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Arquitetura Moderna

no Contexto Regional

SALVADOR
Falar em Arquitetura Moderna em Salvador antes da
década de 1940 é um assunto controverso, pois os
exemplos produzidos são poucos e não chegaram a
representar um ponto de inflexão na produção
tradicional da arquitetura baiana.

Sanatório de
Tuberculosos Sta.
Terezinha (1942)

Fonte: ANDRADE, 2012


Além disso, é importante saber que a formação de
arquitetos na Bahia, por muito tempo, foi
extremamente limitada. O curso de arquitetura
oferecido dentro do Curso de Belas-Artes da Bahia
(EBA-BA), até então o único existente, era muito
precário.
A EBA-BA (criada em 1877), no início do séc. XX, ainda
não conseguia formar um número significativo de
profissionais. Segundo Nivaldo Andrade (ANDRADE,
2012) teriam sido apenas 19 arquitetos diplomados
entre 1929 e 1939 e nenhum entre 1940 e 1950 (e
isso para todo o Estado da Bahia!).
Essa situação, só mudaria a partir da criação da UFBA
em 1948 e da incorporação do curso de arquitetura da
EBA pela nova universidade (agora federal). A partir
de 1950, o curso foi reestruturado e assim, aos
poucos, os professores (a maioria formada em outras
áreas) foram sendo substituídos por arquitetos.
Curiosidade: dos 26 professores do curso em 1950, só
03 eram arquitetos!

EBA (UFBA)

https://
mapeamentocultural.ufba.br/
areas-convivencia/escola-de-
belas-artes-area-externa
Em 1951, foram apenas 03 diplomados (incluindo
Diógenes Rebouças, que antes disso atuava como
autodidata); 04 em 1952 e 13 em 1953. A partir daí,
tivemos uma média de 12 arquitetos diplomados por
ano em Salvador ao longo do resto da década de 1950.

Diógenes Rebouças
(1914-1994)

https://vitruvius.com.br/
revistas/read/drops/
14.080/5173
Elevador Lacerda: projeto da década de 1930
(Fleming Thiesen e Adalberto Szilard)

Não é de estranhar, portanto,


que a maior parte dos projetos
arquitetônicos, até meados da
década de 1940, tenham sido
executados fora da Bahia
(especialmente no RJ) ou então
por arquitetos que vinham de
fora (incluindo os primeiros
exemplares modernistas do
Estado).
https://www.vivadecora.com.br/pro/elevador-lacerda/
A Agência Central dos Correios e Telégrafos (1934-1937), projeto
da Construtora Comercial e Industrial do Brasil (do RJ).
Assim sendo, até meados da década de 1940,
dominavam na paisagem urbana as edificações em
estilo tradicional, alguns exemplares ecléticos, outros
Art Déco e até mesmo algumas construções
neocoloniais...

Antigo hidroporto de
Salvador (Ribeira),
construído entre 1937 e
1939, no estilo Art Déco
(Ricardo Antunes)

http://piersalvador.blogspot.com/2007/11/o-hidroporto-da-ribeira-comeou-ser.html
Outros destaques da arquitetura produzida antes de
1940 na Bahia (ambas promovidas pelo poder público)
são: o Instituto do Cacau e o ICEIA, ambos do arquiteto
alemão Alexander Buddeus.

http://classicalbuses.blogspot.com/2014/01/instituto-do-cacau-em-salvador.html
Apesar de bastante inovador para os padrões baianos da
década de 1930, Alexander Buddeus era muito mais
ligado ao Expressionismo e às experiências da Bauhaus
do que propriamente à chamada Arquitetura Moderna
que se desenvolvia em outras partes do mundo.

Instituto Normal da
Bahia (atual ICEIA)

