Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Crise Global Jornal Dos Economistas Revista Corecon
A Crise Global Jornal Dos Economistas Revista Corecon
E a crise global?
Luiz Carlos Bresser-Pereira,
Luiz Carlos Delorme de Prado,
Bernardo Kocher, Elias Jabbour,
Alexis Dantas e Williams Gonçalves
debatem se a crise iniciada
em setembro de 2008
está superada
e o estágio da
economia global.
Fórum Popular do Orçamento analisa a trajetória das contas cariocas de 2009 a 2016
2 Editorial Sumário
Órgão Oficial do CORECON - RJ Presidente: José Antonio Lutterbach Soares. Vice-presidente: João Manoel Gonçalves Barbosa.
E SINDECON - RJ Conselheiros Efetivos: 1º TERÇO: (2017-2019) Arthur Camara Cardozo, João Manoel Gonçalves
Issn 1519-7387 Barbosa, Regina Lúcia Gadioli dos Santos - 2º TERÇO: (2015-2017) Antônio dos Santos Maga-
lhães, Gilberto Caputo Santos, Jorge de Oliveira Camargo - 3º TERÇO: (2016-2018) Carlos Henri-
Conselho Editorial: Sidney Pascoutto da Rocha, Carlos Henrique Tibiriçá Miranda, Marcelo Pereira que Tibiriçá Miranda, Sidney Pascoutto Rocha, José Antônio Lutterbach Soares. Conselheiros Su-
Fernandes, Gisele Rodrigues, Wellington Leonardo da Silva, João Manoel Gonçalves Barbosa, Pau- plentes: 1º TERÇO: (2017-2019) Andréa Bastos da Silva Guimarães, Gisele Mello Senra Rodrigues,
lo Passarinho, Sergio Carvalho C. da Motta, José Ricardo de Moraes Lopes e Gilberto Caputo San- Marcelo Pereira Fernandes - 2º TERÇO: (2015-2017) André Luiz Rodrigues Osório, Flavia Vinhaes
tos. Jornalista Responsável: Marcelo Cajueiro. Edição: Diagrama Comunicações Ltda-ME (CNPJ: Santos, Miguel Antônio Pinho Bruno - 3º TERÇO: (2016-2018) Arthur Cesar Vasconcelos Koblitz,
74.155.763/0001-48; tel.: 21 2232-3866). Projeto Gráfico e diagramação: Rossana Henriques (rossa- José Ricardo de Moraes Lopes, Sergio Carvalho Cunha da Motta.
na.henriques@gmail.com). Ilustração: Aliedo. Revisão: Bruna Gama. Fotolito e Impressão: Edigráfica.
Tiragem: 13.000 exemplares. Periodicidade: Mensal. Correio eletrônico: imprensa@corecon-rj.org.br SINDECON - SINDICATO DOS ECONOMISTAS DO ESTADO DO RJ
Av. Treze de Maio, 23 – salas 1607 a 1609 – Rio de Janeiro – RJ – Cep 20031-000. Tel.: (21)2262-
As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. 2535 Telefax: (21)2533-7891 e 2533-2192. Correio eletrônico: sindecon@sindecon.org.br
É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.
Mandato – 2014/2017
CORECON - CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA/RJ Coordenação de Assuntos Institucionais: Sidney Pascoutto da Rocha (Coordenador Geral),
Av. Rio Branco, 109 – 19º andar – Rio de Janeiro – RJ – Centro – Cep 20040-906 Antonio Melki Júnior, Jose Ricardo de Moraes Lopes e Wellington Leonardo da Silva
Telefax: (21) 2103-0178 – Fax: (21) 2103-0106 Coordenação de Relações Sindicais: João Manoel Gonçalves Barbosa, Carlos Henrique Tibi-
Correio eletrônico: corecon-rj@corecon-rj.org.br riçá Miranda, César Homero Fernandes Lopes, Gilberto Caputo Santos.
Internet: http://www.corecon-rj.org.br Coordenação de Divulgação Administração e Finanças: Gilberto Alcântara da Cruz, José
Antonio Lutterbach e André Luiz Silva de Souza.
