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História Eclesiástica
História Eclesiástica
HISTÓRIA ECLESIÁSTICA
III. Registrar as obras dos grandes heróis da fé "que venceram reinos, praticaram a
justiça, alcançaram promessas, fecharam as bocas dos leões, apagaram a força do fogo,
escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram forças, na batalha se esforçaram, puseram
em fuga os exércitos dos estranhos" (Heb. 11:33-34).
Obs.: Estes três períodos podem ser designados como o período dos Apóstolos,
dos Mártires e os Imperadores Cristãos e dos Patriarcas.
B) História do Cristianismo Medieval
O grande trabalho da igreja foi então a conversão e educação das tribos bárbaras
pagãs, que conquistaram e demoliram o Império Romano, mas que, em verdade, foram
conquistadas e transformadas pelo Cristianismo. Esta obra foi efetuada especialmente
pela Igreja Latina, sob a firme constituição hierárquica que culminou no bispo de Roma.
No crescimento e decadência da hierarquia romana, há três papas que se
destacam como representantes de três épocas:
• Gregório I (590 AD) - marca o surgimento do governo papal absoluto.
• Gregório VII, ou Hildebrando (1073 AD) - seu apogeu.
• Bonifácio VIII (1294 AD) - sua decadência.
- REVOLUÇÃO - REAVIVAMENTO.
A carta de Plínio deixa claro que a única ofensa pela qual os Cristãos eram mortos
era a recusa de adorar o Imperador. Assim o culto imperial tornara-se o foco da
perseguição. Este culto significava muito para Roma como um dispositivo para assegurar
uniformidade religiosa através do Império.
Quando Calígula, em 41 AD, anunciou que erigiria sua estátua dentro do Templo
de Jerusalém para ser adorada, os judeus estavam a ponto de uma revolução. Calígula foi
assassinado antes que pudesse executar seu propósito. Daí em diante, por consentimento
implícito, os judeus ficaram isentos das exigências de culto ao Imperador. O monoteísmo
do Judaísmo vencera em sua recusa de deificar o Imperador.
Se o Cristianismo fosse Judaísmo, poderia então usufruir os benefícios de
semelhante isenção, mas sendo uma nova religião, a morte era sua penalidade pela recusa
de adorar o Imperador.
O culto a Cristo e o culto a César eram incompatíveis - "Cristo é o Senhor". Não
só o Deus do Céu e da Terra, mas um malfeitor crucificado por um governador romano é
declarado ter maior autoridade do que o Imperador romano?! E a religião Cristã crescia e
fazia milhares de adeptos entre os gentios. Se continuasse, subverteria a maior parte da
população. Se os Cristãos continuassem rejeitando o culto imperial, as autoridades
governamentais teriam de se confrontar com uma das três alternativas:
• exterminar os Cristãos;
• abandonar o culto imperial e secularizar o Estado;
• fazer do Cristianismo a religião oficial do Estado.
Nos dias de Plínio a situação não estava claramente definida ainda, e ele julgava
poder contornar a ameaça. Ele encontrou nos Cristãos uma obstinação inflexível em sua
adesão a uma superstição depravada. Ele notou que alguns haviam abandonado o
Cristianismo há uns 20 anos atrás. As medidas que tomara provaram-se instrumentais
no reavivamento do paganismo.
Como foi visto na correspondência de Plínio, Trajano não desejava fazer do culto
do Imperador um teste de lealdade ou compromisso compulsório. Mas a principal
pergunta de Plínio - se a mera profissão de Cristianismo era em si mesma um crime -
Trajano deixou sem resposta.
Trajano ordenou a Plínio que não fosse à procura de elementos subversivos nem
aceitasse acusações anônimas em qualquer processo criminal. Decisão mais branda do
que se poderia esperar de um imperador romano. Mas Tertuliano acusa-o de auto-
contradição (ao mesmo tempo clemente e cruel), proibindo a caça aos Cristãos e
ordenando a execução deles, declarando assim que eram inocentes e culpados ao mesmo
tempo. Trajano adotou a política de que os Cristãos seriam eliminados mais depressa se
fossem ignorados. Assim, ignorava-os tanto quanto lhe era possível.
Síria e Palestina sofreram pesada perseguição em seu reinado.
Inácio, bispo de Antioquia, foi condenado à morte, levado para Roma e lançado
às feras no Coliseu (116 AD). Inácio, de caminho para Roma, dava instruções para que
não tentassem impedir seu martírio. "Permiti que me venham fogo e cruz e conflito com
feras, o arrancar de ossos, o dilacerar dos membros, o esmagar de todo o corpo, terríveis
tormentas do diabo, a fim de que eu possa alcançar a Cristo" (OBS.: Começava a
desenvolver-se entre os Cristãos a idéia da salvação mediante o sacrifício e o martírio.
Inácio estava sedento por tornar-se um dos mártires da cruz).
Adriano (117-138 AD)
Brilhante e bem educado, o mais hábil dentre os imperadores romanos, parece ter
visado traçar uma clara distinção entre Judeus e Cristãos, em favor destes.
Numa carta escrita a Minúcio Fundano, procônsul da Ásia, cerca de 124-125 AD,
Adriano ordenou que um Cristão deveria ser acusado de crimes definidos sob processo
legal antes de ser condenado, e se a acusação fosse falsa, o Cristão teria o direito de
processar o caluniador.
Não obstante, semelhante a Trajano, ele considerava a mera profissão de
Cristianismo transgressão suficiente para receber a punição da lei.
Adriano odiava os judeus. Em 129 AD passou pela Palestina em caminho para o
Egito. Parece haver prometido aos líderes judeus que lhes seria permitido regressar para
Jerusalém. No entanto, por qualquer razão, em lugar de cumprir sua promessa, mandou
reconstruir Jerusalém como uma cidade totalmente pagã e pretendia dar-lhe o nome de
Aelia Capitolina.
O descontentamento fervia lentamente até que explodiu em 132 AD numa série
de guerrilhas dirigidas contra guarnições romanas. Um judeu chamado Bar Kochba
declarou sua independência de Roma, cunhando sua própria moeda e instituindo um novo
período social. Um outro líder judeus chamado Akiba e seus amigos uniram-se a ele,
aceitando-o como Filho da Alva e Messias.
Roma ganhou o controle da situação, e por volta de 135 AD, 985 vilas tinham sido
destruídas. Akiba sofreu o martírio e as esperanças apocalípticas dos judeus feneceram
com ele. Os Cristãos não apoiaram Bar Kochba. Em realidade, foram perseguidos por ele.
Justino, o Mártir, faz menção deste fato em sua Apologia I.31: "Bar Kochba, o líder da
revolta dos judeus, que deu ordens que só os 'cristãos' fossem submetidos a castigos e
punições cruéis, a não ser que negassem a Jesus Cristo e blasfemassem”.
As Apologias Cristãs deste período (de Quadrato e Aristides) mostram o estado
de exaltação pública contra os Cristãos e a condição crítica da Igreja. O menor
encorajamento da parte de Adriano seria suficiente para desencadear a mais sangrenta
perseguição.
Quadrato e Aristides endereçaram suas súplicas a Adriano em favor de seus
companheiros Cristãos nos seguintes termos: "Eles não cometem adultério nem
fornicação, não dão falsos testemunhos, não negam garantia de pagamento, nem
cobiçam propriedades alheias; honram o pai e a mãe e amam a seus vizinhos; julgam
corretamente e não adoram ídolos na forma de homem... Verdadeiramente este povo é
um novo povo, e algo de divino há misturado neles".
Durante seu reinado foram martirizados os bispos de Roma - Alexandre e
Telêsforo -, Sto. Eustáquio e Sta. Sinforosa e seus sete filhos.
Imperador enérgico, em quem o antigo espírito romano reviveu mais uma vez,
resolveu exterminar a Igreja como uma seita ateísta e sediciosa.
No ano 250 AD promulgou um edito a todos os governadores das províncias, exigindo
retorno à religião pagã do Estado, sob pena de pesadas responsabilidades. Este foi o sinal
para uma perseguição que, sob todos os aspectos - extensão, crueldade, consistência -
excedeu a todas que a precederam. Em realidade, foi a primeira perseguição que cobriu
todo o Império.
que um sacrifício geral e súplicas fossem oferecidos aos deuses por todos os
cidadãos do Império. Em cada localidade havia uma comissão designada a supervisionar
os sacrifícios e expedir um certificado de paz (chamado de libelli pacis) a todo aquele
que satisfizesse a exigência legal.
Multidões de Cristãos nominais (que diziam seguir a Cristo, mas que não tinham fé
verdadeira) acovardaram-se em face do perigo e buscaram por todos os meios conseguir
o "libelli pacis", sacrificando aos deuses ou comprando dos magistrados um certificado
falso. Estes foram excomungados pelas igrejas como apóstatas.
Porém, centenas de Cristãos correram para as prisões e tribunais para obter a
coroa de confessores ou mártires.
Os quarenta anos de paz foram seguidos pela última e maior perseguição, e a mais
violenta de todas.
Diocleciano associou consigo a três co-regentes subordinados:
a. Maximiano
b. Galério
c. Constâncio Cloro (pai de Constantino)
Os Editos de Tolerância
Constantino
O Edito de Milão
Pouco mais tarde (313 AD), Constantino reuniu-se com seu co-regente e cunhado Licínio,
e promulgou um novo edito de tolerância em Milão, ao qual Maximino (pouco antes de
seu suicídio) foi forçado também a adotar na Nicomédia.
O Edito de Milão foi além do primeiro edito de Galério: foi o passo decisivo de
uma neutralidade hostil a uma neutralidade amiga e protetora, e preparou também o
caminho para o reconhecimento legal do cristianismo como a religião oficial do Império.
Ordenou que todas as propriedades da Igreja que foram confiscadas fossem agora
restituídas ao Corpus Christianorum, às expensas do tesouro imperial, e incumbiu os
magistrados provinciais a executarem sem demora e com toda a energia o mandato, para
que a paz fosse totalmente estabelecida e o favor divino fosse assegurado ao imperador e
seus súditos.
Desafortunadamente, os sucessores de Constantino, a partir de Teodósio, o
Grande (383-395), impuseram a religião cristã e a exclusão de qualquer outra, e, não
satisfeitos com isso, compeliram a ortodoxia à exclusão de toda forma dissidente, que foi
punida como um crime contra o Estado.
Licínio rompeu com Constantino e renovou a perseguição no Oriente, mas foi
derrotado por Constantino, em 323, que a partir daí se tornou o único imperador do
Império.
Com Constantino inicia-se um novo império. A Igreja ascende ao trono dos
Césares. Esta rápida revolução política e social é algo extraordinário e, no entanto, é
somente o resultado legítimo da revolução intelectual e moral que o Cristianismo, desde
o segundo século, havia silenciosa e imperceptivelmente, implantado na opinião pública.
A própria violência da perseguição de Diocleciano traía a fraqueza interior do paganismo.
A minoria cristã, com suas idéias e filosofias, já controlava a profunda corrente da
história.
Constantino, estadista sagaz, viu os sinais dos tempos e os seguiu. O lema de sua
política é bem simbolizado em seu estandarte militar na inscrição: "In Hoc Signo Vinces"
("Por este sinal vencerás").
2. Contra o Cristianismo: Sua novidade, sua origem estranha e inculta, sua falta de base
nacional, o alegado absurdo de alguns de seus fatos e doutrinas, especialmente
regeneração e ressurreição, a contradição entre o VT e NT, entre os Evangelhos, entre
Paulo e Pedro, e a demanda por uma fé irracional e cega.
