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A religião e o

sentido da existência
• Índice
1. Religião, razão e fé
2. As provas da existência de Deus
3. Razão e fé: rutura ou harmonia
Filosofia da religião – área da filosofia que reflete sobre os
conceitos e as crenças fundamentais das religiões.

 Sobre os conceitos das religiões – compreender o seu significado e


analisar a sua coerência e consistência.

 Sobre as crenças religiosas – avaliar as justificações que podemos ter


para elas.

Dois dados fundamentais a ter em conta para compreender a filosofia


da religião:
1. A dificuldade em definir o que conta como uma religião.
2. A grande variedade de religiões que há no mundo.
A religião e o sentido da existência

 A religião é um fenómeno universal e trans-histórico.

 A abertura do homem à divindade pode ser desencadeada por:


 Fascínio pelo que nos ultrapassa;
 Dependência que induz à adoração
 Consciência da finitude e contingência – procura de um sentido.

Deus surge como aquele que pela sua transcendência e


omnipotência, tem poder para resolver os problemas que nos
afligem e salvar-nos.
Religião, razão e fé

• O ser humano constrói-se dando sentido à sua existência.

• Nessa busca, depara-se com a sua fragilidade na confrontação com obstáculos.

• Ao deparar-se com a sua fragilidade, o indivíduo tem consciência da precaridade da


sua existência, vislumbrando o grande mistério de algo superior, algum ser racional e
espiritual ao qual o indivíduo não tem acesso.

• É esta experiência íntima e radical de finitude que faz o ser humano abrir-se à
transcendência.

• Transcendência - é o que ultrapassa a nossa experiência possível, é a característica do


que não pertence ao mundo natural. 
Religião, razão e fé

• A religião repousa nesta na relação primitiva do ser humano com a


transcendência, que o faz descobrir no sagrado o sentido último da sua
existência.

• A experiência religiosa remete para uma vivência íntima através do ato de fé,
marcando o encontro do ser humano com Deus.
1. As religiões e a filosofia
Devemos dominar o seguinte vocabulário.
 

 Monoteísmo (do grego monos (“um”) e theos (“deus”): crença num só deus.

 Teísmo: crença num Deus pessoal, único (monoteísmo), eterno, perfeito, criador do universo.

 Politeísmo (de poly (“muitos”) e theos): crença em vários deuses.

 Panteísmo (de pan (“todo”) e theos) : crença de que Deus e o universo são o mesmo.

 Agnosticismo (do grego gnosis (“saber”) e o prefixo de negação “a-”): ausência de crença acerca da existência de
deuses.

 Ateísmo (de theos e o prefixo de negação: crença de que não existem quaisquer deuses.

 Doutrina: conjunto sistematizado de crenças de uma religião.

 Dogma: verdade indiscutível na qual é necessário acreditar.


 
Segue-se uma síntese das crenças fundamentais
de três das maiores religiões atuais.
O Cristianismo
• Há um só Deus, eterno, perfeito e pessoal. Criou o universo a partir do nada para felicidade dos seres
humanos, criados com uma alma imortal e livre-arbítrio.

• Por causa da desobediência a Deus por parte dos primeiros seres humanos, os seus descendentes pecam e sofrem.

• Deus tornou-se homem (encarnação) em Jesus, seu filho, ao mesmo tempo divino e humano. O sofrimento e morte
de Jesus purificaram a humanidade e reconciliaram-na com Deus. Ressuscitou e voltará à Terra para julgar os
humanos no dia do Juízo Final.

• Há um Céu ou paraíso onde os virtuosos serão eternamente abençoados, e um inferno onde os maus serão
eternamente punidos. Cada um de nós tem um julgamento individual após a morte do corpo.

• Trindade: Deus é simultaneamente um deus em três aspetos ou ‘pessoas’ – Pai, Filho e Espírito Santo. Estas pessoas
existem juntas eternamente e são todas elas totalmente Deus e totalmente perfeitas. Deus é ao mesmo tempo
imanente – está presente e atua no mundo e entre os humanos – e transcendente – está para lá do tempo e do
espaço.

• A regra mais importante de Jesus é amar o próximo, incluindo os nossos inimigos.


O Islamismo
• Há um só Deus, pessoal, eterno, perfeito, criador do universo, que está acima de toda a
compreensão humana.

• Deus predeterminou tudo o que acontece, mas os seres humanos têm livre-arbítrio, capacidade para
escolher entre o bem e o mal.