http://
arquitetandonanet.blogspot.com/
2010/10/instituto-normal-da-bahia-
atual-iceia.html
O período a partir da segunda metade da década de
1940, contudo, passa a ser considerado como o grande
marco do avanço da Arquitetura Moderna na Bahia por
uma série de motivos:
a) Criação do EPUCS – Escritório do Plano de Urbanismo da
Cidade do Salvador - entre 1942 e 1943, com a proposta
de atuar no planejamento urbano da capital baiana. Mais
tarde, a partir de 1947, funcionou como o principal
escritório de arquitetura do Estado, sendo responsável
por atender a inúmeras demandas municipais e
estaduais, “contribuindo enormemente tanto para a
consolidação da arquitetura moderna na Bahia quanto
para a constituição do campo arquitetônico no Estado”
(ANDRADE, 2012). (Detalhes mais adiante)
b) Do ponto de vista econômico, foi nos anos 1940 que a
Bahia começou a sua fase expressiva de industrialização
(reduzindo, portanto, a dependência dos produtos
agrícolas), primeiro com a construção da 1ª refinaria de
petróleo do Brasil, Mataripe (município de S. Francisco
do Conde) e depois com a construção da usina
hidroelétrica de Paulo Afonso, na divisa da Bahia com
Alagoas e Pernambuco.

http://
exposicao60anos.agenciapetrobras.com.
br/decada-1950-momento-3.php
c) Do ponto de vista político, coincide com o processo
de retorno à democracia no país (ou seja, o fim da
era de Getúlio Vargas) com a eleição do General
Eurico Gaspar Dutra para presidente do Brasil
(1945), Otávio Mangabeira governador da Bahia
(1947) e José Wanderley de Araújo Pinho para a
prefeitura de Salvador (1947). Foi justamente no
governo de Mangabeira (1947-1951) que foi
implantada grande parte das obras modernistas de
maior importância e repercussão no estado.
d) Do ponto de vista cultural, destaque para a atuação
de Anísio Teixeira como Secretário de Educação e
Saúde da Bahia (nomeado por Mangabeira) e
Clemente Mariani (banqueiro baiano) nomeado
por Dutra para o Ministério da Educação e Saúde.
Este último será o grande responsável por
importantes investimentos federais na Bahia
nesses dois setores.

Anísio Teixeira
(1900-1971)
https://pt.wikipedia.org/wiki/An
%C3%ADsio_Teixeira
e) Foi nesse mesmo período que ocorreu a consolidação
da arte moderna na Bahia, graças aos esforços de vários
artistas - Mário Cravo Junior, Carlos Bastos, Genaro de
Carvalho, Maria Célia Amado, Jenner Augusto, Carybé
etc. Esse grupo recebeu enorme apoio do secretário
Anísio Teixeira, promotor dos importantes Salões
Baianos de Belas Artes.

https://www.escritoriodearte.com/artista/carybe
f) A partir da década de 1940, a Bahia assistiu a um
grande crescimento da indústria da construção civil.
Publicações da época dão conta de que entre 1939 e
1949 quase 8.650 edificações foram construídas na
zona urbana de Salvador (sendo 1.016 só em 1947).
Essa demanda inclusive levou à implantação, em
1951, de uma fábrica de cimento em Salvador – a
Cimento Aratu S.A. -, instalada às margens da Baía de
Todos os Santos.

http://www.amoahistoriadesalvador.com/
a-antiga-fabrica-de-cimento-aratu-vista-
do-mar-praia-de-tubarao/
Detalhe: A questão política não se restringia apenas ao
surgimento de um espírito de maior liberdade e
abertura para o vanguardismo, típicos de ambientes
mais democráticos... Na verdade, em quase toda a
América Latina, a arquitetura moderna esteve
intimamente ligada às iniciativas do Estado. A
arquitetura moderna servia, pois, como o símbolo
ideal de progresso e investimento no futuro,
conforme o discurso dos governantes. Os novos
edifícios modernistas eram as “representações das
modernidades nacionais”. Nas palavras de Gorelik, o
arquiteto brasileiro era, naquele momento, "o artista
construtor de símbolos políticos" (GORELIK, 2005).
Graças a todos esses fatores, no período entre a 2ª
metade da década de 1940 e a 1ª metade da década
de 1950 produziu-se na Bahia inúmeros projetos
importantes, todos adotando uma linguagem
claramente modernista.
Escolhemos, assim, o período do governo de Otávio
Mangabeira para a nossa análise (1947 a 1951), um
dos mais importantes da história da Bahia.
Coincidentemente, são também anos marcantes na
carreira de Diógenes Rebouças, o personagem de
maior destaque do referido período na arquitetura
baiana.
A arquitetura modernista baiana produzida nesse
período possui vários pontos em comum. Podemos
elencar:

a) Transparência das soluções estruturais: pilares e


vigas em concreto plenamente expostos
(principalmente os pilares convertidos em
pilotis).
b) A continuação espacial entre os diferentes
ambientes: ambientes internos articulados e
ambientes externos integrados visualmente aos
espaços interiores das edificações.
c) Soluções construtivas adequadas ao clima local,
especialmente com o uso de elementos vazados nas
paredes de fechamento (cobogós, brise-soleils,
treliças etc.), no revestimento de paredes com
azulejos e no uso de trechos de lajes em balanço
(marquises) criando amplas áreas de sombra.