Conselho Fiscal: Regina Lúcia Gadioli dos Santos, Luciano Amaral Pereira e Jorge de Oliveira Camargo
ta acumulação de capital exceden- turalmente, complementada por to, não sofrem da doença holan- relação aos países ricos, passaram a
te. Os dois fatos são fundamentais um processo de extinção de capital desa, cresceram ou crescem de for- crescer muito lentamente e vêm fi-
para compreender o retorno à ins- causado pela depreciação e a ob- ma acelerada, enquanto a Malásia, cando cada vez mais para trás em
tabilidade financeira, que, no qua- solescência técnica, mas também a Indonésia e a Tailândia, também relação não apenas aos países em
dro do acordo de Bretton Woods, pelas grandes guerras e pelas gran- desenvolvimentistas, crescem de desenvolvimento independentes,
da política macroeconômica key- des crises econômicas. Ora, desde maneira satisfatória. Todos agindo mas também aos países ricos.
nesiana, e dos Anos Dourados do 1945 o mundo não enfrenta gran- com responsabilidade fiscal, garan- O capitalismo vive hoje uma
Capitalismo, havia sido fortemen- des guerras. Quanto às crises fi- tindo lucratividade para suas em- crise de transição, que não impe-
te reduzida, e a forte redução da ta- nanceiras, embora desde 1980 os presas industriais e usando essen- de que muitos países da Ásia cres-
xa de crescimento dos países ricos. países ricos tenham abandonado o cialmente sua própria poupança. çam e realizem o alcançamento,
O mundo rico enfrenta hoje keynesianismo, a crise financeira Todos aproveitando sua mão de porque adotam políticas de acor-
uma enorme abundância de capi- de grande envergadura, a de 2008, obra barata para competir com os do com seus interesses nacionais.
tais: o capital tornou-se excedente acabou destruindo muito menos países ricos na exportação de bens Já na América Latina, novamen-
em relação aos investimentos que capital do que poderia tê-lo feito, industriais cada vez mais sofistica- te dependente, ou os países se de-
as empresas estão dispostas a fazer. graças às fortes políticas contrací- dos. Já os países da América Lati- sindustrializam, como o Brasil,
O capital excedente é inerente ao clicas adotadas por todos os paí- na e, particularmente, o Brasil, que ou transformam sua indústria em
capitalismo, mesmo quando a de- ses. Passada, porém, a fase aguda foram desenvolvimentistas entre uma indústria maquila, como o
sigualdade não aumenta, e mais da crise, o mundo voltou à auste- 1930 e 1990 e lograram neutralizar México, enquanto suas elites ven-
ainda quando aumenta. Incapazes ridade fiscal, e a insuficiência de sua doença holandesa, cresceram e dem suas empresas para empresas
de consumir todos os seus lucros demanda voltou a ser crônica. se industrializaram. Mas, porque multinacionais e se tornam rentis-
e os seus altos ordenados e bônus, Enquanto o mundo rico não sempre tentaram crescer com en- tas. Enquanto isso os jovens, tan-
capitalistas rentistas, financistas e encontra uma solução para esse dividamento externo (“poupan- to pobres quanto ricos, não têm
altos executivos colocam seu di- problema, no mundo periférico os ça externa”) e porque, desde 1990, oportunidade nem de emprego
nheiro no setor financeiro para fi- países que adotaram políticas de- abandonaram sua autonomia na- nem de se tornarem empresários.
nanciar os investimentos. Mas o senvolvimentistas independentes, cional e se submeteram a Washing-
mercado é incapaz de ajustar es- principalmente os países do Leste ton e Nova York, aceitaram que su- * É professor emérito da Fundação Getú-
sa oferta e esse estoque imenso de da Ásia, a Índia e o Vietnã, que não as empresas voltassem a ter uma lio Vargas. bresserperereira@gmail.com;
poupança com os investimentos exportam commodities e, portan- forte desvantagem competitiva em www.bresserpereira.org.br
na produção, porque, conforme
Keynes e Kalecki demonstraram
de forma definitiva, a demanda
não cresce na proporção da oferta.