Clero e Laicidade
A idéia e instituição de um sacerdócio especial, distinto do corpo de leigos, com
a noção de sacrifícios e altar, passou imperceptivelmente das reminiscências e analogias
judaicas e pagãs para dentro da Igreja Cristã.
Embora o sacerdotalismo não apareça entre os erros dos judaizantes oponentes, o
sacerdócio levítico, com suas três ordens - sumo-sacerdote, sacerdote e levita - forneceu
uma analogia para o ministério tríplice de bispo, sacerdote e diácono.
Por sua vez, os gentios convertidos ao Cristianismo não conseguiram se emancipar
de suas tradicionais noções de sacerdócio, altar e sacrifício, nas quais sua religião anterior
pagã estava baseada.
Assim, a Igreja, sendo incapaz de ocupar o elevado ideal da era apostólica e, como
a iluminação pentecostal passou com a morte dos apóstolos, as antigas reminiscências
começaram a reafirmar-se.
Após o declínio gradual da extraordinária elevação espiritual da era apostólica, a
distinção de uma classe regular de mestres, separada dos leigos, tornou-se mais fixa e
proeminente.
A primeira evidência disto aparece em Santo Inácio que, em seu espírito altamente
episcopal, considera o clero o meio necessário de acesso das pessoas a Deus.
"Quem quer que esteja dentro do santuário (ou altar), é puro; mas aquele que
está fora do santuário não é puro; isto é, aquele que faz qualquer coisa sem bispo,
presbítero e diácono, não é puro de consciência".
Clemente de Roma, escrevendo à congregação de Corinto, traça um significativo paralelo
entre os ofícios cristãos e o sacerdócio levítico, e usa a expressão "leigo" (do grego laikos
antropos) como antitético a sumo-sacerdote, sacerdotes e levitas. Este paralelo contém o
início de todo o sistema sacerdotal. Tertuliano foi o primeiro a expressar e a defender
diretamente direitos sacerdotais para o ministério cristão, e chama-o "sacerdócio",
embora ele afirme também o sacerdócio universal de todos os crentes.
Cipriano vai um pouco além, e aplica todos os privilégios, deveres e
responsabilidades do sacerdócio de Aarão (aarônico) aos oficiais da igreja cristã,
chamando-os freqüentemente de sacerdotes e sacerdócio. Cipriano pode ser chamado o
pai da concepção sacerdotal do ministério cristão como uma agência mediadora entre
Deus e o homem. Durante o terceiro século tornou-se costume aplicar o termo "sacerdote"
direta e exclusivamente aos ministros cristãos, especialmente aos bispos.
De igual modo, o ministério todo, e só ele, foi chamado de "clero", nome que o
distinguia do povo ou "leigos". Assim, o termo "clero", que de início designava a sorte
pela qual um ofício era conferido a alguém (Atos 1:17, 25), depois o próprio ofício, mais
tarde a pessoa que exercia o cargo, foi transferido dos Cristãos em geral para os ministros
em particular (I Ped. 5:3). A admissão à ordem eclesiástica ou sacerdotal era efetuada
pela imposição solene das mãos. Nesta ordem havia três categorias ou "ordens maiores":
• Diaconato;
• Presbitério;
• Episcopado.
•Sub-diáconos - assistentes e representantes dos diáconos.
• Leitores - liam as Escrituras nas assembléias e eram responsáveis pelos livros da
igreja.
• Acólitos (coroinhas) - assistentes dos bispos nos seus deveres oficiais e
procissões.
• Exorcistas - expulsavam espíritos maus dos possessos e dos catecúmenos e
assistiam no batismo. Este poder era considerado um dom do Espírito.
• Chantres (diretores de coro) - responsáveis pela música litúrgica, salmos,
bênçãos e responsos.
• Sacristãos - zelavam pelos lugares de adoração, etc.
Origem do Episcopado
1. Santo Inácio
Em Antioquia, um discípulo de João, segundo bispo daquela sé, autor das famosas
cartas ou epístolas de S. Inácio. Nessas cartas ele recomenda fortemente o episcopado,
que aparece pela primeira vez distinto do presbitério. S. Inácio é também o primeiro a
usar o termo "Igreja católica", como se o episcopado e catolicidade surgissem
simultaneamente. A essência dessas cartas (com exceção da carta aos romanos, na qual a
palavra bispo não aparece uma única vez), consiste de exortação à obediência aos bispos
da igreja contra as heresias judaicas e docetistas. Em sua opinião, Cristo é a invisível e
suprema cabeça da igreja, o grande bispo universal de todas as igrejas espalhadas na terra.
O bispo humano é o centro de unidade de uma congregação, e nela se encontra como o
vigário de Cristo e de Deus. O povo, portanto, deve obedecê-lo e não fazer coisa alguma
sem sua permissão. Apostatar-se do bispo significa apostatar-se de Cristo.
"Eu estarei em harmonia com aqueles que estão sujeitos ao bispo, e aos
presbíteros e aos diáconos".
"Exorto-vos a que façais todas as coisas em harmonia divina: o bispo presidindo
no lugar de Deus; e os presbíteros em lugar dos apóstolos. Sujeitai-vos ao bispo, como
Cristo em carne foi sujeito ao Pai e ao Espírito a fim de a união seja carnal, assim como
espiritual. Sem o bispo nada façais em relação à igreja, seja válida a eucaristia que é
oferecida pelo bispo ou por seu representante, alguém apontado pelo bispo. Onde estiver
o bispo, aí esteja o povo; assim como onde está Cristo, aí está a igreja católica. Sem o
bispo não é legal batizar ou administrar ou celebrar a festa do amor”.
"Aquele que honra o bispo será honrado por Deus; o que faz qualquer coisa sem
o conhecimento do bispo, serve ao diabo."
A peculiaridade do ponto de vista de Inácio é que o bispo aparece nele como o
“cabeça” e o centro de uma única congregação, e não como representante da igreja toda;
também o bispo é representante e vigário de Cristo, e não meramente sucessor dos
apóstolos. E finalmente, não há distinção de supremacia entre os bispos; todos são
vigários de Cristo.
Em resumo, o episcopado inaciano é congregacional, e não diocesano; uma
instituição nova, e não uma política estabelecida de origem apostólica.
2. Irineu
3. Tertuliano
Encontramos clara distinção entre bispo e presbítero, indicando assim o estado
mais avançado na política episcopal em seus dias (ca. 200 AD) - embora mais tarde
defenda o sacerdócio de todos os crentes.
4. Cipriano
Aqui o episcopado alcançou sua maturidade. Ele representa as pretensões do
episcopado em estreita conexão com a idéia de um sacerdócio especial e sacrifício.
Cipriano considera os bispos como portadores do Espírito Santo, que passou de
Cristo aos Apóstolos, destes aos bispos por ordenação, e propaga-se numa linha
ininterrupta de sucessão, e dá eficácia a todos os exercícios religiosos. Por esta razão, os
bispos são também as colunas de unidade da igreja; e, em certo sentido, eles são da igreja.
Assim ele se expressa: "O bispo está na igreja, e a igreja no bispo; se alguém não estiver
com o bispo, não está na igreja".
Sementes do Papado
Embora os bispos fossem iguais em sua dignidade e poder como sucessores dos
apóstolos, gradualmente caíram em diferentes classes, de acordo com a importância
política e eclesiástica de seus distritos e províncias.
No nível mais baixo encontravam-se os bispos das igrejas do interior. Eles
estavam entre os presbíteros e os bispos das cidades. Os bispos das cidades, os
metropolitanos, sobressaíram acima dos demais, pois eram bispos das cidades capitais
das províncias. Eles presidiam sobre os sínodos provinciais, e como "primus inter pares",
ordenavam os bispos das províncias.
Ainda mais antiga e mais importante é a distinção das igrejas apostólicas-mães,
tais como Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Éfeso, Corinto e Roma. Nos dias de Irineu
e Tertuliano estas igrejas eram altamente consideradas, sendo as principais portadoras e
preservadoras da verdadeira tradição apostólica.
Dentre estas, Antioquia, Alexandria e Roma, eram mais proeminentes, porque
eram respectivamente as capitais das três divisões do império romano, e centros de
intercâmbio e comércio, combinando com sua elevação política.
Entre os grandes bispos de Antioquia, Alexandria e Roma, o bispo romano
combinou todas as condições para a primazia, que, de uma distinção puramente honorária,
gradualmente se tornou a base de uma supremacia de jurisdição. A mesma tendência para
a unidade monárquica, que fez de cada episcopado um centro, primeiro de cada
congregação, depois de cada diocese, avançou em direção a um centro visível de toda a
igreja. Assim, primazia e episcopado desenvolveram-se juntos.
No período em estudo encontramos já os primeiros indícios do papado, e com ele
os primeiros exemplos de protesto contra os abusos de sua autoridade e poder. No período
Niceno o bispo de Jerusalém foi elevado à posição de um patriarca honorário, em vista
da antiguidade da igreja; a partir do 4º século, o novo patriarca de Constantinopla, a nova
Roma, tornou-se o primaz entre os patriarcas orientais, convertendo-se em um formidável
rival do bispo da velha Roma.
Ascendência de Roma
A igreja de Roma reclama não somente direito humano, mas divino, para o
papado, e traça sua instituição diretamente de Cristo, quando conferiu a Pedro uma
posição eminente na obra de fundação de Sua igreja. Esta pretensão implica em várias
suposições:
a. Que Pedro, por designação do Senhor, tinha não simplesmente uma primazia
de excelência pessoal, ou de honra e dignidade, mas também uma supremacia de
jurisdição sobre os outros apóstolos (que é contraditado pelo fato de que Pedro mesmo
nunca a reclamou e que Paulo mantinha uma posição de independência e mesmo
abertamente o repreendeu em Antioquia - Gál. 2:11).
b. Que os privilégios desta primazia e supremacia não são pessoais somente (como
os dons peculiares de Paulo ou João indubitavelmente foram), mas oficiais, hereditários
e transferíveis.
c. Que eles foram realmente transferidos por Pedro, não ao bispo de Jerusalém, ou
Antioquia (onde Pedro esteve), mas ao bispo de Roma.
d. Que Pedro não só esteve em Roma, mas aí serviu como bispo até seu martírio,
e apontou seu sucessor (não há evidências históricas para isso).
e. Que os bispos de Roma, como sucessores de Pedro, sempre gozaram e
exerceram jurisdição universal sobre a igreja cristã (isto não ocorreu de fato nem de
direito).
1. A antiguidade da igreja de Roma, honrada por Paulo com uma das mais
importantes epístolas doutrinárias do NT, era a única igreja apostólica-mãe no ocidente
e, por isto, reverenciada pelas igrejas da Itália, Gália e Espanha.
2. Os labores, martírio e sepultamento de Paulo e Pedro em Roma, os dois
apóstolos líderes.
3. A preeminência política daquela metrópole do mundo, destinada a governar as
raças européias com o cetro da cruz, como governara com a espada.
4. A sabedoria executiva e o instinto católico ortodoxo da igreja de Roma, que se
fizeram sentir neste período nas três controvérsias quanto ao tempo da Páscoa, a disciplina
penitencial e a eficácia e validez do batismo herético.
5. A estas podem ser adicionadas, como causas secundárias, sua firmeza sob
perseguição e seu benevolente cuidado pelos irmãos sofredores, mesmo em lugares
distantes, como celebrado por Dionísio de Corinto (180 AD) e Eusébio.
