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CURSO CAPACITAÇÃO TEOLÓGICA

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA

CONCEITOS CRISTÃOS BÁSICOS DE HISTÓRIA

Há muitas filosofias da história. O islamismo, o budismo, o hinduísmo, todos têm


suas filosofias, assim como o Cristianismo. De fato, várias variantes da filosofia cristã da
história são advogadas. É preciso reconhecer a necessidade de uma filosofia cristã da
história que seja válida e descobrir seus elementos básicos. Se falta tal filosofia, o registro
humano se torna meramente uma série de eventos repetitivos sem qualquer significado.
Em tempos de crise, uma filosofia da história se torna mais imperativa para manter a
perspectiva durante os processos rápidos de mudança.
Alguns vêem a história como um processo natural impessoal que não está
diretamente relacionado a qualquer atividade humana particular. Outros vêem na história
uma série de eventos, individuais e únicos, que não se repetem. Outros vêem na história
uma sucessão de conflitos nacionais.

NATUREZA DA HISTÓRIA DA IGREJA


A História tem dois lados: um divino e outro humano. Da parte de Deus, História
é Sua revelação na ordem de tempo (como a Criação é Sua revelação na ordem de
espaço). É também o desdobramento sucessivo do plano de sabedoria, justiça e graça
infinitas, apontando a glória de Deus e a eterna felicidade do ser humano.
Da parte do homem, História é a biografia da raça humana, e o desenvolvimento
gradual, normal e anormal, de todas as suas potencialidades físicas, intelectuais e morais
rumo à consumação final com sua recompensa ou castigo eterno.
Uma filosofia da História que omite ou desmerece o fator divino inicia-se com o
deísmo (que crê que Deus criou o mundo, mas o abandonou, e não mais interfere na vida
dos seres humanos) e avança consistentemente rumo ao ateísmo (que nega a existência
de Deus); enquanto que uma filosofia oposta, que desconhece a ação livre do ser humano
e sua conseqüente responsabilidade moral e culpa, é essencialmente fatalista e panteísta.
Da ação humana devemos ainda distinguir a ação satânica, que entra como uma
terceira força na história da raça humana. No grande conflito dos séculos, Satanás aparece
sempre como o grande antagonista de Deus, buscando impedir o progresso do Reino de
Cristo e derrotar o plano da redenção.
O fluxo central e o alvo último da história universal é o estabelecimento deste
Reino de Deus. A História da Igreja Cristã é o surgimento e o progresso do Reino de Deus
na Terra, para a glória de Deus e a salvação da raça humana. Esta é a concepção objetiva
da história da Igreja. No sentido objetivo da palavra, considerada como ciência e arte
teológica, a História da Igreja é a fiel e vívida descrição da origem e progresso do Reino
Celestial.

OBJETIVOS DA HISTÓRIA DA IGREJA


I. Visa reproduzir em pensamentos e expressar em linguagem o desenvolvimento
exterior e interior da Igreja Cristã desde suas origens até o presente.

II. Mostrar como o Cristianismo propagou-se no mundo, e como penetra, transforma


e santifica o indivíduo em todos os departamentos e instituições da vida social. Deste
modo ela abarca não somente as boas fortunas e conquistas da Cristandade, mas
especialmente suas experiências interiores, sua vida religiosa, sua atividade intelectual e
moral, seus conflitos com o mundo iníquo, suas tristezas e sofrimentos, suas alegrias e
seus triunfos sobre o pecado e o erro.

III. Registrar as obras dos grandes heróis da fé "que venceram reinos, praticaram a
justiça, alcançaram promessas, fecharam as bocas dos leões, apagaram a força do fogo,
escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram forças, na batalha se esforçaram, puseram
em fuga os exércitos dos estranhos" (Heb. 11:33-34).

DIVISÃO OU PERÍODOS DA HISTÓRIA DA IGREJA


Apesar de toda a confusão e dificuldade com respeito a detalhes, a História do
Cristianismo tem sido geralmente dividida em três partes principais, embora haja
desacordo quanto ao ponto em que se inicia ou termina uma época ou período.

A) História do Cristianismo Antigo ou Primitivo

Vai do nascimento de Jesus a Gregório I, o Grande (1 – 590 d.C.). Esta é a época da


Igreja Greco- latina, ou dos Pais da Igreja. Seu campo são os países em volta do
Mediterrâneo: Ásia Ocidental, norte da África e sul da Europa - exatamente o palco do
antigo Império Romano e do paganismo clássico.
Esta época lançou os fundamentos, em doutrina, governo e sistema de culto para
toda a história subseqüente. Pode ser dividida em três períodos principais:

I. Período da Igreja Apostólica - da encarnação à morte do último dos apóstolos (1-


100 AD – AD=“Ano Domini”, o mesmo que d.C. - “depois de Cristo”). Este período
requer um estudo separado; não será tratado no presente curso.
II. A Igreja sob perseguição no Império Romano - das primeiras perseguições até o
primeiro imperador cristão, Constantino (100-311 AD).
III. Cristianismo em união com o Império Greco-Romano e no meio da turbulência
da grande migração de nações - de Constantino, o Grande, ao Papa Gregório I (311-590
AD).

Obs.: Estes três períodos podem ser designados como o período dos Apóstolos,
dos Mártires e os Imperadores Cristãos e dos Patriarcas.
B) História do Cristianismo Medieval

Vai de Gregório I à Reforma do século XVI (590-1517 AD). Devemos lembrar


que há várias teorias quanto ao início da Idade Média:

a. A partir de Constantino (311 AD).


b. Da queda de Roma Ocidental (476 AD).
c. De Gregório, o Grande (590 AD).
d. De Carlos Magno (800 AD).

Mas há um consenso comum quanto ao fim desta época: a Reforma Protestante


(1517 AD).
O historiador Philip Schaff considera Gregório, o Grande, como o ponto de partida
para a divisão da história eclesiástica medieval. Com Gregório começa, em realidade, e
com sucesso decisivo, a conversão das tribos bárbaras, o desenvolvimento do governo
papal absoluto e a alienação ou separação das Igrejas Oriental e Ocidental.

O caráter distintivo da Idade Média:

O grande trabalho da igreja foi então a conversão e educação das tribos bárbaras
pagãs, que conquistaram e demoliram o Império Romano, mas que, em verdade, foram
conquistadas e transformadas pelo Cristianismo. Esta obra foi efetuada especialmente
pela Igreja Latina, sob a firme constituição hierárquica que culminou no bispo de Roma.
No crescimento e decadência da hierarquia romana, há três papas que se
destacam como representantes de três épocas:
• Gregório I (590 AD) - marca o surgimento do governo papal absoluto.
• Gregório VII, ou Hildebrando (1073 AD) - seu apogeu.
• Bonifácio VIII (1294 AD) - sua decadência.

C) História do Cristianismo Moderno


Vai da Reforma do século XVI até o presente. É a era do Protestantismo em
conflito com o Catolicismo Romano, da liberdade religiosa e independência em conflito
com o princípio de autoridade e tutelagem, do Cristianismo individual e pessoal em luta
com um sistema eclesiástico tradicional e objetivo.
Três diferentes períodos aparecem outra vez, e que podem ser designados pelos
termos: REFORMA

- REVOLUÇÃO - REAVIVAMENTO.

a. A Reforma Evangélica e a Contra-Reforma (ou a reação da Igreja de Roma) - de Lutero


ao Tratado de Westfalia (1517-1643 AD).
b. A era da polêmica ortodoxa - do Tratado de Westfalia à Revolução Francesa (1643-
1790 AD).
c. A propagação da infidelidade e descrença e o reavivamento do Cristianismo na Europa
e na América, com esforços missionários circulando o globo - da Revolução Francesa ao
presente.
RETROSPECTO E PROSPECTO

Durante esta longa sucessão de séculos, o Cristianismo tem sobrevivido à


destruição de Jerusalém, à dissolução do Império Romano, às violentas perseguições de
fora e às corrupções heréticas de dentro, às invasões bárbaras, à confusão da Idade Escura,
à tirania papal, à incredulidade, à devastação das revoluções, aos ataques inimigos, ao
surgimento e queda de reinos, impérios e repúblicas, sistemas filosóficos e organizações
sociais.
E ainda vive, e vive com maior força e mais ampla do que nunca; controlando o
progresso das civilizações e o destino do mundo; marchando imperturbável sobre as
ruínas da sabedoria e loucura do homem, sempre para frente e para o alvo; disseminando
e partilhando silenciosamente suas bênçãos celestiais de geração em geração, de um país
a outro, até os confins da Terra.
Denominações e seitas, formas de doutrinas, de governo eclesiástico e de culto,
tendo servido a seu propósito, podem desaparecer seguindo o caminho de toda carne; mas
a Igreja de Cristo, em sua substância e vida divina, é demasiadamente forte para as portas
do inferno.
E a Igreja Remanescente de Deus trocará apenas suas vestes terrestres pelas vestes
festivas da noiva do Cordeiro, e levantar-se-á do seu estado de humilhação para o estado
de exaltação e glória celestial.
E então, na vinda de Cristo, a Igreja colherá a seara final da história, e como Igreja
triunfante celebrará por toda a eternidade o sábado de descanso e paz. Este será o fim
infindável da história da Igreja de Deus. Preparemo-nos para este evento glorioso.

A IGREJA EM CHOQUE COM O MUNDO GRECO


ROMANO
A Revolta dos Judeus e a Destruição de Jerusalém

Em maio de 66 AD, irrompeu na Palestina uma rebelião organizada contra os


romanos. Desafiar Roma sem um único aliado era desafiar o mundo sem armas, mas o
fanatismo religioso, inspirado pela memória dos heróicos empreendimentos dos
Macabeus, cegou completamente os judeus e não puderam perceber o inevitável fracasso
desta revolta louca e desesperada.
Nero, sendo informado da rebelião, enviou à Palestina seu mais famoso general,
Vespasiano, que invadiu a Palestina em 67 AD, com um exército de 70.000 homens. Mas
os acontecimentos em Roma impediram-no de completar a vitória: Nero suicidou-se.
Vespasiano retorna a Roma. Os imperadores Galba, Oto e Vitélio sucedem-se
rapidamente no trono.
Aclamado imperador, Tito (filho de Vespasiano) assume o comando das forças
romanas na Palestina. Em Abril de 70 AD, imediatamente após a Páscoa, Tito sitiou
Jerusalém, que estava repleta de estrangeiros e visitantes. Centenas de judeus prisioneiros
foram crucificados (500 num só dia).
Finalmente, em julho, a cidade foi tomada, o templo destruído e queimado, e o
último e mais sangrento sacrifício teve lugar junto ao altar de ofertas queimadas, quando
milhares de judeus foram imolados diante dele. A conquista da Palestina resultou também
na destruição da comunidade judaica.
Efeitos da destruição de Jerusalém sobre a Igreja Cristã

Os cristãos de Jerusalém, lembrando-se da admoestação do Senhor (cf. Mateus


24), abandonaram a cidade e "fugiram para um lugar de segurança: a cidade de Pela, na
Peréia, além do Jordão". Nenhum cristão pereceu na destruição de Jerusalém.
A destruição de Jerusalém foi a maior das calamidades para os judeus e um grande
benefício para o Cristianismo; a impugnação de um e a emancipação do outro, e também
a sua vindicação. Não somente deu um poderoso impulso à fé cristã, mas ao mesmo tempo
marcou uma época distinta na história da relação entre as duas religiões.
O povo peculiar foi “rejeitado” por causa de sua obstinada rejeição do Messias
(Dan. 9:24-26); a teocracia mosaica também foi destruída, e cortadas as cordas que
ligavam a nova Igreja à economia exterior do Velho Concerto e a Jerusalém como o seu
centro.
Daí em diante os pagãos não poderiam olhar para o Cristianismo como uma mera
seita do Judaísmo, mas teriam de considerá-lo como uma religião nova e peculiar.
A destruição de Jerusalém, portanto, marca aquele momento crítico no qual a
Igreja Cristã como um todo irrompe para sempre da crisálida do Judaísmo, desperta para
o senso de sua maturidade e, na forma de governo e culto, toma sua posição independente
perante o mundo.
Os cristãos aparecem agora como os filhos espirituais de Abraão, o fruto sazonado
do AT, ou seja, do Velho Concerto; o início e o fundamento de uma nova criação e a
semente viva do Novo Concerto.

Perseguições Religiosas - Causas

O tempo exato em que os romanos se deram conta do surgimento do Cristianismo como


uma nova religião não pode ser fixado com precisão. Tácito, em seu relato do incêndio
de Roma em 64 AD, supôs que já eram conhecidos como sendo um grupo distinto. O que
é certo é que por volta do ano 60 AD o Cristianismo havia emergido no Império Romano
como uma nova religião. Como já observado, a destruição de Jerusalém e a dispersão dos
Cristãos contribuíram definitivamente para esta separação entre Judeus e Cristãos. Tal
distinção trouxe consigo uma grande diferença no tratamento dispensado aos Cristãos
contra os judeus. Até então Roma aparecia sempre como protetora dos cristãos contra os
judeus. A partir de então tornou-se a grande perseguidora.
Mudança tal deve-se à política religiosa de Roma. O princípio normal através da
Antigüidade era que o Estado só poderia prosperar mediante os favores dos deuses.
Hostilidades e guerras entre os povos eram considerados como hostilidades e guerras
entre os deuses. O Estado seria sábio, portanto, em manter um entendimento cordial com
os poderes dos céus. Roma, ao conquistar os povos, não desejava alienar seus deuses e,
em certos casos, chegou mesmo a adotar os deuses dos povos conquistados. Mas tornou-
se norma fazer certas discriminações. Religiões antigas foram autorizadas e reconhecidas,
novas religiões não receberam o reconhecimento, embora não houvesse lei que fizesse
distinção explícita entre "religiones licitae et illicitae" (religiões lícitas e ilícitas). O
Judaísmo era uma das religiões lícitas reconhecidas. Mas o Cristianismo, se não fosse
Judaísmo, não seria reconhecido, sendo sujeito, portanto, às medidas da lei.
De início, as bases sobre as quais o governo justificou a sua interferência na nova
religião não eram muito definidas. Nero, por exemplo, acusou os cristãos de
"incendiários". E Tácito informa que a perseguição continuou, menos baseada na
acusação de Nero do que na acusação de que os Cristãos eram inimigos da raça humana
("odium generis humani"), acusação esta dirigida contra os feiticeiros.
A primeira evidência clara sobre o assunto é fornecida por uma carta de Plínio,
procônsul na Bitínia, endereçada ao Imperador Trajano, por volta de 112 AD:

"Plínio ao Imperador... Eu nunca estive presente a um julgamento de Cristãos.


Por essa razão não sei o que perguntar e que, ou quanto, castigo aplicar... Eu tenho
tomado o seguinte procedimento com aqueles que me são denunciados como Cristãos.
Pergunto-lhes se são Cristãos. Se confessam, pergunto-lhes a segunda e terceira vez, com
ameaças de castigo e punições. Se persistem, ordeno sua execução, pois não duvido que
o que quer que seja que professem, certamente sua obstinação e teimosia merecem
punição.
Aqueles que negam... e diante de mim suplicam e queimam incenso e derramam
vinho diante de tua imagem, que ordenei fosse colocada entre as duas estátuas dos
deuses, especialmente quando amaldiçoam a Cristo, o que aqueles que são realmente
Cristãos jamais podem ser forçados a fazer, eu os ponho em liberdade."

A carta de Plínio deixa claro que a única ofensa pela qual os Cristãos eram mortos
era a recusa de adorar o Imperador. Assim o culto imperial tornara-se o foco da
perseguição. Este culto significava muito para Roma como um dispositivo para assegurar
uniformidade religiosa através do Império.
Quando Calígula, em 41 AD, anunciou que erigiria sua estátua dentro do Templo
de Jerusalém para ser adorada, os judeus estavam a ponto de uma revolução. Calígula foi
assassinado antes que pudesse executar seu propósito. Daí em diante, por consentimento
implícito, os judeus ficaram isentos das exigências de culto ao Imperador. O monoteísmo
do Judaísmo vencera em sua recusa de deificar o Imperador.
Se o Cristianismo fosse Judaísmo, poderia então usufruir os benefícios de
semelhante isenção, mas sendo uma nova religião, a morte era sua penalidade pela recusa
de adorar o Imperador.
O culto a Cristo e o culto a César eram incompatíveis - "Cristo é o Senhor". Não
só o Deus do Céu e da Terra, mas um malfeitor crucificado por um governador romano é
declarado ter maior autoridade do que o Imperador romano?! E a religião Cristã crescia e
fazia milhares de adeptos entre os gentios. Se continuasse, subverteria a maior parte da
população. Se os Cristãos continuassem rejeitando o culto imperial, as autoridades
governamentais teriam de se confrontar com uma das três alternativas:

• exterminar os Cristãos;
• abandonar o culto imperial e secularizar o Estado;
• fazer do Cristianismo a religião oficial do Estado.

Nos dias de Plínio a situação não estava claramente definida ainda, e ele julgava
poder contornar a ameaça. Ele encontrou nos Cristãos uma obstinação inflexível em sua
adesão a uma superstição depravada. Ele notou que alguns haviam abandonado o
Cristianismo há uns 20 anos atrás. As medidas que tomara provaram-se instrumentais
no reavivamento do paganismo.

A não conformidade dos Cristãos não poderia ser tolerada se fosse do


conhecimento público, mas o assunto não era suficientemente grave para garantir a busca
dos elementos subversivos.
A orientação anunciada por Trajano continuou a governar o procedimento de
Roma durante o segundo século. E a perseguição não era sistemática, e sim esporádica,
dirigida especialmente contra os líderes da Igreja e não contra as congregações de modo
geral.
É surpreendente observar que Inácio, de caminho para Roma (vindo de
Antioquia), onde seria devorado pelas feras, pôde comunicar-se com Policarpo, bispo de
Esmirna (veja mais sobre ele adiante), e visitar as Igrejas. Policarpo continuou em
liberdade e só quarenta anos mais tarde é que foi também martirizado.

Domiciano (81-96 AD)

Durante o seu reinado a situação tornou-se grave para os Cristãos. Excetuando-se


Nero e Calígula, os Imperadores haviam tradicionalmente desencorajado seus súditos de
se entusiasmarem excessivamente com a prática de prestarem-lhe honras divinas.
Domiciano, no entanto, tomou posição contrária, estilizando-se como "Senhor e
Deus", e inclinando- se a olhar com suspeita de traição àqueles que pareciam desprezar o
seu culto.
O juramento pelo "gênio do Imperador" tornou-se oficialmente obrigatório. E
vários romanos que simpatizavam com o Judaísmo (provavelmente o Cristianismo) foram
acusados de idolatria. Tito Flávio Clemente, cônsul em 95 AD, e sua esposa Domitila,
foram acusados de ateísmo.
"E no ano (96 AD) Domiciano matou entre muitos outros a Flávio Clemente...
embora fosse seu próprio primo e tivesse por mulher sua parenta, Flávia Domitila. Na
terrível perseguição que se seguiu, o apóstolo João muito fez para confirmar e fortalecer
a fé dos crentes... João foi por conseguinte convocado a Roma para ser julgado por sua
fé. Falsas testemunhas acusaram-no de ensinar sediciosas heresias. O Imperador
Domiciano estava cheio de ira... determinou fazer silenciar sua voz. João foi lançado
dentro de um caldeirão de óleo fervente... Por decreto do Imperador foi João banido
para a ilha de Patmos."

Trajano (98-117 AD)

Como foi visto na correspondência de Plínio, Trajano não desejava fazer do culto
do Imperador um teste de lealdade ou compromisso compulsório. Mas a principal
pergunta de Plínio - se a mera profissão de Cristianismo era em si mesma um crime -
Trajano deixou sem resposta.
Trajano ordenou a Plínio que não fosse à procura de elementos subversivos nem
aceitasse acusações anônimas em qualquer processo criminal. Decisão mais branda do
que se poderia esperar de um imperador romano. Mas Tertuliano acusa-o de auto-
contradição (ao mesmo tempo clemente e cruel), proibindo a caça aos Cristãos e
ordenando a execução deles, declarando assim que eram inocentes e culpados ao mesmo
tempo. Trajano adotou a política de que os Cristãos seriam eliminados mais depressa se
fossem ignorados. Assim, ignorava-os tanto quanto lhe era possível.
Síria e Palestina sofreram pesada perseguição em seu reinado.
Inácio, bispo de Antioquia, foi condenado à morte, levado para Roma e lançado
às feras no Coliseu (116 AD). Inácio, de caminho para Roma, dava instruções para que
não tentassem impedir seu martírio. "Permiti que me venham fogo e cruz e conflito com
feras, o arrancar de ossos, o dilacerar dos membros, o esmagar de todo o corpo, terríveis
tormentas do diabo, a fim de que eu possa alcançar a Cristo" (OBS.: Começava a
desenvolver-se entre os Cristãos a idéia da salvação mediante o sacrifício e o martírio.
Inácio estava sedento por tornar-se um dos mártires da cruz).
Adriano (117-138 AD)

Brilhante e bem educado, o mais hábil dentre os imperadores romanos, parece ter
visado traçar uma clara distinção entre Judeus e Cristãos, em favor destes.
Numa carta escrita a Minúcio Fundano, procônsul da Ásia, cerca de 124-125 AD,
Adriano ordenou que um Cristão deveria ser acusado de crimes definidos sob processo
legal antes de ser condenado, e se a acusação fosse falsa, o Cristão teria o direito de
processar o caluniador.
Não obstante, semelhante a Trajano, ele considerava a mera profissão de
Cristianismo transgressão suficiente para receber a punição da lei.
Adriano odiava os judeus. Em 129 AD passou pela Palestina em caminho para o
Egito. Parece haver prometido aos líderes judeus que lhes seria permitido regressar para
Jerusalém. No entanto, por qualquer razão, em lugar de cumprir sua promessa, mandou
reconstruir Jerusalém como uma cidade totalmente pagã e pretendia dar-lhe o nome de
Aelia Capitolina.
O descontentamento fervia lentamente até que explodiu em 132 AD numa série
de guerrilhas dirigidas contra guarnições romanas. Um judeu chamado Bar Kochba
declarou sua independência de Roma, cunhando sua própria moeda e instituindo um novo
período social. Um outro líder judeus chamado Akiba e seus amigos uniram-se a ele,
aceitando-o como Filho da Alva e Messias.
Roma ganhou o controle da situação, e por volta de 135 AD, 985 vilas tinham sido
destruídas. Akiba sofreu o martírio e as esperanças apocalípticas dos judeus feneceram
com ele. Os Cristãos não apoiaram Bar Kochba. Em realidade, foram perseguidos por ele.
Justino, o Mártir, faz menção deste fato em sua Apologia I.31: "Bar Kochba, o líder da
revolta dos judeus, que deu ordens que só os 'cristãos' fossem submetidos a castigos e
punições cruéis, a não ser que negassem a Jesus Cristo e blasfemassem”.
As Apologias Cristãs deste período (de Quadrato e Aristides) mostram o estado
de exaltação pública contra os Cristãos e a condição crítica da Igreja. O menor
encorajamento da parte de Adriano seria suficiente para desencadear a mais sangrenta
perseguição.
Quadrato e Aristides endereçaram suas súplicas a Adriano em favor de seus
companheiros Cristãos nos seguintes termos: "Eles não cometem adultério nem
fornicação, não dão falsos testemunhos, não negam garantia de pagamento, nem
cobiçam propriedades alheias; honram o pai e a mãe e amam a seus vizinhos; julgam
corretamente e não adoram ídolos na forma de homem... Verdadeiramente este povo é
um novo povo, e algo de divino há misturado neles".
Durante seu reinado foram martirizados os bispos de Roma - Alexandre e
Telêsforo -, Sto. Eustáquio e Sta. Sinforosa e seus sete filhos.

Antônio Pio (138-161 AD)


Quieto, não agressivo, jamais saiu do ambiente de Roma. Protegia os Cristãos
contra a violência tumultuosa que irrompia contra eles por causa das freqüentes
calamidades públicas.
Em seu reinado, Policarpo, bispo de Esmirna, sofreu o martírio (155/156 AD).
Policarpo fora amigo pessoal e discípulo do apóstolo João, o principal presbítero da igreja
de Esmirna e professor de Irineu de Lião. Deste modo, é ele o elo de ligação entre as eras
apostólica e pós-apostólica. Tendo sido executado em 155 AD, com a idade de 86 anos,
deve ter nascido em 69 AD, antes da destruição de Jerusalém e deve ter usufruído de
estreito companheirismo com o apóstolo por vários anos. Isto dá valor adicional ao seu
testemunho concernente à tradição e escritos apostólicos. A morte desta última
testemunha da era apostólica reprimiu a fúria da multidão, e o procônsul Estácio Quadrato
suspendeu a perseguição.
A Carta a Diogneto (ca. 150 AD) fala acerca dos Cristãos serem "condenados e
perseguidos por todos os homens". Na década de 150-160 AD, os provinciais parecem
haver decidido que os Cristãos ortodoxos, por recusarem adorar os deuses, eram
responsáveis por todas as calamidades públicas, tais como fomes, pragas, terremotos,
inundações, etc., e, em adição a isto, eram acusados de canibalismo (por causa da Santa-
Ceia), incesto e magia negra, males sujeitos a atraírem a ira divina sobre as comunidades
que os permitissem.
Para citar uma passagem bem conhecida de Tertuliano, escrita em Cartago uns
trinta anos depois: "Se o Tibre alcança os muros, se o Nilo não atinge os campos, se o
céu não se move, se há fome, se há praga, o clamor é um só: 'Os Cristãos aos leões'".

Marco Aurélio (161-180 AD)


Era “o filósofo no trono”. Justo, amável, bondoso, alcançou o antigo ideal romano
da auto-confiante virtude estóica, mas por esta mesma razão não podia simpatizar com o
Cristianismo, considerando-o provavelmente como uma superstição fanática e absurda.
Muitas Apologias (textos com argumentos de defesa) lhe foram dirigidas em favor
dos Cristãos, mas Marco Aurélio fez ouvidos moucos a todas elas. Uma só vez, em suas
Meditações, ele faz alusão aos Cristãos, e mesmo assim desdenhosamente, traçando o
nobre entusiasmo cristão pelo martírio como "pura obstinação" e amor por exibição
teatral. Sua escusa é a ignorância. Provavelmente jamais leu uma só linha do Novo
Testamento, nem das Apologias que lhe foram enviadas.
Seu reinado foi um tempo turbulento para a Igreja, embora as perseguições não
possam ser atribuídas diretamente a ele. A lei de Trajano era suficiente para justificar as
mais severas medidas contra os adeptos da "religião ilícita" – o Cristianismo.
Cerca do ano 170 AD o apologista Militão escreveu: "A raça dos adoradores de
Deus na Ásia é agora perseguida por novos editos como nunca fora; vergonhosamente,
gananciosos e bajuladores, encontrando ocasiões nos editos, saqueiam os inocentes dia
e noite".
O Império fora visitado por este tempo por um número de conflagrações: uma
destruidora inundação do rio Tibre, um terremoto e a pestilência que se espalhou deste a
Etiópia à Gália. Isto deu lugar a perseguições sanguinolentas. O governo e o povo uniram-
se contra os inimigos dos deuses e supostos autores destes infortúnios – os cristãos.
Justino, o Mártir (165/166 AD), vítima da malevolência, inveja e maquinações de
um filósofo cínico chamado Crescêncio, foi condenado a ser flagelado e decapitado em
Roma.
igrejas de Lião e Viena, no sul da França, sofreram terríveis perseguições.
Escravos pagãos foram forçados pela tortura a declararem que seus senhores eram
culpados de incesto e canibalismo, exatamente como a multidão suspeitava.
Uma das mais notáveis vítimas desta perseguição fora o bispo Fotino, que, aos 90
anos de idade, convalescendo de uma enfermidade, após haver sido submetido a toda
sorte de abusos, foi lançado numa masmorra, onde morreu em dois dias.
Finalmente, a turba se cansou de tantas chacinas e um considerável número de Cristãos
sobreviveu.
Décio Trajano (249-251 AD)

Imperador enérgico, em quem o antigo espírito romano reviveu mais uma vez,
resolveu exterminar a Igreja como uma seita ateísta e sediciosa.
No ano 250 AD promulgou um edito a todos os governadores das províncias, exigindo
retorno à religião pagã do Estado, sob pena de pesadas responsabilidades. Este foi o sinal
para uma perseguição que, sob todos os aspectos - extensão, crueldade, consistência -
excedeu a todas que a precederam. Em realidade, foi a primeira perseguição que cobriu
todo o Império.
que um sacrifício geral e súplicas fossem oferecidos aos deuses por todos os
cidadãos do Império. Em cada localidade havia uma comissão designada a supervisionar
os sacrifícios e expedir um certificado de paz (chamado de libelli pacis) a todo aquele
que satisfizesse a exigência legal.
Multidões de Cristãos nominais (que diziam seguir a Cristo, mas que não tinham fé
verdadeira) acovardaram-se em face do perigo e buscaram por todos os meios conseguir
o "libelli pacis", sacrificando aos deuses ou comprando dos magistrados um certificado
falso. Estes foram excomungados pelas igrejas como apóstatas.
Porém, centenas de Cristãos correram para as prisões e tribunais para obter a
coroa de confessores ou mártires.

