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no Contexto Regional
SALVADOR
Falar em Arquitetura Moderna em Salvador antes da
década de 1940 é um assunto controverso, pois os
exemplos produzidos são poucos e não chegaram a
representar um ponto de inflexão na produção
tradicional da arquitetura baiana.
Sanatório de
Tuberculosos Sta.
Terezinha (1942)
EBA (UFBA)
https://
mapeamentocultural.ufba.br/
areas-convivencia/escola-de-
belas-artes-area-externa
Em 1951, foram apenas 03 diplomados (incluindo
Diógenes Rebouças, que antes disso atuava como
autodidata); 04 em 1952 e 13 em 1953. A partir daí,
tivemos uma média de 12 arquitetos diplomados por
ano em Salvador ao longo do resto da década de 1950.
Diógenes Rebouças
(1914-1994)
https://vitruvius.com.br/
revistas/read/drops/
14.080/5173
Elevador Lacerda: projeto da década de 1930
(Fleming Thiesen e Adalberto Szilard)
Antigo hidroporto de
Salvador (Ribeira),
construído entre 1937 e
1939, no estilo Art Déco
(Ricardo Antunes)
http://piersalvador.blogspot.com/2007/11/o-hidroporto-da-ribeira-comeou-ser.html
Outros destaques da arquitetura produzida antes de
1940 na Bahia (ambas promovidas pelo poder público)
são: o Instituto do Cacau e o ICEIA, ambos do arquiteto
alemão Alexander Buddeus.
http://classicalbuses.blogspot.com/2014/01/instituto-do-cacau-em-salvador.html
Apesar de bastante inovador para os padrões baianos da
década de 1930, Alexander Buddeus era muito mais
ligado ao Expressionismo e às experiências da Bauhaus
do que propriamente à chamada Arquitetura Moderna
que se desenvolvia em outras partes do mundo.
Instituto Normal da
Bahia (atual ICEIA)
http://
arquitetandonanet.blogspot.com/
2010/10/instituto-normal-da-bahia-
atual-iceia.html
O período a partir da segunda metade da década de
1940, contudo, passa a ser considerado como o grande
marco do avanço da Arquitetura Moderna na Bahia por
uma série de motivos:
a) Criação do EPUCS – Escritório do Plano de Urbanismo da
Cidade do Salvador - entre 1942 e 1943, com a proposta
de atuar no planejamento urbano da capital baiana. Mais
tarde, a partir de 1947, funcionou como o principal
escritório de arquitetura do Estado, sendo responsável
por atender a inúmeras demandas municipais e
estaduais, “contribuindo enormemente tanto para a
consolidação da arquitetura moderna na Bahia quanto
para a constituição do campo arquitetônico no Estado”
(ANDRADE, 2012). (Detalhes mais adiante)
b) Do ponto de vista econômico, foi nos anos 1940 que a
Bahia começou a sua fase expressiva de industrialização
(reduzindo, portanto, a dependência dos produtos
agrícolas), primeiro com a construção da 1ª refinaria de
petróleo do Brasil, Mataripe (município de S. Francisco
do Conde) e depois com a construção da usina
hidroelétrica de Paulo Afonso, na divisa da Bahia com
Alagoas e Pernambuco.
http://
exposicao60anos.agenciapetrobras.com.
br/decada-1950-momento-3.php
c) Do ponto de vista político, coincide com o processo
de retorno à democracia no país (ou seja, o fim da
era de Getúlio Vargas) com a eleição do General
Eurico Gaspar Dutra para presidente do Brasil
(1945), Otávio Mangabeira governador da Bahia
(1947) e José Wanderley de Araújo Pinho para a
prefeitura de Salvador (1947). Foi justamente no
governo de Mangabeira (1947-1951) que foi
implantada grande parte das obras modernistas de
maior importância e repercussão no estado.
d) Do ponto de vista cultural, destaque para a atuação
de Anísio Teixeira como Secretário de Educação e
Saúde da Bahia (nomeado por Mangabeira) e
Clemente Mariani (banqueiro baiano) nomeado
por Dutra para o Ministério da Educação e Saúde.
Este último será o grande responsável por
importantes investimentos federais na Bahia
nesses dois setores.
Anísio Teixeira
(1900-1971)
https://pt.wikipedia.org/wiki/An
%C3%ADsio_Teixeira
e) Foi nesse mesmo período que ocorreu a consolidação
da arte moderna na Bahia, graças aos esforços de vários
artistas - Mário Cravo Junior, Carlos Bastos, Genaro de
Carvalho, Maria Célia Amado, Jenner Augusto, Carybé
etc. Esse grupo recebeu enorme apoio do secretário
Anísio Teixeira, promotor dos importantes Salões
Baianos de Belas Artes.
https://www.escritoriodearte.com/artista/carybe
f) A partir da década de 1940, a Bahia assistiu a um
grande crescimento da indústria da construção civil.