6. Devido à sua posição metropolitana, ela cresceu em importância e influência
com a propagação da religião cristã no Império Romano. Roma tornou-se o campo de
batalha da ortodoxia contra as heresias e um refúgio de todas as seitas e partidos. Ela
atraía de todas as direções o que era verdadeiro e falso em filosofia e religião.
•Inácio - regozijava-se ante a possibilidade de sofrer por Cristo no centro do
mundo;
• Justino, o Mártir - apresentou lá sua defesa do Cristianismo aos imperadores;
• Irineu, Tertuliano e Cipriano concederam à igreja de Roma uma posição de
preeminência
Não surpreende, portanto, que os bispos de Roma fossem considerados como pastores
metropolitanos, e falasse e agissem com um ar de autoridade que ultrapassava as
fronteiras de sua diocese imediata.
Clemente de Roma
Na Carta de Clemente à igreja de Corinto, encontramos a primeira evidência de
exercício de um tipo de autoridade papal (fim do 1º século AD). A epístola foi enviada
em nome da igreja de Roma, e revelava certa autoridade da congregação romana sobre a
igreja de Corinto. A igreja de Roma, sem ser solicitada, dá conselhos, com sabedoria
administrativa superior, a uma importante igreja oriental, envia-lhe mensageiros e faz-lhe
exortações quanto à ordem e unidade, num tom de calma, dignidade e autoridade, como
um instrumento de Deus e do Espírito Santo. A epístola reprova a comunidade de Corinto
por permitir que presbíteros devidamente eleitos fossem depostos por alguns descontentes
mais novos.
Clemente é o primeiro a enunciar a idéia de sucessão apostólica dos oficiais da
igreja.
"Os apóstolos receberam o evangelho em nosso favor do Senhor Jesus Cristo;
Jesus, o Cristo, era enviado de Deus... e os apóstolos devem fazer a vontade de Deus. (...)
Assim, pregando nas cidades, eles (os apóstolos) apontaram seus primeiros conversos,
havendo-os provado pelo Espírito, para serem bispos e diáconos daqueles que criam."
Santo Inácio
Em sua Epístola aos Romanos, descreve a igreja de Roma como "presidindo no lugar da
região dos romanos e tomando a liderança em caridade". A igreja de Roma era, sem
dúvida, mais rica do que qualquer outra e sua liberalidade deve ter exercido grande
influência.
Irineu
Descreve a igreja de Roma como a maior e mais antiga, fundada por dois dos mais
ilustres apóstolos, Pedro e Paulo, com a qual, devido à sua mais importante procedência,
todas as demais igrejas devem unir-se.
Esta precedência deve ser compreendida como precedência em honra e não em
jurisdição, pois quando Vítor, bispo de Roma (ca. 190 AD), em arrogância e intolerância
hierárquica, interrompeu comunhão com as igrejas da Ásia Menor, simplesmente por
discordarem quanto à data da celebração da Páscoa, o mesmo Irineu reprovou-o
enfaticamente como um perturbador da paz da igreja, e declarou-se contra uma
uniformidade forçada em assuntos não essenciais. As igrejas asiáticas não se deixaram
intimidar pelas ameaças de Vítor. À tradição romana responderam com a sua própria
tradição de "sedes apostolicae". A diferença continuou até ao Concílio de Nicéia (325
AD).
Hipólito
De sua obra Filosofúmena sabemos que, por aquela época (início do terceiro século), o
bispo de Roma reivindicava poder absoluto dentro de sua jurisdição; e que Calisto
estabelecera o princípio de que o bispo jamais pode ser deposto ou forçado a resignar o
seu cargo pelo presbítero, ainda que tenha cometido um pecado mortal.
Cipriano
É, sem dúvida, o mais claro, tanto em sua defesa da idéia fundamental do papado, e
em seu protesto contra o modo de sua aplicação de um dado caso. Partindo da
superioridade de Pedro, sobre quem o Senhor construiu a Sua igreja e a quem foi confiado
o cuidado do rebanho, Cipriano transferiu a mesma superioridade ao bispo de Roma,
como o sucessor de Pedro e, conseqüentemente, chama a igreja de Roma "o trono de
Pedro", fonte da unidade sacerdotal, fundamento e mãe da igreja católica. Mas, por outro
lado, ele assevera com igual energia, a igualdade e relativa independência dos bispos,
como sucessores dos apóstolos. Em sua correspondência, ele uniformemente se dirige ao
bispo romano como "irmão" e "colega", cônscio de sua própria igual dignidade e
autoridade.
A UNIDADE CATÓLICA
• Unidade
• Santidade
• Universalidade
• Apostolicidade
• Exclusividade
• Infalibilidade
• Indestrutibilidade
Na opinião dos pais ante-nicenos (ou seja, anteriores ao Concílio de Nicéia), qualquer
separação desta igreja empírica, tangível e católica, constitui heresia.
1. Inácio
Em sua epístola, a unidade da igreja, na forma e através do episcopado, é o pensamento
fundamental e tópico principal. Inácio é o primeiro a usar o termo "católico" no sentido
eclesiástico, quando diz: "onde estiver Cristo Jesus, aí está a Igreja Católica". Somente
nela podemos comer o pão de Deus; aquele que segue um cismático não herda o reino de
Deus.
2. Irineu
Chama a igreja de "esconderijo e refúgio, o caminho da salvação, a entrada para a vida,
o paraíso neste mundo". A igreja é inseparável do Espírito Santo; é Sua única habitação
nesta Terra. "Onde está a igreja, aí está o Espírito de Deus; onde está o Espírito de Deus,
aí está toda a graça". Unicamente no seio da igreja, continua ele, podemos ser nutridos
para a vida. Os heréticos, em sua opinião, são inimigos da verdade e filhos de Satanás;
serão tragados pelo inferno, como o grupo de Coré, Datã e Abirão.
3. Tertuliano
É o primeiro a comparar a igreja com a arca de Noé que, desde então, se tornou a clássica
comparação na teologia católica.
4. Orígenes
Em sua declaração, "Fora da igreja nenhum homem pode salvar-se", estabelece o
princípio da exclusividade católica.
5. Cipriano
Em sua obra clássica "De Unitate Ecclesiae", escrita em 251 AD, desenvolve a antiga
doutrina católica da igreja, sua unidade, universalidade e exclusividade. Ele é o grande
campeão da unidade visível e tangível da igreja.
Durante este período, o Cristianismo ainda tem como palco de suas atividades,
como nos três primeiros séculos, a área geográfica do Império Greco-Romano e a antiga
cultura clássica, os países em torno do Mediterrâneo. Mas suas relações com o poder
secular e sua posição e importância sócio-política sofre uma mudança total e permanente.
O reinado de Constantino marca a transição de uma religião perseguida pelo poder
secular à união com o mesmo poder. É o início do sistema de Igreja-Estado. O paganismo
greco-romano, a mais culta e poderosa forma de idolatria, rende-se totalmente, após três
séculos de acirrada batalha, ao Cristianismo, e morre confessando: "Venceste, Galileu!"
O governador do mundo civilizado lança sua coroa aos pés de Cristo, o crucificado
Nazareno. O sucessor de Nero, Domiciano e Diocleciano aparece ataviado em púrpura
imperial no Concílio de Nicéia como protetor da igreja e assenta-se em seu trono de ouro
ante a inclinação respeitosa de bispos que ainda exibiam as cicatrizes da perseguição.
A seita outrora desprezada é exaltada à autoridade soberana no Estado, toma as
prerrogativas do sacerdócio pagão, cresce em riqueza e poder, constrói igrejas inúmeras
das pedras e material dos templos pagãos, emprega a sabedoria da Grécia e de Roma para
reivindicar a loucura da cruz, exerce um poder modelar sobre a legislação civil, dirige a
vida nacional e controla a história do mundo.
Mas, ao mesmo tempo, a Igreja, abarcando a massa popular do Império, de César
ao mais humilde escravo, e vivendo por entre todas as instituições, recebe em seu seio um
vasto depósito de material inteiramente estranho, advindo do mundo e do paganismo,
expondo-se a novos perigos e impondo-se a si mesma novos e pesados labores.
O quarto e o quinto séculos produzem os maiores pais da igreja: Atanásio e
Crisóstomo, no Oriente, e Agostinho e Jerônimo, no Ocidente. Toda a erudição e ciência
são colocadas a serviço da Igreja, e todas as classes sociais, do imperador ao artesão,
foram imbuídas do mais profundo e apaixonado interesse nas controvérsias teológicas.
A ortodoxia fixa suas linhas; a liberdade de inquirição fora restringida e todo
desvio do sistema Igreja-Estado era visitado não só com as armas espirituais, mas também
com a punição civil.
A organização da igreja adapta-se às divisões políticas e geográficas do império.
O sistema episcopal passa para o sistema metropolitano e patriarcal. No quinto século os
patriarcas de Roma, Constantinopla, Antioquia, Alexandria e Jerusalém, colocam-se
como cabeças da cristandade.
Entre estes, os de Roma e Constantinopla são os mais poderosos rivais, e o bispo
de Roma já começa a reclamar supremacia espiritual universal, que subseqüentemente
culmina no papado medieval.
A disciplina entra em decadência; todo o mundo romano se torna cristão,
nominalmente, e a multidão de professos cristãos hipócritas multiplica-se além do
controle.
O culto aparece grandemente enriquecido e adornado, pois a arte agora é posta a
serviço da Igreja. A arquitetura, escultura, pintura, música e poesia favorecem ao mesmo
tempo a devoção e solenidade e também a toda sorte de superstição e exibição vazia e
formal. Os festivais da Igreja se multiplicam e são celebrados com grande pompa, não
para honra de Cristo, mas em conexão com uma extravagante veneração de mártires e
santos.
O bispo de Roma, sobre a base de sua instituição divina e como sucessor de Pedro,
o príncipe dos apóstolos, avançou sua pretensão de ser o primaz de toda a igreja e o
representante visível de Cristo, que é a cabeça suprema e invisível de todo o mundo
cristão. Este é o sentido estrito e exclusivo do título PAPA.
Estritamente falando, esta pretensão jamais foi realizada e continua sendo até hoje
o ponto de discórdia na história da igreja. O Cristianismo grego jamais reconheceu esta
primazia e, no Ocidente, só foi reconhecida sob protestos múltiplos que, finalmente,
culminaram com a Reforma do séc. XVI e privou o Papado da melhor parte de seu
domínio.
A principal falácia do sistema romano é que identifica papado e Igreja, e, neste
caso, para ser consistente, precisa excluir da Igreja não só o Protestantismo, mas também
toda a Igreja Oriental, desde sua origem até agora.
A idéia do papado e suas pretensões ao domínio universal da Igreja jamais
ultrapassaram os limites do Ocidente. Conseqüentemente, o papado, como um fato
histórico, no que concerne a ser reconhecido em suas pretensões, é propriamente nada
mais que o patriarca latino elevando-se à monarquia absoluta.
Para seus advogados, o papado não está baseado meramente no costume da Igreja,
como o poder metropolitano e patriarcal, mas sobre a base do direito divino, sobre a
peculiar posição que Cristo conferiu a Pedro nas palavras: "Tu és Pedro e sobre esta rocha
edificarei a minha igreja" (Mateus 16:18).
Esta passagem tem sido considerada em todos os tempos como uma rocha
exegética inabalável em favor do papado (posteriormente estudaremos melhor sobre esta
passagem).
Cipriano
O primeiro a dar à passagem de Mateus 16:18 uma interpretação papística e a
apresentar claramente a idéia de uma perpétua CATEDRA PETRI. Esta idéia
desenvolveu-se inicialmente no norte da África, onde teve sua origem.
