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Problemas éticos do mundo

contemporâneo:
É a guerra moral?
É a guerra moral?
«A guerra é vista como um período
excecional, no qual a destruição e a
crueldade capeiam, e falar de ética
neste contexto parece ser um
contrassenso e mesmo um ultraje.
Assim, e antes de mais, interessa
analisar a própria possibilidade de
regulação moral dos conflitos e do
discurso moral acerca da guerra.»
Fátima Costa
É a guerra moral?

Realismo
Não
Pode a Pacifismo
Problema guerra ser
moral? Utilitarismo
Sim
Guerra justa
Realismo
A guerra é amoral. A guerra é uma situação de exceção à qual não se
Tese aplicam os conceitos morais.

Perspetiva consequencialista, particularista e estatista, que


defende que a guerra não é moral, precisamente porque se
enquadra no campo da amoralidade.

Ceticismo quanto à moralidade da e na guerra.

Deve obedecer-se à realpolitik.


Realismo
A guerra justifica-se quando serve o interesse nacional: é um instrumento adequado
para resolver as divergências políticas entre Estados e promove o equilíbrio de poderes.

Inter arma silent leges: uma vez em guerra, os Estados devem fazer tudo o que for
necessário para ganhar.

A moderação na guerra constitui uma irracionalidade: A guerra é brutalidade e


violência e visa, através da força armada, forçar o inimigo a cumprir a nossa vontade.

A guerra A guerra é Tudo deve


está uma ser feito
Realismo A guerra é Inter arma
justificada questão de para
político amoral silent leges
pela interesse garantir a
necessidade nacional vitória
Realismo

Se a necessidade A moralidade é
assim o exigir, o incapaz de descrever a
governante pode ter realidade das relações
de ser cruel e entre os Estados,
fraudulento para obter vivendo estes num
e manter o poder. estado natural de
O líder político não guerra.
pode sentir remorsos «O homem é o lobo do
em “sujar as mãos”. homem. »

Nicolau Maquiavel Thomas Hobbes


Duas perspetivas realistas

Realismo descritivo Realismo normativo/prescritivo


─ Postula a incompatibilidade da ética e da política, ─ Pretende estabelecer como os Estados se devem
nomeadamente na guerra. comportar na cena internacional.

─ A moralidade é incapaz de descrever a realidade das ─ Os Estados devem (dever prudencial e não moral) ser
relações entre Estados, vivendo estes numa espécie de amorais em matéria de relações internacionais, porque se
estado natural de guerra (T. Hobbes). agirem com base em princípios morais serão explorados
por Estados menos escrupulosos ou correm o risco de
─ Os Estados são motivados por questões de poder, de ofender Estados e comunidades com outros valores,
segurança e de interesse nacional, e, para servirem os prejudicando, assim, a defesa dos seus interesses.
interesses dos seus cidadãos de forma eficaz, não podem agir
moralmente, pois outros Estados estão dispostos a fazer tudo ─ As normas e as determinações morais aplicadas à guerra
ao seu alcance para atingirem os seus objetivos. atraem consequências trágicas: não se trata da mera
defesa de interesses, mas sim de necessidade militar.
─ Não se pode julgar a decisão de um Estado fazer guerra do
mesmo modo que não se pode julgar moralmente os ─ A desvalorização dos interesses egoístas que movem os
fenómenos naturais. Estados e dos benefícios geoestratégicos apenas
contribuem para a submissão dos povos.
─ O realismo descritivo pretende ser factual e, como tal, a
sua verdade ou falsidade depende da sua adequação aos
factos.
Realismo
Críticas:

1. Nem sempre as guerras são uma


inevitabilidade e implicam um grau de
destruição desmesurado, assim como a
ausência de considerações morais.

2. Há limites ao que, como indivíduos,


podemos fazer para proteger ou
promover os nossos direitos.
Pacifismo
A guerra é imoral e ilegítima. A guerra é sempre um crime contra
Tese a humanidade.