Publicações da época dão conta de que entre 1939 e
1949 quase 8.650 edificações foram construídas na
zona urbana de Salvador (sendo 1.016 só em 1947).
Essa demanda inclusive levou à implantação, em
1951, de uma fábrica de cimento em Salvador – a
Cimento Aratu S.A. -, instalada às margens da Baía de
Todos os Santos.
http://www.amoahistoriadesalvador.com/
a-antiga-fabrica-de-cimento-aratu-vista-
do-mar-praia-de-tubarao/
Detalhe: A questão política não se restringia apenas ao
surgimento de um espírito de maior liberdade e
abertura para o vanguardismo, típicos de ambientes
mais democráticos... Na verdade, em quase toda a
América Latina, a arquitetura moderna esteve
intimamente ligada às iniciativas do Estado. A
arquitetura moderna servia, pois, como o símbolo
ideal de progresso e investimento no futuro,
conforme o discurso dos governantes. Os novos
edifícios modernistas eram as “representações das
modernidades nacionais”. Nas palavras de Gorelik, o
arquiteto brasileiro era, naquele momento, "o artista
construtor de símbolos políticos" (GORELIK, 2005).
Graças a todos esses fatores, no período entre a 2ª
metade da década de 1940 e a 1ª metade da década
de 1950 produziu-se na Bahia inúmeros projetos
importantes, todos adotando uma linguagem
claramente modernista.
Escolhemos, assim, o período do governo de Otávio
Mangabeira para a nossa análise (1947 a 1951), um
dos mais importantes da história da Bahia.
Coincidentemente, são também anos marcantes na
carreira de Diógenes Rebouças, o personagem de
maior destaque do referido período na arquitetura
baiana.
A arquitetura modernista baiana produzida nesse
período possui vários pontos em comum. Podemos
elencar:
https://www.facebook.com/amoahistoriadesalvador.byloutibahia/photos/
a.729839003722159/1945663968806317/?type=3
d) Integração das artes plásticas com a arquitetura – a
chamada síntese das artes - através da encomenda
de painéis, mosaicos, esculturas etc. aos mais
renomados artistas do período (Mário Cravo Junior,
Carybé, Genaro de Carvalho, Jenner Augusto, Carlos
Bastos), todos ligados ao Modernismo. É preciso
lembrar que, até 1948, o curso de arquitetura era
ministrado dentro da EBA-BA, o que aproximava
bastante os artistas e os arquitetos (muitos, como o
próprio Diógenes, inclusive atuando nas duas áreas).
https://casavogue.globo.com/LazerCultura/Hoteis/noticia/2017/08/sheraton-da-bahia-
respira-arte-e-historia.html
Fonte: Fundação
Pierre Verger
Na área de habitação social, um dos temas estudados
pelo EPUCS, destaque para a criação das chamadas
“vilas proletárias” durante o governo de Otávio
Mangabeira. O primeiro desses conjuntos
habitacionais - o Conjunto Residencial Salvador, com
projeto feito pelo próprio EPUCS – foi erguido em um
terreno comprado pelo IAPI (Instituto e
Aposentadorias e Pensões dos Industriários) no bairro
do Retiro.
Fonte: Acervo do
Conjunto Residencial
Salvador
Nesses blocos, é significativa a aproximação de sua
arquitetura com os preceitos da arquitetura moderna
europeia: uso de pilotis elevando os prédios acima do
solo; telhado em uma única água; tratamento
simplificado das fachadas, criação de áreas de uso
comunitário (nesse caso, a lavanderia), inserção dos
blocos em uma ampla área verde etc.
http://fllorestas.blogspot.com/
2011/11/
Radicado na Bahia, o arquiteto Paulo Antunes Ribeiro
foi o autor, dentre outras obras (incluindo o Hotel da
Bahia, em parceria com Diógenes Rebouças), dos
icônicos prédios Caramuru (1946-1949, com grande
repercussão em revistas internacionais) e Paraguassu
(inaugurado apenas em 1952), marcos importantes
da arquitetura modernista em Salvador.
Ed. Caramuru
http://arquitetandonanet.blogspot.com/
2010/07/edificio-caramuru-comercio-
salvador.html
Nos dois projetos, situados na Cidade Baixa (Comércio)
– e a apenas 200 metros um do outro - observa-se a
preocupação do arquiteto em proteger os ambientes
internos da incidência direta do sol.