Optato
Bispo de Milevis, semelhante a Cipriano, inteiramente imbuído da idéia de uma
unidade visível da Igreja, vê sua expressão plástica e sua mais firme segurança na
inabalável CATEDRA PETRI, o príncipe dos apóstolos que, a despeito de sua negação
de Cristo, continuou como príncipe e guarda das chaves do reino dos céus. Estas
prerrogativas passaram aos bispos de Roma, como os sucessores deste apóstolo.
Ambrósio de Milão
Jerônimo - 419 AD
Vacila em sua explanação de PETRA. Ora, assim como Agostinho, referindo-se a
Cristo; ora a Pedro e sua confissão. Em seu comentário de Mateus 16:18 combina as duas
interpretações:
"Como Cristo deu luz aos apóstolos, assim foram chamados, depois dEle, a luz
do mundo...; assim Simão, porque creu na rocha, Cristo, recebeu o nome de Pedro e, em
harmonia com a figura de uma rocha, Cristo disse-lhe: 'Construirei a minha igreja sobre
ti...'".
Jerônimo reconhece no bispo de Roma o sucessor de Pedro, mas advoga igualdade
de direito para os outros bispos. Quando muito, Jerônimo pode ser usado como uma
testemunha para a primazia de honra, e não para uma primazia de jurisdição. Além disto
ele não vai, nem mesmo numa carta extremamente forte escrita a seu amigo, o Papa
Damaso (376 AD):
"Fora com a ambição da cabeça romana. Eu falo com o sucessor do pescador e
discípulo da cruz. Seguindo nenhuma outra cabeça senão a Cristo, estou unido em
comunhão de fé com tua santidade, isto é, com a cadeira de Pedro. Sobre aquela rocha
eu sei que a igreja está construída".
Agostinho - 430 AD
Inicialmente aplicou as palavras "Sobre esta rocha edificarei a minha igreja" à
pessoa de Pedro; mais tarde, porém retratou-se desta afirmação e interpretação, e
considerou a PETRA como CRISTO, baseado na distinção entre PETRA e PETRUS, uma
distinção que Jerônimo também faz.
No fim de sua vida, em suas Retratações, Agostinho faz a seguinte correção:
"Noutra parte tenho dito de S. Pedro que a Igreja fora construída sobre ele como
a rocha; um pensamento que é cantado nos versos de Santo Ambrósio:
'A própria rocha da Igreja, ao cantar do galo sua culpa expia.'
"Mas... as palavras do Senhor, 'Tu és Pedro (PETRUS) e sobre esta pedra (PETRA)
edificarei a Minha Igreja' devem ser compreendidas dAquele (Cristo) a quem Pedro
confessou ser o Filho do Deus vivo; e Pedro, recebendo um nome derivado desta rocha,
representa a pessoa da Igreja, que é fundada nesta rocha e recebeu as chaves do reino
dos céus. Pois não lhe foi dito: 'Tu és a rocha (PETRA), mas, tu és Pedro (PETRUS)'; e
a rocha era Cristo, mediante cuja confissão Simão recebeu o nome de Pedro."
Na maioria dos bispos de Roma do primeiro período, a pessoa fora eclipsada pelo
cargo. O espírito da época e a opinião pública governavam o bispo, e não vice-versa.
É verdade que o bispo Vítor, na controvérsia da Páscoa, Calisto, na controvérsia
da restauração dos apóstatas e Estêvão, na controvérsia do batismo de heréticos, foram os
primeiros a exibirem arrogância hierárquica. Mas estes foram, de algum modo,
prematuros e encontraram vigorosa resistência em Irineu, Hipólito e Cipriano, ainda que
nas três questões em foco Roma acabasse levando a melhor.
No período em estudo (311-590 AD), Dâmaso, que sujeitou a Ilíria à jurisdição
de Roma e estabeleceu a autoridade da Vulgata Latina (tradução do AT para o latim), e
Sirício, que publicou a primeira carta decretal genuína, seguiram os passos de seus
sucessores.
Inocêncio I (402-417 AD) deu um passo além e, na controvérsia pelagiana,
aventurou uma afirmativa audaciosa, de que em todo o mundo cristão, nada deveria ser
decidido sem o conhecimento de Roma, i.e., da sé romana, e que especialmente em
questões de fé, todos os bispos devem tornar-se a São Pedro – ou seja, o bispo de Roma.
Mas o primeiro Papa, no sentido próprio da palavra, é Leão I. Nele a idéia do
papado recebeu carne e sangue. Durante o período de seu pontificado era ele quase o
único grande homem no Império Romano; desenvolveu extraordinária atividade e tomou
a liderança em todos os negócios da Igreja. Seu zelo, tempo e forças foram dedicados
inteiramente ao interesse do Cristianismo. Mas com ele o interesse do Cristianismo
tornara-se idêntico ao domínio universal da Igreja de Roma.
Leão era animado pela inabalável convicção de que o Senhor mesmo o havia
comissionado, como o sucessor de Pedro, a cuidar de toda a Igreja. Ele antecipou todos
os argumentos dogmáticos pelos quais o poder do papado foi subseqüentemente
estabelecido. Ele faz referência à PETRA, sobre a qual a Igreja está edificada, como sendo
Pedro e sua confissão.
Pedro é pastor e príncipe de toda a Igreja, mediante quem Cristo exerce seu
domínio universal na Terra. Esta primazia, contudo, não é limitada à era apostólica, mas,
semelhante à fé de pedro, e semelhante à própria Igreja, perpetua-se através dos bispos
de Roma, que estão relacionados com Pedro como Pedro está relacionado com Cristo.
Além de dar forma ao governo e doutrina da Igreja, leão I prestou relevantes serviços à
cidade de Roma, salvando-a duas vezes de total destruição. Quando Átila, rei dos hunos,
o "Flagelo de Deus", após destruir Aquiléia, ameaçava seriamente a capital do mundo
(451 AD), Leão e mais dois companheiros apenas, com seu bastão episcopal na mão,
confiando no auxílio divino, aventurou-se pelo campo inimigo adentro e mudou os
propósitos nefastos do grande guerreiro. Caso semelhante ocorreu alguns anos mais tarde
(455 AD), quando o rei vândalo Genserico ameaçava devastar a cidade de Roma. Leão
obteve dele a promessa de que pelo menos pouparia a cidade do homicídio e do fogo.
Leão morreu em 461 AD e foi sepultado na Igreja de São Pedro.
DE LEÃO I A GREGÓRIO, O GRANDE - 461-590 AD
Leão I e Gregório I são os dois maiores bispos de Roma nos seis primeiros séculos
da história da Igreja. Entre eles nenhum personagem importante surgiu na cadeira de
Pedro, e, no decorrer deste período, de 461 a 590 AD, a idéia e o poder do papado não
fez qualquer progresso digno de nota.
Gelásio I (492-496)
Claramente anunciou o princípio de que o poder sacerdotal está acima do poder
imperial e real, e que contra as decisões da cadeira de Pedro não há apelo. Deste Papa
temos o notável testemunho daquilo que ele pronunciou como "sacrilégio" de recusar
oferecer o copo aos leigos, a "communio sub una specie
Anastácio II (496-498)
Sua morte repentina foi seguida por uma disputada eleição papal, que levou a
encontros sangrentos: sacerdotes foram assassinados, mosteiros foram queimados e
freiras insultadas.
Hormisdas (514-523)
Durante seu pontificado o partido monofisista da Igreja grega foi destruído pelo enérgico
imperador Justino, ortodoxo, e em 519 a união da Igreja grega com a Igreja de Roma foi
restabelecida, após um cisma de 35 anos.
João I (523-526)
Encarcerado por Teodorico
.
Félix III (IV)
Sua nomeação foi praticamente o último ato de Teodorico, após uma luta dos
partidos competidores. Com a nomeação, Teodorico publicou a ordem de que a partir de
então, com antes, o papa deveria ser eleito pelo clero e pelo povo, mas deveria ser
confirmado pelo príncipe temporal antes de assumir o seu cargo.
Logo após a morte de Teodorico (526), o Império ostrogodo ruiu por terra.
A Itália foi conquistada por Belisário (535) e, com a África, outra vez incorporada
ao Império oriental, que restaurou sob Justiniano um pouco de seu antigo esplendor.
Mas com a conquista da Itália os papas caíram numa perigosa e indigna dependência do
imperador de Constantinopla.
Agapito (535-536)
Ofereceu destemida resistência à atitude arbitrária de Justiniano.
Silvério (536-538)
Pelas intrigas de Teodora, a imperatriz monofisista, foi deposto sob a acusação de
traição, correspondendo-se com os godos, banido para a ilha Pandatária, onde morreu
(540).
Virgílio, uma dócil criatura de Teodora, ascendeu à cadeira papal sob a proteção
de Belisário (538- 554), após prometer a Teodora que anularia as decisões do Concílio de
Calcedônia, que condenava o monofisismo.
Em Constantinopla, onde residira por algum tempo por insistência do Imperador,
sofreu muita perseguição pessoal, foi arrancado do altar tão violentamente que, estando
segurando firmemente no altar, a canópia caiu sobre ele; foi arrastado pelas ruas com uma
corda amarrada ao pescoço e lançado num cárcere comum; tudo isto por não se submeter
ao desejo de Justiniano e de seu concílio. Cedeu finalmente, temendo ser deposto. Obteve
permissão de regressar para Roma, mas morreu em viagem.
Pelágio I (554-560)
Sucessor de Virgílio por ordem de Justiniano, mas encontrou apenas dois bispos
dispostos a ordená-lo.
Os bispos ocidentais, mesmo na Itália, suspenderam temporariamente sua conexão
com Roma. Unicamente o auxílio militar de Narsés assegurou-lhe a sujeição dos bispos
e os mais refratários, os de Aquiléia e Milão, ele os enviou prisioneiros para
Constantinopla.
Com a entrada dos arianos lombardos na Itália após 568, os papas tornaram-se
outra vez mais independentes de Constantinopla. Mas continuaram pagando tributo aos
exarcas de Ravena, que eram representantes dos Imperadores gregos (a partir de 554), e
foram obrigados a ter sua eleição confirmada e sua inauguração presidida por eles.
A Doação de Constantino
Para tornar esta aquisição uma restauração, o papa Estêvão evidentemente empregou a
lenda da Doação de Constantino. Por alguns séculos circulou uma narrativa dando conta
de supostos milagres da cura e conversão de Constantino pelo bispo de Roma.
Agradecido, Constantino teria feito generosas concessões de privilégios e terras ao bispo.
Estes relatos, reunidos num documento conhecido como "Doação de Constantino",
tiveram ampla circulação na Idade Média. O documento foi usado pelo papa na Idade
Média como suporte às suas reivindicações de posses temporais e poder nos reinos
temporal e espiritual. A formulação do documento (que foi forjado), de autoria
desconhecida, parece datar de meados do séc. VIII, pois estava em circulação quando
Pepino fez sua grande doação de terras na Itália ao papa. O “documento” começa no nome
da Santa Trindade e conclui por condenar ao mais profundo do inferno todos que
contrariassem suas provisões.
Nesta doação, a cidade de Roma e o Exarcado de Ravena eram supostamente
dados por Constantino ao Papa Silvestre I (314-335) e a todos os seus sucessores,
enquanto declarava sua intenção de transferir sua própria sede de governo para
Constantinopla. Este fantástico documento decretava e ordenava que o bispo de Roma, a
quem supostamente Constantino conferia o palácio Laterano, a tiara e todas as vestes e
insígnias imperiais, bem como todas as províncias, distritos e cidades da Itália e das
regiões ocidentais (a metade ocidental do Império), exerceria supremacia espiritual sobre
as quatro sedes patriarcais de Antioquia, Jerusalém, Alexandria e Constantinopla (que
ainda não fora fundada) e também sobre todas as igrejas de Deus no mundo inteiro.