Valeriano (253-260 AD)


Inicialmente ele era favorável aos Cristãos. Seu palácio foi chamado "A Igreja de
Deus". Mas em 257 AD mudou seu curso de ação.
Seu primeiro edito (257 AD) proibia os Cristãos de realizarem seus cultos ou
entrar em seus cemitérios; de outro modo, não deviam ser molestados.
No início de Agosto de 258, um escrito foi recebido em Roma ordenando que os
bispos, presbíteros e diáconos fossem punidos com morte.
Na África, Cipriano é trazido de volta a Cartago e lhe é oferecida uma chance para
retratar-se de sua fé. Recusou-se e, em 14 de Setembro de 258, tornou-se o primeiro bispo
mártir da África.
Valeriano foi aprisionado em 260 AD numa guerra contra os persas. Galiano (260-
268 AD)
Deu paz à Igreja, e chegou mesmo a reconhecer o Cristianismo como "religião
lícita". Esta calma continuou por quarenta anos.

Diocleciano (284-305 AD)

Os quarenta anos de paz foram seguidos pela última e maior perseguição, e a mais
violenta de todas.
Diocleciano associou consigo a três co-regentes subordinados:

a. Maximiano
b. Galério
c. Constâncio Cloro (pai de Constantino)

Durante os primeiros vinte anos de seu reinado, Diocleciano respeitou o edito de


tolerância de Galiano. Sua própria esposa, Prisca, sua filha Valéria, muitos de seus oficiais
e funcionários públicos eram Cristãos ou favoráveis ao Cristianismo.
Ele era pagão e um supersticioso déspota oriental. Semelhante a Aureliano e
Domiciano, reclamou honras divinas para si mesmo, como o “Vigário de Júpiter
Capitolino”.
Instigado por seu genro Galério, co-regente cruel e fanático, Diocleciano
promulgou em 303 AD três decretos, em rápida sucessão cada um mais severo que o
anterior.
Maximiano promulgou um 4º edito, o pior de todos, em 30 de Abril de 304 AD.
O pretexto para medidas tão severas foi o fato de o palácio residencial de
Diocleciano na Nicomédia, na Bitínia, ter sido incendiado por duas vezes. Lactôncio
acusou a Galério de incendiário que, como um segundo Nero, pôs em perigo o palácio
com o propósito de jogar a culpa nos inocentes cristãos.
A perseguição teve seu início a 23 de Fevereiro de 303 AD, com a destruição da
magnificente igreja da Nicomédia, e rapidamente se espalhou por todo o Império, exceto
Gália, Espanha e Bretanha, onde o co- regente Constâncio Cloro, e especialmente seu
filho, Constantino, o Grande (a partir de 306 AD), estavam dispostos a poupar os cristãos.
Mesmo assim, muitas igrejas foram destruídas, e a tradição posterior afirma a existência
de muitos mártires na região nesse período.
A perseguição foi mais cruel e durou mais tempo no Oriente, sob o reinado de
Galério e de seu sobrinho Maximino Dazza, que recebera de Diocleciano a dignidade de
César e o alto comando da Síria e do Egito.
Em 308 AD foi promulgado um quinto edito de perseguição por Maximiano, que
exigia que todos os homens, com suas esposas e filhos, sacrificassem aos ídolos e, em
realidade, provassem da oferta, e que toda a provisão do mercado fosse espargida com o
vinho sacrifical. Esta lei monstruosa inaugurou um reinado de terror por dois anos,
deixando diante dos cristãos as 2 alternativas: apostasia ou morte por fome.
Nesta perseguição, como nas anteriores, o número dos apóstatas que preferiram a
vida terrena à celestial, foi bastante grande. A estes, acrescentou-se agora uma nova
classe, a dos "traditores" (traidores), que entregavam as Escrituras Sagradas para serem
queimadas.
Por outro lado, enquanto a perseguição assolava, o zelo e a fidelidade dos cristãos
fiéis aumentavam, e o martírio se espalhou como por contágio. Em muitos, o heroísmo
da fé degenerou-se num fanático cortejo à morte; confessores eram quase adorados
enquanto ainda viviam, e o ódio contra os apóstatas perturbou e dividiu muitas
congregações e deu origem ao cisma donatista e meliciano.

Os Editos de Tolerância

A perseguição de 303-313 d.C. foi o último e desesperado esforço do paganismo


romano por sua vida. Foi a crise de completa extinção ou de absoluta supremacia para
cada uma das duas religiões - paganismo e cristianismo. No final de tremenda disputa, a
antiga religião oficial do Império Romano pagão estava exausta – o cristianismo vencera.
Diocleciano afastou-se da vida pública em 305 AD, amaldiçoado pelos cristãos;
encontrou mais prazer plantando e cultivando repolho em Salona, na sua nativa Dalmácia,
do que em governar um vasto Império.
Galério, o real autor da perseguição, atacado em Abril de 311 d.C. por terrível
enfermidade, provavelmente câncer dos intestinos, foi compelido a mudar sua tática
política e religiosa.
Enquanto estava em Sárdica (Sofia), Licínio, que fora honrado com o título de
Augusto por Galério em 308 AD, visita-o e consegue dele um edito de tolerância para os
cristãos, publicado em Nicomédia em 311 AD, em comum acordo com Constantino e
Licínio.
"Em consideração à nossa mais indulgente clemência,... pensamos ser correto
oferecer nossa imediata indulgência. Cristãos podem existir outra vez, e estabelecer
suas casas de reuniões, sob a consideração de que nada façam que seja contrário à
disciplina. É seu dever orar a seus deuses por nosso bem-estar e deles, para que a
comunidade possa existir e perdurar em toda a parte, imperturbada e incólume, a fim
de que possam viver seguramente em suas habitações".
Esta tolerância foi oferecida em troca de preces à sua saúde. O privilégio que fora
assegurado ao antigo Israel por Roma desde o primeiro século é agora concedido ao novo
Israel. A Galério o edito de nada valeu, pois morreu uma semana mais tarde, a 5 de Maio
de 311. Este edito virtualmente colocou fim ao período de perseguição no Império
Romano.
Maximino Dazza, chamado por Eusébio de "principal dos tiranos", em seu
domínio nas províncias asiáticas, aceitou de início a política de tolerância religiosa, mas
antes do fim de 311 começou a contrariá-la.
Muitas cidades foram induzidas a solicitar a expulsão dos Cristãos de suas
fronteiras, e isso foi executado prontamente. Na Itália, Maxêncio também continuou a
perseguir os cristãos.

Constantino

Aclamado no Ocidente, em 306 AD torna-se imperador da Gália, Espanha e


Bretanha. Ele fora criado na corte de Diocleciano, na Nicomédia, e destinado a ser o
sucessor deste, mas fugiu das intrigas de Galério para a Bretanha, ao encontro de seu pai,
Constâncio Cloro, que estava enfermo. Lá foi apontado por seu pai e aclamado pelo
exército como seu sucessor. Constantino cruzou os Alpes e, sob a bandeira da cruz,
derrotou Maxêncio na ponte Mílvia, próxima de Roma, e o tirano pagão pereceu nas águas
do rio Tibre, em 27 de Outubro de 312 AD.

O Edito de Milão
Pouco mais tarde (313 AD), Constantino reuniu-se com seu co-regente e cunhado Licínio,
e promulgou um novo edito de tolerância em Milão, ao qual Maximino (pouco antes de
seu suicídio) foi forçado também a adotar na Nicomédia.
O Edito de Milão foi além do primeiro edito de Galério: foi o passo decisivo de
uma neutralidade hostil a uma neutralidade amiga e protetora, e preparou também o
caminho para o reconhecimento legal do cristianismo como a religião oficial do Império.
Ordenou que todas as propriedades da Igreja que foram confiscadas fossem agora
restituídas ao Corpus Christianorum, às expensas do tesouro imperial, e incumbiu os
magistrados provinciais a executarem sem demora e com toda a energia o mandato, para
que a paz fosse totalmente estabelecida e o favor divino fosse assegurado ao imperador e
seus súditos.
Desafortunadamente, os sucessores de Constantino, a partir de Teodósio, o
Grande (383-395), impuseram a religião cristã e a exclusão de qualquer outra, e, não
satisfeitos com isso, compeliram a ortodoxia à exclusão de toda forma dissidente, que foi
punida como um crime contra o Estado.
Licínio rompeu com Constantino e renovou a perseguição no Oriente, mas foi
derrotado por Constantino, em 323, que a partir daí se tornou o único imperador do
Império.
Com Constantino inicia-se um novo império. A Igreja ascende ao trono dos
Césares. Esta rápida revolução política e social é algo extraordinário e, no entanto, é
somente o resultado legítimo da revolução intelectual e moral que o Cristianismo, desde
o segundo século, havia silenciosa e imperceptivelmente, implantado na opinião pública.
A própria violência da perseguição de Diocleciano traía a fraqueza interior do paganismo.
A minoria cristã, com suas idéias e filosofias, já controlava a profunda corrente da
história.
Constantino, estadista sagaz, viu os sinais dos tempos e os seguiu. O lema de sua
política é bem simbolizado em seu estandarte militar na inscrição: "In Hoc Signo Vinces"
("Por este sinal vencerás").

SUMÁRIO DAS OBJEÇÕES AO CRISTIANISMO


1. Contra Cristo: Seu nascimento ilegítimo, Sua associação com os pobres e iletrados
pescadores e rudes publicanos, Sua forma de servo e Sua ignominiosa morte.

2. Contra o Cristianismo: Sua novidade, sua origem estranha e inculta, sua falta de base
nacional, o alegado absurdo de alguns de seus fatos e doutrinas, especialmente
regeneração e ressurreição, a contradição entre o VT e NT, entre os Evangelhos, entre
Paulo e Pedro, e a demanda por uma fé irracional e cega.

3. Contra os Cristãos: Ateísmo ou ódio aos deuses, a adoração de um Malfeitor


crucificado, pobreza e falta de cultura e posição, desejo de inovação, falta de patriotismo,
seriedade melancólica, credulidade, superstição, fanatismo e práticas imorais.

ORGANIZAÇÃO E DISCIPLINA DA IGREJA


Na organização externa da igreja, várias mudanças importantes aparecem no
período compreendido pelos quatro primeiros séculos depois de Cristo. A distinção entre
clérigos e leigos (o ponto de vista sacerdotal do ministério) torna-se proeminente e fixo.
Multiplicam-se os oficiais subordinados.
Surge o episcopado.
Os inícios da supremacia romana começam a aparecer.
Desenvolve-se a unidade da Igreja Católica, em oposição a heréticos e cismáticos.
A organização apostólica do primeiro século cede lugar ao sistema episcopal católico e
este, por sua vez, passa para o sistema metropolitano e, após o quarto século, para o
sistema patriarcal.
A Igreja Grega parou aí e é governada até hoje por uma hierarquia oligárquica de
Patriarcas iguais em posição e jurisdição; enquanto que a Igreja Latina foi um passo além
e produziu a monarquia papal.
Aparecem os primeiros germes do papado, particularmente em Cipriano, juntamente com
o protesto contra ele. O próprio Cipriano é tanto uma testemunha em favor da primazia
consolidada, quanto por um episcopado independente, daí ser ele freqüentemente usado
e abusado para propósitos sectários.
As características da hierarquia pré-Constantino (em distinção da hierarquia pós-
Constantino) são:
•Sua simplicidade;
• Sua espiritualidade;
• Sua independência de qualquer conexão com o poder político e esplendor
mundano.
Qualquer influência que a Igreja veio a adquirir ou exercer, nada devia ou
dependia do governo secular, que continuava indiferente ou positivamente hostil, até ao
Edito de tolerância e de proteção promulgado por Constantino (313 AD).
Tertuliano cria ser impossível um imperador cristão ou um cristão ser imperador;
e, mesmo após Constantino, os Donatistas (O Donatismo foi uma doutrina religiosa
cristã, considerada herética pelo catolicismo. Persistiu na África romanizada nos séculos
IV e V. O seu nome advém de dois bispos com o mesmo nome: Donato de Casa Nigra,
bispo da Numídia; e Donato, o Grande, bispo de Cartago) persistiram em seu ponto de
vista e lançavam contra os Católicos a memória dos tempos passados: "Que têm os
Cristãos a fazer com os reis? Que têm os bispos a fazer nos palácios?".
A consolidação da Igreja e sua compacta organização implicou em uma restrição
da liberdade individual, no interesse da ordem, e uma tentação para o abuso de autoridade.
Isto foi necessário em conseqüência da evidente diminuição dos dons espirituais, que
foram derramados em abundância extraordinária na era apostólica.
Tal consolidação e organização fez da Igreja uma poderosa república dentro do
Império Romano, e contribuiu muito para o seu sucesso final.

Clero e Laicidade
A idéia e instituição de um sacerdócio especial, distinto do corpo de leigos, com
a noção de sacrifícios e altar, passou imperceptivelmente das reminiscências e analogias
judaicas e pagãs para dentro da Igreja Cristã.
Embora o sacerdotalismo não apareça entre os erros dos judaizantes oponentes, o
sacerdócio levítico, com suas três ordens - sumo-sacerdote, sacerdote e levita - forneceu
uma analogia para o ministério tríplice de bispo, sacerdote e diácono.
Por sua vez, os gentios convertidos ao Cristianismo não conseguiram se emancipar
de suas tradicionais noções de sacerdócio, altar e sacrifício, nas quais sua religião anterior
pagã estava baseada.
Assim, a Igreja, sendo incapaz de ocupar o elevado ideal da era apostólica e, como
a iluminação pentecostal passou com a morte dos apóstolos, as antigas reminiscências
começaram a reafirmar-se.
Após o declínio gradual da extraordinária elevação espiritual da era apostólica, a
distinção de uma classe regular de mestres, separada dos leigos, tornou-se mais fixa e
proeminente.
A primeira evidência disto aparece em Santo Inácio que, em seu espírito altamente
episcopal, considera o clero o meio necessário de acesso das pessoas a Deus.
"Quem quer que esteja dentro do santuário (ou altar), é puro; mas aquele que
está fora do santuário não é puro; isto é, aquele que faz qualquer coisa sem bispo,
presbítero e diácono, não é puro de consciência".
Clemente de Roma, escrevendo à congregação de Corinto, traça um significativo paralelo
entre os ofícios cristãos e o sacerdócio levítico, e usa a expressão "leigo" (do grego laikos
antropos) como antitético a sumo-sacerdote, sacerdotes e levitas. Este paralelo contém o
início de todo o sistema sacerdotal. Tertuliano foi o primeiro a expressar e a defender
diretamente direitos sacerdotais para o ministério cristão, e chama-o "sacerdócio",
embora ele afirme também o sacerdócio universal de todos os crentes.
Cipriano vai um pouco além, e aplica todos os privilégios, deveres e
responsabilidades do sacerdócio de Aarão (aarônico) aos oficiais da igreja cristã,
chamando-os freqüentemente de sacerdotes e sacerdócio. Cipriano pode ser chamado o
pai da concepção sacerdotal do ministério cristão como uma agência mediadora entre
Deus e o homem. Durante o terceiro século tornou-se costume aplicar o termo "sacerdote"
direta e exclusivamente aos ministros cristãos, especialmente aos bispos.
De igual modo, o ministério todo, e só ele, foi chamado de "clero", nome que o
distinguia do povo ou "leigos". Assim, o termo "clero", que de início designava a sorte
pela qual um ofício era conferido a alguém (Atos 1:17, 25), depois o próprio ofício, mais
tarde a pessoa que exercia o cargo, foi transferido dos Cristãos em geral para os ministros
em particular (I Ped. 5:3). A admissão à ordem eclesiástica ou sacerdotal era efetuada
pela imposição solene das mãos. Nesta ordem havia três categorias ou "ordens maiores":

• Diaconato;
• Presbitério;
• Episcopado.

Abaixo destes vinham as "ordens menores", a partir da metade do terceiro século:


•Sub-diáconos - assistentes e representantes dos diáconos.
• Leitores - liam as Escrituras nas assembléias e eram responsáveis pelos livros da
igreja.
• Acólitos (coroinhas) - assistentes dos bispos nos seus deveres oficiais e
procissões.
• Exorcistas - expulsavam espíritos maus dos possessos e dos catecúmenos e
assistiam no batismo. Este poder era considerado um dom do Espírito.
• Chantres (diretores de coro) - responsáveis pela música litúrgica, salmos,
bênçãos e responsos.
• Sacristãos - zelavam pelos lugares de adoração, etc.

No que concerne às "ordens maiores", os diáconos elevaram-se em importância.


Além de cuidar dos pobres e doentes, eles batizavam, distribuíam o copo na ceia,
pronunciavam as orações na igreja, pregavam, tornaram-se conselheiros confidenciais,
legados e vigários dos bispos.
Os presbíteros, embora superiores aos diáconos, foram agora suplantados pelo
novo cargo do bispo, sobre quem centralizou-se todo o governo da igreja.
Assim encontramos, já no terceiro século, os fundamentos de uma hierarquia
completa. Era uma hierarquia, entretanto, somente de poder moral, sem qualquer espécie
de controle externo sobre a consciência.
Com a exaltação do clero, surgiu também a tendência de separá-lo dos negócios
seculares, e mesmo das relações sociais - casamento, por exemplo - e representá-lo,
mesmo externamente, como uma casta separada do povo, e devotada exclusivamente ao
serviço do santuário. Eles retiravam seu sustento do tesouro da igreja, que era suprido por
contribuições voluntárias e coletas semanais no domingo. Após o terceiro século foram
proibidos de se engajar em qualquer atividade secular. O celibato não era obrigatório, mas
opcional. Tertuliano, Gregório de Nissa, e outros distinguidos mestres da igreja eram
casados, embora teoricamente preferissem o celibato.
Com o crescimento desta distinção entre o clero e os leigos, entretanto, a idéia do
sacerdócio universal continuou a aparecer de tempos em tempos: em Irineu, por exemplo,
e entre os Montanistas, que permitiam às mulheres ensinar publicamente na igreja. Assim
Tertuliano, para quem "clero" e "leigo" eram expressões familiares, inquire, como o
campeão da reação montanística contra a hierarquia católica:
"Não somos nós sacerdotes leigos também?". Está escrito, continua ele, "Ele nos tem
feito reis e sacerdotes (Apo. 1:6). É a autoridade da igreja somente que fez a distinção
entre clero e leigos. Onde não há um colégio de ministros, você administra os
sacramentos, você batiza, você é um sacerdote. E onde há somente três de vocês, há uma
igreja, embora vocês sejam leigos. Pois cada um vive por sua própria fé, e não há
acepção de pessoas com Deus".
Tudo, portanto, que o clero considerava peculiar para ele só, Tertuliano reclamava
para os leigos como o privilégio sacerdotal comum de todos os Cristãos.

Origem do Episcopado

A forma episcopal de governo foi estabelecida na metade do segundo século. Mas


é inegável que o episcopado alcançou sua forma completa passo a passo. No período até
o terceiro século, devemos notar três estágios de desenvolvimento em conexão com os
nomes de Santo Inácio, na Síria (m. 115 AD), de Irineu, na Gália (m. 202 AD), e Cipriano,
norte da África (m. 258 AD).

1. Santo Inácio
Em Antioquia, um discípulo de João, segundo bispo daquela sé, autor das famosas
cartas ou epístolas de S. Inácio. Nessas cartas ele recomenda fortemente o episcopado,
que aparece pela primeira vez distinto do presbitério. S. Inácio é também o primeiro a
usar o termo "Igreja católica", como se o episcopado e catolicidade surgissem
simultaneamente. A essência dessas cartas (com exceção da carta aos romanos, na qual a
palavra bispo não aparece uma única vez), consiste de exortação à obediência aos bispos
da igreja contra as heresias judaicas e docetistas. Em sua opinião, Cristo é a invisível e
suprema cabeça da igreja, o grande bispo universal de todas as igrejas espalhadas na terra.
O bispo humano é o centro de unidade de uma congregação, e nela se encontra como o
vigário de Cristo e de Deus. O povo, portanto, deve obedecê-lo e não fazer coisa alguma
sem sua permissão. Apostatar-se do bispo significa apostatar-se de Cristo.

"Eu estarei em harmonia com aqueles que estão sujeitos ao bispo, e aos
presbíteros e aos diáconos".
"Exorto-vos a que façais todas as coisas em harmonia divina: o bispo presidindo
no lugar de Deus; e os presbíteros em lugar dos apóstolos. Sujeitai-vos ao bispo, como
Cristo em carne foi sujeito ao Pai e ao Espírito a fim de a união seja carnal, assim como
espiritual. Sem o bispo nada façais em relação à igreja, seja válida a eucaristia que é
oferecida pelo bispo ou por seu representante, alguém apontado pelo bispo. Onde estiver
o bispo, aí esteja o povo; assim como onde está Cristo, aí está a igreja católica. Sem o
bispo não é legal batizar ou administrar ou celebrar a festa do amor”.
"Aquele que honra o bispo será honrado por Deus; o que faz qualquer coisa sem
o conhecimento do bispo, serve ao diabo."
A peculiaridade do ponto de vista de Inácio é que o bispo aparece nele como o
“cabeça” e o centro de uma única congregação, e não como representante da igreja toda;
também o bispo é representante e vigário de Cristo, e não meramente sucessor dos
apóstolos. E finalmente, não há distinção de supremacia entre os bispos; todos são
vigários de Cristo.
Em resumo, o episcopado inaciano é congregacional, e não diocesano; uma
instituição nova, e não uma política estabelecida de origem apostólica.

2. Irineu

Em todos estes pontos, a idéia de episcopado em Irineu, o grande oponente do


Gnosticismo (ca.180 AD), é superior ou inferior.
Irineu representa a instituição como um ofício diocesano, como uma instituição do
apostolado, como o veículo da tradição católica, e a base e suporte da unidade doutrinal
em oposição às fantasias heréticas. Ele exalta os bispos das igrejas apostólicas originais,
acima de todas as igrejas de Roma, e fala com grande ênfase de uma sucessão ininterrupta
episcopal como um teste de ensino apostólico e um baluarte contra as heresias. Ao mesmo
tempo, a terminologia vaga de Irineu no uso dos termos "bispo" e "presbítero",
intercaladamente, mostra que a distinção entre as duas ordens não estava ainda fixada.

3. Tertuliano
Encontramos clara distinção entre bispo e presbítero, indicando assim o estado
mais avançado na política episcopal em seus dias (ca. 200 AD) - embora mais tarde
defenda o sacerdócio de todos os crentes.

4. Cipriano
Aqui o episcopado alcançou sua maturidade. Ele representa as pretensões do
episcopado em estreita conexão com a idéia de um sacerdócio especial e sacrifício.
Cipriano considera os bispos como portadores do Espírito Santo, que passou de
Cristo aos Apóstolos, destes aos bispos por ordenação, e propaga-se numa linha
ininterrupta de sucessão, e dá eficácia a todos os exercícios religiosos. Por esta razão, os
bispos são também as colunas de unidade da igreja; e, em certo sentido, eles são da igreja.
Assim ele se expressa: "O bispo está na igreja, e a igreja no bispo; se alguém não estiver
com o bispo, não está na igreja".

Sementes do Papado

Embora os bispos fossem iguais em sua dignidade e poder como sucessores dos
apóstolos, gradualmente caíram em diferentes classes, de acordo com a importância
política e eclesiástica de seus distritos e províncias.
No nível mais baixo encontravam-se os bispos das igrejas do interior. Eles
estavam entre os presbíteros e os bispos das cidades. Os bispos das cidades, os
metropolitanos, sobressaíram acima dos demais, pois eram bispos das cidades capitais
das províncias. Eles presidiam sobre os sínodos provinciais, e como "primus inter pares",
ordenavam os bispos das províncias.
Ainda mais antiga e mais importante é a distinção das igrejas apostólicas-mães,
tais como Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Éfeso, Corinto e Roma. Nos dias de Irineu
e Tertuliano estas igrejas eram altamente consideradas, sendo as principais portadoras e
preservadoras da verdadeira tradição apostólica.
Dentre estas, Antioquia, Alexandria e Roma, eram mais proeminentes, porque
eram respectivamente as capitais das três divisões do império romano, e centros de
intercâmbio e comércio, combinando com sua elevação política.
Entre os grandes bispos de Antioquia, Alexandria e Roma, o bispo romano
combinou todas as condições para a primazia, que, de uma distinção puramente honorária,
gradualmente se tornou a base de uma supremacia de jurisdição. A mesma tendência para
a unidade monárquica, que fez de cada episcopado um centro, primeiro de cada
congregação, depois de cada diocese, avançou em direção a um centro visível de toda a
igreja. Assim, primazia e episcopado desenvolveram-se juntos.
No período em estudo encontramos já os primeiros indícios do papado, e com ele
os primeiros exemplos de protesto contra os abusos de sua autoridade e poder. No período
Niceno o bispo de Jerusalém foi elevado à posição de um patriarca honorário, em vista
da antiguidade da igreja; a partir do 4º século, o novo patriarca de Constantinopla, a nova
Roma, tornou-se o primaz entre os patriarcas orientais, convertendo-se em um formidável
rival do bispo da velha Roma.

Ascendência de Roma

A igreja de Roma reclama não somente direito humano, mas divino, para o
papado, e traça sua instituição diretamente de Cristo, quando conferiu a Pedro uma
posição eminente na obra de fundação de Sua igreja. Esta pretensão implica em várias
suposições:

a. Que Pedro, por designação do Senhor, tinha não simplesmente uma primazia
de excelência pessoal, ou de honra e dignidade, mas também uma supremacia de
jurisdição sobre os outros apóstolos (que é contraditado pelo fato de que Pedro mesmo
nunca a reclamou e que Paulo mantinha uma posição de independência e mesmo
abertamente o repreendeu em Antioquia - Gál. 2:11).
b. Que os privilégios desta primazia e supremacia não são pessoais somente (como
os dons peculiares de Paulo ou João indubitavelmente foram), mas oficiais, hereditários
e transferíveis.
c. Que eles foram realmente transferidos por Pedro, não ao bispo de Jerusalém, ou
Antioquia (onde Pedro esteve), mas ao bispo de Roma.
d. Que Pedro não só esteve em Roma, mas aí serviu como bispo até seu martírio,
e apontou seu sucessor (não há evidências históricas para isso).
e. Que os bispos de Roma, como sucessores de Pedro, sempre gozaram e
exerceram jurisdição universal sobre a igreja cristã (isto não ocorreu de fato nem de
direito).

Influências Históricas que Favoreceram a Ascendência de Roma

1. A antiguidade da igreja de Roma, honrada por Paulo com uma das mais
importantes epístolas doutrinárias do NT, era a única igreja apostólica-mãe no ocidente
e, por isto, reverenciada pelas igrejas da Itália, Gália e Espanha.
2. Os labores, martírio e sepultamento de Paulo e Pedro em Roma, os dois
apóstolos líderes.
3. A preeminência política daquela metrópole do mundo, destinada a governar as
raças européias com o cetro da cruz, como governara com a espada.
4. A sabedoria executiva e o instinto católico ortodoxo da igreja de Roma, que se
fizeram sentir neste período nas três controvérsias quanto ao tempo da Páscoa, a disciplina
penitencial e a eficácia e validez do batismo herético.
5. A estas podem ser adicionadas, como causas secundárias, sua firmeza sob
perseguição e seu benevolente cuidado pelos irmãos sofredores, mesmo em lugares
distantes, como celebrado por Dionísio de Corinto (180 AD) e Eusébio.
6. Devido à sua posição metropolitana, ela cresceu em importância e influência
com a propagação da religião cristã no Império Romano. Roma tornou-se o campo de
batalha da ortodoxia contra as heresias e um refúgio de todas as seitas e partidos. Ela
atraía de todas as direções o que era verdadeiro e falso em filosofia e religião.

•Inácio - regozijava-se ante a possibilidade de sofrer por Cristo no centro do
mundo;
• Justino, o Mártir - apresentou lá sua defesa do Cristianismo aos imperadores;
• Irineu, Tertuliano e Cipriano concederam à igreja de Roma uma posição de
preeminência

Não surpreende, portanto, que os bispos de Roma fossem considerados como pastores
metropolitanos, e falasse e agissem com um ar de autoridade que ultrapassava as
fronteiras de sua diocese imediata.