https://www.facebook.com/amoahistoriadesalvador.byloutibahia/photos/
a.729839003722159/1945663968806317/?type=3
d) Integração das artes plásticas com a arquitetura – a
chamada síntese das artes - através da encomenda
de painéis, mosaicos, esculturas etc. aos mais
renomados artistas do período (Mário Cravo Junior,
Carybé, Genaro de Carvalho, Jenner Augusto, Carlos
Bastos), todos ligados ao Modernismo. É preciso
lembrar que, até 1948, o curso de arquitetura era
ministrado dentro da EBA-BA, o que aproximava
bastante os artistas e os arquitetos (muitos, como o
próprio Diógenes, inclusive atuando nas duas áreas).
https://casavogue.globo.com/LazerCultura/Hoteis/noticia/2017/08/sheraton-da-bahia-
respira-arte-e-historia.html

Painel de Genaro de Carvalho no Hotel da Bahia


(projeto de Diógenes)
https://
www.levyleiloeiro.com.br/
peca.asp?ID=271726
e) Ao contrário da arquitetura modernista europeia, a
produção modernista na Bahia – como, aliás, no resto do
Brasil – não se atrelaria às questões políticas e sociais, tão
caras aos grandes mestres (Le Corbusier, Mies van der
Rohe, Walter Gropius etc.). Aqui, portanto, importava
muito mais a “vontade de expressar a personalidade de
cada edificação” (BRUAND, 1981). Sobressaiam, portanto,
a criatividade e os traços particulares de cada arquiteto.

Primeira sede do IBIT


(projeto do carioca Hélio de
Queiroz Duarte, 1942)

Fonte: ANDRADE, 2012


Uma das primeiras obras públicas de viés modernista a
pontuar, com algum destaque, na paisagem urbana da
cidade, mesmo sendo uma obra de pequena escala, foi
o mercado do peixe no Porto da Barra, projeto de
Diógenes Rebouças como uma das encomendas feita
ao EPUCS pela prefeitura de Salvador.

Fonte: Fundação Pierre Verger


Construído entre 1949 e 1950, o mercado tinha como
objetivo substituir as barracas improvisadas que
existiam no local – de aspecto grosseiro – e preservar o
comércio dos pescadores.
Fonte: Fundação Pierre Verger
O projeto incluiu também a requalificação de uma
pequena praça existente no local. As soluções
propostas por Diógenes harmonizavam-se
perfeitamente com o entorno e com a história do
lugar, procurando, além disso, jamais desviar o foco
principal do Forte de Santa Maria, um importante
monumento da história nacional.

Fonte: Fundação
Pierre Verger
Na área de habitação social, um dos temas estudados
pelo EPUCS, destaque para a criação das chamadas
“vilas proletárias” durante o governo de Otávio
Mangabeira. O primeiro desses conjuntos
habitacionais - o Conjunto Residencial Salvador, com
projeto feito pelo próprio EPUCS – foi erguido em um
terreno comprado pelo IAPI (Instituto e
Aposentadorias e Pensões dos Industriários) no bairro
do Retiro.

Fonte: Acervo do
Conjunto Residencial
Salvador
Nesses blocos, é significativa a aproximação de sua
arquitetura com os preceitos da arquitetura moderna
europeia: uso de pilotis elevando os prédios acima do
solo; telhado em uma única água; tratamento
simplificado das fachadas, criação de áreas de uso
comunitário (nesse caso, a lavanderia), inserção dos
blocos em uma ampla área verde etc.

http://fllorestas.blogspot.com/
2011/11/
Radicado na Bahia, o arquiteto Paulo Antunes Ribeiro
foi o autor, dentre outras obras (incluindo o Hotel da
Bahia, em parceria com Diógenes Rebouças), dos
icônicos prédios Caramuru (1946-1949, com grande
repercussão em revistas internacionais) e Paraguassu
(inaugurado apenas em 1952), marcos importantes
da arquitetura modernista em Salvador.

