ta ) para os seus aposentos no palacio, com o fim de atingir
os objectivos do seu
ãr- :, programade partilha e de reciprocidade do esforço financ
eiro e militar dos
a Í díferçgtgsfreiuoswda Monarquia. Contudo, o carácter
central da corte não faz

P "
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32/ Jean-Frédéric Schaub

dela um panéptico capaz de observar e de dirigir os difer


entes corpos da
sociedade. A omnipresenga de Olivares e dos seus colaborado
res nas princi-
pais jurisdigdes do reino não reduz de forma alguma a plura
lidade jurisdicional
do conjunto do sistema.

á desdobra-se num sistema paralelo de comunicação


política e de circulagdoy
j _das deci sões, numa conjuntura de crise. O reagru
pamento dosistema emx
« torno do favorito e do seu programa
a — teve efeit os institucionais em Portugal, /
1. Y"" rmama dda—
soba for —
criação novas jurisdições e de uma hipertrofia da aut
))” — de concedida aos secretarios, orida-X
ã)_l. T
; ES
s on Tc un
ip
o D "';'\) M?

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A Questão Militar
—>
“ UMA CONVERGÊNCIA ESTRATÉGICA

'A conservação dos presídios militares produziu fricções, a que voltare-


mos, mas a sua presença não constitui um dos principais motivos da censura
dirigida à Monarquia Hispânica nos textos ditos restauradores. De facto, a
presença armada dos tercios castelhanos em várias praças fortes do litoral
português e das ilhas não suscita uma reprovação global, tanto quanto é pos-
sível ajuizar a partir da documentação contemporânea e posterior à Restaura-
ção Alguns indícios permitem mesmo avangar que esta permanência
dúfadoura de soldados castelhanos e dependentes da jurisdição castelhana
foi julgada positiva pelos actores portugueses. As tropas castelhanas estabe-
lecidas em território europeu da coroa de Portugal dependiam integralmente
da jurisdição e das finanças de Castela. A dupla função destes presídios, de-
fender Portugal e defender-se dos portugueses que porventura se deixassem
tentar pelas mobilizações anti-espanholas, é assegurada pelo erário castelhano.
O que quer dizer que as cidades portuárias e as frotas portuguesas, vítimas
crónicas de ataques corsários vindos do Mediterrâneo (os argelinos) ou do
norte (ingleses e holandeses), usufruíam de uma protecção que não pesava
nas finanças de Portugal. Esta presença era tanto mais preciosa, no início do
reinado português de Filipe II, porquanto o desastre de Alcácer-Quibir tinha
desorganizado profundamente o sistema militar do reino. Além disso, não foi
necessário esperar pela união das coroas para que um conjunto de interacções
úteis se estabelecesse entre castelhanos e portugueses. É o caso da função
estratégica do arquipélago dos Açores para a navegação atlântica de regresso
da Nova Espanha e da Terra Firme em direcção a Sevilha. É o caso do triângu-
lo formado, em torno do estreito de Gibraltar, pelas cidades portuárias da
Andaluzia, pelos presídios portugueses e pelos presídios castelhanos, no-
meadamente nas negociações permanentes sobre o resgate dos cativos e os
projectos de alargamento da presença crista no Magrebe. A manutenção de

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34 / Jean-Irédéric Schaub

Ceuta na esfera de influéncia castelhana depois de 1640, quando todo o resto


W do império portuguds se congroga em torno de João IV, é um sinal suficiente-
J mente claro da intensidade das rolagGes encetadas com os castelhanos, dos
dois lados do estreito,
N A possibilidade dada às frotas organizadas em Cádis para seguirem em
direcção à América, de aportarem nos portos do Algarve ou mesmo em Lis-
? boa, justifica a presença militar estrangeira, Enfim, as repercussões económi-
cas desta cooperação marítima, pela via legal das vendas de provisões e pela
viailegal - ainda que conhecida de todos - do contrabando, surgem de facto
—l

como uma compensação para as cidades portuárias portuguesas dotadas de


contingentes castelhanos. Na medida em que todos os comboios marítimos
eram fortemente escoltados por vasos de guerra, é em vão que se tenta sepa-
rar navegação mercantil e militar. Toda a documentação relativa a estas expe-
dições plurianuais mostram como as jurisdições portuguesas (alfândegas,
Lf:/ Cémaras Municipais, inspecgdes das finangas) e o foro militar castelhano
\\L\ w, piratam, simultanea e separadamente, do bom andamento das operagdes. Nao
Wi Y ێraro que os magistrados portugueses e os magistrados militares castelhanos
\‘&*\\J}’ trabalhem juntos, embora com procedimentos distintos. Com efeito, não só a
! ;\‘-" % "Ypresença militar castelhana nada pode exigir do fisco português, como a sua
,31)' ,f‘-\{j‘jurisdigfio diz apenas respeito aos súbditos castelhanos que residem
nas ci-
dades portuguesas. Os principais conflitos de competéncia que se manifes-
tam são, como veremos, relativos as queixas apresentadas
por stbditos de
uma coroa contra os da outra, essencialmente no dominio criminal
. No qua-
5 * drodavida quotidiana, acrescente-se que as jurisdigdes
permanecem absolu-
>.. tamente separadas e os magistrados militares castelhanos
nao possuem, por
* exemplo, nenhum poder de policiamento sobre o espag
o urbano em que
estão estabelecidos.
Entre os grandes éxitos da coopmilita
er r luso-
ag caste
do lhana, a histéria
W só reteve a libertação de São Salvador da Baía, em 1625. Mas que
panegírico
W " néo teria sido composto se a empresa da Invencivel Armada, essen
cialmente
%l preparada em Lisboa, não tivesse fracassado ao largo das falésias de Inglater-
S r1aem 15887 A concepgdo conjunta deexpediges em direcgéio ao Império
prosseguiu para 0 ano de 1625. A presenga do célebre quadro de Maino
"que comemora ria, sob o olhar alegérico de Filipe IV e de Olivares,
pintado para figurar no salão do Buen Retiro, ilustra o carácter formidavel
desta vitéria, A preparação da expedigao fora um momento fulcral na coope-
| ¢/ ração entre os maiores aristocratas portugueses e as autoridades militares
S / castelhanas, O duquede Caminha, duque
o de Bragança e o marquês de Cas-
Y
&)Q f)))lelo Rodrigo contribufram com bens préprios
das suas respectivas
casas para
) W__pôr a navegar a armada de socorrq. São numerosos os titulares (Afonso de
Noronha, conde de São Jodo; Afonso de Portugal, conde de Vimioso; o conde
W'
j

i
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Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640) / 35
l& \ “X 9}/ ºy)-/ N)

’&(‘\ de Tarouca), os primogénitos das familias da mais destacada nobreza, das


principais casas senhoriais e da magistratura superior que embarcam na fro-
ta, cuja parte portuguesa é dirigida por Manuel de Meneses. Os diferentes
cronistas dos acontecimentos organizaram as listas destes portugueses de_
elevada condigdo que partiram em 1625 e que só encontram paralelo entre os .
~acompanhantes deD), Sebastião na trégica expedição de 1578 a Alcácer-Quibir,
X A presenca macica de portugueses membros das familias nobres foi interpre-
X tada como uma manifestagao colectiva de lealdade para com Filipe IV e como
uma demonstragéo de forga enquanto corpo privilegiado no quadro das rela-
)( ções de vassalagem que uniam a nobreza ao seu rei.
Os sucessivos revezes sofridos perante os holandeses instalados no Nor-
- deste brasileiro, a partir de 1631, não podem ocultar a intensidade do traba-
X lho em comum realizado pela nobreza e a magistratura portuguesa com os ,
oficiais castelhanos dos presidios. Para a histéria da formação territorial do
' Brasil, o perfodo dos Habsburgo m?i;é] globalmente uma viragem. É 1gual
mente durante o período espanhol que a viabilidadeeconómica da explora- ,
ção do açúcar do Nordeste é posta à prova. Como mostraram há muito tempo
os historiadores da economia, é possível situar sensivelmente na época de
Filipe III o ponto de inflexão a partir do qual o Brasil pesa mais no conjunto * &
imperial português do que o conjunto dos estabelecimentos asiáticos.
O en- Á
tusiasmo europeu com as potencialidades coloniais dos espagos brasileiros -
traduzem-se por um florescimento de tex s manuscritos e impressos em Lis- ,,
‘boaeCastela. A o Kê t e
Sob a vaga de informações transmilidas pelos negociantes internacionais |
com correspondentes na corte do Rei Católico, os reis Habsburgo mostraram-
-sé sensíveis à prioridade estratégica brasileira.
uaduçao
A institucional des- YUy,
ta tomada de consciéncia deve procurar-se na iação de um Conselho
fw
das Indias, de 1604 a 1614 e, em particular, p la criagac
criagao da Junta de Pernam- Oéw á
buco em 1630. Alguém muito próximo de Diogo Soares estimava mesmo, nos
finais do reinado português de Filipe IV, que esta comissão, encarregada dos\’LdLfio
assuntos brasileiros, se havia transformado no verdadeiro Conselho de Por-
tugal. Não se deve contudo imaginar que a politica voluntarista dos magistra-
dos lisboetas e madrilenos para dar ordem às populagdes e aos traficos
comerciais no imenso e longinquo Brasil, se tenha traduzido numa policia de
costumes e de comércio realmente eficaz. Conhece-se bem a amplitude do
contrabando no Sul, entre o Rio de Janeiro e os estabelecimentos espanhéis ¢
do Rio da Prata, particularmente Buenos Aires. Na realidade, as frentes pio-
neiras do Norte da Amazénia e do Rio da Prata, ao sul, são tealros de tensoes
que resultam precisamente da convergéncia de interesses e da concorréncia !
entre as coroas de Portugal e de Castela.

P” .
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36/ Jean-Frédéric Schaub

EI'EITOS SOCIAIS DA PRESENÇA MILITAR CASTELHANA


Os
N

}\Lso;lm
ML convergéncia e concorrência não se exclufam mutuamente na
U/ imensa agregação colonial nascida da unido dinástica. Em multiplas ocasiões,
ºg o Conselho de Estado de Portugal, sempre preocupado em incarnar a autono-
mia da coroa no quadro da unido, ouvia os relatérios e as informagdes que lhe
eram submetidos pelos administradores castelhanos encarregados do abaste-
cimento das frotas comuns e do pagamento dos soldos. Durante os reinados
portugueses de Filipe III e Filipe IV, dois magistrados castelhanos, Fernando
Albia de Castro, autor de uma Verdadera razén de Estado publicada em Lis-
boa por Craeesbeck em 1616, e Tomás de Ibio Calderén comandam a jurisdi-
ção militar castelhana relativa as empresas maritimas. A sua permanéncia na
capital portuguesa durante vérias décadas explica que estas personagens se
tenham tornado actores essenciais da vida lisboeta e mostra que se integra-
ram profundamente no pafs. Nada há de mais distante do seu modelo que o
do agente que parte para uma missdo pontual ou extraordinaria. Instalados
no quotidiano da sua vida portuguesa, estes dois homens são também repre-
sentativos de um certo perfil dos castelhanos estabelecidos em Portugal. Esta
medalha tem o seu reverso, como se veré mais adiante. Ocupando um lugar
de eleigdo no desenvolvimento da vida maritima do porto de Lisboa, estes
ficiais castelhanos podiam igualmente entrar em conflito com as magistra-
uras da cidade e os mais diversos grupos de interesse.
79‘,.,ív,pçºlÁ profunda interacção que se estabelece entre as coroas, a partir das acti-
i\\)[ º J4v1dades maritimas, afecta não só os homens das tropas mas também os mer-
(,J .vcadores. A confraria dos mercadores castelhanos de Lisboa e de Setúbal,
N m)’ fundada em 1589, opera como milicia burguesa, sob o nome de companfa de
&; \San Diego, participando na defesa da cidade perante qualquer agressao exter-
§’ . na. Gozando do foro militar, mesmo quando são meros comerciantes, os
Q confrades são todos chamados a assegurar o alojamento dos soldados
castelhanos quando as cidadelas já não se encontram em condições de os
L receber. Mas, ao mesmo tempo, escapam à pressdo fiscal que as
Rª . municipalidades portuguesas entendem exercer sobre os mercadores. Esta
1{’\ situagdo complexa provoca vivas tensées e torna manifesta a questio funda-
W mental do estatuto jurisdicional dos filhos dos castelhanos nascidos em Por-
tugal. Na primavera de 1629, quando os negociantes de Lisboa são intimados
a financiar os galedes do Oceano Indico, os confrades recusam-se a pagar.
A Camara declara apenas reconhecer como castelhanos os soldados mem-
bros da Companhia e os seus filhos, na condigao de terem nascido em Castela.
A distingao operada entre os filhos de castelhanos nascidos em Castela e os
nascidos em Portugal não assenta unicamente ou mesmo principalmente numa
espécie de direito da naturalidade vinculada a terra. O que est4 fundamental-

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Portugal na Monarquia Hispânica (1560-1040) / 37

ment e em causa é a existôncia de uma populaçã


o de filhos nascidos em Por-
sas. Conhece-so, em Lisboa, um
tugal de pais castelhar 108 e do mãos portugue das jo-
ado para a educagio
projecto de estabelocimento roligloso vocacion
indesejáveis na maioria
vens portuguesas nascidas de pal castelhano e Julgadas
l da investigação, não é
dos conventos femininos da cidade. No estado actua
rtância desta miscige-
ainda possível estimar em termos demográficos a impo
castelhanos em terras portu-
nação ligada à longa permanéncia de homens
rever. Pode facilmente
guesas. O caso agoriano ¢ mais fácil de circunsc
caslelhanos no arquipélago
imaginar-se que a duragio média da presenga de
a, Relatérios dirigidos
tenha sido ainda mais prolongada do que na peninsul
casamentos entre solda-
20 Conselho de Guerra atestam a mulliplicagdo de
el, na Terceira e no
dos castelhanos e mulheres porluguesas em São Migu é
vida matrimonial
Faial. Nos documentos que chegavam a Madrid, esta
ar. A questao de eventuais
criticada como sendo contrária & mobilização milit
oficiais castelhanos pro-
casamentos entre filhas de notéveis portugueses e
em Angra. Nesta cidade,
vocou vérios dramas familiares, particularmente
uguesa eram nitidamente
onde porém a cidadela castelhana e a cidade port
nos acabaram por ser admiti-
diferenciadas pela topografia, oficiais castelha
mesmo assento na sua direcção
dos na confraria da Misericérdia e tiveram
exerciam uma actividade pro-
(a mesa). Da mesma forma, 0s portugueses que
de São Filipe do Monte de Brasil,
fissional no interior da muralha da cidadela
dos soldados castelhanos.
em Angra, puderam tornar-se membros da confraria nos e
a os casamentos entre castelha
Assim, se é verdade que na Idade Médi certas
e se fosse caso disso, a
portugueses respeitavam à alta aristocracia,
e de Portugal, na época dos
populagdes fronteirigas, em particular no Nort
ram alargar-se a familias bem mais
Habsburgo o seu número aumentou e pude
igenagao que se registam em
modestas. Seja como for, os fenémenos de misc
a jurisdicional, tém o seu equi-
Portugal, e que só colocam problemas na esfer
histéria complexa de cujos contor-
valente em Castela, Trata-se aqui de uma
Se a época dos trés Filipes
nos s6 agora comegamos a apercebermo-nos.
nhol, não resta qualquer davida
constitui para Portugal um breve século espa
tempo portugués. A despeito —
de que este perfodo foi também p ara Castela um
s arqueólogos da nncibm_x[id
da imagem difundida retrospecti vamente pelo —
das z
_de, a fluide Y ticas e amorosas entre0s naturaisdas
relag: & soclais, poli
duas coroas era bem reMas
al ,ém não há dúvida de que a comunhão
tamb
um lago social e
partilhado constitufa
sincera ou necessária num calolicismo
Europa dilacerada pela oposi-
uma linguagem comum, no contexto de uma
ção entre fiéis a Roma e protestantes.

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A Monarquia Católica

N T
NTNAA LA NEN
.\‘V\\‘\\‘)v NPJ [)‘\MU !

LPERANTE TN
O ISLÃO

As diferentes coroas ibéricas da monarquia partilhavam uma mesma re-


lação com a Igreja, que fundamentava o sentimento de pertença a uma koiné.
—A hispanidade comum dos castelhanos, dos aragoneses, dos portugueses e
R ,%os navarrinos não se resumia a um simples efeito de geografia física ou de
. "‘ ) Y\G\"geografia histérica herdada dos Antigos. A experiéncia colectiva da cruzada
N _interna contra o Islão peninsular, com mfia duragao suficientemente prolon- UNIÃO CONTRA UM

” gada para que a experiéncia vivida e o mito combinassem, constitui o ele-


INIMIGO EM COMUM

\ mento mais profundo desta cultura partilhada. Os empreendimentos


portugueses e castelhanos no Norte de Africa inscrevem-se na sequéncia do
.impulso da reconquista e manifestam a forte solidariedade catdlica ibérica.
: 5” Fernand Braudel considera quea «guerra de Portugal (1578-1583)» marca x
em que, coma união dinástica y
" a autêntica «viragem do século», na medida
0 lusitana, a Espanha «abandona o Mediterrâneo». A tragédia de D. Sébé;lião e,
NAo, .agrande vitória estratégi
it determinam uma oscilagdo estrutural ,
11 ipe
ot c: [ de Fil
pRerance estudo
(._Çg'Iení beneficiodo impulso atlantico. Esta célebre andlise baseia-se no
espanhóis
})\)fif — que Fernand Braudel havia conduzido sobre os estabelecimentos
esta tese, por exem-
% do Norte de África. Muitos outros indícios vêm sustentar
os [-)l'i-
portuguesa, o peso crescente do Brasil no Império desde
<A

à
o Nplo, escala proposigao.
matizar essa
Y S meiros anos do século xvii. Contudo, hoje convém
raneo inscre-
—A polftica catélica de Filipe Il dirigida contra o Islão mediterEm 15l.52, com
o
V
de D. Sebastiao.
’(&9} ve-se num movimento comum com a ambição
Londres tomava o Ipartldo dos
efeito, o embaixador de Filipe II na corte de e estraté-
de um eixo comercial
interesses portugueses perante a conslituigio
que uma tal alianga colocas:'se e’;n pde&;
gico anglo-marroquino. Portugal temia Des "
- Ceuta, Tânger e Mazagão.
rigo as suas praças fortes da «Berberia»
foram encetadas nego_claçú.es C(');I']'os
os começos do reinado de D, Sebastião,
dos esforços catolic
conselheiros de Filipe 1l tendo em vista a coordenação

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i

l 40/ Jean-Frédéric Schaub

no Medilerréneo. Nesta perspectiva, D. Sebastido, sobrinho do rei Habsburgo,


| havia considerado a possibilidade de casar com a sua filha Isabel Clara
Eugénia. Havia mesmo obtido do seu tio uma entrevista em Guadalupe, em
1578, ainda que nunca se tivesse encontrado pessoalmente com qualquer
outro monarca europeu durante todo o seu reinado.
Depois da batalha de Alcácer-Quibir, Cristovão de Moura, em nome de
Filipe 11, insistia junto do velho cardeal-rei D. Henrique na necessidade de
não abandonar a política de presença militar portuguesa em África. Dez anos
Í decorridos sobre a batalha dos três reis, Filipe II teve novamente de intervir
t para enfraquecer as relações anglo-marroquinas, tanto mais que D. António,
prior do Crato, candidato desafortunado à sucessão de D. Sebastião, tentava
então criar em Marrocos uma base inglesa para desferir ataques contra o Por-
tugal hispânico. A expedição castelhana, coroada de êxito, contra o porto
corsário de Larache, em 1615, não podia deixar de aumentar a segurança das
populações da costa do Algarve, bem como da navegação que se 'dirigia de
Portugal em direcção aos principais presídios ainda nas suas mãos, tais como
Ceuta e Mazagão. Pode dizer-se o mesmo da vitória da frota castelhana em La
Mamora contra a coligação formada por corsários holandeses e a tropa do
o Sultão Muley Sidan, em 1614. Os perigos que a pirataria mugulmana, em
n Q' \_‘Oparlicular berbere, fazia correr aos portugueses eram bem reais. As ilusões
S mx)? frustraram-se quando em 1617, a quase totalidade da população da ilha de
\‘( Porto Santo foi saqueada por uma frota mugulmana e conduzida para Argel.
vY A despeito do recuo global da presença de Castela nos estabelecimentos
do Norte de África, na segunda metade do século xvi, há que ter em conta a
vontade dos sucessivos reis em manter uma rede militar, comercial e espiri-
tual no litoral do Magrebe. A presença católica nesta região concentra-se em
torno de dois pólos complementares: o duplo presídio castelhano de Orão e
Mers el Kébir, por um lado, e a rede composta de presídios portugueses (Ceuta,
Tânger, Mazagão) e castelhanos (Melilla, Penón, Larache) na costa marroquina,
s mais coerente
poroutro. O dispositivo, no plano estratégico, visa, de forma

Yv

;';à'* “ magrebino surge como uma coerente organiz:

??x

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V
[KÚÃQUGV(?UAW' Portugal na Monarquiu Hispanica (1580-1640) / 41
Ú

que ficaram acerca do abastecimento de cereais a Ceuta vindos da Andal


uzia
ou de Orão, cidade na qual, é manifesto, residiam portugueses
antes e duran-
te a unido dindstica. Mas o dominio fundamental desta polftica
de solidarie-
W dade cristã perante o Islão do Norte de África continua a ser o do resgat
e dos
W calivos. - ANA
Py. $ N cip: Sabe-se que Filipe 1l consagrou somas consideráveis ao resgate dos
prin-
ais cativos portugueses da batalha dos três reis. Por esta via,
garantia o
W sentimento de dívida dos membros de numerosas famílias da aristo
cracia |
portuguesa para com ele, a0 mesmo lempo que praticava uma obra de
bom
cristdo.A ordem dos trinitérios, mobilizada antes de mais pela quest
ão do
resgate dos cristãos que se encontravam & mercé das autoridade
s mugulma-
nas enquanto aguardavam o resgate, interveio indiferentement
e a partir de
bases portuguesas ou castelhanas, para trazer de volta à cristandade portu-
gueses e castelhanos. Deste ponto de vista,os reis Habsburgo de Portugal
agiram na estrita continuidade das pretensdes dos reis Avis, que os havia
m
_precedido em quase um século
com a tomada de Ceutaem 1415. A importan-
cia concedida as pragas portuguesas de Marrocos durante todo o perfodo da
unido traduz-se, por exemplo, no facto de a nomeação para 0 governo e capi-
tania geral de Ceuta, Tanger ou Mazagao figurar em lugar de destaque nos
mais prestigiados cursus honorum da familia Mascarenhas.