Clemente de Roma
Na Carta de Clemente à igreja de Corinto, encontramos a primeira evidência de
exercício de um tipo de autoridade papal (fim do 1º século AD). A epístola foi enviada
em nome da igreja de Roma, e revelava certa autoridade da congregação romana sobre a
igreja de Corinto. A igreja de Roma, sem ser solicitada, dá conselhos, com sabedoria
administrativa superior, a uma importante igreja oriental, envia-lhe mensageiros e faz-lhe
exortações quanto à ordem e unidade, num tom de calma, dignidade e autoridade, como
um instrumento de Deus e do Espírito Santo. A epístola reprova a comunidade de Corinto
por permitir que presbíteros devidamente eleitos fossem depostos por alguns descontentes
mais novos.
Clemente é o primeiro a enunciar a idéia de sucessão apostólica dos oficiais da
igreja.
"Os apóstolos receberam o evangelho em nosso favor do Senhor Jesus Cristo;
Jesus, o Cristo, era enviado de Deus... e os apóstolos devem fazer a vontade de Deus. (...)
Assim, pregando nas cidades, eles (os apóstolos) apontaram seus primeiros conversos,
havendo-os provado pelo Espírito, para serem bispos e diáconos daqueles que criam."

Santo Inácio

Em sua Epístola aos Romanos, descreve a igreja de Roma como "presidindo no lugar da
região dos romanos e tomando a liderança em caridade". A igreja de Roma era, sem
dúvida, mais rica do que qualquer outra e sua liberalidade deve ter exercido grande
influência.
Irineu
Descreve a igreja de Roma como a maior e mais antiga, fundada por dois dos mais
ilustres apóstolos, Pedro e Paulo, com a qual, devido à sua mais importante procedência,
todas as demais igrejas devem unir-se.
Esta precedência deve ser compreendida como precedência em honra e não em
jurisdição, pois quando Vítor, bispo de Roma (ca. 190 AD), em arrogância e intolerância
hierárquica, interrompeu comunhão com as igrejas da Ásia Menor, simplesmente por
discordarem quanto à data da celebração da Páscoa, o mesmo Irineu reprovou-o
enfaticamente como um perturbador da paz da igreja, e declarou-se contra uma
uniformidade forçada em assuntos não essenciais. As igrejas asiáticas não se deixaram
intimidar pelas ameaças de Vítor. À tradição romana responderam com a sua própria
tradição de "sedes apostolicae". A diferença continuou até ao Concílio de Nicéia (325
AD).

Hipólito

De sua obra Filosofúmena sabemos que, por aquela época (início do terceiro século), o
bispo de Roma reivindicava poder absoluto dentro de sua jurisdição; e que Calisto
estabelecera o princípio de que o bispo jamais pode ser deposto ou forçado a resignar o
seu cargo pelo presbítero, ainda que tenha cometido um pecado mortal.

Cipriano

É, sem dúvida, o mais claro, tanto em sua defesa da idéia fundamental do papado, e
em seu protesto contra o modo de sua aplicação de um dado caso. Partindo da
superioridade de Pedro, sobre quem o Senhor construiu a Sua igreja e a quem foi confiado
o cuidado do rebanho, Cipriano transferiu a mesma superioridade ao bispo de Roma,
como o sucessor de Pedro e, conseqüentemente, chama a igreja de Roma "o trono de
Pedro", fonte da unidade sacerdotal, fundamento e mãe da igreja católica. Mas, por outro
lado, ele assevera com igual energia, a igualdade e relativa independência dos bispos,
como sucessores dos apóstolos. Em sua correspondência, ele uniformemente se dirige ao
bispo romano como "irmão" e "colega", cônscio de sua própria igual dignidade e
autoridade.
A UNIDADE CATÓLICA

Com base no pensamento paulino da unidade, santidade e universalidade da igreja,


como o corpo místico de Cristo, lado a lado com o sistema de governo episcopal, e no
constante conflito com as perseguições de fora, e com as tendências heréticas e cismáticas
de dentro, surgiu a idéia e instituição da "Santa Igreja Católica".
Os quatro predicados desta Igreja são:

• Unidade
• Santidade
• Universalidade
• Apostolicidade

Aos quais, mais tarde, foram acrescentados:

• Exclusividade
• Infalibilidade
• Indestrutibilidade

Na opinião dos pais ante-nicenos (ou seja, anteriores ao Concílio de Nicéia), qualquer
separação desta igreja empírica, tangível e católica, constitui heresia.

1. Inácio
Em sua epístola, a unidade da igreja, na forma e através do episcopado, é o pensamento
fundamental e tópico principal. Inácio é o primeiro a usar o termo "católico" no sentido
eclesiástico, quando diz: "onde estiver Cristo Jesus, aí está a Igreja Católica". Somente
nela podemos comer o pão de Deus; aquele que segue um cismático não herda o reino de
Deus.

2. Irineu
Chama a igreja de "esconderijo e refúgio, o caminho da salvação, a entrada para a vida,
o paraíso neste mundo". A igreja é inseparável do Espírito Santo; é Sua única habitação
nesta Terra. "Onde está a igreja, aí está o Espírito de Deus; onde está o Espírito de Deus,
aí está toda a graça". Unicamente no seio da igreja, continua ele, podemos ser nutridos
para a vida. Os heréticos, em sua opinião, são inimigos da verdade e filhos de Satanás;
serão tragados pelo inferno, como o grupo de Coré, Datã e Abirão.

3. Tertuliano
É o primeiro a comparar a igreja com a arca de Noé que, desde então, se tornou a clássica
comparação na teologia católica.

4. Orígenes
Em sua declaração, "Fora da igreja nenhum homem pode salvar-se", estabelece o
princípio da exclusividade católica.
5. Cipriano
Em sua obra clássica "De Unitate Ecclesiae", escrita em 251 AD, desenvolve a antiga
doutrina católica da igreja, sua unidade, universalidade e exclusividade. Ele é o grande
campeão da unidade visível e tangível da igreja.

Sua opinião pode ser assim resumida:



• A Igreja Católica foi fundada por Cristo sobre Pedro, unicamente;
• Ela permaneceu uma só, em inquebrantável sucessão episcopal;
• Qualquer que separar-se da igreja católica - episcopalmente organizada e
centralizada em Roma é um estrangeiro, um profano, um inimigo, condena-se a si mesmo
e deve ser excluído;
• Ninguém pode ter a Deus por Pai que não tenha a igreja por mãe;
• O princípio escriturístico: "Fora de Cristo não há salvação" (Atos 4:12), foi
reduzido ao princípio de Cipriano: "Fora da igreja visível não há salvação", e daí foi
necessário apenas mais um passo para o erro fundamental do romanismo: "Fora da igreja
não há salvação".

DE CONSTANTINO A GREGÓRIO, O GRANDE

Queda do Paganismo e Vitória do Cristianismo 311 - 590 AD

Durante este período, o Cristianismo ainda tem como palco de suas atividades,
como nos três primeiros séculos, a área geográfica do Império Greco-Romano e a antiga
cultura clássica, os países em torno do Mediterrâneo. Mas suas relações com o poder
secular e sua posição e importância sócio-política sofre uma mudança total e permanente.
O reinado de Constantino marca a transição de uma religião perseguida pelo poder
secular à união com o mesmo poder. É o início do sistema de Igreja-Estado. O paganismo
greco-romano, a mais culta e poderosa forma de idolatria, rende-se totalmente, após três
séculos de acirrada batalha, ao Cristianismo, e morre confessando: "Venceste, Galileu!"
O governador do mundo civilizado lança sua coroa aos pés de Cristo, o crucificado
Nazareno. O sucessor de Nero, Domiciano e Diocleciano aparece ataviado em púrpura
imperial no Concílio de Nicéia como protetor da igreja e assenta-se em seu trono de ouro
ante a inclinação respeitosa de bispos que ainda exibiam as cicatrizes da perseguição.
A seita outrora desprezada é exaltada à autoridade soberana no Estado, toma as
prerrogativas do sacerdócio pagão, cresce em riqueza e poder, constrói igrejas inúmeras
das pedras e material dos templos pagãos, emprega a sabedoria da Grécia e de Roma para
reivindicar a loucura da cruz, exerce um poder modelar sobre a legislação civil, dirige a
vida nacional e controla a história do mundo.
Mas, ao mesmo tempo, a Igreja, abarcando a massa popular do Império, de César
ao mais humilde escravo, e vivendo por entre todas as instituições, recebe em seu seio um
vasto depósito de material inteiramente estranho, advindo do mundo e do paganismo,
expondo-se a novos perigos e impondo-se a si mesma novos e pesados labores.
O quarto e o quinto séculos produzem os maiores pais da igreja: Atanásio e
Crisóstomo, no Oriente, e Agostinho e Jerônimo, no Ocidente. Toda a erudição e ciência
são colocadas a serviço da Igreja, e todas as classes sociais, do imperador ao artesão,
foram imbuídas do mais profundo e apaixonado interesse nas controvérsias teológicas.
A ortodoxia fixa suas linhas; a liberdade de inquirição fora restringida e todo
desvio do sistema Igreja-Estado era visitado não só com as armas espirituais, mas também
com a punição civil.
A organização da igreja adapta-se às divisões políticas e geográficas do império.
O sistema episcopal passa para o sistema metropolitano e patriarcal. No quinto século os
patriarcas de Roma, Constantinopla, Antioquia, Alexandria e Jerusalém, colocam-se
como cabeças da cristandade.
Entre estes, os de Roma e Constantinopla são os mais poderosos rivais, e o bispo
de Roma já começa a reclamar supremacia espiritual universal, que subseqüentemente
culmina no papado medieval.
A disciplina entra em decadência; todo o mundo romano se torna cristão,
nominalmente, e a multidão de professos cristãos hipócritas multiplica-se além do
controle.
O culto aparece grandemente enriquecido e adornado, pois a arte agora é posta a
serviço da Igreja. A arquitetura, escultura, pintura, música e poesia favorecem ao mesmo
tempo a devoção e solenidade e também a toda sorte de superstição e exibição vazia e
formal. Os festivais da Igreja se multiplicam e são celebrados com grande pompa, não
para honra de Cristo, mas em conexão com uma extravagante veneração de mártires e
santos.

Num sumário histórico dos 4º, 5º e 6º séculos, devemos ter em


mente as seguintes subdivisões:

• O período niceno e trinitariano, 311 ao 2º concílio geral de 381
(Constantinopla). Este período é marcado pela conversão de Constantino, a aliança do
Império com a Igreja, a grande controvérsia ariana e semi-ariana sobre a divindade de
Cristo e do Espírito Santo.
• A era pós-nicena, ou cristológica e agostiniana, estendendo-se ao 4º concílio
geral de 451, incluindo as disputas sobre a pessoa de Cristo (Nestório e Êutiques) e a
controvérsia pelagiana sobre o pecado e a graça.
• A época de Leão, o Grande (440-461 AD), o surgimento da supremacia papal
no ocidente, por entre as devastações bárbaras que puseram fim ao Império Romano
Ocidental em 476 AD.
• A era justiniana (527-565 AD), que exibe o despotismo do Estado da Igreja
bizantino na culminância do seu poder e no início do seu declínio.
• O período gregoriano (590-604 AD), que foram a transição do antigo
Cristianismo greco- romano ao Cristianismo medieval romano-germânico.

Constantino, o Grande (306-337 AD)

A partir de 313, Constantino colocou-se em estreita relação com os bispos, fez da


paz e harmonia seu primeiro objetivo nas controvérsias donatista e ariana, e em todos os
documentos oficiais ele aplicou o predicado "católica" à Igreja. E, como seus antecessores
eram sumo-pontífices da religião pagã, ele desejava ser considerado como um tipo de
bispo, como bispo universal em todos os negócios externos da Igreja.
O Cristianismo pareceu-lhe o único poder eficiente para uma reforma política do
império, do qual o antigo espírito de Roma se afastava rapidamente, enquanto dissensões
internas, civis e religiosas, e a pressão externa dos bárbaros, provocam a dissolução
gradual da sociedade.
Mas com a política ele uniu também um motivo religioso, imbuído de uma forte
disposição supersticiosa para julgar uma religião por seu sucesso exterior e para atribuir
virtudes mágicas e sinais e cerimônias.
Assim, Constantino adotou o Cristianismo, primeiro como uma superstição,
colocando-o ao lado de sua superstição pagã, até que em sua convicção o cristianismo
derrotou o paganismo, muito embora jamais tenha desenvolvido uma fé pura e
esclarecida.
De início, Constantino, semelhante a seu pai, fiel ao espírito de sincretismo neo-
platônico do paganismo, reverenciava a todos os deuses como poderes misteriosos,
especialmente Apolo, o deus-sol, a quem em 308 ele ofereceu munificentes dádivas. Não
somente isto, mas até 321 ele ainda ordenava consultas regulares aos adivinhos em caso
de calamidades públicas, de acordo com o antigo costume pagão.
Mesmo mais tarde ele colocou sua nova residência, Bizâncio, sob a proteção do Deus
dos Mártires e da Deusa Fortuna. Mais tarde a cidade permaneceu sob a proteção
especial de Maria. Até o fim de sua vida ele reteve o título e a dignidade de um
PONTIFEX MAXIMUS, ou sumo-sacerdote da hierarquia pagã. Suas moedas trazem
de um lado as letras do nome de Cristo e do outro a figura do deus-sol e a inscrição "Sol
Invictus".
Com cada vitória ganha sobre seus inimigos, rivais pagãos como Galério,
Maxêncio e Licínio, sua inclinação pessoal ao Cristianismo e sua confiança no poder do
sinal da cruz aumentavam; no entanto, ele não renunciou totalmente ao paganismo, e não
recebeu o batismo cristão senão no leito de morte, em 337. De qualquer modo, o que é
certo é que o Cristianismo não produziu em Constantino uma transformação moral,
radical e completa. Preocupava-se mais com o progresso material e a elevação social da
religião cristã do que com sua missão interior.
Em março de 313, Constantino isentou o clero cristão de deveres municipais e militares;
aboliu vários costumes e ordenanças ofensivas aos cristãos (em 316); legalizou doações
deixadas em testamento para a Igreja Católica; decretou a observância do domingo, não
como Dia do Senhor, mas como Die Solis, em harmonia com sua adoração e veneração a
Apolo (321); contribuiu liberalmente para a construção de igrejas e o sustento do clero;
apagou os símbolos pagãos de Júpiter, Apolo, Marte e Hércules das moedas imperiais
(323); e deu a seus filhos uma educação cristã.
Após sua vitória sobre Licínio, o imperador publicou uma exortação geral a seus
súditos para que abraçassem a religião cristã.
Em 325 AD, como protetor e patrono da Igreja, ele convoca o Concílio de Nicéia,
ele mesmo assistindo-o e participando ativamente nas decisões; exilou os arianos, embora
os chamasse de volta mais tarde; em seu espírito de uniformidade monárquica, mostrou
grande zelo pela solução de todas as disputas teológicas, enquanto estava cego para seu
significado real. Introduziu a prática de subscrição aos artigos de um credo ou dogma
escrito e de punição civil para os não-conformistas.
De 325-329, junto com sua mãe Helena, erigiu igrejas magnificentes nos sítios
sagrados em Jerusalém. Como o paganismo predominasse ainda em Roma, Constantino,
por ordem divina, como ele supunha, transferiu a sede de seu governo para Bizâncio em
330 AD.
Aí, em lugar de templos e altares para os ídolos, surgiram igrejas e crucifixos; o
salão principal do palácio foi adornado com representações da crucifixão e de outras cenas
bíblicas; foram proibidas as lutas de gladiadores; a fumaça de sacrifícios pagãos jamais
subiram das colinas da nova Roma, exceto durante o curto reinado de Juliano, o Apóstata.
O PAPADO: A PEDRA É PEDRO

O bispo de Roma, sobre a base de sua instituição divina e como sucessor de Pedro,
o príncipe dos apóstolos, avançou sua pretensão de ser o primaz de toda a igreja e o
representante visível de Cristo, que é a cabeça suprema e invisível de todo o mundo
cristão. Este é o sentido estrito e exclusivo do título PAPA.
Estritamente falando, esta pretensão jamais foi realizada e continua sendo até hoje
o ponto de discórdia na história da igreja. O Cristianismo grego jamais reconheceu esta
primazia e, no Ocidente, só foi reconhecida sob protestos múltiplos que, finalmente,
culminaram com a Reforma do séc. XVI e privou o Papado da melhor parte de seu
domínio.
A principal falácia do sistema romano é que identifica papado e Igreja, e, neste
caso, para ser consistente, precisa excluir da Igreja não só o Protestantismo, mas também
toda a Igreja Oriental, desde sua origem até agora.
A idéia do papado e suas pretensões ao domínio universal da Igreja jamais
ultrapassaram os limites do Ocidente. Conseqüentemente, o papado, como um fato
histórico, no que concerne a ser reconhecido em suas pretensões, é propriamente nada
mais que o patriarca latino elevando-se à monarquia absoluta.
Para seus advogados, o papado não está baseado meramente no costume da Igreja,
como o poder metropolitano e patriarcal, mas sobre a base do direito divino, sobre a
peculiar posição que Cristo conferiu a Pedro nas palavras: "Tu és Pedro e sobre esta rocha
edificarei a minha igreja" (Mateus 16:18).
Esta passagem tem sido considerada em todos os tempos como uma rocha
exegética inabalável em favor do papado (posteriormente estudaremos melhor sobre esta
passagem).

A Opinião dos Pais da Igreja - quarto e quinto séculos

Em geral concordam em atribuir a Pedro uma certa primazia sobre os outros


apóstolos e em considerá-lo o fundamento da Igreja em virtude de sua confissão da
divindade de Cristo, enquanto sustentam que Cristo é, no mais elevado sentido, o solo
divino e a rocha da Igreja.
E aqui jaz a solução de sua aparente auto-contradição ao referirem-se à PETRA
de Mateus 16:18 quer como a pessoa de Pedro, quer como sua confissão e quer como a
Cristo.

E então, como os bispos em geral eram considerados os sucessores dos apóstolos,


os Pais viram nos bispos de Roma os sucessores de Pedro e herdeiros de sua primazia.
Mas, no que concerne à natureza e prerrogativa desta primazia, seus pontos de vista
indefinidos e vários.

A Opinião dos Pais Latinos

Cipriano
O primeiro a dar à passagem de Mateus 16:18 uma interpretação papística e a
apresentar claramente a idéia de uma perpétua CATEDRA PETRI. Esta idéia
desenvolveu-se inicialmente no norte da África, onde teve sua origem.
Optato
Bispo de Milevis, semelhante a Cipriano, inteiramente imbuído da idéia de uma
unidade visível da Igreja, vê sua expressão plástica e sua mais firme segurança na
inabalável CATEDRA PETRI, o príncipe dos apóstolos que, a despeito de sua negação
de Cristo, continuou como príncipe e guarda das chaves do reino dos céus. Estas
prerrogativas passaram aos bispos de Roma, como os sucessores deste apóstolo.

Ambrósio de Milão

Concede aos bispos de Roma uma magistratura religiosa semelhante ao poder


político dos imperadores de Roma pagã. Não obstante, Ambrósio considera a primazia de
Pedro somente uma "primazia de confissão, e não de honra; de fé, e não de grau" e coloca
o apóstolo Paulo em pé de igualdade com Pedro. Não se encontra qualquer traço de
dependência, seja de Ambrósio ou dos bispos de Milão, durante os primeiros seis séculos,
da jurisdição de Roma.

Jerônimo - 419 AD
Vacila em sua explanação de PETRA. Ora, assim como Agostinho, referindo-se a
Cristo; ora a Pedro e sua confissão. Em seu comentário de Mateus 16:18 combina as duas
interpretações:
"Como Cristo deu luz aos apóstolos, assim foram chamados, depois dEle, a luz
do mundo...; assim Simão, porque creu na rocha, Cristo, recebeu o nome de Pedro e, em
harmonia com a figura de uma rocha, Cristo disse-lhe: 'Construirei a minha igreja sobre
ti...'".
Jerônimo reconhece no bispo de Roma o sucessor de Pedro, mas advoga igualdade
de direito para os outros bispos. Quando muito, Jerônimo pode ser usado como uma
testemunha para a primazia de honra, e não para uma primazia de jurisdição. Além disto
ele não vai, nem mesmo numa carta extremamente forte escrita a seu amigo, o Papa
Damaso (376 AD):
"Fora com a ambição da cabeça romana. Eu falo com o sucessor do pescador e
discípulo da cruz. Seguindo nenhuma outra cabeça senão a Cristo, estou unido em
comunhão de fé com tua santidade, isto é, com a cadeira de Pedro. Sobre aquela rocha
eu sei que a igreja está construída".

Agostinho - 430 AD
Inicialmente aplicou as palavras "Sobre esta rocha edificarei a minha igreja" à
pessoa de Pedro; mais tarde, porém retratou-se desta afirmação e interpretação, e
considerou a PETRA como CRISTO, baseado na distinção entre PETRA e PETRUS, uma
distinção que Jerônimo também faz.
No fim de sua vida, em suas Retratações, Agostinho faz a seguinte correção:
"Noutra parte tenho dito de S. Pedro que a Igreja fora construída sobre ele como
a rocha; um pensamento que é cantado nos versos de Santo Ambrósio:
'A própria rocha da Igreja, ao cantar do galo sua culpa expia.'
"Mas... as palavras do Senhor, 'Tu és Pedro (PETRUS) e sobre esta pedra (PETRA)
edificarei a Minha Igreja' devem ser compreendidas dAquele (Cristo) a quem Pedro
confessou ser o Filho do Deus vivo; e Pedro, recebendo um nome derivado desta rocha,
representa a pessoa da Igreja, que é fundada nesta rocha e recebeu as chaves do reino
dos céus. Pois não lhe foi dito: 'Tu és a rocha (PETRA), mas, tu és Pedro (PETRUS)'; e
a rocha era Cristo, mediante cuja confissão Simão recebeu o nome de Pedro."

Noutro lugar, mas no mesmo estilo, Agostinho declara:

"Pedro, e virtude da primazia de seu apostolado, representa, por uma


generalização figurativa, a Igreja... Quando lhe foi dito, 'Dar-te-ei as chaves do reino',
ele representava a Igreja toda, que neste mundo é assaltada por várias tentações... mas
não cai, porque está fundada sobre a rocha, da qual Pedro recebeu seu nome. Pois a
rocha não derivou seu nome de Pedro, mas Pedro recebeu seu nome da rocha, assim
como Cristo não é chamado após os cristãos, mas os cristãos após Cristo...
A razão pela qual o Senhor disse, 'Sobre esta rocha edificarei a Minha Igreja' é
que Pedro havia dito: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'.
'Sobre esta rocha, que tu tens confessado', disse Jesus, 'edificarei a Minha Igreja'.
Pois Cristo era a Rocha (Petra enim erat Christus), sobre o qual o próprio Pedro era
edificado; pois nenhum outro fundamento pode o homem lançar, além daquele que já
está colocado, que é Cristo Jesus.
Assim, a Igreja, edificada sobre Cristo, recebeu dEle, na pessoa de Pedro, as
chaves dos céus, isto é, o poder para ligar e desligar pecados."

Os últimos Pais latinos do quarto e quinto séculos preferem a referência de


PETRA a Pedro e sua confissão e transferem suas prerrogativas aos bispos de Roma como
sucessores dele.

A Opinião dos Pais Gregos

Eusébio, Cirilo de Jerusalém, Basílio, Cirilo de Alexandria, Crisóstomo,


Teodoreto e outros, referem-se a PETRA ora à confissão, ora à pessoa de Pedro; algumas
vezes a ambas.
Aceitam simplesmente, no entanto, uma primazia de honra do apóstolo Pedro, a
quem aquele poder foi conferido em primeiro lugar e depois a todos os apóstolos, pelo
Senhor.
Em segundo lugar, estes Pais de modo algum favorecem a transferência exclusiva
desta prerrogativa aos bispos de Roma e reivindicam-na também para os bispos de
Antioquia, onde Pedro, conforme Gálatas 2, viveu por algum tempo, e onde, de acordo
com a tradição, era bispo e apontou seu sucessor.
Assim Crisóstomo, por exemplo, chama a Inácio de Antioquia um "sucessor de
Pedro...".

LEÃO, O GRANDE - 440-461 AD

Na maioria dos bispos de Roma do primeiro período, a pessoa fora eclipsada pelo
cargo. O espírito da época e a opinião pública governavam o bispo, e não vice-versa.
É verdade que o bispo Vítor, na controvérsia da Páscoa, Calisto, na controvérsia
da restauração dos apóstatas e Estêvão, na controvérsia do batismo de heréticos, foram os
primeiros a exibirem arrogância hierárquica. Mas estes foram, de algum modo,
prematuros e encontraram vigorosa resistência em Irineu, Hipólito e Cipriano, ainda que
nas três questões em foco Roma acabasse levando a melhor.
No período em estudo (311-590 AD), Dâmaso, que sujeitou a Ilíria à jurisdição
de Roma e estabeleceu a autoridade da Vulgata Latina (tradução do AT para o latim), e
Sirício, que publicou a primeira carta decretal genuína, seguiram os passos de seus
sucessores.
Inocêncio I (402-417 AD) deu um passo além e, na controvérsia pelagiana,
aventurou uma afirmativa audaciosa, de que em todo o mundo cristão, nada deveria ser
decidido sem o conhecimento de Roma, i.e., da sé romana, e que especialmente em
questões de fé, todos os bispos devem tornar-se a São Pedro – ou seja, o bispo de Roma.
Mas o primeiro Papa, no sentido próprio da palavra, é Leão I. Nele a idéia do
papado recebeu carne e sangue. Durante o período de seu pontificado era ele quase o
único grande homem no Império Romano; desenvolveu extraordinária atividade e tomou
a liderança em todos os negócios da Igreja. Seu zelo, tempo e forças foram dedicados
inteiramente ao interesse do Cristianismo. Mas com ele o interesse do Cristianismo
tornara-se idêntico ao domínio universal da Igreja de Roma.
Leão era animado pela inabalável convicção de que o Senhor mesmo o havia
comissionado, como o sucessor de Pedro, a cuidar de toda a Igreja. Ele antecipou todos
os argumentos dogmáticos pelos quais o poder do papado foi subseqüentemente
estabelecido. Ele faz referência à PETRA, sobre a qual a Igreja está edificada, como sendo
Pedro e sua confissão.
Pedro é pastor e príncipe de toda a Igreja, mediante quem Cristo exerce seu
domínio universal na Terra. Esta primazia, contudo, não é limitada à era apostólica, mas,
semelhante à fé de pedro, e semelhante à própria Igreja, perpetua-se através dos bispos
de Roma, que estão relacionados com Pedro como Pedro está relacionado com Cristo.
Além de dar forma ao governo e doutrina da Igreja, leão I prestou relevantes serviços à
cidade de Roma, salvando-a duas vezes de total destruição. Quando Átila, rei dos hunos,
o "Flagelo de Deus", após destruir Aquiléia, ameaçava seriamente a capital do mundo
(451 AD), Leão e mais dois companheiros apenas, com seu bastão episcopal na mão,
confiando no auxílio divino, aventurou-se pelo campo inimigo adentro e mudou os
propósitos nefastos do grande guerreiro. Caso semelhante ocorreu alguns anos mais tarde
(455 AD), quando o rei vândalo Genserico ameaçava devastar a cidade de Roma. Leão
obteve dele a promessa de que pelo menos pouparia a cidade do homicídio e do fogo.
Leão morreu em 461 AD e foi sepultado na Igreja de São Pedro.


DE LEÃO I A GREGÓRIO, O GRANDE - 461-590 AD

Leão I e Gregório I são os dois maiores bispos de Roma nos seis primeiros séculos
da história da Igreja. Entre eles nenhum personagem importante surgiu na cadeira de
Pedro, e, no decorrer deste período, de 461 a 590 AD, a idéia e o poder do papado não
fez qualquer progresso digno de nota.

Hilário (461-468 AD)


Após a morte de Leão I, o arquidiácono Hilário, que representara a Leão I no
concílio de Éfeso, foi eleito em seu lugar.

Simplício (468-483 AD)


Testemunhou a final dissolução do Império Romano (476 AD) e, a partir de então,
o sucessor de Pedro tornou-se, na mente dos povos ocidentais, o único herdeiro da antiga
sucessão imperial romana.
Com queda do Império, o Papa tornou-se súdito (vassalo) dos reis heréticos e
bárbaros; mas estes permitiram-lhe gozar inteira liberdade em assuntos eclesiásticos. Na
Itália os católicos tinham ascendência tanto em número como em cultura sobre seus
conquistadores.
Além disto, o arianismo dos novos dominadores era apenas uma profissão
exterior, mais do que uma convicção interior.
Odoacro, rei dos hérulos, o primeiro a assumir o governo da Itália (476-493), foi
tolerante com a fé ortodoxa; mesmo assim, procurou controlar a eleição papal em 483 no
interesse do Estado e proibiu, sob pena de anátema, a alienação de propriedade da Igreja
por qualquer bispo.

Félix II (ou III) (483-496)


Continuou a luta contra o Monofisismo e aventurou-se a excomungar o bispo
Acácio de Constantinopla. Acácio respondeu com um contra anátema, com o apoio de
outros patriarcas orientais e o cisma entre as duas igrejas durou mais de 30 anos.