Ed. Caramuru

http://arquitetandonanet.blogspot.com/
2010/07/edificio-caramuru-comercio-
salvador.html
Nos dois projetos, situados na Cidade Baixa (Comércio)
– e a apenas 200 metros um do outro - observa-se a
preocupação do arquiteto em proteger os ambientes
internos da incidência direta do sol.

Ed. Caramuru
No edifício Caramuru, destaque ainda para as obras
de arte: escultura de Jacques Gotard (fachada
sudoeste) e escultura de cobre de Burle Marx, painel
de Mário Cravo Júnior etc.

Com seus sete


pavimentos, o Caramuru
foi considerado, à época,
o primeiro “arranha-céu”
da região (considerando
que o gabarito padrão
das edificações era de
apenas cinco
pavimentos).
Outra grande contribuição para a disseminação da
arquitetura moderna na Bahia foi dada pelo escritório
EAU (Engenharia, Arquitetura e Urbanismo Ltda.),
criado em 1948 por três colaboradores/funcionários
do EPUCS: os engenheiros civis Antônio Rebouças
(irmão de Diógenes) e Francisco Santana e mais o
desenhista (de origem ucraniana) Lev Smarcevscki
(que embora não tivesse uma
graduação formal, já atuava na
área de projetos desde 1944).

Lev Smarcevscki

http://www.vivasaveiro.org/?page_id=4
A sua produção, embora centrada principalmente
em edificações residenciais, teve grande
repercussão na época: “...esses arquitetos
[Smarcevscki e Rebouças], com seus projetos
destinados a residências, despertaram não apenas
curiosidade, mas entusiasmo e adesão, tanto na
classe média quanto nos estratos mais pobres,
particularmente numa cidade como Salvador
marcada por seus casarões coloniais, arquitetura
eclética e (...) por poucos edifícios modernos e déco
que eram geometricamente mais contidos”
(MAGNAVITA, 2003 apud ANDRADE, 2012).
Destaque para os seguintes projetos do EAU: (1)
residência Jorge Cintra Monteiro (projeto de Lev
Smarcevski, de 1948); (2) residência Raul Faria e (3)
residência Waldemar Gantois.
Residência Cintra Monteiro

Fonte: Fundação Pierre Verger


Residência Cintra Monteiro – Era formada pela
justaposição de três volumes distintos: (a) um menor
e mais próximo à testada do lote, com laje de
concreto inclinada funcionava como garagem; (b) no
bloco central, o de acesso, ficavam a cozinha e as
escadas que ligavam aos outros níveis; (c) o terceiro e
maior volume ficava ao fundo do terreno, debruçado
sobre o vale abaixo (Chame-Chame) e abrigava a
maior parte do programa (sala, três quartos,
varandas e sanitários).

Fonte: ANDRADE, 2012


A laje central tipo “borboleta” era influência direta
de Le Corbusier; os brises laterais, remetiam a Oscar
Niemeyer (Iate Clube da Pampulha).
Como detalhe extra, podemos citar o belíssimo mural
de Carybé, com o tema “Capoeira”, que ficava em
uma das paredes internas.

Fonte: ANDRADE, 2012


Projeto de Rebouças e Smarcevski (ficando Santana à
frente dos cálculos estruturais), temos a residência
Raul Faria, na Avenida Presidente Vargas, bairro da
Barra. Situada em um terreno de esquina, a casa tinha
dois pavimentos: na parte inferior ficava a área social
e de serviços (além de garagem para dois carros); na
parte superior, quatro quartos e sanitários.

Fonte: IMS - 010BASA09301


Aqui, mais uma vez, a cobertura tipo borboleta de Le
Corbusier. Destaque também para a enorme coluna em
“V”, com pé-direito duplo, que ficava voltada para a
esquina, marcando bastante a sua visibilidade.
As lajes em balanço, que
avançam em direção aos
limites do lote, serviam
também como proteção à
incidência direta do sol,
demonstrando o cuidado dos
autores em adaptar seu
projeto às condições
climáticas locais.
Fonte: Casa & Jardim, no.03
A residência Waldemar Gantois, por sua vez, ficava
em frente à praia de Piatã, dentro de uma fazenda de
coqueiros, numa região que, naquela época (1950),
era considerada ainda parte da zona rural de Salvador.
Erguida sobre uma pequena colina, separava-se da
praia por um braço de rio.
Fonte: ANDRADE, 2012
Pouco depois, quando a estrada Amaralina-Itapoan foi
construída, a vista contrastante daquela edificação
modernista inserida numa paisagem tão bucólica e
tropical impressionava os transeuntes, tornando-se
rapidamente um ponto de referência da cidade.