Por isso, eles propuseram uma po-
lítica macroeconômica que garan-
tisse essa demanda. A qual era, na-
oliberais nas economias industriais de seguros e corretagem – acaban- tema financeiro foram evitadas. O Frente Nacional de Marine Le Pen
avançadas; a primeira, com as elei- do com uma importante regula- dinheiro dos contribuintes salvou e o UKIP (United Kingdom In-
ções de Ronald Reagan (1981-89) ção herdada do período da Gran- alguns agentes econômicos (prin- depence Party), que surgiu como
e Margaret Thatcher (1979-90) na de Depressão. No Reino Unido, cipalmente banqueiros e gestores uma força política a favor do Bre-
década de 1980. Esses governos Tony Blair, usando a ideia de “Ter- de grandes empresas), embora te- xit. E nos EUA com o Tea Party e a
convergiam, no plano econômico, ceira Via”, propunha, igualmente, nha feito muito pouco pelos cida- eleição de Donald Trump.
com uma agenda de reforma libe- por um fim “a velha política de lu- dãos menos privilegiados, que per- Contudo, as últimas projeções
ral, e no plano político, com uma ta de classes”. Blair foi grande ar- deram suas poupanças e empregos. da economia mundial indicam que
agenda conservadora em questões ticulador de um modelo de gestão Na Europa, a principal conse- neste ano está em curso uma recu-
de valores e costumes e nacionalis- da União Europeia, norteada por quência da onda de choque foi a peração moderada da economia dos
ta na política externa. ideias neoliberais. No plano do- crise do Euro. Tais como os norte- EUA e da Europa – projeta-se que o
Uma segunda onda de gover- méstico, tal como Clinton, apro- -americanos, os europeus fizeram PIB dos EUA crescerá 2,1% e da zo-
nos neoliberais pretendeu manter fundou a desregulamentação da apenas o suficiente para evitar um na do Euro 1,7% (dados do World
e aprofundar a agenda de reformas economia e, em especial, do siste- colapso do seu sistema financei- Economic Propects, World Bank, ju-
liberais, combinando tais medidas ma financeiro. ro. Apesar da instabilidade, o Eu- nho de 2017). Para isso contribuí-
com algumas políticas moderadas O crash do mercado de sub- ro não desapareceu e, exceto pelo ram um crescimento moderado de
de bem-estar social e um discur- prime e a crise econômica de caso da Grã-Bretanha, que decor- gastos públicos nos países da OC-
so pró-responsabilidade social das 2007/2008 foi uma das consequ- reu mais de razões políticas do que DE, que aumentaram para 40,9%
grandes empresas. Na área de va- ências das políticas seguidas nas econômicas, nenhum país deixou do PIB em 2015 (eram de 38,7%
lores, diferenciavam-se do caráter décadas anteriores. Mas esse foi o a União Europeia. Nos EUA e na em 2008 - OECD, Government at
conservador dos governos anterio- primeiro momento de uma crise Europa, no entanto, as causas mais Glance, 2017) e do gasto social, que
res; defendiam a liberdade no âm- que afetou o mundo inteiro. Nesse profundas do modelo seguido des- cresceu para 41% do gasto total em
bito dos costumes e faziam a defesa sentido, não foi muito diferente da de a década de 1980 não foram en- 2015 (de 37% em 2007). Mas, co-
do internacionalismo, em oposição crise de 1930, iniciada nos EUA e frentadas. E tecnocratas tomavam mo mostrou a Grande Depressão,
ao forte nacionalismo dos seus an- que se tornou mundial. Na déca- decisões que afetavam a vida da as consequências econômicas des-
tecessores. Bill Clinton nos EUA da de 1930, a Grande Depressão população, com pouca preocupa- se tipo de crise persistem por longo
e Tony Blair no Reino Unido são acabou com o padrão ouro e criou ção quanto às consequências. Nesse tempo. Os efeitos da crise atual es-
exemplos desse modelo. Esses líde- condições para o papel regulador contexto, a deterioração da distri- tão presentes em três indicadores: (i)
res viam a globalização como um do Estado. Mas contribuiu, tam- buição de renda apareceu com toda a distribuição de renda continua a
processo virtuoso e desejável. Pa- bém, para a derrubada dos gover- força. O impacto do livro do Tho- piorar; (ii) os investimentos públicos
ra eles essa integração promoveria nos democráticos na Alemanha e mas Piketty (Capital in the Twenty- e privados estão, ainda, fracos e (iii)
os valores individuais tradicionais, em outros países – alimentou a in- -First Century, Cambridge Univer- o desemprego permanece elevado.