• O propósito da existência humana é amar e servir Deus.


• Haverá uma ressurreição universal no dia do último julgamento por Deus.

• Há um Paraíso e um Inferno como recompensa ou punição dos humanos após o Juízo Final, em função
das suas ações.

• A verdadeira fé foi revelada por Deus em muitas épocas e por muitos profetas, mas foi corrompida pela
intervenção humana. O último e mais importante dos profetas foi Maomé, a quem Deus ditou as
escrituras (Corão), a revelação correta e final.
• A vida e ensinamentos de Maomé constituem exemplos de conduta.
O Judaísmo
• Há um só Deus, pessoal, eterno, perfeito, criador do universo, que está acima de toda a compreensão
humana.
•  Acreditam que Deus tem uma relação especial com o povo judeu, consolidada no pacto que fez com
Moisés no Monte Sinai.

• Esse pacto com Deus, segundo eles, não é para benefício próprio, mas para o benefício de toda a
humanidade.
• Os judeus acreditam que os seres humanos foram feitos à semelhança de Deus. Obedecer à "lei" é
fazer a Sua vontade e demonstrar respeito e amor por Deus. 

• Tem raízes históricas profundas e baseia-se no livro de leis chamado Tora.


• O local de culto dos judeus é a sinagoga. O líder religioso de uma comunidade judaica é chamado
de rabino. 

• O dia da semana sagrado para os judeus é o sábado, ou sabat, que começa com o pôr do sol na
sexta-feira e termina com o pôr do sol no sábado. Durante esse dia, judeus ortodoxos tradicionais
não fazem nada que possa ser considerado trabalho.
• O cristianismo, o islamismo e o judaísmo têm em comum:

• religiões reveladas;
• religiões do Livro;
• Religiões ritualistas;
• Religiões teístas.

• As duas primeiras reúnem mais de metade da população mundial total.


Hinduísmo
• não há um sistema único de crenças, com conceitos abrangentes e diversos, não
preveem a existência de um único Deus — pode-se dizer que é a maior religião politeísta
e panteísta do mundo.
• Algumas das divindades mais importantes são Brahma, que representa a força criadora
do Universo, a partir da qual todas as coisas emanam e para a qual todas as coisas
retornam. Ele não é só omnipresente em todas as coisas mas também ele é todas as
coisas. ; Ganesha, deus da sabedoria e da sorte; Matsya, que salvou a espécie humana
da destruição; Sarasvati, deusa das artes e da música; Shiva, deus supremo, criador da
Ioga; e Vishnu, responsável pela manutenção do universo.
• A religião não foi fundada por uma só pessoa e não tem um único livro que guie as
práticas, e sim vários. A coleção compõe os Vedas, textos considerados sagrados para o
Hinduísmo.
• Há quatro principais preceitos da religião, que distinguem as metas para a vida de um
hinduísta: o dharma, que significa viver de maneira correta de acordo com a casta;
artha, almejar ganhos materiais por meios legais; kama, buscar o prazer físico por meio
dos sentidos; e moksha, alcançar a iluminação e se libertar da reencarnação.
O budismo
É por vezes referido como exemplo de uma religião sem Deus e, por isso, considerado mais
uma visão filosófica do mundo do que uma religião.

Centra-se no objetivo de eliminar o sofrimento e a insatisfação humanos.


Não toma posição sobre temas como a criação, a eternidade do universo ou a alma e o além, porque não
influenciam a vida humana.
• A vida é sofrimento e insatisfação, causados pelo desejo incessante e pelo desconhecimento da via para lhe
escapar.
• Reencarnação: o corpo em que viveremos e o nosso sofrimento em vidas futuras dependem das nossas ações
em vidas passadas. Mas o sofrimento e a insatisfação repetem-se indefinidamente com a reencarnação.
Enquanto esta se der, a existência não tem sentido.
• A solução para o sofrimento e ausência de sentido é tomar consciência de que tudo o que muda – o desejo, a
realidade e a nossa pessoa – é ilusão.
Budismo – cont.

• Devemos esforçar-nos para esvaziar a mente da preocupação connosco e da oposição entre pessoas,
coisas, tempos e lugares, verdade e falsidade, existência e não existência. Estas devem ser
substituídas pelo pensamento sem objeto e pela ausência de desejo.