Assim, o pontífice foi declarado ser o chefe sobre todos os sacerdotes do mundo.
Embora alguns dos homens mais cultos da Idade Média não lhe dessem crédito, a
"doação" foi geralmente aceita como autêntica até que sua falsidade viesse a ser provada
por Nicolau de Cusa em 1433 e Lourenço Valla em 1440.
No Natal de 800 d.C., o papa Leão III estava assentado em seu trono, na Igreja de
São Pedro, acompanhado de seu clero. Carlos estava ajoelhado ante o altar. Subitamente
o papa levantou-se, ungiu-o, administrou o juramento da coroação no qual Carlos Magno
prometia guardar a fé e privilégios da Igreja, e colocou a coroa imperial sobre sua fronte,
como Imperador dos Romanos, e o povo gritou três vezes: "A Carlos Augusto, coroado
por Deus, o grande e pacífico Imperador dos Romanos, vida e vitória!" Tanto para o povo
romano que presenciara a cerimônia, como para o Ocidente em geral, era a restauração
do Império do Ocidente, o qual durante séculos estivera sob o poder do governante
sediado em Constantinopla. O ato colocou Carlos Magno na grande linha sucessória que
remontava a Augusto. Em seu retorno para a França, Carlos compeliu todos os seus
súditos a jurarem por ele como "César".
Sob os fracos sucessores de Carlos Magno, entretanto, o Império declinou para
uma existência meramente nominal. Mas reviveu sob o rei alemão Otto I, em 962, e
continuou, apesar dos choques e mudanças, até 1806. Para Voltaire, ele não era nem santo,
nem romano e muito menos um Império.
Esta tentativa de restauração do Império Ocidental foi uma das séries de intrigas pelas
quais os pontífices garantiram apoio do mundo ocidental. O ato de coroar, naturalmente,
implicava o direito de destronar (retirar a coroa). Daqui por diante, os interesses do papa
e do imperador estavam intimamente unidos. O efeito foi visto no (outra vez) crescente
poder papal, com o papa obtendo reconhecimento de um império espiritual proporcional
ao império secular de Carlos Magno. Rei e papa ocupavam juntos o topo do império. E
aqui começou a crescente e inexorável luta pelo lugar mais alto, que continuou por
séculos, e culminou na exaltação do papado sobre o poder imperial.
"Epístolas Decretais" Forjadas Propiciam Supremacia Sobre os Reis
A ambição papal tinha sido dirigida antes para o estabelecimento de uma
supremacia eclesiástica. Mas nos séculos IX e X esta foi estendida para incorporar um
novo reino de conquista. Já ricamente dotado por Pepino e Carlos Magno, o império e o
papado iniciaram uma tremenda luta por supremacia. Inicialmente os papas submeteram
a autoridade do imperador, com excomunhão como a arma comumente usada em sua luta
com os grandes potentados do mundo. A mais audaciosa das pretensões de Roma,
contudo, tinha sua base nas Falsas Decretais, ou as Decretais do Pseudo-Isidoro, o
segundo dos dois documentos notoriamente forjados (o primeiro era, naturalmente, a
Doação de Constantino). O efeito destas falsificações foi tremendo no avanço do governo
temporal e supremacia eclesiástica dos papas.
As Falsas Decretais surgiram ao redor de 850 d.C. por um compilador que usou o
pseudônimo de Isidoro Mercator. Estes decretos continham tudo o que era necessário para
o estabelecimento de plena supremacia espiritual dos papas sobre os soberanos da
Cristandade. Provavelmente nenhum outro volume foi publicado que exercesse tão
nefasta influência sobre a Igreja e o Estado.
Estas Falsas Decretais eram os supostos julgamentos dos papas anteriores (desde
Clemente a Gregório II - 101-731), em inquebrantável sucessão, em resposta a vários
assuntos submetidos a eles. O livro é dividido em três partes e forma um manual de
doutrinas ortodoxas e disciplina clerical. Aí se encontram decisões dogmáticas contra
heresias, especialmente Arianismo, e orientações sobre culto, sacramentos, festas, jejuns,
ritos e costumes sagrados, a consagração de igrejas, propriedades da igreja, e
especialmente sobre política da igreja.
O Sistema Sacerdotal
O Pseudo-Isidoro defende a teocracia papal. O clero é divinamente instituído,
consagrado, mediando entre Deus e o povo, como na dispensação Judaica. Aquele que
peca contra os sacerdotes peca contra Deus. Eles não estão sujeitos a nenhum tribunal
terrestre, e respondem a Deus somente, que os designou como juízes dos homens. Os
privilégios do sacerdócio culminam na dignidade episcopal, e a dignidade episcopal
culmina no papado. A cathedra Petri é a fonte de todo poder. Sem o consentimento do
papa nenhum bispo pode ser deposto, nenhum concílio ser convocado. Ele é o árbitro
último de toda controvérsia, e depois dele não há apelação. É freqüentemente chamado
episcopus universalis (bispo universal).
Estas Decretais supriram os papas com os meios para estabelecer a superioridade
jurisdicional de Roma e sua autoridade sobre a fé e práticas do Cristianismo.
Autoria
O autor (ou autores) são desconhecidos. Supõe-se que era um eclesiástico da igreja
Franca, provavelmente da diocese de Rheims. Grande habilidade foi mostrada em sua
construção, como a inclusão de sete epístolas papais genuínas, o suficiente para dar
crédito às 65 falsificações também presentes.
Genuinidade
A autoridade das Decretais foi suprema até a Reforma, quando foram submetidas a um
exame crítico. A fraude foi então reconhecida por teólogos eruditos das igrejas
Reformadas. Por algum tempo polemistas Católicos lutaram para manter sua
autenticidade. Mas a evidência era tão irresistivelmente contra eles, que finalmente
admitiram sua impostura. A fraude foi admitida até mesmo por Pio VI em 1789. Assim,
elas foram condenadas pela voz unida da Cristandade.
Evidências Contra
OBS.: A despeito destas diferenças, a Igreja de Roma tem sempre reconhecido (ou sido
obrigada a reconhecer) a Igreja Grega como essencialmente ortodoxa, embora cismática.
Causas da Separação.
a. Durante os 6 primeiros séculos, o Oriente representou a corrente principal de
vida e progresso. Na Idade Média a Igreja Latina assumiu a tarefa de cristianizar e
civilizar as novas raças que surgiram no cenário. A Igreja Grega não conheceu uma Idade
Média e, em conseqüência, não teve uma Reforma.
b. As duas Igrejas jamais estiveram organicamente unidas sob um mesmo
governo, mas diferiam consideravelmente desde o início em linguagem, nacionalidade e
em várias cerimônias. Estas diferenças, no entanto, não interferiram com a harmonia geral
de fé e vida cristã, nem impediram a cooperação contra inimigos comuns.
c. As principais "sedes"do Oriente foram fundadas diretamente pelos apóstolos.
d. A Igreja Grega liderou em teologia até aos séculos VI ou VII, e a Igreja Latina
alegremente aprendeu dela. Todos os concílios ecumênicos tiveram lugar no Oriente, em
solo do Império Bizantino, em (ou nas proximidades de) Constantinopla, e a língua usada
era o grego, e não o latim.
e. O Papa Leão I foi o teólogo principal que controlou o concílio de Calcedônia e
deu forma à fórmula ortodoxa concernente às duas naturezas de Cristo numa só Pessoa.
Contudo, foi este mesmo papa quem protestou fortemente contra a ação do concílio que,
em harmonia com um cânone do segundo concílio ecumênico, colocou-o no mesmo nível
de igualdade com o novo bispo de Constantinopla. Com isto aproximamo-nos do segredo
da última separação e do antagonismo incurável entre as duas Igrejas.
f. Em realidade, três foram as causas principais da separação:
•A rivalidade político-eclesiástica do patriarca de Constantinopla, apoiado pelo
Império Bizantino, e o bispo de Roma, em conexão com o novo Império Germânico.
• A crescente centralização e a arrogante conduta da Igreja Latina no (e através do)
papado.
• O caráter estacionário do grego e o caráter progressivo da Igreja Latina durante a
Idade Média. Quando a Igreja Grega tornou-se estacionária, a Igreja Latina começou
a desenvolver sua maior energia; tornou-se a fecunda e frutífera mãe de novas e
vigorosas nações do Norte e Oeste da Europa, produziu a teologia mística e
escolástica, e uma nova ordem de civilização; construiu catedrais magnificentes;
descobriu um novo continente; inventou a imprensa e, com a renascença do
conhecimento, preparou o caminho para uma nova era da história do mundo. Assim,
a filha Latina ultrapassou a mãe Grega.
A primeira eclosão séria do conflito entre Roma e Constantinopla teve lugar após
a metade do século IX, quando Fócio e Nicolau, representantes das Igrejas rivais,
entraram em choque. Fócio não toleraria superior e Nicolau, nenhum igual; um baseava-
se no Concílio de Calcedônia e o outro das Decretais do Pseudo-Isidoro.
A deposição de Inácio como Patriarca de Constantinopla, por compreender a
imoralidade de César Bardas, e a eleição de Fócio, então um simples leigo, em seu lugar
(858), foram atos arbitrários e não canônicos, que criaram um cisma temporário no
Oriente, que preparou o caminho para o cisma permanente entre o Oriente e o Ocidente.
Nicolau, sendo solicitado a interferir como mediador por ambos os partidos, assumiu a
arrogante pretensão de juiz supremo, com base no Pseudo-Isidoro. Em 863, num Sínodo
realizado em Roma, decidiu em favor do inocente Inácio e sentenciou a deposição de
Fócio, com ameaças de excomunhão em caso de desobediência.
Fócio, enraivecido pela conduta de Nicolau, realizou um contra-sínodo e depôs ao
bispo de Roma (867). Fócio caiu com o assassinato de seu patrono imperial, Miguel III
(23 de setembro de 867). Foi preso incomunicável num convento.
Inácio foi restaurado ao poder após 10 anos de exílio e restabeleceu relações com
o Papa Adriano II (dezembro de 867). Inácio convocou um concílio geral na Igreja de
Santa Sofia (869), o qual é considerado pelos Latinos como o oitavo Concílio Ecumênico.
Neste concílio foi confirmado o decreto papal contra Fócio e em favor de Inácio.
Mas a paz era apenas artificial. Inácio recusou obedecer quando o imperioso Papa
João VIII mandou, sob pena de suspensão e excomunhão, que ele retirasse todos os bispos
e sacerdotes gregos da Bulgária. Inácio morreu a 23 de outubro de 877, ficando assim
livre de maiores complicações com o Papa.
Após a morte de Inácio, Fócio foi restaurado ao patriarcado, e convocou um
concílio em novembro de 879, que é considerado pelos orientais como o oitavo concílio
ecumênico (mas rejeitado pelos latinos). Este concílio anulou o concílio de 869,
considerando-o uma fraude; readotou o credo de Nicéia, com um anátema contra o
FILIOQUE (A expressão "Filioque", isto é, "e do Filho", foi acrescentada pela Igreja
Romana ao Credo para explicitar que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho).
Fócio foi deposto outra vez por Leão VII, gastou seus últimos anos de vida num
mosteiro, e morreu em 891 AD. Ele formulou as bases doutrinais do cisma, freou o
despotismo papal e assegurou a independência da Igreja Grega.