Fonte: ANDRADE, 2012


Devido à amizade entre membros da família e os
principais artistas plásticos modernos da época, a
residência acabou acumulando uma série de obras
de arte bastante significativas: um painel de Carybé
(em ladrilhos hidráulicos), um painel de Jenner
Augusto (“Pesca de Xaréu”) etc.

Fonte: ANDRADE, 2012


As casas do EAU tiveram um importante papel no
processo de popularização da arquitetura modernista
em Salvador,: “... todos esses elementos do novo
repertório arquitetônico acabaram sendo apropriados
pela população em geral e, particularmente, pelos
mestres de obras e operários da construção civil. Esse
sentido do novo, associando a noção de progresso ao
sucesso de qualquer empreendimento à plena
funcionalidade das coisas, contrapondo-se, (...) ao
estilo pesado da arquitetura tradicional, (...) acabou
significando um despojamento que visava a
simplicidade e manutenção dos espaços construídos e,
ao mesmo tempo, uma novidade formal.”
(MAGNAVITA, 2003 apud ANDRADE, 2012)
O baiano Diógenes Rebouças
(1914-1994), nascido no
município de Amargosa,
formou-se inicialmente em
agronomia (1933) na Escola
Agrícola da Bahia. Em 1935,
muda-se para Itabuna onde
constrói a catedral (sua
primeira obra), trabalha em
obras de tratamento de água e
esgoto e também projeta a Av.
Cinquentenário, além de uma
série de jardins para a cidade. Fonte: ANDRADE, 2012
O fiscal dessas obras era, coincidentemente, o baiano
e engenheiro Mário Leal Ferreira que, impressionado
com o seu trabalho, convida-o em 1941 para
desenvolver alguns projetos paisagísticos para a área
do futuro estádio da Fonte Nova.

http://wwwmemoriasdafontenova.blogspot.com/2010/10/como-surgiu-fonte-nova.html
Chegando ao local, Diógenes convence o governo a mudar
a localização do estádio e apresenta o seu próprio projeto
para a Fonte Nova. Aprovada (inclusive com parecer de
Oscar Niemeyer), esta obra muda o rumo de sua carreira.

Fonte: ANDRADE, 2012


Conforme dito anteriormente, a parceria com
Mário Leal Ferreira seria mantida na hora da criação
do EPUCS em 1942, sendo Diógenes o responsável
pela maioria dos projetos arquitetônicos
desenvolvidos dentro do escritório.
Dentre os trabalhos mais significativos desse
período está o conjunto de escolas públicas ligadas
ao programa educacional do renomado educador –
e secretário estadual da educação no governo de
Otávio Mangabeira – Anísio Teixeira.
Anísio Teixeira, com o apoio (inclusive econômico)
do então Ministro da Educação e Saúde do governo
Dutra, o também baiano Clemente Mariani,
concebeu e começou a executar “um dos mais
ambiciosos planos educacionais de que se tem
notícia no Brasil” (ANDRADE, 2012), contando com
edificações em diferentes escalas, de forma a
atender localidades a partir de 400 habitantes (indo
até os 300 mil no caso de Salvador). Esses prédios, de
linguagem modernista, ajudaram a difundir a
arquitetura moderna no interior do estado.
Outro detalhe importante desses projetos era o seu
caráter “modular”; ou seja, os prédios foram
projetados levando em conta as futuras ampliações
(na medida em que aumentasse a população de cada
cidade) com o menor impacto possível
(principalmente financeiro).