• Isso liberta-nos do ciclo de mortes e reencarnações e permite-nos atingir um estado de paz e ausência
de sofrimento – o nirvana, a consciência da verdade de que tudo é ilusão, ou seja, consciência do
vazio total.

• As oito regras para a conduta que leva ao nirvana são atitudes de paz, autodomínio,
autoconhecimento e compaixão por todas as formas de vida.
Religião, razão e fé

• A abertura do ser humano à divindade gera um sentimento de dependência que


induz à adoração do sagrado ou pela consciência da finitude que o levam a
procurar um sentido para a sua ação e para as relações que estabelece com os
outros.

• Deus surge para resolver os problemas que afligem a humanidade, garantindo a


sua salvação.
Religião, razão e fé

• Uma religião requer um conjunto de princípios e dogmas, isto é, verdades


reveladas por uma divindade a um profeta ou mensageiro para que sejam
transmitidas e aceites livremente por um grupo de fiéis.

• Deus aproxima-se dos humanos pela revelação.

• Cada religião tem os seus próprios rituais, que propiciam experiências de


comunhão e coesão.
Religião, razão e fé

• As religiões em que Deus se revela ao ser humano (religiões reveladas) fundam-se num narrativa e são
designadas por religiões do livro.

Cristianismo – Bíblia

Islamismo – Alcorão

Judaísmo - Tora

É nas religiões reveladas que encontramos o


conceito teísta de Deus.
Religião, razão e fé

 O conceito teísta de Deus e o problema da sua existência

O que é o teísmo?

É a teoria geral que considera que existe um Deus pessoal e perfeito que governa o mundo e se revela aos
seres humanos.

Deus é:
• Cristianismo
omnipotente – tem poder sobre tudo
Omnisciente – tem conhecimento de tudo
• Judaísmo
Omnipresente – está em todo o lado
Eterno
sumamente bom
• Islamismo
criador
Religião, razão e fé

 O conceito teísta de Deus e o problema da sua existência

O que é o deísmo?

É a teoria geral que considera a existência de Deus como princípio e causa do universo, não tendo, entretanto,
qualquer intervenção no mundo após a criação.
Religião, razão e fé

 O conceito teísta de Deus e o problema da sua existência

O que é o panteísmo?

É a teoria geral que considera a existência de um ser cuja natureza é imanente (constante), ou seja, Deus e o
mundo são a mesma realidade.
Religião, razão e fé

 O conceito teísta de Deus e o problema da sua existência

Mas qual é o verdadeiro problema filosófico em torno de Deus?

1º A conceção teísta de Deus.

2º O conceito de Deus.

3º As provas da existência de Deus.


Religião, razão e fé

 O conceito teísta de Deus e o problema da sua existência

Será que (este) Deus (teísta) existe de facto?

SIM NÃO
Então Então
- a vida tem sentido - A construção de uma vida com
sentido fica nas nossas mão
- A morte deixa de
representar o fim - Viver é caminhar na incerteza e
no abandono
- Há esperança
- Com a morte, apenas há o nada
2. As provas da existência de Deus
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

São Tomás de Aquino (1225 – 1274) – Nasceu em Itália, numa família Aristocrática.
Entrou, contra a vontade da família, para a ordem dos dominicanos, em 1244, e, de 1245
a 1252, estudou em Colónia com Alberto Magno, o qual lhe deu a conhecer filosofia de
Aristóteles, que viria a influenciar fortemente o seu pensamento. Depois, ensinou durante
vários anos em Paris e Roma. A sua obra principal tem o título de Summa Theologica e
inclui as “Cinco Vias para provar a existência de Deus. São Tomás foi canonizado em 1323
e proclamado Doutor da Igreja (Angelicus Doctor) em 1567. Em 1879, o papa Leão XIII
declarou a filosofia de São Tomás, tomismo, como sendo a teologia oficial da Igreja
Católica.
2. As provas da existência de Deus
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

Causa eficiente, o que é?

- É a que determina o princípio do movimento e do repouso.