Um grande concílio geral ocorreu em Lião, com grande pompa e solenidade, com
o propósito de efetuar a reunificação. 500 bispos latinos, 70 abades e outros eclesiásticos
estavam presentes; e ainda embaixadores da Inglaterra, França, Alemanha e outros países.
A 7 de maio de 1274 o Papa deu abertura ao concílio com a celebração da missa,
e declarou os três objetivos do concílio:
• prestar auxílio a Jerusalém;
• união com os gregos;
• reforma da igreja.
Boaventura pregou o sermão; Tomás de Aquino, o príncipe dos escolásticos, que deveria defender
a doutrina latina da dupla processão, devia estar presente, mas morreu na viagem para Lião (7 de março de
1274).
Os legados imperiais foram tratados cortesmente, abjuraram o cisma, submeteram-se ao papa e
aceitaram os princípios distintivos da Igreja de Roma.
Mas os Patriarcas Orientais não foram representados, o povo de Constantinopla repudiou a união
com Roma e a morte do despótico Miguel Paleólogo (1282) foi também a morte do partido pró-Roma e a
formal revogação do ato de submissão a Roma.
Outra tentativa de reunificação foi levada a efeito por João VII Paleólogo no
Concílio de Ferrara, convocado pelo Papa Eugênio IV, por ocasião do concílio
reformador de Brasle. Foi transferido para Florença.
Os pontos principais da controvérsia foram discutidos:
1. a processão do Espírito;
2. o purgatório;
3. o uso de pão não-levedado;
4. a supremacia papal.
O concílio foi assistido pelo imperador, pelo patriarca, por 21 prelados orientais,
entre estes Bessarion de Nicéia (o qual se converteu).
O decreto do concílio foi uma submissão completa do oriente ao Papa. A fórmula
grega sobre a processão foi declarada idêntica à fórmula latina FILIOQUE.
O Papa foi reconhecido não só como sucessor de Pedro e vigário de Cristo, mas
também como a cabeça de toda a igreja, pai e mestre de todos os cristãos.
O documento da reunião foi assinado pelo papa, pelo Imperador, pelos arcebispos
e bispos, representantes de todos os patriarcas orientais, exceto o patriarca de
Constantinopla que havia morrido em Florença.
Mas quando os termos humilhantes da reunião foram divulgados, o Oriente e a
Rússia ergueram-se em rebelião contra os latinizadores como traidores da fé ortodoxa.
Os Patriarcas condescendentes renunciaram abertamente, e o novo Patriarca de
Constantinopla, Metrófanes, foi forçado a renunciar.
I. Monasticismo Medieval
Entre os séculos VI e X a Igreja Latina passou por um período de marcada
decadência, seguida por uma definida ressurreição do poder. Após a grande migração dos
povos bárbaros em direção ao sul e oeste no séc. V, a Igreja Ocidental foi severamente
abalada e necessitava emergir de sua prostração. As trevas tinham se espalhado sobre a
Gália, Itália e Espanha, e segurança e ordem deveriam ser restauradas a fim de permitir o
desenvolvimento de atividades religiosas e culturais. Tal restauração começou sob Carlos
Magno, quando escolas foram estabelecidas em muitos lugares, não somente pelos
clérigos, mas também por jovens nobres.
Numerosos mosteiros (dai o termo “monasticismo”) foram fundados. Em muitos
lugares os monges penetraram novas regiões, abriram florestas, e estabeleceram novas
colônias. Estes mosteiros se tornaram os centros da erudição medieval. Aqui a arte de ler
e escrever foi zelosamente mantidas, e de tais centros as cortes dos príncipes e reis eram
supridas com escribas e homens cultos. E, naturalmente, os assuntos ensinados nestes
mosteiros eram de uma natureza predominantemente religiosa.
Durante o período sob consideração encontramos três grandes movimentos
monásticos:
• O movimento reformador de Cluny;
• Bernardo de Claraval entre os Cistercianos;
• Frades Franciscanos e Dominicanos.
Esta poderosa força foi logo usada pelos papas monásticos em seu objetivo de
assegurar o domínio mundial. Segundo Harnack, "Quais eram os alvos deste novo
movimento que tomou conta de toda a Igreja na segunda metade do séc. XI? Num
primeiro momento, e principalmente, a restauração nos próprios mosteiros da 'velha'
disciplina, da verdadeira abnegação do mundo e piedade; mas também, primeiro, o
treinamento monástico de todo o clero secular; segundo, a supremacia do clero
monasticamente treinado sobre o mundo leigo, sobre príncipes e nações; terceiro, a
redução das igrejas nacionais, com seu orgulho e secularidade, em favor da uniforme
supremacia de Roma".
É significativo que esta ambição de governar o mundo se opunha diretamente a
sua anterior renúncia a ele. Sem a reformadora influência de Cluny e sua energia, a fraca
igreja de Roma não teria sido forte o suficiente para alcançar o ápice de seu poder,
dominando o mundo e submetendo os reis aos seu comando.
Nas escolas das catedrais e mais tarde nas universidades, aplicava-se intensamente
a dialética no campo da religião, e grandes esforços foram feitos para traduzir dogma em
conceitos racionais, e revelação em filosofia. Em outras palavras, uma tentativa foi feita
para compreender e interpretar toda verdade religiosa mediante raciocínio filosófico.
Foi assim que, do conflito entre tradicionalismo e livre inquirição, surgiu o
escolasticismo. A Filosofia, inicialmente, era considerada serva da Religião, mas agora
tornara-se sua mestra, deixando sua marca sobre todo dogma e interpretando toda
doutrina.
Na definição de um dogma ou doutrina, ou na decisão de um caso, Aristóteles e
sua metafísica tornou-se autoridade última mais freqüentemente do que a Bíblia. Assim,
o escolasticismo foi estabelecido como um sistema filosófico-teológico.
Entre os grandes nomes do escolasticismo estão Anselmo, Abelardo e Pedro
lombardo, Alexandre de Hales, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Boaventura, Roger
Bacon, Duns Scotus e William de Occam.
Até aqui, atenção foi localizada sobre dois dos mais importantes fatores
modeladores da vida medieval - monasticismo e escolasticismo. Ao mesmo tempo, notou-
se como ambos foram utilizados para fortalecer a estrutura da igreja papal.
Voltamos agora especificamente ao eclesiasticismo e aos três grandes arquitetos
do edifício papal medieval e, conseqüentemente, do crescente poder da Igreja Católica
Romana. São eles: Gregório VII (1073- 1085), Inocêncio III (1198-1216) e Bonifácio
VIII (1294-1303).
Apesar dos tempos turbulentos, estes três papas, cujos pontificados cobrem um período de mais
de 200 anos - cada qual separado por uma centena de anos um do outro - foram bem-sucedidos em erigir
a estrutura da Igreja Romana como permanece até hoje. É verdade que a Igreja Romana existiu antes de
Gregório VII, mas tinha uma fisionomia diferente. Através de Gregório sua face foi alterada, e ela se
tornou a Igreja Romana, o poder do mundo. Gregório deixou sua marca indelével sobre ela.
"Henrique, rei, não por usurpação, mas pela santa orientação de Deus, a
Hildebrando, não papa, mas um monge falso. Como tu te atreveste, tu que chegaste ao
poder mediante esperteza, bajulação, suborno e força, estender tua mão contra o ungido
do Senhor, desprezando o preceito do verdadeiro Papa, São Pedro: 'Teme a Deus, e
honra ao rei?' Tu, que não temes a Deus, desonras-me, Seu eleito. Condenado pela voz
de todos os nossos bispos, deixa o trono papal e permite que outro o ocupe, que pregará
a doutrina correta de S. Pedro e não fará violência sob a capa de religião. Eu, Henrique,
pela graça de Deus, rei, com todos os meus bispos, dizemos-te: 'Desça, desça'".
Ao mesmo tempo, Henrique escreveu aos cardeais e ao povo romano para ajudá-
lo na eleição de um novo papa. Rolando, um sacerdote de Parma, foi o portador da carta
a Gregório, exatamente quando este se encontrava reunido com 110 bispos num sínodo,
e concluiu sua mensagem com estas palavras:
"Eu vos digo, irmãos, que deveis comparecer diante do rei, no Pentecostes, para
receber de suas mãos um papa e pai; pois este homem aqui não é papa, mas um lobo
devorador."
No dia seguinte, 22 de fevereiro de 1076, Gregório excomungou e depôs a
Henrique IV, absolvendo os súditos deste do voto de obediência e lealdade. Ao mesmo
tempo, excomungou a todos os bispos alemães e italianos que o haviam deposto em
Worms.
Henrique convocou, então, um concílio nacional, que se reuniu em Worms no dia
15 de maio, para protestar contra a pretensão de Gregório em unir, em uma só mão, as
duas espadas que Deus havia separado. Mas este concílio foi um fracasso, poucos bispos
compareceram. E um outro concílio convocado para Mainz, 29 de junho, não foi melhor
do que o anterior, e Henrique viu-se forçado a negociar. Prelados e nobres abandonaram-
no; a Saxônia foi perdida. E a Dieta de Tribur, no castelo imperial de Mainz, 16 de outubro
de 1076, exigiu que ele se submetesse ao papa, e obtivesse a absolvição papal dentro de
12 meses a partir da data da excomunhão, com o risco de perder a coroa.
Henrique deveria comparecer perante a Dieta a ser realizada em Augsburg no dia
2 de fevereiro de 1077, sob a presidência do papa. Enquanto isto, Henrique deveria
permanecer em Spires, em estrito isolamento, acompanhado apenas da esposa, o bispo de
Verdu, e de uns poucos servos escolhidos pelos nobres. Aí permaneceu ele por 2 meses,
cortado dos serviços da Igreja e dos negócios do Estado. Finalmente, decidiu buscar sua
absolvição, como o único meio de salvar a coroa. Não havia tempo a perder; dentro de
poucas semanas ocorreria a Dieta de Augsburg, que decidiria sua sorte.
Henrique IV tomou então uma decisão dramática, que se revestiu da maior
importância política: encontrar-se com o papa, antes que este chegasse a Augsburg, a fim
de conseguir dele a almejada absolvição. Cruzou os Alpes, no inverno, acompanhado de
sua esposa, seu filho de apenas 5 anos, e de um servo fiel, e procurou Hildebrando no
norte da Itália, em sua viagem para a Alemanha.
Hildebrando estava no castelo de Canossa e para lá se dirigiu Henrique,
apresentando-se 3 dias seguidos diante do portão do castelo, pés descalços, como um
penitente. Mas Gregório só absolveria a Henrique com a condição de rendição da coroa
e das dignidades reais.
Finalmente, o papa decide recebê-lo, sob a condição de que o rei se submeteria às
decisões da Dieta, que seria presidida pelo papa. Enquanto isto, o rei devia abster-se do
exercício de suas funções reais. O documento de submissão foi assinado por Hugo, abade
de Cluny, pelos bispos, nobres e pelas condessas Matilde e Adelaide.
Em muitos sentidos foi uma vitória política para o rei. No entanto, na memória
dos homens, o fato ficou conhecido como o maior ato de humilhação do império medieval
ante o poder da igreja.