Gelásio I (492-496)
Claramente anunciou o princípio de que o poder sacerdotal está acima do poder
imperial e real, e que contra as decisões da cadeira de Pedro não há apelo. Deste Papa
temos o notável testemunho daquilo que ele pronunciou como "sacrilégio" de recusar
oferecer o copo aos leigos, a "communio sub una specie

Anastácio II (496-498)
Sua morte repentina foi seguida por uma disputada eleição papal, que levou a
encontros sangrentos: sacerdotes foram assassinados, mosteiros foram queimados e
freiras insultadas.

Teodorico, rei ostrogodo, conquistador e mestre da Itália (493-526), sendo


solicitado pelo senado a dar sua decisão, convocou um concílio em Roma, com o
consentimento de Símaco (Símaco havia recebido antes a maioria dos votos e havia sido
consagrado primeiro do que seu oponente ao trono papal, Lourenço, e recebera antes o
apoio de Teodorico pelas razões supra citadas) e sínodo convocado por um rei herético
precisava agora decidir quanto à eleição do Papa.
Durante a controvérsia, vários concílios se reuniram em rápida sucessão, sendo o
mais importante deles o Sínodo Palmares, o 4º concílio sob Símaco, que ocorreu em
outubro de 501.
Este concílio absolveu (Símaco), que havia sido acusado de adultério e de
dissipador das propriedades da Igreja, sem investigar o caso, baseado na pressuposição
de que não pertence ao concílio passar julgamento a respeito do sucessor de Pedro.
Em sua vindicação deste concílio - pois a oposição estava insatisfeita com suas decisões
- o diácono Enódio, mais tarde bispo de Pávia, fez a primeira declaração clara do
absolutismo papal, "que o bispo romano está acima de todo e qualquer tribunal humano
e é responsável unicamente diante de Deus".
Não obstante, mesmo durante a idade medieval, papas foram depostos e
estabelecidos por imperadores e concílios gerais.

Hormisdas (514-523)
Durante seu pontificado o partido monofisista da Igreja grega foi destruído pelo enérgico
imperador Justino, ortodoxo, e em 519 a união da Igreja grega com a Igreja de Roma foi
restabelecida, após um cisma de 35 anos.

João I (523-526)
Encarcerado por Teodorico
.
Félix III (IV)
Sua nomeação foi praticamente o último ato de Teodorico, após uma luta dos
partidos competidores. Com a nomeação, Teodorico publicou a ordem de que a partir de
então, com antes, o papa deveria ser eleito pelo clero e pelo povo, mas deveria ser
confirmado pelo príncipe temporal antes de assumir o seu cargo.
Logo após a morte de Teodorico (526), o Império ostrogodo ruiu por terra.
A Itália foi conquistada por Belisário (535) e, com a África, outra vez incorporada
ao Império oriental, que restaurou sob Justiniano um pouco de seu antigo esplendor.
Mas com a conquista da Itália os papas caíram numa perigosa e indigna dependência do
imperador de Constantinopla.

Agapito (535-536)
Ofereceu destemida resistência à atitude arbitrária de Justiniano.

Silvério (536-538)
Pelas intrigas de Teodora, a imperatriz monofisista, foi deposto sob a acusação de
traição, correspondendo-se com os godos, banido para a ilha Pandatária, onde morreu
(540).
Virgílio, uma dócil criatura de Teodora, ascendeu à cadeira papal sob a proteção
de Belisário (538- 554), após prometer a Teodora que anularia as decisões do Concílio de
Calcedônia, que condenava o monofisismo.
Em Constantinopla, onde residira por algum tempo por insistência do Imperador,
sofreu muita perseguição pessoal, foi arrancado do altar tão violentamente que, estando
segurando firmemente no altar, a canópia caiu sobre ele; foi arrastado pelas ruas com uma
corda amarrada ao pescoço e lançado num cárcere comum; tudo isto por não se submeter
ao desejo de Justiniano e de seu concílio. Cedeu finalmente, temendo ser deposto. Obteve
permissão de regressar para Roma, mas morreu em viagem.

Pelágio I (554-560)
Sucessor de Virgílio por ordem de Justiniano, mas encontrou apenas dois bispos
dispostos a ordená-lo.
Os bispos ocidentais, mesmo na Itália, suspenderam temporariamente sua conexão
com Roma. Unicamente o auxílio militar de Narsés assegurou-lhe a sujeição dos bispos
e os mais refratários, os de Aquiléia e Milão, ele os enviou prisioneiros para
Constantinopla.
Com a entrada dos arianos lombardos na Itália após 568, os papas tornaram-se
outra vez mais independentes de Constantinopla. Mas continuaram pagando tributo aos
exarcas de Ravena, que eram representantes dos Imperadores gregos (a partir de 554), e
foram obrigados a ter sua eleição confirmada e sua inauguração presidida por eles.

Contudo, a pouca autoridade destes oficiais na Itália, e a pressão dos bárbaros


arianos sobre eles, favoreceu grandemente os papas, que sendo os mais ricos proprietários
na Itália, gozavam também de grande influência política e aplicaram esta influência para
a manutenção da lei e da ordem em meio à confusão reinante.
Noutros aspectos, as administrações de João III (560-573), Bento I (574-578) e
Pelágio II (578-590), estão entre as mais obscuras e estéreis nos anais do papado.
Mas com Gregório I (590-604), inicia-se um novo período. Depois de Leão I ele
é considerado o maior dos antigos bispos de Roma e marca a transição de sistema
patriarcal para o papado da idade medieval.

DE GREGÓRIO I A GREGÓRIO II (590-715 AD)

A consagração de Gregório I como o bispo de Roma constitui um marco que


divide o período antigo da história da Igreja do período medieval. A maior obra de
Gregório foi ampliar o poder do bispo romano. Embora não reivindicasse o título de
"papa", exerceu todos os poderes e prerrogativas dos papas posteriores. Fez isto para
afirmar a superioridade espiritual do bispo de Roma. Cuidou episcopalmente das igrejas
da Gália, Espanha, Bretanha, África e Itália. Indicou bispos e enviou o pálio, a estola do
ofício, àqueles que indicara ou cujos nomes ratificara.
Se Leão I fez um esboço do papado medieval, Gregório tornou-o um poder vivo.
Ele fez a primeira declaração de independência e assumiu a real jurisdição sobre toda a
Igreja ocidental.
Gregório denunciou como um princípio anti-Cristão a alegação do patriarca de
Constantinopla de ser o Bispo Universal. Gregório preferiu ser chamado de "servo dos
servos de Deus". Não obstante, a sua política enérgica estava destinada a construir o
Papado naquele mesmo princípio. Logo após a sua morte, o que ele tinha condenado em
seus colegas orientais como arrogância anti-Cristã, os papas posteriores consideraram
como expressão apropriada de sua posição oficial na igreja universal. No devido tempo,
os sucessores de Gregório tornaram-se príncipes temporais, e entronizavam e destituíam
reis. O protesto de Gregório contra o orgulho e auto-promoção foi esquecido (cf. Schaff,
4:212-229; Froom, The Prophetic Faith, 1:518-529).
Os sucessores de Gregório I a Gregório II foram, com poucas exceções, homens
obscuros, e governaram por pouco tempo. A maioria era de italianos, muitos romanos;
uns poucos eram sírios, escolhidos pelos imperadores orientais no interesse de sua política
e teologia.
Sob Gregório II e III, a Alemanha foi convertida ao Cristianismo romano.
Os papas seguiram a política missionária de Gregório e o instinto romano de
ambição e poder. Todo progresso do Cristianismo no oeste e norte foi um progresso da
igreja romana. Como a Inglaterra foi anexada sob Gregório I, assim a França, os Países
Baixos, Alemanha e Escandinávia foram anexados sob seus sucessores. Sacerdotes,
nobres e reis de todas as partes do ocidente visitavam Roma como a capital da
Cristandade, e prestavam homenagem ao sucessor vivo do pescador Galileu.

DE GREGÓRIO II A ZACARIAS (715-741 AD)

Sob o pontificado de Gregório II (715-731), Liutprand, rei dos Lombardos,


conquistou o Exarcado de Ravena, e se tornou o senhor da Itália, constituindo-se num
perigo para o papa.
Os Francos eram Católicos desde o tempo de sua conversão sob Clóvis, e
alcançaram sob Carlos Martel uma poderosa vitória sobre os Sarracenos (732), o que
salvou a Europa Cristã contra a invasão e tirania do Islã. Eles tinham assim se tornado os
protetores do Cristianismo Latino.
Gregório III (731-741) renovou as negociações com os Francos, começadas por
seu predecessor. Quando os Lombardos novamente invadiram o território de Roma, e
estavam devastando a fogo e espada os últimos remanescentes da propriedade da Igreja,
ele apelou em pio, comovente e ameaçador tom a Carlos Martel: "Não feche seus ouvidos
a nossas súplicas, a fim de que São Pedro não feche contra você as portas do céu". Ele
enviou ao rei as chaves da tumba de São Pedro como um símbolo da aliança, e ofereceu-
lhe os títulos de Patrício e Cônsul de Roma. Carlos Martel respondeu cortesmente e
enviou presentes a Roma, mas não atendeu o pedido por socorro.
As negociações foram interrompidas pela morte de Carlos Martel em 21/10/741,
seguida pela de Gregório III a 27/11/741.

ALIANÇA DO PAPADO COM A NOVA MONARQUIA DOS


FRANCOS

Astolfo (749-756), sucessor de Liutprand, arrebatou Ravena das mãos do


Imperador em 751, e pressionou Roma de modo muito sério. O papa Zacarias (741-752)
buscou a proteção de Pepino, o Breve, filho de Carlos Martel e pai de Carlos Magno, e,
em retribuição por sua ajuda, auxiliá-lo-ia a obter a coroa da França. Este foi o primeiro
passo em direção à criação de um Império ocidental e um novo sistema político da
Europa, com o papa e o Imperador alemão à frente.
A sucessão hereditária não era ainda investida com santidade religiosa entre as
raças teutônicas. Na teocracia judaica os sacerdotes ungiam os reis. O papa reclamava e
exercia agora pela primeira vez o mesmo poder.
Pepino foi eleito em Soissons (752) e ungido, como os reis de Israel, com óleo
santo, por Bonifácio, e dois anos mais tarde (754) pelo próprio papa Estêvão II (752-757).
Desde aquela época chamou-se a si mesmo, "pela graça de Deus, rei dos Francos". Esta
elevação e coroação foi feita na base da superioridade papal sobre as coroas da França e
Alemanha.
Desta transação poder-se-ia inferir que o papa tinha poder de conceder ou retirar
poderes reais. Implícitos nela estavam o restabelecimento do Império no ocidente, o Sacro
Império Romano, e a inter- relação entre papado e império, que ocupa lugar tão relevante
na história da Idade Média. Desse ponto de vista, foi o acontecimento mais importante da
história medieval.
O papa logo tirou proveito da situação. Quando pressionado pelos Lombardos,
pediu ajuda ao novo rei. Pepino atendeu e derrotou os Lombardos (754 d.C.). Quando os
Lombardos renovaram a guerra, o papa escreveu várias cartas a Pepino, admoestando-o
em nome de São Pedro e da "Santa Mãe de Deus" a não se separar do "reino de Deus" e
salvar a cidade de Roma e prometendo-lhe vida longa e as mais gloriosas mansões no
céu, se ele prontamente obedecesse. A tal nível de presunção blasfema tinha o papado
chegado, a ponto de identificar-se com o reino de Cristo e pretender ser o despenseiro de
prosperidade temporal e salvação eterna. Pepino cruzou os Alpes novamente com seu
exército, derrotou os Lombardos, e doou o território conquistado ao papa (755 d.C.).
Tiveram origem assim, nesta data, os Estados Papais, ou a soberania temporal do papado,
que haveria de manter-se até 1870.
Por esta doação de um conquistador estrangeiro, o papa se tornou um soberano
temporal sobre uma grande parte da Itália, enquanto alegava ser o sucessor de Pedro, que
não tinha "prata nem ouro", e o vigário de Cristo, que disse: "Meu reino não é deste
mundo".

PEPINO E O PATRIMÔNIO DE S. PEDRO

A Doação de Constantino

Para tornar esta aquisição uma restauração, o papa Estêvão evidentemente empregou a
lenda da Doação de Constantino. Por alguns séculos circulou uma narrativa dando conta
de supostos milagres da cura e conversão de Constantino pelo bispo de Roma.
Agradecido, Constantino teria feito generosas concessões de privilégios e terras ao bispo.
Estes relatos, reunidos num documento conhecido como "Doação de Constantino",
tiveram ampla circulação na Idade Média. O documento foi usado pelo papa na Idade
Média como suporte às suas reivindicações de posses temporais e poder nos reinos
temporal e espiritual. A formulação do documento (que foi forjado), de autoria
desconhecida, parece datar de meados do séc. VIII, pois estava em circulação quando
Pepino fez sua grande doação de terras na Itália ao papa. O “documento” começa no nome
da Santa Trindade e conclui por condenar ao mais profundo do inferno todos que
contrariassem suas provisões.
Nesta doação, a cidade de Roma e o Exarcado de Ravena eram supostamente
dados por Constantino ao Papa Silvestre I (314-335) e a todos os seus sucessores,
enquanto declarava sua intenção de transferir sua própria sede de governo para
Constantinopla. Este fantástico documento decretava e ordenava que o bispo de Roma, a
quem supostamente Constantino conferia o palácio Laterano, a tiara e todas as vestes e
insígnias imperiais, bem como todas as províncias, distritos e cidades da Itália e das
regiões ocidentais (a metade ocidental do Império), exerceria supremacia espiritual sobre
as quatro sedes patriarcais de Antioquia, Jerusalém, Alexandria e Constantinopla (que
ainda não fora fundada) e também sobre todas as igrejas de Deus no mundo inteiro.
Assim, o pontífice foi declarado ser o chefe sobre todos os sacerdotes do mundo.
Embora alguns dos homens mais cultos da Idade Média não lhe dessem crédito, a
"doação" foi geralmente aceita como autêntica até que sua falsidade viesse a ser provada
por Nicolau de Cusa em 1433 e Lourenço Valla em 1440.

Carlos Magno - 768-814 AD


Pepino, o Breve, morreu em 768. O reino foi dividido entre os dois filhos, Carlos
e Carlomano. Com a morte deste último em 771, iniciou-se o reinado efetivo de Carlos,
a quem a história atribui o título de "Magno". Seu governo atingia proporções imperiais,
ampliando o poder político e disseminando o Cristianismo, controlando a maior parte do
Cristianismo Ocidental.
Carlos Magno, provavelmente influenciado pela lendária "doação", referida numa
carta do Papa Adriano a ele, em 774 aumentou a doação de Pepino, acrescentando novos
territórios, e foi recompensado com a coroa do Ocidente. Carlos Magno tinha visitado
Roma várias vezes. Mas durante a quarta e última peregrinação do rei, Leão III realizou
um desígnio longamente acalentado - sua declaração de independência do Oriente, que
de há muito havia deixado de dar-lhe proteção.

O Papa Aliado com o Santo Império Romano

No Natal de 800 d.C., o papa Leão III estava assentado em seu trono, na Igreja de
São Pedro, acompanhado de seu clero. Carlos estava ajoelhado ante o altar. Subitamente
o papa levantou-se, ungiu-o, administrou o juramento da coroação no qual Carlos Magno
prometia guardar a fé e privilégios da Igreja, e colocou a coroa imperial sobre sua fronte,
como Imperador dos Romanos, e o povo gritou três vezes: "A Carlos Augusto, coroado
por Deus, o grande e pacífico Imperador dos Romanos, vida e vitória!" Tanto para o povo
romano que presenciara a cerimônia, como para o Ocidente em geral, era a restauração
do Império do Ocidente, o qual durante séculos estivera sob o poder do governante
sediado em Constantinopla. O ato colocou Carlos Magno na grande linha sucessória que
remontava a Augusto. Em seu retorno para a França, Carlos compeliu todos os seus
súditos a jurarem por ele como "César".
Sob os fracos sucessores de Carlos Magno, entretanto, o Império declinou para
uma existência meramente nominal. Mas reviveu sob o rei alemão Otto I, em 962, e
continuou, apesar dos choques e mudanças, até 1806. Para Voltaire, ele não era nem santo,
nem romano e muito menos um Império.

Luta Pelo Mais Alto Lugar

Esta tentativa de restauração do Império Ocidental foi uma das séries de intrigas pelas
quais os pontífices garantiram apoio do mundo ocidental. O ato de coroar, naturalmente,
implicava o direito de destronar (retirar a coroa). Daqui por diante, os interesses do papa
e do imperador estavam intimamente unidos. O efeito foi visto no (outra vez) crescente
poder papal, com o papa obtendo reconhecimento de um império espiritual proporcional
ao império secular de Carlos Magno. Rei e papa ocupavam juntos o topo do império. E
aqui começou a crescente e inexorável luta pelo lugar mais alto, que continuou por
séculos, e culminou na exaltação do papado sobre o poder imperial.
"Epístolas Decretais" Forjadas Propiciam Supremacia Sobre os Reis
A ambição papal tinha sido dirigida antes para o estabelecimento de uma
supremacia eclesiástica. Mas nos séculos IX e X esta foi estendida para incorporar um
novo reino de conquista. Já ricamente dotado por Pepino e Carlos Magno, o império e o
papado iniciaram uma tremenda luta por supremacia. Inicialmente os papas submeteram
a autoridade do imperador, com excomunhão como a arma comumente usada em sua luta
com os grandes potentados do mundo. A mais audaciosa das pretensões de Roma,
contudo, tinha sua base nas Falsas Decretais, ou as Decretais do Pseudo-Isidoro, o
segundo dos dois documentos notoriamente forjados (o primeiro era, naturalmente, a
Doação de Constantino). O efeito destas falsificações foi tremendo no avanço do governo
temporal e supremacia eclesiástica dos papas.
As Falsas Decretais surgiram ao redor de 850 d.C. por um compilador que usou o
pseudônimo de Isidoro Mercator. Estes decretos continham tudo o que era necessário para
o estabelecimento de plena supremacia espiritual dos papas sobre os soberanos da
Cristandade. Provavelmente nenhum outro volume foi publicado que exercesse tão
nefasta influência sobre a Igreja e o Estado.
Estas Falsas Decretais eram os supostos julgamentos dos papas anteriores (desde
Clemente a Gregório II - 101-731), em inquebrantável sucessão, em resposta a vários
assuntos submetidos a eles. O livro é dividido em três partes e forma um manual de
doutrinas ortodoxas e disciplina clerical. Aí se encontram decisões dogmáticas contra
heresias, especialmente Arianismo, e orientações sobre culto, sacramentos, festas, jejuns,
ritos e costumes sagrados, a consagração de igrejas, propriedades da igreja, e
especialmente sobre política da igreja.

O Sistema Sacerdotal
O Pseudo-Isidoro defende a teocracia papal. O clero é divinamente instituído,
consagrado, mediando entre Deus e o povo, como na dispensação Judaica. Aquele que
peca contra os sacerdotes peca contra Deus. Eles não estão sujeitos a nenhum tribunal
terrestre, e respondem a Deus somente, que os designou como juízes dos homens. Os
privilégios do sacerdócio culminam na dignidade episcopal, e a dignidade episcopal
culmina no papado. A cathedra Petri é a fonte de todo poder. Sem o consentimento do
papa nenhum bispo pode ser deposto, nenhum concílio ser convocado. Ele é o árbitro
último de toda controvérsia, e depois dele não há apelação. É freqüentemente chamado
episcopus universalis (bispo universal).
Estas Decretais supriram os papas com os meios para estabelecer a superioridade
jurisdicional de Roma e sua autoridade sobre a fé e práticas do Cristianismo.

Autoria

O autor (ou autores) são desconhecidos. Supõe-se que era um eclesiástico da igreja
Franca, provavelmente da diocese de Rheims. Grande habilidade foi mostrada em sua
construção, como a inclusão de sete epístolas papais genuínas, o suficiente para dar
crédito às 65 falsificações também presentes.
Genuinidade
A autoridade das Decretais foi suprema até a Reforma, quando foram submetidas a um
exame crítico. A fraude foi então reconhecida por teólogos eruditos das igrejas
Reformadas. Por algum tempo polemistas Católicos lutaram para manter sua
autenticidade. Mas a evidência era tão irresistivelmente contra eles, que finalmente
admitiram sua impostura. A fraude foi admitida até mesmo por Pio VI em 1789. Assim,
elas foram condenadas pela voz unida da Cristandade.

Evidências Contra

A falsificação é aparente. É inconcebível que Dionísio, o Exíguo, que viveu em


Roma, não tivesse conhecimento de tão grande número de cartas papais. Além disso, a
coleção é plena de anacronismos: bispos romanos do segundo e terceiro séculos escrevem
no Latim Francês do nono século sobre tópicos doutrinais no espírito da ortodoxia
posterior ao Concílio de Nicéia e sobre as relações medievais entre igreja e estado; eles
citam a Bíblia após a versão de Jerônimo ter sido corrigida sob Carlos Magno; Vítor se
dirige a Teófilo de Alexandria, que viveu 200 anos depois, sobre a controvérsia pascal do
segundo século. Ou seja, as datas históricas dos eventos não coincidiam com aquelas
apresentadas pelos defensores das Decretais.
O papa Nicolau I (858-867) declarou que as Epístolas Decretais estavam em
condição de igualdade com as Escrituras. No exercício de sua supremacia, o papa devia
exaltar ou humilhar monarcas, e absolver súditos de fidelidade para com os governantes.
Gregório VII (1073-85) e o Sínodo Romano de 1080 declararam: "Nós desejamos
mostrar ao mundo que podemos dar ou tirar, segundo nossa vontade, reinos, ducados,
condados, numa palavra, as possessões de todos os homens; pois nós podemos ligar e
desligar". Gregório VII, o primeiro a afirmar a autoridade papal para destronar reis,
fundamentando-se nestas fraudulentas Decretais, construiu sua superestrutura, buscando
unificar os Estados da Europa em um reino sacerdotal, do qual ele seria o cabeça, reinando
sobre todos.

IGREJAS ORIENTAL E OCIDENTAL - CONFLITO E


SEPARAÇÃO

Unanimidade e Dissensão entre as Igrejas Latina e Grega.


Não há duas igrejas no mundo tão semelhantes e, ao mesmo tempo, tão opostas
uma a outra. Elas possuem, como uma forma herdada da era patrística, essencialmente o
mesmo corpo de doutrinas, os mesmos cânones de disciplina, a mesma forma de
adoração; e, não obstante, seu antagonismo parece irreconciliável. A própria similaridade
gera ciúmes e dissensões.
Elas são igualmente exclusivas: A Igreja Oriental reclama ortodoxia exclusiva,
e considera a Igreja Ocidental como herética; a Igreja Ocidental reivindica catolicidade
exclusiva, e considera as demais igrejas como heréticas e cismáticas.

Unanimidade Entre as Duas Igrejas.

a. Ambas possuem o Credo de Nicéia (com exceção da cláusula FILIOQUE), e


todos os credos doutrinais dos sete concílios ecumênicos, desde 325 a 787 AD, inclusive
a adoração de imagens.
b. Concordam na maioria das doutrinas pós-ecumênicas ou medievais, contra as
quais a Reforma Evangélica protestou:
• A autoridade da virgem Maria, dos santos, de suas gravuras, quadros e relíquias;
• Justificação pela fé e obras em iguais condições;
• O mérito das boas obras, especialmente da pobreza e celibato voluntários;
• Os sete sacramentos ou mistérios;
• A regeneração batismal e a necessidade de água batismal para a salvação;
• A transubstanciação e a conseqüente adoração dos elementos sacramentais;
• O sacrifício da missa para os vivos e os mortos, com preces pelos mortos;
• A absolvição, perdão sacerdotal, e isto por direito divino, etc....

Dissensão Entre as Duas Igrejas.

a. A processão do Espírito Santo: a Igreja Oriental ensina que o Espírito Santo


procede do Pai unicamente; e a Igreja ocidental ensina uma dupla processão: do Pai e do
Filho (FILIOQUE).
b. A autoridade universal e infalibilidade do Papa, afirmada pela Igreja de Roma,
e negada pela Igreja Grega.
c. A imaculada conceição de Maria, proclamada como um dogma pelo Papa em
1854, repudiada pela Igreja Oriental que, entretanto, na prática da mariolatria, iguala-se
ao Ocidente.
d. O casamento do clero inferior (ou menor), permitido pelo Oriente, e proibido
pela Igreja de Roma.
e. A remoção do copo dos leigos (na Igreja Grega os leigos recebem o pão
molhado no vinho e administrado com uma colher de ouro).
f. Um número de cerimônias menores peculiares ao Oriente, tais como a imersão
tríplice no batismo, o uso do pão levedado na eucaristia, comunhão infantil, etc.

OBS.: A despeito destas diferenças, a Igreja de Roma tem sempre reconhecido (ou sido
obrigada a reconhecer) a Igreja Grega como essencialmente ortodoxa, embora cismática.

Causas da Separação.
a. Durante os 6 primeiros séculos, o Oriente representou a corrente principal de
vida e progresso. Na Idade Média a Igreja Latina assumiu a tarefa de cristianizar e
civilizar as novas raças que surgiram no cenário. A Igreja Grega não conheceu uma Idade
Média e, em conseqüência, não teve uma Reforma.
b. As duas Igrejas jamais estiveram organicamente unidas sob um mesmo
governo, mas diferiam consideravelmente desde o início em linguagem, nacionalidade e
em várias cerimônias. Estas diferenças, no entanto, não interferiram com a harmonia geral
de fé e vida cristã, nem impediram a cooperação contra inimigos comuns.
c. As principais "sedes"do Oriente foram fundadas diretamente pelos apóstolos.
d. A Igreja Grega liderou em teologia até aos séculos VI ou VII, e a Igreja Latina
alegremente aprendeu dela. Todos os concílios ecumênicos tiveram lugar no Oriente, em
solo do Império Bizantino, em (ou nas proximidades de) Constantinopla, e a língua usada
era o grego, e não o latim.
e. O Papa Leão I foi o teólogo principal que controlou o concílio de Calcedônia e
deu forma à fórmula ortodoxa concernente às duas naturezas de Cristo numa só Pessoa.
Contudo, foi este mesmo papa quem protestou fortemente contra a ação do concílio que,
em harmonia com um cânone do segundo concílio ecumênico, colocou-o no mesmo nível
de igualdade com o novo bispo de Constantinopla. Com isto aproximamo-nos do segredo
da última separação e do antagonismo incurável entre as duas Igrejas.
f. Em realidade, três foram as causas principais da separação:

•A rivalidade político-eclesiástica do patriarca de Constantinopla, apoiado pelo
Império Bizantino, e o bispo de Roma, em conexão com o novo Império Germânico.
• A crescente centralização e a arrogante conduta da Igreja Latina no (e através do)
papado.
• O caráter estacionário do grego e o caráter progressivo da Igreja Latina durante a
Idade Média. Quando a Igreja Grega tornou-se estacionária, a Igreja Latina começou
a desenvolver sua maior energia; tornou-se a fecunda e frutífera mãe de novas e
vigorosas nações do Norte e Oeste da Europa, produziu a teologia mística e
escolástica, e uma nova ordem de civilização; construiu catedrais magnificentes;
descobriu um novo continente; inventou a imprensa e, com a renascença do
conhecimento, preparou o caminho para uma nova era da história do mundo. Assim,
a filha Latina ultrapassou a mãe Grega.

g. Quando as duas se separaram em espírito e se engajaram numa corrida anti-


cristã por supremacia, todas as pequenas diferenças doutrinárias e rituais assumiram
importância e peso indevidos, e foram taxadas como heresias e crimes. O bispo de Roma
vê no patriarca de Constantinopla um arrogante que deve seu poder à influência política
e não a uma origem apostólica. Os patriarcas orientais veem o Papa como o usurpador
anti-cristão e como o primeiro protestante. Estigmatizavam a supremacia papal como "a
principal heresia dos últimos dias...".