- Segundo Aristóteles, para que alguma coisa se mova tem de ser movida por outra, sendo que esta última, por essa razão,
constituir-se-ia na causa eficiente da coisa que se move.
- A causa eficiente encerra a ideia de que uma causa é necessariamente anterior ao efeito.
- Mas porque tudo se move, para evitar a regressão infinita, tem de haver uma primeira causa, incausada, que é a origem
de todas as outras.
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

“A existência de Deus pode ser provada por cinco vias. A segunda via resulta da natureza da causa eficiente. Vemos que no
mundo dos sentidos existe uma ordem das causas eficientes. Não há nenhum caso conhecido no qual se verifique que uma
coisa é a causa eficiente em si mesma; pois, desse modo, seria anterior a si mesma, o que é impossível. Ora, não é possível
regredir infinitamente nas causas eficientes, porque em todas as causas eficientes ordenadas a primeira é a causa da causa
intermédia e esta (…) é a causa da causa última. Ora, retirar a causa é retirar o efeito. Portanto, se não existisse uma causa
primeira entre as causas eficientes, não existia uma causa última nem nenhuma causa intermédia. Mas se for possível
regredir infinitamente nas causas eficientes, não existirá uma primeira causa eficiente, nem existirá um último efeito, nem
quaisquer causas eficientes intermédias; e tudo isto é completamente falso. Portanto, é necessário admitir uma primeira
causa eficiente, à qual dão o nome de Deus.”
São Tomás de Aquino, Summa Theologica, Parte a, 2, 3.
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

O argumento cosmológico é um argumento a posteriori.

A existência de Deus é provada partindo da


experiência, ou seja, dos dados da observação
empírica.

São Tomás de Aquino apresenta as “Cinco Vias” para provar a existência de Deus.

Apenas a Segunda Via será estudada, baseada no conceito de causa (conhecida por argumento da
causa primeira).
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

Argumento da causa primeira:


1. Todas as coisas neste mundo são causadas.
2. Nenhuma coisa é causa de si mesma.
3. Tudo o que é causado é causado por outra coisa, por algo diferente de si.
4. Não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas.
5. Se não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas, então tem de existir uma causa primeira que tudo causa
e por nada é causada.
6. A essa causa primeira dá-se o nome de Deus.
7. Logo, Deus existe.
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

• A segunda e a terceira premissas afirmam que na natureza um acontecimento é causado por outro, que por sua vez
depende de outro e assim sucessivamente.
• O teu nascimento não foi causado por ti, nem o do teu pai ou da tua mão foi causado por eles, etc.
• Mas, se A é causado por B, se B é causado por C, se C é causado por D, se D é causado por E, e assim sucessivamente, será
que a cadeia causal é infinita?

São Tomás de Aquino nega essa ideia de causas infinitas,


afirmando que isso seria um absurdo. Para tal recorre a um
argumento intermédio, que é uma refutação ao absurdo.
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

O argumento intermédio (ou refutação ao absurdo):


- Suponhamos que há uma cadeia infinita de causas ou uma regressão infinita na cadeia de causas. Que consequências tem esta hipótese?
São logicamente aceitáveis?
- Se as cadeias causais (as ligações causa-efeito) regridem infinitamente, não há um primeiro membro da cadeia causal e, faltando um
primeiro membro, também falta uma primeira causa.
- Mas faltando uma primeira causa, falta também um primeiro efeito e outros efeitos intermédios.
- Como os efeitos intermédios são causa dos efeitos mais próximos e recentes, segue-se que numa cadeia causal sem primeiro membro não
há causas nem efeitos, não há qualquer membro.
- Uma cadeia causal infinita é uma cadeia causal sem membro.
- Não havendo início para as ligações causa e efeito, como aconteceria se fossem infinitas, constata-se que isso é um absurdo.
- Sendo absurdo, então as cadeias causais não podem ser infinitas.
- Tem de haver uma causa primeira que esteja na origem de toda a sequência causal. Essa primeira causa é Deus.
-
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

• Críticas ao argumento cosmológico:

 É autocontraditório: defende simultaneamente que não pode haver uma causa não causada e que há uma causa não
causada (Deus).

 Não é uma demonstração: se é possível existir uma série infinita de causas e efeitos (desde o passado até agora),
porque não pode esta série prolongar-se infinitamente (no futuro)?

 Ainda que nos possa convencer acerca da existência de Deus, este argumento não nos adianta muito no que diz
respeito à sua natureza. Uma causa originária (e incausada) é certamente muito poderosa, mas não há razões para
pensar que ela se identifique com o Deus perfeito dos teístas.
2. As provas da existência de Deus

 Argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

Exercícios
1. Resume o argumento de São Tomás.

2. Refere em que medida se pode afirmar que o argumento cosmológico é autocontraditório.

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