A IGREJA PORTUGUESA E A INQUISICAO

Aimportancia atribuida pelos magistrados portugueses e castelhanos aos


assuntos do Norte de Africa nao deve ser apenas interpretada em termos es-
tratégicos, no quadro da oposicao aos corsérios berberes ou otomanos. Proce-
de também da busca de uma perspectiva escatolégica, na qual o combate
contra o0.Islao ocupa um lugar privilegiado.
Nos dois reinos, a ideologia real
dé Igreja milita'{lté,contipua a ser um elemento fulcral do dispositivo cultural
e politico da monarquia. A Igreja pertuguesa havia recebido suficientes ga-
rantias no tempo das Cortes de Tomar para não temer os efeitos da unido
din4stica. A julgar pelo nimero de prelados portugueses associados ao go-
— verno do, reino, quer nas juntas de governadores, quer como vice-reis sob
Filipe I1I e Filipe IV (ver Anexo), não resta dúvida alguma de que o episcopa-
do do;reino sabia fazer ouvir a sua voz. Só Portugal, entre todas as_coroas.
associadas & monarquia, continuou a dispor de um encarregado de negécios
qual Aragão não beneficiava. Observar-se-4,
do io
junto da Santa S, privilég
in fine, que imediatamente ap6s a Restauragao, dois dos mais fervorosos adver-
sários do novo rei eram o primaz de Portugal, Sebastiao de Matos de Noronha,
arcebispo de Braga, e o Inquisidor-geral, Francisco de Castro. A convergéncia

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42 /Jean-Frédéric Schaub

dos objectivos definidos pelas mundividência católica portuguesa e castelhana


constitui um elemento de coesão evidentemente muito importante. Assim,
para o exterior, manifesta-se pela perseguição do espírito de cruzada mas
também encontra pontos de aplicação no interior.
Contrariamente ao que aconteceu na sequência da união de Castela e de
Aragão, o Santo Oficio de Portugal permaneceu perfeitamente separado das
outras inquisigdes. Para além disso, a cronologia das vagas de repressio
inquisitorial é completamente desfasada entre uma coroa e as outras.
A inquisição é muito mais tardia em Portugal (1536) do que em Castela (1478),
e 0 seus ritmos são independentes. Acrescente-se que, no infcio do perfodo,
a intransigéncia de Filipe II em relação ao protestantismo e a multiplicagio
de espectaculares autos-de-fé em vérias grandes cidades de Castela encon-
tram a correspondéncia no militarismo catélico intransigente de D. Sebastido
e do cardeal-rei.
As tentativas de conciliagio langadas pelos representantes das comuni-
dades conversas portuguesas podiam ter quebrado esta harmonia. Filipe 1l
fez “orelhas moucas” às propostas que lhe foram dirigidas pelos cristãos-
novos portugueses. Estes desejavam poder abandonar Portugal e escapar ds
confiscagoes operadas pelo Santo Ofício em troca de um donativo voluntd-
rio. Sob o reinado de Filipe 11, a questio do perdio solicitado pelos conversos
põe à prova a firmeza anti-judaica do monarca sob o olhar desconfiado dos
inquisidores portugueses. Em 1602, representantes das comunidades con-
versas portuguesas ofereceram ao rei, por intermédio do embaixador espa-
nhol em Roma, a soma avultada de 800 000 cruzados em troca de uma
autorizagdo de safda para a Holanda e a Itália, terras onde o judafsmo se
podia afirmar. Este negócio provocou uma manifestagio de protesto no epls-
copado e na inquisição portuguesa, que temiam que uma recuperagio da
forga da comunidade sefardita no exterior encorajasse os circulos judaizantes
a perseverar nos seus erros. Sem duvida que os inquisidores também recea-
vam que as suas presas preferidas lhes escapassem definitivamente, Uma
delegagdo de eclesidsticos portugueses apresentou-se na corte sem ter sido
convocada para pedir ao rei que renunciasse a este projecto. Haviam conse-
guido mobilizar os vassalos e as cidades portuguesas a ponto de poder pro-
por ao rei o resgate do perdao, isto é o pagamento dos 800 000 cruzados em
troca do abandono de uma politica de conciliação com os conversos. O mar-
qués de Castelo Rodrigo aprovou plenamente a opinizo dos prelados na me-
dida em que pensava que, ao permitir que os descendentes de judeus
convertidos se juntassem às comunidades holandesas, o rei mais não fazia
do que reforgar o circuito mercantil das provincias rebeldes. Para além disso,
à semelhanga do mercantilista Duarte Gomes Solis, o vice-rei estava consci-
ente de que os negociantes conversos desempenhavam um papel capital na

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Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640) / 43

economia do reino. Finalmente, a linha de oposição conquistou a convicção


do rei e o projecto de perdão foi enterrado.
A questão do lugar dos cristãos-novos na sociedade afigura-se um teste
periódico da concordância entre o rei e o seu reino. Os capítulos enviados
pelos concelhos às Cortes de 1619 exprimem de forma muito insistente a
desconfianga das oligarquias urbanas cristas-velhas relativamente aos
conversos.A manutenção de um nivel aprecidvel de pressao inquisitorial so-
bre famílias cristas-novas surgia como um imperativo espiritual
e uma arma_
na luta pelo controlo dos instrumentos de poder no mundo das cidades. Des-
te modo, surtos de hostilidade anti-judaicas manifestaram-se em vérias oca-
sides sob o olhar pelo menos neutro das autoridades, como o levantamento
anti-converso dos estudantes de Coimbra em 1620. Quando, sob Olivares, o
mundo dos negécios portugués tomou o lugar dos genoveses, vitimas das
bancarrotas da coroa, manifestou-se a extrema vigilancia dos prelados ¢
inquisidores portugueses tanto em Lisboa como na corte. Uma vez mais, não
obstante a necessidade em que se encontravam os oficiais da Fazenda de
Filipe IV de negociar com casas cujos patroes todos sabiam ser cristaos-novos
as perso-
portugueses, a actividade da inquisigio de Castela pdde satisfazer
aos judaizantes.
nalidades portuguesas mais exigentes em matéria de caga
um argumento polé-
O suposto filojudaismo do conde-dugue é antes de mais
mais tarde, por
mico forjado em Castela pelos seus adversários e retomado,
sua conta, pelos polemistas da Restauragio.
de forma parti-
Surtos febris de actividade inquisitorial manifestaram-sc
Algarve durante a década de 30 do
cularmente brutal, nomeadamente no
da parte das instituigoes da corte
século xvII, sem suscitar a mfnima reserva COroas.
ainda mais as duus'
madrilena. Pode-se mesmo adiantar que uniram
dos tribunais dos dois pni.scs
Por um lado, estabelece-se uma certa cooperagao
portugueses que fugmm
no cap(lulo dos u-ânsfugas, por outro, os cristãos-novos
fileiras dos portugueses residentes em
das suas cidades vinham engrossar as
Castela.

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A União dos Homens

AS ELITES PORTUGUESAS SOB O SIGNO ESPANHOL

à Como mostrou Fernando Bouza em vários trabalhos pioneiros, os ácordos


& | de Tomar sancionam uma actividade de negociação de extrema intensidade
. | que começara durante o reinado do cardeal-rei D. Henrique. Os emissérios de
s * Filipe Il discutiram com as principais personalidades da corte de Lisboa, che-
; fes de grandes familias, prelados e mesmo alguns concelhos. Nao se tratava
ª então apenas de conversações de política geral ou de ajustamentos institucio-
| nais. Cada uma das partes ouvidas pelos emissários do rei Habsburgo teve
| oportunidade de exprimir as suas reivindicações provisórias. A assembleia dos
três estados constituiu também a ocasião que foi oferecida a Filipe II para hon-
rar os compromissos assumidos durante o período anterior junto dos corpos
| sociais e das mais diversas personalidades. As três reuniões das Cortes de 1581,
1583 e 1619 são outras tantas ocasiões para as negociações entre os monarcas
. hispânicos e os corpos sociais do reino português.
Em Portugal, como de resto em Castela, os Habsburgo dos finais do sécu-
lo xv1 e.do início do século xvii procedem à criação de um grande número de
casas titulares. Enquanto a dinastia de Avis havia instituído uma trintena de
títulos em dois séculos, os Habsburgo instituíram quarenta em sessenta anos.
Talvez esta intensificação não seja, em si mesma, significativa, uma vez que é
h , “necessário levar em conta a inflação generalizada do número de títulos
P _,nobilidrquicos na Europa do século xvii. Em contrapartida, é notável verificar
W que 41 das 56 casas titulares portuguesas existentes em vésperas da Restau-
'\;g“ ., ração eram criações filipinas. Se tomarmos por amostra as vinte e uma casas
Y\\Y‘\- " que atingiram a grandeza antes de 1640, doze foram dotadas de titulo pelos
i Habsburgo: marquês de Tancos em 1583, duque de Lafões em 1611, marquês
de Távora em 1611, conde de Vimieiro em 1614, conde de Arcos em 1620,
marquês de Louriçal em 1622, marquês de Loulé em 1628, conde de São
Miguel em 1633, marquês de Fronteira em 1638, marquês de Sabugosa em

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46 / Joan-Frédário Schaub

1640, conde de Aveiras em 1640, conde de Lumiares em 1640. Para citar


m apenas algumas figuras célobres, Filipe 11 faz Cristóvão de Moura marqués de
Y \‘ Castelo Rodrigo, Filipo 11l faz Henrique de Sousa Tavares, governador da Casa
do Givel, marqués do Miranda, Filipe 1V faz de Manrique da Silva, sexto con-
(\’) y "de de Portalogre, marquês de Gouveia, Se aceitarmos a ideia de que as maio-
k res rupturas polfticas, nomeadamente as mudangas dinésticas, tém por efeito
| ,»* o a emergéncia de um número notével de novas casas aristocréticas, fruto do
l%Xwª acordo entre os novos reis e as famílias de que eles fazem a «sua» nobreza, a |”
'união de 1581 não foge & regra. Tal como Henrique II Trastâmara em Castela,
|QY)\\‘ Y em 1369, ou como D. Jodo IV a partir de 1641, os Habsburgo assentam o seu
! novo poder sobre uma vaga de criagdes de casas. Mesmo depois do 1.° de
| QY Dezembro, Filipe IV continuou a criar tftulos portugueses para recompensar
| os fidalgos que lhe permaneciam fiéis. As observações mordazes da histori-
ografia sobre a distância entre uma aristocracia portuguesa castelhanófila e
um povo, que se supunha estar forçosamente ligado a uma lusitaneidade
confiscada, encontram aqui uma explicação pragmática.
º A estratégia de atracção da nobreza portuguesa no quadro da dinâmica
'da Monarquia Hispénica passa por toda uma série de préticas politicas.
A alternancia teórica entre a vice-realeza de sangue real e as juntas de gover-
nadores portugueses oferece todas as garantias de perpetuagao do poder po-
litico das grandes familias da nobreza no interior do reino. De um vice-rei de
sangue podiamos esperar que se louvasse nos pareceres dos membros do
& Conselho de Estado, composto no essencial por representantes das grandes
> familias. Quanto as juntas de governadores, asseguravam o governo directo
. do reino por intermédio dos chefes das principais casas. Neste plano, obser-
r-Se-á que a aristocracia ocupa uma posição de importancia crescente nas
actividades governamentais, desde o comeco e até ao final do perfodo dos
)Habsburgo Filipe II e depois o seu sobrinho, o arquiduque Alberto, gover-
‘nam
< entre 1581 e 1593, deixando aos governadores os últimos anos do reina-
" do. Por duas vezes, em 1600-1603 e em 1608-1612, Filipe III confia o governo
f o favorito portugués de seu pai, Cristóvão de Moura, e depois, entre 1617 e
{ 1621, a Diego de Silva, conde de Salinas, rompendo a regra estabelecida em
‘ff Tomar. Em contrapartida, Filipe IV e Olivares proporcionaram à aristocracia
\\? portuguesa o mais longo perfodo de governo dos seus representantes, de 1621
a 1635, antes de retomarem a vice-realeza de sangue real. Durante este perfo-
do (ver cronologia), Diogo de Castro, conde de Basto, foi duas vezes governa-
dor e uma vez vice-rei, Diogo da Silva, conde de Portalegre, Nuno de
Mendonga, conde de Val de Reis, Anténio de Ataide, conde de Castro Daire,
foram também governadores. É igualmente nesta época, para dar um exem-
plo, que Jorge de Mascarenhas, conde de Castelo Novo, futuro partidério de
D. João 1V, recebe a presidéncia da Câmara de Lisboa, da Companhia das

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Portugal no Monarquia HispAnica (1560-1640) / 47

Moura, marquês de
Índias e da Junta da Fazenda, concebida por Manuel de
Filipe 11, Cristóvão de
Castelo Rodrigo. Este último, filho do amigo fntimo de
na mais castelhana
Moura, pode perfilar-se como o protétipo da nobreza filipi
carreiras e nas
do que verdadeiramente portuguesa no desenrolar das suas
caminho.
suas afinidades. Ora não hé nada que permita enveredar por esse
Castela, Fernan-
No seu estudo fundamental sobre a nobreza portuguesa em
. Casado com
do Bouza reconstituiu a rede de relagoes pessoais de Moura
am
uma filha do conde de Tenttigal e marqués de Ferreira, as suas irmas casar
filhas com
com o marqués de Gouveia e o conde de Vimioso, e uma das suas
conde de
o duque de Caminha. Por relagdes de parentesco está ligado ao
Basto e ao conde de Vidigueira, vice-rei das Indias.
Portugal pela
Assim, desde os primeiros tempos da politica de atracção de
garam-
monarquia hispanica, trés familias da alta aristocracia portuguesa esfor
os são Cris-
-se por tecer lagos com a corte castelhana. Os mais notorios e activ
e segundo
tóvão de Moura e depois o seu filho Manuel, respectivamente primeiro
Il e o
marqueses de Castelo Rodrigo. O pai foi o favorito portugués de Filipe
a oposi-
filho por pouco não o foi de Filipe IV. O seu insucesso empurra-0 para
da uniao
ção a Olivares, mas mantém-se no campo da fidelidade ao principio
Juan de Borja,
dinastica. O embaixador de Filipe 1! junto de D. Sebastiao, D.
ncen-
uniu a sua casa à dos Aragão e recebeu o titulo de conde de Ficalho. Perte
s o
do, como o duque de Lerma, a grande linhagem dos Sandoval, Juan, e depoi
seu filho Carlos, titulado duque de Villahermosa e presidente do Conselho de
-
Portugal, consolidam os lagos entre a alta nobreza portuguesa e 0 cla do favori
mente
to de Filipe III. Dois ramos da familia Silva viriam a desempenhar igual
de
papéis muito importantes. Trata-se, por um lado, de Diego da Silva, conde
princi-
Salinas e marqués de Alenquer, presidente do Conselho de Portugal e
palmente vice-rei de 1617 a 1621. Esta personagem era filho de uma das figu-
ras mais marcantes da corte de Filipe III, Rui Gomes da Silva, principe de Eboli.
Por outro lado, Juan de Silva, amigo de infancia de Filipe II, seu enviado junto
junta
de D. Sebastido e presente na batalha de Alcacer-Quibir, foi membro da
de governadores criada após a partida do arquiduque Alberto em 1593. Tor-
rei de
nando-se, por casamento, quarto conde de Portalegre ¢ Mordomo do
seus
Portugal, é um dos politicos mais activos na viragem do século. Um dos
a
filhos, Diogo da Silva, conde de Portalegre, exerceu a vice-realeza de 1623
1627.,Estas trés familias, Moura, Aragão e Silva, tém em comum os lagos ge-
-
neal6gicos com a nobreza portuguesa, actualizados por novos titulos portu
gueses e casamentos cruzados com a nobreza lusitana, e uma pertenga antiga
ao dispositivo clientelar da corte do rei de Castela e de Aragão. Assim, uma boa
parte da aristocracia que havia servido os reis da dinastia de Avis tinha-se
, até a
associado voluntariamente ao servigo pessoal dos reis Habsburgo. Todos
casa de Braganga, estabeleceram lagos de alianca com estas familias.

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11

l 48 / Jean-Frédéric Schaub

Não se conhecem tão bem os sislomas de comunicação estabelecidos pe-


los magistrados e pelos oficials portugueses que não portenciam às mais altas
v esferas da nobreza. Contudo, o caso dos secrelérios de Estado dos finais da
i, época dos Filipes, Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos, permite a formula-
ção de hipéteses. Os mecanismos que puseram em marcha séo em parte ané-
- logos aos que eram usados pelas grandes famílias da nobreza. O investimento
em offcios e em cargos efectuava-se simultaneamente em Portugal e no séqui-
to do rei na corte. duplicado por uma rede clientelar e de patrocinato difuso
* através de toda a rede urbana porluguesa, nas câmaras, no clero, e no meio
: dos familiares da inquisigao. É de notar a importancia dos lagos pessoais que s
então se tecem entre os fiéis do clã Soares-Vasconcelos de um modo perfeita- é
º mentetradicional. Se eram portadores de projectos modernizadores, foi usando
mecanismos clássicos de fidelidade pessoal que conseguiram impor o seuX
, ponto de vista ao longo dos anos 30 do século xvii. Não se pode subestimar a
f ' amplitude da rede familiar e mais latamente social na qual os dois secretáriosX*
de Estado se apoiaram. Um dos melhores agentes do casal Soares-Vasconce- *
" los, presente nos diversos órgãos judiciais portugueses, o Doutor Francisco ”
\ Leitão, foi testemunha no casamento de Diogo Soares com a filha de Mlguel
)" de Vasconcelos. Os panfletos que circulavam na época da Restauragdo subli-
nhavam o papel dos cúmplices portugueses do opressor castelhano. Desta
forma, deixaram-nos o testemunho da imporlancia da contribuigéo portu-
guesa para o desenvolvimento da politica do conde de Olivares. No mundo
dos offcios foi assim possivel assinalar a solidez dos lagos que uniam os ho-
mens colocados em Portugal com os principais actores da corte régia.

