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As relações interpessoais

na produção do texto
oral e escrito
Caroline Machado, Lívia Peres, Mariana Binhote, Mariana Moreira e
Victória Arantes
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Produção e Leitura de textos em LP
Professora Manuella Carnaval
Introdução
Como dito em outros capítulos, a língua é uma atividade
social, histórica e cognitiva, desenvolvida interativamente
pelos indivíduos de acordo com as práticas sociais.

Basicamente, a língua é interativa pois a interatividade é um


aspecto específico da língua.

INTERATIVIDADE ≠ DIÁLOGO

Interatividade: Indispensável nas relações interpessoais


Diálogo: Uma das várias estratégias de interação.

É possível ter interatividade sem necessariamente ter


diálogo, mas não o contrário.

Exemplo: um ator de teatro interage com o público mas não


há diálogo entre os dois.
PARA BAKHTIN:
Mikhail Bakhtin dizia que a interação tinha a ver com Então, dependendo das circunstâncias
dialogismo. Além disso, dizia que não se devia confundir (intimidade, assunto, etc) as marcas da
dialogismo com diálogo.
interatividade podem ser maiores ou
menores.
Dialogismo: Todo e qualquer discurso tem duas faces: a que
procede de alguém e a que se dirige para alguém, e esse é o Em conclusão, a interatividade não é um
produto da interação do locutor e do ouvinte. fenômeno exclusivo da fala. No entanto, a
Diálogo: apenas uma das formas da interação global. interatividade é uma propriedade geral de
todo e qualquer uso da fala.
Bakhtin mostra a importância do uso da palavra em função do
interlocutor. Basicamente, o "como" você fala "para quem" você O objetivo do artigo é mostrar que o texto
fala, ou seja, a palavra sofre mudança através do interlocutor. escrito envolve mecanismos interacionais,
que veremos nos próximos tópicos.
Exemplo: Ao falar com alguém do mesmo grupo social que o seu
não é o mesmo do que falar com um grupo inferior ou superior.
Mecanismos de interatividade nas
relações interpessoais
A) O auto-envolvimento: Caracterizado por pronomes em 1
Em 1989, Tannen enfatizou que nenhuma
pessoa, possessivos correspondentes e com referências ao
interação é isenta de envolvimento. Para isso,
processo mental do falante.
ele associa tal termo à sua linha de pesquisa,
B) Dinâmica de interação com um interlocutor: Ocorre através
focada na conversação, como “produção
do uso de pronomes em 2 pessoa, citação dos nomes do
compartilhada”.
ouvinte, respostas às questões formuladas, marcadores de
conversação e expressões linguísticas rotineiras que
As estratégias interativas são um estilo
concretizam que há interação entre falante e ouvinte.
expressivo na determinação do valor do estilo
C) Envolvimento pessoal com o assunto: Consiste em um
de expressão usado pelo sujeito, tanto
compromisso que o falante possui com o tema abordado,
verbalmente quanto por escrito. A ideia de
ocorre através do uso de vocabulário expressivo, com
implicação foi originalmente proposta por
redundâncias e exageros presentes ao longo da fala,
Chafe (1985), classificando-a em três tipos,
introdução do presente histórico e uso de discurso direto.
sendo:
Mecanismos de interatividade nas
relações interpessoais
Embora as conversas geralmente demonstram sinais de
Além do que foi citado anteriormente, a
interatividade, esses sinais variam dependendo das estratégias
presença de evocação de imagens, sons e
usadas, pois falar em situações informais difere de falar em
detalhes pelo interlocutor também pode ser
situações formais. Veja aqui o caso da entrevista, segundo
considerada uma estratégia de envolvimento
Schneuwly e Dolz (apud HOFFNAGEL, 2002, p. 182),
comum. Para Tannen, esses detalhes explorados
pelos falantes colaboram na criação de cenas,
uma prática de linguagem altamente padronizada, que implica expectativas
possibilitando a construção de emoções e maior normativas específicas da parte dos interlocutores, como um jogo de papéis: o

envolvimento com a narrativa. entrevistador abre e fecha a entrevista, faz perguntas, suscita a palavra do outro,
incita a transmissão de informações, introduz novos assuntos, orienta e reorienta a
interação; o entrevistado, uma vez que aceita a situação, é obrigado a responder e
fornecer as informações pedidas.
A polidez lingüística

