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Tema 6: Fundamentos do Estado Democrático de Direito e o Acesso à Justiça.

Acesso à

Justiça, Administração da Justiça e Política Judiciária. A Ética Política no Estado

Democrático de Direito.

O estado democrático de direito é entendido por muitos autores 1 como um avanço em


relação ao "clássico" modelo de estado de direito, na concepção libereal, e do denominado
Estado Social. Trata-se de uma espécie de estado, ao lado das demais classificações, que têm
se popularizado no âmbito contemporâneo, assumindo diferentes feições a depender da
localidade.

No Brasil, o estado democráatico de direito está positivado na Constituição no


preâmbulo e no artigo primeiro. O conceito de estado democrático de direito (para além de
uma classificação geral), e o conceito de democracia devem ser entendidos como conceitos
jurídico-constitucionais, ou seja, conceitos que devem ser entendidos de acordo com a ordem
constitucional em que está inserida, podendo adquirir diferentes feições

O estado democrático de direito, na concepção de Ingo Sarlet2:

“Cuida-se, portanto, de um Estado onde o poder (seja na sua origem,


seja quanto ao seu modo de exercício) deve ser legitimamente
adquirido e exercido, legitimação que deve poder ser reconduzida a
uma justificação e fundamentação democrática do poder e a um
exercício democrático das diversas formas de sua manifestação e
exercício”

1 Lenio Streck e José Luis Bolzan de Morais por exemplo


2 Sarlet, Ingo Wolfgang Curso de direito constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme
Marinoni e Daniel Mitidiero. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
O professor Marco Anônimo Marques, por sua vez, compreende o estado democrático
de direito como aquele “ tem por finalidade o pleno desenvolvimento dos cidadãos, através
da superação de desigualdades sociais e reconhecimento dos limites da esfera de intervenção
do estado, de forma a realizar a justiça social e assegurar a dignidade da pessoa humana”.
Trata-se de um conceito (diferente do trazido por Ingo Sarlet) diretamente relacionado aos
fundamentos do estado democratico de direito, mais acertadamente dando conta de
possibilitar a sua compreensão.

Nesse contexto, Ingo Sarlet3 se aproxima do tema ao tratar das fundamentações do


estado democrático. Para ele o estado democrático de direito está fundamentado na
concepção de democracia, enquanto busca de consensos, direcionados pela vontade da
maioria e balizado no respeito das minorias - na sua proteção e promoção - e no exercício
cidadania constitucional, enquanto uma “concepção de cidadania ativa e responsável, em
sintonia com a dignidade da pessoa humana e de democracia material” . Junto a isso, a ordem
constitucional deve ser resultado da vontade do povo, entendendo a soberania popular tanto
na perspectiva de titularidade, quanto de exercício do poder estatal.

A concepção do estado democrático de direito e de uma gama de direitos


fundamentais elevou o acesso à justiça, segundo Nathaly Campitelli Roque, a um condição de
direito fundamental essencial, sendo “mais do que uma mera garantia de direitos, seria ele
mesmo um direito autônomo, cuja denegação acarretaria a de todos os demais” 4. Assim, na
atual ordem democrática, o acesso à justiça constitui um elemento central do próprio
funcionamento do estado e do exercício dos direitos constitucionais.

O acesso à justiça tradicionalmente é compreendido como o acesso ao poder judiciário


e a possibilidade de requerer a efetivação dos direitos fundamentais pertencentes ao
indivíduo. Este, no entanto, vai além, abarcando também a possibilidade de que os
argumentos levantados no processo sejam devidamente considerados, bem como a
possibilidade de acesso a outros órgãos que perfazem justiça - como órgãos administrativos

3 Sarlet, Ingo Wolfgang Curso de direito constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme
Marinoni e Daniel Mitidiero. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
4 ROQUE, Nathaly Campitelli. Acesso à Justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes
Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e
Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire
(coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/105/edicao-1/acesso-a-justica
de regulação e aos cartórios - e também a ter acesso a outros métodos de resolução de
conflitos como mediação e conciliação.

É no paradigma do acesso à justiça como forma de concretização dos demais direitos


fundamen, que emerge a importância da administração justiça e da política judiciária: os
tribunais pátrios, segundo Nathaly Campitelli Roque, não só são responsáveis pela aplicação
dos dispositivos legais já existentes, mas também “permitem a reintrodução do próprio direito
positivo no interior das relações sociais, na medida em que os juízes podem exercer um papel
fundamental na adequação de novos procedimentos formais à formulação de uma nova
vontade coletiva”5, como se verificou no julgamento acerca da união homoafetiva.

Importa pontuar que a aplicação das normas jurídicas em casos concretos complexos,
atualizando o seu âmbito de interferência, sob o paradigma constitucional, não pode (e não
implica) no aumento de um ativismo judicial. Trata-se na verdade da concretização do acesso
à justiça, no paradigma do estado democrático de direito.

Nesse contexto, o professor Marco Antônio defende a existência de uma ética política
no Estado Democratico de Direito que deveria direcionar o seu funcionamento. Para ele,
neste contexto, “ (..) para que o estado seja efetivamente ético, deve conduzir a população a
redução das desigualdades, assegurando-lhe o desenvolvimento moral, cultural, econômico e
social, capaz de propiciar condições dignas e prósperas de vida a todas” 6. Trata-se de uma
ética democrática.

Esta concepção teria surgido com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e se
espraiado para os demais diplomas normativos que se inspiraram no texto normativo para se
constituir. Assim, explica o Marco Antônio que “com base na declaração universal dos
direitos humanos, passou se a reconhecer, primeiro, que, acima das leis emanadas do poder

5 ROQUE, Nathaly Campitelli. Acesso à Justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso


Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo:
Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo
Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2017. Disponível em:
https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/105/edicao-1/acesso-a-justica

6 SILVA, Marco Antonio Marques. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação


da dignidade da pessoa humana. In: SILVA, Marco Antonio Marques da & MIRANDA,
Jorge (Coordenação). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. 2ª ed. São Paulo:
Quartier Latin, 2009, p. 232
dominante, há uma lei maior de natureza ética e validade universal; segundo, que o
fundamento dessa lei é o respeito a dignidade da pessoa humana”7.

Assim, o estado democráctico de direito é fundamentado em pilares sólidos de


cidadania, democracia, concretização de direitos fundamentais e respeito às minorias,sendo
direcionado por um senso ético de busca pela concretização da dignidade da pessoa humana.
Neste contexto, emerge a importância da garantia do acesso à justiça, como forma de
concretizar os demais direitos.

Referências:

ROQUE, Nathaly Campitelli. Acesso à Justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso


Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo:
Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo
Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2017. Disponível em:
https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/105/edicao-1/acesso-a-justica

Sarlet, Ingo Wolfgang Curso de direito constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz
Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.

SILVA, Marco Antonio Marques. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da


dignidade da pessoa humana. In: SILVA, Marco Antonio Marques da & MIRANDA, Jorge
(Coordenação). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. 2ª ed. São Paulo: Quartier
Latin, 2009.

7SILVA, Marco Antonio Marques. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação


da dignidade da pessoa humana. In: SILVA, Marco Antonio Marques da & MIRANDA,
Jorge (Coordenação). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. 2ª ed. São Paulo:
Quartier Latin, 2009, p. 230

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