A ESPANHA SOB O SIGNO PORTUGUES

Quis-se ver na evolugao da Monarquia Hispénica nos primeiros anos do


século xvi um reflexo da influéncia portuguesa em matéria de condugao
dos assuntos de Estado. A trégua dos doze anos assinada com os Estados
rebeldes da Flandres ia ao encontro dos interesses de numerosos actores
portugueses, por exemplo no dominio tão fundamental do comércio do sal
Je dos produtos coloniais destinados ao Norte da Europa. Mais tarde, quan-
a de grandes nego- —
* dosealtera a conjuntura diplomática e militar, presença
Q a
ciantes portugueses em Madrid confirma profunda irimbricação das
“=economias das diferentes coroas da Monarquia. Em suma, a integração de
\ys{ Portugal na Monarquia não deve ser examinada “unicamente do ponto de
vista do que ela trouxe, de bom e de mau, à coroa anexada, mas também do
.* ponto de vista do que alterou nas outras coroas, nomeadamente na r1ais
?3 interessada, Castela. ;

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Portugal na Monarquia Hispânica (1560-1040)
/ 49

Podo dizor-se quo a Espanha da segunda metade do século xvi e da primel-


ra motade do século Xvit viva sob o slgno portuguds, Já so evocou aqui a multi-
plicagdo das aliangas matrimonials ontre as fileiras das nobrezas castelhana e
portuguosa, bem como a circulagio das obras literdrias, Não nos podemos es-
quecer do papel político activo da esposa de Carlos V e mão de Filipe 1l para o
reforgo de uma inclinação portuguesa no préprio centro do dispositivo corte-
são dos dois monarcas do século xvi. A conflanga depositada por Filipe 1! nas
personalidades de Rui Gomes da Silva e de Cristóvão de Moura, antes da união
dindstica de 1581, é disso uma forte tradução. O lugar de eleição entregue a
Francisco de Melo ou aos Moura Corte-Real na politica de Filipe IV depois da
Restauragdo confirma a influéncia dos conselheiros porlugueses junto dos reis
de Castela e de Aragão. Membros do Conselho de Porlugal, tais como as perso-
nalidades luso-castelhanas do duque de Villahermosa ou do marqués de
Alenquer, ou como Diogo Soares, participam nas juntas comuns com membros
de outros conselhos da polissinodia hispanica, em vérios momentos da histé-
ria da unido. Por essa via, é-lhes dada a palavra para tratar de assuntos que nem
sempre são exclusivamente porlugueses.
Se Espanha vive então sob o signo português, deve-o lambém aos actores
an6nimos da intensa migragao de Portugal em direcgao a Castela, cujos efei-
tos mais notáveis coincidem com o periodo da unido dinástica. Esles fluxos
estão ligados a diversos factores. É extremamente dificil separar as saidas
determinadas pela fuga perante a actividade intensa dos tribunais
inquisitoriais das motivadas pelo apelo de alguns sectores mais disponiveis
da economia castelhana. Sabe-se que, desde os finais do século xvi, o comér-
cio a retalho e o comércio ambulante são exercidos por numerosos portugue-
ses em toda a coroa de Castela. Foram realizados estudos sobre a presenga
desses portugueses nas sociedades fronteirigas que mostram a sua considera-
vel importancia numérica. Pode lamentar-se a falta de investigagoes recentes
sobre a demografia histérica de uma cidade como Seyilha que tinha então
fama de ser uma cidade meia portuguesa, não sendo Diego de Veldzquez o
tinico rebento portugués da cidade do Guadalquivir. O caso sevilhano apre-
senta, de qualquer forma, as duas faces da questão. A cidade é ao mesmo
tempo o reftigio dos conversos ou supostos conversos que fogem s visitas
inquisitoriais do Algarve e o lugar a partir do qual comerciantes e aventurei-
ros portugueses melhor podiam inserir-se nos tréficos maritimos do Atlanti-
co castelhano.

A presenga portuguesa em Castela, ateslada desde a Idade Média, atinge


sem dúvida o seu apogeu durante o perfodo da unido. A Restauragéo apanha
de surpresa centenas de pessoas que se encontravam provisoriamente na cor-
te e que são chamadas a escolher o seu campo. A adesdo voluntdria a fideli-

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50 / Jean-Frédéric Schaub

dade aos Habsburgo está longe de ser excepcional entre os súbditos portu-
gueses presentes em Castela a 1 de Dezembro de 1640. Alguns alcançam clan-
destinamente a sua pátria para se colocarem ao servigo de D. João IV, mas não
são poucos os que permanecem em Castela. O Conselho de Portugal, reactivado
pela guerra anti-portuguesa, é então incumbido de gerir a sustentação destas
personalidades que em breve se veriam privadas dos seus patrimónios portu-
gueses pela nova dinastia. Os laços que haviam tecido com a sociedade
castelhana e a corte do rei antes da Restauração determinam a sua escolha.
São testemunhas da densidade das relações estabelecidas pelas duas socie-
dades. Dessas relações, a união das coroas também beneficiara durante ses-
senta anos.

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Conclusão

Para entender as dinâmicas políticas que tornam possí


vel a união da co- )
roa de Portugal com as outras componentes da mona
rquia hispanica, temos *
imperativamente de distanciar-nos dos modelos espontan
eos de comparagéo '
oferecidos, na época contemporanea, pelo colonialis
mo ou pela expgnsio .
territorial das nações modernas mais poderosas a custa das
mais fracag/ Nada
há de mais parcial do que imaginar, nesta histéria, o
frente-a-frenfe entre
uma poténcia acliva, a monarquia hispénica, e uma presa
passiva, a socieda-
de portuguesa. Redes sociais, corpos inteiros da sociedade portu
guesa apos-
taram na capacidade da dinastia dos Habsburgo para tirar o reino
da prostração
em que o massacre de Alcácer-Quibir e o impasse dinástico da linhag
em de
Avis 0 haviam mergulhado.
A entrada da coroa portuguesa na monarquia hispanica só pode ter sido
representada como uma safda por cima para a crise porque existia
mn conivén-
cias profundas entre as sociedades portuguesa e castelhana. A preparagao
diplomética da integragdo, antes mesmo do antncio da morte de D. Sebasti
-

Portugal na monarquia hispanica, a conjuntura do século xvii não era favorá-


vel. Basta ver a subida das tensões no conjunto hispanico: sublevagées
aragonesas de 1591-1592, revolta de Bilbau em 1631, bloqueio institucional
na Catalunha nas Cortes de 1626 e 1632 e rebelido de Barcelona em 1640,

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D SE
\ NP (1

Szquan-l\sfi icêchaub

“í \/‘
" revolugdo napohtana de 1647, «alteragoes» andalusas de 1652. Como é evi-
4/dente, não se pode isolar a Restauragdo de um ciclo histérico marcado pelas *
\S‘\l‘ tensdes que afectaram : a úmao espanhola'E impossível analisar o frente-a-
frente luso-castelhano à margem desta conjuntura mais ampla. Não é lícito
à)“ concluir que as campanhas hostis à pessoa do conde-duque de Olivares, de-
senvolvidas na corte por uma parte da aristocracia castelhana, fossem igno-
radas pelos círculos que preparavam as justificações políticas da revolução
do dia 1 de Dezembro. O facto de apenas Portugal ter realizado uma secessão
definitiva não permite tratar o seu caso de forma absolutamente isolada. Mais
uma vez, é o resultado final que convida, de um modo teleológico, a pensar
que Poíftugal tinha uma vocação natural para abandonar a monarquia co-
mum](t:ontudo, a andlise dos acontecimentos de 1640, anunciados pelas re-
voltas do Alentejo e do Algarve de 1637-1638, exige que se tome em conta o
facto de as crises politicas que abalaram o reino de Portugal serem anélogas a
outros fenémenos do mesmo tipo que ocorreram na penfnsula e na Europa,
Importa circunscrever bem os processos que tornaram possfvel o resulta-
do final. Para discernir os elementos da discérdia luso-espanhola devemos
ter o cuidado de ndo interpretar em excesso acontecimentos que não se de-
vem a uma oposição entre culturas ou insliluiçõesÍ Munidos destas precau-
ções, poderemos avaliar melhor as especificidades próprias do Portugal dos
Filipes, tais como o sebastianismo, a fidelidade a D. Anténio, ou o lugar da
casa de Braganga nos equilibrios sociopoliticos do reino. Poderemos também
medir os efeitos dos revezes sofridos pelo império portugués nesta fase de
recuo em todas as frentes no inicio do século xvi, da incapacidade dos trés
reis em respeitar a letra os compromissos assumidos em Tomar e da organiza-
ção de um espago de tomada de decisdes em torno de favoritos que escapa ao
controlo das magistraturas portuguesas. Do mesmo modo que os elementos
de concérdia permanecem, em boa parte, actuais até 1640, os factores de
discérdia, manifestos durante o periodo de anexagao de Portugal por Filipe I
(1580-1583), atravessam todo o periodo.

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AS FONTES DA DISCÓRDIA

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Introdução

VA
Wx .cns?:;íjàgz(lg; íí)lslfl:ãâ:]l;e(;)errnlilenl compre-:endcrl a dine'unlicu d(} unido luso-
o contmtunldatooniat es de fermentos da discérdia. O f:araclc‘r formalmente
| Ção da coroa portuguesa & monarquia hispanica expde os
§uce§sivqs reis ao olhar vigilante dos notáveis e dos magistrados portugueses,
desejosos de sublinhar todas as faltas à palavra dada no campo institucional
mas também no campo dos procedimentos. Quando Portugal se une as outras
coroas da penfnsula, o seu sistema jurisdicional polissinodal encontra-se já
muito desenvolvido e a sua administragéo do Império já atingiu o estado sere-
no da rotina. £ um facto que, no essencial, as instituigdes de Portugal e de
: Castela não cresceram juntas. A arquitectura dos poderes que nos habituamos
. a chamar do Estado moderno estava Asinstalada em Portugal no momento em
@."\l cque a dinastia dAe Avis desaparece. adaptagdes institucionais que os reis
X" Habsburgo Tniroduzem só superficialmente modificam este sistema. Os seus
do reino:
N' x dispositivos essenciais estão solidamente enraizados na vida política
polissinodal dos
\)4 > poder da jurisdição ordinéria e dos magistrados, organizagao
tribuna eriores em ligagdo com a coroa, preservação da autonomia urba-
e das
a, fragmentação jurisdicional em torno da nobreza laica e eclesidstica
do reino no mo-
« ordens militares, represenlago corporativa dos trés estados
desta ordem politica
mento em que se celebram as Cortes. A indisponibilidade
as condigdes da sua integra-
“ c as imunidadesde que os estados beneficiam são
que favorecem a formulagéo de
Y ção namonarquia. Mas são também condigdes
v projectos alternativos. .
queriam fazer crer,
Contrariamente ao que os circulos do poder régio
isto é, a
em Madrid, Valhadolid ou no Escorial, o campo das possibilidades,
foi completa-
capacidade de imaginar uma saída da unido dindstica nunca
este perio-
mente abandonada em Portugal, Serla impossivel compreender
As expectativas
do se o resumfssemos ao seu arranque e ao seu desfecho.
politico, e
dos aclores sociais recompuseram-se constantemente no campo
lanto mais facilmente quanto a relagdo do reino com a coroa se tornava

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56 / Jean-Frédéric Schaub

singularmente mais complexa com a identificação do rei de Portugal com o


de Castela-Aragão-Navarra.
Todas as condições foram preenchidas para favorecer a máxima volatilidade
- politica. Os dispositivos jurídicos que tinham por objecto a preservação dos
privilégios e dos estatutos das pessoas e das corporações mantinham-se plena-
W,)l'menle em vigor, enquanto a instituição da realeza se encontrava a maior distân-
—, cia. A ausência física do rei implicou que a dinâmica política que geralmente se
instala em torno da instituição curial fosse quebrada, ou no mínimo muito ate-
' nuada. A mediação dos nobres, dos prelados e dos magistrados absorvia portan-
Y. to a totalidade do espaço político, ou quase, na medida em que os vice-reis e os
! & governadores provmham desses mEIOS ou dependxam eslreflamente deles. Este

r < duque de Uceda) e de Fdipe IV (conde-duque de Olivares), afecta o reino de


R ,\.4 Portugal, bem como todas as outras componentes da monarquia hispénica.
\ PA institucionalização de um intermediário entre os vassalos e o seu rei, nomea-
. -damente no dominio tão encaremdo da graga, desmente a ficçãoda presença do
) 'rei no seu reino através dassuas relaçues directascom os tribunais superiores
” de cada um dos seus reinos. Se a isto junlarmos o facto de os membros das
> Pequipas nomeadas para representar a pessoa do rei em Lisboa nem sempre esta-
rem unidos, poder-se-a entender então como o jogo politico se tornou mais com-.
: ’L 1 _plexo Relanvamente à lmagem medieval do conlaclo du'ecto dosvassalos com

mal coordenadas enlm si abre o jogo e muIUphcaOS recursos para os actores.


« » Nas circunstâncias peculiares dos séculos xvi e xv! na Península Ibérica,
w n raagregação de Portugal à monarquia hispânica não podia ser facilmente esta-
bilizada. A actualizaçãodos contratos firmados entre diversos corpos sociais
ou famíliasportuguesas e a instituiçãoda coroa permanecia a única garantia
em c gitimidade. Ora, o ideal da imo-
bilidade das mstnulçoes edas práticas políticas que continuava a ser comum
a todos os círculos da sociedade, a começar pelos letrados, era regularriente
desmentida pela irrupção de novas formas de proceder e pela impossibilida-
de em que se encontravam os reis de respeitar estritamente a palavra dada
em Tomar. Ainda neste ponto, parece mais eficaz imaginar os sessenta anos
da unido como um periodo ameagado a qualquer momento por crises de
amplitude e de alcance varidveis. Podem ser com certeza assinaladas fases
mais ou menos agitadas mas, no conjunto, é possivel supor de modo razodvel
que a plenitude da unido nunca foi alcangada. Importa neste momento pro-
dessas turbuléncias. .
por um inventério

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O SEBASTIANISMO - /0 /- 1t Í
AA V el o L
O sebastianismo, crença messiânica e política em torno do rei D. Sebastião,
morto na batalha de Alcácer Quibir em 1578, é ao mesmo tempo um fenóme-
no cultural, social e político cuja característica mais notável é a sua
longevidade. Merece ser apresentado em primeiro lugar, na medida em que
mobiliza essencialmente um registo milenarista presente desde há muito tem-
po em Portugal e pretende figurar um futuro glorioso do pequeno reino tendo
por referência o penúltimo rei da dinastia de Avis. É indispensável analisar o
fenómeno como um conjunto de manifestações de fé, de práticas sociais, uma
circulação cultural e literária, mas também um feixe de manifestações de
— oposição explicita à união dinásti:
to, surpreender nos com ofacto de a reflexão sobre os modos colectivos e
populares de expressão do sebastianismo e a que se refere mais classicamen-
te as revoltas raramente serem relacionadas na historiografia. Por um lado,
terfamos o sebastianismo politico, cujas formas mais agudas se desenvolvem
nos anos 1585-1605 e, por outro, a série de suble
brem no essencial o perfodo 1§20 -1640. Dlvis 6gica e separagao
tipolégica parecem feitas pfi'bonflrmar a sequência tradicional que preten-
dia que o espírito de rejeição se tivesse manifestado principalmente sob o
reinado do último Filipe português.
E, no entanto, foram mesmo Filipe II e Filipe IIl que tiveram de lidar com
as mobilizações sebastianistas mais desestabilizadoras. A primeira expres-
são pública da aspiração ao regresso de D. Sebastião é precoce, uma vez que
corresponde à profecia de um artesão da cidade de Angra do Heroísmo, na
ilha Terceira, no mês de Março de 1580. Esta primeira exaltação do rei escon-
dido corresponde à conjuntura da guerra conduzida pelas frotas espanholas
contra as ilhas que aderiram à causa de D. António, prior do Crato. Para além
do profetismo verbal, o aspecto mais espectacular do sebastianismo reside na

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e
W >

50/ Joan-Iródário Schaub ‘\\“‘(f”_’\ :


) n W )
Ú
multiplicação dos Impostoros ou Incarnaçõos do rel D, Sobus(!q?:ó%fnílãlºlxg:
de evitar antocipadamento esto rlsco o acabar do vez com n cir lçl b5
lenda sebastianista, Filipe 1, residindo em Lisboa na qunlldnflu de rel leg
mo de Portugal, organizou o regresso dos despojos de D, Sebastlão. Uma p;)im'[;z
fúnebre ordenada polo rof e realizada na sull; presença, teve lugar nos fina
de 1582, no mosteiro dos Jerónimos, em Belém.
o\« O primeiro impostor parece ser um jovem da aldeola de ‘Penafniacor l(lluc
ºº um rumor identificou, em 1584, com o principe desaparecido. Fol rapida
\‘y\ mente neutralizado pelos maglstrados do rei. No ano seguinte, um el:emlta
: que se fazia passar por D. Sebastião e um lavrador estabeleceram-se na Ericeira.
O ermita, macaqueando as funções régias, concedeu ao layrac%or um mt'xlo. de
é X nobreza e encarregou-o de pôr de pé um exército de partidários. Uma imita-
ção da chancelaria régia enviava mensageiros para toda parte e em todos os
sentidos, inclusivamente ao cuidado do arquiduque Alberto, více-rei de
Ff'lí-
| pe Il. Os homens do eremita foram ao ponto de executar oficiais de
justiça
despachados para a Ericeira para pôr termo às perturbações
e à impostura.
No Verão de 1585, os principais protagonistas foram
vencidos, condenados à
morte e executados.
'
Y Os impostores de Penamacor e da Ericeira são pessoas
cujas aventuras
P I5ão anteriores à fixação do sebastianismo como corpo
de crenças articuladas.
14V & Deve-se essencialmente ao clérigo exil
ado, D. João de Castro, partidário do
X — Pretendente D, António, a formalização
da mitologia sebastianista e a consti-
9 É_;ªç tuição da rede de apoio europeia.
É ele que opera a junção entre a tradição

que anunciavam, desde os anos


de 1530, o advento de novos tem
impulso de um rei oculto pos sob o
(0 Encoberto). As redes
sebastianismo são, por definição subterrdneas do
, dificeis de referenciar e a mai
or parte dos

D. João de Austria, Ana, recolh


ida no convento augustiniano
deixou convencer, em 1594, de Madrigal, se
que um jovem pasteleiro chamad
que se encontrava ao seu ser o Sebastião,
viço, era o rei desaparecido.
de fervorosos sebastianistas, Um Pequeno grupo
dirigido pelo religioso D. Mig

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õ l\) ,(,\J Portugal na Monarqula Hispanica (1580-1640)
/ 69

anos do século parecem fazer soar o dobre de finados sobre as esperangas


messi@nicas. Os repetidos fracassos das conspiragdes sebastianistas, a morte
deD. Ant6nioem 1595 e a paz de Vervins em 1598, que pos fim a guerra entre
Henrique
IV e Filipe II, parecem indicar que o tempo do sebastianismo tinha
passado.
. A;\F_Tfida_\;ia. a mais formid4vel de todas as imposturas sebastianistas foi ocasi-
% S n“_ onada a partir de Veneza, desde 1598. Um jovem aventureiro apresentou-se na
\}) A cidade dos Doges como o auténtico D. Sebastido, regressado depois de um lon-
‘\“ go périplo em Africa. Detido sob pressão do embaixador de Espanha, a sua
prisão tornou-se a caixa de ressonancia das suas pretensoes. D. Joao de Castro
deslocou-se a Veneza para nele reconhecer o “rei oculto”. Ouvido pelos magis-
trados da Serenfssima Reptiblica, foi libertado em 1600 e imediatamente aco-
lhido no local pela fina flor do sebastianismo no exilio. Nunca o dispositivo
fora tão favorével,pois o filho do prior do Crato, D. Cristovao, reconheceuna
sua pessoa o Encoberto, enquanto o agitador sebastianista Teixeira, na qualida-
“de
esmoler
de de Henrique IV, esperava obter o apoio da Franga e da Toscénia.
Mas ao atravessar o Grao-Ducado, o impostor foi detido e entregue aos espa-
nhéis. Foi entdo conduzido a Napoles e interrogado pelo vice-rei conde de Le-
mos, que havia cumprido varias missoes diplomáticas junto de D. Sebastiao.
Partidários e adversérios do prisioneiro inundaram a Europa de papéis e pan-
fletos sobre a identidade do personagem. Os espanhdis viam-no como o “char-
latão da Calébria” enquanto os sebastianistas, conduzidos pelo padre Teixeira
e D. João de Castro, reconheciam nele o tão desejado rei. Em 1602, foi condena-
do as galés e, em 1603, quando aquela em que ele remava fundeava no porto de
Cádis, as autoridades espanholas foram avisadas de uma conspiragao urdida
em Portugal para o libertar dos seus ferros. Todas as pessoas implicadas e o
falso Sebastido foram supliciadas e condenadas à morte em 1603. Este caso
seria a última grande aventura sebastianista fundada sobre a promoção de um
impostor régio.
Apesar de tudo, a expectativa do regresso do rei continuou a ser cultiva-
da pelos cfrculos sebastianistas mais fervorosos. Por mais de uma vez, os
temas recorrentes deste movimento voltam superficie, quando há um con-
flito, por ocasião das mudangas de reinado, etc. Toda esta cultura, essencial-
mente literéria, torna-se uma fonte de argumentos e de imaginério acessivela _
Basta observar
15463 05 que fivessem interesse em mobilizá-la. a confusão
deliberadamente mantida em torno das s esperangas ssebastianistas e dos apoi- —
os ao pretendente D. Anténio, prior d para compreender a complexi-
dade e a profundidade do fenémeno. fstica política criada em torno do
jovem rei desaparecido tornar-se-4 um motivo de embarago, quando os
dinas-
Braganga vieram a afirmar a legitimidade da sua raga na sequéncia da
tia de Avis,

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i o p Áv Lh '
60 / Joan-Fródóric Schaub l l Nu Q p o u( Í M,b(l' 9@)}/4

Assim, a expoctativa do rogrosso do D, SobastiGio lornou-se um recurso


politico para os cfreulos hostis à untão dindstica, mas também um sinal que
permitia a outras potdnclas ouropolas jogarem com a eventual ilegitimidade
da captagio do Portugal por Filipo IT. A complexidade do fenémeno torna-ge |
N ainda maior caso se tenha em conta o facto de o milenarismo católico, que se ‘
encontra na prépria raiz da crenga sebastianista, ser uma matriz cultural que
\ ~determina tanto esta aspiragio rebelde quanto o discurso ofictal da Monar-
quia Catélica triunfante. Da mesma forma, foi posstvel verificar que o tema_
| &ªn_pst_qçr_nçggde Portugal não é um monopólio dos conjurados de Dezembro
‘_\\‘ de 1640, mas impregna o discurso pré-habsburgués dos anos de 1580 e ainda
e J 0 programa reformador de OlivOares sucesso deste
. tipode discurso inscre-
\\é« ve-se nas préticas textuais que colocam a profecia e as representagdes simb6-
licas, porventura ocultas, no préprio âmago do discurso político. Durante -
todo o perfododa união dinástica, co sebastianismo beneficiou da força da sua
abstracção, ou mesmo do seu misticismo. Mas este fenómeno de crença teve,
pelo menos numa primeira fase, um rival bem menos abstracto na pessoa
do
pretendente vencido, D. António, prior do Crato.