Ed. Caramuru
No edifício Caramuru, destaque ainda para as obras
de arte: escultura de Jacques Gotard (fachada
sudoeste) e escultura de cobre de Burle Marx, painel
de Mário Cravo Júnior etc.
Lev Smarcevscki
http://www.vivasaveiro.org/?page_id=4
A sua produção, embora centrada principalmente
em edificações residenciais, teve grande
repercussão na época: “...esses arquitetos
[Smarcevscki e Rebouças], com seus projetos
destinados a residências, despertaram não apenas
curiosidade, mas entusiasmo e adesão, tanto na
classe média quanto nos estratos mais pobres,
particularmente numa cidade como Salvador
marcada por seus casarões coloniais, arquitetura
eclética e (...) por poucos edifícios modernos e déco
que eram geometricamente mais contidos”
(MAGNAVITA, 2003 apud ANDRADE, 2012).
Destaque para os seguintes projetos do EAU: (1)
residência Jorge Cintra Monteiro (projeto de Lev
Smarcevski, de 1948); (2) residência Raul Faria e (3)
residência Waldemar Gantois.
Residência Cintra Monteiro
http://wwwmemoriasdafontenova.blogspot.com/2010/10/como-surgiu-fonte-nova.html
Chegando ao local, Diógenes convence o governo a mudar
a localização do estádio e apresenta o seu próprio projeto
para a Fonte Nova. Aprovada (inclusive com parecer de
Oscar Niemeyer), esta obra muda o rumo de sua carreira.
Escola Mínima no
município de Cipó
Maquete da Escola
Nuclear (EN)
Maquete do Grupo
Escolar Médio
https://
vitruvius.com.br/
revistas/read/
resenhasonline/
17.194/6878
A ideia de construir um grande e moderno hotel em
Salvador vinha preencher uma importante lacuna
na área do turismo local. Até então, as poucas
opções existentes na cidade (apenas 359 quartos
em 1949, de acordo com o “Pequeno Guia Turístico
da Cidade do Salvador”) não tinham a qualidade
exigida pela maior parte dos turistas (especialmente
os estrangeiros). Tendo em vista o potencial
turístico da Bahia, até mesmo o governador
Mangabeira envolveu-se no processo de
viabilização do empreendimento.
Assim sendo, logo em julho de 1947 (pouco mais de
três meses após a posse de Mangabeira), Diógenes já
apresentava uma primeira proposta para um hotel de
alto padrão no terreno escolhido. Detalhe: o hotel
acabou possuindo, no final, quatro versões mais ou
menos significativas, mas todas produzidas por
Diógenes e todas com o mesmo partido
arquitetônico.
Perspectiva do Hotel da
Bahia (1947), de Diógenes
Rebouças
Fonte:www.lygiasampaio.com
O hotel é composto de diferentes volumes articulados,
sendo o principal deles um grande paralelepípedo de
oito pavimentos-tipo e uma cobertura recuada. Nesse
bloco maior ficam os apartamentos para os turistas.
https://
www.facebook.com/
diogenesdealmeidareb
oucas/?locale=pt_BR
A sua implantação no terreno, apesar de inusitada, era
plenamente justificada: não apenas permitia a
construção de um bloco mais comprido (84 metros) no
terreno com aquele formato, como também
preservava as duas vistas mais privilegiadas: para o
Campo Grande, nos quartos da fachada sudeste, e para
a Baía de Todos os Santos nos quartos da fachada
noroeste.
http://
cartografandobardireboucas.blogs
pot.com/2012/05/iconografia-
diogenes-reboucas.html
Por fim, para reduzir a sensação de "peso" do bloco
maior (o dos apartamentos), Diógenes inseriu um
conjunto de pilotis extremamente delgados, que elevam
o edifício a quase 12 metros do solo.
https://www.archdaily.com.br/
br/758897/classicos-da-
arquitetura-faculdade-de-
arquitetura-e-urbanismo-da-
ufba-diogenes-reboucas/
548875dde58ece8515000026
Graças a seu prestígio,
consegue atrair para a Bahia
arquitetos prestigiados – Lina
Bo Bardi, José Bina Fonyat
Filho etc. - para atuar como
professores do curso na
UFBA. https://www.archdaily.com.br/br/
758509/citacoes-de-lina-bo-bardi
https://www.researchgate.net/publication/
320568554_Diogenes_Reboucas_e_o_EPUCS_plan
ejamento_urbano_e_arquitetura_na_Bahia_1947-
1950/fulltext/59eea8014585154350e81b01/
Diogenes-Reboucas-e-o-EPUCS-planejamento-
urbano-e-arquitetura-na-Bahia-1947-1950.pdf
A equipe do EPUCS era extensa, sendo composta por
profissionais de diferentes especialidades (arquitetos,
engenheiros, historiadores, desenhistas, topógrafos,
arquivistas, biólogos, botânicos, maquetistas, médicos
etc.), além de pessoal administrativo. Nos seus
primeiros quatro anos, sob a coordenação de Mário
Leal Ferreira, a função principal de Diógenes
Rebouças era fazer a compatibilização das várias
propostas e depois submetê-las à avaliação de Mário.