Perspetiva complexa e heterogénea, pois reúne correntes de pensamento muito diferentes entre si,
mas que concordam numa posição antiguerra e favorável à paz.
Pacifismo
«A guerra é um monstro que tudo devora e com
nada se sacia.»

─ Recusa absoluta do recurso à força e condenação


total da guerra.
─ Desejo de paz em todas as circunstâncias.

O bem
A guerra é
A guerra é torna--se mal
Realismo um crime Recusa total
imoral e e o mal Paz perpétua
político contra a da violência
ilegítima torna-se
humanidade
bem
Pacifismo

«Não deve considerar- «Quem já viu 100 000


se como válido animais a correrem para se
nenhum tratado de degolarem uns aos outros,
paz que se tenha feito como os homens fazem por
com a reserva secreta toda a parte, sabe que nada
de elementos para há mais perverso, mais
uma guerra futura.» desastroso, mais
destruidor, mais
repugnante, numa palavra,
Erasmo de Roterdão mais indigno do Homem.»
Pacifismo

«A violência como forma de «A não violência é a maior


alcançar a justiça racial é das forças à disposição da
impraticável e imoral. […] humanidade. É mais
Uma das coisas mais poderosa do que a mais
importantes da não violência forte das armas de
é que não busca destruir a destruição criadas pelo
pessoa, mas transformá-la.» engenho do Homem.»

Martin Luther King Mahatma Gandhi


Perspetivas pacifistas
Pacifismo abolicionista Pacifismo teleológico
A humanidade deve empenhar-se em pensar a paz Radica nas éticas das virtudes: a guerra é a
e não a guerra. Prefere a elucidação das condições realidade menos apropriada para o exercício das
para abolir a guerra (o que supõe a transformação verdadeiras virtudes, tais como a caridade, o amor,
de toda uma cultura centrada na apologia da a honestidade, a tolerância e o perdão, o que
guerra e dos feitos guerreiros) e a criação de uma impede o telos (objetivo da vida) que é o pleno
nova ordem institucional, na qual domine a desenvolvimento das faculdades do ser humano e
legalidade, a justiça, a cooperação e a paz. da sua excelência moral.

Pacifismo deontológico Pacifismo consequencialista


Tanto de inspiração religiosa como laica: baseia a Opõe-se à guerra pelo facto de esta ser
sua oposição à guerra na inviolabilidade dos contraproducente: os benefícios da guerra nunca
direitos, nomeadamente dos inocentes, e na superam os seus custos devido ao elevado número
obrigação moral de não matar outros seres de mortes e do sofrimento que provoca. A
humanos. A guerra é um mal em si absoluto. A violência é geradora de mais violência e
guerra é intrinsecamente errada, porque viola responsável pela maximização da infelicidade ao
deveres absolutos, como o de não matar. Só há maior número de pessoas.
uma forma de evitar a morte na guerra, que é não
fazer a guerra de todo.
Pacifismo
Críticas:

1. Por vezes, a guerra pode ser justificável


para assegurar o direito à
autodeterminação e autodefesa das
comunidades. O pacifismo falseia a
realidade, ao defender que toda e
qualquer guerra é ilegítima.
2. O pacifismo convida ao sacrifício da
vítima inocente. A paz, sem direitos,
não é paz.
Utilitarismo
A guerra tem uma natureza moral, desde que contribua para a
Tese maximização da felicidade para o maior número.

Perspetiva que considera que o critério da moralidade na guerra tem por base cálculos de felicidade
expectável.
Utilitarismo
Em determinadas circunstâncias, quer matar quer a
guerra podem assumir legitimidade moral: Matar é
um mal, mas, em circunstâncias extremas, esta regra
pode ser violada se maximizar o bem.

Não há exigências morais incomensuráveis: em


nome da maximização da felicidade, não se deve
impedir um Estado de usar toda a força necessária
para vencer o inimigo.