D. ANTONIO: GUERRA E DIPLOMACIA

Na época da crise sucesséria de 1580, a resisténcia inicial de


D. Anténio,
prior do Crato, neto bastardo do rei D. Manuel, perante as ambiç
ões de Filipe I,
alimenta duradouramente uma corrente de oposição
ao principio da união
das coroas. Os partidérios de D. Anténio constituem uma
espécie de partido
na sombra, do qual alguns membros acabam por enveredar
pelo profetismo
politico e pelas intrigas sebastianistas. Para além disso, a opção
“antoniana”
consegue fazer ouvir as suas razões, em vérias corte
s europeias, onde
D. Anténio e os seus fil!;çs_, D. Manuel e D. Cristóvão, resid
em exilados após
1581. O prior do Crato constrói a sua imagem régia por
‘meio;de todos os
símbolos da função. A sua proclamação de Santarém desempen
ha o papel de
eleição providencial, confirmação da sua primazia na
ordem da descendên-
cia de Avis. Mandou cunhar moeda em Santarém, em Angra
do Herofsmo, & —
até nas Provincias Unidas durante o seu exflio em Franga
. A semelhanga do
seu rival Filipe II, D, Ant6nio fez difundir na Europa
uma literatura de justi-
ficação das suas pretensdes, em latim e em francés com
tradugdes em inglés,
italiano e flamengo, ' [
Mesmo que a campanha conduzida pelo duque de Alba
tenha sido me-
nos dura do que aquelas que havia comandado na Fland
res, nem por.isso
deixa de ser verdade que as operagdes. conduzidas em Portugal não
corresponderam certamente a um passeio militar, A pilhagem
de Cascais em

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Portugal na Monarqula Hispânica (1660-1040)
/ 61

Julho de 1580, a batalha de Lisboa em Agosto, sendo a conquista realizada


pelo movimento de tenaz entre os tercios do duque e a frota do marqués de
Santa Cruz, denunciam visivelmente uma guerra cléssica, com o seu desfile
de horrores. Para além disso, a fidelidade do Porto e de Santarém a D. Anténio
e, ainda mais, a capacidade do pretendente escapar aos agentes castelhanos
incumbidos de o capturar no exflio, mostram bem que, para numerosos súb-
ditos portugueses, o prior do Crato representava uma opgéo alternativa as
pretensdes de Filipe 11,
Após a sua derrola militar perante os tercios do Duque de Alba e a sua
fuga num navio holandés em Maio de 1581, D. Anténio joga a cartada diplo-
malica solicitando, pessoalmente, o apoio da rainha Isabel de Inglaterra e de
Henrique III da Franga. Nos Agores, a meméria sebastianista e a fidelidade a
D. Anténio e a0 seu filho manifestam-se
alé aos anos de 1630. Vistos do ar-
quipélago atlantico, os empreendimentos holandeses contra o Brasil e a che-
gada de frotas inimigas eram ainda no século xvi associados à ressurreição
do partido antoniano. Não é de mais insistir aqui na espessura cronológica
do fenómeno. A partida de D. António, no Verão de 1581, não significa que a
questão da adesão às suas pretensões tivesse sido rapidamente liquidada.
No seu exílio francês, acompanhado pelos condes de Vimioso e de Torres
Vedras, o pretendente afastado preocupa-se profundamente com o seu crédi-
to político enquanto soberano virtual de Portugal. É por isso que organiza
uma pequena sociedade de corte, fortemente hierarquizada e regulamentada —
por uma etiqueta rigorosa. Contudo, à medida que as perspectivas derecon- *
quista se tornam mais longínquas, os círculos dos seus partidários no exilio — *
enfraquecem. A partir de 1585, quando est4 instalado em La Rochelle, os *
agentes de Filipe II dedicam-se à tarefa de minar a sua influéncia e a sua
capacidadede organizar uma clientela. Ameagado, no contexto da ascengao
em forga da Liga, D. António prefere exilar-se em Inglaterra. Participa na ex-
pedigdode desembarque inglés em Cascais e até as proximidades de Lisboa
em 1589, Mais uma vez, a sua tentativa é gorada.
Néo .podemos deixar de nos espantar com a multiplicagao das iniciativas
do pretendente e de seus filhos, Cristóvão e Manuel, em busca dos apoios
mais diversos. O partido dos adversários da Liga em R'ança a rainha Isabel
“de’ Inglaterra, ¢os EstadosCerals das Províncias Unidas, e o rei de Marrocos
Muley Hamet, recebemm os emissários do prior do Crato e apoiaram-no em .
dlferentesocasiões. A pmcura de apolos vai |ndu21 lo, com o auxího diplo-

em 1583 e 1592.Acompanhando, a parlu' do seu refuglo inglês, a derrota do


partido espanhol em França, D. António regressa para assistir à sagração de
Henrique IV. Espera então poder beneficiar do bom entendimento franco-
-inglés, hostil a Filipe II, para pôr de pé, em 1595, uma última expedição de

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i 62 / Jenn-Fródório Schaub

N A
d& ( reconquista de Portugal. Mas o pretendente morre antes que a frota que dese-
T&_Lb java constituir chegasse a tomar forma, no mês de Agosto de'1595. A julgar
Q, ó, pelas personalidades acusadas de favorecer os empreendimentos de
\\‘<)\‘ D."Anténio detidas a conta-gotas, em Portugal, mesmo até aos finais do sécu-
lo, terá de admitir-se que a sua desesperada actividade diplomética conse-
guia perturbar a ordem das coisas imposta por Filipe II.
A semelhanga de Filipe II durante a fase de conquista da coroa portugue-
sa, D. Anténio sabe fazer uso da imprensa como arma politica para defender
as suas pfetensées e justificar junto das cortes europeias a organizagéo
de
expedigdes destinadas a expulsar em seu préprio proveito o rei Habsburgo de
Portugal. O De Portugalliae Ortu, do padre José Teixeira, publicado
em Paris
em 1582, serve de modelo e de argumentério a toda uma literatura
de defesa
de D. Anténio, difundida em toda a Europa. Provoca uma polémica
jurfdica
conduzida pelo magistrado portugués Duarte Nunes de Leão
em defesa de
Filipe II. O caso de Teixeira é interessante porquanto o
eclesiéstico portugués
faz a ligação com os meios sebastianistas mais exaltados
bem como com a
diplomacia secreta de Henrique IV no seu combate contra
a influéncia da
Espanha nos assuntos franceses. A produção literária antoniana,
realizada
principalmente pelas tipografias dos Plantin de Antuérpia,
torna-se um re-
servatério de argumentos comuns contra a tirania
exercida pelo monarca
" Habsburgo.
Nao resta dúvida alguma que, para as poténcias europeias
que apoiaram
o prior e os seus filhos, a defesa das suas pretensoes a
coroa portuguesa cons-
titufa apenas uma entre outras armas do arsenal utilizado
para contrariar o |
poderio dos reis hispânicos. É por isso que ameméria
da aventura politica de
D. Ant6nio continua a alimentar as imaginagoes
de uns e os receios de ou-
tros, praticamente até aos finais da época espanhola.
No arquipélago dos
Agores, por exemplo, por mais de uma ocasião, o
anúncio da ameaga de uma
agressdo naval holandesa associava aos corsérios
os nomes dos herdeiros do
prior do Crato, até aos anos de 1630, O mesmo
sucede em relação à tomada
da Bafa em 1625. Deve sublinhar-se a extraordinária
longevidade politica da
ideia antoniana, ostentada por cfrculos de fiéis e de correspondentes,
activos e durante mais tempo do que seria de mais
esperar.
As tribulações europeias do prior do Crato, a semiclandestinidade
na qual
os célculos dos monarcas francês e inglés o obrigam
a mergulhar de forma
intermitente favorecem a convergéncia da mitologia
do rei desejado/oculto
com a do animoso pretendente. A solidariedade
imagindria dos dois reis so-
nhados traduz-se pela pronunciagdo de missas comuns
em louvor de ambos
na ilha da Terceira. Todavia, as repetidas
derrotas militares do partido
antoniano favorecem, muito progressivamente, o refigio
numa postura cada
vez mais onfrica, em beneffcio dos falsos Sebastiões.
A actualidade tardia da

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Portugal na Monarqula Hispânica (1680-1640) / 63

opgdo antoniana incitou um dos filhos do D. Anténio, Manuel, a entregar ao


célebre Caramuel Lobkowitz, por volla de 1637, os materiais do seu tratado,
Philippus Prudens, consagrado à defesa da logitimidade habsburguesa em
Portugal. Representava, para o descendente do pretendente afastado, uma
forma de se dessolidarizar de qualquer reivindicação dindstica e de acabar de
vez com a dissidéncia antoniana. Nos dias que se seguiram à Restauragio, o
fantasma do rei oculto ainda era aceitavel na sua irrealidade, enquanto a
legitimidade dos descendentes do prior não era admissivel. O tempo dos
Braganga já não o permitia.

A DISSIDENCIA TRANQUILA DOS BRAGANGA

A exaltação patriética que acompanhou e se seguiu & Restauragao tendeu a


apresentar o Litular da casa de Braganga, D. Jodo, como a personalidade provi-
dencial que tinha infalivelmente de pôr termo ao jugo castelhano. Esta ideia,
indispens4vel para cimentar a legitimidade da mudanga dindstica, não se po-
dia apoiar em argumentos antigos. A família, rival da de Avis, havia sido justa-
mente contida em limites muito estritos devido ao seu poderio territorial, nos
finais da Idade Média. A eleição de D. Jodo era mais solidamente justificada
pela atitude dos titulares da casa de Braganga desde a malograda candidatura
da duquesa Catarina & sucessão de Avis, frente a Filipe II. Este fracasso histéri-
co traduzira-se por uma politica de aparente afastamento da casa de Braganga,
isto é, de rentincia em participar no governo dos assuntos portugueses durante .
o periodo hispanico. Formalmente, nenhum duque de Braganga, Catarina,-
Teodésio e Joao, exerceu a função de vice-rei ou governador durante o periodo
filipino, e nenhum tomou assento no Conselho de Portugal junto do rei. Opta-
ram por só a titulo excepcional residirem fora das suas terras no Alentejo, no
seu palácio de Vila Vigosa. Mas, na verdade, este afastamento não os colocou
automaticamente em situagao de recurso ou de alternativa, relativamente a
soberania dos Habsburgo, titulares da coroa. Neste plano, a actividade militar e
diplomética dos antonianos durante vinte anos e as manifestagoes politicas do
fantasma sebastianista ocuparam mais eficazmente o imaginério portugués em
busca de uma safda da união dindstica. Convém portanto determinar a parte
que, na construgdo do duque de Braganga como rival do rei de Castela, releva
da invenção retrospectiva dos escribas da Reslauragao.
— “Semdúvida, desde a Idade Média, a vastidio do património dos Bragança,
a sua dispersão territorial e a sua complexidade faziam dele um principado
só por si. A actividade jurisdicional e cortesã em torno do palácio de Vila
Viçosa, residência principal dos titulares do ducado, com a sua tradução lite-
rária (Manuel de Galhegos), constitui um ponto de referência no panorama

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Ceder elrêntelarea
,;r}‘\/ 64 / Jean-Frédéric Schaub ,{0} ?)LW\LW} {(/0, p(flfl,{j[(ll/{u
{ . (

\U\}I cultural portugués do tempo dos Habsburgo. A temética da corte na aldeia é


Q tão
facilmente decalcada sobre a vida no palácxo
dos Bragança, que o célebre
) diálogo de Rodrigues Lobo é dedicado a D, Duarte, fl_llº_ggu_m_iq_de
\V‘} -D. Teodésio, sétimo duque de Braganga.
"0 afastamento espectacular dos titulares da casa não deve porém ali-
mentar ilusdes, Uma leitura atenta da correspondéncia politica trocada en-
_tre Lisboa, Vila Vigosa e Madrid revela a multiplicidade de canais através
dos quais os sucessivos duques exerceram a sua influ cia no'seiodos gran-
_des conselhos das polissinodias portuguesa e hispanica. Mafalda Soares da
}j Y.,Cunha identificou uma série de personagens pertencendo formalmente à
NAA
\t}v\\ )" clientela do duque, que defenderam, a diversos titulos, os interesses da casa
À nas instituições jurisdicionais da monarquia, Conhecemos agora de perto a
) Q‘ * identidade e as actividades dos procuradores incumbidos de representar as
¢ \)/)unsdlgoes os territérios e os vassalos da casa ducal junto'da Casa da õ
| \ Suplicagio e da Casa do Civel. Um estudo de redes permite detectar o siste-
| N ma de recrutamento de ]urlstas fiéis ao duqqg junto da Ce_l_ggflaguphc
agao
\}’“{por meio das informações contidas nos registos de mercés de D. Teodósio.
\‘}f i‘k} Estes a certa altura da sua ex1stênma, residiram em Madride,
e, em alguns
U\, casos, exerceram funções nas instituições da capital hispânica. A contabili-
W — dadedacasa ducal revela os montantes das quantias abonadas a estes agen-
tes para a manutenção das suas residências madrilenas. D. Francisco Manuel
de Melo relata na biografia que dedica ao duque D. Teodósio que este últi-
mo pagava uma pensão ao ministro e vedor da fazenda de Filipe III, Pedro
Franqueza, até à queda deste último. A acreditarmos na prosa amarga do
conde de Salinas, vice-rei nos finais do reinado de Filipe III, o duque de
_ Bragança teria sido, na viragem dos anos vinte, o patrono duecto de
Qquatro
e membros do Conselho de !Portugal, e tena'teéldo de forma 1nd1rec-
ços fortes com outros dois dos seus membros.
N
— Masocaso mais importante e mais s complexo é o da família Lucena. To-
f memos o caso de Afonso de Lucena e de seu irmão Fernão de Matos e do
filho
7do primeiro, o célebre Francisco de Lucena. Afonso de Lucena é um dos ho-
mens de confianga da casa ducal na viragem do século xvi para o século
xvII.
Oseu
0 irmão Fernao de Matos, eclesidslico em territério dos Bragan
ca, tem
assenlo noConselho de Porlugal em Castela, em 1602, onde exerce
funções
—quese apljoxxmam de uma verdadeira’ ‘embaixada "bngma corte.
\\}/ A qualidade das relagdes que estabeleceu com os conselheirosmais ; próxi-
mos do rei permitiu-lhe assegurar a transmissão do seu cargo de consel
heiro
ao seu sobrinho Francisco de Lucena, que havia passado a juventude
e se
havia formado na corte dos duques de Bragança. Depois do regresso de Fernão
,
de Matos a Lisboa, Francisco de Lucena exerceu o cargo de Secretário do
Conselho de Portugal e, como veremos, aceitou conduzir missões extraordi-
[M el Ll S À
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ndrias om Portugal para impor uma nova fiscalldade, n {
à margem de qualquer A, [

cepcional termina em tragédia, em 1642, quando o antigo Secret


ério de Estádoº(u.,,,
é condenado à morte e executado por, diz-se, haver conspirado contra
o novótc ;7 , /
rei de Portugal. À RE
sua histór iadu apresenta o interesse de permitir compreender al (
aa o) % “t
—complexidade das carreiras e das afinidades dos actores políticos deste
perfo- G dÉ
- do.eim que se pe
valide de
a imagem de uma casa ducal dos Bragança alheada
— os assuntos políticos,no quadro agreste da ruralidade de Vila Viçosa
.
A atitude dos Bragança de recusa da política activa parece comprovar-se ‘b,
se nos remetermos à anélise das instituigdes que permaneceram em Lisboa.
Nenhum dos membros da familia exerceu o cargo de vice-rei, nem tao-pouco
participou no Conselho de Estado. Ainda assim, mesmo neste ponto, é possi-
vel introduzir alguns matizes. Por duas vezes, a familia pensou em fazer de
um dos seus vice-rei de Portugal, D. Catarina, a duquesa vencida por Filipe 1l
na luta pela sucessão, propds que o seu filho D, Teodésio tomasse o lugar do
arquiduque Alberto, depois da sua partida em 1593. E em finais do reinado
de Filipe III, o irmão mais novo de D. Teodésio, D. Duarte, aspirou a substi-
tuir o vice-rei, conde de Salinas. Mas se é verdade que, em geral, os Braganga
se mostram inclinados a não se imiscu
na política
ire lisboet
m a, a sua in:-,
)(fluéncia na alta sociedade castelhana traduz a sua vontade de influirem no
i destino do reino de Portugal
A afirmação
. do seu poderio manifestou-se mais
na ordem cerimonial, isto é verdadeiramente régia, pela encenagéo de confli- *
los
pre de cedénc
poria,
ocasião das Cortes de 1619 e da parada militar de
VEis
em 1689boa T T -
Os lagos dos Braganga com a sociedade cortesa e aristocrética castelhana “
são amplamente demonstrados pela politica matrimonial da casa. D. Teodésio, ;
sétimo duque de Bragança, pai de D. João, casou, em 1603, com a filha do /
.