como direito de propriedade e di- tolerância e o irracionalismo, que sity Press, 2014) abriu uma nova Ao final, a herança mais pesa-
reito de escolha e, ainda, os valores foram algumas das causas da Se- onda de discussão sobre os efeitos da das reformas liberais e da cri-
democráticos. gunda Guerra Mundial. desestabilizadores do aprofunda- se econômica tem sido a transfe-
Foi essa segunda onda de ne- Na crise atual, os governos não mento da divisão entre os ganha- rência para tecnocratas de decisões
oliberalismo que concluiu a libe- tiveram a mesma postura passiva dores e perdedores da globalização importantes para a sociedade, que
ralização do sistema financeiro no da década de 1930. Mas uma leitu- – além dele, foram publicados tra- retiram o poder de escolha das au-
plano doméstico e na esfera inter- ra enviesada da Grande Depressão balhos importantes por James Gal- toridades eleitas. É justamente a
nacional e aprofundou políticas contribuiu para limitar a interven- braith (Inequality: What Everyone sensação dos eleitores de que seus
que concentravam a renda. Esse ção do Estado na Grande Reces- Needs to Know?, Oxford Universi- votos não são suficientes para mu-
foi o período de grande crescimen- são. Por outro lado, a intervenção ty Press, 2016) e por Branko Mi- dar a política econômica e as con-
to dos pacotes de compensações das autoridades norte-america- lanovic (Global Inequality, Belknap dições de suas vidas que tem infla-
para os grandes CEOs das com- nas foi suficiente para evitar outra Press, 2016), entre outros. do o apoio a partidos e candidatos
panhias norte-americanas, que se Grande Depressão. Mas o diagnós- Como na década de 1930, a populistas. No passado, em espe-
beneficiavam da nova política tri- tico da crise feito para o Congresso Grande Recessão trouxe instabi- cial na década de 1930, esta foi
butária. Além disso, a Lei de Mo- dos EUA por uma comissão inde- lidade política mesmo para países uma receita para o desastre. Espe-
dernização dos Serviços Financei- pendente (Financial Crisis Inquiry com democracias consolidadas. A ramos, embora céticos, que essa li-
ros de 1999 derrogou a separação Commission) foi decepcionante: ao sua face mais evidente foi o cres- ção tenha sido aprendida.
legal entre bancos comerciais, ban- final, recomendava poucas refor- cimento do populismo de direita
cos de investimentos, companhias mas. As tentativas de regular o sis- na Europa, como, por exemplo, a * É professor do IE/UFRJ.
os setores estatal e privado da eco- Ganha forma à formação de 149 conglomerados expansão do setor estatal na eco-
nomia. Por exemplo, a preparação o “socialismo empresariais localizados nos seto- nomia chinesa pós-crise pode ter
do próprio território à recepção e de mercado” res estratégicos da economia e 4) gestado uma nova formação eco-
implantação gradual das Zonas Desde o início da década de formação, em 2003, da SASAC nômico-social, o chamado “so-
Econômicas Especiais (ZEEs) e o 1990, sucessivas mudanças ins- (State-owned Assets Supervision cialismo de mercado”. Longe de
lançamento, em 1999, do “Progra- titucionais foram essenciais a: 1) and Administration Commission of ser uma “economia mista”, dado
ma de Desenvolvimento do Gran- emersão de uma moderna eco- the State Council), responsável pe- o poder de encadeamento do se-
de Oeste” constituíram-se em de- nomia monetária (fortalecimen- la observância da execução das po- tor estatal. Algo muito diferente
senvolvimentos de elevação da ação to e capilarização de uma imensa líticas de Estado por parte dos ci- dos capitalismos de Estado clássi-
do Estado em relação ao avanço, rede de bancos públicos voltados tados conglomerados estatais (um cos, dado o peso real do próprio
por baixo, do setor privado. A arti- ao crédito de longo prazo) substi- claro órgão moderno de coordena- setor estatal na China: a estrutu-
culação destes ciclos institucionais tuindo uma rede de financiamen- ção do investimento). ra de propriedade chinesa ainda é
com as dinâmicas internas de acu- to dependente do orçamento esta- Esse interessante processo in- muito diferente de outras partes
mulação dá conta de um processo tal e das empresas; 2) mecanismos terno, com gigantescas implica- do mundo. Esse processo reflete-
que tem capacitado o Estado Na- de controle macroeconômico (ma- ções internacionais, logrou o de- -se diretamente em um aumento
cional chinês à intervenção rápida xidesvalorização cambial em 1994 senvolvimento de um poderoso contínuo, desde a segunda meta-
e direta sobre a realidade – confor- e instituição de controle sobre os Estado Nacional, que detém o de da década de 1990, do controle
me a própria resposta estatal à crise fluxos de capitais); 3) um processo controle dos instrumentos cru- governamental sobre os fluxos da
desde 2008 tem demonstrado. Ve- de fusões e aquisições no setor es- ciais do processo de acumulação renda nacional: de 13,5% do PIB
jamos abaixo. tatal da economia, dando margem e formação de policy space à exe- em 1996 a 37,3% em 2015 (3).