Maximização Opção entre


A guerra tem
da felicidade Imparcialidade Matar não é um mal maior
Utilitarismo uma natureza
ao maior ética um mal em si e um mal
moral
número menor
Utilitarismo
Críticas:

1. Os utilitaristas, em nome da
maximização da felicidade, admitem a
violação de direitos e de regras morais
e o sacrifício de inocentes.
2. A justiça e os valores não são
mensuráveis: não há como quantificar
a independência de um país, a
liberdade, a dignidade ou a justiça.
Guerra justa
A guerra é moral, desde que regida por critérios morais
Tese universais e imparciais que lhe imponham limites.

Perspetiva que tem origem na tradição cristã, com


Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, no
entanto, na atualidade, é maioritariamente laica.

A guerra tem uma natureza moral e, em


determinadas circunstâncias, pode ser uma
obrigação moral, quando se trata da defesa de
direitos políticos das comunidades na esfera
internacional.
Guerra justa
 A guerra só pode ser travada por razões morais
e como via necessária para a paz.
 Quando não está em causa a defesa dos
direitos essenciais, a guerra é injusta.
 As guerras justas são essencialmente defensivas
e limitadas nos seus objetivos e forças.

A guerra justa é aquela cuja avaliação é feita com


sentido de justiça, racionalidade e imparcialidade,
e que se rege por princípios de crítica moral.
Guerra justa
Jus ad bellum (critérios para uma guerra justa)
1. Causa justa: um Estado só pode declarar guerra por razões adequadas, isto é, por uma causa justa.
2. Boa intenção: um Estado deve fazer guerra apenas devido a uma intenção que seja correta/boa.
3. Autoridade competente: a guerra deve ser declarada por uma autoridade legal com poder reconhecido.
4. Último recurso: devem ter sido esgotadas todas as restantes formas de resolver o problema.
5. Probabilidade de sucesso: deve haver uma probabilidade razoável de ganhar a guerra.
6. Justa proporcionalidade: os meios devem ser proporcionais aos fins da guerra.

Jus in bello (conduta justa da guerra)


1. Discriminação: os não combatentes (civis) não são um alvo legítimo, devem ser considerados inocentes (não envolvimento). Só
são considerados alvos legítimos os que participam direta ou indiretamente na guerra.
2. Proporcionalidade: só deve ser empregada a força apropriada (quer relativamente aos tipos de força quer relativamente à
medida da força usada). Exclui armas de destruição maciça e impede a violência gratuita.
3. Respeito pelas convenções internacionais de guerra quanto a armas (proibidas armas biológicas), tratamento dos prisioneiros
de guerra (proibido torturar) e meios de guerra (proibido o genocídio, limpezas étnicas).

Jus post bellum (conduta após a guerra)


1. Castigo: os soldados e os Estados que violam direitos básicos devem ser julgados por tribunais internacionais.
2. Compensação: os Estados agredidos devem ser compensados financeiramente pelos danos causados.
3. Reabilitação: reforma das instituições políticas do Estado agressor, de modo a respeitar as convenções internacionais.
Guerra justa
A guerra é
A guerra tem regida por
uma critérios Jus ad Jus post
Guerra justa Jus in bello
natureza morais bellum bellum
moral universais e
imparciais
Guerra justa

«Se recorrermos ao mal,


«A defesa dos direitos
devemos fazê-lo em plena
é a única razão para
consciência do que o mal
combater.
envolve. Devemos escolher
As restrições da guerra
meios violentos apenas
são o princípio da
como um último recurso.»
paz.»

M. Walzer M. Ignatieff
Guerra justa
Críticas:

1. A guerra moderna liquidou a


possibilidade de guerra justa e conduz-
-nos ao perigo de niilismo: estamos
perante o terrorismo, a guerra
biológica, nuclear, que retirou todo o
sentido aos princípios do jus in bello e
jus ad bellum.
2. A natureza da guerra atual não permite
distinguir e definir quem é combatente
e quem é civil/inocente.

"World Trade Center 9/11/01 attack memorial photo" by cattias.photos is licensed under CC BY-NC-ND 2.0

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