No fim do século XVIII, começaram a ruir de maneira irreversível as bases do antigo
sistema colonial da época mercantilista. A conquista e a posterior exploração do
continente americano, sobretudo por espanhóis, portugueses, ingleses e franceses, ocorreram em sincronia com a expansão comercial e marítima empreendida pela burguesia européia. Amparadas no poderio militar dos Estados absolutistas, as grandes Companhias de Comércio praticamente redescobriram o mundo, instalando entrepostos comerciais em todos os continentes. A lógica da empresa mercantilista, que tinha como fim o acúmulo de numerário, em busca de uma balança comercial favorável, fez instituir-se ao longo de três séculos formas de ocupação e exploração altamente depredatórias e extensivas. Alguns fatores como a fronteira aberta para o interior e o sistema de donatarias fizeram a agricultura surgir baseada no latifúndio. A função das colônias dentro do antigo sistema colonial era abastecer de produtos tropicais o mercado europeu. Isso fez com que no Brasil a ocupação territorial se arrastasse inicialmente pela costa marítima, a ponto de um viajante ter observado em seu diário que os brasileiros viviam a “arranhar as costas litorâneas, como carangueijos”. Os colonizadores só se dirigiram para o interior quando o incremento da atividade canavieira o exigiu. A sociedade que se formou nos trópicos, obedecendo ao próprio sentido da colonização, assentou-se no trabalho escravo, no latifúndio e na monocultura. Um fator inusitado veio acelerar o distanciamento entre “brasileiros” e portugueses. Resistindo ao avanço das tropas napoleônicas e sob proteção inglesa, D. João, regente de Portugal, foi forçado a transferir-se com a família real e sua corte para sua colônia americana, onde chegou em janeiro de 1808. De imediato, o regente viu-se forçado a franquear os portos brasileiros às “nações amigas”, através de dois contratos de comércio (1808/1810), que iriam beneficiar especialmente a Inglaterra. Em outras palavras, caía o pacto colonial, que subordinou por três séculos o comércio de exportação e importação brasileiro à intermediação lusa. Outras medidas liberalizantes da economia foram a permissão para a instalação de fábricas e manufaturas e a criação do primeiro Banco do Brasil. A abertura dos portos libertou o Brasil do isolamento imposto pela condição de colônia ao extinguir o exclusivismo português e liberar o comércio brasileiro ao trânsito mundial. A carta régia de 24 de janeiro de 1808 instituiu que o imposto de importação sobre mercadorias de qualquer procedência seria de 24% sobre seu valor. Visando proteger aos interesses portugueses, no entanto, o príncipe estabeleceu uma tarifa especial de 16% apenas para os navios do velho reino. Nenhuma região brasileira sentiu mais a chegada da Corte do que o Rio de Janeiro, sede do vice-reino desde 1763, escolhida para ser a capital provisória do Império luso- brasileiro. Para se ter uma idéia, a população cresceu de sessenta mil habitantes em 1808 para cento e doze mil em 1821, quando a família real regressou a Portugal. A idéia de se criar um vasto reino nos trópicos circulava entre os soberanos portugueses desde o início da ocupação do território americano. Em conflitos e armistícios permanentes opuseram-se esses, franceses, ingleses, espanhóis e holandeses desde o século XVI. A diplomacia nem sempre foi eficiente para as delimitações de fronteiras político-territoriais, sendo muitas soluções conseguidas apenas depois do confronto armado. Um ponto constante de conflito foram os limites ao norte da Bacia Amazônica, onde franceses e ingleses conquistaram territórios e fundaram colônias. Os incidentes entre os franceses da Guiana e o Brasil intensificaram-se na segunda metade do século XVIII, quando os primeiros intentaram dominar o atual estado do Amapá. Em 1697, chegaram a ocupar a pequena fortificação de Macapá, mas foram expulsos por tropas enviadas de Belém O processo de emancipação política foi catalisado por esse fator mais ou menos inusitado da transferência da corte de D. João para o Brasil. Desde o século anterior, segmentos dominantes locais investiam-se de palavras de ordem revolucionárias, importadas da Europa, para questionar o sistema colonial. Lá elas surgiram da luta da burguesia que, aliando-se ao campesinato e às camadas artesanais urbanas, tomou para si a liderança da contestação aos estatutos do Antigo Regime. O credo liberal foi aqui devidamente destilado pelos potentados locais - para quem liberdade e igualdade tornaram-se sinônimos de autonomia política. As posições de D. Pedro na regência não eram muito claras, embora tenha encetado um governo liberal. A Corte e D. João rasparam os cofres públicos para a viagem de volta. Apesar das dificuldades financeiras, D. Pedro eliminou impostos, conduziu a desapropriação de bens particulares propriedade e decretou garantias de liberdade individual. Sob a orientação de Andrada, D. Pedro começou a agir. Usou habilmente de sua condição de herdeiro da Coroa portuguesa, do apoio popular e da adesão das tropas brasileiras para expulsar a Divisão Auxiliadora e impedir o desembarque de outra que aportava no Rio. Promoveu a transferência de praças que quisessem aderir às tropas imperiais brasileiras, tendo tomado uma fragata para a futura marinha nacional. Em nome da Constituição e do liberalismo, e tendo plena consciência de seu papel, D. Pedro dirigiu-se a Minas Gerais, e depois a São Paulo, aliciando simpatizantes e neutralizando opositores. Tomou medidas que anteciparam os rumos da independência. Convocou eleições para formação de um Conselho de Estado. Gonçalves Ledo e seu grupo consideraram insuficiente o carácter consultivo de que se investiu o órgão, defendendo que fosse deliberativo e legislativo. Nasceu dessa facção o germe da idéia de convocar-se uma Assembléia Constituinte, o que sofreu franca oposição de setores conservadores encabeçados pelos irmãos Andrada. Esse grupo, dispondo da máquina governamental, abusou da repressão e da violência para conter o avanço dos opositores. Dentre as maiores conquistas dos liberais, destacam-se a concessão a D. Pedro do título de Defensor Perpétuo do Brasil, a convocação da Assembléia Constituinte e a aclamação do Príncipe, a 12 de outubro de 1822. Em nenhuma região do país se ofereceu maior resistência ao jugo colonial do que no nordeste, particularmente em Pernambuco. Essa tradição se renovou a partir do final do século XVIII, sob influência do exemplo francês, de que se fez grande divulgador o Padre Manuel Arruda Câmara*. Formado em Coimbra, voltou para o Recife, fundando em 1800 o Areópago de Itambé, tipo de sociedade secreta de propósitos separatistas. A criação do Seminário de Olinda, no mesmo ano, foi outro fator de divulgação das idéias liberais.