O Patriarca e o Papa (Fócio e Nicolau)

A primeira eclosão séria do conflito entre Roma e Constantinopla teve lugar após
a metade do século IX, quando Fócio e Nicolau, representantes das Igrejas rivais,
entraram em choque. Fócio não toleraria superior e Nicolau, nenhum igual; um baseava-
se no Concílio de Calcedônia e o outro das Decretais do Pseudo-Isidoro.
A deposição de Inácio como Patriarca de Constantinopla, por compreender a
imoralidade de César Bardas, e a eleição de Fócio, então um simples leigo, em seu lugar
(858), foram atos arbitrários e não canônicos, que criaram um cisma temporário no
Oriente, que preparou o caminho para o cisma permanente entre o Oriente e o Ocidente.
Nicolau, sendo solicitado a interferir como mediador por ambos os partidos, assumiu a
arrogante pretensão de juiz supremo, com base no Pseudo-Isidoro. Em 863, num Sínodo
realizado em Roma, decidiu em favor do inocente Inácio e sentenciou a deposição de
Fócio, com ameaças de excomunhão em caso de desobediência.
Fócio, enraivecido pela conduta de Nicolau, realizou um contra-sínodo e depôs ao
bispo de Roma (867). Fócio caiu com o assassinato de seu patrono imperial, Miguel III
(23 de setembro de 867). Foi preso incomunicável num convento.
Inácio foi restaurado ao poder após 10 anos de exílio e restabeleceu relações com
o Papa Adriano II (dezembro de 867). Inácio convocou um concílio geral na Igreja de
Santa Sofia (869), o qual é considerado pelos Latinos como o oitavo Concílio Ecumênico.
Neste concílio foi confirmado o decreto papal contra Fócio e em favor de Inácio.
Mas a paz era apenas artificial. Inácio recusou obedecer quando o imperioso Papa
João VIII mandou, sob pena de suspensão e excomunhão, que ele retirasse todos os bispos
e sacerdotes gregos da Bulgária. Inácio morreu a 23 de outubro de 877, ficando assim
livre de maiores complicações com o Papa.
Após a morte de Inácio, Fócio foi restaurado ao patriarcado, e convocou um
concílio em novembro de 879, que é considerado pelos orientais como o oitavo concílio
ecumênico (mas rejeitado pelos latinos). Este concílio anulou o concílio de 869,
considerando-o uma fraude; readotou o credo de Nicéia, com um anátema contra o
FILIOQUE (A expressão "Filioque", isto é, "e do Filho", foi acrescentada pela Igreja
Romana ao Credo para explicitar que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho).
Fócio foi deposto outra vez por Leão VII, gastou seus últimos anos de vida num
mosteiro, e morreu em 891 AD. Ele formulou as bases doutrinais do cisma, freou o
despotismo papal e assegurou a independência da Igreja Grega.

A Diferença Sobre a Tetragamia (4º casamento).

O quarto casamento do imperador Leão, o Filósofo (886-912), proibido pelas leis


da Igreja Grega, causou um grande cisma na Igreja (905).
O Patriarca Nicolau Místico protestou e foi deposto (906), mas o Papa Sérgio III
(904-911) sancionou o quarto casamento, que não era proibido no Ocidente, e também a
deposição do Patriarca.
O Imperador Leão, em seu leito de morte, restaurou o Patriarca deposto. O Sínodo
de Constantinopla de 920, ao qual se fez representar o Papa João X, declarou ilegal um
quarto casamento e não fez qualquer concessão a Roma. O Papa aquiesceu e o cisma foi
evitado.
Com Cerulário e Leão IX (1043-1059) o cisma é renovado e completado.

O Império Latino do Oriente - 1204-1251 AD.


Durante as Cruzadas o cisma foi agravado pelas atrocidades brutais dos soldados
franceses e venezianos no saque de Constantinopla (1204), o estabelecimento de um
Império Latino e a nomeação de bispos latinos à sé grega pelo Papa.
Muito embora este império artificial tivesse curta duração, deixou um triste legado
de ardente ódio. Igrejas e mosteiros do Oriente foram saqueados e profanados, os serviços
religiosos gregos foram objeto de zombaria, o clero perseguido, e cada lei de moral e
decência foi desafiada. Em Constantinopla, uma prostituta foi colocada no trono do
Patriarca, e ela cantou e dançou na Igreja para ridicularizar os hinos orientais.
Até mesmo o Papa Inocêncio III acusou os peregrinos por não haverem poupado
nem idade, nem sexo, nem profissão religiosa; e por praticarem adultério, fornicação e
incesto à luz do dia. Mas este mesmo Papa insultou a Igreja oriental, estabelecendo uma
hierarquia latina sobre as ruínas do Império Bizantino.
Tentativas Infrutíferas de Reunificação.

Os imperadores gregos, tremendamente pressionados pelos turcos, que


ameaçavam destruir seu trono, buscaram auxílio do ocidente mediante negociações com
o Papa. Mas os projetos ruíram diante do absolutismo papal.

• Concílio de Lião (1274) - Miguel Paleólogo (1260-1282), que expulsou os
latinos de Constantinopla (25 de julho de 1261), restaurou o Patriarcado grego,
mas entrou em negociações com o Papa Urbano IV para evitar o perigo de outra
cruzada para a reconquista de Constantinopla.

Um grande concílio geral ocorreu em Lião, com grande pompa e solenidade, com
o propósito de efetuar a reunificação. 500 bispos latinos, 70 abades e outros eclesiásticos
estavam presentes; e ainda embaixadores da Inglaterra, França, Alemanha e outros países.
A 7 de maio de 1274 o Papa deu abertura ao concílio com a celebração da missa,
e declarou os três objetivos do concílio:

• prestar auxílio a Jerusalém;
• união com os gregos;
• reforma da igreja.

Boaventura pregou o sermão; Tomás de Aquino, o príncipe dos escolásticos, que deveria defender
a doutrina latina da dupla processão, devia estar presente, mas morreu na viagem para Lião (7 de março de
1274).
Os legados imperiais foram tratados cortesmente, abjuraram o cisma, submeteram-se ao papa e
aceitaram os princípios distintivos da Igreja de Roma.
Mas os Patriarcas Orientais não foram representados, o povo de Constantinopla repudiou a união
com Roma e a morte do despótico Miguel Paleólogo (1282) foi também a morte do partido pró-Roma e a
formal revogação do ato de submissão a Roma.

O Concílio de Ferrara - Florença (1438-1439)

Outra tentativa de reunificação foi levada a efeito por João VII Paleólogo no
Concílio de Ferrara, convocado pelo Papa Eugênio IV, por ocasião do concílio
reformador de Brasle. Foi transferido para Florença.
Os pontos principais da controvérsia foram discutidos:

1. a processão do Espírito;
2. o purgatório;
3. o uso de pão não-levedado;
4. a supremacia papal.

O concílio foi assistido pelo imperador, pelo patriarca, por 21 prelados orientais,
entre estes Bessarion de Nicéia (o qual se converteu).
O decreto do concílio foi uma submissão completa do oriente ao Papa. A fórmula
grega sobre a processão foi declarada idêntica à fórmula latina FILIOQUE.
O Papa foi reconhecido não só como sucessor de Pedro e vigário de Cristo, mas
também como a cabeça de toda a igreja, pai e mestre de todos os cristãos.
O documento da reunião foi assinado pelo papa, pelo Imperador, pelos arcebispos
e bispos, representantes de todos os patriarcas orientais, exceto o patriarca de
Constantinopla que havia morrido em Florença.
Mas quando os termos humilhantes da reunião foram divulgados, o Oriente e a
Rússia ergueram-se em rebelião contra os latinizadores como traidores da fé ortodoxa.
Os Patriarcas condescendentes renunciaram abertamente, e o novo Patriarca de
Constantinopla, Metrófanes, foi forçado a renunciar.

Após a Queda de Constantinopla.

Em 1453 AD Constantinopla foi tomada pelos turcos, e a queda do Império


Bizantino pôs um fim a todo esquema político de reunião, mas abriu o caminho para a
propaganda papal no Oriente. Os gregos odeiam o Papa e o FILIOQUE, tanto quanto
odeiam o falso profeta de Meca.
Durante o século XIX o cisma foi intensificado pela criação de dois novos
dogmas: a imaculada conceição de Maria (1854) e a infalibilidade papal (1870). Quando
o Papa Pio IX convidou os Patriarcas orientais para assistirem ao Concílio Vaticano, eles
recusaram indignados, e renovaram seu velho protesto contra a usurpação anti-cristã do
papado e a herética FILIOQUE.
O absolutismo papal e a estagnação oriental têm-se demonstrado barreiras
intransponíveis para a união das duas Igrejas. Desde 1948, porém, as relações entre as
Igrejas Ortodoxa e Romana têm experimentado grande progresso e mudança para melhor.
Os papas João XXIII e Paulo VI, e o Patriarca ecumênico Atenágoras, foram os
fatores principais desta mudança. O fato de o Patriarca de Moscou ser representado por
observadores desde a sessão do Vaticano II também é importante.
O primeiro movimento de progresso ocorreu com a mensagem de Natal de 1958
do Papa João XXIII ao Patriarca Atenágoras, que respondeu imediata e positivamente,
enviando um cartão de ano novo no início de 1959.
Durante a primeira e a segunda sessão do Concílio (1962/1963) somente as igrejas
da Rússia e da Geórgia enviaram observadores. Já na terceira sessão, observadores de
Constantinopla e Alexandria estiveram presentes, e, na sessão final, outras igrejas
estiveram representadas.
O Papa Paulo VI continuou os esforços de seu antecessor. Em sua visita a
Jerusalém em 1964, ele e o Patriarca de Jerusalém encontraram-se amigavelmente.
Em 1965 os anátemas entre Roma e Constantinopla foram anulados, suspensos de ambas
as partes - anátemas que vigoraram desde 1054. Isto foi seguido da visita do Papa Paulo
VI ao Patriarca ecumênico Atenágoras em Istambul, e a visita de retribuição a Roma por
Atenágoras em 1967.
Após isto, a Igreja Ocidental devolveu relíquias de vários santos às igrejas de
Jerusalém, Creta e outros lugares, evidenciando assim boa vontade.
Hoje, teólogos das Igrejas Católica e Ortodoxa reúnem-se nos EUA, sob os
auspícios de suas respectivas igrejas. O progresso para melhor continua.
DOIS MOVIMENTOS FORTALECEM O PODER PAPAL

I. Monasticismo Medieval
Entre os séculos VI e X a Igreja Latina passou por um período de marcada
decadência, seguida por uma definida ressurreição do poder. Após a grande migração dos
povos bárbaros em direção ao sul e oeste no séc. V, a Igreja Ocidental foi severamente
abalada e necessitava emergir de sua prostração. As trevas tinham se espalhado sobre a
Gália, Itália e Espanha, e segurança e ordem deveriam ser restauradas a fim de permitir o
desenvolvimento de atividades religiosas e culturais. Tal restauração começou sob Carlos
Magno, quando escolas foram estabelecidas em muitos lugares, não somente pelos
clérigos, mas também por jovens nobres.
Numerosos mosteiros (dai o termo “monasticismo”) foram fundados. Em muitos
lugares os monges penetraram novas regiões, abriram florestas, e estabeleceram novas
colônias. Estes mosteiros se tornaram os centros da erudição medieval. Aqui a arte de ler
e escrever foi zelosamente mantidas, e de tais centros as cortes dos príncipes e reis eram
supridas com escribas e homens cultos. E, naturalmente, os assuntos ensinados nestes
mosteiros eram de uma natureza predominantemente religiosa.
Durante o período sob consideração encontramos três grandes movimentos
monásticos:

• O movimento reformador de Cluny;
• Bernardo de Claraval entre os Cistercianos;
• Frades Franciscanos e Dominicanos.

O monasticismo era uma das características predominantes da vida medieval.


Mas, enquanto que no Oriente a meditação era a ocupação central dos monges, no
Ocidente a ênfase era colocada sobre atividade, em adição à oração. E os mosteiros eram
governados, em geral, pelas regras Beneditinas do séc. VI, que requeriam pobreza,
castidade, obediência, piedade e labor. Esta rigorosa disciplina, no entanto, era
freqüentemente suavizada; e indulgência, inutilidade e vício se seguiam. A mundanidade
se introduziu, a educação foi negligenciada, e serviços religiosos freqüentemente
degeneravam em profunda formalidade. E a má reputação resultante originou o primeiro
Movimento Reformador de Cluny.

1. O Movimento de Cluny Aspira ao Domínio Mundial


O Mosteiro de Cluny, perto de Macon, na França oriental, foi fundado em 910
AD, pelo Duque Guilherme, o Pio, da Aquitânia. Seu abade seria escolhido pelos monges,
sem influência externa, e esta instituição logo se tornou um dos principais centros de
erudição.
No séc. XII já existiam mais de 300 mosteiros, espalhados pela França, Itália,
Espanha, Polônia e Inglaterra; e no séc. XV se contavam 825 mosteiros. Todos estavam
sob o controle do abade-geral de Cluny.
O abade deste famoso mosteiro de Cluny, impelido pelo conceito de A Cidade de
Deus, de Agostinho, tinha como seu alvo a reforma de todos os conventos e o clero, e o
treinamento de um vasto exército de monges. Mais que isto, seu alvo era controlar a
cadeira papal, e assim tornar realidade o conceito de Agostinho de um reino milenial na
forma de domínio eclesiástico universal. Na verdade, o espírito de Cluny estava por detrás
do ambicioso sonho de Hildebrando de domínio mundial. Entre 1122 e 1156 Cluny
alcançou o pico de seu poder, sendo inferior apenas a Roma como o principal centro do
mundo Católico.
Os monges de Cluny que ocuparam a cadeira papal foram Gregório VII
(Hildebrando), Urbano II , Pascoal II e Urbano V.

2. Papas Monásticos Aproveitam-se da Situação.

Esta poderosa força foi logo usada pelos papas monásticos em seu objetivo de
assegurar o domínio mundial. Segundo Harnack, "Quais eram os alvos deste novo
movimento que tomou conta de toda a Igreja na segunda metade do séc. XI? Num
primeiro momento, e principalmente, a restauração nos próprios mosteiros da 'velha'
disciplina, da verdadeira abnegação do mundo e piedade; mas também, primeiro, o
treinamento monástico de todo o clero secular; segundo, a supremacia do clero
monasticamente treinado sobre o mundo leigo, sobre príncipes e nações; terceiro, a
redução das igrejas nacionais, com seu orgulho e secularidade, em favor da uniforme
supremacia de Roma".
É significativo que esta ambição de governar o mundo se opunha diretamente a
sua anterior renúncia a ele. Sem a reformadora influência de Cluny e sua energia, a fraca
igreja de Roma não teria sido forte o suficiente para alcançar o ápice de seu poder,
dominando o mundo e submetendo os reis aos seu comando.

3. Bernardo de Claraval (1090-1153)


O segundo impulso para uma nova vida, uma vida baseada no antigo rigor
monástico, foi dado por Bernardo de Claraval, uma das maiores figuras do séc. XII. Em
1112, aos 22 anos de idade, entrou para um mosteiro Cisterciano. Em contraste com os
monges de Cluny, que centralizavam toda a autoridade no abade de Cluny, os Cistercianos
mantinham a posição de que cada mosteiro era independente, mas todos ligados ao papa
por voto de obediência direta. Com este passo dado, os monges tornaram-se auxiliares de
Roma, com o controle de sua organização centralizado no papa.
Bernardo tornou-se um reavivalista, um poderoso pregador. Escreveu vários livros
e poderosos poemas, e sua influência se espalhou amplamente. Até mesmo Lutero e
Calvino prestaram tributo a ele. Embora conhecesse a obra dos Pais da Igreja, Bernardo
era predominantemente um homem de um livro só - a Bíblia Vulgata (tradução do AT
para o latim), que ele conhecia de capa a capa. Cinqüenta anos após a sua morte, o
movimento por ele iniciado tinha alcançado o número de 530 mosteiros.

4. Os Frades Revolucionam o Antigo Ideal Monástico


No início do séc. 13, após as reformas monásticas de Cluny e dos Cistercianos,
aparece uma nova expressão do ideal monástico na forma de várias ordens de frades - de
fato, era completamente o reverso do antigo ideal monástico. Observe o contraste:

•"Viva", dizia o monge, "como se você estivesse sozinho neste mundo com
Deus".
• "Viva", diziam Francisco de Assis e Santo Domingos, "como se você existisse
unicamente por causa dos outros".
Tão diferente era sua concepção de monasticismo, que os frades foram proibidos
até mesmo de entrarem num mosteiro. As ordens antigas haviam enfatizado o completo
abandono da vida do mundo, e a preocupação com a salvação pessoal na quietude austera
da vida monástica. As novas ordens plantavam-se deliberadamente em meio à agitação
da sociedade, e procuravam se fazer indispensáveis à humanidade.
A ordem dos Frades Franciscanos se originou, naturalmente, com Francisco de
Assis, na Itália (1182-1226). Em 1208 ele sentiu o impulso de sair e pregar e curar os
doentes como Jesus fizera. Ele e alguns companheiros abandonaram toda conexão com o
mundo e saíram, pés descalços, para cantar, pregar e habitar entre a classe desprezada.
Logo muitos o seguiram, vendo neste modo de vida o único remédio para a corrupção do
mundo.
Esta ordem cresceu enormemente. Seus ideais iniciais mudaram, e grandes igrejas
foram construídas, especialmente na Itália, para acomodar as vastas multidões que
vinham para ouvir os populares pregadores franciscanos ou Minoritas, como eles se
chamavam também.
A Ordem Dominicana foi fundada por Domingos de Castela (1170-1221) e reconhecida
por Honório III em 1216. Sua preocupação era pregar a doutrina correta, estabelecer a fé
verdadeira e eliminar toda heresia do reino de Cristo. Os Dominicanos enfatizavam o
intelectualismo, eram excelentes Latinistas e altamente instruídos em Teologia e Lei
Canônica. Tornaram-se ativos nas cidades universitárias e alguns se tornaram mestres em
Paris, Oxford, Montpellier e Toulouse. Tomás de Aquino foi um de seus maiores
luminares.
Enquanto os Dominicanos se orgulhavam de suas bibliotecas, os Franciscanos se
orgulhavam de seus hospitais. Esta é talvez a melhor ilustração da diferença entre as duas
ordens. Em 1223 a Ordem Dominicana ficou com a responsabilidade de levar avante a
obra da Inquisição. Como inquisidores, tornaram-se um grupo distinto, dissociando-se do
cuidado pastoral das almas. Tinham poder sobre sacerdotes e bispos, e contra suas
decisões não havia apelo, a não ser à corte papal.
Estas duas ordens surgiram no período em que o poder papal estava alcançando
seu clímax, e, ao mesmo tempo, atingindo alta degeneração espiritual. E, embora sendo
dóceis instrumentos nas mãos do papado, enfatizavam, contudo, o lado espiritual da vida
religiosa, buscando deste modo contrabalançar e, de certo modo, redimir os efeitos
deletérios de uma hierarquia eclesiástica que se havia separado dos preceitos simples de
Cristo.

II. A Contribuição do Escolasticismo para o Poder Papal.

1. Surgimento das Escolas das Catedrais e universidades.

Juntamente com o crescimento das cidades, grandes igrejas e catedrais foram


erigidas, e escolas, que freqüentemente refletiam as escolas puramente monásticas. Ainda
durante este período, outro tipo de instituição entrou em cena - as universidades.
O contraste entre aquelas universidades e as de hoje é, naturalmente,
surpreendente e vasto. Não tinham bibliotecas, laboratórios, museus, edifícios próprios,
mesas administrativas, não publicavam catálogos, não tinham sociedades estudantis, etc.
Não obstante, por maiores que sejam as diferenças, permanece o fato de que as
universidades de nosso século são descendentes lineares daquelas da Idade Média. Pelo
menos cinco das modernas universidades remontam ao século XII: Salerno, Bolonha
(Itália), Paris, Montpellier e Oxford.
Durante a última parte da Idade Média, Paris tornou-se a mais importante
instituição educacional da Europa, de tal sorte que no século XIII costumava-se dizer:
"Os italianos têm o papado, os alemães têm o império, mas os franceses têm a
universidade".
Por volta do século XIV haviam quarenta e cinco universidades independentes na
Europa. Os cursos de estudos nestes centros eram baseados nas assim chamadas "artes
liberais". O termo "artes" meramente significava os diferentes ramos do saber ensinados
naqueles dias. Esses eram divididos em dois grupos:

a. TRIVIUM: gramática (linguagem), retórica (oratória) e dialética (lógica).


b. QUADRIVIUM: aritmética, geometria, astronomia e música.

O período de estudos estendia-se de 7 a 9 anos. Quatro a cinco anos eram


necessários para o grau de baccalaureus artium (B.A. – Bacharel) e três a quatro mais
para o magister artium (M.A. – Mestre).
Para receber um grau de Mestre, o candidato deveria conhecer o máximo da
filosofia de Aristóteles, isto é, a ética, metafísica e política. Após receber este grau, o
estudante passava para as faculdades superiores de teologia, lei ou medicina.
O curso de teologia em Paris requeria um mínimo de oito anos antes que o grau
de Doutor fosse conferido ao estudante.

2. A Filosofia se torna Mestra da Religião.

Nas escolas das catedrais e mais tarde nas universidades, aplicava-se intensamente
a dialética no campo da religião, e grandes esforços foram feitos para traduzir dogma em
conceitos racionais, e revelação em filosofia. Em outras palavras, uma tentativa foi feita
para compreender e interpretar toda verdade religiosa mediante raciocínio filosófico.
Foi assim que, do conflito entre tradicionalismo e livre inquirição, surgiu o
escolasticismo. A Filosofia, inicialmente, era considerada serva da Religião, mas agora
tornara-se sua mestra, deixando sua marca sobre todo dogma e interpretando toda
doutrina.
Na definição de um dogma ou doutrina, ou na decisão de um caso, Aristóteles e
sua metafísica tornou-se autoridade última mais freqüentemente do que a Bíblia. Assim,
o escolasticismo foi estabelecido como um sistema filosófico-teológico.
Entre os grandes nomes do escolasticismo estão Anselmo, Abelardo e Pedro
lombardo, Alexandre de Hales, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Boaventura, Roger
Bacon, Duns Scotus e William de Occam.

3. Escrituras Sustentam toda Extravagância.


Considerava-se que a Bíblia continha um significado mais profundo e místico,
assim seus versos eram alegorizados a ponto de nada permanecer da simplicidade da
Palavra. A Teologia desenvolveu-se em um sistema de ginástica mental, e assuntos sem
nenhuma importância prática eram discutidos ao infinito. Exemplos:

• buscava-se estabelecer até a hora exata em que Adão pecara,
• ou se um anjo poderia estar em vários lugares ao mesmo tempo,
• ou quantos anjos caberiam na cabeça de um alfinete,
• se o homem na ressurreição receberia de volta a costela que perdeu no Éden,
• etc.
Grosseiras perversões resultaram. Enviados papais pisavam sobre os decretos dos
imperadores sobre a base de "alimente meus cordeiros". O plural "chaves" (da declaração
de Jesus em Mateus 16:19) era apresentado como prova de que o papa tinha poder real e
pontifical. E a Inquisição era defendida com as palavras: "Eles os ajuntarão em feixes e
os queimarão" (cf. Mateus 13:30).
O escolasticismo ortodoxo tratava a letra da Escritura - mesmo suas porções mais
claras - como um enigma, destruindo o significado do AT, em uma tentativa de fazê-lo
falar a linguagem da tradição da igreja. Dessa forma, transformaram as Escrituras em um
livro de profundos mistérios, com selos que somente sacerdotes e monges poderiam abrir,
assim mantinham a Bíblia fora do alcance das multidões.
Exatamente como o monasticismo tornou-se um instrumento dócil nas mãos da
hierarquia romana, o escolasticismo proveu os eruditos que ajudaram a igreja a cristalizar
suas doutrinas e a estabelecer suas bases. Com Tomás de Aquino o escolasticismo atingiu
o seu clímax.

O APOGEU DO PODER PAPAL

Até aqui, atenção foi localizada sobre dois dos mais importantes fatores
modeladores da vida medieval - monasticismo e escolasticismo. Ao mesmo tempo, notou-
se como ambos foram utilizados para fortalecer a estrutura da igreja papal.
Voltamos agora especificamente ao eclesiasticismo e aos três grandes arquitetos
do edifício papal medieval e, conseqüentemente, do crescente poder da Igreja Católica
Romana. São eles: Gregório VII (1073- 1085), Inocêncio III (1198-1216) e Bonifácio
VIII (1294-1303).
Apesar dos tempos turbulentos, estes três papas, cujos pontificados cobrem um período de mais
de 200 anos - cada qual separado por uma centena de anos um do outro - foram bem-sucedidos em erigir
a estrutura da Igreja Romana como permanece até hoje. É verdade que a Igreja Romana existiu antes de
Gregório VII, mas tinha uma fisionomia diferente. Através de Gregório sua face foi alterada, e ela se
tornou a Igreja Romana, o poder do mundo. Gregório deixou sua marca indelével sobre ela.

1. Tempo de Transição na Europa.

Este período de 200 anos foi repleto de momentosos eventos:

• Esta era testemunhou o surgimento das grandes ordens mendicantes e o


reavivamento que se seguiu;
• Esta foi a época das grandes Cruzadas, e da conquista e perda da terra santa.
• Fundação das grandes universidades de Bolonha, Paris, Oxford que, com o
escolasticismo, fortaleceram as bases intelectuais do poder papal;
• Durante este período de progresso, a arquitetura gótica e normanda começaram
a construir as grandes catedrais. Todas as artes foram feitas servas da religião;
• Estabelecimento da Santa Inquisição, envolvendo a teoria de perseguição a
judeus e hereges como de direito divino, e as terríveis cenas de crueldade, tortura e morte
que se seguiram.
• Ainda durante este período, como resultado das cruzadas, principalmente, o
cisma entre Oriente e Ocidente completou-se.
Finalmente, este período de 2 séculos é uma época de personalidades fortes e
dominadoras:

• Papas - os acima citados, considerados os maiores papas da Igreja;
• Monarcas - Guilherme, o Conquistador, Frederico Barbarroxa, Frederico II,
Ricardo Coração de Leão;
• Monges famosos - S. Bernardo, Francisco de Assis, S. Domingos;
• Escolásticos - Anselmo, Abelardo, Alberto Magno, Tomás de Aquino,
Boaventura e Duns Scotus.

Esta combinação de grandes personagens e de grandes movimentos dá a este


período uma variedade de interesses para o estudante de História Eclesiástica, como
poucos períodos o fazem.
Durante este período, subiram ao “trono de Pedro” três homens que se provaram
inteiramente capazes de enfrentar o desafio de seu tempo, de controlar as circunstâncias,
e de modelar o destino da Igreja e, realmente, do inteiro mundo Ocidental pelos séculos
vindouros, para melhor ou para pior.

2. Gregório - Seu Grandioso Conceito de Igreja.

Conhecido como Hildebrando, o monge de Cluny, fabricante de papas e verdadeiro


poder por detrás do trono muito antes de ele mesmo tomá-lo em suas mãos. Nascido perto
de Florença, de família humilde, por algum tempo viveu em Cluny. Lá, na solidão das
escuras florestas e na reclusão do claustro, teve seu sonho da Igreja como a noiva de
Cristo, da igreja como a executora da vontade divina, a representante visível de Deus
sobre a Terra. A Igreja, portanto, deveria ser reconhecida como a mais alta ordem social
no mundo - maior que príncipes e duques, maior que reis, maior mesmo que o imperador.
A Igreja, em resumo, deveria governar o mundo.

1. A Eleição de Hildebrando (Gregório)


Alexandre faleceu em 21 de Abril de 1073. A cidade, usualmente turbulenta após
a morte de um papa, estava tranqüila. Hildebrando decretou três dias de jejum com litanias
e preces pelo morto, após o que os cardeais procederiam a eleição do novo papa. Mas
antes do fim dos serviços fúnebres, o povo gritou: "Hildebrando será o papa".
Hildebrando procurou alcançar o púlpito para acalmar a multidão, mas o cardeal Hugo
Cândido antecipou-se e declarou:
"Senhores e irmãos, nós sabemos como, desde os dias de Leão IX, Hildebrando
tem exaltado a santa Igreja Romana e defendido a liberdade da cidade. E como não
podemos encontrar um homem melhor para o papado, nem mesmo um igual a ele, vamos
elegê-lo; é um clérigo de nossa igreja, bem conhecido e aprovado entre nós".
Os cardeais exclamaram na fórmula usual: "São Pedro elege Hildebrando papa".
2. As Reformas de Gregório

a. Em março de 1074, em um Sínodo em Roma, decretou estrito celibato para os


sacerdotes, proibiu todo futuro casamento sacerdotal, ordenou aos sacerdotes casados
dispensar suas esposas ou cessar o trabalho, e ordenou aos leigos não frequentar os
serviços religiosos dirigidos por sacerdotes casados que não cumprissem este decreto.
b. Hildebrando atacou a prática da simonia (a venda de cargos da igreja pelo preço
mais alto), uma prática contra a qual muitos papas tinham lutado em vão.

c. Intimamente ligada com a simonia estava a terceira reforma de Gregório: a


abolição da investidura leiga (compra de títulos eclesiásticos). Desta maneira Gregório
pensava erradicar a simonia para sempre e, ao mesmo tempo, emancipar a igreja da
dependência dos poderes seculares.

Hildebrando não era somente um sonhador; era um construtor prático. Se a igreja


deveria ocupar sua posição sobre a terra, deveria ser reformada, raciocinava ele. Ela
deveria se tornar um corpo unificado, com oficiais dignos deste alto chamado. Ela deveria
se tornar uma ecclesia militans (igreja militante). Ela deveria se tornar um exército, e cada
soldado nela deveria estar livre dos cuidados da vida comum.