http://
osvaldocampos.blogspot.com/
2009/04/quem-pensou-salvador-
do-futuro-mario_13.html
A sua produção arquitetônica, no entanto, ligava-se
diretamente à chamada escola carioca do
modernismo, não apenas pelas lacunas da formação
em arquitetura na Bahia (já mencionadas) como
também pela contribuição dada por vários arquitetos
cariocas que, a convite, desenvolveram uma série de
parcerias com o EPUCS (Burle Marx, Jorge Moreira,
Rocha Miranda, Souza Reis, Hélio Uchôa, Paulo
Antunes etc.).
Proposta para o
Terreiro de Jesus
de Burle Marx
https://www.pinterest.pt/pin/
229331806003699192/
Ao longo dos anos, a produção do EPUCS foi extensa
e variada: (1) promoveu o primeiro levantamento
aerofotogramétrico da zona urbana de Salvador; (2)
desenvolveu pesquisas históricas; (3) realizou estudos
geológicos e topográficos da cidade; (4) estudos
meteorológicos e climatológicos; (5) estudos na área
de higiene e saneamento básico; (6) elaborou um
levantamento das redes de infraestrutura urbana; (7)
estudou a rede de abastecimento alimentar; (8)
promoveu estudos ligados à educação e cultura; (9)
desenvolveu estudos econômicos; (10) colaborou
para a criação de uma legislação urbana mais técnica
e detalhada etc.
Todo esse extenso material serviu de base, mais tarde,
para o Plano de Salvador e suas diferentes
proposições: zoneamento de áreas, definição de vias
de comunicação, definição de áreas verdes (parques e
jardins), definição de áreas para a habitação,
localização dos serviços públicos, localização dos
centros de abastecimento etc.
http://www.urbanismobr.org/
bd/documentos.php?id=3510
Além disso, o EPUCS (conforme mencionado
anteriormente) também trabalhou em parceria com
vários arquitetos de fora do estado, o que permitiu
um rico intercâmbio entre profissionais de diferentes
origens e referências. Estudo para novo Centro Cívico na Praça
da Sé
http://www.urbanismobr.org/bd/documentos.php?id=3510
Proposta de criação de uma nova avenida
multimodal ligando o Terreiro de Jesus à Av.
Sete de Setembro.
file:///C:/Users/Jan%20Van%20Holthe/Downloads/1282-Article%20Text-4359-1-10-20170526.pdf
Estudo para remodelação da Praça
Castro Alves
file:///C:/Users/Jan%20Van%20Holthe/Downloads/1282-Article%20Text-4359-1-10-20170526.pdf
Dentre as suas realizações mais conhecidas,
destaque para a criação das avenidas de vale. A
Avenida Centenário (a primeira delas), por exemplo,
começou a ser construída em 1949 como parte das
celebrações do 4º centenário da fundação de
Salvador.
http://
www.amoahistoriadesal
vador.com/fotos/page/
62/
Com a morte de Mário Leal (1947), Diógenes
Rebouças assume a coordenação geral do EPUCS. Na
sua gestão, o EPUCS ampliou bastante a atuação do
escritório, elaborando os principais projetos de
equipamentos e espaços públicos encomendados
pela Prefeitura e pelo Governo do Estado no período.
http://www.cidade-salvador.com/urbanismo/reestruturacao.htm
Por fim, vale a pena relembrar que, diante das
fragilidades mencionadas na formação em arquitetura
na Bahia até o início da década de 1950, o EPUCS
acabou funcionando também como uma verdadeira
“escola”, responsável pela formação de uma geração
inteira de arquitetos e urbanistas baianos: Assis Reis,
Emanuel Berbert etc.
http://www.acervoassisreis.com.br/biografia/
Referências:
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Arquitetura Moderna na Bahia, 1947-1951: uma
história a contrapelo. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Arquitetura, 2012. Tese
de Doutorado. 2 v. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/20818?mode=full>.
Acesso em: 26 maio 2018.