Condestável de Castela. O seu irmão mais novo, D. Duarte, já recompensado/é,“f_( 7


com o título castelhano de marquês de Frechilla, desposa uma filha do conde Mo,143
de Oropesa. O préprio D. João, como se sabe, casa com uma representante da_ í
S

grande casa Andaluza dos Medina Sidonia, na pessoa de Dona Luísa de 2


Gusmão, em 1632, Aliava-se & família, da qual a linhagem dos condes de ãf!( )
Olivares era um ramo secundério. 2,
A hipétese de uma dissidéncia organizada em torno da casa de Braganga,
em regime de unido dinéstica, não é porém uma pura visao do espirito retros-
pectivo. Conhece-se a opinido de Grécio dirigida ao favorito sueco,
Oxenstierna, sobre a possibilidade de D. Joao de Braganga encabegar uma
rebelido generalizada. E o préprio Richelieu não tinha enviado um emissario
junto do senhor de Vila Vigosa na esperanca de que ele o ajudasse a surpreen-

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00 / Joan-Iródório Schaub

der Filipo IV pola rotaguarda? Contudo, verifica-so que a poslgio do palácio


de Vila Vigosa na tormanta das revoltas do Alontojo do 1637 6 caracterizada
pelaoxpoctativa o pola nusôncia do qualquer Indício do simpatia para com as
populações rovoltadas, Na conjuntura dos últimos anos da unido dinéstica,
D. João foi congido a salr da sua atitudo discrcia.
Nos comegos do ano do 1639, o socroldrio da Junta de Portugal, Diogo
Soares, e o do Conselho de Guerra, Fernando de Contreras, propéem ao rei a
nomeação de D. João de Braganga para o cargo de “Governador-geral das ar-
mas de Portugal”, A guarda portuguesa, préxima de Olivares, via nessa pro-
posta um excelente moio de Implicar o duque no processo de defesa do reino
@, por extensao, de o obrigar a solidarizar-se com a politica fiscal e militar do
favorito de Filipe IV. Num primeiro tempo, D. João de Braganga recusa esse
cargo, porquanto receber ordens da capitania geral do reino é contrério à sua
condigao. Conquista o direito de não depender nem da vice-rainha nem da
capitania geral de Lisboa, mas directamente do Consejo de Guerra de Madrid.
O duque prefere prestar contas a um Conselho castelhano e a uma comissão
restrita reunida por Olivares nos seus aposentos, do que à Junta de Portugal.
O seu patriotismo decorre da defesa da posição da sua casa. Impõe um proto-
colo complexo: D. João de Braganga só toma conhecimento dos acórdãos do
Conselho da Guerra redigidos em castelhano e só usa a lingua portuguesa
para dar ordens verbais aos seus subordinados; por isso, não toma conheci-
mento de nenhum acto que passasse pela secretaria de Estado de Portugal.
Em resultado desta opgéo, evitava qualquer comunicação com os secretarios
Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos. Quando Margarida de Méantua, na sua
qualidade de capitéo-geral, organiza uma parada militar em Margo de 1639,
nenhum membro do Estado-Maior do duque est4 presente. O zelo protocolar,
vital para a defesa da dignidade da casa de Braganga, constitui assim um
obstéculo a uma coordenagéo eficaz dos esforgos militares. ';
No més de Maio de 1639, o duque desloca-se a Lisboa, para dirigir um
Conselho de Guerra extraordinério juntamente com a vice-rainha. Exige do
secretério de Estado, Miguel de Vasconcelos, que lhe assegure o respeito pelo
protocolo estabelecido pelo seu pai no tempo de Filipe II e Filipe IIl. Um
banho de multidão na cidade de Almada, frente a Lisboa, transforma-se em
aclamagéo. A maioria das personalidades convocadas para este Conselho
abstém-se de ir, Perante o fiasco da reunião, D. Jodo de Braganga prefere reti-
rar-se imediatamente para Almada e regressa a Vila Vigosa.
Nesta operagao falhada, o objectivo do conde-duque era menos o de evi-
tar a entrada em dissidéncia do duque mas utilizé-lo para reforgar um gover-
no do qual se havia desviado um número crescente de familias aristocréticas,
cujo poder senhorial era decisivo tendo em vista o recrutamento de tropas.
Após o fiasco de Lisboa, vérios magistrados portugueses préximos de Olivares

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Portugal na Monarquia Hispanica (1580-1 640) / 67

propõem a anulação do cargo confiado a D. João de Bragança. Mas o conde-


-duque deseja uma conciliação duradoura com a casa de Bragança. O aconteci-
mento pode portanto ser analisado como uma tentativa do favorito de Filipe IV
de se aliar à mais importante família portuguesa e o seu fracasso reveste-se
de pesadas incertezas e ameaças. As forças concorrentes avaliaram-se mutu-
amente, a sedução de Olivares não resultou. Apesar dos seus esforços ceri-
moniais, D. João não podia dissimular que o seu recrutamento é obra do
secretário Diogo Soares, e que o seu encontro com a vice-rainha teria sido
realizado sob a égide do secretário Miguel de Vasconcelos. O boicote organi-
zado visa menos D. João do que os secretários de Estado, privando-os desta
forma do mérito de ter sabido unir os esforços da vice-rainha e do duque de
Bragança na defesa do reino. Resta que, nos limites fixados por ele próprio e
pelas tradições adquiridas pela sua família e pela sua casa, D. João esteve na
eminência de se tornar uma peça-chave do dispositivo imaginado por Olivares
para dar um novo fôlego à união das coroas.
Os diferentes relatos da Restauração de que dispomos convergem neste
ponto, de que D. João estava pouco convencido do empreendimento que pre-
tendiam que ele conduzisse. Uma certa amargura inicial, depressa desvane-
cida pelos grandes órgãos da propaganda restauradora, imprime a memória
das hesitações do titular do ducado de Bragança, demasiado apegado à tran-
quilidade das suas caçadas e dos seus estudos musicológicos. No fim de con-
tas, não se pode negar que a atitude altiva de afastamento que a família de
Bragança adoptou relativamente às instituições da monarquia em Portugal e
em Castela se pudesse afigurar uma reserva dissidente e uma reserva lusita-
na frente à a confusão hispânica.Mas nem por isso deixaria de ser excessivo
ver nela o desenvolvimento de uma estratégia coerente de dissidência na
expectativa de uma safda do cativeiro babilónico. Não resta qualquer dúvida
de que os Bragança nãose deixaram domesticar na órbita dos favoritos dos
o seu patriotismo representa antes de tudo o respeito -
Mass.
sucessivos rei
pela bãsição do seu domínio extraordinariamente poderoso. N

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A Autonomia em questão

Os PRESÍDIOS E A CAPITANIA GERAL

elhanas nas cidadelas das


Como vimos, o estacionamento de tropas cast
atlanticas, contribuiu de
principais cidades portuérias de Portugal e das ilhas as. Con-
forma concreta para a realização da passagem para a uniao das coro
emporéneas nos levariam a pen-
trariamente ao que as nossas intuigdes cont
uma ocupagao estrangeira
sar, esta presenga não foi unicamente vivida como
e a manifestação de uma
imposta, mas também como o fruto de um acordo
não podia deixar de ser
convergéncia estratégica. Contudo, a vida urbana
de uma sociedade militar à
perturbada pela instalagao duradoura e definitiva
claramente, nos crénicos
margem da vida civica. Não é possivel destringar
va da oposigao entre a socieda-
embates que se manifestaram, a parte que rele
igdo dos forasteiros pelos
de civil e a sociedade militar e a que cabe à reje
manifestam a sua hostilidade
autéctones. Quando as instituigoes municipais
os de que se tra-
relativamente ao comando militar castelhano, apercebemo-n
A sociedade urbana
ta de confrontagoes entre actores igualmente poderosos.
do privilégio de
não estd desarmada; tal como a sociedade militar nao goza
io duradouro é o
impor a sua ordem pela forga. Acontece que, este equilibr
produto de uma situagao de tenséo crénica.
o reinado portu-
A histéria dos presidios castelhanos de Portugal, desde
ada de centenas
gués de Filipe I até aos finais da unido dinastica, está seme
s adquiriram, como
de incidentes de importancia variável. Os conflitos lisboeta
tumultos ocor-
é evidente, uma visibilidade particular, na medida em que os
ções da monar-
reram sob o olhar dos mais altos representantes das institui
e castelhanos da
quia. Assim, em 1623, uma série de rixas eclodem entr
de Almeida.
cidadela de Séo Jorge e as tropas portuguesas comandadas por João
stra-
Relatérios muito pormenorizados chegam a Madrid, onde os altos magi
juizes do Desembargo
dos militares do Conselho de Guerra lastimam que os
prévia
do Pago tenham tomado o partido dos soldados portugueses sem uma

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70 / Joan-Frédáric Schaub

averiguação. Mas noutros locais, como em Setúbal, no Porto, em Viana do


Castelo, no Algarve e nos Agores, os incidentes nem sempre conhecem tal
publicidade, Um dos motivos mals comuns de tenséo tem a ver com a ques-
tão dos alojamentos. A responsabilidade cabe antes de mais as finangas da
coroa de Castela, incapaz de fazer chegar aos contadores militares as quanti-
as para a manutengio dos ediffcios e para pôr em condições os alojamentos
das tropas que eslavam na sua dependéncia. Ano após ano, os sucessivos
capitdes-gerais castelhanos imploram, através de uma vaga de insistentes
cartas, que tudo se faga para organizar o espago militar e pagar os soldos
pontualmente, de modo que os habitantes portugueses não tenham a sensa-
ção de que estas tropas estrangeiras vivem à sua custa. A presenga fisica dos
soldados fora do espago que lhes era reservado, em busca de um abrigo de-
cente e de viveres, constitui a causa mais comum dos conflitos. Os oficiais
superiores castelhanos queixam-se, como em Settibal no ano de 1628, de que
os comerciantes da cidade vendem aos soldados castelhanos os bens de pri-
meira necessidade pelo dobro do prego reservado aos seus concidadéos. E, o
que é mais grave, não há um almotacé da cidade que se sensibilize com a
situagdo. Em reacção & adversidade que lhes estava reservada, os soldados
, invadem o espago urbano para af se alojarem, o que provoca um tumulto que
% mobiliza, ao que parece, toda a populagéo.
— — Aspenúriasaque estavam sujeitos os homens da tropa, tanto em terras
portuguesas como em Castela ou na Flandres, provocaram também revoltas
de soldados contra a sua hierarquia. Foi o caso, por exemplo, na ilha Terceira
em 1592, quando as guarnigoes castelhanas da Praia da Vitéria e de São Se-
& bastido de Angra se levantaram contra o capitao-geral castelhano e os oficiais
* dafortaleza de São Filipe do Monte Brasil. Estas explosões de violéncia ma-
nifestam-se sob o olhar das populagdes portuguesas e podem, em alguns ca-
sos, afectd-las directamente. De mais a mais, o espectéculo dos soldados
maltrapilhos, obrigados a vender as suas armas para se alimentarem ou para
se aquecerem, retira-lhe toda a credibilidade quanto à sua capacidade de
defender o reino contra os inimigos comuns.
São numerosos os conflitos provocados pela colaboração dos soldados
dos presfdios na execução das disposigdes referentes à repressao do contra-
bando. Enquanto as instituigdes municipais, cujas finangas dependiam es-
treitamente do volume do tráfego mercantil, e os magistrados portugueses
das alfandegas tendiam a promover todos os métodos de fraude imaginados
pelos negociantes portugueses e pelos seus clientes estrangeiros, a tropa
castelhana constitufa a única forga com a qual os oficiais encarregados de
travar o comércio ilicito podiam contar. Neste dominio, que permanece um
dos mais sensfveis durante todo o perfodo, convir4 também introduzir certos
matizes. Se é verdade que a participagio castelhana na execugdo da politica

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Portugal na Monntquia Hiapúnica (1580-1640)
/ 71

do restrição do comérelo é roal o conflliual, eldados houve, como por exem-


plo o Porto, ondo a ausénela do financlamonto proveniente da Castola obri-
gou os oficiais dos prosfdios n participar nos beneficlos do comórcio Ilícito,
sob o olhar cúmplico dos magistrados portugueses.
Finalmente, no cfrculo das autoridades portuguesas, designadamente entre
os magistrados do Lisboa, a capacidade de intervengio da capitania-geral
castelhana suscita constantes recriminagdes. Se é verdade que o elenco de
competénclas do capitao-geral 6 rigorosamente limitado pelos artigos da sua
|
«instrução», o domínio estratégico ¢ lucrativo da preparação das frotas desti-
nadas a proteger o litoral e os comboios marítimos vindos do Ultramar con-
sente todas as confusões. A partir do momento em que as quantias
provenientes de fontes castelhanas são investidas na organização destas ini-
ciativas, a capitania-geral está em condições de intervir. A memória
autonomista posterior a 1640 reteve, por exemplo, o nome do capitão-geral
D. Fernando de Toledo, em funções durante a última década do período
filipino, como o protótipo do militar castelhano que teria abusado das suas
prerrogativas.
A propósito de todos os tipos de contlitos associados ao estacionamento
das tropas castelhanas nos presidios, os antagonistas portugueses podiam
sempre mobilizar, com razao, o argumento segundo o qual a conservagao do
dispositivo herdado da invasdo do duque de Alba em 1580-1581 tinha por
objectivo principal manter o reino sob vigilancia mais do que assegurar a sua
seguranga. Em suma, a presenga militar castelhana em Portugal, que como
vimos podia favorecer a incorporagao de Portugal na monarquia, permanece
também uma fonte de dificuldades que se podem agravar. A sua justificação
global perde credibilidade 2 medida que a Monarquia Hispânica, em particu-
lar nos seus territérios portugueses da Europa e do Ultramar, sofre terriveis
revezes durante a primeira metade do século xvIr.

DIFICULDADES ESTRATEGICAS

O Portugal dos Habsburgo não escapou a conjuntura europeia da primei-


ra metade do século xvi1, marcada pela generalizagdo dos conflitos militares e
pela presséo fiscal, a sua consequéncia imediata. Se fosse necessério definir
um feixe de causas estruturais que permitissem explicar o desejo de separa-
ção que a Restauração manifesta e satisfaz, encontrd-lo-iamos neste dominio.
A guerra afecta Portugal essencialmente de trés formas diferentes. Por um
lado, a solidariedade estratégica da coroa portuguesa relativamente ao resto
da Monarquia Hispanica converteu o seu império asidlico, africano e ameri-
cano em alvo de eleigdo para as poténcias maritimas adversérias da Espanha,

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72/ Jean-Frédérioc Schaub

isto é, a Inglaterra e as Províncias Unidas, e em menor escala a Franga, Por


outro lado, as ambições de dominação espanhota em relação ao Norte, pela
sua tentativa desesperada de recuperar a sua intacta influência na Flandres,
colocam a economia continental portuguesa em situação diffcil, na medida
em que o comércio em direcção ao Mar do Norte constitui um elemento es-
sencial do seu sistema de trocas. Finalmente, a partir das primeiras formula-
ções do projecto de União das Armas, ou seja, de solidariedade defensiva
entre as diferentes coroas da Monarquia Hispânica, a exigência de recruta-
mentos de tropas em terras portuguesas exerce uma pressão crescente sobre
o reino, i
Na realidade, a cobiga dos Ingleses e dos Holandeses sobre o tréfico colo-
nial portugués não datava da união dinastica e havia comegado a manifestar-
-se desde meados do século xvi. Contudo, a nova situagéo criada pela união
das coroas não podia deixar de favorecer esta dinâmica, na medida emr: que as
poténcias marftimas encontravam assim uma forma de prosseguir, por outros
meios, a luta contra o adversério espanhol. Fosse qual fosse a situagdo militar
anterior a 1580, os stibditos portugueses ndo podiam deixar de atribuir.a
causa das suas adversidades coloniais a sua incorporagdo na Monarquia His-
Pânica. Além disso, pela sua prépria estrutura, os estabelecimentos portu-
. gueses tornavam-se presas mais fáceis para as empresas de pilhagem, rápidas
e eficazes, que os corsdrios ingleses e holandeses então conduziam.
Os primeiros episédios importantes remontavam aos finais do reinado de
Filipe Il com os ataques sofridos, em 1598, pelas ilhas de São Tomé e Principe
e desferidos por frotas holandesas. Os sucessos dos Holandeses em Africa
são constantes, durante este perfodo. Efectivamente, em 1612, estabelecem-
-se na Costa do Ouro onde fundam a feitoria de Fort Nassau que desvia o
grosso do tréfico de metal dourado, antes nas maos dos mercadores portu-
gueses. No dominio essencial da economia negreira, falham a tomada do es-
tabelecimento de São Jorge da Mina, mas consegui-la-ão em 1638.
Desde os primeiros anos do século xvi, depois da criação, em 1602,
da
Companhia das Índias Orientais, as frotas holandesas atacam
as feitorias das
especiarias indianas. Em 1619 estabelecem em
Batávia o epicentro do seu
próprio império comercial. Em 1622, uma grande expedição
fracassa na ten-
h:it'iva de se apoderar de Macau, mas a ameaça foi consideravel,
O seu dispo-
sitivo pe‘armitiu-lhes, por duas ocasiGes, em
1634 e em 1640, bloquear a
navegagao portuguesa em Malaca,

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Porlugal na Monarquia Hispânica (1580-1640)
/ 73

que é no momento exacto em que a economia do açúcar - 6 o seu comple-


mento negreiro - conhece uma formidável expansão e parece poder com-
pensar as perdas económicas sofridas no Oriente, que Portugal perde
parcialmente o seu controlo. Os magistrados de Madrid e o séquito de Filipe IV
não se enganaram a esse respeito, a julgar pela criação da Junta de Pernambuco
em 1630, que acabou por desempenhar o papel de um “verdadeiro Conselho
de Portugal”.
Do lado francés, o principal problema colonial residia nos sonhos brasi-
leiros. Sob Carlos IX, Henrique 11l e Luis XIII, as expedigdes da Franga An-
tarctica e depois da Franga Equinocial sucederam-se. No tempo da unido
dindstica, 0 acontecimento mais importante foi a criação do forte de São Lufs
no Maranhéo, em 1612, cuja evacuagio em 1615 ndo resolveu a questao da
presenca permanente de Franceses, mas também de Ingleses e de Holandeses
em diversos pontos da foz do Amazonas. O principal confronto com as frotas
inglesas deu-se em Ormuz, retomada pelo X4 da Pérsia gragas ao apoio da
artilharia inglesa, em 1622. Mais perto de Portugal, há que notar igualmente
a existéncia de ligagGes entre os corsérios ingleses, os Estados Gerais das
Provincias Unidas e os sultões marroquinos na oposição ao controlo do es-
treito pelas duas coroas ibéricas. Finalmente, não se pode negligenciar a im-
portancia dos desembarques ingleses nas costas portuguesas, nomeadamente
em 1589 e em 1596, bem como a tentativa de 1625, sem contar os ataques
esporádicos contra os Agores e a Madeira, como resposta as pretensoes his- 7
panicas de dominagdo europeia e maritima. Vi "k
Ninguém sabe qual teria sido a situação militar e política de um Portugal
que se tivesse mantido separado da Monarquia Hispânica entre 1580 e 1640. (/
Seja como for, a nova situação institucional permitia atribuir a um factor |&
externo a acumulagao dos fracassos na esfera colonial. O mercantilismo es- /7,
clarecido de um Duarte Gomes Solis era pouco convincente, numa situação —
que permitia atribuir a outros a causa de todos os infortúnios. Por outro lado,
os partidérios da separagéo só podiam testemunhar, tendo em vista as per-
das, á ineficácia da Monarquia Hispanica para proteger as suas componentes
| perante as pretensées dos seus adversdrios comuns. Este conjunto de ques-
| toes desempenhou, sem ddvida, um papel muito importante na inclinagao
I', de uma parte das elites portuguesas para o partido da Restauração.
- — Aescala propriamente europeia, a solidariedade luso-castelhana teve tam- ,
| bém efeitos desastrosos na economia portuguesa. Efectivamente, o estado de
[
Í| guerra com as Províncias Unidas, excepção feita ao período da Trégua dos
!
Doze Anos (1609-1621), as hostilidades com a Inglaterra sob Filipe II e nova-
mente desde 1624, e por fim com a França, até 1598 e depois a partir de 1635,
privaram sectores importantes da economia portuguesa dos seus mercados
_ essenciais, É o caso, sem dúvida, da redistribuição dos produtos coloniais,

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74 / Jean-Frédéric Schaub

questão resolvida de certa forma pala presença hostil das potâncias do Norte
no império colonial, Mas Portugal não ora só um fornecedor de produtos ul-
tramarinos. Possufa no seu território uma mercadoria essencial, para não di-
- zer-estratégica, na Europa moderna: o sal. As salinas do Aveiro, Setúbal e
“ Alcácer do Sal escoavam uma parte considerável da sua produção para as
Provincias Unidas. Desde a Idade Médla, os negoclantes holandeses importa-
vam o precioso produto para a sua própria industria de salga e reexportavam
uma parte para os portos do mar Béltico. No plano qualitativo, o sal portu-
gués era considerado o mais fino e o mais adequado para sustentar a indús-
tria da salga, e 0 menos oneroso também, em comparagéo com o sal-gema.
A produção e a comercializagdo de sal era uma actividade extremamente
lucrativa para as regides produtoras e os portos exportadores, Lisboa, Porto e
Setúbal. O estado de guerra implicava uma limitagao das vendas ao inimigo.
Sob o reinado de Filipe II, e depois a partir do fim da Trégua dos Doze Anos,
os produtores e negociantes das salinas foram proibidos de vender sal aos
holandeses. De um dia para o outro, este produto, fonte de riqueza, tornava-
-se mercadoria de contrabando, escrupulosamente vigiada por oficiais portu-
gueses ou por militares castelhanos nas cidades dotadas de presfdios. Numa
conjuntura econémica geral e demografica que as raras fontes disponiveis
apresentam como particularmente tensa, a aplicação dos preceitos da guerra
” econdmica para com os adversdrios da Monarquia Hispanica só podia agra-
var o sentimento de crise e de declinio.
c Um dltimo elemento importante, que decorre da solidariedade luso-
"-castelhana, merece ser destacado: o recrutamento das tropas. Esta questao
só adquire amplitude a partir do valimento de Olivares. No seu célebre texto
de 1624 sobre a Unido das Armas, o valido de Filipe IV, expunha a necessida-
de de estabelecer um mecanismo pelo qual todas as componentes da monar-
quia viessem em auxilio de todas as que estivessem a ser alvo dos ataques de
um inimigo externo. Este dispositivo supunha um automatismo contrario
a
tradigdo contratualista e feudal. Porque, na hipétese de a qualquer momento
,uma das componentes do conjunto se achar ameagada, isso significava para
' as outras o imperativo de uma mobilização permanente, mesmo em perfodo
de paz para cada uma delas. A prépria légica do projecto relacionava a circu-
* lação dos homens fora do seu pafs e a permanéncia do esforgo de guerra. Nao
tendo o fito de circular como um manifesto, este texto não suscitou manifes-
tagdes de protesto. Contudo, permite compreender com preciséo o que se
passou em torno da questdo militar no Portugal dos anos 1630-1640. |
Antes do perfodo de Olivares, capitães-gerais haviam efectuado recruta- |
mentos, nomeadamente Cristovão de Moura em 1602 e Diego de Silva em
1619, mas tanto um como outro eram então a0 mesmo tempo, vice-reis de
Portugal, e além disso, estava estabelecido que o financiamento do recruta-