4. Dictatus Papae
A concepção de Gregório da natureza do poder papal e do lugar destinado ao
Papado é expresso nos Dictatus, um documento encontrado entre as cartas de
Hildebrando, após sua morte. Embora não se possa estabelecer a autoria, representam o
ponto de vista de Gregório tão acuradamente, como se tivesse sido escrito por sua própria
mão. Aqui estão algumas de suas pretensões:
Um século se passou antes que outro papa do calibre de Gregório ascendesse ao trono
papal. Era jovem - 37 anos - de família nobre, de nome Lotário. Tornou-se Inocêncio III,
o mais poderoso de todos os pontífices e que alcançou o alvo de um governo teocrático
sobre todo o mundo, que Gregório tinha sonhado. Sob Inocêncio, o Papado alcançou seu
clímax - o auge do poder controlador.
Inocêncio III governou de 1198 a 1216. Estudou lei em Paris e Bolonha, e era não
somente um erudito, mas um homem nascido para governar. Tem sido dito que Gregório
foi o Júlio César, mas Inocêncio III foi o Augusto do império papal. O ambicioso esquema
que Gregório VII tinha projetado, Inocêncio realmente realizou. De fato, em audácia, ele
superou a Gregório. Sob ele a sé de Pedro se tornou o trono do mundo, e de sua
chancelaria cartas aos reis e governantes, cardeais e bispos, eram enviadas quase
diariamente. Ele colocou toda a Europa sob seu calcanhar.
Ele pretendia que não somente toda a Igreja foi confiada a Pedro, mas também todo
o mundo. Em outras palavras, o papa era não somente o vigário de Cristo, mas o próprio
vigário de Deus sobre a Terra, assim significando que através de Cristo o poder espiritual
sobre as almas foi confiado a ele, mas, como vigário de Deus, que ele é o governador do
universo. E, para fortalecer esta pretensão, ele usou, com tremendos efeitos, duas terríveis
armas: Excomunhão e Interdito.
Os Terrores da Excomunhão e Interdito
Excomunhão - o indivíduo que estivesse sob sua condenação era desta forma feito um
pária (excluído) social. A ninguém era permitido dar-lhe abrigo, e ele era não somente
excluído de toda proteção legal, mas era semelhantemente privado dos sacramentos da
igreja. E, como a vida eterna, segundo a crença medieval, era possível somente
participando dos sacramentos, a pessoa excomungada estava, desse modo, condenada à
perdição. Desta forma a vida do leigo, fosse rei ou servo, estava completamente nas mãos
do seu padre confessor.
Interdito - era dirigido contra uma cidade, uma região ou um reino. Era usado para forçar
um governante a obedecer. Todos os ritos religiosos, exceto batismo e confissão, eram
suspensos. Praticamente parava todo governo civil, pois as cortes de justiça eram
fechadas, e oficiais públicos de toda espécie eram proibidos de funcionar. Uma maldição
repousava sobre a terra ou a cidade. Sob Inocêncio começou a ser empregado para
propósitos políticos. Isto é ilustrado nos bem conhecidos conflitos papais com Filipe da
França e João da Inglaterra, que foram submetidos por meio de interditos, sendo que o
último foi deposto e forçado a entregar seu reino ao papa, e recebê-lo de volta sob
pagamento anual, como vassalo do papa.
Mais importante que sua quase irrestrita política controladora sobre a Europa, foi
seu incansável esforço para aumentar o poder religioso da Igreja Latina. Neste campo, o
evento coroador de sua vida foi o Quarto Concílio de Latrão, a mais esplêndida reunião
desta espécie em muitos séculos. 412 bispos, 800 abades e priores, e um grande número
de delegados representando os prelados ausentes. Representantes do Imperador Frederico
II, Imperador Henrique de Constantinopla, e os Reis da Inglaterra, França, Aragão,
Hungria e Jerusalém, e outras cabeças coroadas estavam presentes.
3. Transubstanciação Estabelecida
Entre muitas outras ações, duas das mais importantes foram tomadas. Uma foi a
exata definição e canonização do dogma da transubstanciação (o pão e o vinho se tornam
o próprio corpo e sangue de Cristo por ocasião da missa). Daqui por diante qualquer
definição divergente do dogma da Eucaristia seria heresia. A outra foi a legalização da
Inquisição.
Transubstanciação significa que o corpo e sangue real de Cristo estão
verdadeiramente contidos nos sacramentos do altar, sob a mera forma de pão e vinho; o
pão sendo transubstanciado no corpo, e o vinho, no sangue de Cristo pelo divino poder
exercido pelo sacerdote. O resultado disto é claro: aumentou o poder do sacerdote ao seu
último limite, e tornou-o o único mediador entre Deus e o povo. Isto porque suas mãos
ministradoras eram as únicas capazes de operar este supremo milagre de transformar o
pão e o vinho no corpo e sangue real de Jesus Cristo, recriando, por assim dizer, o Filho
de Deus, a fim de que o fiel pudesse participar de Seu corpo real, sem o que não haveria
salvação.
Assim, em realidade, as "chaves" do céu e inferno estavam nas mãos do sacerdote.
E isto era precisamente o que a Igreja sempre ensinara.
4. A Inquisição Estabelecida por Ação do Concílio
A segunda ação importante tomada pelo Quarto Concílio de Latrão, sob a
liderança de Inocêncio III, foi o estabelecimento canônico da Inquisição, ou sistematizar
a perseguição da heresia por ação do Concílio, o trabalho de exterminação sendo
denominado "sagrado" (santo ofício).
A luta contra os heréticos tinha sido uma prática longamente estabelecida na Igreja
Romana. Mas agora foi completamente fixada pelos decretos do Concílio. Previamente,
o Sínodo de Tours (1163) tinha introduzido os começos dos métodos inquisitoriais, e tinha
proibido os católicos de se misturarem com os Albigenses. Mas foi deixado para
Inocêncio III instituir o Santo Ofício, como a Inquisição foi chamada.
Em seu famoso sermão de abertura deste notável Concílio de 1215, Inocêncio
empregou o vívido simbolismo de Ezequiel 9 - o homem vestido de linho, aplicando-o ao
papa e passando através da igreja, e assinalando os justos. E os seis homens, com suas
"armas esmagadoras", eram os bispos que puniriam a todos os não-assinalados com
banimento e morte.
As próprias indulgências foram oferecidas àqueles que tomassem parte na
exterminação dos heréticos como foram aos participantes nas Cruzadas. Os bispos foram
instruídos a fazer uma ronda, no mínimo uma vez ao ano, com o expresso propósito de
descobrir os heréticos.
Embora presumivelmente agindo sobre o princípio de manter a fé pura, a igreja
assumiu um poder que não lhe pertencia. Ela colocou irmão contra irmão. Invadiu a
santidade do reino da consciência, e colocou em ação um movimento que resultou na
indescritível agonia de incontáveis vidas. O resultado se tornou evidente nos tempos
posteriores com a exterminação dos Albigenses, seguindo pelo massacre de inumeráveis
Valdenses, dos Mouros na Espanha e, mais tarde, de milhares de Protestantes em toda a
Europa. E tudo isto em nome de Cristo, o mais compassivo dos Mestres.
Assumiu o trono papal com cerca de 80 anos de idade, mas ainda cheio de vigor,
presunção e vanglória. Era dominador e implacável, e destituído de ideais espirituais.
Foi para Latrão, não cavalgando um asno (como seu antecessor Pedro de Murhone, o
eremita), mas sobre um palafrém branco (cavalo de parada dos reis e nobres da Idade
Média), com uma coroa sobre a cabeça, vestido com todas as vestes pontificais. Dois
soberanos o acompanharam - os reis de Nápoles e Hungria. As festividades foram de
incomum esplendor.
Suas pretensões superaram em arrogância tanto a Gregório VII como a Inocêncio III.
Citava Jeremias 1:10 ("Olha que hoje te constituo sobre as nações, e sobre os reinos,
para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares, e também para edificares e
para plantares") para deserdar reis e transferir reinos, e pretendia ser o árbitro final das
disputas da Cristandade.
4. Fim de Bonifácio
Mas no conflito com Filipe, o Belo, Bonifácio foi muito longe. Filipe não estava
disposto a atender às exigências papais. Em Anagni, a cidade natal de Bonifácio (para
onde havia ido para escapar ao forte calor de Roma) o papa foi aprisionado, e o clamor
ressoou: "Morte ao Papa Bonifácio! Vida longa ao Rei da França!". O povo bandeou para
o lado dos soldados e os cardeais fugiram aterrorizados.
Bonifácio, entretanto, com a estola de S. Pedro, colocou a coroa imperial sobre a
cabeça e, com as chaves de S. Pedro em uma mão e a cruz na outra, assentou-se no trono
papal. Bonifácio foi libertado e faleceu um mês mais tarde.
Assim, o declínio do papado medieval como o supremo governador e árbitro da
Europa realmente começou com Bonifácio VIII.
Movimentos Reformatórios
A Igreja Medieval tinha alcançado o pico em seu desenvolvimento. O papado
alcançou poder absoluto, somente para usá-lo em interesse próprio, permitindo abusos
que finalmente o solaparam. A Igreja e o mundo esperavam por uma reforma moral e
espiritual. Uma reforma era necessária na Igreja e um desejo geral por tal reforma existiu
durante todo o período.
Este desejo por reforma encontrou expressão em movimentos que serão
brevemente considerados.
1. Defensor Pacis
Livro escrito por Marcílio de Pádua e João de Jandum em 1324. Foi a mais importante
contribuição sobre a relação entre a Igreja e o Estado no final da Idade Média. Um novo
ideal para a Igreja foi proposto: a Igreja deveria se tornar mais democrática e limitar-se à
sua esfera própria - o bem-estar espiritual da humanidade. A sociedade européia foi muito
perturbada por causa da indevida intromissão da Igreja nos negócios do Estado.
Uma nova concepção do Estado foi também proposta: o Estado repousaria sobre a
soberania do povo comum. O povo controlaria o legislativo através de representantes
eleitos popularmente. O poder executivo seria deixado nas mão de um rei eleito que
governaria em harmonia com uma constituição aceita.
O livro promulgava a soberania do povo comum também sobre a Igreja. O próprio
povo elegeria seus sacerdotes e oficiais. Estes oficiais da Igreja eleitos popularmente
constituiriam o Concílio Geral, que seria o mais alto poder espiritual sobre a Terra. Os
sacerdotes não deveriam ter propriedades ou poder secular; seus salários seriam pagos
pelo Estado. A Lei Canônica seria abolida e a Igreja seria colocada sob o controle do
Estado. O dever essencial do sacerdote era pregar o Evangelho e administrar os
sacramentos. O sacerdote e a Igreja não eram mediadores essenciais entre o homem e
Deus. Cada indivíduo tem acesso direto a Deus através da fé.
Sumarizando, o livro afirmava:
• a necessidade de uma reforma;
• o princípio Estado-Igreja;
• individualismo religioso;
• liberalismo político;
• democracia moderna;
• as Santas Escrituras como única fonte de fé.
a. uma cabeça visível da Igreja em Roma era necessária, mas um Concílio Geral
era superior ao
papa;
b. uma reforma genuína era necessária na "cabeça e membros" da Igreja;
c. a Bíblia era a única fonte e regra de conhecimento cristão.
Em 1377 ele negou o poder sacerdotal de absolver pecados. Nesse ano suas
posições teológicas foram pela primeira vez questionadas. A hierarquia estava alarmada.
Gregório XI emitiu cinco bulas em 27 de maio de 1377, condenando suas posições e
intimando-o a responder às acusações de insubordinação e heresia, reprovando Oxford
por não ter atuado contra ele e autorizando seu aprisionamento.