cução de políticas monetárias pro- Esse “socialismo de mercado”
pícias à socialização do investi- nasce na interseção entre um poder
mento. Em outras “duas pontas”, político de novo tipo, gestado nos
o Estado – através de seus bancos acontecimentos de 1949, e a fusão
de desenvolvimento – tanto finan- do grande banco e da grande in-
cia o longo prazo quanto se utili- dústria, ambas estatais. Trata-se de
za de seus conglomerados estatais um processo fascinante. Uma cons-
para a execução de grandes em- trução eivada de limites e contra-
preendimentos internos e exter- dições explosivas. Algo que deve-
nos. Investimentos estes (“na fren- ríamos, o pensamento progressista
te”) geradores, nos lembrando A. em geral, olhar com mais atenção,
Hirschman, de efeitos de encade- mais profundidade e, principal-
amento que – em primeira instân- mente, menos preconceito.
cia – beneficiam diretamente seu
braço ancilar, o setor privado (2). * Respectivamente professor adjunto e
Por fim, não estaríamos lon- professor associado da Faculdade de Ciên-
ge da verdade ao afirmar que a cias Econômicas da Uerj.
Referências
tegistas norte-americanos é que, primeira preocupação diz respei- Essa é a primeira maneira pela cidos para promover a igualdade
apesar de semelhantes, as ameaças to ao planejamento. As mudanças qual os Estados Unidos se sentem e justiça sociais”. Em seu pensa-
são, na verdade, distintas. A Rús- havidas em 1978 determinaram ameaçados pela China: a demons- mento, o elogio da globalização
sia pode ser considerada uma ame- o abandono da economia central- tração para os grandes países peri- não significa caminho livre pa-
aça tradicional. Ou seja, aos seus mente planificada. Mas diferente- féricos da eficácia do planejamento ra manutenção da ordem liberal,
olhos, o que motiva o comporta- mente do que aconteceu na Rús- para o desenvolvimento socioeco- que tem mantido as desigualdades
mento internacional do governo sia, essa decisão não significou a nômico. O modelo econômico sociais e a desigualdade entre os
russo é prestígio e poder. As ações tentativa de uma imediata trans- chinês revela a possibilidade de ga- Estados, mas sim meio para a rea-
de Vladimir Putin estariam orien- formação da economia chinesa rantir a satisfação das necessidades lização de mudanças.
tadas no sentido de rechaçar qual- em uma economia orientada pelo básicas da população, sem impedir A segunda frente de atuação é a
quer iniciativa dos Estados Uni- mercado. A mudança se deu me- o enriquecimento dos mais empre- formação de alianças com os gran-
dos e de seus aliados europeus que diante gradual abertura da econo- endedores e dos bafejados pela sor- des países da periferia e a criação
possa ser interpretada pelos rus- mia, controlada pelo Estado, até te. Seu triunfo econômico descon- de novas instituições multilaterais
sos como invasivas e depreciativas alcançar o status denominado pe- ceitua o liberalismo. orientadas no sentido de promo-
dos interesses nacionais. Essa ame- los dirigentes chineses de econo- A segunda e maior preocupa- ver o desenvolvimento desses pa-
aça é considerada tradicional e não mia “socialista de mercado”. ção dos norte-americanos com a íses. Melhor exemplo dessa ação
é difícil de arrostá-la porque, nes- O controle político da econo- China relaciona-se à ordem econô- é o BRICS. Por meio da aliança
se caso, a luta se trava nos terre- mia pelo Estado foi sendo realiza- mica internacional. A ordem eco- com Rússia, Índia, África do Sul e
nos político, diplomático e militar, do por etapas, o que decerto evitou nômica internacional que vai se Brasil, foram criados o Novo Ban-
nos quais os norte-americanos têm que o processo descambasse para desvanecendo foi criada pelos Es- co de Desenvolvimento e o Ar-
muita experiência acumulada. a anarquia. Ademais, sabendo ex- tados Unidos no período final da ranjo Contingente de Reservas, o
A ameaça chinesa, entretanto, plorar a cobiça das grandes corpo- Segunda Guerra Mundial e cons- primeiro um banco para financia-
nada tem de tradicional. Ela é con- rações empresariais pelo seu vasto tituiu, em grande medida, a ra- mento de projetos de investimen-
siderada inédita e muito mais peri- mercado, a China impôs condições zão principal de sua proeminên- tos nos países em desenvolvimento
gosa. Inédita porque se apresenta para a abertura que favoreceram cia. Ela está institucionalmente e o segundo um fundo de estabili-
no terreno da economia, e perigo- não apenas a industrialização do fundada no Banco Mundial, no zação para os cinco países.