Como forma de cuidarmos das nossas faces e das faces dos Brown e Levinson (1987) distinguem dois
nossos interlocutores, recorremos, nas conversações face a face, aspectos complementares da auto-imagem
a rotinas de polidez lingüística cuja função é apoiar as nossas construída socialmente: a face negativa e a face
relações interpessoais. positiva.
• Face negativa: desejo de liberdade,
Saudações, desculpas, despedidas, agradecimentos, elogios desejo da não imposição do outro e desejo
são exemplos de ações da polidez lingüística utilizados básico de território (preservação pessoal).
cotidianamente nas mais diferentes situações em que dois ou
mais indivíduos se encontram um diante do outro. • Face positiva: Desejo da aprovação
social e reconhecimento da face (auto-
imagem).
Ato de se desculpar
Exemplo 1:
Contexto: (uma menina, ao jogar vídeo game, sente-se ofendida
diante da atitude de sua irmã, que sem lhe pedir permissão interrompe
Negligenciar ou esquecer de se
o jogo e retira o transformador do vídeo-game)
desculpar quando a desculpa é
01. L: eu quero que peça por favor e desculpe ((L sente-se ofendida
esperada, abre sérios conflitos entre os
porque C retirou o transformador do videogame)
interlocutores. O ato de se desculpar
02. C.: por favor e desculpe ((C desculpa-se zombando de L))
pode ser apresentado de duas formas:
03. L.: não! eu quero uma frase bem simbólica
quando se apresenta a ofensa e logo o
04. C.: por favor e desculpa ((ajoelha-se zombando))
ofensor se desculpa com a vítima ou
como no exemplo 2, em que o
Exemplo 2:
interlocutor se desculpa
Contexto: (Durante um almoço de confraternização entre amigos, um menino, filhos dos
antecipadamente à ofensa.
anfitriões, desculpa-se diante de uma menina, demonstrando ânsia em servir-se
antecipadamente)
01. B.: desculpe...mas eu vou passar à sua frente ((desculpa-se antes de cometer a infração))
02. C.: ((silêncio))
Ato de elogiar
O ato de elogiar em algum sentido é
Exemplo 1: realizado como um presente do
Contexto: (Um amigo elogia a aparência física da amiga) falante para o ouvinte, ao realizar o
desejo deste de ser reconhecido e
01. A: você está uma gata
aprovado quanto à sua auto-imagem,
02. B: ô que coisa boa ô que elogio...eu com 30 anos...((sorrir)) como observamos no exemplo 1.
Entretanto, aceitar um elogio
Exemplo 2: diretamente viola uma regra da
Contexto: (Menina prova diante de sua irmã um biquíni recém-comprado) polidez lingüística cujo princípio
01. F. é TÃ:o bonitinho L dita a necessidade de evitar auto-
02. L. é bem mocinha elogios nas conversações face a face.
Essa é a regra da modéstia a qual os
falantes devem obedecer quando se
Exemplo 3: encontram um diante do outro, como
Contexto: (Entrevistadora elogia o entrevistado como diretor e escritor de comédia) é apresentado no exemplo 2
01. Entrevistador: você é um ator como já disse o maior comediógrafo brasileiro (informal) e no exemplo 3 (formal).
02. Entrevistado: obrigado precisa ter muito cuidado com isto
Do oral para o escrito, marcas de
interatividade nos textos escritos
Contextualizando:

‘’Deixa claro que um de seus interesses é o de problematizar a famigerada idéia segundo qual a
interatividade seria uma propriedade típica da oralidade, e a escrita não seria dotada desse
atributo’’ (SILVA, 2002, p. 160)
Do oral para o escrito, marcas de
interatividade nos textos escritos
‘’Isso, como observa o autor, parece ter propiciado que a escrita fosse vista como uma atividade de
linguagem centrada num distanciamento entre escritor e leitor (tanto do ponto de vista físico como
também do funcional), e a atividade da fala concebida como aquela que promove um maior
envolvimento do falante com o ouvinte.’’ (SILVA, 2002, p. 161)
Do oral para o escrito, marcas de
interatividade nos textos escritos
● Há certos traços que evidenciam essa característica. (Marcuschi,
1999 apud Teixeira; Barbosa, 2007)
● Expressões ou formas linguísticas que sinalizam claramente uma
interação entre o escrevente e o seu leitor.
● Em relação às marcas de interatividade nos textos escritos
abordaremos a carta pessoal, Marcuschi classifica os indícios de
interatividade em quatro tipos:
1. Indício de orientação diretiva para um interlocutor determinado

● Marcas interacionais diretas que


referenciam as relações
imediatas do escrevente com
seu leitor.
2. Indício de oferta de orientação e seletividade

● A utilização de dêiticos
textuais, notas de rodapé,
etc... estruturas que guiam a
atenção do leitor em relação
ao conteúdo da mensagem.
3. Indício de suposição de partilhamento ou de convite de partilhamento

● Escrevente supõe uma certa


bagagem ou conhecimento de
mundo partilhado entre ele e o
leitor que são destacados por
meio de elementos linguísticos.
Do oral para o escrito, marcas de
interatividade nos textos escritos
● A partir desses 3 traços percebe-se como essas marcas de interatividade agem apontando
relações com o interlocutor, com o tema, com o escrevente e com práticas sociais específicas.
(Marcuschi, 1999 apud Teixeira; Barbosa, 2007)

● A carta pessoal é um exemplo de gênero textual que busca não apenas passar a informação
ou relatar uma notícia, mas busca um grande contato com o destinatário de diversas formas a
fim de receber respostas.
A informalidade das cartas
Diário tradicional de uma adolescente
A informalidade das cartas

Carta
Diário
Blog
Propostas de trabalho no contexto escolar

Questionamentos: TEXTOS CONVERSACIONAIS:


Como os professores poderiam ajudar os alunos a importância:
tomar consciência das especificidades do texto relações professor - aluno
convencional? relações aluno - aluno
relações sociais fora da escola
Como os professores poderiam contribuir para os
aprendizes perceberem que a conversação é uma objetivo de ensino-aprendizagem:
atividade construída conjuntamente com base em que os alunos entendam o texto,
estratégias de interatividade? analise-os e saibam utilizar em
situações sociocomunicativas.
Propostas de trabalho no contexto escolar

UTILIZAÇÃO DOS TEXTOS CONVERSACIONAIS


Pra quê?
Entender regras e normas das interações entre adultos, regras necessárias para o convívio social.
Como?
Situações em que as crianças, por meio de discussões entre elas, explicitam regras indispensáveis para a
harmonia.
Conscientização:
*Previne e evita ameaças entre crianças
*Ensina e classifica o que é insulto e previne ofensas
*Fazê-los entender as regras de convívio social, por quê existem e por quê são violadas.
*Prevenir essas ofensas com fórmulas verbais como "desculpa" "me desculpe" e assim mostrar que a interação
pode prosseguir sem ameaças.
Conclusão:
Ações pontuais presentes na conversação como elogiar e pedir desculpas, são marcas de interatividade cuja
função é assegurar a harmonia nas relações interpessoais.
Propostas de trabalho no contexto escolar

Com isso, também é ressaltada a importância de atividades voltadas para a


observação das marcas de interatividade…

Como?
Trabalhando, por exemplo, com gravações de áudio e vídeo, observando o
funcionamento de ilustrações.

Pra quê?
Para que eles possam analisar o porquê das marcas de envolvimento
presentes na fala dos interlocutores e entender que as palavras usadas,
expressões, assuntos, repetições, ações como elogiar e pedir desculpas
presentes não são escolhas aleatórias mas sim decisões conjuntas
permeadas por regras conversacionais e sociais.
Propostas de trabalho no contexto escolar

Marcas de interatividade com textos escritos não são um indício da Pra quê? Para as cartas à redação, caberia ao professor
presença da fala na escrita, os indícios da interatividade são uma propor que o aluno encontrasse as marcas gramaticais e
marca do escritor escrevendo sobre sua relação com a língua. discursivas que apontam para as diferentes formas de
Proposta de atividade: envolvimento num gênero e em outro. Enquanto, para as
Como? cartas pessoais, seria interessante que o professor
Estudo comparativo entre carta pessoal e carta à redação. trabalhasse com materiais produzidos pelos próprios alunos,
Carta pessoal: elevado índice de estratégias de envolvimento e cartas reais que eles tenham trocados com amigos ou
auto-envolvimento com o leitor, tendo em vista que nesse gênero parentes.
os interlocutores falam de si e se mostram interessados em
conhecer o outro.
Carta à redação: o fator principal é o envolvimento com o
assunto, o escritor reafirma ou se contrapõe a uma notícia, relato
ou opinião veiculada em um jornal ou uma revista
Propostas de trabalho no contexto escolar

Se o professor quiser continuar trabalhando com Diários tradicionais e blogs:


cartas, poderia sugerir um estudo comparativo entre Para tratar desses dois gêneros textuais, o professor
os diferentes tipos de carta (carta pessoal, carta à pode falar de como a escrita do blog é hipertextual
redação, carta dos leitores, carta ofício, carta aberta, e interativa e como isso mudou a prática do
etc) com objetivo de perceberem as diferenças entre “diarismo”. Pois, diferentemente do diário, que era
os assuntos tratados, as marcas de envolvimento e o
de circulação limitada, o blog é um lugar público
aparecimento maior ou menor de interatividade na
de compartilhamento de experiências. Os
superfície textual.
blogueiros expõem suas experiências, mas também
demonstram interesse em estar em constante
contato com as experiências do outro.
Propostas de trabalho no contexto escolar
Conclusão:

● Concluímos então que as marcas de interatividade Ao propor as atividades discutidas com os


estão presentes tanto na fala quanto na escrita, e indícios de interatividade na produção do
sugerem relação direta e intencional de quem texto oral e escrito, a escola estaria dando um
produz o produtor o do discurso com o suposto passo no sentido de contribuir para estimular
interlocutor. o debate sistemático entre as duas
● O produtor do texto sempre projeta um interlocutor modalidades da língua.
para seu discurso. Os diversos gêneros textuais
distinguem-se em boa medida pelo tipo de
interlocutor projetado.
● O destinatário é um aspecto central na construção
de qualquer texto.
Bibliografía

SILVA, J. Q. G. Um estudo sobre o gênero carta pessoal: das práticas comunicativas aos indícios de interatividade na
escrita dos textos. Tese de Doutorado, Belo Horizonte: UFMG, 2002. (p. 160-165)

TEIXEIRA, C. ; BARBOSA, M. As relações interpessoais na produção do texto oral e escrito. In: MARCUSCHI, L. A. ;
DIONISIO, A. P. (org.) Fala e escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. (p. 145-176)
Obrigado!

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