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Portugal na Monarquia Hispânica (1560-1640) 175

um capitão-geral
mento caberia à coroa de Castolu, Em contrapartida,
da Hinojosa, teve
castelhano que não era governador do relno, o marquds
fazer funcio-
oportunidade, desde 1625, de pôr à prova as possibilidades de
coincide
nar uma lógica de União das armas em Portugal. A sua actividade
invasão
com os preparativos de defesa de Lisboa perante a ameaça de uma
a re-
inglesa. O, Conselho da Guerra de Madrid e a Capitania-Geral de Lisbo
fidalgos e
correram a todos os expedientes: apelos aos deveres militares de
, ten-
cavaleiros das Ordens, mobilizações urbanas, nomeadamente em Lisboa
bi-
tativa de restauração das milícias no litoral, tal como haviam sido conce
das por D. Sebastião, contratos firmados com nobres titulares, como o conde
de Cantanhede ou Fernando e Pedro de Mascarenhas. Não obstante todos
estes esforços, o marquês teve de contar essencialmente com as tropas então
recrutadas na Estremadura castelhana, tal como o seu homélogo, dez anos
mais tarde, perante a ameaga das esquadras de Richelieu. As dificuldades
surgem igualmente nas tentativas de recrutamento de marinheiros para as
frotas destinadas & defesa costeira, Assim, os habitantes de Cascais estavam
protegidos pelos magistrados da cidade quando os recrutadores tentaram
mobilizé-los, em 1635. Regra geral, as instituigdes 1municipais foram as mais —
_firmes opositoras das operdeag oe
recru sto de soldados e de alojamen-
tamen
to dastropas que se encontravam a caminho das frentes europeias. Foi, no-
meadamente, o caso do Porto, em 1639, perante as exigéncias do assentista
Alvaro de Sousa.
As dificuldades encontradas pelo recrutamento eram de tal ordem que
íOlivares criou em 1637 uma Junta de las levas de Portugal, encorajada pelo
| seu colaborador Diogo Soares. Por seu lado, uma Junta de Coronelias é in-
cumbida de negociar com os nobres portugueses, tais como os Mascarenhas,
as condições da mobilização em troca de avultadas pensões. A Anlonio Teles
| de Meneses foi confiado o recrutamento em Barcelos, a Álvaro de Sousa em
| Guimarães, à Jorge de Melo em Coimbra e a Pedro Mascarenhas em Castelo
! Branco. No Outono de 1638, Luís de Alaide, conde de Atouguia, comprome-
te-se a mobilizar cerca de dois mil soldados de infantaria. O grande escritor
: Francisco Manuel de Melo recebe ele próprio uma patente autorizando-o a
í efectuarrecrutamentos no arquipélago dos Açores. O duque de Bragança aceita
o princípio deste apelo às hostes, na condição de que o recrutamento do con-
tingente de mil soldados de infantaria que lhe é confiado seja efectuado nas
suas terras por um oficial castelhano e não por oficiais da sua casa.
A ideia da oposição entre um Portugal pronto a alistar-se nos empreendi- —
mentos mil
pação no esforgo de guerraem 1638-1640 merece ser destacada. O papel de
chefe militar imposto por Madrid ao duque de Braganga originou uma situa-
ção extremamente ambfgua. Do mesmo modo, a recusa de numerosos aristo-

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(6 /Jean-Frédéric Schaub
Í N'Ã"
ÓQ b\utas presentes em Portugal em se empenharem na repressão armada da
,\’ revolta catald, no Outono de 1640, não pode dissimular a participagéo activa
»“,_\;fh e voluntéria de várias grandes familias da nobreza portuguesa nos empreen-
V dimentos militares de Olivares. Sobre esta questão, não é possível aceitar a
i ideia de um Portugal unânime na rejeição das pretensões de Olivares em
Ej Qº ‘\0 explorar as reservas de homens. Não se devem separar as resisténcias de uns,
" à semelhanga do que acontecia então em toda a Europa, inclusive em Castela,
da colaboragdo activa de numerosos fidalgos portugueses.

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A separação impossível:
violações dos princípios constitucionais

A literatura autonomista encarregou-se de fazer o inventário de todas as


faltas aos principios acordados nas Cortes de Tomar, de que foram culpados
os sucessivos reis. Nao surpreende que a tónica tenha sido sobretudo posta
nos excessos cometidos no tempo de Olivares. Por um lado, esles excessos
encontravam-se mais vivos no espirito dos actores do tempo e, por outro, não
era possivel insistir nas transgressdes mais antigas, pois, no essencial, os pais
da pétria portuguesa tinham acabado por se lhes adaptar com relativa facili-
dade. Esta tensão é, sem ddvida, uma das origens da representagao tradicio-
nal dos trés reinados sobre o modo como se passou da prudéncia a temeridade
ou do respeito da palavra dada à traigao. Primeiro, a presenca de Filipe I em
Lisboa e a sua participagéo em duas sessdes das Cortese, depois, a viagem de
—Filipe III no final do seu reinado, haviam criado
as condigdes para um com-
“prometimento visivel e institucional dass elites daaaristocracia portuguesa no
~governo do reino.Em contrapartida, a repugnancia de Filipe IV e de Olivares
em seguir os passos dos predecessores teve um resultado inverso ao que es-
"peravam.A relagao contratual que unia os actores do jogo politico já não era
x Vencenada isto é, representada Logo, ainda que o essencial da gestão ordiná-
\,_V riae extraordlnárla do reino tenha continuado a ser assegurada pelos chefes
$ - das principais famílias da nobreza do país, a sua ligação política com o titular
\ da coroa nunca se manifestou com a solenidade que s6 uma assembleia dos
trés estados podia conferir-lhe. Num cerlo sentido, os mesmos que, na qua-
lidade de governadores do reino ou membros do Consejo de Portugal ou
ainda do Conselho de Estado de Lisboa, tinham de execular, pelo menos em
parte, a politica olivarista, não se achavam na obrigagao de a assumir como
sua. Na hora de fazer o balango, à partir de 1641, não ¢ de espantar que
ministros e magistrados que haviam cumprido o seu dever sob Olivares
tenham, sem qualquer dificuldade, qualificado de acgao tirânica aquela que
havia sido a sua actividade antes da Restauragao. Sem duvida, os partici-

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78/ Jean-Frédéric Schaub

pantes das Cortes de 1619, haviam prestado juramento ao herdeiro de


Fili-
pe 111, futuro Filipe IV, mas este nunca os havia vinculado por
um pacto
0“‘ comum durante o seu reinado.
‘%\))57 - Mesmo que, vé-lo-emos mais adiante, a mais forte presséo fiscal
tenha
9 . sido, sem dúvida alguma, exercida no tempo de Olivares, seria
um erro pen-
\ze » Sar que o último dos reinados goza do monop6lio das violag
des aos princi-
i” " pios aceites em Tomar. A manutenção da permanéncia
das tropas comandadas
& — pelo duque de Alba, em 1581, sob a forma de uma
série de presidios, lesa o
\ acordo, como vimos, num ponto essencial, Num domfnio
inteiramente dife-

do contrato. O rei
ncúria e a corrup-
ção da magistratura portuguesa e foram
formulados intimeros projectos de
| visitaçã
o geral dos tribunais da coroa e, aind
a que não tivessem sido postos
em prática, a ameaça continuou a
pairar depois da sua morte. A con
cepção
vocado a indignação
exercer esse controlo.
e e impoténcia, não foi
do seu filho, que teve
ições ou a reforma das
gnifica necessariamente uma violação
" Efectivamente, a passividade não da palavra dada.
é mais do que um dos registos pos
“ excelência do g overno régio. Filipe siveis da
II, vimo-lo ja, havia deslocado
a Casa do

'n Filipe IIT, em 1601, uma “Ju


nta dos Contos” encarr,
Qf\‘z,\ ‘los da divida consignados
sobre rendimentos port
\J\\rj\'j‘ do Con selho, rompia a tradigdo.
Com efeito,
X ?‘\?\; chamados a integrar a junta.
E quando ela foj e
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Portugal na Monarquia Hispanlca (1580-1040) / 79

peténcias seriam separadas do Conselho da Fazenda de Lisbou e do Conselho


de Portugal, na corte. Os ministros destes dois órgãos viram nesta decisao
uma ofensa às suas prerrogalivas e porventura d sua capacidade para gerir o
dominio mais lucrativo do conjunto do dispositivo Inslitucional, e a sua viva
oposigdo veio a culminar na extingdo do Conselho em 1614. A vontade de
inovar por parte dos ministros de Filipe Il manifesta-se igualmente no per-
curso caético do Conselho de Portugal ao longo deste periodo.
As iniciativas institucionais do segundo reinado dos Habsburgo não pro-
vocaram nem tumultos nem dissidéncias espectaculares. Mas foram alvo de
criticas e de manifestagoes de descontentamento que a forga dos aconteci-
mentos de 1637 e 1640 apagou das memérias. O clientelismo praticado em
grande escala pelo favorito de Filipe 111, o duque de Lerma, agrava a crispagao
tornando visivel a pratica de doagdes régias, em transgressao do dispositivo
de Tomar. O rei de Portugal era livre de conceder gragas aos seus subditos
portugueses sob a forma de titulos, é claro, mas também de rendimentos e , *
porventura até de terras do dominio da coroa, a tftulo vitalicio, em várias
vidas ou perpetuamente. As casas nobilidrquicas e as oligarquias urbanas 7
portuguesas nunca se privaram de reclamar essas mercês junto do seu rei.
Mas a concessão do título de marquês de Alenquer a Diego da Silva, conde de
Salinas, que só era meio português, ou a concessão de rendimentos portu-
gueses ao duque de Villahermosa, Juan de Borja y Aragón, que era conde de
Ficalho apenas por casamento, criaram uma polémica inevitável nos finais
do reinado. Mas o caso mais escandaloso foi sem dúvida a concessão de uma
enda de cem quintais de pimenta consignados sobre a alfândega de Lisboa
ao próprio duque de Lerma, que de português nada tinha. A decisão régia
havia sido tomada segundo um parecer emitido por uma junta reunida ad
hoc, pois Lerma e os seus assessores sabiam perfeitamente que nenhum tri-
bunal português teria aceite tal desvio. De facto, o Desembargo do Paço con-
testou a medida e interpôs um recurso e o caso acabou por ser resolvido sob
o reinado de Filipe IV em prejuízo do antigo favorito.
Noutros domínios evocados noutras passagens, os dois primeiros reis
Habsburgo de Portugal defraudaram o caderno de encargos com que eles pró-
prios se haviam comprometido. É por isso que uma leitura estritamente
«constitucionalista» dos confrontos ocorridos durante o período da união não
pode exphcar o conjunto das dinâmicas políticas existentes. A violação do ,
icação : suflcxeme para compreender o

desviarem uma parte das iniciativas inovadoras mas também para as aceita-
m parte, desde os primeiros tempos da união.
Não restam quaisquer dúvidas de que as iniciativas políticas e fiscais
atribuídas ao conde-duque de Olivares acentuaram o carácter abusivo da ati-

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J ‘tude das instituições da corte tendo em vista as regras do jogo aceites em ”
\\ \(\' 1581. Todavia, seria abusivo não mencionar as fortes continuidades que as-.
\ sociam a sua obra & dos seus predecessores no dominio portugués. Os agen-
% tes mais activos da jurisdigao castelhana em Portugal, por exemplo Fernando
Albia de Castro e Tomés de Ibio Calderén, estão em fungoes desde os come-
ços do reinado de Filipe III. Algumas das suas decisdes mais espectaculares,
e mais ofensivas, tal como a extingao do Conselho de Portugal, em 1639, e a
sua conversão em duas Juntas de Portugal, em Madrid e em Lisboa, que não
eram admitidas pelo regimento do Conselho, tinham tido um precedente
de Olivaresas
durante os anos 1610-1612. As iniciativas contemporéne coli-
diram frontalmente com os modos de fazer politica em trés dominios. O fluxo
fiscal, aqui como em Castela, em Aragão, em Franga ou em Inglalerra, atinge
a entre-
proporgdes inéditas, no contexto da Guerra dos Trinta Anos. Depois,
o’ ga dos negócios nas maos da nobreza portuguesa, apenas nas maos da nobre-
za portuguesa, é desmentida pelo aparecimento de ministros fiéis ao
conde-duque e desligados da rede das grandes familias: é o advento de Diogo
: Soares e Miguel de Vasconcelos. Por último, a recusa obstinada em reunir as
Cortes de Portugal impede Filipe IV de renovar o pacto que o une aos seus
vassalos e de restabelecer um contacto cada vez mais distendido e mediatizado.
. Asinovagges fiscais relevam de trés dominios: as primeiras dizem respeito
-. à coroa, isto é, ao patriménio régio e ao seu direito a graga. Trata-se do contrato
i do sal, da cobranga de um direito sobre os oficios atribuidos pelo rei e da von-
tade de recuperar parte das rendas da coroa que haviam sido usurpadas.
Seguem-se as que dizem respeito ao reino, isto é, à fiscalidade que recai
R ' directamente sobre os stibditos. As doagdes gratuitas (donativos, servicios);
s os empréstimos forgados; a retenção de uma parte dos salários; o aumento da
' subscrigdo do imposto sobre as transagdes (cabegéo das sisas); a conversao
do imposto municipal excepcional sobre a carne e o vinho (real d’agoa) em
subscrigdo anual automatica; e, por fim, o projecto de uma capitagao univer-
sal (renda fixa) com base nos inventários dos patriménios, a partir dos anos
1634-1635. Em teoria, nenhuma destas iniciativas fiscais poderia ser tomada
ksem o consentimento do Reino reunido em Cortes.
." Por tltimo, as inovagées que relevam da Monarquia Hispanica, c mesmo
s” fserd dizer, as que derivam do financiamento da defesa de Portugal na monar-
Á | quia, tais como os benefícios da repressão do contrabando e a imposição de
| "taxas sobre as exportações de sal. Estes recursos não pesam portanto sobre os
i4 súbditos, mas a sua cobrança é nociva à fluidez do comércio português e
| provoca vivas reacções.
” Amaior parte destas exacções implicaram o envio a Portugal de comissá-
“ rios encarregados de ajustar as cobranças às instituições financeiras existen-
Tl tes e, em certos casos, a criagdo de novas instituições, quase sempre j ]untas

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Portugal na Monarquia Hispánica (1580-1640) / 81

que, sem usurpar a jurisdição da polissinodia portuguesa, tentam encontrar


‘novos espaços de negociação. É no quadro desta dinâmica instável que o par
Tormado por Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos faz a sua aparição na
história de Portugal. Trata-se de um-acontecimento que não é despiciendo
para compreender este período, na medida em que os dois homens incarnam
desde o 1.° de Dezembro de 1640, o simbolo da tirania da qual D. João IV
libertou o reino que se tornava o seu. Os dois homens são descendentes de
famflias de altos funcionérios da justiga e das finangas portuguesas e estão
ligados pelo facto de Diogo Soares ser sucessivamente cunhado e genro de
Miguel de Vasconcelos. Este último era filho de um célebre funcion4rio sob o
reinado de Filipe III, Pedro Barbosa de Luna, odiado como “arbitrista” e temi-
do por conhecer os segredos de numerosos patriménios constituidos por ren-
das da coroa injustamente alienadas, que acabou assassinado em Lisboa.
O filho, seguindo as suas pisadas, fez carreira nas secretarias dos tribunais
portugueses, e atingiu o topo ao aceder à secretaria do Conselho de Estado de
Lisboa, em 1631. Nesse ano, Diogo Soares, seu cunhado, também ele nascido
no mundo dos oficios, filho do vedor da Fazenda João Alvaro Soares, chegava
a Madrid, por recomendação de Manuel de Moura, marqués de Castelo
Rodrigo. Este tivera a oportunidade de avaliar as qualidades de organizador e
os conhecimentos financeiros de Diogo Soares, durante a sua missao de 1628-
-1629, junto dos municipios portugueses. Rapidamente, Diogo Soares conse-
gue monopolizar, na secretaria do Conselho de Portugal, os assuntos mais
decisivos e sabe fazer-se apreciar pelo conde-duque de Olivares como seu
principal ministro nas matérias portuguesas. Estabelece com o seu parente
Vasconcelos um sistema de comunicagao directa de secretaria para secreta-
Iia, que escapava ao circuito legitimo das consultas dos conselheiros de Por-
tugal e dos altos maglstrados dos tribunais de Lisboa. Progressivamente, Diogo
Soares pôde, por um lado, denunciar a linguagem dúplice das grandes fami-
lias aristocraticas, capazes de se mostrarem leais a Olivares em Madrid e de
sabotar qualquer esforgo de melhoramento das receitas fiscais no terreno,
por acção dos seus clientes. Por outro lado, torna-se o homem-chave, a quem
as pessoas se deviam dirigir em Madrid para obter uma mercé régia portu-
"guesa. Osnobre titulados eram obrigados a aguardar na antecAmara da
sua residéncia madrilena, ainda que o tivessem por um arrivista de casta
inferior. Por seu lado, Miguel de Vasconcelos foi o primeiro a pagar os custos
do 6dio que se cristalizou contra os “compadres”. Foi alvo de uma primeira
tentativa de assassinato em 1634, e depois tornou-se a vitima expiatéria do
1.° de Dezembro de 1640. Muito mais do que Olivares, os dois secretérios de X
Estado representavam assim um desvio consideravel em relagao aos circui- 3,
—tos politicossobre 0s quais o compromisso e a negociação entre o rei e o seu¥’
reino se haviam eestabelecido desde o início dda união dinástica.

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02/ Joan-Fródário Sehaub K"“ o
«MM'
N b
y ~ \

O sfmbolo deste dosvio pol[llco relalivamente aos usos considerados con-


formes & palavra dada, continuard porvenlura a ser a recusa permanentê-ãm
convocar as Cortes de Portugal sob a presidência de Filipe IV, Sem dúvid
avalancha de negociações conduzidas pelas oligarquias urbanas castelhanas

.1m
6 os seus arbitristas com os magistrados do Conselho de Castela e do Conse-
lho de Finanças desde a reforma castelhana dos Millones, bem como as difi-
culdades encontradas nas Cortes da Catalunha de 1626 e 1632, não deviam

A
certamente incitar Olivares a empreender a experiéncia em Portugal. No en-
tanto, o favorito de Filipe IV sabia bem que um canal geral de negociação era

o
necessArio, caso se pretendesse operar uma reforma global das fiscalidades.
— Os numerosos e fruluosos contactos com as principais cidades do reino, atra-
vés dos representantes dos lagos clientelares tecidos pelos agentes do conde-

Ás a0nA
* ~duqueeos senhores da terra, não eram suficientes. Uma soluçao intermédia
N ES“foi insensivelmente adoptada, aliás, desde o início do século. Consistia em
\““ admitira flcçao de uma sobre- representahvxdade da cidade de Lisboa: A sua
() \-cAmara seria progressivamente chamada a falar em nome das noventae nove :

dT
(
S es com assento nas Cortes, cabendo-lhe transmitir-The as vonte
I\ Mnonarca.Depoxs de ter perdldo o seu estatuto de corte régla, a cidade do Tejo
Xx"/ ? obtinha assim uma embaragosa compensago. Os despachos da Câmara de
Lisboa dirigidos ao Conselho de Portugal manifestam com frequéncia uma

Ãi Ot s
“posigao de defesa das imunidades portuguesas, fazendo de facto causa co-
mum com o conjunto das terras régias e das cidades. Uma tentativa d? con-
vocagdo de Cortes restritas sob a forma de uma comissão composia por
procuradores cuidadosamente seleccionados, abortou em 1632. Se essa
assembleia tivesse chegado a trabalhar, a sua existéncia e a sua obra teriam
sido, sem sombra de dúvida, a mais flagrante violagao do espfrito de Tomar. t
Finalmente, e voltaremos a este ponto, Olivares escolheu a piordas solugges,
[h:d\ -~

que foi convocar individualmentecorte umgrande número de personahda-


p

tos para a obtençao de receltas flscals exlraordmánas

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As formas da rejeição
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UMA LONGA CRONOLOGIA DAS REVOLTAS j”


Ao

Como pudemos sublinhar acima, a lustonogmha. mesmo a mais recente,


—teve tendência a distinguir a guerrilha antoniana, a epidemia de imposturas
_.sebastianistas revoltas urbanas mais cldssicas como fenémenos muito
_distintos. Esta tipologia esponténea apresenta o inconveniente de simplificar
as dinâmicas sociopoliticas e socioculturais complexas que estão em curso
na sociedade portuguesa durante o perfodo dos Habsburgo. Esta simplifica-
2Ã s

ção traduz-se por uma cronologia implicita que grosso modo desenha trés
sequéncias. Os começos do reinado de Filipe II seriam marcados pela luta
antoniana, o fim deste reinado e o de Filipe III conheceriam o apogeu do
vv'Íu

sebastianismo politico e a época ¢de F1hpe IV e de Olivares seria assinalada


por diversas vagas de revoltasurbanas antifiscais mais cléssicas. Ora este
PA

esquema ndo pode ser empiricamente verificado nem validado. A jusante, a


Ax

ameaga antoniana funciona, vimo-lo, como um parametro politico até ao fim


do reinado portugués de Filipe IV, e o sebastianismo sobrevive à odisseia do
'é impostor napolitano em diversos circulos letrados. Mas a montante, conhe-
cem-se. agora revoltas populares anteriores ao aperto fiscal intentado por
Olivares.
A historiografia, desde os publicistas da Restauragdo, sublinhou a ampli-
© tude dos tumultos populares portugueses dos anos 1629-1640. Anténio de
“É? Oliveira levantou a sua cartografia, na qual o Sul do Tejo, o Alentejo e o
¢ Algarve dominam largamente. Se nenhuma dúvida resta quanto ao factodeo
centro de gravidade da conjuntura rebelde se situar na última década do pe-.
4% ríodo filipino, não se podem porém negligenciar as manifestações anteriores./
Por um lado, mesmo que a morfologia dos movimentos sebastianistas não
possa ser assimilada aos movimentos antifiscais dos anos 30, seria artificial
ª não ver naqueles movimentos a manifestação de protestos populares que
= surgiram desde o reinado de Filipe 1L Por outro, Fernando Bouza pôde recen-