sa porque põe em risco a lideran- país, mas também a transferência e Fundo Monetário Internacional e Qual será o resultado dessa dis-
ça econômica dos Estados Unidos. a assimilação de tecnologia. O êxito no Acordo Geral de Tarifas e Co- puta? Pelo fato de a China deter
Malgrado o crescente investimen- alcançado nesse processo permitiu mércio/Organização Mundial do vultosos valores em títulos do Te-
to em aumento e modernização que os chineses superassem a caute- Comércio, e tem por função fun- souro norte-americano, há quem
de suas forças armadas, e algu- la inicial e se decidissem, a partir de damental zelar pela aplicação dos considere que a tendência é de
mas tensões pontuais, como são os meados dos anos 1990, a participar princípios liberais. uma convergência para governan-
casos do Mar do Sul da China e integralmente da globalização eco- A China não hostiliza aberta- ça global conjunta. Há também
Taiwan, o fato é que a China evita nômica. Esse controle evitou que a mente essas instituições. Seu mo- quem considere que a ideia con-
se envolver em questões que pos- China sucumbisse à crise de 2008. do de operar não é esse. Os diri- fuciana do “mundo harmonioso”
sam gerar mal-entendidos e em- Isso, por sua vez, se fez renuncian- gentes chineses atuam em duas exercida pela China na Ásia até
prego de meios militares. A Chi- do ao modelo exportador e aplican- frentes. Ao mesmo tempo em que 1842 é intransferível para o resto
na mostra claramente que não lhe do, a partir de 2010, o modelo ba- buscaram inserir a China na or- do mundo, devido à falta de soft
interessa qualquer envolvimento seado no consumo doméstico, ao dem internacional liberal, atuam power. Mas e o Brasil nisso tudo?
de natureza político-militar nos mesmo tempo em que substituiu a no sentido de construir uma no- Ainda compartilha o projeto de
lugares em que encontra resistên- exportação de produtos ordinários, va ordem paralelamente. O acima nova ordem do BRICS? Ou estará
cia por parte dos Estados Unidos e destinados a consumidores de bai- citado discurso de Xi Jinping em com os Estados Unidos? Com os
de seus aliados. Os chineses têm o xa renda, por produtos de alto valor Davos é bom exemplo do uso das Estados Unidos protecionistas de
cuidado de convencer a todos que tecnológico agregado. O resultado instituições liberais. Nele, o Se- Trump? Quem sabe?
sua ascensão é realmente pacífica. geral é que o 13º Plano Quinque- cretário-Geral reclama novo mo-
Daí porque os formuladores norte- nal, que se completará em 2020, delo de governança, que priorize
-americanos não sabem, na verda- não foi prejudicado, havendo a eco- o desenvolvimento e que “deverá * É doutor em Sociologia pela USP, pro-
fessor do programa de pós-graduação em
de, como lidar com a China. nomia crescido à taxa média anual dar prioridade à luta contra a po-
Relações Internacionais da Uerj, professor
A ascensão econômica da Chi- de 6,5%, e com expectativas de re- breza, o desemprego e o aumen- convidado da Coppead/UFRJ e membro
na preocupa os dirigentes norte- petir o mesmo desempenho no pró- to da disparidade de rendimentos, do Centro de Estudos Políticos e Estraté-
-americanos de duas maneiras. A ximo Plano. e às preocupações dos desfavore- gicos da Marinha do Brasil.
fonte: IBGE. *Para o ano de 2017, a taxa de desocupação apresentada é referente ao 1º semestre do ano.