3. Clássico Exemplo da Arrogância Papal


Gregório VII versus Henrique IV

A questão da investidura leiga levou naturalmente Gregório a colidir com o


imperador.
Henrique IV recusou-se em concordar com as exigências papais. Ele pronunciou
a deposição de Gregório no Sínodo de Worms em 1076.

"Henrique, rei, não por usurpação, mas pela santa orientação de Deus, a
Hildebrando, não papa, mas um monge falso. Como tu te atreveste, tu que chegaste ao
poder mediante esperteza, bajulação, suborno e força, estender tua mão contra o ungido
do Senhor, desprezando o preceito do verdadeiro Papa, São Pedro: 'Teme a Deus, e
honra ao rei?' Tu, que não temes a Deus, desonras-me, Seu eleito. Condenado pela voz
de todos os nossos bispos, deixa o trono papal e permite que outro o ocupe, que pregará
a doutrina correta de S. Pedro e não fará violência sob a capa de religião. Eu, Henrique,
pela graça de Deus, rei, com todos os meus bispos, dizemos-te: 'Desça, desça'".
Ao mesmo tempo, Henrique escreveu aos cardeais e ao povo romano para ajudá-
lo na eleição de um novo papa. Rolando, um sacerdote de Parma, foi o portador da carta
a Gregório, exatamente quando este se encontrava reunido com 110 bispos num sínodo,
e concluiu sua mensagem com estas palavras:
"Eu vos digo, irmãos, que deveis comparecer diante do rei, no Pentecostes, para
receber de suas mãos um papa e pai; pois este homem aqui não é papa, mas um lobo
devorador."
No dia seguinte, 22 de fevereiro de 1076, Gregório excomungou e depôs a
Henrique IV, absolvendo os súditos deste do voto de obediência e lealdade. Ao mesmo
tempo, excomungou a todos os bispos alemães e italianos que o haviam deposto em
Worms.
Henrique convocou, então, um concílio nacional, que se reuniu em Worms no dia
15 de maio, para protestar contra a pretensão de Gregório em unir, em uma só mão, as
duas espadas que Deus havia separado. Mas este concílio foi um fracasso, poucos bispos
compareceram. E um outro concílio convocado para Mainz, 29 de junho, não foi melhor
do que o anterior, e Henrique viu-se forçado a negociar. Prelados e nobres abandonaram-
no; a Saxônia foi perdida. E a Dieta de Tribur, no castelo imperial de Mainz, 16 de outubro
de 1076, exigiu que ele se submetesse ao papa, e obtivesse a absolvição papal dentro de
12 meses a partir da data da excomunhão, com o risco de perder a coroa.
Henrique deveria comparecer perante a Dieta a ser realizada em Augsburg no dia
2 de fevereiro de 1077, sob a presidência do papa. Enquanto isto, Henrique deveria
permanecer em Spires, em estrito isolamento, acompanhado apenas da esposa, o bispo de
Verdu, e de uns poucos servos escolhidos pelos nobres. Aí permaneceu ele por 2 meses,
cortado dos serviços da Igreja e dos negócios do Estado. Finalmente, decidiu buscar sua
absolvição, como o único meio de salvar a coroa. Não havia tempo a perder; dentro de
poucas semanas ocorreria a Dieta de Augsburg, que decidiria sua sorte.
Henrique IV tomou então uma decisão dramática, que se revestiu da maior
importância política: encontrar-se com o papa, antes que este chegasse a Augsburg, a fim
de conseguir dele a almejada absolvição. Cruzou os Alpes, no inverno, acompanhado de
sua esposa, seu filho de apenas 5 anos, e de um servo fiel, e procurou Hildebrando no
norte da Itália, em sua viagem para a Alemanha.
Hildebrando estava no castelo de Canossa e para lá se dirigiu Henrique,
apresentando-se 3 dias seguidos diante do portão do castelo, pés descalços, como um
penitente. Mas Gregório só absolveria a Henrique com a condição de rendição da coroa
e das dignidades reais.
Finalmente, o papa decide recebê-lo, sob a condição de que o rei se submeteria às
decisões da Dieta, que seria presidida pelo papa. Enquanto isto, o rei devia abster-se do
exercício de suas funções reais. O documento de submissão foi assinado por Hugo, abade
de Cluny, pelos bispos, nobres e pelas condessas Matilde e Adelaide.
Em muitos sentidos foi uma vitória política para o rei. No entanto, na memória
dos homens, o fato ficou conhecido como o maior ato de humilhação do império medieval
ante o poder da igreja.

4. Dictatus Papae
A concepção de Gregório da natureza do poder papal e do lugar destinado ao
Papado é expresso nos Dictatus, um documento encontrado entre as cartas de
Hildebrando, após sua morte. Embora não se possa estabelecer a autoria, representam o
ponto de vista de Gregório tão acuradamente, como se tivesse sido escrito por sua própria
mão. Aqui estão algumas de suas pretensões:

• A Igreja Romana foi fundada por Deus somente.


• Somente o bispo Romano é apropriadamente chamado “universal”.
• Somente o bispo Romano tem poder para depor e restaurar bispos.
• O papa é a única pessoa cujos pés devem ser beijados por todos os príncipes.
• O papa tem poder para depor imperadores.
• O papa pode absolver os súditos de toda e qualquer lealdade aos potentados
temporais injustos.

O clímax da pretensão papal é alcançado no artigo 22 do Dictatus: "A Igreja Romana


nunca errou e, de acordo com as Escrituras, nunca errará, por toda a eternidade".
5. Avaliação

1. Os Terrores da Excomunhão e Interdito

O historiador Schaff faz o seguinte julgamento crítico do absolutismo papal:


"Intolerável e anti-bíblico como seja o esquema de absolutismo papal de
Hildebrando como uma teoria de valor permanente, foi, no entanto, muito melhor para
a Idade Média que o Papado dominasse. Este domínio foi, em realidade, um despotismo
espiritual; mas pôs em cheque o despotismo militar que seria a única alternativa, e que
teria sido muito pior. A Igreja, afinal de contas, representou os interesses intelectuais e
morais contra as paixões violentas e forças rudes. A Igreja não poderia cumprir seu
papel a menos que fosse inteiramente livre e independente. Os príncipes da Idade Média
eram, na sua maioria, déspotas ignorantes e licenciosos; enquanto que os papas, no seu
caráter oficial, advogavam a causa do saber, a santidade do casamento, e os direitos do
povo. Foi, portanto, um conflito da moral contra o poder físico, da inteligência contra a
ignorância, da religião contra o vício.
O sistema teocrático fez da religião o fator dominante na Idade Média européia,
e deu ao Catolicismo uma oportunidade para fazer o seu melhor. A influência da Igreja,
como um todo, foi benéfica. O entusiasmo pela religião inspirou as grandes cruzadas,
levou o Cristianismo aos pagãos selvagens, construiu as imponentes catedrais e muitas
igrejas, fundou as universidades e a teologia escolástica, multiplicou as ordens
monásticas e as instituições de caridade, pôs em cheque as paixões descontroladas,
refinou as maneiras, estimulou as descobertas e invenções, preservou a literatura cristã
e dos clássicos antigos e promoveu a civilização”.

3. Inocêncio III, o Mestre da Cristandade.

Um século se passou antes que outro papa do calibre de Gregório ascendesse ao trono
papal. Era jovem - 37 anos - de família nobre, de nome Lotário. Tornou-se Inocêncio III,
o mais poderoso de todos os pontífices e que alcançou o alvo de um governo teocrático
sobre todo o mundo, que Gregório tinha sonhado. Sob Inocêncio, o Papado alcançou seu
clímax - o auge do poder controlador.
Inocêncio III governou de 1198 a 1216. Estudou lei em Paris e Bolonha, e era não
somente um erudito, mas um homem nascido para governar. Tem sido dito que Gregório
foi o Júlio César, mas Inocêncio III foi o Augusto do império papal. O ambicioso esquema
que Gregório VII tinha projetado, Inocêncio realmente realizou. De fato, em audácia, ele
superou a Gregório. Sob ele a sé de Pedro se tornou o trono do mundo, e de sua
chancelaria cartas aos reis e governantes, cardeais e bispos, eram enviadas quase
diariamente. Ele colocou toda a Europa sob seu calcanhar.
Ele pretendia que não somente toda a Igreja foi confiada a Pedro, mas também todo
o mundo. Em outras palavras, o papa era não somente o vigário de Cristo, mas o próprio
vigário de Deus sobre a Terra, assim significando que através de Cristo o poder espiritual
sobre as almas foi confiado a ele, mas, como vigário de Deus, que ele é o governador do
universo. E, para fortalecer esta pretensão, ele usou, com tremendos efeitos, duas terríveis
armas: Excomunhão e Interdito.
Os Terrores da Excomunhão e Interdito

Excomunhão - o indivíduo que estivesse sob sua condenação era desta forma feito um
pária (excluído) social. A ninguém era permitido dar-lhe abrigo, e ele era não somente
excluído de toda proteção legal, mas era semelhantemente privado dos sacramentos da
igreja. E, como a vida eterna, segundo a crença medieval, era possível somente
participando dos sacramentos, a pessoa excomungada estava, desse modo, condenada à
perdição. Desta forma a vida do leigo, fosse rei ou servo, estava completamente nas mãos
do seu padre confessor.

Interdito - era dirigido contra uma cidade, uma região ou um reino. Era usado para forçar
um governante a obedecer. Todos os ritos religiosos, exceto batismo e confissão, eram
suspensos. Praticamente parava todo governo civil, pois as cortes de justiça eram
fechadas, e oficiais públicos de toda espécie eram proibidos de funcionar. Uma maldição
repousava sobre a terra ou a cidade. Sob Inocêncio começou a ser empregado para
propósitos políticos. Isto é ilustrado nos bem conhecidos conflitos papais com Filipe da
França e João da Inglaterra, que foram submetidos por meio de interditos, sendo que o
último foi deposto e forçado a entregar seu reino ao papa, e recebê-lo de volta sob
pagamento anual, como vassalo do papa.

2. O Quarto Concílio de Latrão (1215)

Mais importante que sua quase irrestrita política controladora sobre a Europa, foi
seu incansável esforço para aumentar o poder religioso da Igreja Latina. Neste campo, o
evento coroador de sua vida foi o Quarto Concílio de Latrão, a mais esplêndida reunião
desta espécie em muitos séculos. 412 bispos, 800 abades e priores, e um grande número
de delegados representando os prelados ausentes. Representantes do Imperador Frederico
II, Imperador Henrique de Constantinopla, e os Reis da Inglaterra, França, Aragão,
Hungria e Jerusalém, e outras cabeças coroadas estavam presentes.

3. Transubstanciação Estabelecida
Entre muitas outras ações, duas das mais importantes foram tomadas. Uma foi a
exata definição e canonização do dogma da transubstanciação (o pão e o vinho se tornam
o próprio corpo e sangue de Cristo por ocasião da missa). Daqui por diante qualquer
definição divergente do dogma da Eucaristia seria heresia. A outra foi a legalização da
Inquisição.
Transubstanciação significa que o corpo e sangue real de Cristo estão
verdadeiramente contidos nos sacramentos do altar, sob a mera forma de pão e vinho; o
pão sendo transubstanciado no corpo, e o vinho, no sangue de Cristo pelo divino poder
exercido pelo sacerdote. O resultado disto é claro: aumentou o poder do sacerdote ao seu
último limite, e tornou-o o único mediador entre Deus e o povo. Isto porque suas mãos
ministradoras eram as únicas capazes de operar este supremo milagre de transformar o
pão e o vinho no corpo e sangue real de Jesus Cristo, recriando, por assim dizer, o Filho
de Deus, a fim de que o fiel pudesse participar de Seu corpo real, sem o que não haveria
salvação.
Assim, em realidade, as "chaves" do céu e inferno estavam nas mãos do sacerdote.
E isto era precisamente o que a Igreja sempre ensinara.
4. A Inquisição Estabelecida por Ação do Concílio
A segunda ação importante tomada pelo Quarto Concílio de Latrão, sob a
liderança de Inocêncio III, foi o estabelecimento canônico da Inquisição, ou sistematizar
a perseguição da heresia por ação do Concílio, o trabalho de exterminação sendo
denominado "sagrado" (santo ofício).
A luta contra os heréticos tinha sido uma prática longamente estabelecida na Igreja
Romana. Mas agora foi completamente fixada pelos decretos do Concílio. Previamente,
o Sínodo de Tours (1163) tinha introduzido os começos dos métodos inquisitoriais, e tinha
proibido os católicos de se misturarem com os Albigenses. Mas foi deixado para
Inocêncio III instituir o Santo Ofício, como a Inquisição foi chamada.
Em seu famoso sermão de abertura deste notável Concílio de 1215, Inocêncio
empregou o vívido simbolismo de Ezequiel 9 - o homem vestido de linho, aplicando-o ao
papa e passando através da igreja, e assinalando os justos. E os seis homens, com suas
"armas esmagadoras", eram os bispos que puniriam a todos os não-assinalados com
banimento e morte.
As próprias indulgências foram oferecidas àqueles que tomassem parte na
exterminação dos heréticos como foram aos participantes nas Cruzadas. Os bispos foram
instruídos a fazer uma ronda, no mínimo uma vez ao ano, com o expresso propósito de
descobrir os heréticos.
Embora presumivelmente agindo sobre o princípio de manter a fé pura, a igreja
assumiu um poder que não lhe pertencia. Ela colocou irmão contra irmão. Invadiu a
santidade do reino da consciência, e colocou em ação um movimento que resultou na
indescritível agonia de incontáveis vidas. O resultado se tornou evidente nos tempos
posteriores com a exterminação dos Albigenses, seguindo pelo massacre de inumeráveis
Valdenses, dos Mouros na Espanha e, mais tarde, de milhares de Protestantes em toda a
Europa. E tudo isto em nome de Cristo, o mais compassivo dos Mestres.

5. Deixa a Igreja no Pináculo do Poder


Pouco depois do término do Concílio, Inocêncio morreu, aos 65 anos de idade,
mas deixando a igreja papal no próprio zênite (topo) de seu poder, tendo fortalecido seus
fundamentos tanto quanto a sabedoria terrestre o permitia. Assim, ao tempo da morte de
Inocêncio, o princípio teocrático estava plenamente estabelecido. Era então geralmente
admitido que o bispo de Roma era o representante de Deus sobre a Terra, que o papa e o
sacerdócio realmente constituíam a igreja visível, e que o direito da igreja a suas
possessões era invulnerável. Semelhantemente era admitido que o papa é o último juiz
em todos os assuntos espirituais, e o despenseiro de honras temporais, o único guardião
da fé e o supremo juiz de assuntos seculares, com poder para reprimir e extirpar os
opositores.
"Nenhum outro portador da tiara papal deixou após si tantos resultados
significantes para o bem ou para o mal, para o futuro da igreja. Sob ele o Papado
alcançou o cume de seu poder e prerrogativa seculares. Os princípios do governo
sacerdotal foram plena e inteligentemente elaborados. O código de Lei eclesiástica foi
completado e imposto. Todos os príncipes Cristãos da Europa foram levados a
reconhecer o domínio absoluto do sucessor de São Pedro. Todo o clero obedecia sua
vontade como a única lei suprema. Heresia era lavada em sangue. As Decretais Pseudo-
Isidorianas e o sonho de Hildebrando tornaram-se realidade" (Philip Schaff).
4. Bonifácio VIII - Clímax da Presunção.

Assumiu o trono papal com cerca de 80 anos de idade, mas ainda cheio de vigor,
presunção e vanglória. Era dominador e implacável, e destituído de ideais espirituais.
Foi para Latrão, não cavalgando um asno (como seu antecessor Pedro de Murhone, o
eremita), mas sobre um palafrém branco (cavalo de parada dos reis e nobres da Idade
Média), com uma coroa sobre a cabeça, vestido com todas as vestes pontificais. Dois
soberanos o acompanharam - os reis de Nápoles e Hungria. As festividades foram de
incomum esplendor.
Suas pretensões superaram em arrogância tanto a Gregório VII como a Inocêncio III.
Citava Jeremias 1:10 ("Olha que hoje te constituo sobre as nações, e sobre os reinos,
para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares, e também para edificares e
para plantares") para deserdar reis e transferir reinos, e pretendia ser o árbitro final das
disputas da Cristandade.

1. A Mais Presunçosa Bula Papal


Unam Sanctam - Segundo o historiador Schaff, nesta bula "a arrogância do papado
alcançou sua mais clara e irritante expressão".
Foi emitida por Bonifácio em 18/11/1302, durante sua histórica luta com Filipe, o
Belo, da França, embora a luta tivesse iniciado sem 1296. Conquanto escrita em frases
poderosas, não teve o efeito desejado sobre o rei da França. Esta bula, de fato, estabelece
a autoridade do Papado sobre os príncipes em sua forma mais extrema. Dá-lhe o pleno
direito de empunhar as duas espadas (poder religioso e poder temporal) e declara herético
todo indivíduo fora da Igreja Romana.
A Unam Sanctam começa assim: "Unam sanctam ecclesiam catholicam et ipsam
apostolicam urgente fide credere cogimur et temere... extra quam nec salus est, nec
remissio peccatorum" ("Constrangido por nossa fé, somos obrigados a crer e sustentar
que há uma só igreja santa, católica e apostólica... Fora dela não há salvação nem remissão
de pecados").
E conclui climaticamente: "Além disso, toda criatura humana está sujeita ao pontífice
Romano - isto nós declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos ser necessário para
a salvação".

2. Pretensões Advogadas até Hoje

Através da emissão desta bula os princípios orientadores da igreja de Roma foram


plenamente estabelecidos. Não foi meramente uma explosão de pomposidade medieval
em grandiloqüência bombástica, mas uma bula que a igreja se orgulha em dizer que
declara seus princípios básicos até hoje. Na Catholic Encyclopedia lemos:
"Levanta-se a questão se é legal para a igreja, não meramente sentenciar um
delinqüente a penalidades físicas, mas também aplicar estas penalidades. Para isto, é
suficiente notar que o direito da Igreja de invocar o auxílio do poder civil para executar
suas sentenças é expressamente declarado na Bula de Bonifácio VIII 'Unam Sanctam'".
3. Reclama Prerrogativas de César
Bonifácio tinha seus legados espalhados por toda a Europa, e, em suas relações
políticas colocava em prática aquilo que havia escrito. Quando os embaixadores de
Alberto I, recentemente eleito Imperador da Alemanha, solicitaram a sanção papal, é dito
que Bonifácio os recebeu assentado sobre o trono, tendo uma coroa sobre a cabeça e
empunhando uma espada. Ele exclamou: "Eu, eu sou o imperador!" É de se surpreender
que a profecia de Daniel concernente à Ponta Pequena (cap. 7 em diante) falando grandes
coisas estava já encontrando uma nova e pronta interpretação?
No ano jubileu de 1300, Bonifácio, assentado sobre o trono de Constantino,
cingido com a espada imperial, usando a coroa, e acenando com um cetro, gritou para a
multidão de peregrinos leais: "Eu sou César - Eu sou Imperador!".

4. Fim de Bonifácio
Mas no conflito com Filipe, o Belo, Bonifácio foi muito longe. Filipe não estava
disposto a atender às exigências papais. Em Anagni, a cidade natal de Bonifácio (para
onde havia ido para escapar ao forte calor de Roma) o papa foi aprisionado, e o clamor
ressoou: "Morte ao Papa Bonifácio! Vida longa ao Rei da França!". O povo bandeou para
o lado dos soldados e os cardeais fugiram aterrorizados.
Bonifácio, entretanto, com a estola de S. Pedro, colocou a coroa imperial sobre a
cabeça e, com as chaves de S. Pedro em uma mão e a cruz na outra, assentou-se no trono
papal. Bonifácio foi libertado e faleceu um mês mais tarde.
Assim, o declínio do papado medieval como o supremo governador e árbitro da
Europa realmente começou com Bonifácio VIII.

5. Exploração Papal Induz Aplicação Profética


Foi durante este período da Idade Média, quando o poder papal crescia mais e
mais, suas pretensões espirituais se tornaram mais extravagantes, suas regras mais
intolerantes, e suas presunções mais audaciosas, que um novo conceito de seu caráter
começou a surgir em um crescente número de clérigos em diferentes lugares.
A compreensão de seu real caráter levou monges e abades, bem como bispos e
arcebispos, a clamar contra este afastamento papal da primitiva simplicidade e pureza.
Foi isto que impeliu homens fortes a protestarem contra sua intromissão nos direitos dos
homens e as prerrogativas de Deus, e eventualmente aplicar ao papado os símbolos
proféticos - Mistério da Iniqüidade, Homem do Pecado, Besta, Babilônia, Prostituta e
Anti-Cristo. Foi durante o ponto alto do Papado que Eberhard (1200-1246 - Arcebispo de
Salzburgo, Áustria) chamou a sé de Roma de “sinistro Chifre Pequeno de Daniel 7”.
Além disto, os protestos não se limitaram ao interior da igreja - desde a Bretanha
no Norte até a Itália no Sul, e desde a França no Oeste através de toda a Europa, mas
também fora da Igreja, como os Valdenses, que tinham a mais clara percepção de tudo.
E mesmo entre os Judeus a convicção foi expressa por Don Isaac Abrawanel, antes
que a Reforma tivesse formulado sua posição, que o Chifre Pequeno de Daniel 7 não era
outro senão o "governo do papa". Tal foi o tríplice coro de testemunho para o significado
profético do Papado. Assim, foram os próprios atos audaciosos e a arrogância do Papado
que levaram a aplicação da profecia à sua ambiciosa carreira.
Sumarizando, pode-se dizer que foi o efeito cumulativo dos pontificados de
Gregório VII, Inocêncio III e Bonifácio VIII, que levou a uma nova fase da interpretação
profética, que agora se centralizava na identificação do Anti-Cristo da profecia sob seus
múltiplos nomes, sendo todos aplicados a um e o mesmo poder - o Papado Romano.

A ERA DO DECLINIO DO PAPADO E OS SINAIS DA


REFORMA
1294 – 1517 d.C.

Abusos do Poder Papal


Os sucessores de Inocêncio III não foram capazes de interpretar os sinais dos
tempos; conseqüentemente, falharam em se ajustar, e a suas administrações, às condições
em mudança na Europa. Eles continuaram a política de Inocêncio III e tentaram mesmo
efetuar uma maior centralização de poder temporal e espiritual no ofício do Papado. Toda
oposição foi suprimida. Alguns dos mais horríveis capítulos na história das perseguições
pertencem a esta era.
Após o fim da guerra contra os Albigenses em 1229, Gregório IX tornou a heresia uma
ofensa capital (punível com a morte), e insistia que o Estado deve assistir a Igreja na
supressão da heresia. Todos os reis da Europa concordaram em tornar a heresia punível
com a morte, exceto na Inglaterra, onde se tornou ofensa capital em 1401. Após 1252, a
tortura era usada como um meio de fazer o acusado confessar, e os hereges impenitentes
eram queimados. A Inquisição tornou-se um departamento autorizado da administração
da Igreja. As leis foram mudadas para facilitar a acusação de heresia, classificando toda
espécie de oposição (ou criticismo) de "heresia", e dificultando ao acusado sua defesa.
Foram instituídos tribunais especiais de Inquisição, sob a responsabilidade dos monges,
e sob direta supervisão papal. Esses tribunais especiais tinham poder ilimitado em
assuntos de heresia.
A lei Romana foi durante a maior parte da Idade Média a lei básica. No séc. XIII
a lei da Igreja foi colocada em pé de igualdade com ela. Em uma nova coleção chamada
Decretalium Gregorii IX Compilatio a lei da Igreja foi colocada acima da lei imperial de
Roma. Em 1234, uma quantidade de cargos administrativos foi criada na corte papal,
incluindo a Rota Romana, ou a mais alta corte da Igreja, e a Camera Apostolica, ou
Departamento de Finanças. A manutenção da supremacia papal mundial e a máquina
administrativa tinha um alto custo financeiro. A política resultante de levantamento de
fundos incluía simonia e venda de indulgências. Logo as pessoas começaram a reagir
desfavoravelmente à Igreja por causa da forte opressão financeira.

O Cativeiro Babilônico da Igreja (1305-1376)


Quando Bonifácio VIII ascendeu à cadeira papal, a sé de S. Pedro ainda possuía
o poder e influência conquistados por Gregório VII e Inocêncio III. Bonifácio continuou
as arrogantes afirmações de supremacia papal, sem considerar o novo espírito de
nacionalismo que começava a aflorar nos domínios da igreja. O novo conceito de
monarquia foi apresentado por Dante em sua De Monarchia, na qual ele insistia que o
império derivava sua existência diretamente de Deus e não da Igreja. O reavivamento da
vida na cidade exigia governo próprio e liberdade do controle monástico; o reavivamento
das viagens, comércio, indústria e bancos também desenvolveram um espírito de
independência contrário ao domínio papal.
Em sua luta com Bonifácio, Filipe (o Belo) da França foi excomungado e o reino
colocado sob interdito. Mas Benedito XI (1303-1304) anulou os decretos contra Filipe e
à nação francesa. Nove meses após sua elevação ao ofício papal ele morreu, e foi sucedido
por Clemente V (1304-1314), um francês que previamente tinha prometido apoiar a
política francesa. Ele transferiu a Cúria papal para a cidade francesa de Avinhão, onde o
papado teve sua sede por aproximadamente 70 anos; daqui o termo "cativeiro babilônico",
em memória do exílio dos judeus em Babilônia.
Durante este período o papado foi manifestamente subserviente aos interesses
franceses, com 7 sucessivos papas franceses:

• Clemente V - 1304-1314
• João XXII - 1316-1334
• Benedito XII - 1334-1342
• Clemente VI - 1342-1352
• Inocêncio VI - 1352-1362
• Urbano V - 1362-1370
• Gregório XI - 1370-1378

A imoralidade prevalecente na corte papal abalou o prestígio papal, sendo exigida


uma reforma. O pesado fardo financeiro imposto pelo papado e os questionáveis métodos
de levantamento de fundos afastou as nações do papa e da Igreja. O Papa Clemente V
dissolveu a Ordem dos Cavaleiros Templários em 1312, e confiscou os bens dos
membros, um ato impopular que suscitou séria oposição ao papado. Vários papas
prometiam sob juramento, antes da eleição, que restaurariam a corte papal a Roma, mas
após a eleição este voto era violado.