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84 /Jean-Frédéric Schaub

temente revelar a existéncia de movimentos rebeldes à margem dos ataques


ingleses contra as costas marftimas portuguesas, em 1596 . Poder-se-iam mul-
tiplicar os exemplos. Pensemos na resisténcia que a almotagaria do Porto opôs
NA

Q. ao capitéo-geral,
8 nomeado p pelo Conselho de Portugal
8 no Outono de 1602, e
)—É ” - que desembocou na detengdo de todos os almotacés que se negavam a entre-
H gar-lhe as chaves da cidade, antes que se negociasse uma saída para a crise.
% Um conhecimento aprofundado da história da presença militar castelhana
8 no arquipélago dos Agores, mostra que levantamentos generalizados, nomea-
W damente em 1623, mas tambémem 1592, prejudicar
a autoridade am
dos.re-..
'à presentantes do rei 3 erofsmon,
s Isto significa que convém abordar com prudência a cronologia dos levanta-
mentos. É evidente que, numa escala que ultrapassa o caso português e afec-
ta a maior parte dos países implicados na Guerra dos Trinta Anos, o surgimento
dos impostos extraordinários multiplicou as manifestações rebeldes.
A historiografia portuguesa contemporânea compôs o inventário e pro-
pôs a análise destes acontecimentos. /A diversidade dos fenómenos de revolta
dos anos i um modelo tinico. Encontram-se
exemplos de comogdes populares espontaneas em certas localidades como
Arcozelo, perto de Visen, em 1645, Mas a maior parte destas revoltas tardias
em nada se assemelham às epopeias sebastianistas dos camponeses do inicio
do sécul?(Nos fenómenos de contágio rebelde, a fome desempenha um papel
fundamental. Quer se trate de movimentos que agitam os grandes portos do
, litoral (Lisboa, Porto, Setúbal) ou certas cidades do interior (Braga, Vila Real),
ou ainda dos ciclos complexos de contágio revolucionário do Alentejo (Outo-
\\\,‘4 7 1o de 1637) e do Algarve (Primavera de 1638), estamos essencialmente pe-
“M T rante movimentos municipaig/Raros
P são os exemplos
P em q que as oligarquias
garq
n | urbanas e os senhores da aristocracia viraram unanimamente as costas aos
( ; | revoltosos. Na maioria dos casos, o detonador dos protestos foi a conversio
Q\‘b'q | do imposto ocasional do real d'agua, que recafa sobre as vendas de carne e de
S — | vinho numa taxa automática. A partir de então os oficiais da fazenda previ-
\\(j am o montante das receitas deste imposto indirecto e exigiam o seu paga-
| mento as autoridades municipais sob a forma de uma cobranga antecipada
directa, cabendo-lhes depois a elas repartir o seu peso entre os habitantes.
O exemplo do papel de mediador simpatico desempenhado por Diogo de
Castro, conde do Basto, em Evora, e da intervengao das camaras municipais
de Setúbal e do Porto mostram que estas comoções são, geralmente,
/ estruturemadas
torno das autoridades naturais, dos nobres e dos clérigos.
No caso bem conhecido das alteragoes de Evora, durante o Verdo de 1637,
estão reunidos todos os elementos de uma revolta em grande escala. A guar-
da avangada do protesto são os representantes dos oficios na almotagaria,
Barradas e Rodrigues, mas benefi
e
——

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Portugal na Monarquia Hispânica (1660-1040)
/ 65

— Pais, que pertencem à oligarqula da terra, A ncção loma o corregedor


Sarmento
como alvo privilegiado, na qualidade de magistrado que Incarna a justiça
régia e depois estende-se aos almotacés, que tinham fama de auxili
ar 08 pro-
jectos financeiros proscritos, e ao matadouro municipal. O campo
simbélico ./
da acção polftica torna-se complexo e movedigo, na medida em que
dois ti- -”
pos de autoridade ocupam o terreno abandonado pelo magistrado
régio. Por
um lado, o conde de Basto e o arceblspo oferecem a sua mediagao como
pais
da pétria, por outro, os revoltados fazem de um «pobre diaábo», o Manue
linho,
uma espécie de mascote e de porta-voz do seu movimento. Nestes dois extre-
mos, a sociedade de Evora recompõe a sua organizagao politica em torno
de
uma assembleia de notéveis que tem como fungéo restabelecer a ordem refa-
zendo o espago politico. A vacatura simbélica da autoridade real até à chega-
da de um novo corregedor no Outono constitui um dos fiascos
mais
espectaculares da politica de Olivares em Portugal. O revés é tanto mais
duro
quanto o movimento de Évora se torna um modelo imitado por contágio em
todo o Sul do reino.
O ponto de partida fisécal
comum ao conjunto dos levantamentos, em
toda a variedade do seu espectro, desde o agravo do montante dos cabeções
— municiatépai à paralisi
s a do negócio ligado à política militar e aos alojamen-
“tosde tropas: As modalidades da repressão destes diferentes movimentos
não respondem aos terríveis modelos de Richelieu perante os “croquants” e
“pieds-nus”. Mesmo quando tercios castelhanos vieram restabelecer a ordem
no Algarve, em 1638, nunca a repressão foi além da identificação dos
cabecilhas. Os processos penais foram longos e, em numerosos casos, os sus-
peitos escaparam-lhes. Deste período, há que reter portanto, em primeiro lu-
gar, o número considerável de revoltas, praticamente em todo o território, e
depois o facto de o processo de repressão ter terminado, em toda a parte, por
negociações políticas. O principal ensinamento que a nosso ver devemos ex-
trair destes ciclos é_ígqêefig_d_a_jªsil_igúição municipal que eles põem em
evidência. Uma força que iria mesmo indignar o duque de Bragança, especta;
“dor hostil das revoltas do Alentejo.
Observar-se-4 que em termos gerais, salvo notdveis excepgdes, o centro
X de gravidade da actividade rebelde coincide com a metade sul do país, isto &,
Y com a zona geogréfica mais intensamente administrada pelos magistrados — ,
1/ régios e pelos modos mais modernos de administragao da vida social. En- j”
quanto as regiões mais setentrionais, herdeiras das formas de organização i
* comunitária mais densas, mais locais, mais senhoriais, em suma mais imper- |
y/ meáveis à jurisdição régia, se revoltam menos, porque dispõem, sem dúvida,
; de mais recursos corporativos para ignorar as decisões da Coroa. A oposição
ideolégica entre, por um lado, o mundo do privilégio e da tradição e, por
* outro, o mundo do imposto extraordinrio e das reformas não retrata vastas

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86 / Jean-Frédéric Schaub

categorias (lotrados/nio letrados), (privileglados/novos-ricos), mas responde


a circunstincias mais precisas, Consoante as épocas, muitos foram os mem-
bros da nobreza portuguesa quo propuseram receitas fiscais não menos auda-
ciosas do que as que Diogo Soares ofereceu a Olivares, em troca da sua
protecgio. Os cheles de famflia que haviam recusado tomar parte no emprés-
timo forgado de 1631, participavam nos contratos de fornecimento dos exér-
citos, nem sempre pontualmente honrados pelo rei. Para situar os membros
das equipas dirigentes que se sucederam no governo de Portugal, dispomos
de duas nomenclaturas. Por um lado, o retrato colectivo da classe dirigente
portuguesa, composto pelo secretério de Estado Diogo Soares, especialmente
para a vice-rainha Margarida de Mântua, e por outro, as listas dos portugue-
ses segundo a fidelidade que manifestaram a Filipe IV ou a João IV, depois de
1640. Ora essas nomenclaturas raramente foram objecto de uma anélise criti-

'
ca. No entanto, parece que os chefes da “parcialidad infecta”, os “pais da

S
pétria” ou ainda “populares” que sdo os Castro, pai e filho, e Diogo da Silva,
conde de Portalegre e depois marqués de Gouveia, e em certa medida Manuel
de Moura, ele proprio marqués de Castelo Rodrigo, nem sempre foram adver-
sérios obstinado: ivares/ Enquanto o jogo politico portugués parecesse |

s
|
aberto às elites tradicionais, o grau de hostilidade relativamente ao validode

el
lida-
Filipe IV era bastante discreto| Efectivamente, sob a aparéncia da instabi
dos
de aéEofixBina@ées governamentais, não obslante o movimento de noria
o sistema permanecia estdvel nos seus alicerces politi-

SRA e
licos portugueses, por meio de expedientes diversos,
onselho de Portugal à acção governamental, da direc- n
financeiros, mediam-—
cios do papel politico

L|
tri-
fazer passar as }novagbes fiscafs junto das cidades sem o iú'téírílé_díº' '_df)s

|
| bunais nem do governo. Mais tarde, quando a Coroa foi tentada a negociar
directamente com as oligarquias urbanas o montante dos cabeções, mudan-
l do assim de interlocutor, o equilíbrio construído pelas grandes famílias por-

| tuguesas foi seriamente abalado. Mas a viragem politica decisiva fora


_ negociada por altura da vice-realeza de Margarida de Mântua.

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Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640)
/ 87

AS FORMAS SUBTIS DE REJEIÇÃO

Não seria possível explicar as tensões que atravessam o campo político,


no quadro da união dinástica luso-castelhana, se nos ficássemos pela sim-
ples oposição entre obediência e rejeição. Os súbditos portugueses do mo-
narca hispânico só excepcionalmente se quedaram nos termos extremos desta
alternativa. Na verdade, a gama completa das reacções portuguesas aos stimuli
políticos recebidos da corte madrilena é infinitamente mais variada. Pode-se
mesmo adiantar que as manifestações da desobediência aberta tomam a for-
ma de uma reivindicação superlativa de obediência à vontade autêntica de
um rei mal aconselhado ou mal servido pelos seus magistrados e comissári-
os. Para além disso, o leque das atitudes pode ser observado a vários níveis de
responsabilidade, desde as fontes do comando até ao terreno social dos súb-

] i. Pensemos, por exemplo,no facto de a exigéncia da reali-


zação das Cortes em Portugal, reivindicação crénica durante
todoo perfodo
híspânico.—c&íéfspóndeg;aq desejo de confrontar directamen
te o rei com as
pretensões e as redes sociais dos seus súbditos portuguese
s, deixando à mar-
gem oprivado.,
O conhecimento dos documentos produzidos
pelas instituições da mo-
narquia favorece a simplificação do problema.
Mas outras fontes, nomeada-
mente correspondências, permitem apreender
situações mais matizadas.
Assim, a hipótese da duplicidade dos actor
es políticos pode ser verifi cada
por via de uma anedota. Deste modo, o comissário
Francisco Leitão, a propó-
sito da atitude “quando certos grandes, de quem
o rei espera muito, estimam
que tudo o que se empreende nao passa do
estado de preparativos e de prólo-
808 € que a execução do que lhes diz respe
ito não se realizará, então multipli-
cam os salam aleques, as demo nstrações do seu amor, do seu zelo,
solicitude e votam a favor de tudo o que da sua
o rei deseja, mas quando vêem que o
assunto estáa avançar seriamente e que a sua
aplicação não tarda, nada mais
há do que pretextos e tru
deve acautelar-

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86 / Joan-Frédéric Schaub

l e no seu
poder estar localizada no préprio centro do slstema instituciona
mobilizagao
topo. Mas, nesse caso, a oposição não loma a forma extrema de
fisica ¢ de rejeigio em bloco da autoridade criticada.
A histéria fiscal e financeira do perfodo hispénico mostra, por exemplo a
- . |
prop6sito de donativos graciosos arrancados à nobreza, que uma das respos
em acu- i
tas às crescentes reivindicagdes consiste em prometer sem cumprir e
mular as manobras dilatérlas que desmentem nos factos a realidade das
vantagens adquiridas pola coroa. A selecção de documentos apresentados
por Eduardo Freire de Oliveira nos seus Elemenlos oferece inGmeros exem-
plos de resisténcia dos almotacés lisboelas em registar as disposições relati-
vas às finangas ou à defesa da cidade. De uma forma geral, vimo-lo j4, os
magistrados municipais ddo expressio s forgas de protesto violento no dié-
logo que mantém com as instituições madrilenas. O entusiasmo das câmaras
e a sua capacidade de mobilizar fundos, nomeadamente na perspectiva da
viagem de Filipe IIl, mostram que a sua relação com a coroa é composta por
todos estes elementos, em que a fidelidade e a dissidéncia se misturam.
É possivel observar este fenémeno com particular acuidade a propósito do
controlo que os oficiais do rei pretenderam exercer sobre os fluxos de merca-
dorias que transitavam pelas instalagdes portuérias portuguesas.
Em 1628, os magistrados castelhanos tentam mandar imprimir em Lis-
boa, em portugués, o regulamento sobre a repressdo, porquanto os negocian-
tes, cujos rendimentos eram consignados sobre as caixas que recolhiam o
produto das multas e confiscos, exigem a elaboragéo desse documznto. Sem
a produgao de um regulamento oficial, não era possivel assegurar o crédito
financeiro dessas caixas. O impressor encarregado de fazer e de mandar afi-
xar o cartaz do regulamento, é detido pelas autoridades portuguesas de Lis-
boa e tratado como inimigo da pátria. O capitéo-geral da época, Fernando
Toledo protesta, em vão, junto de D. Afonso Furtado de Mendonga, arcebispo
de Lisboa e governador do Reino. Foi preciso recorrer a um impressor de
Madrid, pois nenhum dos que trabalhavam na praga de Lisboa se arriscava a
afrontar os magistrados lisboetas. Indignado, o Conselho de Portugal exige
a designação de um magistrado portugués que proceda a um inquérito sobre
a detenção do impressor. Nenhuma sangdo foi adoptada contra os almotacés
e o impressor foi libertado ao fim de algum tempo. Estamos perante o tipo de
acções de rejeição de baixa intensidade que mancham constantemente a vida
institucional luso-castelhana. Num segundo tempo, os magistrados do
Desembargo do Pago avisam o Conselho de Portugal que as intromissoes das
autoridades castelhanas no dominio da jurisdigio das alfaindegas portugue-
sas são inaceitdveis, Para fragilizar o capitao-geral e os magistrados do Conse-
lho de Guerra de Madrid, lembram que nenhum capitdo havia sido objecto
de uma visita de inspecção desde a criação deste cargo superior, depois da

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Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640
) / 89

partida do duque de Alba em 1581. Era uma forma de lembr


ar que os titula-
res do cargo tinham excedido as suas atribuições e ataca
do a imunidade
jurisdicional garantida por juramento por ocasião das
três reuniões das Cor-
tes de 1581, 1583 e 1619.
Não se pode limitar o estudo das formas de resistência à
eclosão de movi-
mentos abertos de desobediêAsnci
desora.
dens que não eclodiram e as amea-
ças que elas fizeram pesar desempenham um papel não meno
s essencial para
compreender a natureza das relações entre as instituições
da monarquia e os
vassalos portugueses do rei. Assim, encontram-se frequentes
queixas dos
magistrados castelhanos ou portugueses encarregados de
aplicar um certo
número de decisões tomadas em Madrid, perante a ameaça dos
habitantes e,
sobretudo, dos notáveis das cidades onde deviam intervir. É
justamente no
domínio dos conflitos virtuais que a mobilização dos registos polít
icos forja-
dos nos meios sebastianistas e antonianos pode revelar-se verdadeira
mente
eficaz. As cartas dirigidas às instituições madrilenas pelos magistrado
s por-
tugueses e pelos oficiais castelhanos estacionados em Portugal testernunh
am
a importancia que é dada por esses informadores à forga e ao carácter nociv
o
destas culturas politicas semi-subterraneas.

estruturas sociopoliticas sobre as quais assenta a autoridade das elites portu-< -

icade que dis- ).


f ia.Se tomarmos,
por exemplo, a questão das respostas dadas às tentativas para implantar os/Á,,
impostos extraordinários a partir de 1628, é possível observar como os diferen-
tes registos se combinam mais do que se opõem. Perante as iniciativas de Ma-
|nuel de Moura, segundo marquês de Castelo Rodrigo, e dos seus comissários,
as reacções são diversas. Conhece-se bem o caso da revolta dita «das maçarocas»
| que o seu enviado, Francisco de Lucena, teve de enfrentar no Porto, em 1629.
| Mas eflquanto Lucena fazia frente à agitação urbana, os governadores do reino
je os magistrados do Desembargo do Pago contestavam a legitimidade das deci-
| sões da Junta da Fazenda e davam a conhecer a sua oposição ao Conselho de
f Portugal em Madrid. Ao mesmo tempo, de forma mais linear, os oficiais da
| fazenda portugueses praticavam a retengao de informações quando eram soli-
: citados pelos comissérios enviados para junto deles. Todos estes registos agem
| simultaneamente e, na maioria dos casos, a revolta urbana não era sequer ne-
| cessária para auxiliar a mensagem de rejeição. A autonomia jurisdicional de
que dispunham os municípios, o sistema de privilégios de que podiam valer-se
os senhores territoriais e a força política que a cidade de Lisboa havia adquiri-
do, no seu papel de caput regni, ofereciam todas as armas necessárias para

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90/ Jean-Frédéric Schaub

) paralisar a maior parte das inicialivas fiscais ou financeiras tidas como abusivas.
Nao se deve procurar numa hipotética benevoléncla castelhana a compreen-
{ são deste fenémeno, mas antes na organizagfio normativa deste reino fundado
| sobreaagregação corporativa de privilégios. Neste sentido, a interprelagdo “cons-
‘, titucional” dos estatutos dos diferentes corpos sociais é plenamente eficaz e
| convincente. Permite iluminar esta zona obscura que escapa ao olhar do histo-
riador e que não releva nem da revolta aberta nem da obedlencm submissa às
inovagoes impostas de fora,

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O processo de politização

ARBITRISMO E CIRCULAÇÕES TEXTUAIS

Todas as interpretações clássicas das causas da Restauração propuseram


explicações globais. A reivindicação nacional portuguesa de pôr fim a esse
cativeiro babilónico, o interesse dos actores económicos portugueses em se-
parar os impérios, a rejeição das inovações jurídico-constitucionais introdu-
zidas pelos validos dos reis de Madrid: eis os grandes tipos de leitura dos
acontecimentos. A atenção dirigiu-se muito menos para a análise de uma
conjuntura política mais refinada. Quase não se sublinhou que a insurreição
lisboeta do 1.° de Dezembro de 1640 pode ter surgido como a segunda página
do movimento encetado em Évora e no Algarve em 1637-1638 ou
como o
complemento estereofónico da revolta cetala do Verão de 1640 Enquant
o se
$ consagraram monografias clássicas a vários vice-reis (0 arquidu
que Alberto,
& Cristovão de Moura, Diego de Salinas), a vice-realeza de Margarida
de Mântua,
É durante a qual se desenrolou o grande ciclo das revoltas populares
e a Res-
(& tauração, não foram objecto de um estudo monográfico.
A crescente sensibilidade dos historiadores para as conjunturas
breves
_ê permitiu, ultimamente, modificar esta situação. Não há
qualquer dúvida que ? : ;
-0 sentimento dedegradação da situação na união assenta, a partir dos anos
g de 1620 e sobretudo 1630-1635, sobre os efeilos devastad |,
paraotes
Portugal - |
5 doempenhamento da Monarquia Hispânica numa guerra sem tréguas contra |~
* as Provincias Unidas, a Inglaterra e mais tarde a França. O reino |
lusitan€ |
$ duplamente afectado pelas depredações holandesas e inglesas nas Índias
entais
Ori- Í
e Ocidentais e pela limitação do comércio fundamental
do sal da Me-
trópole:' em direcção ao Mar do Norte. Mas para além destes
Vim

elementos '
essenciais, convém prestar atenção ao fenómeno de
politização das elites que |
acelera a partir dos anos de 1630,
fiNov_a,swsgc_iabillidades politicas organizam-se ento, favor
ecendo a união
dos .dããl?_mgg,tg;.ºuanto ao grupo que apoia a obra do cond
e-duque de

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et it
02/ Joan-Iédéric Schaub