Escola Mínima no
município de Cipó

Fonte: ANDRADE, 2012


É preciso esclarecer, contudo, que diante das
dificuldades enfrentadas para construir os prédios
em comunidades distantes – mão-de-obra pouco
qualificada, escassez de materiais de construção
modernos etc. -, os projetos de Diógenes muitas
vezes recorriam a uma combinação necessária da
arquitetura moderna com a arquitetura vernacular
(mesma prática, aliás, adotada por Le Corbusier
em diferentes fases de sua carreira).
Detalhe: quase 80 anos depois, a qualidade da
mão-de-obra em muitas regiões da Bahia pouco se
alterou...
Os módulos educacionais tinham como partido inicial a
chamada Escola Mínima (EM), instalada em um terreno
de 10.000 m2 e indicada para os locais de baixa
densidade populacional.

Fonte: ANDRADE, 2012

Maquete da Escola Mínima, com apenas 01 classe


Na escala seguinte, vinha a chamada Escola Nuclear
(EN), indicada para povoados um pouco mais densos.
Era formada por três salas de aulas, uma sala de
diretoria, uma biblioteca, área de recreio coberta e um
pequeno aposento para o zelador.

Maquete da Escola
Nuclear (EN)

Fonte: ANDRADE, 2012


A seguir, vinham o Grupo Escolar Médio (GE-6), com
seis salas de aulas, “salas de administração, uma boa
biblioteca, disposições para clubes escolares,
auditorium, salas especiais de desenho, artes
industriais e ciências e largas áreas cobertas para
recreio.” (TEIXEIRA, 1950)

Maquete do Grupo
Escolar Médio

Fonte: ANDRADE, 2012


Por fim, havia o Grupo Escolar Completo (GE-12),
composto do referido GE-6 “mais seis salas de aula
primária, duas de jardim de infância, ginásio, cantina,
teatro, centro de informações para adultos, etc.”
(REVISTA FISCAL..., 1949 apud ANDRADE, 2012).
Fonte: ANDRADE, 2012

Foto do Instituto Euclides Dantas (Vitória da Conquista),


correspondente ao Grupo Escolar Completo
Outro marcante projeto de Diógenes (elaborado ainda
no período do EPUCS) foi o Hotel da Bahia, no bairro
do Campo Grande (Salvador).

https://
vitruvius.com.br/
revistas/read/
resenhasonline/
17.194/6878
A ideia de construir um grande e moderno hotel em
Salvador vinha preencher uma importante lacuna
na área do turismo local. Até então, as poucas
opções existentes na cidade (apenas 359 quartos
em 1949, de acordo com o “Pequeno Guia Turístico
da Cidade do Salvador”) não tinham a qualidade
exigida pela maior parte dos turistas (especialmente
os estrangeiros). Tendo em vista o potencial
turístico da Bahia, até mesmo o governador
Mangabeira envolveu-se no processo de
viabilização do empreendimento.
Assim sendo, logo em julho de 1947 (pouco mais de
três meses após a posse de Mangabeira), Diógenes já
apresentava uma primeira proposta para um hotel de
alto padrão no terreno escolhido. Detalhe: o hotel
acabou possuindo, no final, quatro versões mais ou
menos significativas, mas todas produzidas por
Diógenes e todas com o mesmo partido
arquitetônico.

Perspectiva do Hotel da
Bahia (1947), de Diógenes
Rebouças

Fonte: ANDRADE, 2012


E mesmo antes de sua inauguração (1952), o Hotel da
Bahia já estava inserido nos principais eventos
artísticos e sociais da cidade. Em 1949 e 1950, por
exemplo, nos salões do pavimento térreo, Anísio
Teixeira promoveu as duas primeiras edições do
Salão Baiano de Belas-Artes (eventos da maior
importância para a consolidação da arte moderna na
Bahia).

Fonte:www.lygiasampaio.com
O hotel é composto de diferentes volumes articulados,
sendo o principal deles um grande paralelepípedo de
oito pavimentos-tipo e uma cobertura recuada. Nesse
bloco maior ficam os apartamentos para os turistas.

https://
www.facebook.com/
diogenesdealmeidareb
oucas/?locale=pt_BR
A sua implantação no terreno, apesar de inusitada, era
plenamente justificada: não apenas permitia a
construção de um bloco mais comprido (84 metros) no
terreno com aquele formato, como também
preservava as duas vistas mais privilegiadas: para o
Campo Grande, nos quartos da fachada sudeste, e para
a Baía de Todos os Santos nos quartos da fachada
noroeste.