O Cisma Papal (1378-1417)


A morte de Gregório XI foi seguida pelo cisma da Cristandade Ocidental, que
durou quarenta anos, e provou-se ser pior para a Igreja que o cativeiro em Avinhão. A
Igreja sempre teve anti-papas, desde os dias de Gregório VII, desde os dias de Wibert de
Ravenna, escolhido pela vontade de Henrique IV, até Pedro de Corbara, eleito por Luís
da Bavária. Agora, porém, duas linhas de papas, cada qual eleita por um colégio de
cardeais, reinavam: uma em Roma, outra em Avinhão, ambas pretendendo ser a legítima
sucessora de S. Pedro.
Em 7 de Abril de 1378, dez dias após a morte de Gregório, o conclave ocorreu no
Vaticano e, no dia seguinte, foi eleito o arcebispo de Bari, Bartolomeu Prignano (Urbano
VI - 1378-1389). Dos 16 cardeais presentes, 4 eram italianos, 11 franceses, e 1 espanhol
(Pedro de Luna, mais tarde Benedito XIII). O partido francês foi enfraquecido pela
ausência de 6 cardeais que ficaram em Avinhão e outro que estava ausente. A eleição de
um italiano que não era membro da cúria foi o resultado da divisão dos franceses e da
atitude compulsiva da população de Roma, que insistia em um italiano para papa.
Uma cena de selvagem e irrestrita turbulência prevalecia na praça de S. Pedro. A
multidão ocupava todos os espaços. Para prevenir o êxito dos cardeais, os Banderisi (ou
capitães dos 13 distritos em que Roma estava dividida) ocuparam a cidade e fecharam os
portões. A multidão, determinada a manter o papado na Itália, enchia o ar com irados
gritos e ameaças: "Teremos um romano para papa ou, no mínimo, um italiano". Na
primeira noite os soldados bateram suas lanças no recinto inferior à câmara onde o
conclave se reunia, e mesmo a forçaram através do teto. Um fogo foi aceso sob a janela.
Na manhã seguinte, como os cardeais estavam falando às massas do Espírito Santo e
envolvido em outras devoções, o clamor se tornou mais alto e ameaçador. Segundo o
historiador Schaff, o cardeal d'Aigrefeuille cochichou para Orsini: "melhor eleger o diabo
que morrer". Foi sob tais circunstâncias que o arcebispo de Bari foi escolhido. O novo
pontífice foi coroado a 18 de Abril, pelo cardeal Orsini, com o nome de Urbano VI.
No momento de sua eleição não houve qualquer dúvida acerca de sua
legitimidade. Todos os cardeais em Roma prometeram submissão a Urbano, e em uma
carta datada de 8 de Maio anunciaram ao Imperador e a todos os cristãos a eleição e
coroação. Os cardeais em Avinhão também o reconheceram, ordenando que as chaves do
castelo de Santo Ângelo lhe fôssem entregues. É provável que ninguém teria pensado em
negar os direitos de Urbano se o papa tivesse voltado para Avinhão ou se submetido aos
membros franceses da cúria.
Raramente alguém teve uma oportunidade para fazer coisas dignas e conquistar
um grande nome como teve Urbano VI. Era a oportunidade para colocar um fim aos
distúrbios na Igreja por manter a residência do papado em sua antiga sede, e restaurar a
dignidade que havia perdido. Urbano, entretanto, não era igual à ocasião, e falhou
completamente. Ele violou todas as leis da prudência e tato. Insultou e afastou- se de seus
cardeais, e estes, ressentidos e magoados, consideraram-no um intruso na cadeira de S.
Pedro.
Inflamados pelos ataques feitos aos seus hábitos e propriedades, e sobre suas
simpatias nacionais, os cardeais franceses, pretextando o calor da cidade, retiraram-se um
a um para Anagni, enquanto Urbano seguia para sua residência de verão em Tivoli. Seus
colegas italianos o seguiram, mas depois se juntaram aos franceses. Nenhum papa tinha
sido deixado tão sozinho. Formando um corpo compacto, os membros franceses da cúria
exigiram a renúncia do papa.
Em uma declaração datada de 02 de Agosto, Urbano foi denunciado como
apóstata, e sua eleição declarada inválida em razão das circunstâncias sob as quais
ocorreu. Dizia que os cardeais estavam mortalmente aterrorizados pelos romanos. Se ele
não renunciasse, seria anatematizado (amaldiçoado). Urbano replicou em um documento
chamado Factum, insistindo na validade de sua eleição.
Retirando-se para Fondi, em território Napolitano, os cardeais franceses
realizaram uma nova eleição, a 20 de Setembro de 1378, sendo escolhido Roberto de
Genebra, que foi consagrado a 31 de Outubro com o nome de Clemente VII. Estava com
36 anos de idade e gozava a reputação de ser um político e viver desregradamente. Era de
se prever que ele mandaria a sede papal para Avinhão.
Ambos entraram em disputa, buscando apoio político para sua causa. Assim o
cisma foi completado, com dois papas eleitos pelo mesmo colégio de cardeais sem uma
voz discordante, e cada um reclamando as prerrogativas de supremo pontífice da
Cristandade. Cada papa lançou os mais severos juízos do Céu contra o outro. As nações
da Europa e suas universidades estavam divididas em sua "obediência".
O cisma papal logo levantou protestos indignados dos melhores homens da época.
A Cristandade Ocidental nunca tinha visto tal escândalo. As pretensões divinas do papado
começaram a ser questionadas, e escritores como Wyclif exigiam do papa um retorno à
simplicidade apostólica numa dura linguagem como ninguém ousara utilizar
anteriormente. Muitas dioceses tinham dois responsáveis; abadias, dois abades;
paróquias, dois sacerdotes. A manutenção de dois papas envolvia um crescente fardo
financeiro, e ambas as cortes papais acrescentaram às velhas práticas novos métodos para
arrecadar fundos. Os agentes de Clemente VII iam a todos os lugares, esforçando-se por
conquistar apoio por sua obediência, e as nações, aproveitando-se da situação, exaltavam
sua autoridade em detrimento do poder papal.

Movimentos Reformatórios
A Igreja Medieval tinha alcançado o pico em seu desenvolvimento. O papado
alcançou poder absoluto, somente para usá-lo em interesse próprio, permitindo abusos
que finalmente o solaparam. A Igreja e o mundo esperavam por uma reforma moral e
espiritual. Uma reforma era necessária na Igreja e um desejo geral por tal reforma existiu
durante todo o período.
Este desejo por reforma encontrou expressão em movimentos que serão
brevemente considerados.

1. Defensor Pacis

Livro escrito por Marcílio de Pádua e João de Jandum em 1324. Foi a mais importante
contribuição sobre a relação entre a Igreja e o Estado no final da Idade Média. Um novo
ideal para a Igreja foi proposto: a Igreja deveria se tornar mais democrática e limitar-se à
sua esfera própria - o bem-estar espiritual da humanidade. A sociedade européia foi muito
perturbada por causa da indevida intromissão da Igreja nos negócios do Estado.
Uma nova concepção do Estado foi também proposta: o Estado repousaria sobre a
soberania do povo comum. O povo controlaria o legislativo através de representantes
eleitos popularmente. O poder executivo seria deixado nas mão de um rei eleito que
governaria em harmonia com uma constituição aceita.
O livro promulgava a soberania do povo comum também sobre a Igreja. O próprio
povo elegeria seus sacerdotes e oficiais. Estes oficiais da Igreja eleitos popularmente
constituiriam o Concílio Geral, que seria o mais alto poder espiritual sobre a Terra. Os
sacerdotes não deveriam ter propriedades ou poder secular; seus salários seriam pagos
pelo Estado. A Lei Canônica seria abolida e a Igreja seria colocada sob o controle do
Estado. O dever essencial do sacerdote era pregar o Evangelho e administrar os
sacramentos. O sacerdote e a Igreja não eram mediadores essenciais entre o homem e
Deus. Cada indivíduo tem acesso direto a Deus através da fé.
Sumarizando, o livro afirmava:

• a necessidade de uma reforma;
• o princípio Estado-Igreja;
• individualismo religioso;
• liberalismo político;
• democracia moderna;
• as Santas Escrituras como única fonte de fé.

2. William de Ockam - 1280-1349

O mais influente teólogo de seu tempo. Afirmava que:



• o papa não é infalível;
• o papado não é uma instituição necessária;
• que o Concílio Geral, e não o papa, é a mais alta autoridade na Igreja;
• a Bíblia é a única fonte infalível em assuntos de fé e conduta;
• em todos os assuntos seculares a Igreja e o papa são subordinados ao Estado;
• a Igreja é a comunidade dos fiéis.

A filosofia de Ockam exerceu uma forte influência sobre Lutero.

3. Jean Charlier Gerson - 1363-1429

Conhecido como "doutor christianissimus". O mais influente líder teológico da


primeira metade do 15º século. Era ele o espírito movedor no Concílio de Pisa (1409).
Embora ausente, contribuiu para suas discussões por seus tratados sobre a Unidade da
Igreja e a Remoção de um Papa. Foi o delegado do rei francês no Concílio de Constança.
Ele cria que:

a. uma cabeça visível da Igreja em Roma era necessária, mas um Concílio Geral
era superior ao
papa;
b. uma reforma genuína era necessária na "cabeça e membros" da Igreja;
c. a Bíblia era a única fonte e regra de conhecimento cristão.

4. Nicolau de Cusa - 1401-1464


Sua obra sobre a Unidade Católica (De Concordantia Catholica) apresenta as
seguintes idéias:

•um Concílio Geral, inspirado pelo Espírito Santo, fala verdadeira e
infalivelmente;
• a Igreja é o corpo dos fiéis - unitas fidelium - e é em um Concílio Geral;
• o papa deriva sua autoridade do consentimento da Igreja;
• um Concílio tem poder para destroná-lo por heresia outras causas;
• Pedro não recebeu mais autoridade de Cristo que os outros apóstolos.

Reformadores antes da Reforma

1. John Wyclif (1320-1384)

Conhecido como “A Estrela da Manhã da Reforma” e, ao tempo de sua morte,


“Doutor do Evangelho”. Tornou-se o líder de um forte movimento de reforma que se
espalhou sobre a Inglaterra e certas partes do continente.
Wyclif nasceu enquanto o papado estava em seu Cativeiro Babilônico em
Avinhão. Durante os primeiros anos de seu sacerdócio testemunhou a enorme perda de
prestígio do papado. Educado em Oxford, onde veio a ensinar, proficiente em lei civil e
canônica, Wyclif tornou-se um gigante espiritual e intelectual.
Lutou por dois princípios:

1 - livrar a Igreja de sua conexão com os negócios temporais;


2 - efetuar uma reforma doutrinal, substituindo a tradição da Igreja pela "lei do
Evangelho".

Em 1377 ele negou o poder sacerdotal de absolver pecados. Nesse ano suas
posições teológicas foram pela primeira vez questionadas. A hierarquia estava alarmada.
Gregório XI emitiu cinco bulas em 27 de maio de 1377, condenando suas posições e
intimando-o a responder às acusações de insubordinação e heresia, reprovando Oxford
por não ter atuado contra ele e autorizando seu aprisionamento.
Em 1378 Gregório XI morreu. Houve o início do novo cisma. Isto evitou ações
adicionais contra Wyclif. O cisma levou Wyclif a não ser mais fiel ao papado. O ano de
1378 foi o ponto decisivo em sua vida. Seu sentido espiritual estava chocado. O
espetáculo de dois papas (como descrito anteriormente) lhe era horrível. Toda a
instituição parecia ser do mal. De apoiador mudou para antagonista. Nos dois papas via
"duas metades do Anti-Cristo, e juntos perfazendo o perfeito homem do Pecado".
Desde 1378 ele organizou uma equipe de pregadores itinerantes, que espalhava
sua doutrina entre o povo da terra. A doutrina também se espalhou pelo continente e,
levada até Praga, foi o meio de iluminar John Huss. Em 1382 Wyclif concluiu o maior
trabalho de sua vida - a tradução da Bíblia para o Inglês.
As usurpações do papado - sua "espoliação" das igrejas, seu orgulho, o caráter
mundano de seu governo e suas pretensões de domínio hierárquico sobre o mundo - foram
atacadas por Wyclif como levando a estampa do Anti-Cristo - um nome que ele aplicou
ao papa e ao papado em inúmeras passagens em seus últimos anos.
Wyclif considerou o papa como o Homem do Pecado, o chifre pequeno e o
verdadeiro Anti-Cristo da profecia. Em sua tradução da segunda epístola aos
Tessalonicenses (1380) e do Apocalipse, ele contemplou o real caráter do Homem do
Pecado e a mulher de Apocalipse 17. Wyclif aplica o nome “Anti-Cristo” a todos os papas
coletivamente, freqüentemente referindo-se ao papa como cumprindo a profecia paulina
de II Tessalonicenses, concernente ao Homem do Pecado.
As conclusões de Wyclif acerca do papado basearam-se nas profecias de Daniel,
Paulo e João. Suas exposições, contudo, não são comumente conhecidas porque estão em
Latim. Wyclif aplicou o princípio dia- ano ao tempo profético.
Seus ensinos podem ser resumidos assim:

• proclamava a doutrina bíblica da justificação pela fé no crucificado Salvador;
• a Bíblia como única fonte de fé;
• o papa não era infalível, e suas bulas e decretos não tinham autoridade, exceto
quando baseadas nas Escrituras;
• o clero não devia governar, mas servir e ajudar seu povo;
• o papa era o Anti-Cristo;
• era contrário à transubstanciação (anti-escriturística), às indulgências,
Cruzadas, peregrinações, relíquias.
Mas em 1401 a heresia foi classificada como ofensa capital na Inglaterra, e a
mera posse dos escritos de Wyclif era punida com a morte.
2. John Huss (1369-1415)
Foi mediante os escritos de Wyclif que Huss renunciou "a muitos erros do
romanismo" e entrou na obra da Reforma.
Condenado pelo Concílio de Constança, foi queimado vivo.

"Quando as chamas começaram a envolvê-lo, pôs-se a cantar: 'Jesus, Filho de


Davi, tem misericórdia de mim'; e assim continuou até que sua voz silenciou para sempre
(...) Huss já não mais existia, mas as verdades porque morrera, não pereceriam jamais"

3. Jerônimo de Praga
Jerônimo foi também condenado pelo mesmo Concílio de Constança e teve igual
sorte de Huss: a fogueira.
"Suas última palavras, proferidas quando as chamas se levantavam em redor dele, foram
uma oração: 'Senhor, Pai todo-poderoso, tem piedade de mim e perdoa meus pecados;
pois sabes que sempre amei Tua verdade' "
"A mão divina estava a preparar o caminho para a Grande Reforma"

Lutero Estabelece o Padrão para a Reforma


Martinho Lutero (1483-1546), o espírito mestre da Reforma, nasceu em Eisleben,
numa família humilde. Após estudos preliminares em Magdeburg e Eisenach, ele
começou a estudar lei em 1501, na Universidade de Erfurt, para o período usual de 4 anos.
Quando estudava em Erfurt, Lutero mostrou poder intelectual e erudição incomuns,
provocando admiração na Universidade.

1. A Bíblia Latina Desperta a Sua Alma

Foi em Erfurt, aos vinte anos de idade, que Lutero encontrou na Biblioteca um
exemplar completo da Vulgata (tradução da Bíblia para o latim). Anteriormente, tudo o
que ele conhecia da Bíblia era o que estava no Breviário, e as partes cantadas durante a
missa. A descoberta maravilhou-o. Ele estudou este Livro com intensa avidez, e foi
despertado para o desejo de conhecer a Deus. Abalado por uma perigosa doença e a súbita
morte de um amigo, Lutero sentiu-se despreparado para encontrar seu Deus. Ele almejava
propiciá-lo, mas estava convencido da inadequação de suas realizações passadas. “O
mosteiro deve ser o lugar, e penitência, o método”, ele pensava. Assim ele entrou para
um mosteiro Agostiniano. Dia e noite dedicou-se a orações, penitências, jejuns e auto-
mortificações.
Aqui Lutero renovou seus estudos das Escrituras com grande intensidade. Mas os
atributos da justiça e santidade divinas pareceram-lhe tremendamente terríveis. Um dia
Staupitz, que era um homem de profunda aspiração e entendimento espiritual, notou que
o jovem monge parecia angustiado e com a face pálida devido aos jejuns e longas vigílias.
Passo a passo, Staupitz dirigiu a atenção de Lutero da meditação sobre seus próprios
pecados para os méritos de Cristo; da lei para a cruz. Staupitz fê-lo entender que o
verdadeiro arrependimento não consiste em penitências e punições auto-infligidas, mas
em uma mudança de coração, e que no sacrifício de Cristo a vontade eterna de Deus foi
revelada. Assim Staupitz tornou-se seu melhor amigo, seu mais sábio conselheiro, e seu
pai espiritual. Nestas horas tranqüilas a semente da verdade foi lançada em seu coração,
o que produziria uma abundante colheita não muito depois.
2. Lutero Começa a Reforma enquanto era Professor na Universidade
Em 1502 Frederico III, eleitor da Saxônia, fundou a Universidade de Wittenberg,
e Staupitz tornou- se o primeiro deão de sua faculdade teológica. Esta foi uma das
primeiras Universidades européias a ensinar todas as três línguas antigas - Hebraico,
Grego e Latim. Em 1508 Staupitz convidou Lutero a ensinar. Em 1512 ele tornou-se
Doutor de Divindade "ad Bíblia" (Doutor das Santas Escrituras), votando defender a
Bíblia e suas doutrinas, e assim começou sua carreira como Reformador. Foi o começo
de uma nova época em sua vida, e em suas exposições ele abria o evangelho de "Cristo
justiça nossa" como o pensamento central de seus ensinos.
Em 1517 Lutero mantinha o triplo ofício de subprior, pregador e professor. Muitos
vinham ouvir as novas doutrinas tão convincentemente expostas. Neste meio tempo,
Lutero tinha escrito suas teses contra os escolásticos (Disputatio contra scholasticam
theologicam), e contra a doutrina escolástica da capacidade do homem de alcançar justiça.
Mas foram suas teses contra as indulgências que agitaram o mundo.

3. Crise Precipitada pelas Indulgências de Tetzel


A Catedral de São Pedro, em Roma, foi construída com dinheiro conseguido com
a venda de indulgências. Começou em 1506 sob Júlio II, sendo completada em 1626 a
um elevado custo. Na bula Liquet omnibus de Júlio II (11 de Janeiro de 1510), que excitou
a revolta de Lutero, nenhuma menção se faz de arrependimento e confissão como uma
condição para obter a indulgência, mas somente o seu pagamento. Por uma quantia extra
o pecador podia escolher seu próprio confessor. Assim tornou-se um expediente das
finanças papais.
Em 1514 Leão X começou a organizar coletas para a Catedral em larga escala.
Três comissões foram enviadas para a Alemanha e países vizinhos. Metade dos lucros
deveria ser remetido para a Santa Sé. Isto não foi executado até 1517, quando o negócio
das indulgências foi colocado nas mãos do dominicano John Tetzel. Oferecendo suas
indulgências próximo a Wittenberg, Tetzel apresentava o papa como o despenseiro da
misericórdia do céu, e a fonte de luz, graça e salvação.
Vendo a corruptora influência destas indulgências entre seus próprios
paroquianos, Lutero recusou absolver os pecados daqueles que apresentavam uma
indulgência comprada de Tetzel. Portanto, a centelha imediata que deu início à Reforma
não veio da cadeira teológica, nem mesmo do púlpito, mas de um fiel pastor que se
levantou para proteger seu rebanho de dano espiritual. Quando Tetzel ouviu que Lutero
não respeitava suas indulgências, começou a ameaçá-lo com a Inquisição, mas Lutero era
o último que seria intimidado com tal ameaça. Sua indignação não podia ser reprimida e,
segundo o costume acadêmico da época, escreveu Noventa e Cinco Teses contra as
indulgências (95 teses sobre a justificação pela fé) e, a 31 de Outubro de 1517, afixou-as
à porta da Igreja do castelo.
Elas foram também enviadas, com uma carta de explicação, ao Arcebispo Alberto
de Mainz. Assinada por "Martinho Lutero, Monge da Ordem de Santo Agostinho", elas
asseguravam a completa insuficiência do papa para conceder perdão ou salvação, e
estabelecia a auto-suficiência de Cristo. Elas solicitavam àqueles que desejassem discutir
as proposições a fazê-lo em pessoa ou por carta. Seu efeito imediato foi surpreendente, e
sua ousadia aturdiu o povo. Dentro de pouco tempo elas foram copiadas, impressas e
espalhadas por toda a Europa. Sua voz, ecoando por toda a Cristandade, foi ouvida por
amigos e inimigos. Seu impacto produziu um poderoso choque, dando aos homens uma
nova visão de Cristo que não podia passar despercebida.
4. Primeiras Insinuações de que o Papado é o Anti-Cristo
Inicialmente, Leão X estava disposto a ignorar o movimento de Lutero em
Wittenberg como uma contenda entre monges. Mas cinco meses mais tarde julgou
necessário designar uma comissão de investigação sob a direção do erudito dominicano
Silvestre Mazzolini, também chamado Priérias, confessor papal e censor oficial de Roma.
Priérias imaginava que Lutero fosse um ignorante e um herético. Em sua refutação das
teses ele identificou o papa com a Igreja de Roma, e a Igreja de Roma com a Igreja
Universal, e denunciou todo afastamento dela como heresia. Lutero publicou uma réplica
em Agosto de 1518. A questão se ampliou. Enquanto que no começo era um assunto de
parar certos abusos no seio da igreja, agora se tornou um assunto da autoridade da igreja
versus a consciência do indivíduo.
Lutero ainda se considerava um fiel filho da igreja. Mas toda aquela situação o
atormentava terrivelmente. Dúvidas sobre a posição do Papado tornaram-se cada vez mais
fortes, e, numa carta de 11 de Dezembro de 1518, escrita a Wenceslau Link, ele disse:
"... o verdadeiro Anti-Cristo mencionado por S. Paulo reina na corte de Roma e
é, como eu penso que posso provar, uma peste maior que os turcos."
Karl von Miltitz, um nobre da Saxônia, foi enviado como núncio papal para tentar,
pela diplomacia, conduzir o assunto a uma conclusão satisfatória. Em 6 de Janeiro de
1519 ele encontrou-se com Lutero em Altenburg, e foi parcialmente bem-sucedido. Tetzel
foi reprovado e Lutero prometeu pedir perdão ao papa e advertir o povo contra o pecado
de separar-se da mãe igreja. Em sua carta ao papa, em 3 de Março de 1519, Lutero
expressou sua mais profunda humildade ao Santo Padre, mas sem se retratar de suas
conscienciosas convicções. Ao mesmo tempo, entretanto, em seu estudo da história da
igreja, dúvidas se levantavam em sua mente sobre a validade das decretais sobre as quais
a primazia papal se baseava. Assim, poucos dias mais tarde (13 de março), ele escreveu
confidencialmente a Spalatin:
"Eu estou examinando as decretais pontificais com vistas a minha disputa [em
Leipzig]; e eu não estou seguro se o Papa é o próprio Anti-Cristo ou somente seu
apóstolo, tão cruelmente é Cristo (que é a verdade) corrompido e crucificado por ele em
suas decretais".

Lutero Alcança Conclusões sobre o Anti-Cristo Papal


Um passo adicional em se tornar mais firmemente estabelecido em suas convicções dos
poderes anticristãos revelados no Papado, foi precipitado pela disputa com Dr. Eck, a
qual ocorreu em Junho e Julho de 1519, em Leipzig. Os tópicos discutidos compreendiam
não somente indulgências, purgatório, etc., mas centralizaram-se finalmente na questão
da "superioridade da Igreja Romana por direito humano ou divino".Embora a disputa não
fosse muito satisfatória em si, ajudou a Lutero a entender a complexidade das questões
envolvidas, e a compreender a ampla divergência entre seus pontos de vista e aqueles
promulgados por Roma, bem como a compreender que o abismo era praticamente
intransponível.

1. Crescentes Convicções
Em 24 de Fevereiro de 1520 Lutero escreveu a Spalatin uma carta que revela sua
convicção acerca da natureza do Papado: "Eu estou praticamente num beco sem saída, e
não posso duvidar, de que o Papa é realmente o Anti-Cristo,... por causa do modo de sua
vida, ação, palavras e mandamentos".
O ano de 1520 também viu surgir os três grandes tratados da Reforma. O primeiro
foi "À Nobreza Cristã da Nação Alemã". Ele não somente clama por reformas religiosas
e a abolição de todos os abusos do clero, mas também por um movimento político de
afastamento de Roma. Em inequívoca linguagem, Lutero descobre todas as práticas
depravadas da corte Romana e as exigências anti-bíblicas da lei canônica. E embora ele
não ataque o sistema hierárquico da igreja como tal, ele a quer separada de todo
comprometimento secular. Ele diz: "O Papa deveria ser o cabeça e líder de todos os
soldados do Céu, contudo ele se envolve mais em assuntos mundanos que qualquer rei
ou imperador."
Embora Lutero, neste tratado, não identifique o papa com o Anti-Cristo, ele
mostra claramente como o papa tem dado pleno escopo para os poderes anti-cristãos
operarem na igreja e é, portanto, diretamente responsável.

2. Claras Conclusões Alcançadas


Em 18 de Agosto de 1520 fez a seguinte declaração:
"... o papado é a sede do verdadeiro e real Anti-Cristo... Pessoalmente eu declaro
que não devo obediência ao papa, como não devo ao Anti-Cristo".

Liberdade Religiosa Percebida e Proclamada

Em seu segundo tratado, "Sobre o Cativeiro Babilônico da Igreja", publicado em


Outubro de 1520, Lutero discutiu os diferentes sacramentos da igreja. O primeiro
documento fora um ataque à hierarquia, mas este atingia o centro do sistema romano - os
sacramentos como meios de graça quando ministrados pelos sacerdotes. O clímax é
alcançado com sua clássica declaração sobre a liberdade de consciência, que iluminou o
caminho para todos que lutaram e lutam por liberdade religiosa.
Seu terceiro tratado, "A Liberdade do Cristão", o documento mais espiritual dos
três, foi enviado ao papa Leão, com uma dedicatória. Este atingia diretamente a teologia
da Igreja Romana ao afirmar o sacerdócio de todos os crentes como resultado da fé
pessoal em Cristo. As posições estavam bem claras: Lutero atacara a hierarquia, os
sacramentos e a teologia da Igreja e ainda apelava para uma reforma.

A Ruptura Final com Roma

1. O Esforço de Roma para Silenciar Lutero

Neste meio tempo, a corte papal estava em atividade. Em 15 de Junho a bula


Exsurge Domini foi promulgada, condenando as teses de Lutero e ordenando-lhe retratar-
se de seus erros dentro de sessenta dias ou ser preso e levado para Roma. Foi a última
bula dirigida à Cristandade Latina como um todo único, e a primeira a ser desobedecida
por uma grande parte dela. Em Erfurt a bula foi atirada no rio.

2. A Bula Papal é Queimada como a Bula do Anti-Cristo

Em 10 de Dezembro de 1520, na presença de uma multidão de estudantes, doutores e


cidadãos de todas as classes, Lutero queimou a bula papal, decretais e certos escritos que
sustentavam o poder papal. Assim ele selou sua ruptura com Roma. No dia seguinte
Lutero advertiu os estudantes contra o Anti-Cristo Romano. Lutero anunciou
publicamente sua posição em um tratado em Latim e Grego, chamado "Por que os Livros
do Papa e Seus Discípulos Foram Queimados por Martinho Lutero". Chamando a lei
canônica de "abominação da desolação" e anti-cristã, Lutero plantou-se firmemente sobre
o Livro da Escritura. Ele escreveu: "Penso que, qualquer que tenha sido o autor desta
Bula, ele é o próprio Anti-Cristo. (...) Mas eu digo a ti, Anti-Cristo, que Lutero, estando
acostumado à guerra, não se aterrorizará com estas Bulas vãs, e aprendeu a fazer
diferença entre um pedaço de papel e a onipotente Palavra de Deus".
Tal foi o notável ato que iniciou a Reforma.
O assunto era Cristo versus o Anti-Cristo. E deve ser lembrado que o assunto do Anti-
Cristo e o tempo do juízo final tinham sido proibidos pelo Quinto Concílio de Latrão. A
primeira Bula tinha anatematizado 41 das teses de Lutero. Agora a segunda (Damnatio et
excommunicatio Martini Lutheri...), de 4 de Janeiro de 1521, declarava a separação final
de Lutero da Igreja de Roma, denunciando-o como amaldiçoado do Céu e incluindo na
mesma condenação todos os que recebessem suas doutrinas. Tinha-se entrado
completamente na grande contenda.
Lutero também escreveu uma réplica ao Dominicano Catharinus, na qual declarou
que Cristo, e não Pedro, era a Rocha sobre a qual se erguia a igreja, e que à Igreja Romana
faltava o selo de igreja verdadeira. A partir de Daniel e Paulo, ele declarou que o Anti-
Cristo não é uma única pessoa, mas o inteiro corpo de homens ímpios na igreja, e a
sucessão de seus governadores.

3. Profecias Usadas para Apoiar o Argumento


Lutero focalizou as profecias de Daniel, de Cristo, Paulo, Pedro, Judas e João
sobre a Babilônia Romana. Seu principal interesse estava centrado sobre a profecia da
Ponta Pequena em Daniel 8:9-12, 23-25, e II Tessalonicenses 2 foi identificado como o
poder anti-cristão do Papado, ou o próprio Papa Romano. Semelhantemente, a “Ponta
Pequena” de Daniel 7 recebeu explícita aplicação. Este é o primeiro trabalho de Lutero a
lidar amplamente com profecia, em que ele amplia os fundamentos da Reforma e coloca-
os sobre a base segura da fé profética.
Lutero não é sempre consistente na identificação da Ponta Pequena. Ele deve ter
mudado sua opinião entre 1521 e 1529. Em 28 de Outubro de 1529 foi impresso um
sermão de sua autoria onde identifica a Ponta Pequena como os Turcos, ou Império
Maometano. Não deveria surpreender o ponto de vista de Lutero concernente aos Turcos
se se levar em consideração a situação política de seu tempo. O Cristianismo Ocidental
estava em perigo mortal diante da ameaça dos Turcos Otomanos. O Cristianismo Oriental
tinha já sucumbido. O sudeste da Europa tinha sido conquistado e já se aproximava de
Viena. Tal era a situação.
Isto não altera, entretanto, sua convicção de que o papa é o Anti-Cristo, o que
Lutero provou a partir de vários outros símbolos.