Olivares, faz tanto mais figura de facção, quanto mais uma circulagao
inconsiderada de textos olivaristas inflama as imaginagoes. Como vimos, o
sistoma organizado pelos dois secretdrios de Estado funciona como uma rede
de associados e um duplo sistema de clientelas, na corte e em Portugal. E.Zsta
‘organizagdo era perceplivel para todos os que, litigantes e procuradores, tfve-
ram de se dirigir às instituições portuguesas da monarquia, durante a última
década da união. Todavia, até aos anos de 1635, a nebulosa dos descontentes
nunca consegue, ou não deseja, tomar a forma de uma facção organizada.
A casa de Bragança não desempenha verdadeiramente esse papel, e as gran-
des famílias de titulares portugueses que se sucederam no governo e na opo-
sição velada a Olivares parecem mover-se mais pelas suas rivalidades do que
pelo desejo de formar um partido ofensivo.
Um dos mais notéveis paradoxos deste perfodo resulta do facto de a cris-
talização de uma oposigao estruturada a Olivares e aos seus dois secretérios
de Estado coincidir com o restabelecimento da vice-realeza
de sangue real,
que era em princfpio positivo do ponto de vista da dignidade
do reino. De-
pois do impasse dos governos conduzidos pelo conde de
Basto e a recusa
obstinada do favorito do rei em reunir Cortes, nos finais
do ano de 1634,
Filipe IV designa a sua prima italiana, Margarida, duquesa
de Mantua, vice-
-rainha de Portugal. Consciente do seu total desconhecimento
do terreno por-
tugués, Olivares fá-la acompanhar por um dos seus
parentes, o marqués de la
Puebla, membro desconceituado do Conselho
das Finangas de Madrid, e por
um secretdrio especializado em assuntos militares, Gaspar
Ruiz de Escaray.
A função do marqués de la Puebla, uma
superintendéncia dos negécios por-
tugueses, é um caso inédito na breve
histéria da vice-realeza hispanica em
Portugal. Apenas pela sua presenca
junto da vice-rainha, o marqués de
Puebla faz figura de favorito simétrico la
de Olivares. Até entao nunca
castelhano desta condigao e deste Peso politico um
havia sido chamado a cola-
borar no trabalho governamenta
l em Lisboa. Esta presencga
usppei
sus e ta quanto se tratava de era tanto mais
um aristocrata habituad 0 as lides
fiscais da coroa de Castela. financeiras e

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Portugal na Monarquia Hispânica (1560-1640) / 93

manobra em Lisboa, chegando ao ponto de modificar a instrução que o con-


de-duque redigira especialmente para ele. A bem conhecida arrogancia do
secretdrio de Estado em Lisbon e a forga da sua rede de apoio obrigaram o
superintendente a uma greve à acção politica. Desconfiado, indignado, mul-
tiplicando as cartas a Olivares e ao rei para denunciar a maldigao que lhe
faziam, Puebla tornou-se insensivelmente a cabega visivel do partido de opo-
sigdo a Vasconcelos e a Soares.
Perante o bloqueio desta situação, o préprio Olivares acabou por chegar a
\ concluséo de que a operagio Margarida tinha fracassado. O marqués, por seu
| lado, convidava para os seus aposentos a fina flor da nobreza portuguesa
‘, descontente e tentava minar o crédito de Diogo Soares no espirito do favori-
| to. A situagéo de crispação era entdo extrema em Lisboa. A vice-rainha tinha
| de arbitrar o diferendo insolúvel entre a rede de Vasconcelos e a facção do
| marquês de la Puebla, enquanto o capitão-geral das tropas castelhanas, Fer-
nando de Toledo, por seu lado, via na nova equipa uma arneaça à sua própria
influéncia. Nada de mais distante então do que uma divisão das linhas polí-
com as identidades nacionais. Portugueses e Castelhanos
ticas coincidente
B‘erfén?:iafi aos diferentes partidosexistentes. Mas a virulência dos seus con-
frontos oferecia a imagem de um governo d1v1d1do e incoerente. Para além
| disso, como por toda a Europa, na mesma época, a formação de facções polí-
, ticas em torno de ministros de alta posição traduzia-se pela produção e pela
| crescente difusão de textos de natureza política.
“ . A circulação de textos relativos ao lugar que Portugal detinha na Monar-
[ quia Hispâníca constitui um campo fundamental para compreender as for-
|
|
|
te o fenómenode politização que Portugal conheceu nos anos que precede-
ram 1640. Como John H. Elliott sublinhou, o primeiro arbitrista do seu tempo
não é outro senão o próprio Olivares. A célebre Memoria sobre a Um'ão das

| Jurfdlca da Monaxqula Hlspamca na sua dlmensao defensiva e diplomática.


j Por esse facto, vai contra a ortodoxia jurisdicional da separação estrita das
ordens politicas no seio da monarquia. Não foi sem dúvida o primeiro a ima-
ginar o estabelecimento de mecanismos comuns de delesa perante as amea-
ças externas, porém o favorito assumiu o risco de dizer claramente o que, no
seu tempo, era ainda inaudivel. Mais uma vez, só podemos assinalar um cer-
to paradoxo.No plano da histéria institucional, talvez Olivares tenha sido
menos inovador do que Lerma, pelo menos em Portugal, contudo o seu dese-
jo de pôr no papel a sua visão do futuro unificado da monarquia fez dele o
' ministro que menos respeitou os acordos assinados em 1581. A polémica
| dominou-o a tal ponto que não pôde resistir a dizer, ainda que num estilo um

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94 /Jean-Frédéric Schaub

tanto ou quanto obscuro, o que querla fazer, Ora a sua acção efectiva perma-
neceu muito aquém dos projectos que submeteu ao comentário dos outros.
Não se pode negligenciar a importância fundamental da circulação dos
textos políticos, manuscritos ou impressos, na fermendetaç
um espírito
ão de
discórdia. Pode dar-se um exemplo a partir do caso das convocações de 1638.

Depois do fracasso, em 1632, do projecto de criação de Cortes restritas, Olivares


pensou ser oportuno convocar a Madrid um grande número de notáveis por-
tugueses, nobres, prelados, oligarcas urbanos, magistrad
Os anos os.
de con-
vocação das personalidados portuguesas coincidiram com uma desregulação
generalizada das maneiras de fazer a política hispânica em Portugalr.'_ Corriam
os rumores mais alarmantes sobre o projecto, atribuido a Olivares, para pôr
em marcha um processo de pura e simples anexação de Portugal pela coroa
de Castela. Textos manuscritos, por vezes encomendados pelo próprio con-
de-duque, apresentavam planos, mais ou menos bem argumentados,
destina-
dos a reduzir a indisponibilidade jurisdicional do reino de Portugal. É muito
plausivel que estes documentos ou as discussões que suscitaram tenham
u conseguido chegar ao conhecimento das personalidades portuguesas
". convocadas.
d —A primeira fase empreendimento de submissão à jurisdição castelhana
" consistia justamente criar uma assembleiade estados comum as duas coro-

FRAGMENTAÇÃO POLÍTICA E INSTITUCIONAL

Na mesma época, em Madrid, um grupo de opositores


a Diogo Soares e
Miguel de Vasconcelos interpunha uma acção na justiç
a contra o secretário
de Estado do Conselho de Portugal por prevaricação, nepot
ismo, abuso de
poder, envenenamento e mesmo bruxaria, sob a forma de uma
devassa con-
fiada a magistrados do Conselho de Castela, O processo foi constituíd
o por
João Salgado de Araújo, polígrafo bastante dotado e pena merce
ndria, autor
de um célebre tratado politico Ley regia de Portugal (Lisboa, 1628). Agia
en-
tão por conta de uma coligagio de adversarios cujos rostos visíveis
eram

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Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640) / 95

D. Miguel de Noronha, conde de Linhares, e Cid d'Almeida, alto magistrado


do Conselho de Portugal. Precisamente no decorrer dos anos de 1638-1639, o
processo parece atolar-se enquanto as forças em presença se equilibram.
Olivares, durante toda esta primeira fase da devassa imposta a Diogo Soares,
parece apoiar incondicionalmente o homem da sua confiança. Os nobres por-
tugueses presentes na corte ou os seus correspondentes no reino, os altos ma-
gistrados chamados a Madrid ou que permaneceram no seu posto em Portugal,
não podiam tolerar a extrema arrogância deste arrivista nem a amplitude do
seu sistema de apoios clientelares, cuja coluna vertebral continuava a ser de
natureza familiar ou característica do nepotismo. O espectáculo da resistência
triunfante do cla Soares, a despeito dos golpes que lhe foram infligidos, ma-
nifestava aos seus olhos a permanéncia de uma situagéo intoleravel.
Esses anos de 1638-1639 são ainda os de maior divisão interna do gover-
no de Lisboa. É o momento em que o marqués de la Puebla se fecha definiti-
vamente numa espécie de greve de governo e se contenta em receber nos seus
aposentos os inimigos mais determinados dos secretarios de Estado. A pri-
meira vista, esta fragmentagdo parecia beneficiar em primeiro lugar Miguel
de Vasconcelos e o seu cla. Este havia colocado toda a sua rede politica ao
servigo dos objectivos prioritdrios confiados à vice-rainha Margarida de
Mantua, em particular a preparação material das frotas destinadas a socorrer
os diversos pontos do Império vitimas dos ataques inimigos. Os seus agentes
nas principais cidades do reino esforgavam-se por fazer passar nas institui-
ções municipais as disposi¢oes que diziam respeito a nova fiscalidade.
O fracasso da harmonizagao das instituigées militares castelhanas e portu-
guesas, sob o regime de tenéncia-geral confiada ao duque de Braganga, fazia
do cla o principal interlocutor dos assentistas portugueses encarregados do
recrutamento durante os últimos anos da década. Em suma, o sistema organi-
zado por Vasconcelos parecia ocupar todo o espago politico. Nestas circuns-
tancias, não surpreende que o duque de Braganga, depois de se ter retirado
para o seu palécio de Vila Vigosa, tenha adquirido a aparéncia de um recurso
ou de uma alternativa.

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Conclusão

O epílogo desta história não é tanto o dia 1.º de Dezembro de 1640, por
mais celebrado que seja, mas o conjunto de acontecimentos e de evoluções
políticas, militares e culturais que tornaram impossível um retrocesso. A di-
mensão miraculosa da Restauração reside inteiramente no seu carácter defi-
nitivo. O golpe de força dos quarenta fidalgos contra o palácio real, o
assassinato de Miguel de Vasconcelos, a detenção de Margarida de Mântua
num convento da cidade, a ausência de reacção dos soldados castelhanos
dos presídios da foz do Tejo: esta breve sequência de acontecimentos não
pode ser interpretada separadamente das dinimicas politicas que desenca-
deou. A chegada do duque de Braganga, a sua proclamagao, as Cortes e os
juramentos que se seguiram, conferem-lhe o sentido de uma mudanga de
dinastia. Mas, depois, a hip6tese da adesão espontanea e massiva dos súbdi-
tos relativamente ao seu novo rei, natural da terra, despreza demasiados fac-
tores para poder ser completamente convincente.
Não se pode afastar, sem um exame prévio, uma hipétese pelo menos tão
séria sobre a indiferenga dos súbditos portugueses relativamente as questões
simbélicas da politica dindstica. Nao é sensato continuar a utilizar os textos
de polémica politica e de oratéria sagrada produzidos a montante e a jusante
do dia 1.° de Dezembro como os reflexos de um estado da opinido portuguesa
desse tempo, quando em toda a parte este tipo de andlise foi abandonado.
Valeria mais determo-nos sobre os meios empregues pela nova dinastia na
sua politica de convicgao. Neste plano, não há dúvida que o uso da tipogra-
fia, do sermão e do texto manuscrito desempenha um papel consideravel.
Para compreender os mecanismos que produzem os efeitos de unanimidade
desejados pelo novo rei, há que tomar igualmente em consideragdo impor-
tantes factores sociopoliticos. O poder senhorial desmesurado dos Braganga
cresce de forma vertiginosa quando os bens da coroa são incorporados no
patriménio da sua casa. É preciso medir o formidavel desequilibrio que se
instala em Portugal com um titular da coroa que goza do dominio directo

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98 / Jean-Frédéric Schaub

mais importante de toda a Europa. As redes da família num certo número de


grandes cidades do reino favorecem a passagem de uma legitimidade a outra,
num ambiente de grande estabilidade. Onde a transferência parece encontrar
uma sólida oposição, nomeadamente junto do alto clero e das famílias rivais
dos Bragança, por exemplo os duques de Caminha e o marquês de Vila Real,
aplica-se então a solução de força: processo político e execução (para os laicos).
A ausência física de um grande número de chefes da nobreza portuguesa,
reunidos em Madrid, deixa o campo aberto aos agentes do novo rei, incluin-
do nas terras dos fidalgos aliados dos castelhanos mas privadas do seu chefe.
Tal como, antes dele, haviam feito o fundador da dinastia de Avis, em 1385, e
depois os Habsburgo de 1580 a 1640, o primeiro rei da dinastia de Braganga
concede um número apreciavel de titulos nobilidrquicos, estabelecendo por
essa mesma via fortes lagos de reconhecimento com importantes familias da
aristocracia.
A guerra de desgaste, mal financiada e mal preparada, que a coroa de Castela
impõe a Portugal cristaliza oposições que não estavam verdadeiramente cons-
tituidas. Esta guerra, que durou cerca de trinta anos, foi capaz de desfazer soci-
edades fronteiricas cuja capacidade de troca havia talvez aumentado durante o
periodo de unido. Aniquilou o espago social de transacgao entre as sociedades
portuguesa e castelhana. Engendrou uma fronteira fisica, cultural e mental que
ainda custa a apagar. A Restauragao são todos estes elementos e sem dúvida
muitos mais, que o relato do dia 1.° de Dezembro não permite sequer aflorar.

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Anexo

I - Governo de Portugal 1580-1640'

1 - Governadores durante o interregno, depois da morte do Cardeal D. Henrique


(31-1-1580): arcebispo de Lisboa, D. Joao Mascarenhas, Francisco de S4, D. João
Tello de Meneses, Diogo Lopes de Sousa.
2 — Governo pessoal de Filipe 1I (1581-1583)
3 - O arquiduque Carlos Alberto, vice-rei (31-1-1583 a 23-2-1593)
4 - Junta de governadores (5-7-1593 a Janeiro de 1600): D. Miguel de Castro (arcebis-
po de Lisboa), D. Juan de Silva, conde de Portalegre (Mordomo Mor da Casa Real),
D. Francisco de Mascarenhas, conde de Santa Cruz (Estribeiro-mor da Casa Real),
D. Duarte de Castelo Branco, conde do Sabugal e D. Miguel de Moura (escrivao
da puridade).
5 - D. Cristévao de Moura, marqués de Castelo Rodrigo, vice-rei (29-1-1600 a 26-7-
-1603). j
6 - D. Afonso Castelo Branco, bispo de Coimbra, vice-rei (22-8-1603 a 26-12-1604).
7 - D. Pedro de Castilho, bispo de Leiria e Inquisidor Geral, vice-rei (1-1-1605 a 3-1-
-1608).
8 - D. Cristóvão de Moura, marquês de Castelo Rodrigo, vice-rei (31-1-1608 a 19-2-
-1612)
9 - D. Pedro de Castilho, vice-rei (24-2-1612 a 5-7-1614)
10 — D. Frei Aleixo de Meneses, arcebispo de Braga, vice-rei (6-7-1614 a 11-7-1615).
11 - D. Miguel de Castro, arcebispo de Lisboa, vice-rei (11-7-1615 a 16-3-1617).
12- D. Diego de Silva y Mendoza, conde de Salinas e marqués de Alenquer, vice-rei
(1-4-1617 a 8-8-1621).
13 - Junta de governadores: D. Martim Afonso de Mexia, bispo de Coimbra, D. Diogo
de Castro, conde de Basto e Nuno Alvares de Portugal (1-9-1621 a 22-5-1622).
14 - Junta de governadores: D. Martim Afonso de Mexia, bispo de Coimbra (até 30-8-
-1623), D. Diogo de Castro, conde de Basto e D. Diogo da Silva, conde de Portalegre.
15 - Junta de governadores: D. Diogo de Castro, conde de Basto e D. Diogo de Silva,
conde de Portalegre (1623-1626).
16 - Junta de governadores: D. Diogo da Silva e D. Afonso Furtado de Mendonga,
arcebispo de Lisboa (1626-1627)

! Estes dados foram retomados da tese de Santiago de Luxán Meléndez, La Revolucion de


1640 en Portugal, cf. bibliografia.

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100 / Jean-Frédéric Schaub

17 - Junta de governadores: D. Diogo da Silva e D. Afonso Furtado de Mendonça,


arcebispo de Lisboa (1628-1630)
18 — Governo de D, Diogo de Castro (1630-1631),
19 - Junta de governadores: D. António de Ataíde, conde de Castro Daire e da Casta-
nheira e D. Nuno de Mendonga, conde de Val de Reis (30-6-1631 a 1632).
20 - Governo de D. Antdnio de Atafde (1632 a Abril de 1633).
21 — D. Jodo Manuel, arcebispo de Lisboa, vice-rei (Abril a Julho de 1633)
22 - D. Diogo de Castro, vice-rei (Agosto de 1633 a Novembro de 1634)
23 — Margarida de Mantua, vice-rainha (Novembro de 1634 a Dezembro de 1640)

1 - Conselho de Portugal: 1583-1598

I - Conselheiros
1 - D. Cristóvão de Moura, intendente das finangas 1583-1598
2 - D. Jorge de Ataide, bispo, camareiro-mor 1583-1598
3 — Pero Barbosa, desembargador do Pago 1583-1598
4 - Rui de Matos Noronha, desembargador do Paço 1583-1588
5 — Jorge Cabedo, desembargador do Pago 1593-1597
6 — Francisco Nogueira, desembargador do Pago 1598

I — Secretarios
1 - Nuno Alvares Pereira
1583-1586
2 — Pedro Alvares Pereira 1583-1598

III - Conselho de Portugal 1598-1621

I- Conselheiros
1 - D. Cristévao de Moura, intendente das finangas
1598-1600
2- D. Jorge de Ataide, bispo, camareiro-mor
1598-1603
3 — Pero Barbosa, desembargador do Pago
'1598-1602
4 - Francisco Nogueira, desembargador do Pago
1598-1612"
5 — Pedro Alvares Pereira, secretério do rei
1602-1621 (1607-1614)
6 — D. Juan de Borja, intendente das finangas
1599-1606'
7 - D. Henrique de Sousa, secretário do rel
8 — D. Manuel de Castello Branco
+1602-1615
9 - D. Afonso Furtado de Mendonga, eclesiástico
1602-1615 (1606-1614)"
10 — Diogo de Fonseca, desembargador do Pago
'1605-1608
1605-1609
X

11 - D, Diogo da Silva, intendente das finangas


12 - D. Estevao de Paro, secret4rio do rei
1605-1615
13 - D. Carlos de Borja, presidente do Conselho
1605,1607, 1615-1616
14 - Fernão de Matos, eclesiástico
1606-1615, 1616-1621
1609-1614 '

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Portugul na Monarquia Hispânica (1580-1640) / 101

15 — Frei Aleixo de Meneses, presidente do Conselho 1615-1617


16 - Mendo da Mota, desembargador do Paço 1618-1621
17 - D. Francisco de Bragança, eclesiástico 1618-1621 (2)
11 - Secretários
1 - Pedro Álvares Pereira, secretário do rei 1598-1602
2 - Martim Afonso Mexia, secretário do rei 1602-1605
3 — Francisco Almeida de Vasconcelos, secretario das finangas
e das mercés 1602-1621
4 — Ferndo de Matos, eclesidstico 1602-1614
5 — Luís de Figueiredo, secretario das finangas 1602-1607
6 — João Brandao Soares, eclesiéstico 1605-1606
7 — Francisco de Lucena, secretdrio de Estado 1614-1621

IV - Conselho de Portugal 1621-1639

1 - Conselheiros
1 - D. Carlos de Borja, duque de Villahermosa, presidente 1621-1639
2 — Pedro Alvares Pereira, secretério do rei
1621-1622
1621-1632
3 — Mendo da Mota, desembargador do Pago
1621-1632
4 - D. Francisco de Braganga, conselheiro eclesidstico
1621-1631
5 - D. Anténio Pereira, desembargador do Pago
iro
6 — D. Manuel de Moura, marqués de Castelo Rodrigo, conselhe
de Estado 1623-1639
1633-1637
7 — Manuel de Vasconcelos, conselheiro de Estado
1633-1639
8 — Doutor Cid de Almeida, desembargador do Pago
1633-1639
9 - D. Francisco de Mascarenhas, conselheiro de Estado
1633-1634
10 - D. Miguel de Castro, bispo de Viseu, conselheiro eclesidstico
1636-
11 - D. Miguel Soares Pereira, conselheiro eclesidstico
1635-1639
12 - D. Francisco de Melo, conselheiro de Estado
Estado -1637
13 - D. Miguel de Noronha, conde de Linhares, conselheiro de

11 - Secretérios
as 1602-1621
1 - Francisco de Almeida de Vasconcelos, secretério das finang
1621-1629
e das mercés
1621-1631
2 — Francisco de Lucena, secretário do rei
1629-1639
3 — Gabriel Almeida de Vasconcelos, secretario das mercés
1631-
4 — Marqal da Costa, secretério do rei
1631-1632
5 — Lufs Falcão, secretario das Índias
1631-1639
6 — Diogo Soares, secretério de Estado, Finangas e Justica

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