Fonte: ANDRADE, 2012


A fachada noroeste (poente) é caracterizada por um
tipo de "grelha" - formada pelas lajes em balanço
(marquises) e pelas próprias paredes que separam os
apartamentos - de forma a proteger os hóspedes
contra a insolação direta.
Fonte: ANDRADE, 2012
A fachada sudeste, mais protegida, adota uma solução
semelhante às "janelas em fita" de Le Corbusier, o que
acaba reforçando a sua horizontalidade.

http://
cartografandobardireboucas.blogs
pot.com/2012/05/iconografia-
diogenes-reboucas.html
Por fim, para reduzir a sensação de "peso" do bloco
maior (o dos apartamentos), Diógenes inseriu um
conjunto de pilotis extremamente delgados, que elevam
o edifício a quase 12 metros do solo.

Fonte: ANDRADE, 2012


Fonte: ANDRADE, 2012

Fonte: ANDRADE, 2012


Na arquitetura residencial, destaque para a
residência Oswaldo Augusto da Silva, de 1949,
localizada em Amaralina. Embora de pequenas
dimensões, essa casa apresenta a solução de telhado
borboleta, esquadrias contínuas na fachada principal,
colunas aparentes esbeltas e uma escultura de Mário
Cravo Junior na fachada.

Fonte: Fundação Pierre Verger


Após sair do EPUCS em 1951 (mesmo ano em que se
diplomou em arquitetura) Diógenes entrou para o
quadro docente da Escola de Arquitetura da UFBA e
tem um papel importante na reformulação do curso
(sendo inclusive de sua autoria o projeto das
instalações atuais).

https://www.archdaily.com.br/
br/758897/classicos-da-
arquitetura-faculdade-de-
arquitetura-e-urbanismo-da-
ufba-diogenes-reboucas/
548875dde58ece8515000026
Graças a seu prestígio,
consegue atrair para a Bahia
arquitetos prestigiados – Lina
Bo Bardi, José Bina Fonyat
Filho etc. - para atuar como
professores do curso na
UFBA. https://www.archdaily.com.br/br/
758509/citacoes-de-lina-bo-bardi

Em 1952, abre o seu próprio escritório que, em pouco


tempo, torna-se “o mais requisitado na área no Estado
da Bahia, responsável por importantes projetos”
(ANDRADE, 2012) nas duas décadas seguintes.
Criado em 1942, o EPUCS (Escritório do Plano de
Urbanismo da Cidade de Salvador) lançou “uma das
mais amplas e modernas experiências de
planejamento urbano já promovidas no Brasil”.
(ANDRADE, 2012) O plano para Salvador, contratado
pela prefeitura, foi o marco inicial do escritório. O
EPUCS teve como primeiro coordenador o
engenheiro sanitarista (mas com grande experiência
na área do planejamento urbano) Mário Leal
Ferreira, baiano, tendo como seu principal
colaborador o arquiteto Diógenes Rebouças.
O EPUCS, por sua atuação, teve também “um papel
fundamental na consolidação da arquitetura moderna
na Bahia” e transformou-se “um uma referência em
análise e planejamento moderno em todo o Brasil”.
(ANDRADE, 2012)

Mário Leal Ferreira


(1895-1947)

https://www.researchgate.net/publication/
320568554_Diogenes_Reboucas_e_o_EPUCS_plan
ejamento_urbano_e_arquitetura_na_Bahia_1947-
1950/fulltext/59eea8014585154350e81b01/
Diogenes-Reboucas-e-o-EPUCS-planejamento-
urbano-e-arquitetura-na-Bahia-1947-1950.pdf
A equipe do EPUCS era extensa, sendo composta por
profissionais de diferentes especialidades (arquitetos,
engenheiros, historiadores, desenhistas, topógrafos,
arquivistas, biólogos, botânicos, maquetistas, médicos
etc.), além de pessoal administrativo. Nos seus
primeiros quatro anos, sob a coordenação de Mário
Leal Ferreira, a função principal de Diógenes
Rebouças era fazer a compatibilização das várias
propostas e depois submetê-las à avaliação de Mário.