Em 1378 Gregório XI morreu. Houve o início do novo cisma. Isto evitou ações
adicionais contra Wyclif. O cisma levou Wyclif a não ser mais fiel ao papado. O ano de
1378 foi o ponto decisivo em sua vida. Seu sentido espiritual estava chocado. O
espetáculo de dois papas (como descrito anteriormente) lhe era horrível. Toda a
instituição parecia ser do mal. De apoiador mudou para antagonista. Nos dois papas via
"duas metades do Anti-Cristo, e juntos perfazendo o perfeito homem do Pecado".
Desde 1378 ele organizou uma equipe de pregadores itinerantes, que espalhava
sua doutrina entre o povo da terra. A doutrina também se espalhou pelo continente e,
levada até Praga, foi o meio de iluminar John Huss. Em 1382 Wyclif concluiu o maior
trabalho de sua vida - a tradução da Bíblia para o Inglês.
As usurpações do papado - sua "espoliação" das igrejas, seu orgulho, o caráter
mundano de seu governo e suas pretensões de domínio hierárquico sobre o mundo - foram
atacadas por Wyclif como levando a estampa do Anti-Cristo - um nome que ele aplicou
ao papa e ao papado em inúmeras passagens em seus últimos anos.
Wyclif considerou o papa como o Homem do Pecado, o chifre pequeno e o
verdadeiro Anti-Cristo da profecia. Em sua tradução da segunda epístola aos
Tessalonicenses (1380) e do Apocalipse, ele contemplou o real caráter do Homem do
Pecado e a mulher de Apocalipse 17. Wyclif aplica o nome “Anti-Cristo” a todos os papas
coletivamente, freqüentemente referindo-se ao papa como cumprindo a profecia paulina
de II Tessalonicenses, concernente ao Homem do Pecado.
As conclusões de Wyclif acerca do papado basearam-se nas profecias de Daniel,
Paulo e João. Suas exposições, contudo, não são comumente conhecidas porque estão em
Latim. Wyclif aplicou o princípio dia- ano ao tempo profético.
Seus ensinos podem ser resumidos assim:
• proclamava a doutrina bíblica da justificação pela fé no crucificado Salvador;
• a Bíblia como única fonte de fé;
• o papa não era infalível, e suas bulas e decretos não tinham autoridade, exceto
quando baseadas nas Escrituras;
• o clero não devia governar, mas servir e ajudar seu povo;
• o papa era o Anti-Cristo;
• era contrário à transubstanciação (anti-escriturística), às indulgências,
Cruzadas, peregrinações, relíquias.
Mas em 1401 a heresia foi classificada como ofensa capital na Inglaterra, e a
mera posse dos escritos de Wyclif era punida com a morte.
2. John Huss (1369-1415)
Foi mediante os escritos de Wyclif que Huss renunciou "a muitos erros do
romanismo" e entrou na obra da Reforma.
Condenado pelo Concílio de Constança, foi queimado vivo.
3. Jerônimo de Praga
Jerônimo foi também condenado pelo mesmo Concílio de Constança e teve igual
sorte de Huss: a fogueira.
"Suas última palavras, proferidas quando as chamas se levantavam em redor dele, foram
uma oração: 'Senhor, Pai todo-poderoso, tem piedade de mim e perdoa meus pecados;
pois sabes que sempre amei Tua verdade' "
"A mão divina estava a preparar o caminho para a Grande Reforma"
Foi em Erfurt, aos vinte anos de idade, que Lutero encontrou na Biblioteca um
exemplar completo da Vulgata (tradução da Bíblia para o latim). Anteriormente, tudo o
que ele conhecia da Bíblia era o que estava no Breviário, e as partes cantadas durante a
missa. A descoberta maravilhou-o. Ele estudou este Livro com intensa avidez, e foi
despertado para o desejo de conhecer a Deus. Abalado por uma perigosa doença e a súbita
morte de um amigo, Lutero sentiu-se despreparado para encontrar seu Deus. Ele almejava
propiciá-lo, mas estava convencido da inadequação de suas realizações passadas. “O
mosteiro deve ser o lugar, e penitência, o método”, ele pensava. Assim ele entrou para
um mosteiro Agostiniano. Dia e noite dedicou-se a orações, penitências, jejuns e auto-
mortificações.
Aqui Lutero renovou seus estudos das Escrituras com grande intensidade. Mas os
atributos da justiça e santidade divinas pareceram-lhe tremendamente terríveis. Um dia
Staupitz, que era um homem de profunda aspiração e entendimento espiritual, notou que
o jovem monge parecia angustiado e com a face pálida devido aos jejuns e longas vigílias.
Passo a passo, Staupitz dirigiu a atenção de Lutero da meditação sobre seus próprios
pecados para os méritos de Cristo; da lei para a cruz. Staupitz fê-lo entender que o
verdadeiro arrependimento não consiste em penitências e punições auto-infligidas, mas
em uma mudança de coração, e que no sacrifício de Cristo a vontade eterna de Deus foi
revelada. Assim Staupitz tornou-se seu melhor amigo, seu mais sábio conselheiro, e seu
pai espiritual. Nestas horas tranqüilas a semente da verdade foi lançada em seu coração,
o que produziria uma abundante colheita não muito depois.
2. Lutero Começa a Reforma enquanto era Professor na Universidade
Em 1502 Frederico III, eleitor da Saxônia, fundou a Universidade de Wittenberg,
e Staupitz tornou- se o primeiro deão de sua faculdade teológica. Esta foi uma das
primeiras Universidades européias a ensinar todas as três línguas antigas - Hebraico,
Grego e Latim. Em 1508 Staupitz convidou Lutero a ensinar. Em 1512 ele tornou-se
Doutor de Divindade "ad Bíblia" (Doutor das Santas Escrituras), votando defender a
Bíblia e suas doutrinas, e assim começou sua carreira como Reformador. Foi o começo
de uma nova época em sua vida, e em suas exposições ele abria o evangelho de "Cristo
justiça nossa" como o pensamento central de seus ensinos.
Em 1517 Lutero mantinha o triplo ofício de subprior, pregador e professor. Muitos
vinham ouvir as novas doutrinas tão convincentemente expostas. Neste meio tempo,
Lutero tinha escrito suas teses contra os escolásticos (Disputatio contra scholasticam
theologicam), e contra a doutrina escolástica da capacidade do homem de alcançar justiça.
Mas foram suas teses contra as indulgências que agitaram o mundo.
1. Crescentes Convicções
Em 24 de Fevereiro de 1520 Lutero escreveu a Spalatin uma carta que revela sua
convicção acerca da natureza do Papado: "Eu estou praticamente num beco sem saída, e
não posso duvidar, de que o Papa é realmente o Anti-Cristo,... por causa do modo de sua
vida, ação, palavras e mandamentos".
O ano de 1520 também viu surgir os três grandes tratados da Reforma. O primeiro
foi "À Nobreza Cristã da Nação Alemã". Ele não somente clama por reformas religiosas
e a abolição de todos os abusos do clero, mas também por um movimento político de
afastamento de Roma. Em inequívoca linguagem, Lutero descobre todas as práticas
depravadas da corte Romana e as exigências anti-bíblicas da lei canônica. E embora ele
não ataque o sistema hierárquico da igreja como tal, ele a quer separada de todo
comprometimento secular. Ele diz: "O Papa deveria ser o cabeça e líder de todos os
soldados do Céu, contudo ele se envolve mais em assuntos mundanos que qualquer rei
ou imperador."
Embora Lutero, neste tratado, não identifique o papa com o Anti-Cristo, ele
mostra claramente como o papa tem dado pleno escopo para os poderes anti-cristãos
operarem na igreja e é, portanto, diretamente responsável.
4. Princípio Dia-Ano
Sobre a aplicação do princípio dia-ano (ou seja, cada 1 dia em profecia bíblica
apocalíptica representa 1 ano de tempo real) às setenta semanas de Daniel 9, Lutero não
somente é explícito, como também declara a harmonia de todos os ensinadores sobre o
assunto: "Todos os ensinadores estão em harmonia de que esses são anos-semanas e não
dias-semanas, ou seja, uma semana compreende sete anos e não sete dias. (...) Portanto,
estas setenta semanas são 490 anos."
A REFORMA NA SUIÇA
I. Zuínglio
Talvez o capítulo mais interessante que lança luz sobre a atitude de Zuínglio
acerca do papado, encontramos em seu tratado "Contra os Verdadeiros Incitadores de
Sedição". Apareceu em 28 de Dezembro de 1524, e foi dirigido contra as maquinações
de Roma bem como contra o comportamento dos Anabatistas, que causaram infindáveis
problemas a Zuínglio.
Zuínglio não baseou suas idéias concernente ao Papado sobre o Apocalipse,
porque ele não considerava este livro como apostólico e não o usou para evidência
profética.
II. Ecolampádio – “A Ponta Pequena é o Papado”
III. Calvino
Calvino era um teocrata, perseguindo aqueles que diferiam de suas doutrinas. Seu
primeiro tratado foi contra aqueles que criam no sono inconsciente dos mortos, em sua
maioria os Anabatistas. Em 1537 ele teve uma discussão aberta com os Anabatistas, e
derrotou-os tão completamente que eles não mais ousaram mostrar-se na cidade. Tortura
e a sentença de morte foram introduzidas, e várias execuções e banimentos ocorreram
entre 1542 e 1546. O mais trágico feito de Calvino foi sua responsabilidade pela morte
do médico espanhol Michael Servetus (1509-1553), que, embora brilhante, tinha um
espírito tão contencioso que, à idade de 20 anos, não se deixava aconselhar por homens
como Bucer, Ecolampadio e Capito, mas colocou-se como um independente radical para
reformar a Reforma. Em 1531 ele publicou seus pontos de vista antitrinitarianos no livro
"Erros da Trindade", que pareceu blasfemo tanto para Católicos quanto para Protestantes.
A reação a este livro forçou-o a fugir para a França, onde, sob outro nome, ganhou fama
como geógrafo e médico, e era, sob todos os aspectos, um bom católico. Só foi descoberto
mais de vinte anos depois, após publicar seu Christianismi Restitutio. Este incluía uma
revisão de sua primeira obra, com a adição de um elaborado sistema de teologia, atacando
não somente o Anti-Cristo papal, mas Calvino e Melâncton em particular. Escapando de
ser preso em Viena, ele foi para Genebra, onde Calvino o prendeu.
Os Inquisidores Franceses exigiram sua extradição, mas o Concílio de Genebra
preferiu queimar seus próprios heréticos. Assim, Servetus, com seus livros, foi queimado
em 1553.
Vê-se que não era só a Igreja Romana que se utilizava da forma para combater os
chamados “hereges”.
A 8 de Julho de 1546 Henrique VIII fez uma "Proclamação pela Abolição dos Livros
Ingleses", tornando ilegal para qualquer um "receber, ter, levar ou guardar", a tradução
inglesa do NT feita por Tyndale e Coverdale, ou qualquer livro de Tyndale, Wyclif, Joye,
Roy, Basil, Turner, Tracy, Frith, Bale, Barnes ou Coverdale que levasse à identificação
profética do Anti-Cristo, mas deveriam entregá-los para serem queimados. É, portanto,
evidente, que este esforço foi grandemente dirigido contra a interpretação profética por
causa da pressão que ela estava exercendo na batalha entre o Protestantismo e o
Catolicismo.
Após a morte do rei em 1547, o Protestantismo progrediu substancialmente na
Inglaterra sob Eduardo VI. Embora a Reforma fosse mantida em cheque por uns poucos
anos sob as filhas Católicas de Henrique - Rainha Maria (1553-1558) e Elizabeth (1558-
1603) - a Inglaterra tornou-se predominantemente Protestante - 80% professando a nova
fé.
A CONTRA-REFORMA