4. Princípio Dia-Ano

Sobre a aplicação do princípio dia-ano (ou seja, cada 1 dia em profecia bíblica
apocalíptica representa 1 ano de tempo real) às setenta semanas de Daniel 9, Lutero não
somente é explícito, como também declara a harmonia de todos os ensinadores sobre o
assunto: "Todos os ensinadores estão em harmonia de que esses são anos-semanas e não
dias-semanas, ou seja, uma semana compreende sete anos e não sete dias. (...) Portanto,
estas setenta semanas são 490 anos."
A REFORMA NA SUIÇA
I. Zuínglio

A Reforma na Suíça seguiu um caminho diferente da Alemanha, espalhando-se


rapidamente. A República Suíça conquistou sua liberdade à custa de grande sacrifício, e
a Universidade de Basiléia logo se tornou a fortaleza do novo saber. Em 1505-1507
Thomas Wyttenbach (1472-1526) já havia lutado contra certas doutrinas da Igreja. Mais
tarde, Capito pregou sobre Romanos em Basiléia, e em 1514 Erasmo também fez de
Basiléia seu quartel-general. Entre os Reformadores estava Ulrich Zwingli (ou Ulrico
Zuínglio), que foi fortemente exortado a estudar a Palavra nas línguas originais.
Nascido em Wildhaus, Zuínglio foi educado em Berna, na Universidade de Viena
e em Basiléia, onde estudou teologia com Wyttenbach. Após ensinar por três anos ele foi
apontado sacerdote em 1506 em Glarus. Seus deveres como capelão do exército com os
guardas suíços que lutavam pelo papa levaram-no aos campos de batalha da Itália, onde
dispôs de muito tempo para observar as diferenças entre o Cristianismo professado e o
praticado. Aqui ele começou a pregar os ensinos simples de Jesus. Desde o começo
decidiu não causar ofensas através de polêmicas, mas lutar contra o erro mediante a
pregação da positiva verdade.
Em 1516 saiu de Glarus, sendo recebido no mosteiro de Einsiedeln, famoso por
seu relicário, para onde afluíam pessoas de perto e de longe. Aqui, também, ele pregou o
simples evangelho. Ele tentou alcançar as mais altas autoridades na igreja pela palavra e
pela pena, a fim de induzi-las a começar as reformas. Portanto, quando Zuínglio levantou
sua voz com todo o seu poder contra os vendedores de indulgências que vieram à Suíça
no outono de 1518, não foi repreendido. No mesmo ano foi chamado a se tornar pregador
em Zurique, onde seus sermões levaram muitos a mudar seus maus hábitos de vida.
O principal tópico de sua pregação em 1522 foi a supremacia e suficiência da
Bíblia. Deus somente, o Pai de Jesus Cristo, deveria ser nosso Mestre, não doutores e
sacerdotes, ou papas e concílios. Somente sobre a Palavra devemos edificar a nossa fé.
Ele preparou 67 teses para uma discussão pública. Cada uma das teses foi construída
sobre sólida base escriturística. Fé no evangelho de Cristo é a única condição de salvação;
e Cristo, o eterno Sumo Sacerdote, o único Mediador entre Deus e os homens. O partido
papal foi incapaz de fornecer prova escriturística para a intercessão dos santos ou para o
celibato, os pontos especialmente discutidos. Por isso o magistrado da cidade de Zurique
resolveu que Mestre Zuínglio continuaria a pregar e a introduzir reformas, e que todos os
outros pregadores deveriam proclamar somente o que fôssem capazes de substanciar
pelas Escrituras.

Atitude de Zuínglio Concernente ao Papado

Talvez o capítulo mais interessante que lança luz sobre a atitude de Zuínglio
acerca do papado, encontramos em seu tratado "Contra os Verdadeiros Incitadores de
Sedição". Apareceu em 28 de Dezembro de 1524, e foi dirigido contra as maquinações
de Roma bem como contra o comportamento dos Anabatistas, que causaram infindáveis
problemas a Zuínglio.
Zuínglio não baseou suas idéias concernente ao Papado sobre o Apocalipse,
porque ele não considerava este livro como apostólico e não o usou para evidência
profética.
II. Ecolampádio – “A Ponta Pequena é o Papado”

Johann Ecolampadius (1482-1531), figura principal da Reforma em Basiléia,


nasceu em Weinsberg. Estudou lei em Bolonha, e filologia, filosofia e teologia em
Heidelberg e Tübingen. Foi um dos mais bem treinados pensadores de seu tempo,
especialista em Grego e Hebraico, tendo recebido os graus de M.A. e D.D. (Mestre e
Doutor). Após 1515 foi várias vezes a Basiléia, uma vez ajudando Erasmo em sua edição
do NT. Em 1518 foi a Augsburgo e falou francamente em favor de Lutero quando este
foi convocado ante Caetano. Em 1520 entrou para um convento por um curto período,
mas fez declarações tão heterodoxas que não quiseram sua presença ali. Por exemplo:
"Não é mau invocar intercessores, mas nenhum intercessor pode ser tão misericordioso
como Cristo, que é a fonte de toda misericórdia."
Persuadido pelos escritos de Lutero, ele atacou a mariolatria, os abusos da
confissão e a transubstanciação. Desde o fim de 1522 permaneceu em Basiléia, tornando-
se a principal figura da Reforma neste lugar. Como Zuínglio, Ecolampádio pregou sobre
livros inteiros da Bíblia. E ele defendeu o Apocalipse contra as depreciações de Lutero e
Zuínglio.
Em seu comentário sobre o Livro de Daniel, assume a posição de que a ponta
pequena é o Anti- Cristo (fez o mesmo com a besta de dois chifres de Apocalipse 13 e o
Homem do Pecado de que fala Paulo) - o papa e Maomé, embora o Anti-Cristo inclua
quem quer que se assente no lugar de Deus, blasfeme Seu nome e persiga a igreja.

III. Calvino

Joan Calvino (1509-1564), eminente Reformador Francês, e geralmente


considerado segundo somente em relação a Lutero na sua influência sobre a Reforma,
nasceu em Noyon, norte da França, e estudou em Paris, Orleans e Bourges. Foi para a
universidade para se preparar para o sacerdócio, mas atendendo a uma solicitação de seu
pai mudou para jurisprudência. Enquanto na universidade, em 1527, seu primo Robert
Olivetan induziu-o a ler a Bíblia, destacando o conflito entre os ensinos da Escritura e as
doutrinas da igreja. Calvino era um pensador sério e um estudante brilhante. E mais, a
influência de Wolmar, seu professor de Grego, abertamente simpatizante com a causa da
Reforma, pode ter exercido uma profunda influência sobre ele, embora Calvino fale de
sua conversão como um ato súbito sem a ajuda de qualquer agência humana. Ele abraçou
publicamente o Protestantismo por volta de 1532, começando a proclamar sua recém-
encontrada fé.
Enquanto que a obra de Zuínglio estava grandemente confinada à parte alemã da
Suíça, Calvino plantou a Reforma firmemente em Genebra, que é agora a Suíça francesa.
Ele é geralmente considerado, junto com Lutero, a maior figura protestante do século
XVI. Em algumas maneiras sua influência foi mais ampla, porque se estendeu a países
que se tornaram grandes poderes colonizadores - Inglaterra e Holanda.
Calvino era francês, e embora seu ensino tenha uma marcada influência sobre a
França, a Reforma, entretanto, nunca se tornou um movimento de massa nesse país, como
ocorreu na Alemanha. A situação política sob Francisco I era adversa a tal
desenvolvimento. A Espanha, na Península Ibérica, os reinos de Nápoles e Sicília, bem
como a Áustria, estavam sob o firme governo do imperador Carlos V de Hapsburg, um
leal Católico. E ainda mais, a Inquisição mantinha esses países em suas impiedosas mãos,
de maneira que era praticamente impossível para qualquer grupo de dissidentes organizar-
se em uma igreja. Além disso, a mentalidade latina em geral parece estar mais a favor de
uma exibição exterior em assuntos de religião, que a igreja romana, naturalmente, provia
amplamente. Na Áustria a Reforma teve certo êxito no início. Mas uma reação Católica
logo começou, patrocinada grandemente pela (novamente formada) ordem dos Jesuítas,
e a Reforma foi praticamente erradicada. Através da influência desta ordem entre os
príncipes e as casas reinantes, grandes seções do sul e oeste da Alemanha foram
reconduzidas ao aprisco Católico.

Certeza com respeito ao Anti-Cristo


Em 1534 um zeloso Protestante publicou um cartaz anti-Católico, o que provocou
uma violenta reação. Muitos Protestantes foram presos, banidos ou queimados. Entre
1533 e 1536 Calvino tornou-se um evangelista fugitivo por um tempo, protegido por
Margarida de Navarro. Posteriormente ele foi para Strassburgo e Basiléia.
Enquanto estava em Basiléia, a primeira edição de seu Institutio Christianae
Religionis apareceu em 1536 e foi dedicado a Francisco I, rei da França. Calvino estava
então com 26 anos de idade ao escrever obra tão notável, que se tornou, sem dúvida, a
mais saliente apresentação sistemática da fé Protestante. Calvino não estava satisfeito
com esta primeira edição, e trabalhou para ampliá-la, até na oitava edição, que apareceu
em 1559, quando alcançou sua forma final e tinha crescido cinco vezes o tamanho do
tratado original de 1536.
No mesmo ano Calvino chegou a Genebra, onde foi chamado para ser pregador e
professor de teologia. Como os apóstolos primitivos foram circuncidados e treinados na
fé Judaica, assim os Reformadores tinham sido nascidos, batizados, confirmados e
educados na Igreja Católica. Calvino não era exceção. Embora preparado para o
sacerdócio, nunca havia realizado um missa ou entrado para as ordens superiores, e
nenhum bispo o ordenara. Ele simplesmente respondeu ao chamado como pastor e
professor, e foi eleito em Genebra em 1536 pelos presbíteros e o concílio, com o
consentimento do povo.
Em 1537, com Farel, Calvino preparou uma Confissão de Fé. Ele também
introduziu rígidas medidas disciplinares, que a cidade não aprovou, e foi banido de
Genebra em 1538. Poucos anos mais tarde o senado de Genebra enviou-lhe uma carta
convidando-o para retornar, o que ele fez em 1541, e buscou fazer de Genebra um modelo
para todas as comunidades Protestantes. Calvino possuía uma vontade férrea, a franqueza,
e o inteiro conhecimento da Bíblia necessários para se tornar o segundo grande líder do
Protestantismo. Após uma longa luta, Genebra se tornou a cidade da piedade Protestante
e o centro de treinamento para os missionários do Evangelho.
Calvino insistiu na remoção das cruzes e outros emblemas papais dos edifícios
das igrejas. E também pediu que somente Salmos e os hinos fossem cantados. Ele gastou
o resto de sua vida em Genebra, onde fundou uma escola para treinar pastores, que mais
tarde tornou-se a universidade. Até o fim de sua vida ele presidiu sobre o Pequeno
Concílio, que governava a cidade sobre o princípio teocrático. Ele pregava em dias
alternados, ensinava três vezes por semana, manteve uma vasta correspondência, e
produziu volumosos escritos - suas obras ocupam cerca de cinqüenta volumes.
Na parte final de uma carta, Calvino escreveu:
"Eu nego que a Sé seja Apostólica, pois o que se vê é uma chocante apostasia -
Eu nego que ele seja o vigário de Cristo, pois em sua furiosa perseguição do evangelho
tem demonstrado por sua conduta que ele é o Anti-Cristo - Eu nego que ele seja o
sucessor de Pedro - e Eu nego que ele seja o cabeça da Igreja, pois em sua tirania lacera
e desmembra a Igreja, após separá-la de Cristo, sua verdadeira e única Cabeça."
Servetus perseguido por Calvino.

Calvino era um teocrata, perseguindo aqueles que diferiam de suas doutrinas. Seu
primeiro tratado foi contra aqueles que criam no sono inconsciente dos mortos, em sua
maioria os Anabatistas. Em 1537 ele teve uma discussão aberta com os Anabatistas, e
derrotou-os tão completamente que eles não mais ousaram mostrar-se na cidade. Tortura
e a sentença de morte foram introduzidas, e várias execuções e banimentos ocorreram
entre 1542 e 1546. O mais trágico feito de Calvino foi sua responsabilidade pela morte
do médico espanhol Michael Servetus (1509-1553), que, embora brilhante, tinha um
espírito tão contencioso que, à idade de 20 anos, não se deixava aconselhar por homens
como Bucer, Ecolampadio e Capito, mas colocou-se como um independente radical para
reformar a Reforma. Em 1531 ele publicou seus pontos de vista antitrinitarianos no livro
"Erros da Trindade", que pareceu blasfemo tanto para Católicos quanto para Protestantes.
A reação a este livro forçou-o a fugir para a França, onde, sob outro nome, ganhou fama
como geógrafo e médico, e era, sob todos os aspectos, um bom católico. Só foi descoberto
mais de vinte anos depois, após publicar seu Christianismi Restitutio. Este incluía uma
revisão de sua primeira obra, com a adição de um elaborado sistema de teologia, atacando
não somente o Anti-Cristo papal, mas Calvino e Melâncton em particular. Escapando de
ser preso em Viena, ele foi para Genebra, onde Calvino o prendeu.
Os Inquisidores Franceses exigiram sua extradição, mas o Concílio de Genebra
preferiu queimar seus próprios heréticos. Assim, Servetus, com seus livros, foi queimado
em 1553.
Vê-se que não era só a Igreja Romana que se utilizava da forma para combater os
chamados “hereges”.

PROTESTANTISMO CONTINENTAL E INGLÊS


COMPARADOS

O Luteranismo tinha se espalhado rapidamente nos três países escandinávios -


Suécia, Dinamarca e Noruega. De fato, estes se tornaram mais Protestantes que algumas
partes da Alemanha. Mas o Luteranismo não ganhou o apoio da massa do povo nos países
a oeste da Alemanha, onde outra forma de Protestantismo se estabeleceu. Na Inglaterra
ainda foi introduzido um terceiro tipo. E enquanto estes três grupos principais se
estabeleciam cada vez mais firmemente, um número de denominações menores surgiram.
No alvorecer da Reforma, o Novo Testamento Grego e Latim de Erasmo alcançou
a Inglaterra. Por esse tempo sua obra era maravilhosa; baseava-se no texto original e
revelava o fato de que a versão latina comumente aceita era um documento de segunda.
Sua influência sobre a opinião pública foi profunda e duradoura. Mas a Reforma na
Inglaterra foi, talvez, a um grau maior que em qualquer país no continente, pela
disseminação das Escrituras na língua materna – o inglês.

I. O Protestantismo Inglês Toma um Caminho Diferente

O Protestantismo na Inglaterra foi influenciado por vários fatores, entre os quais


estavam: os Lolardos; o Novo Saber, com sua exposição da corrupção eclesiástica e sua
promoção do estudo das Escrituras; o Protestantismo Alemão; o banimento dos
Protestantes ingleses, que os levou a um íntimo contato com os líderes Protestantes
Continentais; a controvérsia de Henrique VIII com o Papado, que indiretamente
favoreceu o movimento religioso.
Assim o Protestantismo Inglês tomou um caminho diferente daquele seguido pelo
Luteranismo na Alemanha e o Calvinismo em outros países. Na Igreja da Inglaterra um
compromisso entre o Catolicismo e o Protestantismo foi desenvolvido de maneira que os
artigos de fé eram basicamente evangélicos, mas o livro de oração era Católico em sua
tendência. Por causa da controvérsia entre Henrique VIII e o Papa, baseada em motivos
puramente egoístas, um elemento político foi introduzido na Reforma, o que levou a este
compromisso entre o Protestantismo e o Catolicismo notável naquela igreja até os nossos
dias. Henrique VIII tornou-se “o cabeça” da igreja nacional e separado de Roma, embora
a maioria do povo fosse ainda Católica Romana no coração.
Henrique VIII, em 1521, tinha defendido a fé Católica contra o Luteranismo. Por isto
o papa chamou-o oficialmente "Defensor da Fé" - título que manteve até sua morte, e que
todos os monarcas posteriores, tanto Católicos como Protestantes, mantiveram. Por volta
de 1540 Henrique VIII novamente assumiu sua posição, em um livreto, contra a fé
Luterana. Mas tendo rompido com o papa e dissolvido todos os mosteiros na Inglaterra
(1535), ele deu uma certa medida de encorajamento aos Protestantes em seu país.

II. Henrique VIII Proíbe Bíblias Inglesas e Exposições Proféticas

A 8 de Julho de 1546 Henrique VIII fez uma "Proclamação pela Abolição dos Livros
Ingleses", tornando ilegal para qualquer um "receber, ter, levar ou guardar", a tradução
inglesa do NT feita por Tyndale e Coverdale, ou qualquer livro de Tyndale, Wyclif, Joye,
Roy, Basil, Turner, Tracy, Frith, Bale, Barnes ou Coverdale que levasse à identificação
profética do Anti-Cristo, mas deveriam entregá-los para serem queimados. É, portanto,
evidente, que este esforço foi grandemente dirigido contra a interpretação profética por
causa da pressão que ela estava exercendo na batalha entre o Protestantismo e o
Catolicismo.
Após a morte do rei em 1547, o Protestantismo progrediu substancialmente na
Inglaterra sob Eduardo VI. Embora a Reforma fosse mantida em cheque por uns poucos
anos sob as filhas Católicas de Henrique - Rainha Maria (1553-1558) e Elizabeth (1558-
1603) - a Inglaterra tornou-se predominantemente Protestante - 80% professando a nova
fé.

III. Seitas Dissidentes Entram em Cena

Elizabeth era a cabeça da Igreja da Inglaterra, ou Igreja Anglicana, embora,


naturalmente, sem o direito de pregar, ordenar ou dispensar os sacramentos. Desde que a
Igreja Anglicana reteve uma organização centralizada nos bispos (Latim - episcopus), o
nome Episcopal veio a ser aplicado. Desde o início a Igreja da Inglaterra tinha um livro
de oração próprio, chamado Livro da Oração Comum, que prescrevia a ordem do culto
na igreja. Elizabeth também decretou que aqueles que não freqüentassem os serviços
deveriam ser multados. Foi parcialmente por causa deste Ato de Uniformidade do Livro
de Oração Comum, de 1559, que, próximo ao fim de seu reinado, e mais tarde, centenas
de não-conformistas, incluindo os Pais Peregrinos, mudaram-se para os Países Baixos,
onde lhes foi dada a tolerância que haviam buscado em vão de Elizabeth, e seu sucessor,
Tiago I.
Pelo fim da metade do século XVI, os Anabatistas (assim chamados porque
entendiam que o batismo infantil era não Escriturístico e ineficaz, portanto, rebatizavam
aqueles que já haviam sido batizados quando crianças), tinham desenvolvido as crenças
e a constituição da igreja que se tornaram a herança dos Batistas da Inglaterra e Estados
Unidos. Entre os Independentes estavam também os Quakers, e os Separatistas, que se
retiraram completamente da Igreja Anglicana.
Mais tarde, através da influência dos grupos dissidentes, foi que a tolerância religiosa,
bem como a democracia, veio para a América, especialmente nos Estados Unidos.

A CONTRA-REFORMA

I. A Reforma é Seguida pela Contra-Reforma Católica


O Papado sofreu um grande revés através da Reforma. O auxílio das ordens
monásticas foi procurado, mas elas estavam tão decadentes que haviam perdido o respeito
do povo. Os Dominicanos e Franciscanos, mascateando relíquias e indulgências, tinham
se tornado alvo de zombaria e ridículo. Nesta crise, Loyola e seus companheiros jesuítas
ofereceram seus serviços, para ir aonde quer que o papa os designasse, como pregadores,
missionários, professores, conselheiros e reformadores. Uma nova ordem foi criada,
autorizada em 1540, que infundiu um novo espírito e espalhou-se rapidamente sobre a
Europa. Como um gigante ferido, o Romanismo levantou-se em desespero para reaver
seu prestígio perdido e manter seu território.
A partir de 1540, então, a Contra-Reforma pode ser datada. Dentro de cinqüenta anos
os Jesuítas tinham postos no Peru, África, nas ilhas das Índias Orientais, Industão, Japão
e China, e em breve nas florestas do Canadá e colônias americanas. Seus membros
mantinham importantes cargos nas universidades. Eles se tornaram conselheiros e
confessores de monarcas e eram os mais hábeis de todos os pregadores Católicos. Por
volta de 1615 a ordem possuía 13.000 membros. Assim, através dos Jesuítas, a Contra-
Reforma, próxima da própria Reforma Protestante, se tornou o mais memorável
movimento na história dos tempos modernos.
Contra a Confissão de Augsburgo, Roma erigiu seu Concílio de Trento
(começando em 1545 sob Paulo III e terminando em 1563 sob Pio IV), formulando seus
cânones e decretos, e impondo rigorosamente o Credo de Pio IV. Lutero e seus seguidores
foram enfrentados por Loyola e seus Jesuítas, e sólida interpretação profética foi atacada
através de contra-interpretações. Quando a Reforma irrompeu simultaneamente em
diferentes países do Velho Mundo (Europa), o Papado inicialmente pareceu não entender
o pleno significado do que acontecia. Foi necessário tempo para se chegar à compreensão.
E esta bonança antes da tempestade deu à Reforma a oportunidade para estabelecer-se,
antes que uma séria tentativa fosse feita para interrompê-la. Então a Reforma do século
dezesseis foi sucedida pela grande reação papal na última metade do décimo sexto e a
primeira metade do décimo sétimo séculos.

II. Os Cinco Aspectos da Contra-Reforma


Este movimento foi quíntuplo, e incluiu:

(1) O reconhecimento formal da ordem dos Jesuítas;


(2) as ações e decretos do Concílio de Trento;
(3) os contra-sistemas de interpretação profética Católicos;
(4) o estabelecimento do Index (lista de livros proibidos), e
(5) o amplo reavivamento da perseguição.
Neste último, o Papado se revelou no papel do Anti-Cristo perseguidor através de
ações claras.
III. Jesuitismo - O Mais Poderoso Crítico da Reforma

No Jesuitismo a consumação do erro e, na Inquisição, o máximo da força, foram


dispostos contra o Protestantismo. Esta Companhia de Jesus militante, constituída pela
Bula Regimini Militantis Ecclesiae, de Paulo III em 1540, deveria levar "o estandarte da
cruz, empunhar as armas de Deus, servir ao único Senhor, e ao Pontífice Romano, Seu
Vigário sobre a terra".
Inácio de Loyola, ou Don Inigo Lopez de Loyola (1491-1556), o fundador da
Sociedade (ou Companhia) de Jesus, nasceu no castelo de Loyola, na província de
Guipuzcoa, Espanha. Descendente de uma família de cavaleiros, serviu na corte de
Ferdinando e Isabela. Em 1529, aos 29 anos de idade, comandando uma guarnição em
Pomplona, Navarra, teve seu pé (ou perna) esfacelado, encerrando sua carreira como
soldado. Durante sua convalescença, Inácio leu "A Vida de Cristo" de Ludolfo, e o
popular "Flores dos Santos", que muito o impressionou, particularmente a vida de
Francisco de Assis e Domingos. Ele decidiu seguir seus passos, abandonar o mundo e se
tornar um soldado de Cristo.
Quando em Paris, com seis companheiros que pensavam semelhantemente a ele,
como Pierre Lefevre e Francis Xavier, Inácio traçou planos para uma nova ordem de
missionários viajantes. Sua "Companhia de Jesus" devia ser um exército espiritual, uma
ordem lutadora, uma santa milícia para o prosseguimento da fé e a educação dos jovens.
Embora eles usassem o nome de Sociedade de Jesus (Jesuítas), os Protestantes os
denominavam de “contra Jesus”.
Seu sistema doutrinal baseava-se principalmente sobre Tomas de Aquino, e eles
tornaram-se zelosos defensores especialmente da infalibilidade papal, o episcopado
universal do papa e sua absoluta supremacia sobre todo potentado terrestre.
Eles introduziram a prática de quatro princípios:

•A idéia do "Probabilismo", que ensina que no caso onde a consciência está
indecisa sobre o que deveria ser feito, a pessoa não está ligada necessariamente ao
significado mais certo e provável, mas pode mesmo adotar um ponto de vista menos
certo, se isto for apoiado por fortes razões;
• A doutrina do "Intencionalismo", que significa que uma ação deve ser julgada
de acordo com a intenção com a qual ela foi realizada, mesmo se pecaminosa em si
mesma;
• A distinção entre pecado filosófico e teológico;
• A permissibilidade de uma reserva mental secreta (reservatio mentalis).

Os Jesuítas se firmaram (e cresceram) para combater o Protestantismo, procurar


os pontos fracos nas posições Protestantes, recuperar o terreno perdido e promover o
domínio mundial do Papado.

IV. Dois Sistemas Irreconciliáveis em Trento

O conflito entre o Romanismo e o Protestantismo era básico e irreconciliável. O


Romanista cria na autoridade da igreja; o Protestante, na autoridade da Bíblia. Um
submetia sua consciência ao sacerdote; o outro, a Deus somente. O Romanista cria no
papa como o representante visível de Cristo sobre a terra; o Protestante, ao contrário, via
o papa como o Anti-Cristo. Um considerava a igreja - a hierarquia - como a depositária
de toda verdade espiritual; o outro, via o clero como ministros da igreja, e não como a
própria igreja. O Romanista, satisfeito com o ensino da igreja, deixava a Bíblia para os
eruditos; o Protestante, por outro lado, sustentava que ela devia ser diligente e
reverentemente estudada por todos, como a Palavra de Deus. O Romanista também
sustentava que os méritos de Cristo só poderiam ser nossos através dos sacramentos, e
estes só poderiam ser administrados por um sacerdote devidamente ordenado; o
Protestante recebia o sacramento somente como um auxílio para a fé. Um olhava para o
céu através de uma hoste de sacerdotes e santos mediadores e a Santa Virgem; o outro
afirmava que há somente um Mediador entre Deus e o homem - Jesus Cristo, nosso
Senhor.
Assim, os dois sistemas se estabeleceram em absoluta e irreconciliável oposição
no Concílio de Trento, quando o concílio expressamente condenou o que a Reforma
ensinava como heresia pestilenta. Num certo sentido Trento tornou-se o clímax da Contra-
Reforma. Foi a resposta definitiva de Roma à Reforma Protestante.
Aqui um tríplice movimento começou:

- o bloqueio do progresso da Reforma Protestante,


- uma reforma em disciplina ou administração,
- e a reconquista dos territórios e povos perdidos pela igreja.

V. Algumas Decisões do Concílio de Trento

As proposições de Lutero foram condenadas pelo Concílio. Tradição e Escritura


foram ostensivamente colocadas no mesmo nível, embora, por implicação, a Escritura
fosse feita subserviente da tradição através da insistência de que ela só poderia ser
entendida à luz da tradição da igreja, especificamente, o "ensino unânime dos Pais".
A Vulgata Latina (tradução do AT para o latim) foi declarada a única versão
autêntica, com a adição dos livros apócrifos (de origem duvidosa) como sendo também
canônicos.
As Escrituras foram declaradas incapazes de serem compreendidas em e por elas
mesmas. Justificação pela fé, como foi proclamada por Lutero, foi condenada; e nenhum
livro de religião poderia ser impresso sem o exame e aprovação da igreja.
O concílio enfatizou o Catolicismo medieval como o único guardador da verdade e
fechou-o ferreamente em um rígido sistema de doutrina, incapaz de qualquer alteração ou
reforma essencial. Os decretos do concílio foram confirmados em 26 de Janeiro de 1564
por uma bula de Pio IV. Em Dezembro do mesmo ano o Credo de Pio IV - um breve
sumário das posições doutrinais do concílio em forma de credo - foi imediatamente
distribuído por toda a Igreja Católica como um sumário oficial, acurado e explícito da fé
Católica. A publicação do "Um Catecismo do Concílio de Trento", em Latim, autorizado
pelo concílio, foi feita em 1566.
Era um manual de instrução principalmente para sacerdotes. Estes dois documentos
estabelecem o padrão da fé e prática Católica até os nossos dias. Somente duas doutrinas
Católicas cardeais foram adicionadas desde então - a Imaculada Conceição de Maria
(1854) e a infalibilidade do Papa e a universalidade de seu episcopado (1870). A
influência moldadora dos Jesuítas foi sentida poderosamente no concílio.
O Credo de Pio IV é o resumo autoritativo dos cânones e decretos do Concílio de
Trento, que cada sacerdote Católico jura receber, professar e manter. Ele começa com o
Credo de Nicéia, mas uma série de novos artigos é adicionada, que sumariza as doutrinas
específicas Romanas como determinadas pelo Concílio de Trento, e rejeita as doutrinas
da Escritura recuperadas pela Reforma. Os novos artigos são:

•tradição igual, ou superior, às Escrituras como regra fé;
• interpretação da Escritura por consenso unânime dos Pais;
• sete sacramentos (batismo, confirmação, eucaristia, penitência, extrema unção,
ordens e matrimônio) e as cerimônias da Igreja Católica;
• definições e declarações do Concílio de Trento concernente ao pecado original
e justificação;
• a missa e transubstanciação;
•comunhão em uma maneira;
• purgatório e invocação dos santos;
• veneração de imagens e uso de indulgências;
• obediência ao bispo de Roma;
• aceitação dos cânones e concílios, particularmente o Concílio de Trento;
• não há salvação fora da verdadeira fé Católica.

Estes constituem a rejeição deliberada e final de Roma dos ensinos da Escritura


conforme apresentados pela Reforma - uma decisão a que ela deve inalteravelmente se
apegar, e assim confessar-se irreformável.

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