http://
osvaldocampos.blogspot.com/
2009/04/quem-pensou-salvador-
do-futuro-mario_13.html
A sua produção arquitetônica, no entanto, ligava-se
diretamente à chamada escola carioca do
modernismo, não apenas pelas lacunas da formação
em arquitetura na Bahia (já mencionadas) como
também pela contribuição dada por vários arquitetos
cariocas que, a convite, desenvolveram uma série de
parcerias com o EPUCS (Burle Marx, Jorge Moreira,
Rocha Miranda, Souza Reis, Hélio Uchôa, Paulo
Antunes etc.).
Proposta para o
Terreiro de Jesus
de Burle Marx

https://www.pinterest.pt/pin/
229331806003699192/
Ao longo dos anos, a produção do EPUCS foi extensa
e variada: (1) promoveu o primeiro levantamento
aerofotogramétrico da zona urbana de Salvador; (2)
desenvolveu pesquisas históricas; (3) realizou estudos
geológicos e topográficos da cidade; (4) estudos
meteorológicos e climatológicos; (5) estudos na área
de higiene e saneamento básico; (6) elaborou um
levantamento das redes de infraestrutura urbana; (7)
estudou a rede de abastecimento alimentar; (8)
promoveu estudos ligados à educação e cultura; (9)
desenvolveu estudos econômicos; (10) colaborou
para a criação de uma legislação urbana mais técnica
e detalhada etc.
Todo esse extenso material serviu de base, mais tarde,
para o Plano de Salvador e suas diferentes
proposições: zoneamento de áreas, definição de vias
de comunicação, definição de áreas verdes (parques e
jardins), definição de áreas para a habitação,
localização dos serviços públicos, localização dos
centros de abastecimento etc.

http://www.urbanismobr.org/
bd/documentos.php?id=3510
Além disso, o EPUCS (conforme mencionado
anteriormente) também trabalhou em parceria com
vários arquitetos de fora do estado, o que permitiu
um rico intercâmbio entre profissionais de diferentes
origens e referências. Estudo para novo Centro Cívico na Praça
da Sé

http://www.urbanismobr.org/bd/documentos.php?id=3510
Proposta de criação de uma nova avenida
multimodal ligando o Terreiro de Jesus à Av.
Sete de Setembro.

file:///C:/Users/Jan%20Van%20Holthe/Downloads/1282-Article%20Text-4359-1-10-20170526.pdf
Estudo para remodelação da Praça
Castro Alves

file:///C:/Users/Jan%20Van%20Holthe/Downloads/1282-Article%20Text-4359-1-10-20170526.pdf
Dentre as suas realizações mais conhecidas,
destaque para a criação das avenidas de vale. A
Avenida Centenário (a primeira delas), por exemplo,
começou a ser construída em 1949 como parte das
celebrações do 4º centenário da fundação de
Salvador.

http://
www.amoahistoriadesal
vador.com/fotos/page/
62/
Com a morte de Mário Leal (1947), Diógenes
Rebouças assume a coordenação geral do EPUCS. Na
sua gestão, o EPUCS ampliou bastante a atuação do
escritório, elaborando os principais projetos de
equipamentos e espaços públicos encomendados
pela Prefeitura e pelo Governo do Estado no período.

http://www.cidade-salvador.com/urbanismo/reestruturacao.htm
Por fim, vale a pena relembrar que, diante das
fragilidades mencionadas na formação em arquitetura
na Bahia até o início da década de 1950, o EPUCS
acabou funcionando também como uma verdadeira
“escola”, responsável pela formação de uma geração
inteira de arquitetos e urbanistas baianos: Assis Reis,
Emanuel Berbert etc.

Assis Reis (1926-2011) no


EPUCS

http://www.acervoassisreis.com.br/biografia/
Referências:
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Arquitetura Moderna na Bahia, 1947-1951: uma
história a contrapelo. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Arquitetura, 2012. Tese
de Doutorado. 2 v. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/20818?mode=full>.
Acesso em: 26 maio 2018.

BIERRENBACH, Ana Carolina de S. Fluxos e influxos: arquiteturas modernas,


modernização e modernidade em Salvador na primeira metade do século XX. In:
Arquitextos. ano 12, dez. 2011. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.139/4158>. Acesso em: 30 maio
2018.

BENEVOLO, Leonardo. Historia da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1994.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.

ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. Diógenes Rebouças. Disponível em:


<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa444885/diogenes-reboucas>. Acesso em: 31
maio 2018.

GORELIK, Adrián. Das vanguardas a Brasília: cultura urbana e arquitetura na América


Latina. Belo Horizonte: Humanitas: Ed. UFMG, 2005.

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